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IIES – Instituto Itapetiningano de Ensino Superior Disciplina: História do Direito e Direitos Humanos Curso: Direito Período: 2º Semestre Professor: Carlos Eduardo Viana Kortz O Direito no Brasil Colonial - Parte I: O Brasil português (1500-1822) Quando ocorreu a centralização do poder nas mãos dos reis, na Europa, os impostos de cada antigo feudo passaram a se concentrar na Fazenda Real ou Erário Régio, uma instituição estatal. Com esses recursos, os reis começaram a financiar a atividade comercial da burguesia no continente europeu e, depois, no ultramar. As grandes expedições ultramarinas, como as de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, só foram possíveis porque as monarquias espanhola e portuguesa investiram dinheiro no treinamento de marinheiros, na construção de caravelas e naus bem equipadas, no desenvolvimento de instrumentos técnicos para a navegação, etc. Foi uma empresa caríssima, que só foi possível graças à montagem de uma estrutura centralizada de arrecadação de impostos em ambos os estados. Quando Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa em 1500, o seu objetivo era atingir as Índias, região do Oriente onde eram produzidas as “especiarias” (gengibre, pimenta, canela, cravo, nós-moscada, etc.), que os portugueses trocavam por outras mercadorias e revendiam na Europa, obtendo lucros vultosos. É importante lembrar que havia uma rota antiga para as Índias, que era utilizada principalmente pelos genoveses e venezianos. Essa rota passava pelo mar Mediterrâneo, indo até o Oriente Próximo, onde todas as mercadorias tinham que ser descarregadas, e se percorria o resto do caminho de camelo, mula ou mesmo a pé. Era uma rota difícil, dispendiosa e perigosa, e quando os turcos otomanos (já convertidos ao islamismo) tomaram o Mediterrâneo em 1453, as dificuldades para percorrê-la aumentaram ainda mais.

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IIES – Instituto Itapetiningano de Ensino Superior

Disciplina: História do Direito e Direitos Humanos

Curso: Direito

Período: 2º Semestre

Professor: Carlos Eduardo Viana Kortz

O Direito no Brasil Colonial - Parte I: O Brasil português (1500-1822)

Quando ocorreu a centralização do poder nas mãos dos reis, na Europa, os impostos de cada antigo feudo passaram a se concentrar na Fazenda Real ou Erário Régio, uma instituição estatal. Com esses recursos, os reis começaram a financiar a atividade comercial da burguesia no continente europeu e, depois, no ultramar.

As grandes expedições ultramarinas, como as de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, só foram possíveis porque as monarquias espanhola e portuguesa investiram dinheiro no treinamento de marinheiros, na construção de caravelas e naus bem equipadas, no desenvolvimento de instrumentos técnicos para a navegação, etc. Foi uma empresa caríssima, que só foi possível graças à montagem de uma estrutura centralizada de arrecadação de impostos em ambos os estados.

Quando Pedro Álvares Cabral partiu de Lisboa em 1500, o seu objetivo era atingir as Índias, região do Oriente onde eram produzidas as “especiarias” (gengibre, pimenta, canela, cravo, nós-moscada, etc.), que os portugueses trocavam por outras mercadorias e revendiam na Europa, obtendo lucros vultosos. É importante lembrar que havia uma rota antiga para as Índias, que era utilizada principalmente pelos genoveses e venezianos. Essa rota passava pelo mar Mediterrâneo, indo até o Oriente Próximo, onde todas as mercadorias tinham que ser descarregadas, e se percorria o resto do caminho de camelo, mula ou mesmo a pé. Era uma rota difícil, dispendiosa e perigosa, e quando os turcos otomanos (já convertidos ao islamismo) tomaram o Mediterrâneo em 1453, as dificuldades para percorrê-la aumentaram ainda mais.

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O português Bartolomeu Dias encontrou um novo caminho para as Índias em 1488. Seguindo esse caminho, Vasco da Gama, em 1495/1496, cruzou o Cabo da Boa Esperança (no sul da África) e chegou a Calicute, que era a cidade comercial mais importante das Índias, estabelecendo ali relações comerciais com os indianos. Vasco da Gama voltou a Lisboa em 1499, trazendo muita mercadoria: gengibre, pimenta, cravo, canela e outras especiarias. Foi recebido como herói pelo rei e pela população.

Em vista disso, o rei D. Manuel organizou uma nova expedição às Índias, chamando para ser seu capitão Pedro Álvares Cabral. Cabral tinha na época 32 anos e era um ótimo estrategista militar. Parece que o objetivo, dessa vez, não era só estabelecer relações comerciais com os indianos, mas também analisar as possibilidades de uma intervenção militar portuguesa nas Índias, ou seja, Cabral teria que, como se não quisesse nada, avaliar os riscos e estabelecer estratégias para uma provável futura invasão portuguesa de Calicute e de outros pontos estratégicos daquela região.

Pedro Álvares Cabral partiu com sua frota rumo às Índias. De acordo com o relato do escrivão Pero Vaz de Caminha, que estava na frota, na altura das ilhas Canárias um dos navios se perdeu. Cabral começou então a procurá-lo, desviando-se da rota, o que o levou ao Brasil.

A pergunta que os historiadores se colocam é a seguinte: será que esse afastamento foi só mesmo para tentar encontrar o navio que se perdeu ou foi porque Cabral sabia, ou pelo menos tinha uma idéia, de que ele encontraria alguma coisa ali? No norte, o navegador Cristóvão Colombo havia encontrado um novo território, e os portugueses sabiam disso.

Para quem não conhece a história de Colombo, ele era um navegador experiente de origem italiana – era genovês – que tentou vender uma idéia para os portugueses: a de que se eles navegassem rumo a Oeste, dariam a volta ao mundo e chegariam às Índias, porque a terra era redonda. Os portugueses, céticos, não acreditaram e resolveram investir mesmo na “Carreira da Índia” passando pelo Cabo da Boa Esperança. Colombo então foi vender a sua idéia aos reis de Castela, que acreditaram nele e financiaram a sua viagem. Colombo "descobriu" a América em 1492, só que morreu achando que tinha chegado às Índias.

No período em que Portugal não sabia ainda o que fazer com o Brasil, a única atividade econômica que os portugueses estabeleceram ali foi a extração do

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pau-brasil, que era uma madeira que produzia uma tintura “cor de brasa” (vermelha), de alto valor comercial na Europa, utilizada principalmente nas manufaturas de tecidos.

Por volta de 1530, o comércio com as Índias já não era tão vantajoso aos portugueses devido à concorrência com outras potências marítimas.

Os lucros obtidos por Portugal com o comércio oriental estavam diminuindo, o que, aliado à ameaça de invasão estrangeira do Brasil, fez com que o rei de Portugal decidisse colonizar o território de fato, ou seja, explorar, povoar e defender, dando um rumo econômico diferente (e mais lucrativo) para a nova colônia. Em 1530, o rei de Portugal, D. João III, enviou ao Brasil uma expedição comandada por Martim Afonso de Sousa, que teve como objetivo percorrer a costa brasileira, reconhecendo o litoral, e dar início ao estabelecimento de um sistema administrativo que permitisse a colonização do Brasil, sistema este que ficou conhecido como "Capitanias Hereditárias". O Brasil foi dividido em 15 capitanias. Mas o que era uma capitania hereditária? Naquela época, capitania era uma divisão territorial e política dentro de uma colônia. Era um espaço territorial delimitado que pressupunha, também, dentro de seus limites, a presença de uma autoridade administrativa. As capitanias hereditárias foram a primeira experiência de descentralização política no Brasil. Por quê? Porque cada capitania era governada por uma autoridade, o capitão donatário, escolhido pelo rei de Portugal. Não havia centralização do poder nas mãos de uma única autoridade no Brasil, mas várias autoridades, vários capitães donatários governando em territórios delimitados – por isso descentralização do poder –, uma forma de organização política muito parecida com a do sistema feudal. A missão do capitão donatário era povoar o território da sua capitania, fazê-lo dar lucro e defendê-lo de invasores estrangeiros.

Embora o rei de Portugal estivesse acima do capitão, este não era funcionário do rei, não representava o estado, era apenas um nobre interessado em ficar rico no Brasil.

O capitão donatário tinha poderes quase absolutos sobre quem vivia na sua capitania: ele tinha poder para criar vilas, administrar a justiça e questões relativas à produção econômica; podia mandar prender, matar... Só não podia

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fazer tudo porque havia um documento que, de certa forma, limitava um pouco (mas muito pouco mesmo) o seu poder: a Carta de doação e Foral, que estabelecia os direitos, algumas leis, os tributos a serem pagos ao rei e ao próprio capitão, entre outras coisas. Fora isso, o poder do capitão sobre a sua capitania era imenso, quase absoluto.

O problema foi que apenas duas capitanias prosperaram: a de Pernambuco, no Nordeste, e a de São Vicente, no Sudeste. Em vista disso, em 1548 o sistema de capitanias hereditárias foi extinto e o rei de Portugal decidiu colocar no seu lugar um sistema administrativo centralizado: o Governo Geral.

A Capitania de Pernambuco deu certo porque conseguiu dar início à cultura da cana e à produção de açúcar de forma relativamente organizada. Conseguiu também defender e povoar o território

Já a Capitania de São Vicente deu certo não por ter iniciado uma atividade econômica que se mostrasse lucrativa, porque nesse ponto o seu capitão donatário não foi muito bem sucedido – embora tenha havido ali um certo desenvolvimento da cultura canavieira –, mas ele conseguiu povoar a região de forma satisfatória e montou ali um sistema de defesa eficaz que, na opinião do rei de Portugal, deveria ser mantido para defender aquelas terras mais ao sul contra uma possível invasão estrangeira.

Temos então duas capitanias que deram certo e um Governo Geral – instituído em 1548 –, na Capitania da Bahia (por ter sido o primeiro ponto de ocupação do território brasileiro), com sede em Salvador (cidade criada em 1548 justamente para ser a sede do Governo Geral do Brasil).

O primeiro Governador Geral do Brasil foi Tomé de Souza, que veio acompanhado de outros funcionários (pagos pelo estado português) para auxiliá-lo na sua tarefa administrativa centralizadora: o provedor-mor, responsável por assuntos de finanças, ligados à fazenda (impostos, sobretudo); o capitão-mor, responsável pela defesa da colônia; e o ouvidor-mor, responsável pela aplicação da justiça do rei.

Tomé de Souza foi Governador Geral do Brasil de 1549 até 1553, e foi a partir do seu governo que se desenvolveu a indústria açucareira no Brasil. Por que o açúcar? Primeiro porque os portugueses não tinham conseguido encontrar ouro e prata naquele momento inicial da colonização e precisavam

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de uma atividade econômica que fornecesse mais riqueza ao estado português do que a simples extração de pau-brasil (o açúcar era uma especiaria na Europa). Depois, porque eles já dominavam as técnicas de produção de açúcar, que eram já empregadas em outras possessões portuguesas, como na ilha da Madeira e nos Açores.

Só que eles precisariam de uma mão-de-obra adequada, porque o índio, na visão dos portugueses, não era bom escravo.

Foi aí que teve início o tráfico negreiro para o Brasil.

A África, na época dos descobrimentos, era formada por várias tribos (nações) diferentes de africanos. Os portugueses, já no início do século XV (anos 1400), começaram a estabelecer contato com essas tribos africanas e logo perceberam que a escravidão era uma instituição naturalmente aceita entre elas. Os portugueses, logicamente, tiraram proveito disso, comprando escravos dos próprios africanos.

O que acontecia era que essas tribos entravam em guerra umas com as outras e as tribos vencedoras escravizavam os prisioneiros das perdedoras. Esses prisioneiros eram, então, trocados no litoral por mercadorias que os portugueses traziam: armas, tecidos, rolos de tabaco, vinho, aguardente, roupas usadas, chapéus, etc.

Logo que desembarcavam no litoral brasileiro, os escravos eram reunidos num armazém e depois separados em lotes para serem vendidos.

Foi assim, então, que se introduziu no Brasil o sistema escravista, como um acessório da economia açucareira.

No final do século XVII, diante da crise dos engenhos de açúcar no nordeste brasileiro, os portugueses começaram a investir na produção manufatureira em Portugal (de tecidos, sapatos, roupas, etc.), para ver se com isso a economia portuguesa se reerguia. Só que essa iniciativa acabou não dando certo e foi abandonada. Enquanto isso, no Brasil, os paulistas, colonos da capitania de São Vicente, davam início às suas expedições pelo interior do Brasil. Encontraram muito ouro na região que, mais tarde, foi chamada de Minas Gerais, no final do

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século XVII, entre 1693 e 1695; depois, em Mato Grosso (1719) e, mais tarde, em Goiás (1726). A capitania de Minas Gerais foi criada em 1720.

O rei de Portugal viu aí a chance de resolver todos os problemas econômicos de Portugal e mandou logo promulgar, em 1702, o Regimento dos Superintendentes, Guardas-mores e Oficiais Deputados para as Minas de Ouro (instrumento de centralização e controle). Esse regimento se manteria até o término do período colonial, apenas com algumas modificações.

Vamos agora dar um salto para o ano de 1820. Nessa época, a elite brasileira era formada por grandes proprietários rurais, em particular os de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Contava com a simpatia de altos funcionários, militares e também comerciantes brasileiros e estrangeiros, que queriam que o Brasil fosse livre para comerciar com a Inglaterra e outros países, sem depender da intermediação portuguesa, que era prejudicial aos seus interesses. Essa elite tinha consciência da precária situação de Portugal (devido à crise do ouro e ao seu enfraquecimento político após a fuga da família real para o Brasil, em 1808) e não queria depender de um país em decadência. Queria, na verdade, um Brasil independente, livre para vender seus produtos – principalmente o café – a qualquer país que pudesse pagar por eles.

Já a elite portuguesa (no Brasil e em Portugal), formada principalmente por comerciantes portugueses, queria um Brasil colonial, submetido a Portugal e aos interesses de sua burguesia.

Em resumo, a elite brasileira queria o liberalismo econômico, a livre concorrência, e a elite portuguesa queria a volta do monopólio comercial português (abolido pelo Príncipe D. João em 1808, quando veio para o Brasil), porque só assim ela teria condições de crescer economicamente.

Mas no fundo, podemos afirmar, o que a elite brasileira queria mesmo era poder. Ela queria participar das tomadas de decisões, governar o Brasil de fato, para poder conduzir a política a seu favor, a favor do Brasil cafeeiro, agro-exportador. Ela não queria o retorno do regente D. Pedro (filho do agora rei D. João VI) para Portugal, porque via nele a possibilidade do Brasil se tornar uma nação independente e liberal, não só economicamente – como já estava sendo, desde a abertura dos portos em 1808 –, mas também politicamente.

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Foi com esse objetivo que a elite brasileira apoiou a resistência de D. Pedro em voltar para Portugal e, depois, em 1822, o movimento de Independência.

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro declarou a independência do Brasil e passou a ser o seu imperador (rei). Tem início aí o Brasil Império (1822-1889)

Direito no Brasil Império

O presente trabalho versará sobre os liames básicas do Direito brasileiro no período imperial, este sendo compreendido entre a independência nacional e a proclamação republicana.

Serão abordados, principalmente, tópicos relativos à Constituição de 1824 e aos Códigos aqui estabelecidos em tal período, além dos Regulamentos nº 737 e 738. Nada exposto em complexa demasia, porém com a clareza necessária para o integral entendimento do assunto.

Brasil Independente

Proclamada a Independência de 1822, o Brasil passaria a enfrentar, entre outros graves problemas, o da sua estruturação jurídica. Tarefa das mais difíceis, sem dúvida, que não poderia ser realizada de uma hora para outra, não obstante o regime de urgência que se lhe impunha. Por isso, enquanto se aguardava a concretização de tão alto empreendimento, continuariam em vigor a legislação vigente em 1821 e as leis promulgadas por D. Pedro dessa data em diante.

Já em 1823, como conseqüência das primeiras medidas no sentido de dotar o novo sistema de leis próprias, era convocada a Assembléia Constituinte. E logo se tratou ali da elaboração de um Projeto de Constituição, figurando um dos Andradas – Antônio Carlos – como seu principal redator.

Composto de 272 artigos, eis como se orientou o Projeto de 1823 em seus princípios fundamentais:

a) Monarquia constitucional e representativa;

b) Liberdades e garantias constitucionais, compreendendo liberdade de pensamento e locomoção, liberdade individual e religiosa, liberdade de imprensa, inviolabilidade da propriedade;

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c) Divisão dos poderes em Executivo (exercido pelo Imperador com o auxílio de um Ministério e um Conselho Privado), Legislativo (exercido em conjunto pelo Imperador e pela Assembléia Geral, esta formada da Câmara dos Deputados e do Senado), Judiciário (exercido por “juízes letrados” e jurados, estes com interferência em matéria criminal).

Constituição de 1824

Marcado por um clima natural de divergências e discussões, o Projeto Antônio Carlos começava a ser debatido, quando D. Pedro, a pretexto de serenar os ânimos, tomou uma medida drástica e dissolveu a Constituinte.

Não se diga, porém, que o Imperador se valia apenas de um mero pretexto para conter os anseios liberais e impor sua vontade mais autoritária. Por certo, outras razões influíram no seu comportamento, quer por convicção própria, quer por incentivo de membros da cúpula governista. Vicente Barreto, como razão fundamental, “que acabaria por separar definitivamente os constituintes do Imperador”, aponta a que “residia na origem da autoridade legislativa e da autoridade executiva”, esclarecendo: “Encontramos reiteradas vezes no diário da Constituinte este ponto conflitante. Existe mesmo uma certa inadaptabilidade conceitual à necessidade de conciliar essas duas idéias, que se afiguravam para o radicalismo como conflitantes. O trabalho dos constituintes, como representantes da nação, estaria sendo limitado pela presença do poder imperial, que avocava o direito de julgar a dignidade ou não da Constituição”. Até mesmo o direito de veto do Imperador – e teria sido também causa preponderante para precipitar os acontecime ntos de 12 de novembro de 1823 – encontrou forte resistência no seio da Assembléia Constituinte.

Mas, de qualquer maneira, tendo D. Pedro nomeado a chamada Comissão dos Dez para elaborar novo Projeto de Constituição, sob a promessa de submetê-lo ao Legislativo, não houve por bem dar cumprimento a essa promessa. Assim, em 25 de março de 1824, sem qualquer consulta ao referido órgão, D. Pedro promulgava a primeira Carta Magna do Brasil independente. Tratava-se, pois, de uma Constituição outorgada, com 179 artigos.

A constituição do Império, muito embora buscasse no Projeto Antônio Carlos um de seus modelos, deste, porém, se afastou em pontos essenciais, a saber:

a) criação do Poder Moderador, exercido pelo Imperador;

b) criação do Conselho de Estado, sendo seus membros nomeados pelo Imperador;

c) faculdade do Imperador de dissolver o Congresso;

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d) concessão de maior soma de poderes ao Imperador e ao Senado, em detrimento da Câmara dos Deputados.

Além disso, os poderes da nação ficaram divididos em quatro ramos: primeiro, Poder Moderador, e, segundo, Poder Executivo, exercidos pelo Imperador; terceiro, Poder Legislativo, composto da Câmara dos Deputados (eletiva e temporária) e do Senado (de nomeação do Imperador e vitalício); quarto, Poder Judiciário, formado de jurados, juízes singulares e tribunais.

No âmbito das províncias, o referido diploma constitucional estabeleceu que o Executivo ficaria sob a chefia de um Presidente nomeado pelo Imperador. E o Legislativo se faria representar por um Conselho Geral eleito, cujas deliberações tomadas em forma de projetos de lei, teriam de ser encaminhadas à Assembléia Geral para apreciação.

Na área municipal, a administração seria exercida pela câmara, assumindo a chefia do Executivo o vereador mais votado.

Em suma, a constituição de 1824, impregnada de um centralismo bastante acentuado, investia o Imperador de poderes que o colocavam à frente de um governo de caráter absolutista. João Camilo de Oliveira Torres, porém, faz esta ressalva: “Quando lemos nos velhos autores referências aos sentimentos absolutistas de D. Pedro I, devemos entender isso como, apenas, a recusa em aceitar o sistema parlamentarista”. É verdade que o primeiro reinado se caracterizou por uma monarquia presidencialista, na qual o Imperador nomeava e demitia livremente seus ministros. Mas não estaria por certo no fato apontado pelo historiador mineiro o pretexto que levou D. Pedro a dissolver a Constituinte. Note-se que, pelo Projeto de 1823, como bem acentua Otávio Tarquínio de Souza, “se alguma novidade havia propriamente na organização constitucional proposta estaria em ter o imperador a delegação do Poder Executivo, num presidencialismo norte-americano que fosse vitalício e com presidente inviolável e sagrado”.

De outra parte, se se pode ainda dizer que, pela Constituição de 1824, também se implantou o regime de gabinete, este, contudo, nada tinha de parlamentarismo. Compreendendo o Poder Moderador e o Poder Executivo, o primeiro era exercido privativamente pelo Imperador e o segundo pelos ministros, estes, repita-se, demissíveis ad nutum.

Somente no segundo reinado é que prevaleceria uma monarquia parlamentarista. A rigor, esta se instauraria em 1847, depois de criada a Presidência do Conselho dos Ministros. Daí para a instituição do sufrágio universal foi um passo, “o que importou em proclamar-se decidida a evolução do Estado brasileiro para a democracia”, afirma Pedro Calmon, acrescentando: “Tirando a vitaliciedade do Senado e do Poder Moderador, que o imperador exercia, o Brasil poderia considerar-se uma República liberal-democrática; e

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para ser também federativa bastava que os presidentes de província, nomeados pelo governo central, passassem a ser eleitos nas respectivas circunscrições”.

Por essas mesmas razões, pode-se apontar o parlamentarismo brasileiro com características próprias. Aliás, a escolha dos ministros de Estado dependia mais das simpatias e da confiança do Imperador do que das combinações que o presidente escolhido para o Ministério fizesse com os chefes do partido dominante na ocasião. E não podia ser de modo diverso, uma vez que pela Constituição o Imperador era o ponto de convergência de dois poderes de prática pessoal – o Poder Moderador e o Poder Executivo.

Abdicação de D. Pedro

Não estava longe a mudança de rumos na política imperial. E esta, de fato, se precipitaria em conseqüência das hostilidades que o governo vinha enfrentando da parte de grupos ou facções, bem como do propósito que D. Pedro I acalentava de assumir o trono em Portugal. Eram, sem dúvida, dois fortes argumentos (ou pretextos), talvez o segundo mais do que o primeiro, para que o Imperador, ao seu jeito de homem impulsivo e voluntarioso, assinasse, a 7 de abril de 1831, o seguinte decreto: “Usando do direito que a Constituição me confere, declaro que hei mui voluntariamente abdicado na pessoa do meu muito amado e prezado filho, o senhor Dom Pedro de Alcântara.” Mesmo porque, falecendo D. João VI em 1826 e assumindo a regência D. Isabel Maria, houve por aclamar D. Pedro I rei de Portugal.

Com a abdicação e em virtude da menoridade do sucessor, assume o poder a Regência Trina Provisória.

Em seguida, convocada a Assembléia Geral, é eleita a Regência Trina Permanente.

Ato Adicional de 1834

Em 1832, começa a ser voltada para a Reforma da Constituição, do que resulta a lei de 1834, conhecida por Ato Adicional, cujas principais inovações consistiram no seguinte:

a) substituição da Regência Trina pela Regência Una;

b) supressão da vitaliciedade dos membros do Senado;

c) supressão do Conselho de Estado;

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d) transformação dos Conselhos Gerais das Províncias em Assembléias Legislativas e competência destas para legislar.

A este respeito, observa Pedro Calmon: “O Ato Adicional de 1834 atenuou o unitarismo da Constituição, admitindo que as províncias tivessem as suas assembléias legislativas, o seu tesouro próprio, a sua justiça municipal. Transigiu assim com as tendências de descentralização que eram inerentes à evolução, à história e à geografia do Brasil. Só não se estabeleceu então o federalismo (máxima autonomia providencial, como nos Estados Unidos) porque se considerava que seria isso contrariar a doutrina da soberania una e indivisível – dizia-se – com a soberania regional, da mesma forma porque a federação era inconciliável com a monarquia parlamentar”.

Na verdade, pretendeu-se atenuar os efeitos de uma administração por demais centralizada, como a quis e impôs D. Pedro I. E houve, conforme se lê do trecho transcrito de Pedro Calmon, resultados satisfatórios. Não se conseguiu, porém, extinguir o Poder Moderador. O próprio Conselho de Estado foi posteriormente restabelecido.

Codificação das Leis Ordinárias

E o que dizer do processo de codificação das leis ordinárias no período imperial?

No seu art. 179, nº 18, preceituava a Constituição de 1824: “Organizar-se-á quanto antes um Código Civil e Criminal, fundando nas bases sólidas da justiça e equidade”.

É de ver que o dispositivo em tela já se denunciava tecnicamente falho, ao determinar, em estranha simbiose, um Código Civil e Criminal. Não poderia, pois, ir adiante, como realmente não o foi, tão disparatado erro de técnica legislativa.

Código Criminal

No que se refere especificamente a um Código Civil, o previsto na Constituição de 1824 só se cumpriu em 1916. Todavia, quanto a um Código Criminal, iniciada a sua elaboração em 1827, foi a mesma concluída e transformada em lei em 1830, passando o novo estatuto a vigorar nesse mesmo ano.

Mas não foi corrigido o erro original de se denominar criminal um código que não trata dos crimes senão das penas, e que não cuidou dos aspectos processuais.

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Não obstante a falha atinente à sua denominação, o Código Criminal de 1830, no dizer de Nélson Hungria, foi “o primeiro Código autônomo da América Latina”, salientando ainda: “É inegável que, dentro de sua época, foi obra notável de legislação, devendo notar-se que, como assinala o ilustre penalista Ladislau Thot, exerceu influência sobre quase toda a legislação penal latino-americana, através dos Códigos espanhóis de 1848, 1850, e 1870, que em muitos pontos se inspiraram no padrão brasileiro, e, por sua vez, serviram de modelo, em torna-viagem, aos códigos dos países de língua espanhola da América”.

Controvérsias há no tocante às fontes de formação do aludido estatuto. Teria sido o Código Penal francês de 1810? Ou o Projeto de Código Penal para o Estado de Louisiana – EEUU, elaborado por Livingston em 1824? Ou ainda as Institutiones Iuris Criminalis Lusitani, de Melo Freire, influenciadas pelo que escreveu Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, em 1764, sob o título Dos Delitos e das Penas?

Dizer-se que o Código Criminal promulgado por Bonaparte fora o modelo de nosso primeiro código não condiz com a realidade, pois a fonte imediata de tal código foi o de Louisiana, de autoria de Livingston, segundo se deduz de uma passagem de Silva Lisboa, contida em discurso proferido na sessão do Senado, de 23 de novembro de 1830. É o que também afirma Heleno Cláudio Fragoso através das considerações em torno do trabalho desse jurista norte-americano: “Trata-se de obra extraordinária para o seu tempo, grandemente influenciada pelo Utilitarismo de Bentham, e que, por seu turno, influenciou a codificação brasileira de 1830, bem como os códigos penais da Guatemala e Rússia”.

De uma forma ou outra, a verdade é que o Código Criminal do Império se forjou nas idéias difundidas à época da sua elaboração. Dessas idéias ressalta o princípio basilar de que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. E, orientado em tal sentido, o Código de 1830 manteve-se fiel ao princípio da proporcionalidade entre o crime e a pena, bem como ao que tomou a pena como exclusividade do condenado e, portanto, só a ele endereçada.

Mas, se temos de apontar falhas no referido estatuto, uma das mais gritantes, sem dúvida, diz respeito à modalidade de crime culposo, não prevista em qualquer de seus dispositivos. Desse modo, ficavam isentos de sanção os que, por imprudência, imperícia ou negligência, atentassem contra a integridade física de outrem.

Em 1871, porém, pela Lei nº 2.033, o crime culposo passou a ser regulamentado.

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Processo Criminal

Em vigor o Código Criminal, o passo imediato do legislador do Império foi a elaboração do Código de Processo correspondente. E este veio a lume em 1831, como resultado de projeto redigido por uma comissão mista da Câmara e do Senado, passando a vigorar no ano seguinte.

Com o Código de 1832, suprimia-se o sistema inquisitório do Livro V das Ordenações Filipinas. Esse Código, na verdade, quase nada aproveitou da legislação anterior, inspirando-se antes de tudo nos modelos inglês e francês. Porém, é de notar que, sendo do tipo acusatório o sistema processual inglês e do tipo inquisitório o sistema processual francês, apartando-se um do outro de forma significativa, deram ao legislador brasileiro os elementos para a construção de um sistema misto ou eclético, que combinava aspectos e tendências daquelas legislações estrangeiras. Assim temperado, pôde o Código de Processo Criminal do Império acolher o princípio contido na sentença do jurisconsulto romano Paulo: “Incumbit probatio, qui dicit non qui negat”. Desse modo, inaugurava-se um período de reação às leis opressoras e monstruosas da monarquia portuguesa, e do qual o Código de Processo Criminal, de 1832, constitui o diploma legal culminante e mais expressivo, síntese que é dos anseios humanitários e liberais que palpitavam n o seio do povo e nação.

É certo que o estatuo em causa sofreu modificações no curso de sua vigência. Como das mais desastrosas, mencione-se a reforma de 1841 (Lei nº 261, de 3 de dezembro), dando à Polícia atribuições judiciárias, de que é exemplo gritante a sua competência quanto à formação da culpa. Em compensação, a reforma de 1817 (Lei nº 2.033, de 20 de setembro), ao revogar tais atribuições, trouxe algumas inovações que até hoje perduram, como a criação do inquérito policial, e também modificações no instituto da prisão preventiva, bem como nos da fiança, dos recursos, e no habeas corpus.

Código Comercial

O ciclo das grandes codificações do Império se encerra com a legislação comercial de 1850. E pode-se dizer que se encerra muito bem. Entretanto, há que se distinguir nessa área uma evolução em três fases.

Primeira fase: de 1822 a 1850.

É a que se assinala pela orientação de invocar-se como subsídio nas questões marcantes as normais legais das nações cristãs, iluminadas e polidas, que com elas estavam resplandecendo na boa, depurada e sã jurisprudência, conforme, pois, determinava a lei portuguesa ainda em vigor entre nós.

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Nessa primeira fase, o Código Francês de 1807, o Código Espanhol de 1829 e o Código português de 1833 foram a base da legislação comercial brasileira.

Segunda fase: de 1850 a 1890.

É a que se põe sob a vigência do nosso Código Comercial próprio, de cuja elaboração já se cogitava desde 1808, quando foi criada a Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação.

O Código Comercial do Império foi a primeira grande obra do gênero aparecida no continente americano. Sendo suas fontes os citados Código de França, Espanha e Portugal, a ele se refere Carvalho de Mendonça como trabalho original, que não era cópia servil de nenhum deles e, ao contrário, apresentava cunho singular, respeitando a tradição jurídica e mostrando adiantamento notável notável sobre os seus modelos.

Ainda em vigor, embora já bastante mutilado, o estatuto de 1850, que serviu de modelo a vários códigos sul-americanos, notadamente o da Argentina de 1862 e o do Uruguai de 1865, se compôs originariamente de três partes e de um título único, a saber:

Parte I – Do comércio em geral;

Parte II – Do comércio marítimo;

Parte III – Das quebras;

Título único – Da administração da justiça nos negócios e causas comerciais.

Terceira fase: de 1890 em diante.

É a que se inicia com a reforma da Parte III do Código pelo Decreto 917. Daí para frente, as sucessivas mutilações que se foram processando no corpo do referido diploma levaram Carvalho de Mendonça a observar, aos oitenta anos de sua vigência, que “ele não é mais que uma árvore, cujos galhos mortos lhe prejudicam o desenvolvimento e a vida”. De há muito, pois, já se impunha a sua substituição por novo código, o que, porém, ainda não se realizou, embora duas tentativas fossem levadas a efeito nesse sentido: uma em 1912, por intermédio do Projeto Inglês de Souza, que preconizava a unificação das leis civis e comerciais, como já propusera Teixeira de Freitas em 1866; outra em 1950, por intermédio do Projeto Florêncio de Abreu.

Regulamentos 737 E 738

Atendendo ao que preceituava o art. 27 do Título Único do Código Comercial, no mesmo ano de 1850 eram promulgados, para fins processuais, o Regulamento nº 737 e o Regulamento nº 738. Enquanto o primeiro disciplinou

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o processo, a execução e os recursos, o segundo dispôs sobre os Tribunais de Comércio e o processo das falências. Ressalta-se a função que assinalou a esses Tribunais – de declarar as leis ou usos comerciais, estes últimos desde que concorressem dois requisitos essenciais: 1º) o de serem conforme aos sãos princípios da boa-fé e máximas comerciais geralmente praticadas entre os comerciantes do lugar; 2º) o de não serem anteriores a alguma disposição do Código Comercial ou lei posterior.

Por sua vez, Carvalho de Mendonça viu no Regulamento nº 737 “monumento soberbo da nossa legislação”, que, “não encerrava exclusivamente lei processual, continha preceitos que completavam o código comercial, dando-lhe vida e realidade”. Esta opinião, porém, contrasta com a de José Gomes Câmara, que assim se manifesta sobre o estatuto em tela: “Preferível seria não se ter nenhum código, a regular-se a matéria como se fez, sobretudo quando se ampliou aquele diploma legal, também, ao processo civil. Seus 743 artigos causaram tão sensíveis males à mentalidade jurídica brasileira, que ainda hoje dele se ressentem o mundo jurídico, os órgãos forenses mais autorizados, pois a preocupação de enxergar-se nulidades para tudo e para todas as coisas ficaria de tal maneira impregnada na vida jurídica, que não desapareceu, nem desaparecerá, sem embargo de, quase um século mais tarde, adotar-se o saio princípio segundo o qual – pas de nullité, sans grief”.

Não resta dúvida de que Carvalho de Mendonça cometeu algum exagero, vendo somente virtudes na aludida obra do legislador de 1850. Em realidade, ela se apresentou com não poucos defeitos, muito embora se nos pareça igualmente de excessivo rigor o tratamento que lhe dá José Gomes Câmara. E se, como adverte José Frederico Marques. “é vezo antigo o de se fazerem elogios extraordinários ao Regulamento nº 737, apontado como lei modelar do processo civil”, também se registram opiniões contrárias extremadas. Há de se ter, pois, em boa conta a posição sóbria de Lopes da Costa, que vê no regulamento nº 737 vantagens como estas: distribuição sistemática da matéria, concisão e precisão da linguagem técnica, ausência de antinomias e geminações, simplificação dos atos processuais, redução dos prazos e melhor organização dos recursos.

Considerações Finais

O Direito no período imperial brasileiro aparece como vanguarda no âmbito constitucional-jurídico brasileiro, pois é ele que abarca a elaboração da nossa primeira Carta Magna. Tal fato é de fundamental importância para a implementação do Estado de Direito brasileiro, com base em uma Carta Maior, salvaguarda dos direitos humanos e da organização estatal racional.

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Em contrapartida, o projeto de um Código Civil brasileiro só vem a ser concretizado em 1916, não impedindo a coroação dos Códigos Comercial e Criminal, primados pela técnica infalível de conspícuos juristas nacionais, o que nos permite alcunhar o Direito Imperial como ponto inicial do processo jurídico brasileiro moderno.