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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 18 DIREITO TRIBUTÁRIO I Coordenadores PROF. DR. RONALDO LINDIMAR JOSÉ MARTON PROF. DR. DEMETRIUS NICHELE MACEI 2014 Curitiba

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2014 Curitiba

Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

Organizadores

Prof. Dr. oriDes Mezzaroba

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Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeira

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Vol. 18

DIREITO TRIBUTÁRIO I

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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EDITORA CLÁSSICA

Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJosé Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

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Conselho Editorial

D597Direito tributário I

Coleção Conpedi/Unicuritiba.Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : Ronaldo Lindimar José Marton / Demetrius Nicele Macei.Título independente - Curitiba - PR . : vol.18 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.292p. :

ISBN 978-85-8433-006-5

1. Princípio constitucional– obrigação – processo.I. Título. CDD 341.39

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

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MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

Vice-Presidente Aires José Rover

Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu

Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim

Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores

Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão

Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC

Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

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Sumário

APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................

IMUNIDADE CONSTITUCIONAL DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO (Denólia Maria Beserra Sales)

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS ................................................................................................................

DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO .....................................................

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO SUAS EXTENSÕES E SEUS LIMITES

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PODE SER APLICADO AO DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR? (Flávio Couto Bernardes e Pilar de Souza e Paula Coutinho Elói) ...................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

SANÇÕES ...................................................................................................................................................

O PODER DE TRIBUTAR E AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR .........................

DA APLICAÇÃO DAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE TRIBUTAR NO DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR ....................................................................................................................

ISONOMIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA .............................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO E SUA ATUAL INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL (Ricardo Cavedon) ....................................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A TRIBUTAÇÃO COMO LIMITAÇÃO À PROPRIEDADE PRIVADA ..............................................................

A LIMITAÇÃO, A PRIVAÇÃO E O CONFISCO DO DIREITO DE PROPRIEDADE ..........................................

A NÃO-CONFISCATORIEDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CIDADÃO ......................................

A EXTRAFISCALIDADE E O EFEITO-CONFISCO .........................................................................................

A INTERPRETAÇÃO ATUAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE ...................................................................

OS POSTULADOS E A NÃO-CONFISCATORIEDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO .......................................

OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE EXCESSOS .........

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CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

JUSTIÇA FISCAL, ISONOMIA TRIBUTÁRIA E PROGRESSIVIDADE DO IPTU: JUSTIFICAÇÃO A PARTIR DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA DE JURGEN HABERMAS (Carolina Salbego Lisowski e Viviane Teixeira Dotto Coitinho) ..............................................................................................................................

NOTAS INTRODUTÓRIAS ..........................................................................................................................

O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NA CONCEPÇÃO DE HABERMAS ..............................................

ESTADO E SOCIEDADE: SITUAÇÃO DE INCLUSÃO OU DE EXCLUSÃO? ...................................................

A CRISE DO ESTADO DE DIREITO ..............................................................................................................

A DEMOCRACIA BASEADA NA AÇÃO COMUNICATIVA ...........................................................................

O IPTU PROGRESSIVO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: FATORES DE INCLUSÃO SOCIAL? ......................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 566.621/RS COMO PRECEDENTE OBRIGATÓRIO A FAVOR DA SEGURANÇA JURÍDICA: O PAPEL DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A APROXIMAÇÃO DOS SISTEMAS DA COMMON LAW E DA CIVIL LAW NO RESPEITO AO PRECEDENTES DELA DERIVADOS (Luiz Carlos Guieseler Junior) ...............................................................................................

A IMPORTÂNCIA DOS PRECEDENTES NA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL E A APROXIMAÇÃO DO SISTEMA DA COMMON LAW COM A CIVIL LAW ......................................................................................

A LEI COMPLEMENTAR 118/2005 E A INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ARTIGO 4.º E O JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 566.621/RS COMO PRECEDENTE ...............................

SEGURANÇA JURÍDICA COMO FUNDAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 56621/RS ..................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

A TEORIA DO FATO GERADOR E O ART. 150, §7° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988 (Ana Rita Nascimento Cabral e Carlos Araujo Leonetti) ...............................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O PRECEITO CONSTITUCIONAL (ART. 150, § 7°) E SEU DESCOMPASSO COM AS REGRAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO VIGENTES ..............................................................................................................

A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO CONTEXTO DA PRESUNÇÃO GERADORA DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ...............................................................................................................................................

A RESTITUIÇÃO DO PAGAMENTO INDEVIDO QUANDO NÃO OCORRIDO FATO PRESUMIDO GERADOR DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA (REPARAÇÃO AO GRANDE MAL) ............................................

VIGÊNCIA, APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA .......................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

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A DINÂMICA DE APURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS TAXAS SOB A PERSPECTIVA DA RAZOABILIDADE E PRATICIDADE (Antônio Carlos Diniz Murta e Fernando Bretas Vieira Porto) ...............

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

BREVE RELATO SOBRE AS TAXAS ..............................................................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

TRIBUTAÇÃO DAS SOCIEDADES DE FATO PRESTADORAS DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELO SISTEMA DE ARBITRAMENTO EM CASO DE IRREGULARIDADES DE DECLARAÇÃO DE RENDA (Antonio Carlos Lovato e Renato Lovato Neto) ...........................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA SOCIETÁRIA DA ATIVIDADE DA ATIVIDADE EXERCIDA ...........................

NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO RESULTADO PELO DE SISTEMA DE ARBITRAMENTO ..........................

O ARBITRAMENTO COMO SISTEMA PARA APURAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO NO IR DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS ........................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: UMA ANÁLISE CRÍTICA (André Mendes Moreira e Alexandre de Castro Baroni) ........................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

RELAÇÕES ENTRE DIREITO TRIBUTÁRIO E DIREITO PRIVADO E AS CAUSAS EXTINTIVAS DO CRÉDITOTRIBUTÁRIO: OS ARTS. 109 E 110 DO CTN ...............................................................................................

CLASSIFICAÇÃO DAS MODALIDADES EXTINTIVAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO ......................................

CAUSAS EXTINTIVAS DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NÃO PREVISTAS NO CTN ............................................

MODALIDADES DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO PREVISTAS NO CTN .....................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIA ..............................................................................................................................................

O PROCESSO TRIBUTÁRIO E A VULNERABILIDADE DO CONTRIBUINTE (Marcella Gomes de Oliveira e Fernando Gustavo Knoerr) ......................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO TRIBUTÁRIO ..............................................................................

A INVIOLABILIDADE DO DIREITO DE DEFESA .........................................................................................

LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO .....................................................................................................................

PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO ............................................................................................

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PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO ...........................................................................................................

VULNERABILIDADE DO CONTRIBUINTE ..................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A CONSTITUIÇÃO E O ICMS: AS OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (Emanuel Fernando Castelli Ribas) ............................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DELIMITAÇÃO DO TEMA ...........................................................................................................................

A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O ICMS ..........................................................................................

O ICMS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ........................................................................................................

O ICMS E AS OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS .............................................

CONCLUSÕES ............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

DA RESTITUIÇÃO DO ICMS COBRADO A MAIS NA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA (Joanna Paixão Pinto Rodrigues) .................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

ICMS ...........................................................................................................................................................

BASE DE CÁLCULO .....................................................................................................................................

DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA ......................................................................................

DO TRATAMENTO LEGAL DADO À SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA NA LEGISLAÇÃO (OU DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DAS LEIS QUE VERSAM SOBRE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIAVIGENTES HOJE NO BRASIL) .....................................................................................................................

DA RESTITUIÇÃO DO ICMS COBRADO A MAIS NA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA ...........

JULGAMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONCERNENTES À RESTITUIÇÃO DO ICMS COBRADO A MAIS NOS CASOS DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA ...................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

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Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito Tributário I, do XXII Encontro

Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),

realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º

de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente

de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma

reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,

nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela

tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da

Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da

produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não

apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as

especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a

enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)

aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-

nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 18 - Direito Tributário I

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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada

em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e

que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso

comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de

2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão

sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que

inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os

programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor

fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço

no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,

mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da

segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de

programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará

importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do

Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube

conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de

elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será

fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 18 - Direito Tributário I

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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III

Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores

do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo

livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras

parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do

UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que

agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada

logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente do CONPEDI

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Apresentação

O presente livro é coletânea de artigos apresentados perante o Grupo de Trabalho de

Direito Tributário, no XXII Encontro Nacional do CONPEDI, e que versaram sobre aspectos

relevantes da relação jurídica tributária no Estado Democrático de Direito.

O livro encontra-se dividido em três partes: princípios constitucionais tributários,

vicissitudes da obrigação tributária e processo tributário.

Na primeira parte do Livro, oito trabalhos cuidam dos princípios constitucionais

tributários, realçando a necessidade de garantir-lhes perfeita efetividade.

A coletânea tem início com o trabalho de Flávio Couto Bernardes (doutor em Direito

pela Universidade Federal de Minas Gerais) a propósito do princípio da capacidade

contributiva e sua relação com as sanções tributárias. Partindo das lições de Norberto Bobbio,

o autor examina a aplicabilidade das limitações do poder de tributar, para verificar se essas

limitações podem atingir as sanções tributárias. Em suas conclusões o autor afirma que:

“impor sanções ignorando a capacidade contributiva do infrator tributário poderia tornar

ineficaz a própria finalidade das sanções, qual seja, coagir condutas. Para que a sanção seja

eficaz, é necessário que o patrimônio do infrator, proporcional a sua capacidade contributiva,

seja realmente afetado, o que impõe o reconhecimento dessa como critério de aplicação da

sanção tributária”.

A seguir, Ricardo Cavedon (mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade

Católica do Paraná), discorre sob “O princípio do não-confisco e sua atual interpretação

constitucional”, onde busca “percorrer de forma gradual e obtemperada as bases para uma

interpretação sistemática, teleológica e evolucionista do princípio da não confiscatoriedade no

direito tributário brasileiro, aliando-lhe nesse intento aos critérios da razoabilidade, da

proporcionalidade e da proibição dos excessos”.

O princípio constitucional da segurança jurídica é objeto das reflexões de Luiz Carlos

Guieseler Junior (mestrando em Direito pela Unibrasil), em seu trabalho intitulado: “Análise do

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recurso extraordinário 566.621/RS como precedente obrigatório a favor da segurança

jurídica: o papel da Jurisdição Constitucional e a aproximação dos sistemas da common law e

da civil law no respeito aos precedentes dela derivados”. O autor conclui que o mencionado

recurso extraordinário encontra-se dentro desse espírito de segurança jurídica “pois declara a

inconstitucionalidade do art. 4º da Lei Complementar 118/2005 em razão de sua

retroatividade”.

O princípio constitucional que veda a instituição de impostos sobre os templos de

qualquer culto é analisado por Denólia Maria Beserra Sales (advogada tributarista), que

investiga os limites e alcance dessa imunidade. Na introdução do trabalho a advogada adverte

que “a temática da imunidade tributária concedida aos templos religiosos é matéria não

pacífica, que não encontra um consenso doutrinário e jurisprudencial”.

Ana Rita Nascimento Cabral (doutoranda em Direito pela Universidade Federal de

Santa Catarina) e Carlos Araújo Leonetti (doutor em Direito pela mesma Universidade)

examinam a Teoria do Fato Gerador, em face do art. 150, § 7º, da Constituição Federal. Em

consonância com os autores, “verifica-se com o fato gerador presumido, art. 150, parágrafo

7°/CF, certo descompasso com os valores magnos da segurança jurídica, da não surpresa e da

capacidade contributiva, para citar alguns”. E arrematam: “Através de pesquisa

bibliográfica, pura e qualitativo-exploratória, formulou-se estudo descritivo-analítico

afirmativo da ideia de que o fato gerador presumido é incompatível com a Teoria do Fato

Gerador e com a Teoria Geral do Direito Tributário”.

A progressividade do IPTU – Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana, e a

isonomia tributária são princípios constitucionais analisados por Carolina Salbego Lisowski

(doutoranda em estudos linguísticos na Universidade Federal de Santa Maria) e por Viviane

Teixeira Dotto Coitinho (Mestranda em Direito pela Universidade de Santa Cruz). As autoras,

tendo por objetivo propor uma visão heterogênea dos sistemas democráticos, utilizaram a

teoria da ação comunicativa de Jurgen Habermas com a finalidade de justificação de aspectos

específicos desse tributo, e de sua relação com a justiça fiscal.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 18 - Direito Tributário I

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Os princípios constitucionais informadores do ICMS, no que concernem às operações

relativas à circulação de mercadorias, são destacados por Emanuel Fernando Castelli Ribas

(mestrando em Direito no Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA), que conclui, com

fundamento na doutrina de abalizados juristas por ele citados: “o ICMS se apresenta como um

tributo composto por várias materialidades, cuja interpretação relativa ao fenômeno da

incidência, deve ser feita unicamente com vistas aos princípios que informam o imposto de

competência Estadual, sob pena de resultar em míope leitura do dispositivo Constitucional”.

A mestranda em Direito na Universidade Federal de Minas Gerais, Joanna Paixão Pinto

Rodrigues, encerra a primeira parte deste Livro com o trabalho sobre a restituição do ICMS

cobrado a maior, na substituição tributária progressiva. A autora em firme convicção,

demonstra que a restituição “da quantia paga nos casos de inocorrência do fato gerador

presumido é prevista no § 7º do art.150 da Constituição da República, mas nos casos em que o

fato gerador ocorre com valor menor do que o presumido não há garantia de restituição desse

valor para o contribuinte, o que é uma afronta aos princípios da não-cumulatividade, do não

confisco, da capacidade contributiva entre outros”.

A segunda parte do Livro trata das vicissitudes da obrigação tributária, com três

importantes trabalhos.

Nessa perspectiva, em trabalho denominado “A dinâmica de apuração da base de

cálculo das taxas sob a perspectiva da razoabilidade e praticidade”, Antônio Carlos Diniz

Murta (doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais) e Fernando Bretas

Vieira Porto (mestrando em Direito na FUMEC) observam “a ausência da delimitação e

efetivação válida da taxa como espécie do gênero tributo no Brasil”. Ao abordar o tema, os

autores propõem-se a afastar-se das “teorias repetitivas que encontramos na literatura

jurídica”, proclamando: “É notório que a aferição do custo estatal como base de cálculo das

taxas é desprovida de conexão com a realidade econômica, política e social brasileira. O

indigitado tema merece ser enfrentado com maior argúcia e acuidade dada suas implicações

na rotina dos que militam na seara tributária”.

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“Tributação das sociedades de fato prestadoras de serviços advocatícios pelo sistema

de arbitramento em caso de irregularidades de declaração de renda” é o título do artigo

desenvolvido por Antônio Carlos Lovato (mestre em Direito pela Universidade Estadual de

Londrina) e Renato Lovato Neto (mestrando em Direito pela Universidade Católica Portuguesa

do Porto). O trabalho aborda a peculiar situação dos advogados que integram sociedades de

fato, mostrando suas desvantagens tributárias, relacionadas com o Imposto de Renda. Com

esse artigo, os autores visam a “propor uma solução menos onerosa ao contribuinte, qual seja,

a de se aplicar o método do lucro arbitrado para se aferir a base de cálculo, tratando a

sociedade de advogados de fato como uma pessoa jurídica, tal qual o Direito Comercial

aceita, e em respeito aos princípios da isonomia, generalidade e universalidade”.

André Mendes Moreira (doutor em Direito pela Universidade de São Paulo) e

Alexandre de Castro Baroni (advogado) examinam, em análise crítica, a extinção do crédito

tributário. O trabalho “tem o objetivo de enumerar as hipóteses extintivas do crédito tributário

no direito pátrio e sobre elas traçar análise crítica quanto aos efeitos liberatórios do vínculo

obrigacional tributário”, como salientam os autores que, ao final, concluem: “Do exposto,

infere-se que a matéria atinente às causas extintivas do crédito tributário se escora

basicamente nos institutos erigidos pelo Direito Civil, todavia com efeitos próprios atribuídos

pelo legislador tributário”.

Finalmente, a terceira parte do Livro é dedicada ao processo tributário, com a

apresentação do trabalho denominado “O processo tributário e a vulnerabilidade do

contribuinte”, no qual Fernando Gustavo Knoerr (doutor em Direito) e Marcella Gomes de

Oliveira (membro do grupo de pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania”, liderado pela profª

Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr) afirmam que “o processo tributário deve ser regido por

uma disciplina específica e híbrida, pois se localiza principiologicamente na exata fronteira

entre o regime de direito público e o de direito privado, nutrindo-se parcialmente de ambos”.

O trabalho tem por objetivo identificar as diversas formas de vulnerabilidade do contribuinte

“e a possibilidade de sua atenuação”.

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Os trabalhos aqui apresentados, lastreados nas pesquisas realizadas em diversos

programas de Pós-Graduação, realçam a importância de se pensar o Direito Tributário como

importante instrumento de efetivação dos princípios constitucionais que devem orientar o

legislador no disciplinamento das vicissitudes que afetam a dinâmica da tributação. Nesta

perspectiva, o processo tributário deve ser construído como eficaz instrumento de busca da

verdade material e da defesa do sujeito passivo da obrigação tributária, removendo-se as

vulnerabilidades processuais que possam comprometer a correta aplicação do Direito

Tributário em um Estado democrático de Direito.

Coordenadores do Grupo de Trabalho

Professor Doutor Ronaldo Lindimar José Marton – UCB

Professor Doutor Demetrius Nichele Macei – UNICURITIBA

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IMUNIDADE CONSTITUCIONAL DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO CONSTITUTIONAL IMMUNITY OF TEMPLES OF ANY WORSHIP

Denólia Maria Beserra Sales1

RESUMO Trabalho monográfico ocupa-se de analisar o instituto jurídico da imunidade tributária

concedida pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aos templos de

qualquer culto. Foca-se a liberdade de culto em suas nuances de natureza religiosa,

conceito, requisitos necessários à sua concessão, hipóteses de imunidade, tipos de

impostos abrangidos pelo benefício e causa de perda da imunidade. O objetivo geral

consiste de uma metodologia destinada a investigar os limites e alcance da referida

imunidade, enumerando-se algumas correntes doutrinárias que se reportam ao assunto.

A pesquisa bibliográfica, teórica e com predominância do método indutivo, revela o

entendimento de que: a) os Templos de Qualquer Culto são imunes a impostos; b) a

imunidade concedida aos Templos de Qualquer Culto é do tipo incondicionada; c) o

pressuposto de admissibilidade exigido para a sua concessão é que o patrimônio, a

renda e os serviços sejam relacionados com as suas finalidades essenciais.

PALAVRAS-CHAVE: Imunidade tributária. Templos de qualquer culto. Limites da

imunidade tributária.

ABSTRACT

This monograph deals with analyzing the legal institution of tax immunity granted by

the Constitution of the Federative Republic of Brazil from 1988 to the temples of any

cult. Focuses on freedom of worship in their nuances of a religious nature, concept,

requirements for being granted, chances of immunity, types of taxes covered by the

1 Denólia Maria Beserra Sales é advogada, Especialista em Direito e Processo Tributários e Coordenadora dos Cursos de Pós~Graduação da APESC.

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benefit and cause loss of immunity. The overall objective is a methodology to

investigate the limits and scope of that immunity, listing a few doctrinal currents that

relate to the subject. The literature review, theoretical and predominantly inductive

method, reveals the understanding that: a) the Temples of Worship are immune to any

taxes, b) the immunity granted to the Temples of Worship Any type is unconditional, c)

the assumption admissibility required for granting it is that the property, income and

services are related to their essential purposes.

KEYWORDS: Immunity tax. Temples of any cult. Limits of tax immunity.

INTRODUÇÃO

A temática da imunidade tributária concedida aos templos religiosos é matéria

não pacífica, que não encontra um consenso doutrinário, e jurisprudencial, de modo que

o presente trabalho não tem caráter exaustivo/conclusivo, razão pela qual cabe aos

operadores do Direito o contínuo acompanhamento e aprofundado estudo sobre tão

relevante matéria. A doutrina, os magistrados e os tribunais brasileiros, a despeito de

algumas poucas decisões jurisprudenciais, não pacificaram, ainda, os contornos desse

instituto, daí justificar-se a escassez de estudo sobre a temática de que ora se cuida.

Portanto, a importância do tema não se cinge apenas aos limites do Direito Tributário,

perpassando pois, ao Direito Constitucional das imunidades e, principalmente, o direito

fundamental da liberdade de crença.

A definição dos termos “templo” e “culto”, assim empregados pela Carta

Constitucional de 1988, estabelece a abrangência e os limites da imunidade tributária

dos templos religiosos, a fim de que o referido benefício não seja concedido

indiscriminadamente, evitando-se, sobretudo, o indesejável cometimento de injustiças

pelo tratamento desigual entre os sujeitos passivos da relação tributária.

O objeto da presente pesquisa é o dispositivo constitucional que trata das

imunidades consagradas na Constituição Federal de 1988, que funcionam como

limitações ao poder de tributar conferido ao Estado, com o fito de assegurar o direito à

liberdade de crença, como prescrevem o artigo 19, inciso “I”,e o artigo 150, inciso “VI”,

protegendo, consequentemente, as entidades religiosas dos embaraços fiscais.

Justifica-se este trabalho pela importância e necessidade do estudo da imunidade

tributária concedida aos templos de qualquer culto, por defender a tese de que esse instituto

imunizatório visa resguardar o equilíbrio federativo, garantir as liberdades individuais de

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natureza política, religiosa, associativa, intelectual, de crença, de expressão, assegurando-se,

desta forma, o desenvolvimento cultural da comunidade.

1 AS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS

As imunidades tributárias contempladas na Constituição Federal brasileira de

1988 abrangem, além dos templos religiosos, os partidos políticos e as instituições sem

fins lucrativos, entre outras. Entende-se, assim, que a imunidade funciona como um

instrumento de preservação de valores reputados pela Constituição como relevantes.

A capacidade econômica por ventura revelada pela pessoa ou pela situação

abrangida pela imunidade fica à margem de toda e qualquer tributação.

A existência dessa capacidade, não afeta a não-tributabilidade das pessoas ou situações

imunes. A imunidade pode ser entendida como“condição de não ser sujeito

a algum ônus ou encargo”. Trata-se de palavra que indica negação de múnus (cargo,

função ou encargo), tendo em vista que “in” é prefixo de negação, imunidade é,

portanto, a não incidência, a não imposição de um encargo. (MORAES,

1998, p. 105).

No que tange a etimologia da palavra “imunidade”, vale ainda ressaltar que o

prefixo originário do latim “in’, que antecede o radical, além de negação, assume

também o significado de “em para dentro de” e o termo munitas, que obedece a mesma

raiz de “múnus”, por sua vez, têm o mesmo sentido de “algo protegido por uma

barreira”. (FARIA, 2002, p. 118). “Munus” é também empregado, no latim, como

sinônimo de imposto e, também, como dívida ou favor. Em termos gerais, pois o

vocábulo “imunidade” remete à noção de desobrigação de se suportar uma condição

onerosa. (FARIA, 2002, p. 117). No entanto, há muita divergência doutrinária acerca da

definição de imunidade tributária, do seu espectro de abrangência em relação aos

tributos imunes pelas normas tributárias. Em razão dessa diversidade de conceitos, faz-

se necessário elencar-se alguns deles a fim de que, confrontando-se as definições, se

possa delimitar um único conceito. Aliomar Baleeiro (1997, p. 91) destaca o conceito

de imunidade: [...] a regra constitucional expressa ‘ou implicitamente necessária’ que estabelece a não competência das pessoas políticas da federação para tributar certos fatos e situações, de forma amplamente determinada, delimitando negativamente, por meio de redução parcial a norma de atribuição de poder tributário.

Para Maria Cristina Neubem de Faria (2002, p. 11), o instituto em estudo deve

ser entendido como uma espécie de privilégio, pois as imunidades tributárias protegem

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valores sociais e políticos abarcados na Constituição Federal, tais como a liberdade de

expressão e a difusão de conhecimentos através de fronteiras internas e externas do país.

Para Hugo de Brito Machado (2003, p. 35), a imunidade tributária

“é o obstáculo decorrente de regra da Constituição à incidência de regra jurídica

de tributação”, completa mais adiante afirmando, “O que é imune não pode ser

tributado. A imunidade impede que a lei defina como hipótese de incidência tributária

aquilo que é imune”. É limitação da competência, O instituto da imunidade tributária está visceralmente ligado à supremacia constitucional. Sendo, como é, uma limitação constitucional ao poder de tributar, a imunidade tributária somente existe se albergada por norma de plano hierárquico superior. É precisamente porque está em norma superior à lei ordinária que a imunidade constitui limite ao poder de tributar, e ganha em importância, comparada às demais formas de exclusão do tributo.

Já no entendimento de Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 132), “a imunidade é de

fato uma regra de competência negativa, quer dizer, define, ao nível da própria

Constituição, algumas áreas em que o Estado não pode exercer a sua competência

tributária”. José Augusto Delgado (2001, p. 54) conceitua imunidade como: [...] uma entidade jurídica tributária consagrada na Constituição Federal. Ela está, portanto, subordinada aos princípios que norteiam a Carta Magna. Tais princípios, expressos tácitos, são mais do que simples normas jurídicas e formam, de modo conjunto, um sistema denominado de ordenamento submetido a uma hierarquia axiológica.

O pagamento do tributo é um dever imperativo de todos os segmentos da

população, pois corresponde a uma necessidade social. Logo, pode-se definir o tributo

como o combustível que move a máquina estatal, pois sem sua arrecadação seria

impossível fornecer assistência médica, moradia, saneamento básico, programa de

redução de miséria e educação pública gratuita à população que realmente necessita da

assistência do Estado, uma vez que se encontra tão desamparada e em condições de

miséria extrema, o que se costuma chamar de linha abaixo da pobreza.

Nesse sentido, Ives Gandra da Silva Martins (2001, p. 209) aduz que, apesar do

tributo ser elemento essencial para a movimentação da máquina estatal,

o ordenamento jurídico prevê o instituto da imunidade tributária consagrado em

fundamentos extra jurídicos, atendendo à orientação do poder constituinte em função

das ideias políticas vigentes. Preserva, dessa forma, os valores políticos, religiosos,

educacionais, sociais, culturais e econômicos, todos eles fundamentais à sociedade

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brasileira. O doutrinador Yoshiaki Ichihara (2000, p.183) informa a definição de

imunidade tributária nos seguintes termos, Imunidades tributárias são normas da Constituição Federal, expressas e determinadas, que delimitam negativamente, descrevendo os contornos às normas atributivas e dentro do campo das competências tributárias, estabelecendo e criando uma área de incompetência, eficácia plena e aplicabilidade imediata, outorgando implicitamente direitos subjetivos aos destinatários beneficiados, não se confundindo com as normas fundamentais, vedações ou proibições expressas, com as limitações que decorrem dos princípios constitucionais, nem com a não-incidência.

A imunidade tributária é uma limitação constitucional ao poder de tributar,

visto que está contida de forma expressa pela Constituição Federal de 1988, cabendo

dizer que as imunidades tributárias visam resguardar o equilíbrio federativo, sem

prejuízo da liberdade política, religiosa, associativa, intelectual, cultural e outras

expressões, e sem ameaçar o desenvolvimento econômico.

Assim, não se deve considerar a imunidade tributária como um benefício ou como

um favor fiscal, uma renúncia à competência ou um privilégio, mas sim uma forma de

resguardar e garantir valores da comunidade e do indivíduo (MARTINS,

2001, p. 209), garantidos pela constituição federal de 1988. Nesse diapasão, pode-se

concluir que pela natureza jurídica das imunidades tributárias, no sistema jurídico

brasileiro vigente, elas “são normas exclusivamente constitucionais, primárias, no

sentido de serem inovadoras da ordem jurídica, e com eficácia imediata” (ICHIHARA,

2000, p. 182).

Portanto, preceitua-se que apesar da necessidade e da competência que o

Estado tem de cobrar tributos, o legislador constituinte originário entendeu que os

objetos protegidos pelo instituto das imunidades devem ter um tratamento diferenciado

em relação àqueles suscetíveis à tributação, pelos valores que disseminam numa

sociedade política e democraticamente organizada.

1.4 A imunidade tributária na Constituição Federal de 1988

A vigente Constituição Federal de 1988 traz expressamente em seu texto um

vastíssimo rol de imunidades tributárias. Ela, sem dúvida alguma, foi a Constituição

brasileira que traçou o maior número de imunidades, ampliando ainda mais a matéria

que já vinha ganhando espaço nas constituições anteriores, como se pôde observar no

tópico que trata da evolução no Brasil.

O doutrinador Yoshiaki Ichihara, em sua obra denominada de Imunidades

Tributárias, elenca 28 hipóteses de imunidade tributária, todas disciplinadas ao longo do

texto constitucional, dentre as quais, em seu art. 150, inciso VI, alínea “b”, encontra-se

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especificada a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, objeto do presente

trabalho monográfico. Todavia, para melhor compreensão do tema delimitado, enfoca-

se o art. 150, VI, alínea “b”, da Constituição Federal,

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios: [...] VI – instituir impostos sobre: [...] b) templos de qualquer culto;

Vale ainda ressaltar que no Brasil, embora o texto constitucional, no artigo

supramencionado, expressamente vede a instituição de impostos sobre templos de

qualquer culto. No que tange, à imunidade tributária prevista no art. 150, inciso, VI,

alínea “b”, dos templos de qualquer culto, apenas são imunes os impostos, o que será

abordado no próximo capítulo, impedindo que a maioria dos Municípios lhes conceda

outros privilégios.

1.5 Características da Imunidade Tributária

A exposição dos itens precedentes deste capítulo permite, por si, inferir

algumas das características das imunidades tributarias. A primeira e mais óbvia delas: a

Sede Constitucional, à qual se consagra a natureza de limitações ao poder de tributar. A

par disso, estando todas encerradas no texto da Lei Maior, há de se concluir que as

imunidades tributárias constituem um grupo finito e determinável de normas como

acentua Paulo de Barros Carvalho (1997, p. 116).

Essa constatação traz à baila a necessidade de se abordar temática suscitada

por Ricardo Lobo Torres (1998, p. 57). Esse autor aventa a hipótese de existirem

imunidades tributárias implícitas. É verdade que o faz compelido pelo raciocínio de

que “as imunidades consistem na intributabilidade absoluta ditada pelas liberdades

preexistentes” sendo “um dos aspectos dos direitos de liberdade” (TORRES, 1998,

p. 59). Assim é que, a seu ver, haveria imunidade tributária implícita a proteger, por

exemplo, a liberdade de exercício profissional que seria “imune à tributação que a possa

extinguir”. Do mesmo modo, se daria com a família, que protegida pelo Estado, seria

“imune a tributos que a desestruturem ou que desestimulem o casamento, atingindo a

faixa de renda além da capacidade contributiva” (TORRES, 1998, p. 62).

Em que pese a engenhosidade das colocações, as mesmas hão de ser recusadas

após uma análise mais detalhada. As ditas imunidades implícitas indicadas pelo autor

nada mais são que outras espécies de limitações ao poder de tributar. Assim, a

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tributação excessiva de uma profissão a ponto de inviabilizá-la é questão que pertine,

muito mais, ao respeito à capacidade contributiva, à proibição de confisco e mesmo à

liberdade profissional que às imunidades tributárias. O mesmo pode ser dito quanto à

esdrúxula possibilidade de uma tributação excessiva que atente contra o casamento.

Aliás, nesse segundo exemplo, ainda mais premente é a vinculação com a

questão da capacidade contributiva, tanto que expressamente indicada por aquele

doutrinador. É óbvio que a tributação não pode ser instrumento para malferir direitos

fundamentais. Seria verdadeiro absurdo jurídico salvaguardá-los do Poder Constituinte

Reformador, mas permitir sua ofensa pela legislação infraconstitucional instituidora de

tributos.

Atente-se que cada imunidade influi na conformação da hipótese de

incidência. Assim sendo, ela necessariamente guarda referibilidade aos aspectos

material, pessoal, espacial ou temporal, que são componentes da previsão do fato

tributável. Logo, encerram em sua estrutura normativa fatos determinados que

excluem da esfera da incidência.

Esses fatos, é óbvio, são o resultado de um juízo de valor, mas o elemento

valorativo não é um objeto direto da norma imunizante. Vale ressaltar: a norma de

imunidade tributária veicula fatos valorados, não valores em si. Nessas condições já

expostas, sua estrutura é de regra e não de princípio.

1.6 Princípio da Imunidade Tributária

A imunidade, como prevê a Lei Maior, tem como destino os impostos. Pode-se

entender a imunidade como a não-incidência constitucional. A imunidade tem o poder

de proibir o ente político de instituir o tributo, pois neste caso não há que se falar em

competência para a instituição de impostos, gerando-se, assim, uma competência

negativa. Em linhas gerais, defende Yoshiaki Ichihara (2000, p. 181): A norma imunitória que delimita negativamente o campo da incidência cria um campo da incompetência, já neste nível, outorgando aos destinatários beneficiados direito subjetivo de não ser tributado nas condições especificadas.

Para o autor, o princípio da imunidade tributária atua no campo da

incompetência, ou seja, da não competência do legislador infraconstitucional para a

instituição dos tributos nas hipóteses mencionadas no texto constitucional, gerando-se,

portanto, um direito subjetivo ao destinatário na norma de não ser tributado.

As imunidades não se limitam ao art. 150, inciso VI da Constituição, o qual

estabelece as imunidades a serem observadas por todas as pessoas políticas. Há de

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forma complementar, outras imunidades especificadas na Constituição Federal. Nesse

sentido, embora os art. 184, § 5º e art. 195, § 7º, da CF/88, falem em isenção, na

verdade, tem-se regra de imunidade tributária. Todavia, a competência tributária é

atribuída pela Constituição Federal a cada pessoa política, delimitando direta ou

indiretamente as regras, matrizes de todos os tributos.

Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 125), ao conceituar a competência tributária, diz

que “competência, em matéria tributária, é a faculdade atribuída pela Constituição à

pessoa de direito público com capacidade política para criar tributos”. A Constituição

Federal outorgou competência a fim de que as pessoas políticas criassem tributos nos

campos de atuação dentro dos quais essas pessoas exercitarão sua competência

tributária.

Para Roque Antonio Carrazza (ano 1998, p. 437); [...] toda atribuição de competência envolve, ao mesmo tempo, uma autorização e uma limitação. Autorização, em nosso caso, para tributar. Limitações, para não ultrapassar as fronteiras além das quais o exercício desta competência se torna indevido e, portanto, inconstitucional.

A Constituição Federal, ao fixar as áreas onde as pessoas políticas não podem

exercer a sua competência tributária, as impede, através de regras negativas de

competência, de tributar aquelas áreas definidas como imunes pela Constituição. Hugo

de Brito Machado (2003, p. 213) define as imunidades tributárias como sendo “um

obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei

ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada

pessoa, ou categoria de pessoas”.

Paulo de Barros Carvalho (1997, p. 70) partiu da divisão das normas jurídicas

de comportamento e normas de estrutura e nestes últimos as regras de imunidade, que

ajudam a delimitar as “competências tributárias”. Com efeito, assevera ainda o autor, É a classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, e que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas.

A imunidade tributária, para alguns autores, é uma limitação constitucional às

competências tributárias, para outros, a imunidade é a exclusão ou suspensão do poder

de tributar.

1.7 Diferença entre Imunidade Tributária e Isenção Tributária

A imunidade tributária está, indiscutivelmente, prevista no texto da

Constituição Federal e se trata de uma limitação de competência, ou seja, competência

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negativa, através da qual fica o legislador infraconstitucional impedido de legislar sobre

as hipóteses que a Constituição traz como sendo tributariamente imunes. A referida

limitação negativa da competência impede que o legislador ordinário elabore leis

instituindo tributos. Assim, não haverá sequer fato gerador para a tributação.

Se alguma norma infraconstitucional instituir fato gerador qualquer que

autorize a cobrança de tributo sobre uma das hipóteses de imunidade tributária prevista

no texto da Constituição, deverá ser essa lei declarada inconstitucional, por não haver

possibilidade de se legislar sobre o assunto.

Enquanto que a imunidade tem sua previsão no texto da Constituição, a isenção

deve ser instituída mediante lei ordinária, por quem tenha competência para legislar

sobre o tributo a ser objeto da isenção. Ocorre que, enquanto a imunidade é norma

genérica, a isenção atinge critérios da hipótese de incidência, sejam eles material,

pessoal ou temporal. Definindo a isenção a fim de diferenciá-la da imunidade, Ribeiro e

Júnior (2005, p. 23) afirmam: Isenção, como atualmente conceitua a doutrina mais cediça, há que ser entendida como a norma que afasta, anulando, um ou alguns dos critérios da regra matriz de incidência do tributo, impedindo, dessa forma, a ocorrência do fato gerador (que reclama a presença de todos os critérios do antecedente da norma jurídica tributária, a saber: critério material, espacial e temporal. A isenção é prerrogativa da pessoa política que possui competência tributária para legislar sobre o tributo objeto da isenção. Logo, a pessoa política só pode conceder uma isenção, caso tenha competência para instituir o tributo.

No entanto, a isenção muitas vezes é utilizada equivocadamente como

sinônimo de imunidade, inclusive pela própria Constituição Federal, que traz hipóteses

de imunidade denominando-as de isenção, como é exemplo o art. 184,

§ 5º e o art. 195, § 7º, da CF/88. Nos artigos mencionados, a Constituição, embora adote

a nomenclatura de isenção no texto, nada mais estabelece que hipóteses de imunidade.

De fato, guardam um certo paralelo os dois institutos: imunidade e isenção. No entanto,

a isenção deve vir mediante previsão legal e não constitucional, como ocorre com a

imunidade tributária.

Assim, embora guardem entre si enormes semelhanças, pelo fato de, direta ou

indiretamente, trazerem benefícios tributários, não devem ser usados como sinônimos,

sob pena de se incorrer em erro grave, porque além de se tratarem de institutos diversos,

têm causas e efeitos diferentes.

2 DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

No Brasil, adota-se o laicismo, ou seja, o Estado não tem religião oficial. No

entanto, a Constituição Federal então vigente, em seu preâmbulo, invoca a proteção

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divina. No art. 5º., em que elenca os direitos e garantias fundamentais, traz o texto

constitucional a liberdade de consciência e de crença, através da qual é assegurado o

livre exercício dos cultos religioso e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de

culto e suas liturgias, entre outras garantias que asseguram ao indivíduo o direito à

liberdade religiosa.

2.1 O Texto Constitucional e as Espécies de Imunidades Tributárias

O artigo 150 da Constituição Federal de 1988 elenca todas as entidades e

situações as quais são beneficiadas pelo instituto da imunidade, sendo o objeto desse

estudo a Imunidade dos Templos Religiosos.

O Brasil enquanto Estado laico prevê em sua constituição federal que não deve

incidir impostos sobre templos e cultos. Com essa regra imunitória, o legislador pensou

em beneficiar a religiosidade. Assim, a imunidade irá atingir todas as religiões, desde

que apregoem valores morais e religiosos consentâneos com os bons costumes (Art. 1º,

III, CF; Art. 3º, I e IV, CF; Art. 4º, II e VIII, CF/88), independendo da extensão do

templo e do número de adeptos.

O art. 5º, VI, da CF/88 consagra a garantia de liberdade religiosa dos cidadãos,

independentemente do modo como ocorra sua manifestação e divulgação. Essa

prerrogativa conferida aos templos pode encontrar sua razão partindo-se do pressuposto

de que as atividades religiosas não ensejam lucro. Compreende uma forma de

resguardar os interesses precípuos das igrejas e não desvirtuá-las para os assuntos da

vida econômica.

Assim, nenhum imposto incide sobre os templos de qualquer culto. Entende-se

como templo, não apenas a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da

atividade religiosa. Não havendo impostos sobre missas, batizados ou qualquer outro

ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir

imposto sobre bens pertencentes à Igreja, desde que não sejam seus instrumentos.

Prédios alugados, por exemplo, assim como seus respectivos rendimentos, podem ser

tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado

para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos.

2.2 Requisitos à Imunidade Tributária dos Templos Religiosos

A imunidade tributária dos templos de qualquer culto, com previsão

constitucional no art. 150, VI, “b” e § 4º, não é absoluta, devendo atender a

determinados requisitos. Não estão os referidos requisitos expressamente elencados,

nem mesmo se concentram apenas no artigo 150 da Constituição Federal. A imunidade

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tributária dos templos de qualquer culto encontra seus requisitos dispostos ao longo do

próprio texto constitucional.

Primeiramente, o próprio art. 150, § 4º da Constituição Federal informa,

conforme já transcrito acima no subtítulo anterior, que “as vedações expressas no inciso

VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços,

relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. Assim,

para que ocorra a imunidade tributária, devem necessariamente o patrimônio, a renda e

os serviços estar relacionados com as finalidades do templo de qualquer culto. Yoshiaki

Ichihara (2000, p. 239) reafirma o requisito explícito no art. 150, § 4º da Constituição,

nos seguintes termos, As finalidades essenciais referidas no § 4º do art. 150 da CF/88 são as pertinentes aos templos e ao culto, no sentido que se empregou quando se comentou o item VI, b, do art. 150 da CF/88. Assim, tudo aquilo que fugir do âmbito da ‘finalidade essencial’, seja decorrente da atividade econômica regida por normas de direito privado em geral ou não, está fora da imunidade aqui em comento.

Assim, os templos religiosos de qualquer culto não podem desobedecer aos

princípios da moral e da ética, devendo, ainda, estar de acordo com os direitos humanos,

previstos no Decreto nº 678/1992, que promulga a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos – Pacto São José da Costa Rica, bem como a própria Constituição brasileira,

em seu art. 4º., prevê como um dos princípios que regem suas relações internacionais a

prevalência dos direitos humanos.

Dessa forma, não podem também os templos de qualquer culto explorar a

credulidade alheia, sob pena de estarem ferindo os direitos humanos. Embora haja a

liberdade de crença e consciência religiosa, sendo assegurados o livre exercício dos

cultos religiosos, a proteção aos l ocais de culto e suas liturgias, esta liberdade não é

plena, encontrando seus limites na lei, ou seja, entre outros, no Decreto nº. 678/1992,

que trata dos direitos humanos.Nesses termos, quem bem traduz essa proibição da

exploração da credulidade alheia do culto contrário à ética e à moral, é Yoshiaki

Ichihara (2000, p. 237), O termo cultos comporta, entretanto, limites que não são fixados apenas pela moral ou pela ética, mas pela própria Constituição, que impede a exploração da credulidade alheia, a pregação contrária aos princípios morais, que devem ser coibidos e não privilegiados, uma vez que as atividades pervertidas não são relacionadas com as atividades essenciais.

A fim de que seja o templo de qualquer culto beneficiado com a regra do art.

150, inciso VI, da Constituição, deverá, ainda, atender aos requisitos da lei

complementar, ou seja, Lei nº 5.172 de 1966, Código Tributário Nacional, conforme o

previsto no art. 14 do CTN, o qual dispõe da seguinte maneira,

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Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do art. 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II – aplicarem integralmente, no País, os recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. § 1º. Na falta de cumprimento do disposto neste artigo, ou no § 1º do art. 9º a autoridade competente poderá suspender a aplicação do benefício. § 2º. Os serviços a que se refere a alínea c do inciso IV do art. 9º são exclusivamente os diretamente relacionados com os objetivos institucionais das entidades de que trata este artigo, previsto nos respectivos estatutos ou atos constitutivos.

Assim, embora a Constituição não advirta o dever de serem atendidos os

requisitos legais, há a necessidade de se obedecer ao disposto no art. 14 do CTN, que

nem mesmo menciona ser aplicável nas hipóteses de imunidade tributária dos templos

de qualquer culto, mas está pacificado na doutrina2 e na jurisprudência3 a

indispensabilidade dessa exigência legal, sem a observância da qual não será aplicada a

regra do art. 150, inciso VI, alínea “b”, da Carta Magna.

2.3 Hipóteses de Imunidade Tributária dos Templos de Qualquer Culto

Como já sucintamente analisado no subitem que trata do conceito das

expressões “templo” e “culto”, não é pacífico na doutrina brasileira o entendimento

sobre quais bens ou serviços são incluídos na imunidade tributária prevista no art. 150,

VI, “b” e § 4º., da Carta Magna brasileira.

Assim, inquestionável é o entendimento de que a imunidade tributária recai

sobre o templo, estrutura física principal onde se celebra a cerimônia pública religiosa

ou espiritual, seja ela de qualquer culto ou sob qualquer forma, desde que atendidos os

requisitos mencionados no subitem anterior.

No entanto, ao se mencionar a imunidade dos templos de qualquer culto, deve-

se entender que essa imunidade é estendida às dependências acaso contíguas, ao

convento, aos anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou a residência do

pároco ou pastor, monge, rabino, etc., como entendem de forma ampliativa os

doutrinadores Aliomar Baleeiro (2000, p. 311) e Roque Antonio Carrazza (2000, p.

618).

Não é, porém, absoluto esse entendimento. Há autores como Sacha Calmon

Navarro Coêlho, Pontes de Miranda, todos já citados ao longo deste texto, que

entendem haver restrições em relação a essa interpretação extensiva da imunidade 2 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar, 7. ed., p. 311. 3 STF. RE 325.822/SP.

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prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, para seus anexos, dependências e

moradia do celebrante do culto religioso. Adepto a uma corrente mais restritiva, é o que

ciona Yoshiaki Ichihara (2000, p. 234), nos seguintes termos, Ainda, relacionados com a imunidade dos templos, os salões paroquiais, os compartimentos contíguos ao templo, tais como: salões de festa, salas de estudo, alojamentos para abrigar fiéis, a eles destinados exclusivamente, e a casa destinada à moradia do padre, pastor, rabino, monge, etc., entende-se estarem cobertos pela imunidade prevista no art. 150, VI, b, da CF/88. Todavia, se as mesmas moradias estiverem localizadas em lugar independente, fora da área do templo, não estarão enquadradas na imunidade do templo.

Para aqueles adeptos de uma interpretação mais restritiva, a imunidade

tributária dos templos de qualquer culto somente se estende aos seus anexos, como a

casa do padre, pastor, monge, rabino, etc., os salões de festa, as salas de estudo,

convento, etc., se estes tiverem o mesmo endereço do templo, ou seja, não se

localizarem em lugar independente daquele onde é realizado o culto.

No entanto, não são imunes ao imposto territorial, seja ele urbano ou rural (IPTU

ou ITR), casas de aluguel ou terrenos do Bispado ou da paróquia. Também não os são as

rendas provenientes de aluguéis de imóveis, inclusive para efeitos de Imposto de Renda

(IR), por não atenderem à finalidade essencial do templo religioso.

Quem traduz essa não abrangência da regra constitucional da imunidade

tributária dos templos de qualquer culto para os bens imóveis locados e as rendas

provenientes dessa locação é Yoshiaki Ichihara (2000, p. 235), ao afirmar, As áreas de propriedade da instituição religiosa, contíguas ou não ao templo, quando destinadas ao estacionamento para atender ao público em geral, ou as áreas alugadas para estabelecimentos comerciais, não se enquadram na imunidade dos templos, mas na exceção prevista no art. 150, § 4º, da CF/88, pois tais atividades refogem da finalidade essencial da entidade religiosa e caracterizam atividade econômica.

No tocante à possibilidade de ser um bem móvel, seja ele qual for, carro,

ônibus, caminhão, aeronave, etc., transformado em “templo” para a realização de cultos

religiosos itinerantes, é pacificado pela doutrina (BALEEIRO, 1996, p. 312) o

entendimento de que a imunidade do art. 150, VI, b, da Constituição Federal, ficando,

portanto, isento do pagamento de Imposto sobre a Propriedade de Veículos

Automotores (IPVA). Assim sendo, esclarece Aliomar Baleeiro (1996, p. 312), Não repugna à Constituição inteligência que equipare ao templo – imóvel – também a embarcação, o veículo, o vagão ou o avião usado como templo móvel, exclusivamente para a prática do culto. As ‘missões’, em culto itinerante, podem utilizar, imunes aos impostos, meios de transporte adaptados unicamente à finalidade do culto a que se propõem.

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Na mesma linha de raciocínio de Aliomar Baleeiro, defende Roque Antonio

Carrazza (2000, p. 621), A imunidade alcança o veículo que comprovadamente é usado para a catequese ou os serviços do culto. Sobre ele não incide o IPVA. Também este imposto não pode ser exigido se o sacerdote transforma um ônibus, caminhão ou aeronave num verdadeiro ‘templo móvel’. São situações incomuns que, todavia, também encontram amparo constitucional.

Assim, o bem móvel utilizado como templo para a realização de culto será

também beneficiado pela imunidade tributária em estudo, por se entender como tal. No

entanto, para que o bem móvel utilizado como templo seja amparado pela regra

constitucional da imunidade, ele não poderá ser desviado de sua finalidade essencial,

não se admitindo, portanto, que seja utilizado para atividades outras, por exemplo, o

transporte do padre, do monge, rabino, pároco, etc.

Sobre o veículo utilizado para transporte do padre, do monge, rabino, pároco,

etc. deve incidir o IPVA, posto que estes, apesar da função que desempenham, são

pessoas comuns, não estando abrangidas pela imunidade tributária, mas tão somente o

templo de qualquer culto, e não os responsáveis pela celebração dos respectivos cultos.

Em relação aos impostos que deveriam incidir na comercialização de objetos ou

artigos religiosos nas dependências dos templos e a este pertencente ou, ainda, objetos

utilizados no ritual da cerimônia religiosa, é extensivo o benefício do art. 150, incido VI da

Constituição Federal, desde que este último seja empregado para atender à finalidade

essencial do templo, por exemplo, o vinho utilizado na comunhão.

Também os livros religiosos, papéis, bíblias, etc. são imunes à incidência do

referido imposto, mas não pela regra em comento, ou seja, não pela imunidade prevista

no art. 150, incido VI, alínea “b”, da Constituição Federal, mas pela regra constante do

art. 150, inciso VI, alínea “d”, da Constituição.

No tocante aos direitos autorais dos livros e revistas, ainda que redigidos “por

padres, pastores, monges da própria instituição religiosa e os psicografados”, por

prevalecer o disposto no art. 153, § 2º, inciso I, da Constituição Federal, ou seja,

segundo os critérios da generalidade e da universalidade (ICHIHARA, 2000, p. 240),

não há que se falar em imunidade tributária.

Quanto aos empregados, autônomos ou dirigentes que sejam remunerados pela

entidade religiosa, deve a referida entidade mantenedora agir normalmente como se não

fosse beneficiada pela imunidade prevista no art. 150, VI, b, da Constituição Federal, ou

seja, tem a obrigação de contribuir normalmente com a previdência social, de recolher na

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fonte os impostos devidos, além da contribuição sindical. Nesses termos, disciplina

Yoshiaki Ichihara (2000, p. 240), Se a entidade mantenedora dos templos de qualquer culto remunerar empregados, autônomos, dirigentes etc., fica obrigada a reter o imposto de renda o ISS etc., e a recolher, como qualquer outra fonte pagadora. Também, no que se refere à contribuição sindical, contribuições previdenciárias etc., relacionadas com os dirigentes e empregados, a entidade mantenedora não está dispensada dos pagamentos nem se enquadra nas hipóteses de imunidade previstas no art. 150, VI, b, da CF/88.

Assim, para efeitos previdenciários e sindicais não vigora o benefício da

imunidade previsto no art. 150, VI, b, da Constituição Federal. Além de que a entidade

religiosa se obriga a reter o Imposto de Renda e o Imposto sobre Serviço de seus

empregados, autônomos ou dirigentes por ela remunerados.

2.5 Impostos não Incidentes sobre os Templos de Qualquer Culto

Apesar de que o art. 150, inciso VI, da Constituição Federal apenas mencione

como sendo vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir

impostos, é sabido que a referida imunidade, na maioria dos casos, se estende aos

demais tributos. No entanto, quanto à imunidade tributária sobre templos de qualquer

culto, prevista na alínea “b”, do inciso VI, do art. 150 da Constituição Federal, é correto

afirmar que a mencionada imunidade tributária dos templos somente se dê no âmbito

dos impostos, não sendo a interpretação da alínea “b” extensiva aos demais tributos,

mas tão-somente aos impostos.

É unânime na doutrina4 e na jurisprudência5 o entendimento de que somente os

impostos são protegidos pela regra do art. 150, inciso VI, da Constituição Federal, não

se fazendo, portanto, uma interpretação extensiva do referido artigo, que trata da

imunidade tributária em relação aos impostos, para outros tributos, desde que atendidos

os requisitos dispostos em subitem anteriormente estudado, principalmente o disposto

no art. 150, § 4º da Constituição Federal, que diz respeito ao atendimento da finalidade

essencial dos templos de qualquer culto.

Há, portanto, um caso na jurisprudência em que no Recurso Ordinário em

Mandado de Segurança, no qual era relator o ministro João Otávio de Noronha, da

segunda turma do STJ, ficou decidido, por unanimidade, TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. TAXA DE INCÊNDIO. LEI ESTADUAL Nº 14.938/03. CONSTITUCIONALIDADE. TEMPLO RELIGIOSO. TAXA. INEXISTÊNCIA DE IMUNIDADE TRIBUTÁRIA.

4 FARIA, Maria Cristina Neubem de. A interpretação das Normas de Imunidade Tributária, 2002, ano 9, nº. 36. 5 STF. RE 325.822/SP.

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1. É legítima a taxa de incêndio instituída pela Lei Estadual n. 6.763/75, com redação dada pela Lei nº 14.938/03, visto que preenche os requisitos da divisibilidade e da especificidade e que sua base de cálculo não guarda semelhança com a base de cálculo de nenhum imposto. 2. A previsão constitucional de imunidade tributária para os templos religiosos refere-se à instituição de impostos, não cabendo, assim, a extensão da interpretação para a imunidade alcançar também as taxas. 3. Recurso ordinário improvido. DJ 09.10.2006 p. 272.

Como se pode observar pela transcrição acima, o Superior Tribunal de Justiça -

STJ não inclui a taxa entre os tributos da imunidade tributária, não ampliando a

interpretação do art. 150, inciso VI, da Constituição Federal, em que dispõe serem

imunes tão somente os impostos, para alcançar também as taxas. Superado isso, cabe

agora estabelecer quais os impostos que não incidem sobre os templos de qualquer

culto.

Com relação ao imposto, tributo ao qual são inquestionavelmente imunes os

templos de qualquer culto, por assim dizer expressamente o texto constitucional, não

resta dúvida ser o templo, local onde se pratica o culto, imune ao Imposto sobre a

Propriedade Predial e Territorial Urbano (IPTU), se urbano, e ao Imposto sobre a

Propriedade Territorial Rural (ITR), se localizado em área rural.

No entanto, se o templo não for bem imóvel, não deixará de receber o benefício

previsto na Constituição. Pode um veículo, ou seja, bem móvel, ser utilizado como

templo exclusivamente para a realização do culto. Assim, ficará esse veículo isento do

pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA). Nessa

mesma linha de raciocínio, elucida Aliomar Baleeiro (1996, p. 312), para quem o bem

móvel, cumprindo exclusivamente a finalidade essencial de templo, deverá ser

equiparado ao templo comum, bem imóvel, Não repugna à Constituição inteligência que equipare ao templo – imóvel – também a embarcação, o veículo, o vagão ou o avião usado como templo móvel exclusivamente para a prática do culto. As ‘missões’, em culto itinerante, podem utilizar, imunes ao imposto, meios de transporte adaptados unicamente à finalidade do culto a que se propõem.

O entendimento exarado pelo STF, em 27/11/2002, quando da apreciação do

RE 325.822/SP, através do Rel. Min. Ilmar Galvão, é o de que não incidirá Imposto

sobre a Renda e Proventos de qualquer Natureza (IR), estendendo-se tal benefício

imunitório para todo o patrimônio que compõe o templo religioso, abarcando

inclusive, outras estruturas vocacionadas à persecução de seus fins sociais, desde que

os rendimentos auferidos sejam integralmente revertidos na atividade essencial da

entidade religiosa.

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No mesmo sentido, a decisão acima referida (RE 325.822/SP), refere-se ao

Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de modo a afastá-lo da

compra de bens que guarneçam os templos religiosos. Da mesma maneira, as entidades

religiosas estarão livres da incidência tributária relativa ao Imposto sobre Serviços de

qualquer Natureza (ISS), no que pertine aos serviços de ordem religiosa prestados pela

entidade.

Se a entidade religiosa adquirir bem imóvel a título oneroso a fim de que este

sirva à finalidade essencial do templo, não recairá sobre esta transação o Imposto sobre

a Transmissão inter vivos, por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI). Nem mesmo

incidiria o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou

Direitos (ITCMD) na hipótese de doação recebida pela entidade religiosa, cuja

destinação do bem atenda à finalidade essencial do templo donatário.

2.5 Da Perda da Imunidade Tributária dos Templos de Qualquer Culto

Se houver, comprovadamente, desvio da finalidade essencial ou se não atender

à finalidade essencial de um templo de qualquer culto, conforme previsto no art. 150, §

4º da Constituição Federal, poderá a entidade religiosa perder a imunidade tributária de

seu templo.

Yoshiaki Ichihara (MIRANDA, 2000, p. 240) informa, Entende-se que o desvirtuamento da atividade, com enriquecimento ilícito de seus dirigentes, remessa de recursos ao exterior, utilização de meios coercitivos (espirituais) visando tomar o patrimônio dos fiéis etc., uma vez comprovado, importa na perda da imunidade.

Se, em desobediência ao disposto no art. 14 do CTN, deixar a entidade

religiosa de atender a qualquer daqueles requisitos nele disciplinados, quais sejam, de

não distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título,

aplicar integralmente, no País, os recursos na manutenção de seus objetivos

institucionais, manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de

formalidades capazes de assegurar sua exatidão, poderá perder o benefício da imunidade

tributária.

Da mesma maneira, Yoshiaki Ichihara (2000, p. 237) defende a perda da imunidade tributária pela não observância dos requisitos constantes no art. 14 do CTN, que, em outras palavras, sintetiza,

Considerando o princípio que protege a imunidade dos templos de qualquer culto, a falta de livros fiscais e contábeis, a remessa de recursos ao exterior, o desvirtuamento da atividade religiosa, o desvio de recursos para dirigentes (padres, pastores, rabinos, ministros etc.), no entender do Autor, afastam o benefício da imunidade.

Dessa forma, não apenas em desobediência ao previsto no art. 150, § 4º, da

Constituição Federal de 1988 e aos requisitos constantes no art. 14 do CTN, bem como

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se a entidade religiosa não atender aos princípios da ética e da moral ou se explorar a

credulidade alheia, tudo conforme já mencionado no subitem que trata dos requisitos,

deverá perder o benefício da imunidade tributária.

3 A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

SUAS EXTENSÕES E SEUS LIMITES

O Direito, buscando à pacificação social, procurou dirimir as questões, com o

intuito de garantir a liberdade de escolha da fé e do pensamento religioso, evitando,

assim, as retaliações diante do posicionamento de cada individuo. O legislador

constituinte brasileiro, percebendo a relevância das religiões, tratou de respaldá-las e

garantir-lhes privilégios, inclusive constitucionais, como é o exemplo do Brasil.

Atualmente, a CRFB de 1988 assegura o direito à liberdade de consciência e de

crença, permite o livre exercício dos cultos religiosos e garante a proteção aos locais de

culto e suas liturgias, assegurando a prestação de assistência religiosa nas entidades

civis e militares de internação coletiva, entre outros. Assim, a proteção à religião

ganhou benefícios de várias ordens: sociais, políticas, militares, financeiras.

No Brasil, com o advento da separação entre Estado e Igreja, que teve origem

com a implantação da República, procurou-se assegurar a liberdade de culto, bem como

eliminar qualquer empecilho ao seu desenvolvimento (BASTOS, 2001, p. 130).

Visa, de maneira salutar, o constituinte brasileiro, à preservação de um valor

nacional qual seja, o da proliferação dos cultos religiosos. É do interesse do Estado e da

população que sejam preservadas as crenças religiosas das diversas naturezas. Verifica-se

que o dispositivo protege a liberdade de culto, liberdade de manifestação da fé, etc. Em

outras palavras, “[...] o que o direito protege é a projeção externa, a transitivação, a

exteriorização[...]”. (CRETELLA JR., 1992, p. 218).

Portanto, esse privilégio não está presente somente no campo da moral, ou por

sua importância no contexto social, mas está inserido pelo princípio geral expresso no

artigo 5º, VI, da Constituição “é inviolável a liberdade de consciência e de crença,

sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a

proteção aos locais de culto e suas liturgias”. No Direito Constitucional brasileiro,

portanto, fez surgir a versão da imunidade dos templos de qualquer culto, como forma

de assegurar as liberdades acima mencionadas.

Todavia, a dificuldade do artigo 150, inciso VI, alínea “b”, é considerar

isoladamente o significado de “templo” para efeito da concessão de imunidade

tributária. A jurisprudência dos tribunais e a doutrina pátria não firmaram um

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entendimento uniforme do que viria a ser templo religioso. Templo, seria somente o

lugar onde se realizam os cultos de adoração e louvor? Abrangeria também a casa

paroquial, ou seja, a casa do padre, pastor, monge, rabino, etc.?

A terminologia “culto” parece insuficiente para delinear a extensão do

benefício concedido. Dúvidas surgiram também sobre a amplitude semântica do

vocábulo “culto”, pois, na conformidade da acepção que se tomar, a outra palavra –

“templo” – ficará prejudicada (CARVALHO, 1997, p. 120). Significa dizer que não

possui, o dispositivo da Constituição, parâmetros exatos para delinear o que vem a ser

“templo”, e até onde um determinado prédio, levando-se em consideração a celebração

realizada no seu recinto, está imune de impostos e taxas. Ficando, portanto, como já

demonstrado anteriormente, a cargo da doutrina e da jurisprudência, delimitarem a sua

abrangência.

Com o intuito de solucionar o problema, introduziu-se o parágrafo quarto ao

artigo 150 da Carta Magna, que prevê: “As vedações expressas no inciso VI, alíneas “b”

e “c”, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as

finalidades essenciais das entidades religiosas”.

Deste modo, o constituinte originário contribuiu para aumentar ainda mais a

confusão de cunho interpretativo. Veja-se que na alínea “b”, inciso VI, citava somente o

“templo”. Indaga-se: por que iria, agora, fazer incidir a imunidade sobre o patrimônio, a

renda e os serviços? Percebe-se que o legislador constituinte primeiro resume o

privilégio para os bens imóveis onde se realizam os cultos, para depois, no intuito de

ampliar o beneficio, estendê-lo às atividades essenciais à entidade religiosa.

Naquele caso, há disposição de liberar as Entidades Religiosas do pagamento

do IPTU, ou do ITR, dependendo da área de localização do prédio, urbana ou rural, este

objeto das celebrações, por outro lado, ao mencionar o patrimônio, a renda e os

serviços, dirigi-se ao ISS, ao IR e ao ITBI.

Por outro lado, utilizou-se a expressão finalidades essenciais no sentido de

pontificar aquilo que deveria ou não estar abrangido pelo benefício da concessão de

imunidade tributária. Se um determinado bem, renda ou serviço está relacionado com a

finalidade essencial de uma religião, devem os mesmos estar protegidos contra a incidência

de impostos. Mas a propósito, o que vem a ser finalidade essencial de um templo religioso?

A residência dos pastores, as rendas das paróquias, o automóvel que serve de

locomoção para os padres ou para os símbolos religiosos, as rendas do estacionamento do

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templo, a detenção de concessão de veículos de comunicação, será que tudo isso estaria

relacionado com os fins essenciais da religião?

Firme-se entendimento sobre os dois últimos exemplos: se a concessão de

veículos de comunicação for absolutamente dirigida à produção de cultos, ou se a renda

auferida pelos estacionamentos for absolutamente destinada à compra, por exemplo, de

imagens de adoração, provando-se que das rendas aí obtidas depende a existência das

religiões, não há como se negar a finalidade essencialmente religiosa de tais realidades

e, portanto, não se pode negar a imunidade tributária das referidas rendas.

A princípio, a procedência do raciocínio ora desenvolvido não pareceria

injusto. Entretanto, um estudo científico não pode se eximir da análise sistemática do

objeto. Resta comentar sobre o confronto entre aqueles raciocínios e o princípio da

Livre Concorrência (Art. 170, IV, CF/88).

Diante do exposto, pergunta-se: até que ponto um estacionamento poderia receber

um privilégio tributário sem que o seu concorrente pudesse gozar do mesmo benefício? Não

estaria o Estado a ser o agente do desequilíbrio financeiro entre os estabelecimentos

comerciais e contribuinte de uma situação própria a criação de monopólios?

3.1 Vertentes das Limitações

A propósito das limitações à imunidade tributária dos templos de qualquer

culto, no que concerne às peculiaridades e à extensão do artigo 150, inciso VI, “b” e §

4º, da Constituição Federal de 1988, encontra-se entre doutrinadores nacionais Roberto

Barcelos de Magalhães (1993, p.37), Paulo de Barros Carvalho (1997, p. 120), Hugo de

Brito Machado 1998 p. 205) e Aliomar Baleeiro (1970, p. 91),

o debate entre quatro correntes ideológicas; teleológica, objetiva, instrumental e mista,

cujas especificidades individuais, serão abordadas abaixo.

3.1.1 Teoria teleológica

A Escola Teleológica se mostra abrangente, à medida que, além do patrimônio,

engloba também a renda e os serviços ligados às finalidades das entidades religiosas.

Segundo o entendimento de seus seguidores, estão incluídos na imunidade tributária os

imóveis, os móveis, os vencimentos de toda ordem, os trabalhos desempenhados e até

os lucros advindos de todas as atividades. A única exigência é que seja tudo utilizado

para o aumento da propagação das religiões.

Todos os bens serão imunes se suas finalidades forem efetivamente religiosas.

“[...] Não é tributável o que é vendido sem finalidade mercantil” (FERREIRA, 1997, p.

1056), não importando a atividade desempenhada. Se a renda auferida vem de uma

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atividade mercantil realizada pela Igreja, como venda de roupas, por exemplo, mas, na

sua totalidade, é destinada à compra de objetos litúrgicos, não haveria porque tributá-la,

haja vista a finalidade religiosa.

A imunidade tributária constitucionalmente concedida aos templos religiosos

diz respeito ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com as suas finalidades

sociais exercidas sem fins mercantis.

Fins mercantis são os destinados ao lucro de determinada pessoa física ou

jurídica. No exemplo citado, não houve finalidade institucional, com intuito de lucrar.

Na realidade, houve finalidade institucional, caracterizada pelas compras de símbolos

sagrados com o quantum ganho pela venda das roupas. Convergem nesta mesma

opinião os doutos Ichihara (1997, p. 51) e Magalhães (1993, p. 40).

O fato de estarem os bens, as rendas e os serviços ligados teleologicamente a

uma religião é por demais extenso, causando perigo à esfera econômica. À primeira

vista parece justo imunizar a remuneração recebida pelo pastor, pelo serviço de batismo,

pois este tem a nítida finalidade de propagação da fé. Por fim, faz-se necessária uma

rápida observação sobre a assertiva do professor Ferreira (1997, p. 1.056), expoente da

teoria teleológica: “A Imunidade Tributária cessa quando as rendas dos templos

religiosos fogem às finalidades dos cultos ou são aplicadas fora do País”.

O beneficio da imunidade aos templos de qualquer culto afigura-se como

princípio da proteção à religião (Art. 5º, IV da CF/88), não sujeitando-se a limites de

natureza geográfica, no tocante à aplicação da renda auferida, se investida em território

nacional ou do País, bastando-lhe apenas, a finalidade de cunho religioso.

3.1.2 Teoria objetivista

A Corrente Objetivista, por outro lado, afirma estarem imunes a impostos

apenas os prédios urbanos ou rurais que sirvam de contenedores de celebrações.

Restringe a abrangência da imunidade tributária à incidência de impostos sobre o

patrimônio imobiliário, não aceitando o privilégio em relação às rendas e aos serviços.

Não há necessidade do aspecto arquitetônico: o templo poderá ser uma casa

comum, ou ao ar livre, sendo imprescindível apenas nele realizar-se culto religioso. Não

estão imunes quaisquer outros imóveis pertencentes à Entidade: É garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto (...). Local de culto é o corpus, o templo, o terreiro, o edifício, (...). Há culto interno em igreja, em templo, como há culto ao ar livre, na grama, no terreiro, entre ruínas, sem edifício algum (...); não se confundem, porém, templos, locais de culto, com casas paroquiais, locais de residência dos padres ou pastores, nem com escolas dominicais” (CRETELLA JR., 1992,p.251).

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A teoria objetiva é a que demarca, com maior possibilidade de vislumbre, a

extensão da imunidade em pauta. O seu critério objetivo é bastante seguro e

suficientemente claro, não deixando dúvidas a respeito do que os doutos, que dela

fazem parte, querem dizer com a terminologia templo.

Contudo, cabe frisar que o limite instituído pelo artigo 5º., inciso VI da CRFB

de 1988, não se esgota em si mesmo, haja vista que o legislador chega

a estendê-lo ao parágrafo quarto daquele dispositivo constitucional, para “[...]

o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das

entidades nelas mencionadas”. Transparece inegável a extensão da imunidade

à renda, ao patrimônio e aos serviços daquelas entidades, os quais estejam ligados à

finalidade religiosa.

Entende-se que os teóricos objetivistas ao considerarem como patrimônio da

entidade religiosa, apenas o imóvel onde se realizam os cultos, restringem e se utilizam de

um sentimento que não satisfaz à disposição constitucional na sua totalidade. Isentar uma

instituição do pagamento de IPTU, ITR, ou ITBI se mostra pouco para fazer face ao

princípio constitucional da Proteção à Religião plasmado no artigo 5º., VI, da Constituição

Federal de 1988.

Em sede de jurisprudência, os tribunais superiores se posicionam no sentido de

que “A Constituição veda a cobrança de impostos sobre o templo de qualquer culto”

(TACRJ – AC 7110/94 – Reg. 912-3 – Rel. Juíza Valéria Maron,

J. 15.02.1995, Ementa 39252), guiando-se notadamente pela Teoria Objetiva. Com a

mesma ideia de restrição da imunidade tributária aos locais de culto, verifica-se no

posicionamento exarado através do (TACRJ – AC 98260 – Reg. 1389 – 5ª C. – Rel. Juiz

Elano Arueira – J. 08.08.1994): “Imposto Predial. Templo Religioso [...] fica suspensa a

cobrança de imposto incidente sobre o imóvel destinado ao templo”.

3.1.3 Teoria instrumental

A Doutrina Instrumental, seguida por Hugo de Brito Machado, determina ser

necessário o privilégio para todo o patrimônio, renda ou serviço relacionado à atividade

essencial da entidade religiosa, a serviço do culto.

Diferencia-se da Corrente Teleológica, na medida em que, nesta, é necessário

ser o produto da atividade revertido à religião. Enquanto que na Ideologia Instrumental

o conteúdo da atividade é o determinante para desencadear-se a limitação tributária.

Todo o resultado financeiro de um ato religioso qualquer estaria imune.

Para o doutrinador Hugo de Brito Machado (1998, p. 205),

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Templo não significa, apenas, a edificação, mas tudo quanto seja ligado ao exercício da religião. Não pode haver imposto sobre missão, batizados ou qualquer outro ato religioso. Nem sobre qualquer bem que esteja a serviço do culto. Mas pode incidir imposto sobre o bem pertencente à Igreja, desde que não sejam instrumentos dessa. Prédios alugados, por exemplo, assim como os respectivos rendimentos, podem ser tributados. Não a casa paroquial, ou o convento, ou qualquer outro edifício utilizado para atividades religiosas, ou para residência dos religiosos.

A Teoria Instrumental, ao estabelecer a imunidade dos impostos com intuito de

tornar viável a atividade religiosa, engloba o patrimônio, a renda e os serviços ligados

ao culto, como assim deseja a nossa Lei Maior. A exação da imunidade, entretanto, é de

uma amplitude que é passível de formulações práticas não correspondentes com o

verdadeiro interesse social.

Em relação à eleição das atividades essenciais, adota-se um parâmetro muito

evasivo. Não servindo, pelo menos isoladamente, para definir o que seria a imunidade.

Para tal corrente, seria aceitável utilizar todo o produto da arrecadação pecuniária de

determinado ato religioso, com o fim puramente comercial por padres e pastores. Por

exemplo, a aplicação do dízimo no capital de giro do comércio de lanches efetuados

pela Igreja em dias de festas.

No entanto, nesta hipótese, há a vedação do parágrafo quarto, do Art. 150,VI

da CRFB/1988, já citado. De acordo com o referido dispositivo, está sob a proteção

tributária, tudo aquilo e somente aquilo, utilizado para as finalidades essenciais das

Entidades religiosas. Se existe finalidade mercantil, não existira benefício, no entanto,

este raciocínio desenvolvido por esta corrente não é condizente com o que está expresso

na Constituição Federal de 1988.

3.1.4 Teoria mista

Com a concepção de um entendimento mais ponderado, a Doutrina Mista

evidencia-se por influências de natureza ideológicas recebidas das correntes teóricas,

anteriormente declinadas.

Utiliza-se do entendimento expresso pela teoria teleológica, no tocante ao

patrimônio objeto da imunidade, vinculando-o ao IPTU, ao ITR e a outros impostos,

sem restringir a imunidade aos locais onde se realizam os cultos. Ao contrário, estende

o benefício aos demais locais onde, de alguma forma, se busca propagar a fé, tais como

a casa dos padres, pastores e dos demais agentes sacerdotais. Vale salientar que, ao

contrário da corrente objetivista, os seguidores da teoria mista admitem a imunização de

bens móveis, e até, dos semoventes utilizados em favor da propagação da fé. A teoria

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mista, que tem como um seus estandartes o mestre Aliomar Baleeiro, idealiza o seguinte

conceito: Templo de qualquer culto quer significar o edifício, tenha a forma característica de igreja ou de prédio comum, sede ou local de realização de atos religiosos. Neste conceito se incluem as edificações , as instalações e pertenças destinadas aos fins do culto ou com estes diretamente relacionados, como a casa paroquial, conventos, etc.

A primeira interpretação que se faz do artigo 150, inciso sexto, letra “b” –

imunidade tributária aos templos de qualquer culto – nota-se uma precariedade no que

pertine à conceituação do vocábulo templo. Na melhor das hipóteses, faz-se referência à

mesma compreensão sustentada pela Teoria Objetiva (CARVALHO, 1997, P. 120), que

conceitua templos como sendo “edificações com características próprias de cada

religião”. Pode-se verificar as mesmas observações de imprecisão cientifica já tratada na

Teoria Objetivista. doutrina limita-se à menção, O templo não deve ser, apenas, a Igreja [...], mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência do pároco ou pastor, pertencente a comunidade religiosa, desde que não empregados em fins econômicos”, (BALEEIRO, 1970, p. 91).

Ressalta-se, portanto, que o posicionamento exarado por seguidores da teoria

mista carece de um melhor esclarecimento sobre o que viria a ser “patrimônio necessário ao

desempenho das finalidades essenciais das religiões”, haja vista que

a expressão “finalidades essenciais” propicia inúmeros e diversos

entendimentos/interpretações. Em sede de jurisprudência, verifica-se que Tribunais

Pátrios pautam-se sob a influência da Teoria Mista: Para efeito de imunidade considera-se templo não apenas aquele espaço físico delimitado em que o culto é celebrado, mas se estende o seu conceito e, por conseguinte, a imunidade, aos seus anexos e espaços contíguos, utilizados em atividades a ele, direta ou indiretamente, ligados desde que tais atividades não sejam de natureza econômica, em cujo escopo não se encontre o lucro. (TACRJ – AC 10123/94 – Reg. 1681-2) 4ª C. – Rel. Juiz Gustavo A. K. Leite – J. 10.05.1995). Estavam imunes, pois todos os bens com finalidade religiosa.

Do confronto de ideias explicitadas sob a visão dos autores jurídicos, não foi

possível abstrair um entendimento pacificado entre eles. Contudo, o Egrégio Supremo

Tribunal Federal, defende a necessidade de aplicação de uma teoria ampliativa (“não

restritiva”), quanto à extensão dos efeitos imunitórios às atividades religiosas.

Segundo o STF, estender-se-á o manto da regra imunizante, conferida à Igreja,

às atividades diversas por ela exercidas, desde que se cumpram os requisitos tais como:

1) prova de que as rendas oriundas de atividades outras, não essenciais, são aplicadas

integralmente na consecução dos objetivos institucionais (difusão da religiosidade); 2)

prova de que não há ofensa à livre concorrência. Decisões do Supremo Tribunal Federal

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ratificam entendimento por interpretação extensiva ao dispositivo constitucional

insculpido no Art. 150, inciso VI, alínea “b”, conforme abaixo se vê: [...] as entidades religiosas têm direito à imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de forma direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os mantenham desocupados” (STF, RE 325.822/SP – Relator Min. Gilmar Ferreira Mendes).

3.2. Princípio da Proteção à Religião versus princípio da Livre Concorrência

Econômica

Conforme os estudos realizados pode-se concluir que o fundamento

constitucional do art. 150, VI, “b”, da Constituição Federal brasileira de 1988, vem a ser

o princípio da Proteção da Fé. De acordo com o art. 5º., VI, da Carta Magna, “é

inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício de

cultos religiosos e garantida na forma da lei a proteção aos locais de culto e as suas

liturgias”. O instituto da “imunidade aos templos de qualquer culto” é, portanto, uma

variante tributária desse princípio.

Diversas são as posições teórico-ideológicas da imunidade irrestrita, incluindo-

se entre elas a corrente teleológica e a teoria instrumental. As duas fundamentam-se no

dispositivo do art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, sob a argumentação

de não se poder impor limites à extensão de um dispositivo advindo de um principio

constitucional geral. Percebe-se a fragilidade do argumento ao proceder uma análise

interpretativa do texto constitucional brasileiro.

O ordenamento jurídico se faz regido por uma série de princípios que

determinam o seu entendimento e a sua aplicabilidade. É o que acontece com os

princípios da proteção à religião (art. 5º, VI, CF/88) e o principio de livre

concorrência (art. 170, IV, CF/88). O aparente antagonismo não pressupõe o

confronto, haja vista que o princípio da proteção à religião prega o favorecimento da

religião através da isenção de impostos, sem contudo adentrar no campo da iniciativa

econômica.

Contudo, cuida-se para que a liberdade de culto seja respeitada até o ponto de

não impor risco ao equilíbrio das relações econômicas. O Estado não pode, ainda que

motivado por uma relevante razão, tal como a promoção da religiosidade, contribuir

para eventual desequilíbrio das relações na esfera da livre iniciativa econômica. [...] a ação social do Estado não deve interferir no campo da atividade do particular a não ser supletivamente, não deve favorecer indivíduos ou grupos, mas se dirigir a toda a comunidade e, por fim, não deve ferir direitos do cidadão, o que o papa João Paulo XXIII resume assim: ‘no campo

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econômico, o Estado deve ter posição secundária, embora relevante, devendo sua ação reger-se pelo princípio da supletividade ou subsidiariedade, a tal ponto que não limite a liberdade de iniciativa do particular, mas, ao contrário, a ampare para que se garantam e se protejam os direitos essenciais de cada um’ ” (CRETELLA JR., 1992, p.141). .

Caso se aceite toda atividade religiosa ou tudo o que tenha finalidade religiosa

como imune, estaria estimulando um interesse não legítimo para a criação de religiões.

Todos os grupos sociais estariam aptos a instituir crenças com a finalidade especial de

pleitear o benefício.

3.3 Da Proposta de Emenda Constitucional

Além das correntes que se dividem na doutrina quanto à limitação da

imunidade tributária dos templos de qualquer culto, como observados, há ainda quem

sustente, por motivos vários que não cabe aqui serem discutidos, a sua supressão por

meio de Emenda à Constituição. A supressão seria o extremo da limitação à imunidade

tributária aos templos. Houve uma Proposta de Emenda à Constituição, através da

PEC nº 176/93, tendente a abolir a imunidade tributária dos templos de qualquer culto,

proposta em 1993, cujo autor é o deputado Eduardo Jorge. A mencionada proposta de

Emenda Constitucional foi rejeitada no Congresso Nacional.

Pedro Lemos, autor de um artigo postado na internet com o título “A supressão

da imunidade tributária concedida aos cultos religiosos”, mostra-se aderente à iniciativa

de Proposta de Emenda Constitucional – PEC, relatada no Congresso Nacional pelo

Deputado Eduardo Jorge, na qual defende a supressão do art. 150, inciso VI, alínea “b”

da Constituição Federal de 1988, acabando-se pois, a benesse constitucional concedida

aos templos de qualquer culto no tocante aos impostos. O Deputado Eduardo Jorge,

enquanto autor do projeto, fundamentou sua proposição nos termos dispostos a seguir, As imunidades tributárias que pretendemos suprimir decorrem, quase todas, da Constituição de 1946. Poucas foram introduzidas em nosso Direito pela Constituição de 1988. Em 1946, saía o país de um prolongado período ditatorial e os constituintes da época, sequiosos por liberdade de pensamento, pensaram consegui-lo e garanti-lo através de normas constitucionais. O que se viu, de lá para cá, ao atravessarmos um período negro da nossa história, foi que os cuidados tomados pelo legislador constitucional não foram suficientes para impedir a queda da democracia e a consequente perda das liberdades constitucionais. Além disso, o constituinte de 1946 não poderia prever que medidas baixadas com a melhor das intenções fossem utilizadas, anos mais tarde, para promover a evasão fiscal, abrigando-se à sombra da Lei Maior uma série de contribuintes que nem de longe poderiam pleitear os benefícios tributários concedidos pela Constituição [...]. Por último, caberia dizer que a revogação dessas imunidades fortalece a posição daqueles que, como nós, pensam que todas as camadas da sociedade devem contribuir para o fim comum, cada uma, é evidente, de acordo com as suas possibilidades, que nossa Lei Magna chama de capacidade econômica (PROPOSTA DE

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EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº. 176, de 1993, Diário do Congresso Nacional – Seção I, página 1942, terça-feira, 22 de fevereiro de 1994).

Assim, é defendido pelo Deputado Eduardo Jorge, na Proposta de Emenda

Constitucional Nº. 176/1993, que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto,

prevista na Constituição Federal de 1988 é originária na Constituição de 1946, e traz,

portanto, os resquícios do longo período ditatorial, o que levou o legislador constituinte

originário a assegurar seus anseios de liberdade em regras constitucionais. No

entendimento do retro citado parlamentar federal, a referida imunidade é motivo para

promover a “evasão fiscal”.

De todo, não se pode negar tal afirmação, ignorando que esse fato inexista nos

dias atuais. Contudo, deve-se reconhecer que a utilização da referida imunidade

tributária para a “evasão fiscal” não se trata de uma regra, é apenas uma exceção.

Considerada essa linha de raciocínio, utiliza-se de uma hipótese caracterizada

como exceção apenas porque foge à finalidade da regra da imunidade tributária dos

templos religiosos para fundamentar sua supressão, ter-se-ia que defender também a

supressão de outras regras, constitucionais ou não, sob a alegação de desvios de

finalidade. É sabido que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal emitiu

parecer contrário à Proposta de Emenda à Constituição, fundamentando-o nos seguintes

termos, A relatoria da Comissão de Constituição e Justiça, contudo, emitiu parecer contrário ao projeto, sustentando, em apertada síntese, que: a) a extinção do benefício violaria o princípio da liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI); b) a fiscalização esbarraria no fanatismo religioso de alguns servidores que poderiam prejudicar determinadas religiões. (Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, 31/01/2007. Arquivada nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno DCD 01 02 07 PAG 08 COL 01 SUPLEMENTO 01 AO Nº. 21).

Dessa forma, suprimindo-se a imunidade tributária constitucionalmente

concedida aos templos religiosos, seria o mesmo que condená-los ao fracasso, posto que

dificilmente conseguiriam se manter apenas dos dízimos pagos pelos fiéis, ou, ainda que

se mantivessem, seriam mesmo poucos templos ou quase nenhum. Assim, retirar-lhes o

benefício da imunidade tributária seria, acima de qualquer argumento, uma violação à

regra do art. 19, inciso I, da Constituição, além de que esbarraria no desrespeito à

liberdade religiosa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Abordar qual seja, “Imunidade Tributária dos Templos de Qualquer Culto:

Extensões Interpretativas”, não é tarefa fácil para o pesquisador, pela escassez de fontes

de pesquisa e complexidade do tema. A realização desse estudo sobre a limitação das

imunidades tributárias dos templos de qualquer culto leva-nos a constatar que a

Constituição Federal de 1988 expressa em seu texto um rol extensivo de imunidades

tributárias, caracterizando-a como a Carta Política brasileira que mais tratou deste

assunto de natureza administrativo-constitucional-tributária.

As nossas conclusões é que a imunidade é uma das várias formas de

desoneração da imposição tributária, sendo a única proveniente do texto constitucional,

razão pela qual, reveste-se da força imperativa de um mandamento constitucional

impeditivo do fenômeno da tributação. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro

contempla outras modalidades de imunidades, de sorte que tal instituto jurídico reflete a

preocupação do legislador constituinte com a formação e manutenção do Estado

Federal, de modo a assegurar direitos e garantias fundamentais, sem que isto se

caracterize como mero mecanismo de políticas fiscais.

Há que se considerar, entretanto, que o dispositivo constitucional atinente ao

princípio da imunidade tributária dos templos de qualquer culto assegura direitos

fundamentais estabelecidos no art. 5º. da CF/1988, tais como a liberdade de consciência

e de crença, o livre exercício dos cultos religiosos, a proteção aos locais de culto e suas

liturgias, impondo vedação à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios,

no sentido de não embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos ou igrejas.

Mister se faz, limitar a concessão da imunidade tributária dos templos de

qualquer culto pela importância que este benefício desempenha na manutenção e

funcionamento dos templos religiosos, posto que estes, via de regra, não desempenham

atividade econômica, não possuindo, portanto, meios financeiros próprios que

assegurem o seu funcionamento.

Pelos fatos analisados, limitar excessivamente a imunidade tributária dos

templos de qualquer culto, ou até mesmo suprimí-la, seria restringir os direitos e

garantias fundamentais que proclamam a liberdade de crença e de exercício religioso,

embaraçando-lhes o seu funcionamento.

Não há que se falar em supressão da imunidade tributária dos templos de

qualquer culto, pois dúvidas não restam no sentido de que é a norma constitucional que

garante a imunidade tributária dos templos. Assim, é imprescindível para o desempenho

das atividades religiosas destes e celebração de seus cultos. Diante disso, as imunidades

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tributárias dos templos podem configurar garantias constitucionais, à medida que se

destinam a proteger determinados direitos fundamentais.

A temática da imunidade tributária concedida no texto constitucional de 1988 não

evidencia um entendimento pacífico no seio da doutrina dedicada ao assunto. Eis porque,

neste trabalho, a despeito dos esforços empreendidos, não se consegue concluir de forma

definitiva, o entendimento suficiente para esgotar a delimitação do benefício concedido às

instituições religiosas, sem que haja ameaça à livre iniciativa da atividade econômica, frente

a um comparativo entre o artigo 150, VI, “b” e o artigo 195, § 7º., ambos da CRFB/1988.

Para a adequada (correta e justa) conceituação de “templo” e de “culto”, objetivando-se

alcançar concretamente os limites de abrangência da norma constitucional de imunidade

tributária dos templos religiosos, não basta a simples interpretação dos dispositivos

legais em estudo. Deve-se, com o devido cuidado, complementá-la com fundamento

numa interpretação sistemática da Constituição Federal de 1988, sopesando os

princípios da livre concorrência econômica (Art. 170, IV, CF/88) e o da proteção á

religião (Art. 5º., IV da Constituição Federal de 1988).

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O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA PODE SER APLICADO AO

DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR?

The principle of ability to pay can be applied to penalties in the tax law?

Flávio Couto Bernardes1

Pilar de Souza e Paula Coutinho Elói2

Resumo Nesse artigo, pretende-se analisar se a capacidade contributiva, uma das limitações constitucionais ao poder de tributar, aplica-se às sanções tributárias. Para verificação do assunto, abordar-se-á as próprias sanções jurídicas, qual a finalidade e relevância das mesmas no ordenamento jurídico, com base, preponderante, em Noberto Bobbio. Além disso, será necessário verificar quais são os limites de aplicabilidade próprios das sanções, análise feita com base nos penalistas. De outro lado, importará debater ainda o fundamento do poder de tribunar, suas finalidades e limites. Serão os limites constitucionais ao poder de tributar aplicáveis às sanções, adequados às suas caracaterísticas e limites? Quando? Como? A partir desses pressupostos, analisar-se-á a compatibilidade do princípio da capacidade contributiva ao “direito das sanções”. Palavras-Chave: Isonomia; Capacidade Contributiva; Sanções. ABSTRACT In this article, one intends to examine whether the ability to pay, one of the limitations to constitutional power to tax, applies to tax penalties. To check the issue, one will focus the actual legal sanctions, the purpose and relevance of the them in the Legal System, based on, specially, Noberto Bobbio. Also, it will be necessary to check what are the limits of sanctions applicability for themselves, based on the Criminal authors. Otherwise, it will be necessary to discuss the power to tax and its limits. Are these limits consistent with the ability to pay, according with its finalities and limits? How? When? Conducted these studies, one will try to set up the compability of ability to pay principle and the "law of sanctions." Keywords: Equality; Ability to pay; Penalties.

1 Professor do curso de graduação e pós-graduação em de Direito Tributário da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Tributário da Faculdade de Direito da Milton Campos e professor visitante do Instituto Superior Politecnico Universitário em Moçambique.Procurador do Município de Belo Horizonte e advogado. Juiz Substituto do TRE-MG. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2000) e Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006). 2 Advogada. Mestranda em Direito Tributário pela PUC Minas. Especialista em Direito Empresarial pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela UFMG.

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1 INTRODUÇÃO

A capacidade contributiva é um dos pressupostos da tributação conforme a

unanimidade da doutrina indica. Ou seja, não há que se tributar quando não há capacidade

contributiva. Mas, visto que há riqueza tributável, como agrupar os homens e sociedades para

tributá-los de modo a observar o princípio constitucional da isonomia? Novamente, utiliza-se

o critério da capacidade contributiva para igualar/desigualar os contribuintes. No entanto,

doutrina e jurisprudência discutem a aplicação da capacidade contributiva como critério de

determinação-comparação de isonomia fiscal a certos tributos, como os extrafiscais, as taxas e

os próprios impostos reais. Se a questão já é polêmica e complexa quantos aos tributos, o

debate merece ainda mais relevância no que se consigou chamar de Direito Tributário

Sancionador. Deverão as sanções observar a capacidade contributiva como subramo do

Direito Tributário?

A resposta da seguinte pergunta será abordada a partir das seguintes perspectivas: as

limitações constitucionais ao poder de tributar estendem-se às sanções tributárias, impondo

restrições à atuação do legislador tributário e do aplicador? Existe comunicabilidade entre o

“direito das sanções” e o Direito Tributário? Qual o critério orientador dessa suposta

comunicabilidade?

O debate não é meramente doutrinário, especialmente em tempos em que o sistema

sancionatário cresce, consolida-se, adota meios virtuais de controle. As sanções não são mais

meras coadjuvantes do dever de tributar e, algumas vezes, geram suspeitas quanto às

finalidades que ensejam sua instituição pelo legislador (Repressiva? Arrecadatória?). Nesse

contexto, a pergunta sobre eventuais limites e bases da aplicação punitiva, é não só relevante,

como necessária.

2 SANÇÕES.

2.1 Existe norma jurídica sem sanção?

Bobbio, adotado nesse trabalho como marco teórico em virtude da atualidade e

reconhecimento da sua obra, indica que “as normas são preposições” (2012, p. 74), sendo que

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as proposições seriam “um conjunto de palavras que possuem um significado em sua

unidade” (BOBBIO, 2012, p. 75). Mas, para chegar-se ao efetivo conceito de norma juridica,

não bastará o conceito de norma. Bobbio evolui tratando da distinção entre normas

descritivas, prescritivas e expressivas, classificação cujas espécies são em grande medida

autoexplicativas.

Normas descritivas teriam a função de dar informações; expressivas de compartilhar

sentimentos, e, por fim, a função prescritiva, “própria da linguagem normativa, consiste em

dar comandos, conselhos, recomendações, advertências, influenciar o comportamento alheio e

modificá-lo, em suma, no “fazer fazer”.” (BOBBIO, 2012, p. 79).

A diferença da linguagem prescritiva da função expressiva é clara: a lei não se sustenta

em sentimentos, embora a mesma possa ser utilizada para invocar o cumprimento da norma

(BOBBIO, 2012, p. 83). A diferença entre a finalidade prescritiva e descritiva é mais sutil. A

mesma expressão poderia ser prescritiva ou descritiva. O autor indica que o caráter distintivo

entre tais espécies se funda no critério de valores.

As proposições prescritivas não podem ser avaliadas com base no critério de

verdadeiro ou falso (BOBBIO, 2012, p. 82). Por indicar um dever ser, seu conteúdo não pode

ser valorado conforme correspondência com a realidade ou não, tampouco com a adequação

racional de seu conteúdo (BOBBIO, 2012, p. 83). De modo que as proposições descritivas

estão voltadas para o que é, para o que pode ser verificável, as proposições prescritivas não,

elas tratam do que é desejado, visado (BOBBIO, 2012, p. 24).

Bobbio indica que nem todas as proposições prescritivas possuem uma forma

vinculada. Para o autor, são critérios distintivos entre os comandos e conselhos, (i) que as leis

(comandos) são geralmente obedecidas apenas por ser uma lei, por outro lado, os conselhos

são observados pela convicção de que o conselho é racional para o sucesso do objetivo

pretendido (BOBBIO, 2012, p. 99). Além disso, há faculdade na observância de um conselho,

não havendo interesse do conselheiro na consequência, já no comando sua observância é

obrigatória (BOBBIO, 2012, p. 100). Por fim, é de se ressaltar que o comando, uma vez

observado, importa em eximir o indivíduo da responsabilidade pelo ato cumprido. No entanto,

tal como lembra Bobbio, nessa lição que orienta o famoso ditado, “se conselho fosse bom,

não era dado”, ninguém pode se eximir da responsabilidade dos seus atos por ter observado

um conselho (BOBBIO, 2012, p. 100).

Não há dúvidas de que o Direito é composto por proposições prescritivas vinculantes.

Também é inquestionável que o Direito possui regras permissivas tais como aquela que

autoriza ao contribuinte realizar denúncia espontânea (art. 138, CTN) (BRASIL, 1966). A

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presença dessas regras afastariam o caráter imperativo do Direito? Bobbio responde essa

questão abordando duas concepções de Estado, aquele em que se presume que tudo é proibido

e outro em que tudo é permitido, salvo o que é vedado pela lei (BOBBIO, 2012, p. 132). No

caso do panorama em que se analisa as sanções, qual seja, o Estado Democrático de Direito

Brasileiro, a segunda concepção de Estado é a mais relevante, e, nessa espécie de Estado,

ainda conforme Bobbio, as normas permissivas são exceções às exceções. Ou seja, tudo é

presumidamente liberado, algo então é proibido e as normas permissivas servem para re-

autorizar o que havia sido proibido.

Para Bobbio, todo sistema normativo é dotado de sanção, vista essa como a “resposta a

violação”. Não poderia ser diferente no caso da norma jurídica, em virtude da imperatividade

do próprio direito (2012, p. 153). Nesse viés, considera o escritor italiano que em tal distinção

reside à diferença efetiva das demais normas para a norma jurídica, a natureza da sua sanção.

Dentre as normas prescritivas sancionatórias, Bobbio ressalta três (i) as sanções

morais, (ii) as sanções sociais, e (iii) as sanções jurídicas. Indica que as normas morais

importam em sanções internas, decorrentes da culpa, do remorso, daquele que realizou a

conduta (2012, p. 154). Existem ainda as sanções sociais, caracterizadas pela atividade dos

outros. Bobbio ressalta que se originam em regra de costumes, sendo dotadas de grande

eficácia. São criadas na medida em que a coesão do grupo social depende da uniformidade de

comportamentos, garantida pelas sanções sociais (2012, p. 157). Seus problemas são

“representados pela incerteza do seu êxito, pela inconstância da sua aplicação e pela falta de

medida na relação entre violação e resposta” (2012, p. 158), uma vez que decorrem dos

humores do grupo, não havendo normas prévias que as determinem. As sanções sociais não

são institucionalizadas.

Assim, surge um terceiro grupo de sanções, as jurídicas, que se diferenciam das

sanções morais, por serem externas, e das sociais, por serem institucionalizadas (BOBBIO,

2012, p. 159). De modo que “ normas jurídicas são aquelas cuja execução é garantida por uma

sanção externa e institucionalizada” (BOBBIO, 2012, p. 158).

Esse é o critério indicado por BOBBIO, mas será que não poderia haver ordenamento

jurídico sem sanção? Será que somente a pena faz com que o homem controle suas vontades e

desejos?

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2.2. A sanção é necessária?

Os autores ao tratarem sobre o tema são inequívocos ao indicar que sem a sanção a

norma não será prontamente atendida (e mesmo com a sanção, pode ser que a mesma não o

seja). Nas palavras de Rocha: “Assim, a sanção apresenta-se como medida necessária à

obtenção de obediência à norma.” (1995, p. 21).

Beccaria também entende nesse mesmo sentido. A sanção é pressuposto de eficácia do

ordenamento:

Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o despótico espírito de cada homem de submergir as leis da sociedade no antigo caos. Essas são as penas estabelecidas contra os infratores das leis. Digo motivos sensíveis, porque a experiência demonstrou que a multidão não adota princípios estáveis de conduta, nem se afasta do princípio universal de dissolução no universo físico e moral, senão por motivos que imediatamente afetam os sentidos e que sobrem à mente para contrabalançar as fortes impressões das paixões parciais que se opõem ao bem universal. Nem a eloquência, nem as declamações, nem mesmo as mais sublimes verdades bastaram para refrear por longo tempo as paixões despertadas pelos vivos impactos dos objetos presentes. (1999, p. 27, grifo nosso).

Mas, por que utilizar as sanções jurídicas? Bobbio mais uma vez traz clara lição a

respeito, indicando que a sanção jurídica é dotada de certeza, proporcionalidade e

imparcialidade, características essas que em conjunto permitem a eficácia reforçada das

normas jurídicas.

Não há dúvida de que o principal efeito da institucionalização da sanção é a maior eficácia das normas relativas. Quando se fala em sanção institucionalidade, entende-se estar três coisas, ainda que elas nem sempre se encontrem simultaneamente: 1) para toda violação de uma regra primária, é estabelecida a relativa sanção; 2) é estabelecida, se bem que dentro de certo termos, a medida da sanção; 3) são estabelecidas pessoas encarregas de efetuar a execução. Como se vê, trata-se de limitações que tendem a disciplinar o fenênomeno da sanção espontânea e imediata de grupo. Com a primeira limitação, assegura-se a certeza da resposta, com a segunda, a proporcionalidade, com a terceira, a imparcialidade. Todas as três limitações, juntas, têm como fim comum aumentar a eficácia das regras institucionais e, consequentemente, da instituição em seu conjunto. (BOBBIO, 2012, p. 161).

O estudo das sanções não é inócuo. É com base nele que se chega à conclusão de qual

é a efetiva função das sanções, qual seja, a eficácia da norma. Mas, embora essa eficácia seja

reforçada pelos sistemas jurídicos (e, na visão de ambos, o que os constitui como jurídicos),

ela mesma limita a extensão da sanção, de modo que a sanção deve ser proporcional ao bem

jurídico que se deve tutelar, mas, também, ao que seja necessário à eficácia da norma.

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2.3 Quais são os critérios definidores da extensão das sanções?

A sanção jurídica tem como fim assegurar a eficácia da norma jurídica e tal independe

do ramo do Direito. Essa finalidade deve orientar a própria extensão da sua aplicação. No

entanto, se sua finalidade é assegurar a eficácia da norma jurídica, alguns critérios iluminam a

forma da sua aplicação. Nesse tópico, pretende-se debater esses critérios.

Um primeiro critério, talvez por estar no cerne da institucionalização da sanção, se

encontra na necessidade das sanções observarem proporcionalidade com o grau da ofensa

cometida, como indica novamente Bobbio:

Só o sistema de heterotutela garante, além da eficácia, também uma maior proporção entre dano e reparação, e assim satisfaz melhor algumas exigências fundamentais de todo viver social, dentre as quais está certamente a ordem, para cuja manutenção basta a garantia de que as normas estabelecidas se façam valer. (2012, p. 161).

Da necessidade de proporção entre dano e reparação decorre que “penas”, “sanções”

idênticas devem ser cominadas a dois comportamentos que ferem de modo igual a sociedade

e, portanto, sanções diversas devem ser cominadas àqueles que ofendem de modo desigual a

sociedade. Esse é um dos critérios de aplicação do princípio da igualdade às sanções, mas que

no fundo se vincula novamente à eficácia da norma. A norma tem que ser mais eficaz,

justamente em proporção à importância do bem jurídico tutelado. Logo, a sanção tem que ser

mais pesada de acordo com a relevância do bem jurídico tutelado (e do dano causado pela

inobservância da norma). É o que indica Beccaria: “Se pena igual for cominada a dois delitos

que desigualmente ofendem a sociedade, os homens não encontrarão nenhum obstáculo mais

forte para se cometer o delito maior, se disso resultar maior vantagem.” (1999, p. 39).

Um outro critério indicado pelos doutrinadores para definição da pena é a

culpabilidade, que servirá tanto para a possibilidade de imputação da sanção, atuando como

critério de exclusão da responsabilidade pelo resultado, quando na possibilidade da sanção ser

dimensionada, dosada, de modo proporcional à culpa. Sua aplicação decorre do

reconhecimento histórico de que:

[…] não se pode intimidar com proveito o homem com a ameaça da pena simplesmente pelo resultado de sua conduta. Ao contrário, a intimidação é apenas eventualmente eficiente quando se ameaça o homem com pena pelo que fez (e

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poderia não ter feito) ou pelo que não fez (mas poderia fazer), evitando a lesão a um bem jurídico. (MIRABETE, 2004, p. 195).

O motivo da aplicação do critério da culpabilidade é simples e também deriva da

eficácia da sanção jurídica. Se não há culpabilidade, se a pessoa não podia conhecer do ilícito,

é irrelevante a aplicação. E a dosagem da sanção com base na culpabilidade se funda na

possibilidade de evitar a sanção. Nos dizeres de MIRABETE:

Mas, do princípio da culpabilidade se depreende que, em primeiro lugar, toda pena supõe culpabilidade, de modo que não pode ser castigado aquele que atua sem culpabilidade (exclusão da responsabilidade pelo resultado) e, em segundo lugar, que a pena não pode superar a medida da culpabilidade (dosagem da pena no limite da culpabilidade). Por isso, tem-se entendido que em nenhum caso se pode admitir, nem por razões ressocializadoras, nem de proteção da sociedade diante do delinquente, ainda que perigoso, uma pena superior ao que permite a culpabilidade. (MIRABETE, 2004, p. 196).

A aplicação da culpabilidade é, de fato, uma construção própria do Direito Penal, que

pouco ecoou no Direito Tributário, embora dê embasamento a algumas cláusulas de exclusão

de responsabilidade (em sentido amplo) tributárias, como o art. 100 do CTN, que afasta a

aplicação de penalidades no caso de observância das normas complementares tributárias, e na

exclusão de multa punitiva na aplicação da responsabilidade de terceiros (art. 134, parágrafo

único, CTN). (BRASIL, 1966).

Quanto à aplicabilidade da graduação na sanção tributária com base na culpabilidade,

trata-se de tema polêmico e não debatido que mereceria per si um artigo a parte.

Outro critério indicado dessa vez por Beccaria, pensando ainda no Direito Penal, é a

vedação ao confisco, uma das proibições constitucionais ao poder de tributar. Para o autor:

Não é esse, porém, o pormenor que me leva a censurar o confisco dos bens. Se alguns já sustentaram que o confisco era o freio às vinganças e às prepotências privadas, não perceberam que, embora as penas produzam um bem, nem sempre são justas, pois, para serem justas, precisariam ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que pretendesse fechar todas as portas à vigilante tirania, a qual seduz com um bem do momento e com a felicidade de alguns notáveis, desprezando o extermínio futuro e as lágrimas de muita ente obscura. O confisco coloca a prêmio a cabeça dos fracos e faz recair sobre o inocente a pena do culpado, deixando-o na desesperada necessidade de cometer delitos. (1999, p. 82-83).

Os argumentos do autor impõem um limite à aplicação da sanção. O não confisco no

ilícito não pode extrapolar a necessidade de sua aplicação. E qual é sua necessidade? Ora,

coagir o homem a agir conforme as leis da sociedade e, uma vez que o homem não agir

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conforme essas normas, penalizá-lo de acordo com o dano causado à mesma sociedade. Nada

além.

3 O PODER DE TRIBUTAR E AS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER

DE TRIBUTAR.

Visto acima quais são as finalidades das sanções e seus limites, importa verificar quais as

finalidades do poder de tributar e de seus limites. A partir dessa análise, pretende-se verificar

se a finalidade dos limites aos poder de tributar se adéqua às finalidades do poder de

sancionar.

3.1 O poder de tributar. Suas finalidades.

Carraza indica que no Brasil não há o que se falar propriamente em poder de tributar,

uma vez que a tributação não poderá ser feita de modo absoluto (2010, p. 511). Tal limitação

importa em reconhecer que nesse país a tributação se dá por meio de competências tributárias,

em si mesmas restringidas pelo Direito. Por tal motivo, o autor considera que não há

manifestação de ius imperium na tributação, mas mera “manifestação da autonomia da pessoa

política e, assim, sujeita ao ordenamento jurídico-constitucional” (CARRAZA, 2010, p. 511).

A Constituição reconheceria aos entes políticios um direito de criar tributos, por meio

da edição de normas jurídicas tributárias (CARRAZZA, 2010, p. 511), de tal poder decorre,

como bem lembra Carraza, o poder de onerar – desonerar tributariamente, afinal, quem pode o

mais, pode o menos. Nas palavras do referido autor:

Noutro falar, a competência tributária é a habilitação ou, se preferirmos, a faculdade potencial que a Constituição confere a determinadas pessoas (as pessoas jurídicas de direito público interno) para que, por meio de lei, tributem. Obviamente, quem pode tributar (criar unilateralmente o tributo, com base em normas constitucionais), pode, igualmente, aumentar a carga tributária (agravando a alíquota ou a base de cálculo do tributo, ou ambas), diminuí-lo (adotando o procedimento inverso) ou, até, suprimi-la, através da não-tributação pura e simples ou do emprego do mecanismo jurídico das isenções. (CARRAZA, 2010, p. 515).

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Coelho, no item denominado “O fundamento do poder de tributar” de sua obra Curso

de Direito Tributário, considera que o fundamento do poder de tributar é a obtenção das

receitas necessárias à realização de fins institucionais.

Entre eles será repartido o poder de tributar. Todos recebem diretamente da Constituição, expressão da vontade geral, as suas respectivas parcelas de competência e, exercendo-as, obtêm as receitas necessárias à consecução dos fins institucionais em função dos quais existem discriminação de rendas tributárias). (COELHO, 2006, p. 171).

Da comparação desses dois autores, fica clara a principal e mais comum função do

exercício da competência tributária: a arrecadação de receitas para que o Estado possa

perseguir suas funções institucionais. No entanto, tal como já ressalvado por Carraza, a

competência tributária não envolve apenas a possibilidade de criar fontes de arrecadação, ela

poderá ser exercida com base em outros parâmetros, que não os arrecadatórios, tal como no

caso de concessão de isenções. Tal abriria possibilidade para que os tributos se aproximassem

das sanções e vice-versa, aproximando a função dos tributos de garantir a eficácia da norma?

Ou ainda sanções que ignorassem sua finalidade histórica de garantir essa eficácia e assim se

aproximassem dos tributos, buscando, a arrecadação?

Pelo contrário, as disposições constitucionais indicam duas espécies de tributos,

aqueles com fins arrecadatórios (caso, por exemplo, do Imposto de Renda e do Imposto sobre

Transmissão de Bens Imóveis) e aqueles com intuito extrafiscais (caso do Imposto de

Importação, de Exportação e do Imposto Territorial Rural).

Amaro trata dessa distinção indicando que: “Segundo o objetivo visado pela lei de

incidência seja (a) prover de recursos a entidade arrecadadora ou (b) induzir comportamentos,

diz-se que os tributos têm finalidade arrecadatória (ou fiscal) ou finalidade regulatória (ou

extrafiscal). (2000, p. 87).

Derzi aprofunda a questão, indicando as típicas funções dos tributos extrafiscais, quais

sejam, “ordenar a propriedade de acordo com sua função social ou intervir em dados

conjuntarais ( injetando ou absorvendo a moeda em circulação) ou estruturais da economia.”

(DERZI apud BALEEIRO, 2003, p. 547).

Na verdade, axiologicamente alguns tributos extrafiscais poderão se aproximar das

sanções, na medida em que ambos têm por objetivo desestimular uma conduta. No entanto,

juridicamente, a distinção é clara. Enquanto a sanção decorre do ato ilícito, do não

cumprimento da conduta desejada, “tributos extrafiscais não tem ilícito em sua hipótese de

incidência” (MACHADO, 2007, p. 100).

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Nesses últimos casos, se a finalidade extrafiscal não é indicada na própria Constituição

Federal, como o caso do ITR, no qual fica explícito que o fim não é aumentar a arrecadação,

mas estimular a função social da propriedade (art. 153, § 4 , inc. I, CF) (BRASIL, 1988), uma

análise sistemática da Constituição esclarece que a função do tributo não é sancionar atividade

ilícita, contudo outros fins constitucionais.

É o caso, por exemplo, do Imposto de Importação e do Imposto de Exportação,

utilizados como barreiras alfandegárias. Embora a Constituição não indique claramente tal

função, ao indicar que tais impostos são exceções aos princípios da legalidade, da

anterioridade, já aponta o que se pretende com tais tributos. Não é que a importação e

exportação sejam atividades ilícitas, não há norma constitucional ou infraconstitucional que

vede tal atividade genericamente, apenas há possibilidade da restrição do seu exercício por

meio de uma oneração (tributária) da atividade.

O Código Tributário Nacional reconhece tal característica, não sancionatória do

tributo, ao demonstrar que todo o tributo é prestação pecuniária compulsória que não

constitua sanção de ato ilícito no seu artigo 3o.

Como Machado lembra, para definir a licitude ou ilicitude de um ato, dever-se-á

apenas analisar a compatibilidade ou não desse ato com a conduta prescrita pelo direito (2007,

p. 99). Ora, o pagamento do tributo é, justamente, a conduta prescrita (desejada) pelo Direito.

Nesses termos, sanção “Não se confude com o dever jurídico porque cronologicamente, situa-

se como resultado da não prestação, fora do denominado momento de liberdade, como

pressuposto da coação, poder institucionalizado que lhe assegura eficácia.” (MACHADO,

2007, p. 100).

Logo, de um lado, há a sanção, criada para que se coaja os homens a cumprirem a

norma e, por outro lado, as normas tributárias, cuja principal função é justamente assegurar ao

Estados meios para realizar seus fins constitucionais, através da incidência tributária.

3.2 Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. Seus fundamentos.

Carraza em sua obra “Curso de Direito Constitucional Tributário”, ao abordar a

questão dos limites à competência tributária ressalta que o poder de tributar não está sujeito

apenas as limitações constitucionais dispostas entre os artigos 150 e 152 da CF:

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Logo, a Constituição limita o exercício da competência tributária, seja de modo direito, mediante preceitos especificamente endereçados à tributação, seja de modo indireto, enquanto disciplina outros direitos, como o de propriedade, o de não sofrer confisco, o de exercer atividades lícitas, o de transitar livremente pelo território nacional etc. A competência tributária, portanto, já nasce limitada. (CARRAZA, 2012, p. 519).

De fato, a própria redação do art. 150 da CF já aponta nesse sentido ao indicar que as

limitações dispostas naquela sessão constitucional não restringem outras garantias

asseguradas ao contribuinte, como, por exemplo, as garantias fundamentais.

Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar são, nos dizeres de Amaro,

balizamentos fixados pela própria Constituição para resguardar valores pela mesma

considerados relevantes, especialmente no que toca os direitos e garantias individuais (2012,

p. 104).

Derzi entende mais, entende que as referidas limitações são apenas “especializações

ou explicações dos direitos e garantias fundamentais (legalidade, irretroatividade, igualdade,

generalidade, capacidade econômica de contribuir etc), ou de outros grandes princípios

estruturais, como a forma federal do Estado (imunidade recíproca dos entes públicos estatais)”

(DERZI apud BALEEIRO, 2003, p. 14). Essa origem das limitações ao poder de tributar nos

direitos e garantias fundamentais, será fundamental para a compreensão dos argumentos nesse

trabalho construídos, conforme será visto a seguir.

As limitações constitucionais ao poder de tributar se diferenciam em imunidades e

princípios. As primeiras não são relevantes nesse trabalho dado ao seu objeto. No entanto, o

tema aqui tratado está diretamente vinculado aos princípios tributários (caso da capacidade

contributiva).

O conceito de princípio é algo que jamais se fecha, cada autor irá destacar uma ou

outra característica, mas que encontra alguns elementos em comum que auxiliam na

percepção de qual a necessidade-utilidade desses mecanismos no ordenamento jurídico.

Segundo pensamos, princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande generalidade, ocupa a posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso, mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam. (CARRAZZA, 2010, p. 45, grifo nosso).

Essa vinculação delineada por Carraza não é meramente porque esse é o conceito que

se consolidou dar aos princípios. Princípios são vinculantes e orientadores das demais normas

jurídicas porque trazem em si um conteúdo valorativo mais evidente. É por isso que Ávila

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viria a considerar que os princípios são normas finalísticas, com a intenção de proporcionar

um estado ideal de coisas.

Como já definitivamente demonstrado, os princípios, por serem normas imediatamente finalísticas, estabelecem um estado ideal de coisas a ser buscado, que diz respeito a outras normas do mesmo sistema, notadamente as regras. Sendo assim, os princípios são normas importantes para a compreensão do sentido das regras. Por exemplo, as regras de imunidade são adequadamente compreendidas se interpretadas de acordo com os princípios que lhes são sobrejacentes, como é o caso da interpretação da regra da imunidade recíproca com base no princípio federativo. (2006, p. 45, grifo nosso).

Derzi, tratando mais especificamente dos princípios tributários e de uma perspectiva

mais prática, indica que os mesmos são requisitos de validade da competência tributária.

Assim, “princípios são diretrizes, requisitos ou critérios de validade formal ou material à

criação de normas jurídicas, cuja observância leva ao exercício adequado da competência

tributária” (DERZI apud BALEEIRO, 2003, p. 14).

As limitações constitucionais ao poder de tributar são princípios constitucionais, como

se depreende de sua expressão aberta, do seu caráter inspirador e fundamentador das demais

regras tributárias e ao mesmo tempo limitador do poder de tributar (transformando-o em

competência tributária).

Mais do que isso, as limitações constitucionais ao poder de tributar possuem sua

origem nos direitos e garantias do cidadão e como tal herdam desses a natureza de princípios

(DERZI in BALEEIRO, 2003, p. 36). É o caso, por exemplo, do princípio do não confisco,

que se origina do próprio direito de propriedade.

Sendo princípios oriundos dos direitos fundamentais, as limitações constitucionaios ao

poder de tributar são normas dotadas de conteúdo finalístico (ÁVILA, 2006, p. 45), cujo teor

orienta a aplicação das demais normas do sistema jurídica (CARRAZA, 2010, p. 45) e cuja

observância é fundamento de validade das demais normas (DERZI in BALEEIRO, 2003, p.

14).

Ultrapassada a fase de conceituação do que é Sanção e Competência Tributária, de

uma análise geral das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, enfim é possível

trabalhar a possibilidade de aplicação dessas últimas ao Direito Tributário Sancionador.

4 DA APLICAÇÃO DAS LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO PODER DE

TRIBUTAR NO DIREITO TRIBUTÁRIO SANCIONADOR.

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Nesse tópico, avança-se sobre o tema proposto no presente artigo, partindo das

diferenças e proximidades entre sanção e tributo, entre a finalidade de tributar e a finalidade

de sancionar, sem, contudo, esquecer que as duas atividades encontram limites constitucionais

comuns: os direitos fundamentais.

4.1 Cabe aplicação das Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar ao Direito

Tributário Sancionador?

Acima, verificou-se que a competência tributária decorre de atos lícitos, atos indicados

na Constituição como aptos a dar nascimento à obrigação tributária em virtude da sua

capacidade contributiva intrínseca. A principal função dos tributos é promover a arrecadação

tributária. Subsidiariamente, os mesmos se prestarão a outros fins constitucionais, mas sempre

tendo como fato gerador um ato lícito (mesmo que não desejável). Sanção por outro lado é

necessariamente decorrência do ato ilícito.

Se a função de ambas é diversa, poder-se-ia dizer que é possível aplicar as Limitações

Constitucionais ao Poder de Tributar ao Direito Tributário Sancionador?

Coimbra o mais conhecido estudioso sobre o tema afirma que sim. O argumento do

autor se baseia na consideração de que as sanções jurídicas tributárias seriam espécies

autônomas de sanção. Funda esse argumento na consideração de que as sanções penais

possuem características e regime próprio, enquanto as administrativas não se confundiriam

com as tributárias em virtude da autonomia reconhecida historicamente ao Direito Tributário.

Logo, ainda no entendimento do autor, as sanções tributárias seriam espécies autônomas de

sanção (2012, p. 112-113).

No mesmo raciocínio, Coimbra entende que as sanções tributárias derivam do próprio

poder de tributar, por conseguinte, sujeitar-se-iam aos princípios constitucionais que limitam

esse poder (2012, p. 113). No mesmo sentido, entende IBRAHIM:

[…] as sanções previstas na legislação tributária brasileira possuem natureza específica, qual seja, a tributária, e não outra qualquer como pretendem alguns , dado que decorrem do poder de tributar estatal. Dessa forma, por se originarem no ius tributandi de cada um dos entes políticos, é dizer, por decorrerem diretamente desse poder, e não do chamado ius puniendi, estão jungidas às denominadas limitações constitucionais ao poder de tributar, dentre as quais se encontra, conforme já se destacou neste estudo, o princípio da capacidade contributiva. (2010, p. 369).

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No entanto, com a devida vênia, compreende-se que o poder de sancionar as condutas

ilícitas não é uma peculiaridade do Direito Tributário, decorre do próprio “ius puniendi”

necessário ao Estado para o cumprimento de todas as suas normas, independentemente do

ramo do Direito envolvido. Se, tal como Bobbio indica, é a institucionalização da Sanção que

torna a norma jurídica, o poder de sancionar não decorre do poder de punir penal, tributária e

civilmente, no entanto, do próprio Estado na medida em que se constitui enquanto tal.

A questão é ainda relevante ao passo em que as funções de tributo e sanção são

diferentes, como visto acima. Não poderia assim pressupor que princípios que limitam a

atividade de tributar com suas peculiaridades e fins possam se aplicar as sanções tributárias,

com outras peculiaridades e fins (ambos vistos acima).

A aplicabilidade será cabível sim, mas com base em outros critérios. O primeiro deles

já foi explicitado acima. Tal como DERZI indica as limitações constitucionais ao poder de

tributar são explicitações de direitos fundamentais e esses possuem a natureza jurídica de

princípios (DERZI apud BALEEIRO, 2003, p. 14). Como tais, novamente como já descrito

acima, se irradiam por todo o ordenamento jurídico, no que couber, claro. In casu, é preciso

verificar se as sanções tributárias se relacionam com os direitos fundamentais que embasam o

princípio da capacidade contributiva.

A partir desses pressupostos, caberá a análise da aplicabilidade da capacidade

contributiva às Sanções Tributárias.

5 ISONOMIA E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA.

Já no caput do artigo 5o da CF, o princípio da igualdade é alçado à condição de direito

fundamental. Dele decorre o art. 150, inc. II, também da Constituição Federal, segundo o qual

é proibido “ instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação

equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles

exercida, independentemente da denominação jurídica”. (BRASIL, 1988).

Silva aponta que igualdade perante a lei importa em “ônus e vantagens de maneira

igual para situações iguais.” (2006, p. 215) e ainda que “Igualdade perante a tributação

relaciona-se com a justiça distributiva em matéria fiscal. Diz respeito à repartição do ônus

fiscal do modo mais justo possível.” ( 2006, p. 221). Como visto, essa não é uma garantia

exclusiva do Direito Tributário, pelo contrário, a igualdade tributária decorre do princípio

constitucional da isonomia, que, por sua vez, decorre não apenas da redação do art. 5o da CF,

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mas é intrínseco à toda a Constituição Federal na medida em que o Estado se constitui como

Democrático de Direito. O essencial, como Carraza assevera, é dar tratamento igual a

ocupantes de idênticas posições jurídicas (CARRAZA, 2010, p. 87).

A polêmica quanto à igualdade não repousa na sua aplicação, mas no critério definidor

de qual é a situação que importa em agrupar pessoas ou sociedades em determinados grupos

para sujeição a um mesmo tratamento. O que são as situações jurídicas idênticas e divergentes

e qual é o critério definidor dessa distinção?

Ávila trabalha esse problema ao indicar que a igualdade envolve, necessariamente,

uma comparação:

O problema é igualdade compreende, pois, necessariamente, os seguintes elementos: a) dois ou mais sujeitos ou sujeitos ou situações de fato, b) medida, e c) finalidade normativa. Sem esses elementos, a igualdade não pode descrita nem aplicada. Os efeitos do dever de tratamento igualitário da tributação dependem, portanto, do termo de comparação. (2006, p. 89, grifo nosso).

Derzi lida bem com a questão da dessemelhança relativa entre os seres, propondo que

todos os seres podem ser relativamente iguais a depender do critério de comparação. De modo

que se torna, para fins jurídicos, essencial, apurar o critério a partir de seu caráter axiológico

que será definido com base na Constituição de cada país (in BALEEIRO, 2003, p. 527).

Para os doutrinadores, o critério distintivo no Direito Tributário, em geral, seria o

princípio da capacidade contributiva do contribuinte (in BALEEIRO, 2003, p. 530;

COELHO, 2006, p. 275).

Esse princípio denota que a tributação presume e se funda na existência de signos

presuntivos de riqueza, de verdadeiras condições econômicas do contribuinte (DERZI in

BALEEIRO, 2003, p. 690).

Pode ser classificado de duas maneiras conforme indica Derzi: (i) capacidade objetiva

ou absoluta e (ii) capacidade relativa ou subjetiva. A primeira “obriga o legislador a tão-

somente eleger como hipóteses de incidência de tributos aqueles fatos que, efetivamente,

sejam indícios de capacidade econômica”. A segunda espécie de capacidade “refere-se à

concreta e real aptidão de determinada pessoa (considerados seus encargos obrigatórios

pessoais e inafastáveis) para o pagamento de certo imposto” (DERZI in BALEEIRO, 2003, p.

691).

Como visto, em regra, a capacidade contributiva subjetiva (já que a objetiva não se

refere às características de grupos específicos, mas à capacidade inerente ao próprio ato

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realizado) é considerada critério de comparação para fins de aplicação do princípio da

isonomia.

De fato, existem exceções a essa regra, reconhecidas por alguns doutrinadores. É o

caso, por exemplo, da extrafiscalidade e do exercício de poder de polícia (COELHO, 2006, p.

274). Derzi também preconiza que outros valores constitucionais podem ser acolhidos como

critério de comparação de modo a derrogar total ou parcialmente o princípio da capacidade

contributiva (DERZI in BALEEIRO, 2003, p. 530). Exemplo constitucional é o ITR, cuja

progressividade não é definida em virtude da capacidade contributiva, mas da função social

da propriedade (art. 153, § 4º, I, CF) (BRASIL, 1988).

As exceções, no entanto, não são apenas essas.

O princípio da capacidade contributiva encontra respaldo no art. 145, §1º, CF:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: […] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (BRASIL, 1988).

Com base na redação desse artigo, o STF baseia uma interpretação restritiva da

aplicação do princípio da capacidade contributiva. (GODOI; SANTIAGO; FIGUEIREDO,

2002, p. 22-32).

Por um lado, o STF acata o entedimento doutrinário, já que afasta a aplicação da

capacidade contributiva no caso das taxas, entendendo que nesse caso, o valor do tributo deve

corresponder ao custo do serviço estatal a ser prestado. Tal entendimento foi o majoritário em

julgados como na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 2.178 e no

Recurso Extraordinário no 177.835, julgados em 1999. A esse respeito, é obrigatório

consultar a obra “Sistema Tributário Nacional na jurisprudência do STF” do professor

Marciano Seabra de Godoi.

Outra interpretação restritiva e polêmica da Capacidade Contributiva no que toca a sua

aplicação aos tributos é a sua restrição aos impostos pessoais. O STF já demonstrou o

entendimento de que apenas os impostos pessoais serão graduados conforme de capacidade

econômica do contribuinte. Novamente, para se aprofundar sobre os julgados sobre o tema,

consultar a obra supra citada do professor Godoi.

Baleeiro já criticava a referida vedação acreditando que a capacidade contributiva

subjetiva aplicar-se-ia inclusive aos tributos reais, considerando que:

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Mas salta aos olhos que, por exemplo, alguns milhares de cruzeiro anuais bastam a um jovem solteiro, não satisfazendo, entretanto, o chefe de família prolífica, sobrecarregado por dívida e moléstia prolongada de um filho. Repugna, por outro lado, o senso de justiça do nosso tempo, que um órfão pague sobre a herança parterna o mesmo imposto de transmissão causa mortis exigível de um estranho, adulto e rico. (BALEEIRO, 2003, p. 745).

Em síntese: como visto acima, alguns doutrinadores, como Coelho e Derzi, seguidos

pela jurisprudência, reconhecem que existem exceções a definição da capacidade contributiva

como critério de comparação para fins de aplicação do princípio da isonomia, no caso de

adoção de outros critérios pela própria Constituição Federal. Além disso, o STF tem julgado

restritivamente a aplicação da capacidade contributiva no caso dos impostos, indicando que

tal critério só poderia ser utilizado no caso dos impostos pessoais.

Ávila desenvolve interessante critério ao apontar que existem critérios diversos da

capacidade contributiva. O seu entendimento inclusive, conquanto não seja sobre as sanções,

serve para reafirmar os critérios aplicações da sanção penal e entende-se também aplicáveis,

como já discutido, às sanções em sentido mais amplo.

Não há uma relação de causalidade entre meio e fim, mas apenas uma relação de correspondência entre uma medida e o próprio parâmetro que a condiciona: a culpa e a contraprestação devem funcionar como parâmetros para fixação da pena e a cobrança da taxa. Quando se faz referência à proporcionalidade na aplicação da pena no Direito Penal, faz-se menção à graduação da pena e à extensão da culpa. Quando se faz referência à proporcionalidade na instituição de taxas no Direito Tributário, faz-se menção à relação de equivalência entre prestação e contraprestação. A rigor, não há uma relação entre meio e fim que permita realizar o controle de proporcionalidade. Há, tão-só, duas grandezas, que devem ser postas em correlação, se a existência de um fim externo. (ÁVILA, 2006, p. 100).

Acima, a partir da análise da formação sanção jurídica, indicou-se que a mesma deve

ser dotada de eficácia institucionalizada. Demonstrou-se ainda que uma norma desprovida de

sanção não poderá ser considerada vinculante. Detectou-se ainda que não será cabível

tratamento diverso de infratores da lei que tenham cometido ofensa a lei de mesma gravidade.

Pode-se assim dizer que existe um binômio principal orientador da aplicação da sanção a

gravidade da lesão e a garantia da eficácia da norma.

Outros critérios serão subsidiários a esse. A questão é: a capacidade contributiva é um

desses critérios subsidiários?

Acredita-se que sim uma vez que impor sanções ignorando a capacidade contributiva

poderia tornar ineficaz a própria finalidade das sanções. Ou seja, as sanções não teriam de ser

mais altas no caso de empresas com maior capacidade contributiva para garantir a função

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punitiva e repressiva das condutas perpetradas? Imagine-se a seguinte situação, um

determinado indivíduo deixou de pagar tributo, cuja pena prevista correspondente a 20%

(vinte por cento) do tributo devido. Essa multa quanto ao não pagamento poderia ter um

impacto restrito para um milionário, não sendo o suficiente para lhe estimular a cumprir com

seu dever de pagar tributo. Mas poderia ser altíssima em relação a um contribuinte de

menores condições, ainda que seu imposto fosse menor, extrapolando o percentual necessário

a coagir a observância à norma.

Nesse viés, embora parta de premissas diversas, Silva chega à mesma conclusão:

Com tais virtudes, podem as multas graduáveis evitar ou corrigir eventuais distorções ou desigualdades decorrentas da aplicação de uma quantia fixa, a título de penalidade, para afetar o patrimônio de diferentes transgressores que, no mais das vezes, não são coincidentes. Assim, supre-se notável deficiência das multas fixas, cuja feição e eficácia repressiva depende da premissa, no mais das vezes falsa, de ensejar a imposiçaao uma consequência indesejável de iguais proporções a todos os infratores. Se um destes tiver patrimônio muito superior ao outro, não somente o princípio da isonomia resta envilecido, mas também a função punitiva poderá arrefecer-se ou , mesmo, se frustrar. (SILVA, 2007, p. 165, grifo nosso).

Pelo exposto, acredita-se que essa Limitação Constitucional ao Poder de Tributar

poderá ser aplicada às sanções tributárias, na medida em que possa auxiliar na função

precípua das sanções, qual seja, garantir a eficácia da norma jurídica.

6 CONCLUSÃO.

Nesse artigo, pretendeu-se analisar se o princípio da capacidade contributiva poderia se

aplicar às sanções tributárias.

Inicialmente, verificou-se que as sanções jurídicas, enquanto tais, dotam as normas

jurídicas de imperatividade. Sua função é assegurar a eficácia da norma. Nos sistemas

jurídicos, essa função será reforçada e controlada pela institucionalização da sanção, o que

não afastará o núcleo fundamentador dessas: garantir-estimular o cumprimento da norma.

Essa finalidade deve orientar a própria extensão da aplicação da sanção.

A partir desse critério principal, verificaram-se outros critérios indicados pelos autores

para aplicação e delimitação da sanção, tais como, a igualdade, culpabilidade e vedação ao

não confisco. No entanto, no íntimo desses, encontra-se a necessidade-possibilidade de se

evitar uma lesão a um bem jurídico.

De outro lado, para comparar as limitações às sanções e ao poder de tributar, foi

necessário verificar qual a finalidade do poder de tributar. Seriam as mesmas similares às do

Direito Sancionador permitindo-se a aplicação das regras tributárias às sanções? Com esse

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intuito, demonstrou-se que a tributação possui duas principais finalidades (1) a arrecadação de

recursos para que se realizem os fins constitucionais, (2) atingir escopos extrafiscais, com a

regulação de atividades lícitas, de acordo, novamente, com fins constitucionais. Apontou-se

ainda que, seja no caso dos tributos fiscais seja nos extrafiscais, não existe similaridade das

funções desses com as das sanções. Nem mesmo os tributos extrafiscais se assemelhariam as

sanções, já que aqueles não possuem ilícitos como pressuposto para o seu nascimento.

Se as funções de tributos e sanções são diferentes como visto, é possivel aplicar as

limitações constitucionas ao poder de tributar a essas? A partir do estudo das referidas

limitações, acredita-se que sim, mas apenas na medida em que as mesmas se fundam em

direitos fundamentais. Esses não estão restritos a um ou outro campo do Direito, como

princípios fundadores do Estado, abrangem e vinculam todo o ordenamento jurídico.

De fato, a isonomia, além de limitação ao poder de tributar, é um direito fundamental,

um dos princípios fundamentais basilares do Estado Democrático de Direito. A grande

questão, no entanto, no que trata a isonomia, não é sua aplicação, mas qual o critério que

permite o enquadramento como igual / desigual.

No Direito Tributário, a regra é que se aplique o princípio da capacidade contributiva

com essa função. No entanto, essa aplicação está sujeita a restrições, sendo que alguns

consideram que a mesma não seria cabível no caso de tributos extrafiscais e ainda no caso do

exercício do poder de polícia. O STF inclusive já foi extremamente restritivo a respeito,

compreendendo que a capacidade contributiva só seria aplicável aos impostos pessoais.

Nesse contexto, seria cabível a aplicação da capacidade contributiva como critério de

aplicação da igualdade no caso de sanções tributárias? Entende-se que sim, já que impor

sanções ignorando a capacidade contributiva do infrator tributário poderia tornar ineficaz a

própria finalidade das sanções, qual seja, coagir condutas. Para que a sanção seja eficaz, é

necessário que o patrimônio do infrator, proporcional a sua capacidade contributiva, seja

realmente afetado, o que impõe o reconhecimento dessa como critério de aplicação da sanção

tributária.

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REFERÊNCIAS

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MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. Artigos 1o a 95. 2a. ed. São Paulo: Atlas, 2007. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Arts. 1o a 120 do CP. 21a. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004. ROCHA, Fernando Antônio N. Galvão. Aplicação da pena. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito Tributário Sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

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O PRINCÍPIO DO NÃO-CONFISCO E SUA ATUAL INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL.

THE PRINCIPLE OF NON-FORFEITURE AND YOUR CURRENT

CONSTITUTIONAL INTERPRETATION.

Ricardo Cavedon 1

SUMÁRIO

I – O atual perfil do conceito de propriedade. II – A tributação como limitação à

propriedade privada. III - A limitação, a privação e o confisco do direito de propriedade. IV -

A não-confiscatoriedade e os direitos fundamentais do cidadão. V - A extrafiscalidade e o

efeito-confisco. VI - A interpretação atual da não-confiscatoriedade. VII - Os postulados e a

não-confiscatoriedade no direito tributário. VIII - Os critérios da razoabilidade, da

proporcionalidade e da proibição dos excessos. IX – Conclusão. X - Referências

Bibliográficas.

RESUMO

Por força do correr histórico, o ordenamento jurídico impôs ao conceito de

propriedade sofrer algumas mutações em sua estrutura normativa, condizentes com a

atualidade e o interesse coletivo, revelando-se o direito de propriedade hoje alcançado por

certas limitações – ditadas tanto ao seu exercício quanto em sua esfera interna (é o caso da

função social da propriedade); ou por vezes certas privações – é o caso da expropriação,

mediante prévia e justa indenização, requisição com indenização a posteriori e o confisco não

indenizável.

Partindo-se da premissa de que o direito de propriedade há muito não é mais

absoluto, buscar-se-á percorrer de forma gradual e obtemperada as bases para uma

interpretação sistemática, teleológica e evolucionista do princípio da não confiscatoriedade no

direito tributário brasileiro, aliando-lhe nesse intento aos critérios da razoabilidade, da

proporcionalidade e da proibição dos excessos. A interpretação do artigo 150, inciso IV, da

1 Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-Graduado em Direito Civil e

Empresarial e Bacharel pela mesma Instituição. Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do

Paraná. Assessor jurídico de Desembargador no TJPR desde 2007. Lattes:

http://lattes.cnpq.br/5682648172792984. E-mail: [email protected].

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Constituição Federal, assim, deve ser mais perene e presente na atividade jurisdicional

brasileira e na doutrina contemporânea.

ABSTRACT

Under historic run, the legal concept of property imposed to undergo some changes

in its regulatory framework, consistent with the present and the collective interest, revealing

the right of ownership reached today by certain limitations - both dictated and in pursuit your

inner sphere (in the case of the social function of property) and certain deprivations - is the

case of expropriation, against prior and fair compensation, requisition and confiscation not

compensable.

Starting from the premise that the right to property is not much more absolute fetch

will go gradually and obtemperada the foundation for a systematic interpretation, teleological

evolutionary and the principle of non confiscatoriedade in Brazilian tax law; allying you do

this by the criteria of reasonableness, proportionality and the prohibition of excess. The

interpretation of Article 150, Paragraph IV of the Federal Constitution, thus, should be more

activity in this perennial and Brazilian judicial doctrine and contemporary.

PALAVRAS CHAVES

Confisco; Propriedade; Limitações; Postulados; Razoabilidade; Proporcionalidade; excessos;

Interpretação; Colmatação Valorativa; Codificações; Nova Hermenêutica;

Neoconstitucionalismo; Neopositivismo; Interpretação Evolucionista; Integração Valorativa.

KEYWORDS

Confiscation; Property; Limitations; Postulates; Reasonableness, Proportionality; excesses;

Interpretation; clogging evaluative; encodings; New Hermeneutics; neoconstitutionalism;

neopositivism; Evolutionary Interpretation; Integration valuation.

I – INTRODUÇÃO.

O direito de propriedade é um conceito que evoluiu com o passar das épocas.

Preteritamente constituiu-se como um direito absoluto, individual, tendo, no curso da história,

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incorporado alguns valores sobre os quais hoje funda sua estrutura conceitual. Em verdade, o

direito de propriedade preexiste ao Estado, mas, a despeito, exige para seu reconhecimento

que exista convivência em sociedade. 3

Embora tenha se originado como um direito absoluto e ilimitado, no atual contexto

social, pode-se dizer que indiscutivelmente o direito de propriedade sofreu algumas

limitações, o que vem importando numa incessante redução de seu absolutismo. Sobre o tema

leciona Orlando Gomes leciona:

“BBB M propriedade foi um dos direitos de mais pronunciado cunho

individualista. Considerado direito natural do homem, consistia no poder de

usar, gozar, fruir e dispor das coisas de maneira absoluta. Os códigos

individualistas unificaram-no e não lhe impuseram senão poucas limitações, de

caráter excepcional. Os fatos novos desintegraram o conceito e reclamaram

restrições severas ao seu exercício. A tendência mais expressiva na evolução

do direito de propriedade é a sua popularização, por sua crescente

disseminação entre os que trabalham ou entre os que utilizam as coisas. A

propriedade estática cede diante da propriedade dinâmica. Um direito de

quase-propriedade expande-se, aproveitando a força psicológica e social da

propriedade. Limitações extensivas e intensivas multiplicam-se. Subtraem-se

da apropriação privada numerosos bens. Compete-se o proprietário a exercer

utilmente seu direito. Restringe-se, na extensão, os poderes e faculdades que

conferia. Deveres de toda sorte impõem-se ao proprietário. Em suma,

transformações cruciais registram-se, modificando a sua feição individualista.

(...) a propriedade deve conformar-se às exigências do bem comum,

sujeitando-se às disposições legais que limitem seu conteúdo, que lhe

imponham obrigMções e lhe reprimMm os Mbusos.” B 4

Com efeito, o que hoje entendemos por propriedade individual não é o mesmo do

que tempos atrás se entendia. Houve mutações sociais e filosóficas nesse conceito; a

propriedade passou, historicamente, de coletiva 5 a individual e, nos tempos modernos, vem

perdendo todas a faces de sua exclusividade que atritam com o convívio social. 6

3 “O direito de propriedade fora, com efeito, concebido como uma relação entre uma pessoa e uma coisa, de

caráter absoluto, natural e imprescritível. Verificou-se, mais tarde, o absurdo dessa teoria, por que entre uma

pessoa e uma coisa não pode haver relação jurídica, que só se opera entre pessoas. Um passo adiante, à vista

dessa crítica, passou-se a entender o direito de propriedade como uma relação entre o indivíduo (sujeito ativo) e

um sujeito passivo universal integrado por todas as pessoas, o qual tem o dever de respeita-lo, abstraindo-se de

viola-lo, e assim o direito de propriedade se revela como um modo de imputação jurídica de uma coisa a um sujeito. Mas aí se manifesta uma visão muito parcial do regime jurídico da propriedade: uma perspectica

civilista, que não alcança a complexidade do tema, que é resultante de um complexo de normas jurídicas de

Direito Público e de Direito Privado, e que pode interessar como relação jurídica e como instituição jurídica.” ( SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo. Malheiros, 2004, p.

270). 4 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 75-6.

5 Nesse sentido entende PMmNém J asOington de Barros Monteiro, que condiz: “parece que M propriedade, nos

primórdios da civilização, começou por ser coletiva, transformando-se, porém, paulatinamente, em propriedade

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Ora, como já observava Pontes de Miranda, “o domínio não é ilimitável”. 7

Hodiernamente, normas jurídicas limitam e restringem o uso do direito de propriedade,

operam tanto por intermédio de princípios fundantes do Estado democrático de direito – os

quais, abarcados pela Constituição Federal, impõe, através de sua força normativa, o respeito

aos direitos coletivos, 8 ao meio ambiente,

9 à ordem social, às garantias e direitos

individual. (...) Trata-se, contudo, de ponto obscuro da história do direito e sobre a qual ainda não foi dita a

últimM palavra”B (MONTEIRO, J ashington de Barros. Curso de Direito Civil, São Paulo, v. 3, Saraiva, 1982). 6 Nesse sentido: GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. O principio do não-confisco no direito tributário, São Paulo:

Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 38. 7 “Todo direito suNjetivo é linOM que se lança em certa direção. Até onde pode ir, ou até onde não pode ir,

previsto pela lei, o seu conteúdo ou seu exercício, dizem-no as regras limitativas, que são regras que configuram, que traçam a estrutura dos direitos e da sua exercitação. O conteúdo dessas regras são as limitações. Aqui

principalmente nos interessam as limitações ao conteúdo. O domínio não é ilimitável. A lei mesma estabelece

limitações. Nem é irrestringível. A lei contém regras dispositivas de restrição e os negócios jurídicos podem

restringi-lo. As mais características das restrições são as restrições reais, ditas servidões. Outras apenas

concernem ao exercícioB” (MIRAÍG A, Pontes de. Tratado de direito privadoB São Paulo: RT, 1E83, PB 11, pB18)B 8 PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO PARA FINS DE REFORMA

AGRÁRIA. INDENIZAÇÃO DA COBERTURA VEGETAL EM SEPARADO. NECESSÁRIA

COMPROVAÇÃO DA EXPLORAÇÃO ECONÔMICA DA ÁREA. INTERPRETAÇÃO DO ART. 12, DA LEI

N.º 8.629/93. (...) A questão da indenizabilidade de cobertura vegetal, tout court, é matéria de mérito e tem sido

decidida positivamente pelo Pretório Excelso, sob o enfoque de que a limitação legal ou física encerra

expropriação, que nosso sistema constitucional, que também protege a propriedade, gera indenização,

condicionando-a, apenas, à prova da exploração econômica da área . (...) É assente no Pretório Excelso que :"(...)

o Poder Público ficará sujeito a indenizar o proprietário do bem atingido pela instituição da reserva florestal, se,

em decorrência de sua ação administrativa, o dominus viera a sofrer prejuízos de ordem patrimonial. A

instituição de reserva florestal - com as conseqüentes limitações de ordem administrativa dela decorrentes - e

desde que as restrições estatais se revelem prejudiciais ao imóvel abrangido pela área de proteção ambiental, não

pode justificar a recusa do Estado ao pagamento de justa compensação patrimonial pelos danos resultantes do

esvaziamento econômico ou da depreciação do valor econômico do bem.(...)"(Recurso Extraordinário n.º

134.297/SP, Rel. Min. Celso de Mello). (...) Destarte, a essência do entendimento jurisprudencial poderia, assim

ser sintetizado: "(...) - A norma inscrita no art. 225, § 4º, da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5º, XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente à compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis à atividade estatal. - O preceito consubstanciado no art. 225, § 4º, da

Carta da República, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas

florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não

impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam

sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias à

preservação ambiental. - A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5º, XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da República estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, § 4º, da Constituição. (...)" (RE 134.297-8/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 22/09/95). (...) (STJ - Resp

670255 / RN - 1ª Turma - Rel. Min. Luiz Fux - Julgamento 28/03/2006 Publicação DJ 10.04.2006 p. 134). 9 Nesse sentido já se mMnifestou o STF: “REFURSO EXTRAORDIÍ ÁRIO - ESTAÇÃO ECOLOGICA -

RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR - PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART. 225, PAR.4.) -

LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEÚDO ECONÔMICO DO DIREITO DA

PROPRIEDADE (...) Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as

necessárias medidas que visem a coibir praticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não

exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua

potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública. - A proteção jurídica

dispensada as coberturas vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a

promover, dentro dos limites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamento

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fundamentais, à função social da propriedade10

; - quanto por inúmeras leis

infraconstitucionais, 11

as quais impõem limitações oriundas do direito administrativo, direito

militar, eleitoral ou até mesmo do próprio direito civil, como ocorre, por exemplo, com o

direito de vizinhança ou com as cláusulas voluntariamente pactuadas nas liberalidades, como

a inalienabilidade, a impenhorabilidade e a incomunicabilidade.

Não há de se negar, pois, que todas essas limitações traçam o atual perfil do direito

de propriedade no direito brMsileiro, o qual que “deixou de Mpresentar Ms cMrMcterísticMs de

direito absoluto e ilimitado, para transformar-se em um direito de finalidMde social.” 12

econômico das arvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem áreas dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. Precedentes. - A circunstancia de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere,

só por si - considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -, a

prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade

pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a valida exploração

econômica do imóvel por seu proprietário. - A norma inscrita no ART.225, PAR.4., da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5., XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente a compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis a atividade estatal. (...) - A ordem constitucional

dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5., XXII). Essa proteção outorgada pela Lei

Fundamental da Republica estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento,

em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe

seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel

particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, PAR.

4., da Constituição. - Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um

típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput). (STF - RE 134297 / SP – 1ª Turma – Rel. Min. Celso de

Mello - Julgamento 13/06/1995 - Publicação DJ 22-09-1995). 10

É M manifestação do STF: “(BBB) O direito de propriedMde não se reveste de caráter MNsoluto, eis que, soNre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII),

legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites,

as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos

conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos

naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da

propriedade. A desapropriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento

da função social da propriedade - reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos

assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico- -social

de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que

sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a

função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a

obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de

produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que

regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade. (...)

(STF - ADI-MC 2213 / DF – Tribunal Pleno - Rel. Min. Celso de Mello - Julgamento 04/04/2002 - Publicação

DJ 23-04-2004). 11

Carlos Roberto Gonçalves faz referência ao Código de Mineração, ao Código Florestal, a Lei de Proteção do

Meio Ambiente, além do próprio Código Civil. (in Direito civil brasileiro, volume V: direito das coisas, São

Paulo, Saraiva, 2006, p. 222). 12

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume V: direito das coisas, São Paulo, Saraiva,

2006, p. 222.

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Embora no início tenha se concebido como um direito de cunho individualista,

absoluto e imperativo na condução do relacionamento entre a pessoa e a coisa, na atualidade,

encontra-se impregnado com valores sociais, reflexo – nós sabemos – da longa e lenta

evolução porque passou a humanidade, com a qual adquiriu a feição de direito compatível

com a função social, isso por imposição da própria Constituição Federal. 13

Ditas limitações, contudo, não tiram desse direito, suas características nucleares,

como, por exemplo, a oposição erga omnes. A propriedade, por suposto, face sua

conformação à realidade Constitucional, não pode mais ser interpretada como mero direito

real (sentido que lhe emprega o Código Civil), 14

pois, como se trata de um direito com status

constitucional hierMrquicMmente superior, merece “interpretação que lhe outorgue toda M

Mmplitude que o termo semanticamente comporta”B 15 Deve guardar perfeita harmonia com a

noção de proteção, “conquanto utilizMção produtiQM dos bens”. 16

Trata-se, conforme reverberM FMbio Brun Goldschmidt, de “uma gMrantiM

institucional que protege não somente (ou melhor, não tanto) a posição jurídica daqueles que

já são proprietários, senão, a própria perenização do direito de propriedade, como instituição.

O protegido não é o domínio como conjunto de faculdades de que é titular o proprietário, mas

M própria intMngibilidade do valor patrimonial.” 17

Em outras palavras, não se está protegendo o direito de propriedade sobre cada bem

concreto, mas um valor que se irradia para muito além do âmbito individual subjetivo, e que

para abarcar concepção social conformadora dos direitos coletivos assegurados pela lei

magna.

Seu conceito merece acobertar todos os interesses apreciáveis a que um homem

possa possuir, fora de si mesmo, fora de sua vida e de sua lei. Seja originado de relações de

direito privado (direitos subjetivos privados), seja de atos administrativos (direitos subjetivos

de ordem pública), deve conter sobre si a condição de que seu titular disponha de uma ação

13

Fomo diz Farlos RoNerto Gonçalves, “M própria Fonstituição impõe M suNordinação dM propriedade à função

social” (GONÇALVES, Farlos RoNertoB Direito das coisas, opB cit., pB 222)B 14

A perspectiva de empregar o termo propriedade tal como empregado na Constituição no mesmo sentido que o

Direito F iQil, segundo José Afonso dM SilQa, é “dominadM pela MPmosfera civilista, que não leva em conta as

profundas transformações impostas às relações de propriedade privada, sujeita, hoje, à disciplina do Direito

Público, que tem sede fundamental nas normas constitucionais. Em verdade, a Constituição assegura o direito de

propriedade, mas não só isso, pois, como assinalamos, estabelece também seu regime fundamental, de tal sorte

que o Direito Civil não disciplina a propriedade, mas as relações civis M ela referentes.” (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo. Malheiros, 2004, p. 272). 15

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun., op. cit., p.40-1. 16

“A função social consuNstancia-se no interesse social de incremento dM produção e do aumento dM riquezM” (PRATA, Ana. A tutela constitucional da autonomia privada. Coimbra: Almeidina, 1982, p. 170). 17

CASANOVA, Gustavo J. Naveira de. El principio de no confiscatoriedad em España y Argentina. Madrid:

McGraw Hill, 1997, p. 32.

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contra qualquer um que intente interrompê-lo em seu gozo, mesmo que seja o próprio Estado.

18

Dessa forma, na linha da história, o conceito de propriedade sofreu uma mutação

lógico-sistemática, congruente com a incorporação no direito dos valores humanos e sociais

decorrentes do pós-guerrM e do constitucionalismo contemporâneo. A feição “propriedade”,

hoje, detém cunho eminentemente social. Conforme pondera Luiz Edson Fachin:

“A propriedMde, em Roma, constituía direito Mbsoluto e perpétuo,

excluindo-se a possibilidade em exercitá-la vários titulares. A idade média, por

seu turno, consagrou a superposição de propriedades diversas incidindo sobre

um único bem, e a Revolução Francesa instaurou o individualismo e o

liberalismo. (...) A exacerbação do individualismo acentou na propriedade o

caráter de inviolabilidade e de absolutismo. Hoje, já se exprime à propriedade

privada um conjunto de limitações formais, sendo composto de restrições e

induzimentos que formam o conteúdo da função social da propriedade... A

doutrina da função social da propriedade corresponde a uma alteração

conceitual do regime tradicional: não é, todavia, questão de essência, mas sim

pertinente M umM parcela da propriedMde que é M sua utilizMção.” B (grifo nosso). 19

Está a merecer, pois, interpretação condizente com a realidade da sustentação

institucional abarcada pelo estado democrático de direito e pela vigente Constituição, não

mais devendo ser trMtada como, conforme diz FMnotilho, “um direito de propriedade Mbsoluto

e ilimitado, fruto de concepções políticos-econômicMs do liberalismo”; 20 relevando agora

Mcentuação pelo fim social que exerce devendo o proprietário, “conformMr o exercício do seu

direito ao bem-estar social ou M qualquer interesse superior.” 21 Conforme sobreleva Paulo

Affonso Leme Machado:

“Reconhecer que M propriedade tem, também, uma função social é não

tratar a propriedade como um ente isolado na sociedade. Afirmar que a

propriedade tem uma função social não é transformá-la em vítima da

sociedade. A fruição da propriedade não pode legitimar a emissão de poluentes

que vão invadir a propriedade de outros indivíduos. O conteúdo da propriedade

não reside num só elemento. Há o elemento individual, que possibilita o gozo e

18

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun., op. cit., p.41. 19

FACHIN, Luiz Edson. A função social da posse e a propriedade contemporânea (uma perspectiva da

usucapião imobiliária rural). Porto Alegre, Fabris, 1988, p.15-9. 20

CANOTILHO, J. J. Gomes. Proteção do ambiente e direito de propriedade. Coimbra: Coimbra Ed., 1995, p.

10. 21

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 10ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 75-6.

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o lucro para o proprietário. Mas outros elementos aglutinam-se a esse: além do

fator social, há o componente ambiental.” 22 (grifo nosso).

II - A TRIBUTAÇÃO COMO LIMITAÇÃO À PROPRIEDADE PRIVADA.

Também a tributação pode ser compreendida como uma das limitações impostas ao

direito de propriedade. Ora, se o exercício do direito de propriedade não é mais absoluto,

tendo evoluído, agregou limitações em seu exercício com o decorrer das épocas, é inevitável

que algumas limitações se dêem em decorrência do sistema tributário.

A título de exemplo, a hipótese de um imóvel desocupado descumpridor de sua

função social (índole constitucional), no qual há a incidência de tributação progressiva 23

medida que se impõe para o fim de coibir certa prática de especulação imobiliária. Trata-se

por certo de uma forma de instrumentalização estatal da proteção dos direitos sociais e

coletivos, a despeito da função extrafiscal do tributo, inegável limitar a propriedade particular.

Também em sua função arrecadatória – fiscal, no dever de contribuir com o sustento

do Estado mediante o sistema tributário – a tributação opera numa relação intrínseca com o

direito de propriedade na medida em que ao ente estatal caberá sempre parte da renda oriunda

da propriedade particular. Caso se adquira o direito de propriedade sobre algo, necessário que

se arque com seus ônus tributários, por isso, pode-se dizer que não há tributação sem o

reconhecimento desse direito de propriedade. 24

A correlação entre o interesse público (de manutenção do Estado) e o interesse

particular (de manutenção da propriedade privada) ressoa no sentido das imposições –

restrições parciais – ditadas ao exercício da propriedade no atual contexto social. Isso porque,

M propriedade privada, conforme diz Goldschimdt, “BBB é pilMr de sustentação do sistema

FMpitMlista”, sendo que nela existe “uma relMção de dependência recíprocM entre o

22

MACHADO, Paulo Affonso Leme; Direito Ambiental Brasileiro; Malheiros, 14ª ed.; 2006; p. 144-5. 23

Nesse sentido o STF já se manifestou: “IPTU: progressividade. O STF firmou o entendimento - a partir do

julgamento do RE 153.771, Pleno, 20.11.96, Moreira Alves - de que a única hipótese na qual a Constituição -

antes da EC 29/00 - admitia a progressividade das alíquotas do IPTU era a do art. 182, § 4º, II, destinada a

assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana. (...) (STF - AI-ED 408062 / SP – 1ª Turma –

Rel. Min. Sepúlveda Pertence - Julgamento 13/06/2006 - Publicação DJ 04-08-2006). 24

“No OMy tributación sin reconocimiento del derecOo de propiedad, lo cual es una verdad demostrada por la

definición, cualquiera sea, de lo que se entiende por tributación, en tanto detracción de manos de los particulares

hacia manos estatales. Y no podría haber reconocimiento y protección de este derecho sin un Estado que viva

alimentado por los tributos, recaudados, recortados, obtenidos merced al fruto de la vigencia efectiva de ese

derecOo M nivel indiQidual” (FASAÍ OVA, GusPMQo JB ÍMQeirM de. El principio de no confiscatoriedad em España y Argentina. Madrid: McGraw Hill, 1997, p. 32).

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reconhecimento desse direito e o dever de contribuir ao sustento do Estado mediante o

sistema tributário”B 25 Assim leciona Fabio Brun Goldschimdt:

“Se Mo Estado cMbe parte da rendM, da produção ou ainda da simples

manutenção de determinado bem pelo particular, parece-nos inegável que o

direito de propriedade sobre esses bens não é pleno, sofrendo restrições

parciais ditadas pela legislação fiscal. (...) A tributação no Estado de Direito,

portanto, representa uma forma de participação do Estado na riqueza privada;

participação essa que se faz a partir da lei e que se justifica pelo interesse

público de manutenção do Estado, com os relevantes serviços público que ele

presta. Em certo sentido, a tributação está na mesma condição das anteriores

formas de limitação ao direito de propriedade encontráveis no direito

administrativo, pois é também uma limitação unilateral, uma marca do

princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.” 26 (grifo

nosso)

Portanto, o sistema tributário, notadamente o princípio do não-confisco, como

pondera Goldschimdt, “deve funcionMr da mesmM forma que Ms demais normas limitadorMs e

regulamentadoras do direito de propriedade, podendo regulamentá-lo, sem, contudo, jamais

aniquilá-lo em sua essência.” Se Mssim não fosse, “estar-se-ia permitindo a revogação ou a

modificação de um preceito constitucional (protetivo do direito de propriedade) pela

legislMção infrMconstitucional, seja ela tributária ou não.” 27

Em outras palavras, estar-se-ia permitindo que a norma constitucional garantidora do

direito de propriedade (artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal) fosse revogada ou

modificada pela legislação infraconstitucional – in casu, reguladora do sistema tributário

nacional.

Curial, pois, que se entenda: Cabe ao Estado – e ao sistema tributário, que dela

depende - proteger o direito constitucional da propriedade, motivo pelo qual qualquer

limitação ou oneração tributária jamais poderá aniquilar o direito de propriedade na sua

essência, a despeito de poderem limitá-lo.

III - A LIMITAÇÃO, A PRIVAÇÃO E O CONFISCO DO DIREITO DE PROPRIEDADE.

Outra relevMnte ponderMção é M diferenciação entre “limitação” do direito de

propriedade e M “privação” desse direito, sendo o confisco forma desta última.

25

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 41. 26

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 42. 27

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p.42.

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A “limitação”, segundo García de Enterría, não pode modificMr o direito subjetivo

afetado, devendo atuar exclusivamente sobre as condições de exercício desse direito,

deixando inalterado todo o resto. 28

Consiste, segundo Fabio Brun Goldschimdt, em uma redução do “conteúdo normal”

de um direito previamente delimitado. Operando no mesmo nível desse direito, modela-se

para seu desenvolvimento, atuando sempre no sentido de construção do direito, nunca no de

destruição. 29

Em regra tem como característica a não indenizabilidade, devendo ser

suportado como carga da vida em sociedade.

Porém, pode acontecer de a limitação atuar de tal forma a tornar de todo imprestável

a utilização do direito de propriedade, surgindo assim o direito do particular de ser indenizado

pelo poder público. Nesse sentido reverbera Paulo Affonso Leme Machado:

“PMrece-nos que assiste direito ao Poder Público de limitar o uso da

propriedade (por exemplo: obrigar a conservar árvores num determinado

trecho da propriedade, determinar o plantio dessa ou daquela essência florestal,

de impedir determinados cultivos). (...) Essas limitações, contudo, não se

confundem com inutilização da propriedade privada ou com sua transformação

em propriedade pública. Tornando-se a propriedade privada de todo

imprestável para ser utilizada, surge o direito do particular a ser indenizado

pelo Poder Público. 30

Nessa medida, se é certo dizer que o exercício do direito de propriedade deve se dar

de forma a harmonizar-se com os direitos e interesses de outros sujeitos – que não podem ser

afetados – também não é menos certo dizer que tal exercício não pode ser ferido em sua

totalidade, de forma a tornar inviável a utilização da propriedade, cabendo direito ao

particular, se assim ocorrer, de ser indenizado pelo Poder Público.

Ditas limitações em favor dos interesses do Estado e da coletividade – por finalidade

pública – ocorrem em função da necessidade de controle das condutas do particular, além da

proteção à direitos transindividuais, também podendo haver uma finalidade sócio-pedagógica.

Nesse sentido não se pode usar a propriedade de forma a desvirtuar o interesse público –

28

“BBB não modifica o direito suNjetivo afetado, nem PMmpouco M capacidade jurídica ou de trMNalhar do titular, senão que atua, exclusivamente, sobre as condições de exercício de dito direito, deixando inalterado todo o resto

dos elementos do mesmo (configuração, funcionalidade, limites, proteção). Essa incidência sobre as faculdades

de exercício dos direitos está determinada pela necessidade de coordená-los, bem como (o que é a hipótese

normal das limitações administrativas com os interesses ou direitos da comunidade ou do aparato

administrativo). (GARCIA DE ENTERRÌA, Eduardo, FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón; Curso de derecho

administrativo. Madrid: Civitas, 1989, t. 2, p. 97, ou, tradução Arnaldo Setti, São Paulo, Ed. Revista dos

Tribunais, 1990, p. 825). 29

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 43. 30

MACHADO, Paulo Affonso Leme; Direito Ambiental Brasileiro; Malheiros, 14ª ed.; 2006; p. 198-9.

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como, no exemplo citado da especulação imobiliária e do IPTU progressivo, 31

que na medida

em que procede a arrecadação tributária, também se destina a harmonizar os interesses da

coletividade, que não pretende vislumbrar durante longo período de tempo um terreno

desocupado e propício a todos os tipos de problemas que sabem ocorrer.

Assim sendo, José Afonso da Silva elucida que Ms “limitações Mo direito de

propriedade consistem nos condicionamentos que atingem os caracteres tradicionais desse

direito, pelo que erM tido como direito absoluto, exclusivo e perpétuo.” 32

Entende esse doutrinador que a função social da propriedade não se confunde com os

sistemas de limitação desse direito, isso porque, explicM, “estes dizem respeito Mo exercício do

direito Mo proprietário e Mquela, Ú estrutura do direito mesmo, Ú propriedadeB” PMra José

Afonso da SilQM, Ms “limitações, obrigMções e ônus são externas ao direito, vinculando

simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, e se

explicMm pela simples atuação do poder de políciM” 33

que o princípio da função social da propriedade vai muito além dos ensinamentos

da Igreja, de que ‘sobre toda propriedade particular pesa uma hipoteca social, mas tendente

a simples vinculação obrigacional’, assim:

“Ele transforma a propriedade capitalista, sem socializá-la. Condiciona-a

como um todo, não apenas seu exercício, (...) a função social mesma acaba por

posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada,

manifestando-se, conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de

faculdades atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas

faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas.” 34

Conclui esse doutrinador:

“Mas é certo que o princípio da função social não MutorizM a suprimir, por

via legislativa, a instituição da propriedade privada. Contudo, parece-nos que

31

No caso do IPTU há duas progressividades previstas pela CF, uma é em função da emenda 29/00 (que inseriu

o §1º no artigo 156) e outra que é a progressividade aludida (artigo 182, §4º, II, CF). Nesse sentido, Hugo de

Brito Machado ensina: “Progressivo é o imposto cuja alíquota cresce em função do crescimento de sua base de

cálculo (quando aumenta o valor venal do imóvel). Essa a progressividade ordinária, que atende ao princípio da

capacidade contributiva (e o da vedação ao efeito-confisco). A progressividade no tempo é um conceito diverso.

Nesta, que é instrumento da política urbana, a alíquota do imposto cresce em função do tempo durante o qual o

contribuinte se mantém em desobediência ao plano de urbanização da cidade. Seja como for, na progressividade

tem-se que o imposto tem alíquotas que variam para mais em função de um elemento do fato gerador do

imposto, em relação ao mesmo oNjeto tributadoB” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário, 28ª

edição, Ed. Malheiros, 2007, p. 412). 32

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª edição. São Paulo. Malheiros, 2004, p.

278 33

Idem, p. 280. 34

Idem, p. 282-3.

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pode fundamentar até mesmo a socialização de algum tipo de propriedade,

onde precisamente isso se torne necessário à realização do princípio, que se

põe acima do interesse individual. Por isso é que se conclui que o direito de

propriedade (dos meios de produção especialmente) não pode mais ser tido

como um direito individual. Assim, a inserção do princípio da função social,

sem impedir a existência da instituição, modifica sua natureza, pelo que, como

já dissemos, deveria ser prevista apenas como instituição do direito

econômico.” 35

Flávio de Azambuja Berti elucida diversas formas de limitação da

propriedade:

“BBB há no âmbito administrativo o chamado instituto da requisição através

do qual uma autoridade ou agente público pode para os fins de atender ao

interesse público, requisitar o uso de um bem móvel ou imóvel de propriedade

do particular numa determinada situação de emergência, restituindo-o tão logo

tenha cessado a causa justificadora da requisição, pagando-se ao particular

eventuais prejuízos ou danos se ocorridos. Há também os chamados direitos de

vizinhança, os quais impõem um uso racional da propriedade por parte de seu

titular, de modo a não causar embaraços aos proprietários circunvizinhos e,

nalguns casos, até mesmo impondo limitações mais graves aos proprietários

tais como o direito de passagem e a servidão. Aliás, há que se mencionar ainda

os institutos da servidão e da limitação administrativas previstas nas normas

jurídicas do Direito Administrativo. No âmbito do Direito Administrativo por

sinal, ainda avulta como exemplo importante de limitação do direito de

propriedade o instituto do ‘tombamento’ M fim de viabilizMr M preservação dos

interesses relacionados ao patrimônio histórico e cultural...”36

Por sua Qez, M “privação” de um direito opera no sentido de suM própria

destruição, supondo um sacrifício. Trata-se, nas palavras de Goldschimdt, de um

ataque exterior ao direito por fundamentos distintos dos que lhe dão sustentação. Por

excelência, se manifesta através da via expropriatória, 37

sendo sempre precedida ou

35

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. Op. cit., p. 283. 36

BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos: extrafiscalidade e não-confisco, 2ª edição, Curitiba: Juruá, 2006, p.

165-6. 37

Fonforme Felso Antonio BandeirM de Mello, “desapropriação se define como o procedimento atrMQés do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, compulsoriamente

despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização

prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em

desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida

púNlica, resgatáQeis em parcelas anuais e sucessiQas, preserQado seu Qalor real”. (MEI I O, Felso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 19ª edição, Malheiros, p. 799-800). Romeu Felipe Bacellar Filho

lecionou no sentido de que “é M transferência compulsória, ou não, de um Nem do domínio particular parM p domínio público, por necessidade e utilidade pública ou interesse social, mediante justa e prévia indenização em

dinOeiro ou Pítulos dM dívidM púNlica.” A desapropriação foi “tratadM pelo Decreto-lei n. 3.365/41, que dispõe

sobre as desapropriações por necessidade e utilidade pública, seguido da Lei n. 4.132/62, que define os casos de

desapropriação por interesse social.” O Fódigo F iQil se refere Ú perdM dM propriedade por desapropriação em seu

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sucedida de indenização, salvo, é claro, como diz o mesmo doutrinador, quando

decorre de um ato ilícito e assume caráter de pena (caso em que a privação ocorre na

forma de confisco). 38

Desse modo, M “privação” pode se dar ou através da expropriação39 – como

ato ou efeito de privar o proprietário daquilo que lhe pertence, mediante justa e prévia

indenização - ou através de confisco 40, em que não há indenização, pois decorrente de

sanção por ato ilícito.

De se ver que M acepção “confisco” (do latim confiscare) em seu conceito puro

41 apresenta caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contra a lei. É

formM de “privação” do direito de propriedade, mas com expropriação não se

confunde, pois, por deter cunho penalizante, não é indenizável.

Assim, confisco – em sentido ordinário 42

- é “ato de apreender M propriedade

em prol do fisco, sem que seja oferecido ao prejudicado qualquer compensação em

troca.” 43

Trata-se, na concepção por ora referida, de uma forma de privação da

propriedade em proveito do fisco, porém, sem a correspondente indenização, podendo

se dar em razão de punição por crime ou contravenção – ocorrendo através de ato

administrativo ou sentença judiciária fundada em lei.

A propriedade, nessa linha de entendimento, pode ser “privada” do particular:

a) em casos de ilícitos cometidos (no qual assume forma de confisco não indenizável),

ou b) em casos de necessidade/utilidade pública ou interesse social

artigo 1.275, inciso V. A Constituição Federal, implementando a política fundiária do Brasil, também se

preocupou com a desapropriação por interesse social em seus artigos 184 ao 191; matéria essa regulada pela Lei

n. 8.629/93. (cf. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Direito Administrativo, 2ª edição, São Paulo, Saraiva

(Coleção cursos & concursos – coordenador Edílson Mougenot Bonfim); 2005, p.174-181). 38

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 44. 39

Pode-se conceder como exemplo aresto do STF: “A defesM dM integridade do meio MmNiente, quMndo QenOM este a constituir objeto de atividade predatória, pode justificar atividade estatal veiculadora de medidas – como a

desapropriação-sanção – que atinjam o próprio direito de propriedade”B (MS 22B16Ç-0-SP – j. 30.10.1995 – DJU 17.11.1995). 40

“PENALB TRÁFIFO DE MUI HERES. ESPAÍ HAB QUADRII HAB FONFIGURAÇÃO. (BBB) VEÍFULO SEQÜESTRADO. CONFISCO. COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DO RÉU. DECISÃO

DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. (...) Em suficiente fundamentação, o magistrado a quo decretou o

confisco do automóQel do réu, ‘por ser produto dM infração, já que adquirido em época contemporânea ao auferimento de proveitos imerecidos e inexiste comproQação de origem lícita’B (Apelação Criminal nº

35000052332/GO, 3ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Des. Fed. Plauto Ribeiro. j. 18.11.2003, unânime, DJU

05.12.2003). 41

No âmbito tributário o confisco pode ocorrer, através da tributação, independente da existência de ato ilícito,

melhor analisado no próximo capítulo. 42

No direito constitucional tributário a interpretação é M do “efeito confisco”, portanto, mais abrangente, como se

verá mais à frente. 43

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 46.

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constitucionalmente excepcionado – aqui, mediante justa indenização. José Eduardo

Soares de Melo ressoa:

“A Fonstituição assegura o direito de propriedade (arts. 5º, XXII, e 170, II),

mas também estabelece causas excepcionais para sua perda (desapropriação –

arts. 5º, XXIV, 182, § 4º, II, e 184; e pena acessória ao condenado criminal –

art. 5º, XLV e XLVI, b)B” 44

Dessa forma, o Estado e o sistema tributário ao mesmo passo que limitam o

direito de propriedade, também o protegem, para que mantenha sempre sua essência.

Assim, percebe-se que o ente estatal – inclusive através do sistema tributário – reforça

o direito de propriedade, na medida em que sobreleva princípio que proíbe o efeito-

confisco na seara tributária (artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal),

protegendo esse direito de forma comensurável. Roque Antônio Carrazza nesse

sentido leciona:

“Estamos confirmMndo, destarte, que M norma constitucional que impede

que os tributos sejam utilizMdos ‘com efeito de confisco’, além de criar um limite explícito às discriminações arbitrárias de contribuintes, reforça o direito de propriedade. Assim, por exemplo, em função dela, nenhuma pessoa,

física ou jurídica, pode ser tributada por fatos que estão fora da regra-matriz

constitucional do tributo que lhe está sendo exigido, porque isto lhe faz perigar

o direito de propriedMdeB” 45

Repita-se, portanto, que a tributação apesar de limitar, também protege o

direito de propriedade, pois funciona como um ônus necessário para que o Estado

garanta e proteja esse direito. Essas limitações atuam assim, conforme diz

Goldschimdt, no sentido de construção e preservação do direito de propriedade, e não

de sua destruição, 46

restando vedado qualquer forma de privação desse direito sem

prévia e justa indenização, não podendo assumir caráter de penalização procedido

através do sistema tributário.

Ademais, ressalve-se, não só o direito de propriedade está resguardado pelo

sistema tributário, como também a liberdade de iniciativa, de trabalho, ofício,

44

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 6ª edição, São Paulo, Dialética, 2005, p. 34. 45

CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, ed. Malheiros, 21ª edição, 2005,

p.98. 46

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 44.

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profissão, etc. Todos estes direitos com proteção constitucionalmente assegurada

também não podem ser inibidos por uma tributação confiscatória. 47

Ora, se “a tributação representa umM transferência de riquezas das mãos do

particular às mãos estatais, é imperativo lógico que seja possível e viável a produção

dessas riquezas.” 48

.

Portanto, o princípio do não-confisco - esculpido no artigo 150, inciso IV, da

Constituição Federal – tem como função precípua não só a proteção do direito de

propriedade, mas também fazer a ligação entre a tributação e os demais direitos

constitucionais, ressoando no sentido de que o sistema tributário não pode vir em

desfavor destes. 49

Por esse motivo, não se trata tão somente de uma norma que veda o confisco

no âmbito tributário, mas de um elo que busca proteger a liberdade de iniciativa, o

direito à locomoção, à educação, à saúde, à informação, à cultura, à segurança, ao

voto, à livre associação sindical, à liberdade em sentido amplo, etc. Sendo que,

conforme GoldschmidP, “se o constituinte assegurou ao Estado o direito de Pributar, é

certo que garantiu em igual patamar normativo (no caso dos direitos fundamentais, dir-

se-á mesmo que se encontram em patamar hierarquicamente superior) todos esses

outros direitos, de modo que o exercício de um jamais poderá frustrar o exercício dos

demais”. 50

É dizer, nem o direito de propriedade nem os demais direitos fundamentais

constitucionalmente assegurados, podem ser aniquilados pelo exercício das

47

“FONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. FONTRIBUITÃO SOCIALB SERVIDOR PÚBI IFO GA UNIÃO. LEI Nº 9.783/99. INCIDÊNCIA SOBRE PROVENTOS, PENSÕES E VENCIMENTOS. EFEITO

CONFISCATÓRIO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E DESTE TRIBUNAL. (...) O

colendo Supremo Tribunal Federal, embora em procedimento cautelar, provisório, portanto, entendeu que a

cobrança de contribuição para seguridade social dos servidores aposentados e pensionistas é inconstitucional, eis

que afronta o artigo 195, inciso II, da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional nº

20/98; e que a exigência da aludida contribuição, no que tange aos ativos e inativos, nos moldes estabelecidos na

Lei nº 9.783/99, constitui um verdadeiro confisco, violando, deste modo, o contido no artigo 150, inciso IV, da

FarPM MagnMB” (BBB) (Apelação F ível nº 380001721DE/MG (1EEE380001721DE), 3ª TurmM do TRF dM 1ª Região, Rel. Juiz Plauto Ribeiro. j. 26.02.2002, DJ 22.03.2002, p. 25). 48

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 60. Nesse sentido: (STF – RE 200.844 – AgR – Min. Celso de

Mello – DJ 16.08.2002) (STF – ADI 2.551- MC – Rel. Min. Celso de Mello – DJ 20.04.2006) (STF – RE 389-

423 – AgR – DJ 05.11.2004) (STF – ADC n. 8 – MC – DJ 04.04.2003) (STF – AI 207.377 – DJ 09.06.200)

(STF – ADI 2075 - MG – inf. 115) (AI 173.689 – DJ 26.04.1996) (STF – ADI 2010 – DF). 49

A Constituição Federal assegura o direito de propriedade (artigos 5º, inciso XXII, e 170, inciso II, ambos da

CF), mas também estabelece causas excepcionais para sua perda (desapropriação - arts. 5º, inciso XXIV, artigo

182, parágrafo 4º, alínea III, e artigo 184, todos da CF; e pena acessória ao condenado criminal - art. 5º, incisos

XLV (pena de perdimento dos bens) e inciso XLVI, todos da lei superior. 50

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun; op. cit., p. 61.

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competências tributarias. Reverbere-se, novamente, nas palavras de Goldschimdt a

“limitação (do direito de propriedade) via tributação termina onde começa a

privação, o efeito confisco”. 51

52

Por isso, a vedação do efeito de confisco é uma extensão da garantia ao direito

de propriedade, além de garantidor de todo rol de direitos fundamentais assegurados

na lei magna, deve ser visto de tal forma a abarcar sua função relevante que detém no

sistema constitucional.

Assim, ao passo em que os conceitos mudam com o decorrer da história,

agregam valores e novas interpretações, o mesmo ocorreu com o principio do não-

confisco, que deve ser reinterpretado pela doutrina contemporânea, não podendo

passar ao relento, como fazem a maioria dos autores, esquivam-se de se manifestar e

analisar com profundidade esse relevante direito fundamental.

José Eduardo Soares de Melo explica do porque da dificuldade de balizamento

e a quem incumbe a responsabilidade de estabelecer os limites ao poder de tributar:

“Sob esse aspecto, tem cabimento a edição de lei complementar (de âmbito

nacional) para regular as limitações ao poder de tributar (art. 146, II, da

Constituição), tendo em mira os limites extremos compatíveis com a carga

tributária suportável pelos contribuintes. Considerando todas as

potencialidades tributárias, o legislador nacional terá condições de estabelecer

um limite de ônus fiscal para os tipos de operações, em que pese a dificuldade

que encontrMrá para não ferir o princípio da MutonomiM em matéria tributária.” 53

Passemos assim à análise do já referido princípio constitucional do não-

confisco.

IV - A NÃO-CONFISCATORIEDADE E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO

CIDADÃO.

51

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun; op. cit., p. 49. 52

Exemplo dessM asserPivM no julgado: “MAÍG ADO DE SEGURAÍ TAB PARQUE Í ACIONAI B RETIRAGA

DOS ANIMAIS DA PROPRIEDADE. (...). A criação de Parque Nacional deve ser precedida de desapropriação.

Não é simples limitação administrativa a determinação de que o proprietário retire o gado do local, quando esta a sua única atividade econômica. Sem prévia indenização não é possível impedir a exploração da propriedade sob pena de se configurar confisco.” (Apelação F ível nº D6Ç0Ç7/RS, 3ª TurmM do TRF dM Ǫ

Região, Rel. Maria de Fátima Freitas Labarrère. j. 17.06.2003, unânime, DJU 02.07.2003). 53

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 6ª edição, São Paulo, Dialética, 2005, p. 35.

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O princípio da não-confiscatoriedade tributária contido no artigo 150, inciso

IV, da Constituição Federal, pelo qual é vedado aos entes políticos “utilizar tributo

com efeitos de confisco”, estabelece uma limitação ao exercício da capacidade

tributária ativa na medida em que proíbe o ente Estatal de conduzir, no campo da

fiscalidade, qualquer injusta atividade de apropriação estatal do patrimônio ou dos

rendimentos dos contribuintes. 54

Trata-se de uma norma dirigida a todos os entes federativos da República -

União, Estados, Distrito Federal e Municípios - além dos territórios, tratando-se de um

Direito Fundamental do Contribuinte e também, face ao que dispõe o artigo 60, § 4º,

inciso IV da Constituição Federal, de uma cláusula pétrea imposta pelo poder

constituinte originário.

É por assim dizer um princípio que converge com a interpretação sistemática e

teleológica anteriormente referenciada. Sendo esculpido nos pilares mais fundamentais

da Constituição brasileira, sua função é proibir que o ente Estatal onere o particular –

através de tributação com efeitos confiscatórios - a ponto de privá-lo do pleno

exercício de seu direito de propriedade ou do gozo dos outros direitos fundamentais

assegurados pela lei magna.

Sua interpretação atual 55

deve ser no sentido de que o efeito confisco é

corroborado pelas imposições sociais atualmente existentes. Merece interpretação

ampla a ponto de tornar factível sua necessária efetivação no seio social.

Nesse passo, curial entender que tal postulado56

carece de colmatação 57

à luz

dos atuais valores constitucionais, sendo que, concretamente, impossibilita o ente

54

Conforme entendimento do STF abaixo assinalado. 55

O conceito de confisco deve ser interpretado à luz de seu sustentáculo valorativo que é o conceito de

propriedade da atualidade. A título de exemplo registre-se o aresto: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE

OPERAÇÕES FINANCEIRAS - IOF. LEI 8.033/90. CONFISCO. (...) A vedação ao confisco, fato de difícil

conceituação no direito pátrio, há de ser estudada em consonância com o sistema socioeconômico vigente,

preservando-se a proteção outorgada ao direito de propriedade, em sua função social. (...) (Apelação Cível nº

130373/PE (9805028623), 3ª Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho. j.

02.10.2003, unânime, DJU 06.11.2003). 56

A não-consfiscatoriedade é um princípio, mas sua aplicação é condicionada aos postulados da razoabilidade-

equivalência, proporcionalidade e proibição dos excessos. Por isso, não vejo erro em chamá-lo de postulado na

medida em que exige como corolário para sua aplicação a análise dos referidos critérios mencionados pelo autor

Humberto Ávila, conforme se exporá mais adiante. 57

Segundo Karl Larenz a Constituição utiliza-se com freqüência de conceitos que carecem de colmatação, bem

como de padrões éticos – como o da dignidade da pessoa humana -, que traça delimitação de um direito

fundamental, de modo mais formal, e deixa assim, de fato, à interpretação, um amplo espaço de

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estatal de impor carga tributária que torne insuportável para o

administrado/contribuinte o exercício de seus direitos fundamentais - esses que pela

vagueza e abstração de seus conceitos, necessitam viver na concretude social.

Assim, deve o Estado garantir a existência digna de todos os cidadãos, não

permitindo, por exemplo, que sofram “privações” em suas necessidades básicas pela

cobrança excessiva de tributos – como, por exemplo, quando a tributação

desmensurada desvirtua com o direito à moradia ou à livre locomoção, ou venha a ferir

seus direitos ou necessidades mais vitais, conforme argüi Roque Antonio Carrazza:

“... os recursos econômicos indispensáveis à satisfação das necessidades

básicas das pessoas (mínimo vital), garantidas pela Constituição, especialmente

em seus arts. 6º e 7º (alimentação, vestuário, lazer, cultura, saúde, educação,

transporte etc.), não podem ser MlcançMdos pelos impostos.” 58

Desse modo, sob a luz da noção de capacidade contributiva, o postulado da

não-confiscatoriedade faz com que os tributos incidam de forma razoável e

proporcional não devendo atingir, sob pena de flagrante inconstitucionalidade, o efeito

confiscatório. É dizer, pelas palavras de Roque Antonio Carrazza, que “as leis que

criam impostos, ao levarem em conta a capacidade econômica dos contribuintes, não

podem compeli-los a colaborar com os gastos públicos além de suas possibilidades.”

Confiscatório, portanto, é o imposto “que, por assim dizer, ‘esgota’ a riqueza tributável

das pessoas, isto é, não leva em conta suas capacidades contributivas.” 59

É o que leciona esse doutrinador:

“BBB os impostos devem ser grMduados de modo M não incidir sobre as fontes

produtoras de riqueza dos contribuintes e, portanto, a não atacar a consciência

originária das suas fontes de ganho. É confiscatorio o tributo que incide sobre correções monetárias, que, como se sabe, não revelam aumento de riqueza (e, nesta medida, aumento de capacidade contributiva), mas simples re-composições do valor de troca da moeda. Também padece desta inconstitucionalidade o tributo que alcança meros sinais exteriores de riqueza, ou seja, indícios, não confirmados pelos fatos, de aumento da aptidão econômica do contribuinte. (...) Destacamos que, para as empresas, o confisco

está presente, quando o tributo, de tão gravoso, dificulta-lhes sobremodo a

discricionariedade. (cf. ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. 6. ed. Trad. João batista Machado.

Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian. p. 439). 58

CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, ed. Malheiros, 21ª edição, 2005,

p.98-9. 59

CARRAZZA, Roque Antonio, ob. cit., p.98-9.

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exploração de suas atividades econômicas habituais. Mais ainda, o fenômeno

está presente quando a carga tributária inviabiliza o desempenho destas

mesmas atividades. ”60

Nesse sentido também leciona José Eduardo Soares de Melo:

“O princípio que veda o confisco no âmbito tributário (art. 150, IV, dM

Constituição) está atrelado ao princípio da capacidade contributiva,

positivando-se sempre que o tributo absorva parcela expressiva da renda, ou da

propriedade dos contribuintes, sendo constatado, principalmente, pelo exame

da alíquota, da base de cálculo, e mesmo da singularidade dos negócios e

Mtividades reMlizMdas.” 61

Aliomar Baleeiro no mesmo viés:

“BBB se o tributo que MNsorvesse todo o QMlor do patrimônio destruísse M empresa ou paralisasse a atividade não se afinaria pela capacidade econômica

nem se ajustaria à proibição de confisco”B 62

De outro vértice, conforme ensina Humberto Ávila, tendo o Estado

“competênciM para instituir impostos, o exercício dessa sua competência não pode

implicar na impossibilidade de aplicação de uma outra norma”, 63

ou seja, não pode

implicar na impossibilidade de efetivação de quaisquer direitos fundamentais

assegurados na Constituição Federal.

É dizer, os direitos fundamentais detêm eficácia plena e aplicabilidade

imediata e, mesmo que, sob determinados critérios, “possam ser restringíveis, não

podem (jamais) ser atingidos no seu núcleo essencial.” 64

Trata-se da proteção

outorgada pelo postulado da proibição dos excessos, o qual se faz corolário da não-

confiscatoriedade na seara tributária, incidindo (a não-excessividade) in abstrato na

60

CARRAZZA, Roque Antonio, ob. cit., p.98-9. 61

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 6ª edição, São Paulo, Dialética, 2005, p. 34. 62

BALEEIRO, Aliomar, Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 6ª edição, Rio de Janeiro, Forense,

1955, p. 262 e 667. 63

Humberto Ávila entende que esse núcleo essencial é definido como aquela parte do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia e, por isso, deixa de ser reconhecível como um direito fundamental. (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário : de acordo com a emenda constitucional n. 51, de

14.02.2006. 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 396). 64

Humberto Ávila entende que esse núcleo essencial é definido como aquela parte do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia e, por isso, deixa de ser reconhecível como um direito fundamental. (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário; de acordo com a emenda constitucional n. 51, de

14.02.2006. 2ª edição, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 396).

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proteção dos direitos fundamentais, enquanto que, a capacidade contributiva é medida

in concreto, ou seja, no caso individual, com suas peculiaridades e singularidade.

Resta, portanto, impossibilitado ao Estado, em um primeiro momento, instituir

tributo (ou até mesmo, entendemos, medida sancionatória65

) que possa vir a atingir de

formM significativa o “núcleo essecial” dos direitos fundamentais do cidadão

contribuinte, bem como, impossibilitado está, em um segundo momento, que a

oneração estatal seja desarrazoada ou desproporcional ao motivo que lhe ensejou.

Em outras palavras, deve qualquer oneração estatal sempre observar, além da

capacidade contributiva, também o critério da proibição dos excessos, aquela

merecendo análise in concreto, enquanto este recebe análise in abstrato. Outrossim,

após essa ponderação, cabe avaliar a observância da razoabilidade-equivalência e da

proporcionalidade em sentido amplo, conforme adiante serão analisados.

Kiyoshi Harada, sobre o tema, pontifica:

“BBB parM sMber se um Pributo é confiscatório ou não, deve-se, em primeiro

lugar, avaliar a capacidade econômica do contribuinte. Se está além de sua

capacidade contributiva, o tributo é confiscatório. Porém, se não estiver além,

apesar de sua excessiva onerosidade, deve-se, em um segundo momento,

verificar se essa onerosidade se harmoniza com o conjunto de princípios constitucionais, garantidores do direito de propriedade, de liberdade de iniciativa, da função social da propriedade, etc.” (Trata-se da não-

excessividade). 66

(grifei e observei)

Sobre esse segundo momento, reverbera Roque Antonio Carrazza:

“EfetiQMmente, os tributos (todos eles, mas maiormente os impostos) devem

ser dosados com razoabilidade, de modo a valorizar a livre iniciativa, um dos

fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito, a teor dos arts. 1º, IV, e

170, caput, ambos da CF. É, em síntese, requisito de validade das normas

jurídicas tributárias, a necessidade delas não atassalharem a liberdade de

exercício das atividades produtivas lícitas. (...) Também não se pode, em

homenagem aos princípios da capacidade contributiva e da não

confiscatoriedade, assujeitar um mesmo fato econômico à incidência de tantos

impostos, que acabem por retirar do contribuinte o mínimo vital a que estamos

aludindo.” 67

65

Vide sub-capítulo 7.3 desta monografia. 66

HARADA, Kiyoshi. Sistema Tributário na Constituição de 1988. Curitiba. Ed. Juruá, 2006, p. 186. 67

CARRAZZA, Roque Antonio, Curso de Direito Constitucional Tributário, ed. Malheiros, 21ª edição, 2005,

p.98-9.

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Esse também o entendimento de José Soares de Mello:

“AlíquotMs e NMses de cálculo excessiQMs sobre Ms materialidades tributárias

representarão considerável (e condenável) subtração do patrimônio dos

contribuintes, que, em muitos casos, poderão prejudicar o direito à habitação, ou à livre atividade empresarial, ainda que os valores tributários sejam

trasladados (direta ou indiretamente) a terceiros, dentro de um ciclo negocial.

Todavia, é difícil estipular o volume máximo da carga tributária, ou fixar um

limite de intromissão patrimonial, enfim, o montante que pode ser suportado

pelo contribuinte. O poder público há de se comportar pelo critério da razoabilidade, a fim de possibilitar a subsistência ou sobrevivência das pessoas físicas, e evitar as quebras das pessoas jurídicas, posto que a tributação não pode cercear o pleno desempenho das atividades privadas e a dignidade humana.” 68

.

Dessa forma, possível entender que a não-confiscatóriedade, na medida em

que leva em conta a noção de capacidade contributiva, 69

deve também ser aplicada em

consonância (como se inseparáveis fossem) com o postulado da proibição dos

excessos, sendo ulteriormente relevado pelos critérios da razoabilidade-equivalência e

da proporcionalidade.

É a proibição dos excessos que proíbe o ente estatal de ferir – de forma direta

ou indireta – os direitos fundamentais do cidadão em seu “núcleo essencial” (conforme

ensina Humberto Ávila), ou mesmo, sob o enforque dos impostos de caráter pessoal, e,

por conseqüência, da capacidade contributiva, também proíbe denegrir o “mínimo

vital” do cidadão brasileiro (conforme leciona Roque Antônio FMrrazza). Por isso a

assertiva de que a tributação não pode ferir in concreto a capacidade contributiva,

cabendo análise in abstrato acerca da infringência ou não do postulado da proibição

dos excessos, não obstante este também revelar manifestação no caso prático.

V - A EXTRAFISCALIDADE E O EFEITO-CONFISCO.

Relevante pontificado, por demais argumentando, é a diferenciação entre o

“efeito” confiscatório e o significado do conceito de extrafiscalidade.

68

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 6ª edição, São Paulo, Dialética, 2005, p. 34-

5. 69

Passei ao revés desse princípio porque já sobejamente analisado e estudado pela doutrina, em sua inteira

maioria, sendo que, a despeito de tão grande importância dada à capacidade contributiva, nenhuma ou muito

pouca importância é dada ao princípio do não-confisco no direito brasileiro.

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Por certo, o aparente exagero ou a numérica vultuosidade, notadamente em

esfera de alíquota ou base de cálculo do tributo, não podem necessariamente

relacionar-se com agressão ao principio ora em estudo, mas tão somente traduzir-se

apenas por uma medida tributaria fundada na extrafiscalidade, ou seja, aumento da

alíquota por uma finalidade outra que não seja a arrecadatória – fiscal.

É o caso, por exemplo, de uma alíquota de aparente exagero – trezentos por

cento de IPI – a recair sobre a produção de cigarros, que pode não significar uma

tributação de efeito confiscatório não sendo inconstitucional porque ancorada na

extrafiscalidade.

Para tanto se esse percentual recair sobre produto básico de utilidade social –

sobre certos alimentos essenciais, por exemplo – certamente que incorria no vício da

confiscatoriedade. 70

Kiyoshi Harada explicita que nem sempre um tributo cujo critério quantitativo

seja significativo, com alíquota demasiada, padece do vício da confiscatoriedade.

Pondera a distinção entre M “tributação de riqueza renovável” e “taxação de riquezM

não renovável”:

“Alguns Mutores fundMm o conceito de confisco na exMcerbação do Mspecto

quantitativo do tributo. Alíquotas excessivas caracterizam o efeito

confiscatório. O critério não tem, contudo, consistência jurídica, quer porque

nos chamados impostos indiretos, onde a transferência do encargo tributário a

terceiros se opera com maior facilidade, é difícil a ocorrência de efeito

confiscatório, quer porque um mesmo imposto pode ser excessivo para um

contribuinte e brando para outro, aquinhoado com rendas maiores. Outrossim,

na questão da excessividade de alíquota ou da onerosidade da base de cálculo

impõe-se M distinção entre M tributMção de riquezM ‘renováQel’ e M taxMção de riquezM ‘não renovável’. Fonforme M hipótese, o cMráter destrutivo ou confiscatório do tributo poderá manifestar-se ou não. Uma alíquota de 50%

incidindo sobre a propriedade imobiliária, por exemplo, acabará em

apossamento pelo Estado, por via da tributação. Já essa mesma alíquota de

50% incidindo sobre um bem de consumo, ou sobre um rendimento de capital,

não terá a marca da confiscação; O aspecto quantitativo do fato gerador da obrigação tributária, por si só, não projeta qualquer luz para iluminar as fronteiras entre tributação e confiscação. (...) Outro critério para detectar o

efeito confiscatório da tributação, é o da moderação ou da razoabilidade, (...)

fundado no principio constitucional da garantia da propriedade privada,

70

Cf. SILVA NETO, José Francisco da. Apontamentos de direito tributário: em conformidade com a Lei

Complementar 116/03, Rio de Janeiro, ed. Forense, 2004.

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desenvolvido por Linhares Quintana a partir do exame da jurisprudência do

Supremo Tribunal da ArgentinaB” 71

Não obstante, é necessário cautela quando se trata do tema. Nos ensinamentos

de José Eduardo Soares de Melo resguardam-se os variados meios tributários para a

incidência de eventual tributação confiscatória:

“ObjetiQM-se evitar o malsinado confisco, apurável nas mais variadas

espécies tributárias contempladas na Constituição, a saber: a) os impostos (arts.

153, 155 e 156) terão caráter confiscatório quando suas alíquotas se revelarem

excessivas, como no caso de entravarem atividades voltadas para o comércio

exterior (importação e exportação), onerarem o patrimônio e a renda

(propriedade imobiliária, transmissão de bens e direitos), dificultarem a

produção e circulações mercantis (IPI, ICMS), e negócios civis (155); b) as

taxas (art. 145, II) serão confiscatórias na medida em que o valor dos serviços

públicos, e a remuneração relativa ao exercício regular do poder de polícia,

venham a ser vultosos, não guardando nenhuma proporcionalidade com os

custos, revelando-se incompatíveis com os fins perseguidos pelo interesse

público (ausência de finalidade comercial); c) a contribuição de melhoria (art.

145, III) também terá cunho confiscatório, quando o valor exigido dos

contribuintes seja superior à valorização imobiliária, decorrente de obras

públicas; d) os empréstimos compulsórios (art. 148) serão confiscatórios

quando sejam significativos os valores entregues provisoriamente aos cofres

públicos, para atender calamidade pública, guerra externa ou sua iminência; e

investimentos públicos urgentes e relevantes, ocorrendo o retorno em montante

inferior ao mutuado; e) as contribuições sociais (arts. 149, 195, 239, 240, EC

20/98, 21/99 e 33/01) também conterão a mesma natureza, se incidirem

excessivas alíquotas sobre as remunerações das atividades previstas, ou sobre a

folha de salário, faturamento e lucro. Oportunas as lições doutrinárias no

sentido de que “o poder de taxMr é o poder de manter, e não o poder de destruir”B 72

VI - A INTERPRETAÇÃO ATUAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE.

A despeito das tergiversações e da dificuldade conceitualização do princípio

da não-confiscatoriedade no direito brasileiro, tanto a doutrina abalizada como o

Supremo Tribunal Federal, vem perfilhando entendimento pelo qual a Constituição

não veda simplesmente a tributação confiscatória, 73

mas toda e qualquer tributação

que possa acarretar o “efeito de confisco”B

71

HARADA, Kiyoshi. Sistema Tributário na Constituição de 1988. Curitiba. Ed. Juruá, 2006, p. 184. 72

SOARES DE MELO, José Eduardo. Curso de Direito Tributário, 3ª edição, 2001, p. 36-8. 73

Redundante sustentar isso porque o confisco é sanção por ato ilícito coisa que tributo jamais o será.

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Não se pode aqui entender “confisco” como sinônimo de ato arbitrário e

impassível por parte do Estado – como o conceito anteriormente exposto de mera

apropriação estatal em benefício do fisco. Caso assim se entenda, além de incorrer em

redundância, estar-se-á por limitar demasiadamente uma norma constitucional que

evoluiu com o tempo e agregou os valores oriundos do atual contexto constitucional.

Tal postulado merece interpretação à altura do exigido pelo seio social e sua

evolução jurídica, não podendo ser interpretado à luz de princípios fossilizados que

não mais denotam a realidade social para a qual foi direcionado.

Nessa medida, a interpretação desse postulado fundamental – o da não-

confiscatoriedade – deve ir bastante além da simples interpretação sistemática, apesar

de dela não se dissociar. Deve, pois, mais indicar um caminho não tanto genérico e

abstrato, mas, sobretudo, concreto e axiológico, 74

em atenção Ú “consciencialização

(evocação) das valorações sobre as quais assenta nossa ordem jurídica.” 75

Particularmente, a capacidade funcional do Estado em gerir ao que se

convencionou chamar de Estado Social de Direito abarca – para além da interpretação

sistemática – também a interpretação teleológica da norma, reportando-se ao “efeito-

confisco”. Embora a primeira idéia referente ao princípio do não confisco seja a de

que se destina exclusivamente a atacar a tributação manifestamente excessiva, certo é

que M noção de “efeito confisco” e “alcance confiscatório” são muito mais Mmplas do

que parece.

Inicialmente, perceba-se que pelo mencionado postulado não somente resta

impossibilitada a tributação confiscatória, como também descabe por via do sistema

tributário proceder a qualquer forma de imposição estatal cujo efeito seja equivalente

ao do confisco.

Não se trata, portanto, de meramente vedar o confisco, pois o confisco em

nada se assemelha com o tributo76

; mas de evitar que a tributação, por excessiva,

74

Karl Engish, reportando-se a Coing, acrescenta que os valores morais como a igualdade, a confiança, o

respeito pela dignidade da pessoa humana não são interesses quaisquer ao lado de outros: eles são, antes, os

elementos ordenadores do Direito Privado, genuinamente decisivos; eles não se situam ao lado dos fatos a

ordenar, no mesmo plano, mas por cima deles, num plano superior. (ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento

jurídico. 6. ed. Trad. João baptista Machado. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian. p. 381). 75

Nas palavras de Karl Engish, in Introdução ao pensamento jurídico. ob. cit. p. 381. 76

Confisco é sanção por ato ilícito e tributo não pode jamais constitui sanção por ato ilícito (segundo artigo 3º do

CTN).

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redunde em penalização - não indenizável - e que ainda esteja a desvirtuar ou

desrespeitar os postulados da razoabilidade, proporcionalidade e proibição dos

excessos.

Em verdade, confiscatório é o tributo que atinge a propriedade privada na sua

essência, conforme diz GoldscOmidt, “é Mquele que afronta M própria natureza jurídica

do conceito de propriedade” 77

e que, por conseqüência, converte a hipótese de

incidência do tributo em mero pretexto para que ocorra M “privação” (compulsória e

arbitrária) do patrimônio do contribuinte, sem indenização e sem que ao mesmo seja

imputado qualquer ilícito. 78

Em outras palavras, o efeito-confisco não exige ocorrência de ato ilícito (como

no conceito puro de confisco) nem tampouco que a oneração estatal esteja motivada

por critérios administrativos ou subsumida em lei infraconstitucional, basta, para tanto,

que ocorra a afronta à núcleo essencial de direitos fundamentais, devendo-se levar em

conta aí também a capacidade contributiva do cidadão, ou que ocorra a inobservância

da razoabilidade-equivalência ou da proporcionalidade (em sentido amplo) na

aplicação da medida estatal pelo ente político.

Ora, se existente a ilicitude muito menos razão há para se sustentar ocorrência

de tributação manifestamente excessiva, pois tributo não pode constituir sanção por ato

ilícito (artigo 3º do Código Tributário Nacional). Não há, portanto, que se falar em

penalização quando por imposição tributária.

Daí a assertiva que falar em tributação confiscatória é redundante, pois o

efeito-confisco poderá ocorrer independentemente da existência de ato ilícito, somente

exigindo que a oneração estatal resulte em forma de penalização, cujos efeitos, ou

denigram direitos fundamentais, in abstrato (ou in concreto venham a ferir a

capacidade contributiva) ou venham a ser desproporcionais ou desarrazoados com o

fato que os desencadeou.

Assim, diferentemente do confisco ordinário em seu conceito puro –

notavelmente aplicado no direito penal - o efeito confisco na seara tributária pode vir a

ocorrer independentemente da ocorrência de ato ilícito, sendo vedado inclusive quando

77

Cf. GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 49. 78

Ao contrário do que ocorre com a expropriação, como já abordado.

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ocasionado por intermédio de imposições sancionatórias, bastando para tanto

desvirtuar direitos fundamentais ou vir de encontro com os postulados açambarcados

pelo ordenamento jurídico, cujo desrespeito caracteriza a incidência do efeito-confisco,

pela Constituição vedado.

Assim sendo, trata o postulado em testilha, de proficiência a afastar do seio

social toda e qualquer tributação que gere o “efeito confisco”, e não meramente a

tributação que toma para o fisco, confisca, literalmente a propriedade. 79

Goldschimdt

melhor explicita:

“BBB confiscMtoria, literMlmente, somente seria M tributMção que grMQMsse M

totalidade (alíquota de 100%) do bem tributado, anulando a propriedade

privada, ao passo que ‘efeito de confisco’ já estaria presente desde o momento

em que a tributação soasse como penalização injustificada, por exagerada e irrazoável, ou, ainda, deixasse de encontrar fundamento na manutenção do direito de propriedade para atacá-lo, minguá-lo, desestimulá-lo.” 80

Nesse sentido, também Ricardo Lobo torres, citando Ives Gandra Martins,

entende que a expressão “efeito” de confisco é muito mais abrangente que a singela

vedação do confisco tributário.

“A noção de ‘efeito de confisco’ destina-se a atacar não somente o confisco disfarçado de tributação, mas também toda a imposição que, mediata ou indiretamente, redunde na supressão de parte substancial da propriedade.” 81

De mais a mais, perfilhando os ensinamentos de Casanova, é de se salientar

que qualquer que seja a intenção que alimente uma medida estatal, somente terá ela

efeitos confiscatórios quando simplesmente produza uma perda substantiva do

patrimônio do administrado, sem considerar se foi buscada diretamente, buscada

indiretamente, ou que nem sequer foi cogitada possibilidade de seu acontecimento. 82

É dizer, não importa efetivamente qual foi a intenção do legislador quando da

criação de norma com efeito confiscatório, o que importa, para que redunde em

79

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 50 80

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 49-0. 81

TORRES, Ricardo Lobo, Direitos fundamentais do contribuinte, São Paulo, ed. RT, 2000, p. 50. 82

Cf. CASANOVA, Gustavo J. Naviera de. El principio de no confiscariedad en España y Argentina. Madrid:

McGraw Hill, 1997, p. 77.

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inconstitucionalidade, é que esteja ela produzindo no mundo dos fatos esse referido

efeito. Fabio Brun Goldschmidt melhor explica:

“BBB o confisco, como efeito, pode produzir-se por diversas formas, (entre

elas, é claro, através do próprio instituto do confisco), independentemente da

intenção do legislador de efetivamente confiscar a propriedade. O efeito confiscatório, segundo o autor, produzir-se-á por qualquer tipo de medida, sancionatória ou não, que redunde numa situação patrimonial tal ao sujeito passivo, que seja similar à que resultaria aplicar-lhe uma pena confiscatória em sentido estrito.” 83

Assim sendo, para delimitar o “efeito” confiscatório do tributo não se tem em

conta a sua causa, mas os seus efeitos, motivo pelo qual a intenção do legislador ao

estabelecer o tributo resulta absolutamente irrelevante. 84

Seu conceito por certo, é bem mais amplo que o confisco como instituição

sancionatória, até porque o sistema tributário não pode, através da tributação, querer

aplicar medida de efeito sancionatório, vez que o próprio artigo 3º do Código

Tributário Nacional proíbe que o tributo constitua sanção por ato ilícito.

Sem embargo, entende-se que pode o efeito confiscatório se dar através de

medidas sancionatórias – multas, por exemplo – conforme se exporá logo adiante.

A expressão “efeito”, nM dicção de Antonio Houaiss, tem o significado daquilo

que foi produzido por uma causa; conseqüência, resultado, o que se procura alcançar;

destino, finalidade, fim, é uma realização concreta; execução, efetivação, um resultado

ruim, uma pena, um prejuízo. 85

ÍM verdade todas essas acepções da palavra “efeito”,

ao que parece, ajustam-se à interpretação do artigo 150, inciso IV, da Constituição

Federal. É que, em todas essas concepções, dito efeito de confisco não pode redundar

em desvirtuamento à direitos fundamentais quaisquer que sejam; tão pouco deter

imposição desarazoada ou desproporcional.

Na lição de Fabio Brun Goldschmidt:

“A pena, no cMso, corresponde Ú impossibilidade do exercício pleno de

outros direitos constitucionalmente garantidos, não necessariamente o direito 83

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 50. Mais adiante analisar-se-á a possibilidade do efeito confisco

ocorrer atraves de medidas sancionatórias – como o caso das multas. 84

Cf. CASANOVA, Gustavo J. Naviera de. El principio de no confiscariedad en España y Argentina. Madrid:

McGraw Hill, 1997, p. 77. 85

Efeito. In. HOUAISS, Antonio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa, 2001).

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de propriedade, cuja afetação é apenas anterior (porque imediata). A

propriedade, realmente, é instrumento para realização de uma série de direitos,

mas, (...), há casos, em que o efeito confisco (pena) é sentido pelo contribuinte

pelo simples fato de que o ataque feito à sua propriedade não encontra respaldo

na Carta ou, em outras palavras, não foi autorizado pela população, de modo

que revelar-se-á excessivo e irrazoável, independentemente da medida ou da

intensidade com seja realizado. 86

Em verdade, o que haverá de ocorrer é a ampla proteção dos direitos

constitucionais, em especial do direito de propriedade. Sempre que, por alguma

oneração estatal estiver em risco alguns desses direitos constitucionalmente

assegurados haverá de incidir o princípio do não-confisco, em observância aos

postulados da proibição dos excessos, da razoabilidade-equivalência e da

proporcionalidade.

Os próprios dispositivos constitucionais, ao passo que asseguram as liberdades

individuais, também constituem em seu contexto limitações implícitas ao direito de

tributar, pois não pode essa atividade – da tributação – descambar em negação ou

tolhimento desses referidos direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.

Nessa medida é que se conclui que é vedado à administração, por meio da

tributação excessiva, tolher, cercear ou mesmo dificultar o pleno exercício dos direitos

fundamentais conferidos aos cidadãos. 87

VII - OS POSTULADOS E A NÃO-CONFISCATORIEDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO.

Independentemente da justificação pela qual se impõe o tributo ou a multa,

sempre deve haver um limite para tal imposição, regido pela relação do razoável e da

equivalência entre a tributação e a propriedade particular, além da não-excessividade e

proporcionalidade no trato com as onerações estatais.

Tais contornos são justamente aqueles oferecidos pelo núcleo essencial do

princípio do não-confisco, que contém implicitamente uma ponderação entre o

86

GOLDSCHMIDT, Fabio Brun. Ob. Cit., p. 63 87

Ver: RE n. 18.976 – STF – 1ª Turma – Rel. Min. Barros Barreto – julgado em 02.10.1952 – ADJ 26.11.1952 –

p. 14653.

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razoável e o equivalente, além de reger-se sob o manto da proibição dos excessos e da

proporcionalidade.

Assim, descaracterizada a relação de equivalência entre os referidos fatores –

tributação e a propriedade particular – ou ocorrendo a excessividade da imposição

tributária (desvirtuando, por conseqüência, direitos fundamentais do cidadão);

configurado estará, inevitavelmente, hipótese de ofensa à cláusula vedatória disposta

no artigo 150, IV, da Constituição Federal.

Implícita, pois, é a análise dos postulados da razoabilidade, da

proporcionalidade e da não-excessividade, quando se trata da tributação de efeitos

confiscatórios.

Humberto Ávila, fazendo distinção entre os postulados da proibição de

excessos e do exame da razoabilidade-equivalência, aduz que no primeiro caso

somente cabe investigar “a existência ou não de restrição excessiva M um direito

fundamental”. Trata-se, nas palavras do Mutor, de “um limite acimM do qual Oá

restrição M um direito fundamental”B Quando se postula pela não-excessividade,

portanto, nada há de ser proposto com relação à alteração do percentual quantitativo a

incidir no caso concreto. 97

Já no segundo caso, no exame da razoabilidade-equivalência, analisa-se

justamente a relação entre o percentual aplicado (seja da base de cálculo do tributo,

multa, etc.) e M falta cometida. Diz respeito, segundo o autor, M uma “relação entre M

punição e M gravidade da conduta punida”, conquanto, nada é dito com relação Ú

invasão do núcleo de um direito fundamental. 98

“O controle da excessividade independe da sua justificação (verificável

noutros exames), pois importa, num exame unilateral de limite, verificar a

restrição do núcleo essencial de um direito fundamental. Nessa perspectiva,

não há propriamente exame multilateral e de graus de restrição e promoção entre princípios colidentes para ver se o fim justifica a utilização do meio

(exame da proporcionalidade), nem um controle de proporção entre a gravidade da imposição e a sua conseqüência (exame da razoabilidade-

equivalência). O que há é uma exigência de um limite, além do qual o núcleo

de um princípio fundamental é atingido e, por isso, ele não tem um mínimo de

97

Cf. ÁVILA, Humberto. A Teoria dos Princípios e o Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário.

Ed. n. 125, p. 48. 98

ÁVILA, Humberto. A Teoria dos Princípios e o Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário. Ed.

n. 125, p. 48.

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eficácia. Tanto a proibição de excesso não se identifica com a razoabilidade-equivalência que o próprio Supremo Tribunal Federal decidiu que a primeira diz respeito a um limite acima do qual há restrição a um direito fundamental e

a segunda diz respeito à relação entre a punição e a gravidade da conduta punida.” 99

(grifo nosso).

Assim, essa relação de equivalência e do razoável, além do proporcional, que

deve existir entre a tributação e a propriedade particular, inclusive em sede

jurisprudencial, 100

nos traz uma aproximação muito grande entre o princípio da não-

confiscatoriedade e os postulados da razoabilidade, da proporcionalidade e da

proibição dos excessos.

Não é errado dizer então que oneração estatal que fira qualquer desses

referidos postulados, automaticamente, ferirá também o princípio da não-

confiscatoriedade, pois, entendemos, um faz-se corolário dos outros.

99

ÁVILA, Humberto. A Teoria dos Princípios e o Direito Tributário.ob. cit., p. 47. 100

A iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: “TRIBUTATÃO E OFENSA AO PRIÍ F ÍPIO DA

PROPORCIONALIDADE. - O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir

imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade,

que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. - O Estado não pode legislar abusivamente.

A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que,

encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições

irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a

neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição

da própria constitucionalidade material dos atos estatais. - A prerrogativa institucional de tributar, que o

ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de

caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria

Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder

tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.

(ADI-MC-QO 2551/MG - MINAS GERAIS QUESTÃO DE ORDEM NA MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Julgamento: 02/04/2003

Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação: DJ 20-04-2006 PP-00005 EMENT VOL-02229-01 PP-0002D)B “A

GARANTIA CONSTITUCIONAL DA NÃO-CONFISCATORIEDADE. - O ordenamento constitucional

brasileiro, ao definir o estatuto dos contribuintes, instituiu, em favor dos sujeitos passivos que sofrem a ação

fiscal dos entes estatais, expressiva garantia de ordem jurídica que limita, de modo significativo, o poder de

tributar de que o Estado se acha investido. Dentre as garantias constitucionais que protegem o contribuinte,

destaca-se, em face de seu caráter eminente, aquela que proíbe a utilização do tributo - de qualquer tributo - com

efeito confiscatório (CF, art. 150, IV). - A Constituição da República, ao consagrar o postulado da não-

confiscatoriedade, vedou qualquer medida, que, adotada pelo Estado, possa conduzir, no campo da fiscalidade, à

injusta apropriação estatal do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, em função

da insuportabilidade da carga tributária, o exercício a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional

lícita, ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, p. ex.). - Conceito

de tributação confiscatória: jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal (ADI 2.010-MC/DF, Rel.

Min. CELSO DE MELLO, v.g.) e o magistério da doutrina. A questão da insuportabilidade da carga tributária.

(Constituição Federal Comentada pelo STF. Disponível em: www.stf.gov.br. Acesso em 17 ago. 2005).

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Nesse sentido, ditos postulados servem inclusive, seguindo o pacificado

entendimento do Supremo Tribunal Federal, para o exame da constitucionalidade das

normas estatais impositivas do sistema tributário. 101

A guisa de uma conceitualização, perquirindo os ensinamentos de Humberto

Ávila, e correndo o risco de uma redução por demais simplória, tem-se que: a)

razoabilidade se caracteriza pelo exame concreto-individual dos bens jurídicos

envolvidos em razão da particularidade ou excepcionalidade do caso individual; b)

proporcionalidade se refere a uma exame abstrato da relação meio-fim, e a c)

proibição dos excessos diz respeito a que uma norma ao ser aplicada não pode invadir

o “núcleo essencial” de um principio de ordem fundamental do cidadão.

Esses postulados, como já exposto, complementam a interpretação do artigo

150, inciso IV da Constituição Federal, consagrando a interpretação teleológica dessa

norma constitucional. O principio do não-confisco, nesse sentido, pode ser definido,

conforme leciona Jorge de Oliveira Vargas, “como o principio da justa medida

tributária”B 102

VIII - OS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE, DA PROPORCIONALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE EXCESSOS.

A razoabilidade, seguindo os ensinamentos de Humberto Ávila, exige a

“harmonização da normM geral com os casos individuais” e “com as suas condições

externas de aplicação”, bem como exige umM relação de “equivalência entre M medidM

adotada e o critério que a dimensiona” além de “uma relação de coerência lógica (entre

as duas), quer no sentido de consistência interna entre as normas jurídicas (...), quer no

sentido de consistência externa da norma com (as) circunstâncias necessárias à sua

101

Nesse sentido há também vasto arquivo jurisprudencial, ver RE 18.331 (Relator Ministro Orozimbo Nonato –

RF 145, p. 164 e ss.); ADI 1.407/DF (Relator Ministro Celso de Mello – RTJ 176, p. 578 e ss.); ADIn 1.158/AM

(Relator Ministro Celso de Mello). Ainda: MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal. in: Repertório IOB de Jurisprudência; n. 23/94, p. 475). 102

VARGAS, José de Oliveira. Principio do não-confisco como garantia constitucional da tributação justa, op.

cit., p. 98.

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aplicação.” 103

Enfim, noQMmente reportando Ú trecho do artigo “Teoria dos Princípios

e o Direito Tributário”, desse mesmo autor:

“BBB no exMme da razoMbilidade, não há um conflito entre princípios

constitucionais surgido em razão de uma medida adotada para atingir um fim,

em razão do qual seja preciso investigar se a utilização do meio produz efeitos

que contribuem para a promoção do fim (exame de adequação), se o fim não

poderia ser promovido com a adoção de um outro meio que provocasse uma

restrição menor a outro princípio constitucional (exame de necessidade) e se as

vantagens produzidas com a adoção do meio superam as desvantagens

advindas da sua utilização (exame da proporcionalidade em sentido estrito),

como ocorre no controle de proporcionalidade. Também não há o exame da

invasão do núcleo essencial de um princípio fundamental, como acontece no

controle de excessividade.” 104

Trata-se, por certo, de um postulado que proíbe o exercício arbitrário do

poder, devendo-se revelar o exame da equivalência conforme a harmonização que

detém o próprio caso individual. A razoabilidade há de ser vista como análise in

concreto da oneração estatal, mais se aproximando da justa medida para o caso

individual.

Por sua vez, a proporcionalidade (sentido amplo), exige da atuação estatal um

critério de adequação entre meios e fins, vedando “a imposição de obrigações,

restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao

atendimento do interesse público” (artigo 2º, inciso VI, da Lei E.784/99). Qualquer Mto

estatal, para obedecer à proporcionalidade (sentido amplo), deve preencher três

requisitos, conforme Humberto Ávila:

“adequação (o meio deve contribuir para a promoção do fim, pois se sua

utilização só é justificada pelo fim, não sendo ele promovido, o uso do meio

acaba não mais possuindo justificativa), necessidade (o meio deve ser o mais

suave dentre os meios disponíveis, pois o Estado não apenas tem a obrigação

de atingir seus fins próprios, mas, também, tem a obrigação de proteger ao

máximo os direitos dos particulares, e isso somente é possível se ele adotar o

meio menos restritivo) e proporcionalidade em sentido estrito (o meio deve

proporcionar vantagens superiores as desvantagens, pois o Estado, tendo

obrigação de realizar todos os princípios constitucionais, não pode adotar um

103

ÁVILA, Humberto. A teoria dos princípios e o direito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, São

Paulo, v. 125, p. 33-49, fev. 2006. - p. 42-3 104

ÁVILA, Humberto. A Teoria dos Princípios e o Direito Tributário, ob. cit., p. 43.

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meio que termine por restringi-los mais do que promove-los em seu

conjunto).” 105 (grifo nosso).

Quanto ao exame da proibição dos excessos, reverbera Humberto Ávila, que

tal postulado tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal Federal normalmente em

associação com a proporcionalidade (sentido amplo), que por sua vez decorre do

Estado de Direito e do devido processo legal - artigos 1º e 5º, LIV, da Constituição

Federal.

A proibição dos excessos, diz o autor, já reconheceu o Supremo Tribunal

Federal, é um limite implícito ao poder de tributar. 106

Em seu exame, nenhuma

medida estatal pode “restringir excessivamente um direito fundamental,

inviabilizando-o substancialmente, independente de seu motivo”; nem, tão pouco,

pode cercear ou tolher “o livre exercício dM MPividade econômica, ainda que M medida

não inviabilize por completo a atividade empresarial.” 107

Nesse sentido, extrai-se aresto proferido pelo Tribunal Pleno, no controle

abstrato de constitucionalidade, pelo qual se examina a excessividade da tributação –

com a conseqüente restrição ou privação dos direitos fundamentais – podendo gerar a

ocorrência do efeito confisco.

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cMbível, em sede

de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se

determinado tributo ofende, ou não, o principio constitucional da não-

confiscatoriedade, consagrado no art. 150, inciso IV, da Constituição.

Precedente: ADI 1.075-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (o Relator ficou

vencido, no precedente mencionado, por entender que o exame do efeito

confiscatório do tributo depende da apreciação individual de caso concreto). –

(...) A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerando o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico – financeiro, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados à neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinando tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias

105

ÁVILA, Humberto. A Teoria dos Princípios e o Direito Tributário, ob. cit., p. 44. 106

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. op. cit., p. 397. 107

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. op. cit., p. 400.

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estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. – O poder público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade.” 108

Por derradeiro, conclui-se da seguinte maneira. Para o exame de averiguação

acerca da ocorrência ou não do efeito-confiscatório de tributo (ou de outra oneração

estatal impositiva), se está ou não infringindo o artigo 150, inciso IV, da Constituição

Federal, deve-se seguir os seguintes passos:

Primeiro far-se-á análise da capacidade contributiva 109 do contribuinte – a

critério de tratar-se de imposto de caráter pessoal, 110

porque impostos reais

prescindem dessa análise, pois o bem a presume – saliente-se.

Depois, passa-se à análise da não-excessividade, isto é, se há ou não

infringência ao “núcleo essencial” de direitos fundamentais do contribuinte, ou se,

com a oneração estatal, estar-se-á reduzindo o “mínimo vital” necessário Ú

sobrevivência e dignidade do contribuinte. Trata-se, como referido, de um exame in

abstrato da proibição dos excessos e in concreto da capacidade contributiva do

cidadão, acerca da transgressão ou não de algum dos direitos fundamentais do

contribuinte acobertados pela lei magna.

Após feitas essas análises, será a vez de se proceder ao exame da

razoabilidade, pelo qual se verifica se a imposição é harmônica ao caso individual, nas

suas condições externas de aplicação, exigindo assim umM relação de “equivalênciM

entre a medida adotada e o critério que M dimensiona”; para, somente ao final do

exercício interpretativo, proceder ao exame da proporcionalidade em sentido amplo,

108

STF - Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.010 - Tribunal Pleno - Relator Ministro

Celso de Mello - julgada em 30.09.1999 - DJ 12.04.02 - p. 51. 109

A título de exemplo: “TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERATÕES FINAÍ FEIRAS - IOF. LEI

8.033/90. CONFISCO. (...) Razoabilidade da tese segundo a qual as alíquotas consignadas na Lei nº 8.033/90 onerariam de tal sorte a capacidade contributiva do sujeito passivo da obrigação tributária, que findariam por inviabilizar-lhe as operações financeiras que pretendesse realizar. (...) (Apelação Cível nº

130373/PE (9805028623), 3ª Turma do TRF da 5ª Região, Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho. j.

02.10.2003, unânime, DJU 06.11.2003). 110

O STF já decidiu que o IPTU tem natureza real e que não pode levar em consideração a capacidade

econômica do contribuinte (Pleno, RE 153/77, sessão de 20.11.96). Hugo de Brito Machado ensina que a

expressão “sempre que possível” contidM no § 1º do artigo 1ÇD dM FF, diz respeito ao fMPo de que o princípio dM capacidade contributiva só pode ser aplicado quando se tratar de imposto de caráter pessoal, “pois na verdade nem sempre é tecnicamente possível um tributo com caráter pessoMl.” (MACHADO, Hugo de Brito, Curso de

Direito Tributário, 28ª edição, ed. Malheiros, 2007, p. 69).

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que, por sua vez, far-se-á por intermédio de critérios intrínsecos que são: a adequação

entre meios e fins, a necessidade de ver se o meio é o mais suave dentre os

disponíveis, bem como, a proporcionalidade em sentido estrito, em ser o meio é mais

vantajoso do que desvantajoso para o interesse público, restando vedado, como se

sabe, pelo exame da proporcionalidade que o ente estatal imponha medida em critério

superior àquela estritamente necessária ao atendimento desse interesse.

Assim, pode-se dizer que a razoabilidade mais se aproxima do caso individual

enquanto a proporcionalidade trata do exame externo de aplicação dos critérios de

adequação, necessidade e da vantagem maior para o atendimento ao interesse público.

Dessa forma, estabelecido os critérios de interpretação do princípio do não-

confisco no direito tributário, restando incorporado em sua análise o exame dos

postulados - da proibição de excessos, da razoabilidade-equivalência e da

proporcionalidade – os quais devem funcionar, portanto, como anteparo para a correta

interpretação do princípio do não-confisco, sendo dele intrínseco e indissociável, resta,

portanto, superado o objetivo primordial desse trabalho, qual seja, tecer os critérios

para a interpretação e aplicabilidade do referido princípio de acordo com a doutrina

mais abalizada e com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal.

IX - CONCLUSÃO.

Pelo todo exposto, buscou-se nesse trabalho fazer-se uma análise do direito de

propriedade, conceito que, com a evolução social, agregou valores e suportou

adaptações, conduzindo-se, conforme mesmo consta nas encíclicas papais de João

XXIII, M umM formM de manifestação sobre M qual pesa uma espécie de “hipoteca

social”. Tendo agregado limitações exteriores ao seu direito, tanto quanto interiores à

sua estrutura, o conceito de propriedade, não obstante estar sujeito a suportar

privações, merece acobertarinterpretação ampla a ponto de levantar consonância com a

atual sistemática constitucional contemporânea.

Assim, o exame de suas limitações e privações, seja em seu exercício, ou

ainda em sua estrutura conceitual, seja na forma de expropriação ou de confisco, deve

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ser tido nesse trabalho como intento a construir as bases para a análise do princípio do

não-confisco no direito tributário e sua interpretação na atual realidade constitucional.

Dessa forma, foi possível concluir que para o exame de averiguação acerca da

incidência ou não de tributo com efeito confiscatório - a infringir o artigo 150, inciso

IV, da Constituição Federal - deve-se seguir pelos seguintes passos:

Inicialmente cabe análise da capacidade contributiva do contribuinte – a

critério de tratar-se de imposto de caráter pessoal, porque impostos reais prescindem

dessa análise, pois o bem a presume, bem como, procede-se análise da não-

excessividade, isto é, deve-se verificar se com a oneração estatal pode ocorrer

infringência ao “núcleo essencial” de direitos fundamentais do contribuinte, ou se,

reduzido restara o “mínimo vital” necessário Ú sua sobrevivência e dignidade. Perceba-

se que esta análise in abstrato é a não excessividade, sendo que, in concreto, trata-se da

capacidade contributiva do cidadão.

Ato contínuo será o exame da razoabilidade-equivalência, pela qual se

verifica se a imposição é harmônica ao caso individual, nas suas condições externas de

aplicação, exigindo um exame comedido entre o ato impositivo e o critério que o

dimensiona, podendo-se nessa análise referenciar-se quantitativamente à oneração

estatal, porém não qualitativamente.

Por fim, restará o exame da proporcionalidade em sentido amplo tal com seus

critérios intrínsecos de aplicação, quais sejam, a adequação entre meio e fim, a

necessidade de o meio ser o mais suave dentre os disponíveis, bem como, a

proporcionalidade em sentido estrito de o meio proporcionar uma vantagem superior

às desvantagens, restando assim vedado, pelo exame desse postulado, que o ente

estatal imponha medida em critério superior àquela estritamente necessária ao

atendimento do interesse público.

Dessa forma, sob o enfoque fundante dos postulados jurídicos - da proibição

de excessos, da razoabilidade-equivalência e da proporcionalidade em sentido amplo

– os quais devem funcionar, portanto, como anteparo para a correta interpretação do

princípio do não-confisco, sendo dele intrínseco e indissociável, de acordo com a

doutrina mais abalizada e com a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal

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Federal, resta vedado a utilização de tributo (ou medida sancionatória) com “efeito” de

confisco.

É, pois, através da aplicação das normas jurídicas que se faz viver na

concretude social os direitos fundamentais do cidadão, restando a idéia da não-

confiscatóriedade no direito tributário brasileiro, sua aplicabilidade, acometida aos

postulados referidos, normas de segundo grau.

X - REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.

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JUSTIÇA FISCAL, ISONOMIA TRIBUTÁRIA E PROGRESSIVIDADE DO IPTU:

JUSTIFICAÇÃO A PARTIR DA TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA DE

JURGEN HABERMAS

FISCAL COURT, TAX EQUALITY AND PROGRESSIVENESS OF TAX: GROUNDS

FROM COMMUNICATIVE ACTION THEORY OF JÜRGEN HABERMAS.

Carolina Salbego Lisowski1 Viviane Teixeira Dotto Coitinho2

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo propor uma visão heterogênea dos sistemas democráticos, a partir da teoria de Jürgen Habermas, sustentando que a democracia assume um papel universalmente desejável à estruturação das ações do Estado Contemporâneo, pois o espaço de diálogo social vem marcado pela busca incessante de inclusão social, cujo elemento base são os direitos humanos. Mas este novo cenário provoca efeitos muito definidores, tanto para teoria democrática quanto para a própria prática democrática. Habermas emprega esforços na tentativa de apresentar a Teoria do discurso como sendo a via capaz de levar à interação das dimensões sociais, de direito, econômicas e políticas dentro do espaço democrático. Em se tratando de uma teoria que fundamente inicialmente o sistema dos direitos e concilie, no "mundo da vida" a moral, a vontade subjetiva e objetiva, possibilitando a legitimidade das leis, pode-se afirmar, a partir daí, que esta mesma teoria realiza os Direitos humanos enquanto garantia não somente da liberdade e igualdade, mas garantia de que estes direitos sejam realizados a partir da autonomia dos atores enquanto reconhecedores da sua vontade na lei legitimada na ação comunicativa propiciada pela democracia deliberativa, sendo essencial que as decisões públicas sejam tomadas a partir de premissas realmente transformadoras da realidade social contemporânea de inclusão social. E, como forma de inclusão social o artigo trabalha com a questão do IPTU progressivo tratando os iguais como iguais e os desiguais como tal.

PALAVRAS-CHAVE: IPTU PROGRESSIVO; HABERMAS; AÇÃO COMUNICATIVA.

ABSTRACT

This paper aims to propose an heterogeneous point of view of the democratic systems trough an analysis from the Jürgen Habermas' theory, supporting that the democracy assumes a desirable universal role to the structure of the Contemporary State actions, because, in the present, the social dialogue space is marked by an incessant search for social inclusion, which the base element is the human rights. However, this new scenery provokes definer results in 1 Doutoranda em estudos linguísticos junto ao PPGL da Universidade Federal de Santa Maria, bacharel em Direito pelo Centro Universitário Fraciscano - UNIFRA, professora do curso de Direito da Faculdade Palotina de Santa Maria – FAPAS e do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. 2 Especialista em Direito Processual Civil pela PUCRS - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (RS). Mestranda em Direito pela UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul (RS). Integrante do Grupo de Pesquisas Direito Cidadania e Políticas Públicas, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da UNISC ¬Universidade de Santa Cruz do Sul (RS), sob a Coordenação da Prof" Pós-Dr" Marli Marlene Moraes da Costa. Professora na Faculdade de Direito de Santa Maria – FADISMA e na Faculdade Palotina de Santa Maria - FAPAS.

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the democratic theory and in the own democratic practice. Habermas makes efforts to present the Discourse Theory as a capable way to face interaction of the social, law, econornical and polítical dimensions inside the democratic space. It is a theory that supports, in a first step, the law system and conciliates, in the life world, the moral and the subjective and objective wills, making possible the laws' legitimacy. Thus, ít is possible to affirrn that this theory concretizes the human rights as not only a guarantee of freedom and equality, but as a guarantee to these rights be realized through the actors autonomy while recognizers of their will in the legitimated law in the communicative action proposed by the deliberative democracy, being essential that the public decisions must be taken from really transformers premises of the contemporary social realíty of social inclusion.

KEYWORDS: GRADUAL IPTU; HABERMAS; COMMUNICATIVE ACTION.

NOTAS INTRODUTÓRIAS

A atual intensificação dos conflitos sociais obrigou as teorias contemporâneas a repensarem os valores subjacentes ao vocábulo democracia. Em um primeiro momento, parecia que a democracia estava adormecida, quando se percebeu que não, pois a teia social acabara de reacender a participação social através de mecanismos como Referendo, Ação Popular, Orçamento Participativo, Conselhos Gestores etc. Também, por acreditar que a democracia revela-se como um regime de inclusão social junto aos direitos humanos capaz de combinar a lei com o conflito social, a ordem com as demandas contraditórias das classes sociais e dos grupos de interesse através da ação comunicativa, é necessária a contribuição do pensamento político do filósofo alemão Jürgen Habermas.

A discussão sobre a democracia e suas possibilidades em tempos contemporâneos envolve uma complexidade de desafios, entre os quais se destaca a maximização dos ideais de participação do povo nas diferentes esferas sociais. As afirmações conscientes de um indivíduo pessoal e coletivo se relacionam com a busca de direitos, liberdades, igualdades,

reconhecimentos, buscando-se a participação direta dos cidadãos como forma de possibilitar a efetivação da democracia.

1 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NA CONCEPÇÃO DE HABERMAS

Segundo a compreensão de Habermas, um Estado Democrático de Direito se entende como uma associação se cidadãos livres e iguais de maneira que possam exprimir suas vontades através da ação comunicativa, que norteará a base democrática contemporânea (HABERMAS, 2003, 1997). Assim, a perspectiva de Estado de Direito baseia-se numa teoria do discurso que surge da realidade do Direito pela qual o sistema do Estado de Direito não adquire autonomia somente para si mesmo, pois ele só é autônomo na medida em que os

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processos institucionalizados da legislação e da jurisdição garantem uma formação imparcial da opinião e da vontade, abrindo, assim, o caminho para a entrada da racionalidade moral

procedimental no direito e na política do Estado de Direito (HABERMAS, 2003).

Ainda conforme Habermas (2003), no sistema de administração pública, concentra-se um poder que dirige o processo de administração: ele forma o medium para a transformação do poder comunicativo em administrativo. Por isso, é possível desenvolver a idéia do Estado de Direito com o auxílio de princípios segundo os quais o Direito legítimo é produzido a partir do poder comunicativo, e este último é novamente transformado em poder administrativo pelo caminho do direito legitimamente normatizados.

Tem-se aqui a possibilidade de todas as fundamentações suporem sua realização

discursiva, do que dependerá, aliás, a legitimidade das leis. Isso mostra a dimensão performativa da prática da autodeterminação dos membros da comunidade, ou seja, o princípio da democracia orienta a produção do próprio medium do Direito.

Conforme o autor, sem os direitos fundamentais que asseguram a autonomia privada dos cidadãos, não haveria o medium para a institucionalização jurídica das condições sob as quais os sujeitos de direito podem fazer uso da autonomia pública ao desempenharem seu papel de cidadãos, quando são independentes o bastante, em razão de uma autonomia privada que esteja equanimemente assegurada. Mas, mas também no fato de que só poderão chegar a uma regulamentação capaz de gerar consenso, se fizerem uso adequado de sua autonomia política como cidadãos, pois dentro do Estado os atores sociais agem na busca do entendimento, na medida em que os conflitos oriundos pelos atos de fala sejam superados pelos argumentos reconhecidos e validados. (HABERMAS, 2003).

O estudioso deixa claro que para a democracia ser realizada pelos atores sociais é necessária a inclusão destes com igualdade de direitos (HABERMAS, 2003), igualdade esta que há de ser substancial não só no plano político, pois a identificação da democracia necessita de alguns ideais: justiça social, igualdade social e o espírito de solidariedade. Assim, a fonte de toda legitimidade está no princípio da soberania do povo, a idéia é, portanto, demonstrar que a legitimidade da lei é baseada na racionalidade imanente à própria lei, que por sua vez é dependente e aberta para as dimensões de uma racionalidade comunicativa subjacente ao medium do Direito, de tal forma que, nas sociedades modernas, a lei possa cumprir o papel de estabilização de expectativas pela preservação de uma conexão interna com as forças socialmente integradoras da ação comunicativa. O princípio da democracia, aduz Habermas (2003, p. 293):

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resulta da interligação que existe entre o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu velo esse entrelaçamento como uma gênese lógica de direitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo. Ela começa com a aplicação do princípio do discurso ao direito de liberdade subjetivas de ação em geral- constitutivo para a forma jurídica. Por isso, o princípio da democracia só pode aparecer como núcleo de um sistema de direitos. A gênese lógica desses direitos forma um processo circular no qual o código do direito e o mecanismo para a produção de direito legítimo, portanto o princípio da democracia, se constituem de modo co-originário.

Habermas pretende haver reconciliado democracia e direitos individuais, de tal forma que nenhum dos dois se subordine ao outro. O sistema de direitos não pode ser reduzido nem a uma perspectiva moral dos direitos humanos, nem a uma perspectiva ética da soberania popular porque a autonomia privada dos cidadãos não deve ser posta nem acima nem subordinada à sua autonomia política. A origem do sistema de direitos e do princípio da democracia reflete a mútua pressuposição da autonomia pública e privada dos cidadãos, que por sua vez é derivada da interpenetração da forma legal e do princípio do discurso que deve acontecer se os cidadãos regulam sua vida em comum pelos meios do direito positivo.

2 ESTADO E SOCIEDADE: SITUAÇÃO DE INCLUSÃO OU DE EXCLUSÃO?

Nessa ordem de idéias, o poder político é reafirmado através da ação comunicativa dos cidadãos, e fica legitimado pelas leis que os cidadãos criam para si mesmos numa formação da opinião e da vontade estruturada discursivamente. Para tanto, o poder exige a transmissão da competência legislativa para a totalidade dos cidadãos, que são os únicos capazes de gerar a ação comunicativa de convicções de interesses comuns. O conteúdo do princípio da soberania popular só se esgota através: a- do princípio que garante esferas públicas autônomas e b- do princípio da concorrência entre os partidos. Ele exige uma estruturação discursiva das arenas públicas nas quais circulações comunicativas se soltam do nível concreto das simples interações. Tais arenas precisam ser protegidas por direitos fundamentais, levando em conta o espaço que devem proporcionar ao fluxo livre de opiniões públicas. O espaço público significa a garantia jurídica de uma autonomia social que atribui aos cidadãos chances iguais de utilizar seus direitos políticos de participação e de comunicação. Por conseguinte, esse espaço público não coincide plenamente com o modelo do Estado de Direito burguês, que se limita a garantir a segurança interna e externa, transferindo todas as demais funções para uma sociedade econômica auto-regulada, liberada de regras do Estado. O princípio da separação entre Estado e sociedade exige uma sociedade civil portadora de relações de associação, além de uma cultura política suficientemente desapegada de estruturas de classe.

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Esses princípios são construídos sobre a seguinte idéia de Habermas:

a organização do Estado de direito deve servir, em última instância, à auto-organização política autônoma de uma comunidade, a qual se constituiu, com o auxílio do sistema de direitos, como uma associação de membros livres e iguais do direito. As instituições do Estado de direito devem garantir um exercício efetivo da autonomia política de cidadãos socialmente autônomos para que o poder comunicativo de uma vontade formada racionalmente possa surgir, encontrar expressão em programas legais, circular em toda a sociedade através da aplicação racional, da implementação administrativa de programas legais e desenvolver sua força de integração social através da estabilização de expectativas e da realização de fins coletivos. (2003, p.221)

A questão da divisão de poderes é explica por Habermas (2003) através de uma diferenciação das funções do Estado: enquanto o Legislativo fundamenta e vota programas gerais, e a Justiça soluciona conflitos de ação apoiando-se nessa base legal, a Administração é responsável pela implementação de leis que necessitam de execução. A lógica da divisão

dos poderes só faz sentido se a separação funcional garantir, ao mesmo tempo, a primazia da legislação democrática e a ligação do poder administrativo ao comunicativo. Assim, para que os cidadãos politicamente autônomos possam ser considerados autores do Direito ao qual estão submetidos como sujeitos privados, é necessário que o Direito legitimamente instituído por eles determine a direção da circulação do poder político (Habermas, 2003).

A constituição de diferentes poderes do Estado e a separação abstrata de suas funções não significam, todavia, a diferenciação de um igual número de organizações. É que, do ponto de vista da lógica da argumentação, a separação entre as competências de instâncias que fazem as leis, que as aplicam e que as executam resulta da distribuição das possibilidades de lançar mão de diferentes tipos de argumentos e da subordinação de formas de comunicação correspondentes, que estabelecem o modo de tratar esses argumentos.

Entretanto, para Habermas (1997, 2003), o esquema clássico da divisão de poderes perde sua funcionalidade à medida que as leis deixam de ser vistas como programas condicionais e assumem a forma de programas finalísticos, fazendo com que o Estado entre em crise.

3 A CRISE DO ESTADO DE DIREITO

O pivô da crise do Estado é sua sobrecarga qualitativa com tarefas novas e quantitativamente maiores:

a lei parlamentar perde cada vez mais seu efeito impositivo e o princípio da separação dos poderes corre perigo. Enquanto a administração clássica podia concentrar-se em tarefas de ordenação de uma sociedade econômica, entregue à autoregulação econômica, ela só devia intervir, em princípio, quando a ordem garantida pelo Estado

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de direito e pelo direito constitucional fosse perturbada ( ... ) Tão logo, porém, a administração do Estado social foi tomada para tarefas de estruturação e de regulação política, a lei em sua forma clássica não era mais suficiente para programar a prática da administração. Para suplementar essa administração clássica intervencionista, cuja atividade é caracterizada como reativa, bipolar e pontual, surgiram administrações planejadoras com uma prática totalmente diferente.l (Habermas, 2003, p. 173)

Assim, a moderna administração, prestadora de serviços, que assume tarefas de regulação política em sentido amplo, age voltada para o futuro e para a cobertura de grandes espaços; suas intervenções tocam, além disso, as relações entre sujeitos privados e grupos sociais. Contudo, essa prática de administração revela tal grau de complexidade, de dependência da situação e de incerteza que ela não pode ser captada plenamente pelo pensamento, não podendo ser determinada de modo conclusivo.

Mesmo admitindo o crescimento da complexidade das tarefas do Estado, é possível, para Habermas, elaborar uma periodização aproximada, segundo a qual o Estado deve especializar-se, em primeiro lugar, na tarefa clássica de manutenção da ordem; a seguir, na distribuição justa das compensações sociais, e, finalmente, na tarefa de dominar as situações de perigo coletivo. A domesticação do poder do Estado absolutista, a superação da pobreza produzida pelo capitalismo e a prevenção contra os riscos gerados pela ciência e pela técnica fornecem os temas e os fins: segurança jurídica, bem-estar social e prevenção. E as formas do Estado ideal o Estado de Direito e o Estado Social devem estruturar-se de acordo com esses objetivos.

O Estado de Direito, para os inventores do conceito, deveria garantir a atuação e tutela da liberdade pessoal, e organizar-se correspondentemente de modo a limitar na sua extensão o poder do Estado. Em tal sentido, a relação interna entre Estado de Direito e democracia resulta do próprio conceito moderno de Direito e da circunstância de que o Direito positivo não pode mais obter legitimidade recorrendo a um Direito natural, superior. Direito moderno legitima-se a partir da autonomia garantida igualmente a todo cidadão, sendo que a autonomia pública e autonomia privada pressupõem-se mutuamente, em integração dialética e comunicativa.

4 A DEMOCRACIA BASEADA NA AÇÃO COMUNICATIVA

A reformulação da ética do discurso no que diz respeito ao princípio democrático, que

introduz uma distinção entre o princípio moral e o princípio da democracia, objetiva a uma

fundamentação do Direito a partir da teoria do discurso. O princípio da democracia, segundo

Habermas:

destina-se a amarrar procedimentos de normatização legítima do direito. Ele significa,

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com efeito, que somente podem pretender validade legítima as leis jurídicas capazes de encontrar o assentimento de todos os parceiros do direito, num processo jurídico de normatização discursiva. O princípio da democracia explica noutros termos, o sentido perforrnativo da prática de autodeterminação de membros do direito que se reconhecem mutuamente como membros iguais e livres de uma associação estabelecida livremente ( ... ) O princípio da democracia pressupõe preliminarmente a possibilidade da decisão racional de questões práticas, mais precisamente, a possibilidade de todas as fundamentações, a serem realizadas em discursos (e negociações reguladas pelo procedimento), das quais depende a legitimidade das leis. (Habermas, 2003, p.173)

Nesse mesmo sentido, segue o autor que, quando se faz do conceito procedimental da

política deliberativa o cerne normativamente consistente da teoria sobre a democracia,

resultam daí diferenças, tanto em relação à concepção republicana do Estado como uma

comunidade ética, quanto em relação à concepção liberal do Estado como defensor de uma

sociedade econômica. (Habermas, 2003)

Segundo a concepção liberal, esse processo tem resultado apenas sob a forma de arranjos de interesses. As regras de formação acordos desse tipo - às quais cabe assegurar a justiça e honestidade dos resultados através de direitos iguais e universais ao voto e da composição representativa das corporações parlamentares, suas leis orgânicas etc. - são fundamentalmente a partir de princípios constitucionais liberais. De outro lado, segundo a concepção republicana, a formação democrática da vontade cumpre-se sob forma de um auto-entendimento ético; nesse caso, a deliberação pode se apoiar quanto ao conteúdo em um consenso a que os cidadãos chegam por via cultura.

A teoria do discurso, comunicativamente, acolhe elementos de ambos os lados e os integra no conceito de um procedimento ideal para o aconselhamento e tomada de decisões. Segundo Habermas, esse procedimento democrático cria uma coesão interna entre negociações, discursos de auto-entendimento e discursos sobre a justiça, além de fundamentar a suposição de que sob tais condições se almejam resultados ora racionais, ora justos e honestos.

A teoria do discurso, que obriga ao processo democrático com conotações mais fortemente normativas do que o modelo liberal, mas menos fortemente normativas do que o modelo republicano assume por sua vez elementos de ambas as partes e os combina de uma maneira nova. Em consonância com o republicanismo, ele reserva uma posição central para o processo político de formação da opinião e da vontade, mais que isso, a teoria do discurso concebe os direitos fundamentais e princípios do Estado de Direito como uma resposta conseqüente à pergunta sobre como institucionalizar as exigentes condições de comunicação do procedimento democrático. A teoria do discurso torna a efetivação de uma política deliberativa dependente, não de um conjunto de cidadãos coletivamente capazes de agir, mas

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sim da institucionalização dos procedimentos que lhe digam respeito.

Ela não opera por muito tempo com o conceito de um todo social centrado no Estado e que se imagina em linhas gerais como sujeito racional orientado por seu objetivo. Tampouco situa o todo em um sistema de normas constitucionais que inconscientemente regram o equilíbrio do poder e de interesses diversos de acordo como modelo de funcionamento do mercado. Ela se despede de todas as figuras de pensamento que atribuíram a práxis de autodeterminação dos cidadãos a um sujeito social totalizante, ou que sugeriram referir o domínio anônimo das leis a sujeitos individuais concorrentes entre si.

Na primeira possibilidade, o conjunto de cidadãos é abordado como um agente coletivo que reflete o todo e age em seu favor. Na segunda, os agentes individuais funcionam como variáveis dependentes em meio a processos de poder que se cumprem cegamente, já que para além de atos eletivos individuais não poderia haver quaisquer decisões coletivas cumpridas de forma consciente.

Em face disso, a teoria do discurso conta com a intersubjetividade mais avançada

presente em processo de entendimento mútuo, que se cumpre, de um lado, na forma

institucionalizada de aconselhamentos em corporações parlamentares, e, de outro, na rede de

comunicação formada pela opinião pública de cunho político.

Essas comunicações sem sujeito, internas e externas às corporações políticas e programadas para tomar decisões, formam arenas nas quais pode ocorrer a formação racional da opinião e da vontade sobre temas relevantes para o todo social e sobre matérias carentes de regulamentação. A formação de opinião que se dá de maneira informal desemboca em decisões eletivas institucionalizadas e em resoluções legislativas pelas quais o poder criado

por via comunicativa é transformado em poder administrativamente aplicável. Como no modelo liberal, respeita-se o limite entre Estado e sociedade. Aqui, porém, a sociedade civil, como fundamento social das opiniões públicas autônomas, distingue-se, tanto dos sistemas econômicos de ação, quanto da administração pública.

Dessa compreensão democrática, resulta por via normativa a exigência de um deslocamento dos pesos que se aplicam a cada elemento na relação entre os três recursos a partir dos quais as sociedades modernas satisfazem sua carência de integração e direcionamento, a saber: o dinheiro, o poder administrativo e a solidariedade. As implicações normativas são evidentes:

o poder socialmente integrativo da solidariedade, que não se pode mais tirar apenas

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das fontes da ação comunicativa, precisa desdobrar-se sobre opiniões públicas autônomas a amplamente espraiadas, e sobre procedimentos institucionalizados por via jurídico-estatal para a formação democrática da opinião e da vontade; além disso, ele precisa também ser capaz de afirmar-se e contrapor-se aos dois outros poderes, ou seja, ao dinheiro e ao poder administrativo. (Habermas, 2003, p. 281)

Nesse sentido, a leitura da democracia feita segundo a teoria do discurso vincula-se a uma abordagem distanciada e para a qual o sistema político é, não o topo, nem o centro da sociedade, mas um sistema de ação ao lado de outros. Como a política consiste em uma espécie de lastro reserva na solução de problemas que ameacem a integração, ela certamente há de poder comunicar-se pelo medium do Direito com todos os demais campos de ação legitimamente ordenados, seja qual for a maneira como eles se estruturem ou direcionem.

Se o sistema político, no entanto, depende de outros desempenhos do sistema, isso não

se dá em sentido meramente trivial; ao contrário, a política deliberativa, realizada ou em conformidade com os procedimentos convencionais da formação institucionalizada da opinião e da vontade, ou informalmente, nas redes da opinião pública, mantém uma relação interna com os contextos de um universo de vida cooperativo e racionalizado.

Como desenvolvimento do princípio da democracia, formula-se o modelo procedimental, ou de Política Deliberativa, que toma como tema a relação externa entre facticidade e validade, ou seja, explicita a tensão entre a autocompreensão normativa do Estado de Direito, explicitada na teoria do discurso, e a facticidade social dos processos políticos.

Esse modelo democrático pretendido por Habermas situa-se alternativamente no seio do debate entre liberais e republicanos: os primeiros priorizando como pressupostos compromissos e a liberdade para negociar, e os outros priorizando o conceito de bom para o próprio grupo ou comunidade (discurso ético). Procurando o melhor dos dois mundos, a alternativa da política deliberativa toma como prioritário o consenso válido por ser garantido nos pressupostos comunicativos e que são bons para toda a humanidade (discurso moral). Para o autor, "a teoria do discurso, que atribui ao processo democrático maiores conotações normativas do que o modelo liberal, as quais, no entanto, são mais fracas do que as do modelo republicano, assumem elementos de ambas as partes, compondo-os de modo novo

Na perspectiva republicana, a política deliberativa foca o processo político da formação da opinião e da vontade, valorizando ainda a constituição do Estado Democrático de Direito, que em seus princípios é uma resposta coerente à pergunta acerca do modo de institucionalização das formas pretensiosas de comunicação de uma formação democrática da

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opinião e da vontade." A política deliberativa é dependente da institucionalização dos correspondentes processos e pressupostos comunicacionais, como também do jogo entre

deliberações institucionalizadas e opiniões públicas que se formaram de modo informal. Têm-se aqui, como observa Habermas, a procedimentalização da soberania popular e a ligação do sistema político às redes periféricas da esfera pública política, implicando a imagem de uma sociedade descentralizada.

Além disso, o conceito de uma totalidade social centrada no Estado, representado como um sujeito superdimensionado e agindo em f-unção de um objetivo, vê-se dispensado. A cidadania, então, configura-se por meio de atores agindo como variável dependente em processos que se realizam cegamente porque, além dos atos de escolha individual, existem

decisões coletivas agregadas, porém não realizadas conscientemente. Na política deliberativa, diz o autor:

A soberania do povo retira-se para o anonimato dos processos democráticos e para a implementação jurídica de seus pressupostos comunicativos pretensiosos para fazer-se valer como poder produzido comunicativamente. Para sermos mais precisos: esse poder resulta das interações entre a formação da vontade institucionalizada constitucionalmente e esferas públicas mobilizadas culturalmente, as quais encontram, por seu turno, uma base nas associações de uma sociedade civil que se distancia tanto do Estado como da economia. Em sua versão procedi menta lista, a idéia de soberania do povo chama a atenção para condições sociais marginais, as quais possibilitam a autoorganização e uma comunidade jurídica sem, no entanto, encontra-se simplesmente à mercê da vontade dos cidadãos. A autocompreensão normativa da política deliberativa promove um modo discursivo de socialização para a comunidade jurídica, o qual, porém não se estende à totalidade da sociedade, na qual o sistema político, estruturado sobre uma constituição, está embutido. (Habermas, 2003, p. 33)

A política deliberativa continua fazendo parte de uma sociedade complexa, a qual se

subtrai, como totalidade, da interpretação normativa da teoria do Direito. Nesta linha, a

teoria do discurso considera o sistema político como um sistema de ação ao lado de outros,

não o centro, nem o ápice, muito menos o modelo estrutural da sociedade.

Assim diz Habermas:

Como modelo liberal, as fronteiras entre 'Estado' e 'sociedade' são respeitadas; porém. aqui, a sociedade civil, tomada com base social de esferas pública autônomas, distinguese tanto do sistema econômico, como da administração pública. Dessa compreensão democracia resulta a exigência normativa de um deslocamento de pesos das relações entre dinheiro, poder administrativo e solidariedade, a partir das quais as sociedades modernas satisfazem suas necessidades de integração e de regulação. Aqui as implicações normativas são evidentes: a força social e integradora da solidariedade, que não pode ser extraída apenas de fontes o agir comunicativo, deve desenvolver-se através de um amplo leque de esferas públicas autônomas e de processos de formação democrática da opinião e da vontade, institucionalizados através de urna constituição, e atingir os outros mecanismos da integração social - o dinheiro e o poder administrativo - através do medium do direito (Habermas, 2003, p. 292)

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É nessa perspectiva que o único mecanismo disponível para a auto-organização da comunidade é o meio do entendimento discursivo, de tal forma que todos os cont1itos e

problemas de integração social possam ser resolvidos sem o recurso da violência. Embora se tenha aqui o apelo a situações contrafáticas como, por exemplo, a referência a uma socialização comunicativa pura que nunca corresponderá a qualquer sociedade complexa e real, o modo discursivo de socialização empresta ao medium do Direito a possibilidade da redução da complexidade social pelo direito positivo, lembrando que o conceito procedimental de democracia se refere a uma comunidade jurídica que se organiza em si mesma.

A comunicação entre os atores sociais deve ter substrato comum mínimo, para que

possa haver entendimento. Não é possível a comunicação sem uma forma de diálogo definida previamente. Ora, o diálogo serve exatamente a esse prévio acordo sob as principais reivindicações em prol da sociedade. Segundo Haberrnas, à estruturação das ações do Estado devem ser firmadas bases através de consenso social.

É preciso, então, considerar o procedimento democrático a partir da Teoria do Discurso: sob as condições do pluralismo social e cultural, é o procedimento democrático que confere força legitimadora ao processo legislativo. Regulamentações que podem pretender legitimidade são justamente as que podem contar com a concordância de possivelmente todos os afetados enquanto participantes em discursos racionais. Se discursos e negociações são os que constituem o espaço de formação da opinião e da vontade política racional, então, segundo Habermas (2002), a suposição de racionalidade que deve embasar o processo democrático há de apoiar-se num arranjo comunicativo segundo o qual tudo depende das condições sob as quais se podem institucionalizar juridicamente as formas de comunicação necessárias para a criação legítima do Direito.

De qualquer forma, a deliberação pública realizada fora do âmbito estatal possibilita à sociedade opinar e interagir comunicativamente antes que uma decisão seja adotada (HABERMAS, 1988). Um conjunto de organizações e movimentos societais está enriquecendo a comunicação e o debate nas sociedades contemporâneas, revitalizando a esfera pública. Isso permite a articulação de enfoques culturais e sociais, o que leva ao diálogo e conseqüentemente aprofunda o conceito de democracia na busca de uma integração social.

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5 O IPTU PROGRESSIVO E CAPACIDADE CONTRIBUTIVA: FATORES DE INCLUSÃO SOCIAL?

O Direito Tributário caracteriza-se primordialmente pela existência de normas

coercitivas, as quais regulam as relações entre o sujeito passivo da obrigação tributária e o

Estado. Há em nossos dias, verdadeira crise no Sistema Tributário Nacional, afastando-o, e

muito, da capacidade de compreensão por parte do contribuinte. Existe uma desigualdade nas

relações jurídicas entre os sujeitos envolvidos nessa relação, podendo ser aferida no que tange

aos privilégios e garantias do crédito tributário.

Assim cabe salientar que existem duas formas de progressividade do IPTU: ndo a

progressividade extrafiscal3 (progressividade no tempo) prevista no §4º do art. 182 da Magna

Carta de 1988 e a progressividade em razão do valor do imóvel que veio à baila com a

Emenda Constitucional nº 29 de 2000. Dessa forma a progressividade extrafiscal foi prevista

no texto original da Constituição e estabelece a possibilidade do Poder Público municipal

penalizar aqueles proprietários do solo urbano que não promoverem o adequado

aproveitamento da propriedade com uma alíquota progressiva no tempo4. E a progressividade

do IPTU em razão do valor do imóvel que foi expressamente autorizada pela Emenda

Constitucional nº 29 e está disciplinado no §1º do art. 1565: Assim, atualmente, o Município

3 A CF trata da progressividade extrafiscal no §4 do art. 182: § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:I - parcelamento ou edificação compulsórios;II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. 4 Observe que, nesse caso, o Poder Constituinte estabeleceu um imposto com caráter punitivo, rompendo a clássica definição de tributo do art. 3º do CTN que estabelece que o tributo não é sanção de ato ilícito. Assim, configure-se o seguinte exemplo: o proprietário de um terreno não utilizado na área urbana de um Município X pagou uma alíquota de 0,6% de IPTU em 2003. O proprietário é notificado pelo Poder Executivo municipal para utilização compulsória do solo urbano não edificado. O proprietário, entretanto, não atendendo a notificação do Município deixa o seu terreno completamente abandonado e sem utilização. No ano seguinte, em 2004, o Pode Público Municipal aplica uma alíquota de 1%. Em 2005, caso o proprietário continue desatendendo as obrigações definidas pelo município, a alíquota do IPTU é aumentada para 1,9%. Em 2006, fixa-se em 3% a alíquota. Assim, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos. Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública, tudo conforme prevê a lei 10.257/2001.

5§1º do art. 156: Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000),I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, II - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

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pode aumentar a alíquota para imóveis de maior valor venal e diminuir para os de menor valor

venal6. É importante destacar que antes da Emenda Constitucional ocorreu uma longa

divergência sobre a possibilidade do Municipío estabelecer alíquotas progressivas com base

no valor venal do imóvel. O STF, entretanto, sufragou o entendimento da

inconstitucionalidade da lei municipal que tinha estabelecido, antes da EC nº 29, alíquotas

progressivas do IPTU com base no valor venal do imóvel. O entendimento do STF restou

consubstanciado na súmula 668: “É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido,

antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se

destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.”

Além de evidenciar a progressividade fiscal e extrafiscal do IPTU, demonstra-se que o IPTU poderá ter alíquotas diferentes de acordo com a localização (alíquotas menores para determinados bairros, por exemplo) e o uso do imóvel (alíquotas maiores para imóveis comerciais, por exemplo). Gize-se que este é a espécie de IPTU progressivo que ora o presente trabalho se atém.

Nessa senda cabe ressaltar o pensamento de Roque Antonio Carrazza:

Exige obediência ao princípio da capacidade contributiva o IPTU (imposto predial e territorial urbano). Agora, com vigência da nova Carta, o proprietário de amplo e luxuoso imóvel , situado em bairro residencial, deve proporcionalmente ser mais tributado, por via de IPUT, do que o proprietário de casa modesta, localizada em bairro fabril. (2002, p.91)

E segue referindo:

Assim a alíquota do IPTU pode variar de acordo com o índice de aproveitamento, do terreno, com tipo de construção, com suas dimensões, com sua localização, com sua destinação, com número de pavimentos, do imóvel, e assim avante. Tudo vai depender do plano do diretor. Mas para que o IPTU atenda o principio da capacidade contributiva, não há necessidade que seja editado um plano diretor. (2002, p.95)

O IPTU (imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana) é imposto de

competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal (Constituição Federal, art. 156, I,

c/c. art. 147, fine). Os contornos infraconstitucionais desse tributo nos são dados pelo artigo

32 do CTN, que diz que o IPTU "tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a

posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado

na zona urbana do município”.

Assim predomina na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o IPTU é

considerado um imposto real. Sendo imposto real aquele que é calculado sem atender às 6 Configure-se o seguinte exemplo de progressividade fiscal: a alei municipal prevê que um imóvel cujo valor venal é de R$ 40.000,00 paga uma alíquota de 0,3% e um imóvel cujo valor venal é de R$ 100.000,00 paga uma alíquota de 0,9%.

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condições pessoais do contribuinte, ignorando sua situação individual. Dessa forma

caracterizada está a exclusão social por alíquota tributária ser fixada sem atender a capacidade

contributiva de cada cidadão, pois como se refere Habermas (2003) deve haver uma

comunicação entre os atores sociais para que se chegue a um consenso, dessa forma

debatendo a melhor forma de tratar os iguais, como iguais e os desiguais, como tal.

Sendo que a nova redação do § 1º do art. 156 estatui que o IPTU "sem prejuízo da

progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II (...) poderá: I – ser

progressiva em razão do valor do imóvel; e II – ter alíquotas diferentes de acordo com a

localização e o uso do imóvel".

O fato de que o inciso I, do § 1°, do art. 156, da CF/88, prescreve uma progressividade

de cunho evidentemente fiscal, com base na capacidade contributiva. De fato, a Carta da

República, em prol de satisfazer o comando imperativo contido no art. 145, §1°, da CF/88

(princípio da capacidade contributiva), tomou como signo presuntivo de riqueza o valor do

imóvel a ser tributado, o que possibilita uma melhor adequação entre o encargo econômico da

exação e a capacidade financeira do contribuinte para suportá-la. Temos, então, a

progressividade tributária clássica e usual, que consiste no crescimento da alíquota de acordo

com o crescimento da base de cálculo, ou seja: quanto maior o valor do imóvel, maior será a

alíquota.

Pode-se afirmar que uma coisa é a progressividade fiscal do IPTU, ligada à capacidade

contributiva, elencada nos arts. 145, § 1º e 156, § 1º, inc. I, da CF/88, que prescinde do plano

diretor do Município, em razão de seu caráter fiscal; outra coisa é a progressividade

extrafiscal, prevista nos arts. 156, § 1º, inc. II e 182, § 4º, inc. II da CF/88, que depende da

edição do plano diretor do Município que efetuará a ordenação da cidade. A primeira prestigia

o princípio da capacidade contributiva; a segunda a função social da propriedade urbana, nos

termos do plano diretor do Município.

Nesse sentido diz Roque Antonio Carraza:

O princípio da capacidade contributiva, no IPTU, não se revela no inc. II do §1º do art. 156 da Carta Magna. O princípio da capacidade contributiva, também no IPTU, revela-se no já mencionado art. 145, § 1º (cuja aplicação a este imposto é declarada no inc. I do § 1º do art. 156 da CF), da CF. O IPTU não depende da edição de qualquer plano diretor do Município (art. 182, §§ 1º e 2º, da CF) para poder ter caráter pessoal e ser graduado de acordo com a capacidade econômica do contribuinte (2002, p. 93).

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Na Constituição Federal, temos a progressividade atendendo aos critérios da

capacidade contributiva (art. 145, § 1º e art. 156, § 1º, inc. I da CF/88); em função da

localização e do uso (art. 156, § 1º, inc. II); e o previsto no art. 182, § 4º, inc. II, da CF/88,

que também é chamada de progressividade no tempo.

A respeito da permissão do art. 182, § 4º, II, da CF/88, os Municípios poderão, ou não,

instituir, segundo seu próprio juízo de conveniência, e mediante lei municipal específica para

área incluída no Plano Diretor, a progressividade extrafiscal de IPTU, seja em razão do uso e

localização, seja em razão do tempo.

Sendo imposto progressivo aquele que permite aumentar o peso da tributação na

medida do aumento da riqueza alvo desta tributação7, ou seja, quanto maior a riqueza

tributada, maior a alíquota incidente sobre ela. Isto não é o mesmo que proporcionalidade,

onde há o auferimento de maior receita tributária quanto maior for a base de cálculo do

tributo. Na progressividade estabelece-se, como próprio nome diz, uma progressão de alíquota

na medida em que o contribuinte demonstra uma maior capacidade contributiva.

A partir da vigência da EC nº 29/00, o IPTU poderá ter um caráter de progressividade

fiscal, ou seja, poderá ser progressivo em relação ao valor do imóvel tão somente para

arrecadar mais quanto maior seja o valor do imóvel do contribuinte. Não há mais a

obrigatoriedade de que o IPTU venha atrelar-se ao cumprimento da função social da

propriedade privada. Agora é perfeitamente possível, por disposição literal da emenda, que o

Município fixe alíquotas progressivas na medida do valor dos imóveis.8

É possível ainda, estabelecer alíquotas diferenciadas em razão da localização do

imóvel e do seu uso. Desta forma, se o Município quer estimular a ocupação de uma dada área

ou desestimular a ocupação de outra, poderá utilizar-se do IPTU progressivo para tanto,

conforme dispõe o inciso II do novo § 1º do art. 156 da Carta Republicana. 7 O art. 182 estatui que a política de desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes.. Com se pode depreender de sua simples leitura, o art. 182 do Magno Texto contém normas de eficácia limitada, que necessitavam de normatização ulterior a fim de dar-lhes plenitude de efeitos. E somente após onze anos de debates, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 10.257 de 2001, que regulamenta as indigitadas regras constitucionais. Tal lei instituiu o intitulado Estatuto da Cidade, que contém normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do interesse coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos. 8 Poder-se-ía ter alíquota de 0,5 % para imóveis com valor venal até 10.000 reais, 1 % para imóveis com valor de 10.000 reais até 50.000 reais, 2 % para imóveis com valor venal de 50.000 reais até 100.000 reais e daí por diante, até o limite do não-confisco.

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Assim o plano diretor poderá ter, a partir de agora, um forte aliado: o IPTU com

alíquotas diferenciadas que, por expressa previsão no inciso II novo § 1º do art. 156 da CF/88,

não fere o princípio da isonomia tributária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se dizer que tanto os direitos que garantem a autonomia pública, como aqueles que garantem a autonomia privada, devem assumir a forma de liberdades individuais do sujeito. Isto significa que repousa sobre os próprios cidadãos a escolha sobre o exercício de sua liberdade comunicativa.

Para transcender para uma democracia mais igualitária, é preciso compreendê-la numa perspectiva relacional entre Estado e sociedade; real e ideal; particular e universal. Falar-se em democracia heterogênea implica falar-se em uma democracia em constante processo de transformação e concretização. A deliberação pública através dos atores sociais que efetivamente estão envolvidos no processo político de constituição do espaço democrático pode ter também um efeito transformador das opiniões destes participantes, podendo produzir melhores políticas públicas.

Pode-se dizer, com Regenaldo da Costa:

Que, sob o prisma da razão comunicativa, há urna relação necessária e recíproca entre discurso, Direito e democracia, isto é, uma relação necessária entre princípio do discurso, medium do direito e principio da democracia, e, mais ainda, concluir que só com a juridificação da liberdade comunicativa, isto é, da formação discursiva da opinião e da vontade, é que podemos efetivar, de forma legítima, o Direito e a democracia. (2003, p. 52)

Assim, é possível perceber que Habermas reiteradamente defende a relevância da

comunicação na sociedade, ao defender que o cerne da justiça e, ao mesmo tempo, da

democracia, depende, precipuamente, da comunicação. situação antagônica se veria esmerar

em um regime arbitrário, sem isonomia

Essas premissas habermasianas implicam um processo deliberativo de interesses

coletivos, no qual as pessoas devem estar abertas aos argumentos lingüísticos e fáticos, e

preparadas para dialogar em benefício da sociedade como um todo, para que realmente

possam ser atingidos os objetivos de inclusão social.

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Dessa forma "sempre que possível" os impostos deverão levar em conta a capacidade

econômica do contribuinte, a condição operacional que tenha ou não o fisco de identificar o

patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Pois a progressividade do IPTU dá eficácia, em um certo ângulo, ao princípio da

capacidade contributiva, pois grava de maior ônus aquele que detenha maior riqueza,

atribuindo pessoalidade ao foco tributante, pois leva em conta não apenas os elementos

centrais da hipótese de incidência, mas também a condição econômica do contribuinte.

É preciso que os Municípios, enviem projetos de lei de alteração de seus códigos

tributários para possibilitar a instituição e cobrança do IPTU progressivo e com alíquotas

diferenciadas em função da localização e uso, para que se realize a isonomia tributária e mais,

para quiçá ser um fator de inclusão social, dessa forma ocorrendo a justiça fiscal .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARRAZZA. Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 17 ed.,. Malheiros: São Paulo, 2002. COSTA, Regenaldo da. Discurso, Direito e democracia em Habermas. In: MERLE, Jean-Christophe; MOREIRA, Luiz (Org.). Direito e legitimidade: Escritos em homenagem ao Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado, por ocasião do seu Decanato como Professor Titular de Teoria Geral e Filosofia do Direito da Faculdade de Direito da UFMG. São Paulo: Landy, 2003. HABERMAS, Jürgen. Teoria de la Accián Comunicativa: Racionalidade de lo ________ Accion y Racionalizacion Social. v. r. Traduzido por Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Taurus, 1988 ________ Direito e democracia: entre Iacticidade e validade. v. r. Traduzido por Flávio Beno Siebenechler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. __________ Direito e democracia: entre Iacticidade e validade V. Il. 2. ed. Traduzido por Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. ________.A inclusão do outro: estudos de teoria e política. Traduzido por George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002. _________.Verdad y justificaciôn. Madrid: Trotta, 2002.

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ANÁLISE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 566.621/RS COMO PRECE-

DENTE OBRIGATÓRIO A FAVOR DA SEGURANÇA JURÍDICA: O papel da Jurisdição Constitucional e a aproximação dos sistemas da common law e da civil

law no respeito ao precedentes dela derivados ANÁLISIS DE LOS RECURSO EXTRAORDINARIO 566.621/RS COMO PRE-CE-DENTE NECESARIOS PARA LA SEGURIDAD JURÍDICA: El papel de la jurisdic-ción constitucional y la aproximación de los sistemas de common law y ci-vil law en

lo que respecta a los precedentes-ciones derivadas de las mismas Luiz Carlos Guieseler Junior1

Resumo

A Jurisdição Constitucional busca manter a integridade constitucional dos atos públicos e das normas jurídicas. Assim, a obediência aos precedentes derivados da Jurisdição Constitucional deve ser rigorosa pelos órgãos do Poder Judiciário. Para isso, há que se firmar, essa obediência, em precedentes firmes e que impliquem em decisões para serem seguidas, visando alcançar segurança jurídica. O Recurso Extraordinário 566.621/Rs analisado encontra-se dentro deste espírito de segurança jurídica, pois declara inconsti-tucionalidade do art. 4.º da Lei Complementar 118/2005 em razão de sua retroatividade. Palavras-chave: segurança jurídica, jurisdição constitucional, common law, civil law, precedentes.

Resumen

La jurisdicción constitucional tiene por objeto mantener la integridad de los actos pú-bli-cos constitucionales y las normas legales. Así, la obediencia a los derivados prece-dentes de la Jurisdição deben ser estrictos órganos constitucionales del Poder Judicial. Para ello, tenemos que establecer esta obediencia en la empresa anterior y la participa-ción en las decisiones que deben seguirse a fin de lograr la seguridad jurídica. El Resp

1 Mestrando em Direito pela Unibrasil em Direitos Fundamentais e Democracia. Especialista em Direito Tributário pela UniCuritiba. Atualmente é Advogado inscrito na OAB-Pr. sob. n.º 44.937, atuando como Administrador Judicial perante o 1.º Ofício da Fazenda Pública, Falências e Recuperações de Curitiba e defensor dativo na Comarca de Guaratuba perante o Tribunal do Júri. Professor da Faculdade Estácio de Curitiba das disciplinas Direito Tributário, Direito Financeiro. Coordenador das Atividades Comple-mentares da Instituição. Professor da Facinter - Faculdade Internacional de Curitiba - da disciplina de Direito Empresarial III e Direito Constitucional II. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Tributário e Direito Processual e em Falências e Recuperações.

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566.621/Rs analizado es dentro de este espíritu de seguridad jurídica, como se indica en la inconstitucionalidad del art. 4. De la Ley Complementaria 118/2005, debido a su re-troactividad.

Palabras clave: la seguridad jurídica, jurisdicción constitucional, civil law, common law, precedente.

1. A importância dos Precedentes na Jurisdição Constitucional e a apro-

ximação do sistema da common law com a civil law

A Jurisdição Constitucional consiste, em resumo, na possibilidade do Poder Ju-

diciário fazer o controle de constitucionalidade das normas e dos atos do poder público,

sem, contudo, haver usurpação das funções, ou seja, é a atribuição a um órgão – no caso

o Poder Judiciário – de verificar a conformação das leis às normas constitucionais.

Como bem explica Hans Kelsen a Jurisdição Constitucional é: “[...] a garantia jurisdici-

onal da Constituição”, e “[...] é um elemento do sistema de medidas técnicas que têm

por fim garantir o exercício regular das funções estatais”2. E, ainda, como ensina Luís

Roberto Barroso:

“[...] a jurisdição constitucional compreende o poder exercido por juízes e tribunais na aplica-ção direta da Constituição, no desempenho do controle de constitucionalidade das leis e dos atos do poder público em geral e na interpretação do ordenamento infraconstitucional con-forme a Constituição”.3

Assim, é função da Jurisdição Constitucional manter o equilíbrio e conformação

das normas infraconstitucionais com o texto constitucional através destes mecanismos

de controle. Como bem explica Octavio Campos Fischer:

[...] a jurisdição constitucional existe basicamente para dar proteção e eficácia à Constituição. Do contrário, esta não se põe como norma, muito menos como norma fundamental e superior. E, quanto maior for a dimensão da Constituição tanto maior serão a responsabilidade e as tarefas daquela jurisdição. [...]4

2 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. 2ª ed. – São Paulo: Martins Fontes, 2007, pgs. 123-124. 3 BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 5. ed. São Paulo: Sa-raiva, 2011, pg. 359. 4 FISCHER, Octavio Campos. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 12 e 13.

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No Brasil, adotou-se o controle de Constitucionalidade difuso – realizado por

todos os órgãos do Poder Judiciário e concentrado – realizado pelo Supremo Tribunal

Federal - que caminham, quase sempre, em harmonia.

Desse modo, o Supremo Tribunal Federal deve ser o órgão condutor deste con-

trole com a vinculação de suas decisões, seja no âmbito difuso ou concentrado, ao de-

mais órgãos do judiciário. Isto porque ao atribuir a função jurisdicional constitucional

ao Supremo, a Constituição Federal outorgou também o dever, além de manter a con-

formação da normas à constituição, de trazer Segurança Jurídica ao cidadão, sempre na

ideia de autodeterminação, previsibilidade e estabilidade da ação estatal, especialmente

no âmbito do Poder Judiciário e a firmeza dos precedentes oriundos da Jurisdição Cons-

titucional.

Os precedentes da Jurisdição Constitucional, então, devem ganhar força vincu-

lante e trazer integridade ao sistema brasileiro, pois traduzem em segurança jurídica na

atuação do Poder Judiciário. Estefânia Barbosa entende, inclusive, que não apenas con-

formar a constitucionalidade, mas os princípios e com coerência:

Por outro lado, defender o respeito à doutrina dos precedentes vinculantes para garantir a pre-visibilidade das decisões judiciais e a consequente segurança jurídica não significa a impossi-bilidade de alteração deles, ao contrário, mesmo nos casos de revogação ou distinção de pre-cedentes se estará garantindo a segurança jurídica, pois o que se exige não é a certeza da deci-são, mas que os Ministros julguem de acordo com a integridade, ou seja, comprometidos com uma coerente e defensável visão do conteúdo do direito. Deve, assim, o STF falar com uma única voz, atuando de maneira principiológica e coerente em relação aos jurisdicionados, de modo que se estenda a todos os standards substantivos de justiça e equidade que foram utilizados para alguns, devendo levar em conta não só o texto escrito da Constituição, mas também os princípios não escritos, os direitos fundamentais im-plícitos ou a Constituição invisível, os quais poderão ser retirados dos precedentes judiciais e da prática constitucional brasileira, de modo que a decisão reflita, da melhor maneira possível, a moralidade política da comunidade.5

5 BARBOZA, ESTEFÂNIA MARIA DE QUEIROZ. Stare decisis, Integridade e Segurança Jurídica: Reflexões Críticas a Partir da Aproximação dos Sistemas de Common law e Civil law na Sociedade Contemporânea, Ano de obtenção: 2011, pg. 249.

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Por essas razões, é que Luiz Guilherme Marinoni enfatiza a necessidade de atri-

buir efeito vinculante às decisões que devem ser estáveis, mesmo em se tratando de

controle difuso nas decisões tomadas em recurso extraordinário:

Assim, chega-se ao momento em que é possível definir o significado de se atribuir efeito vin-culante às decisões tomadas em recurso extraordinário. Não se atribui eficácia vinculante a essas decisões em razão de se supor que, como ocorre na ação direta, se está tratando do con-trole objetivo das normas, mas da percepção de que os motivos determinantes das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado ou em controle difuso, de-vem ser observados pelos demais órgãos judiciários, sob pena de a função do Supremo Tribu-nal Federal restar comprometida. Tratando-se de interpretação da Constituição, a eficácia da decisão deve transcender ao caso particular, de modo que os seus fundamentos determinantes sejam observados por todos os tribunais e juízos nos casos futuros. A não observância das decisões do Supremo Tribunal Federal debilita a força normativa da Constituição. A força da Constituição está ligada à esta-bilidade das decisões do Supremo Tribunal Federal.6

E, ainda, adverte que:

[...] O controle difuso exige que os precedentes da Corte que dá a última palavra acerca da questão constitucional sejam obrigatórios. Não se trata de mera opção técnica, ainda que ótima à eficiência da distribuição da justiça, mas de algo que, quando ausente, impede o próprio funcionamento do controle difuso. De modo que admitir, no atual estágio do direito brasileiro, controle difuso sem vinculação dos órgãos judiciários aos precedentes constitucionais consti-tui equívoco imperdoável.7

Portanto, a importância do respeito aos precedentes é inegável e funda-se, como

explica Estefânia Barbosa, em que: “O precedente é, por definição, a prática de decidir

casos com base nas decisões tomadas em casos similares no passado por meio de meca-

nismos que identificam a experiência comum ou questões semelhantes entre os casos.8

Para isso, há que se lembrar que se faz necessária uma aproximação dos siste-

mas da common law e da civil law, para dar força maior e mais contundente aos prece-

dentes, pois o Brasil adota o sistema da civil law, onde a fonte principal é a lei e o papel

do Poder Judiciário é a dar a interpretação e o alcance desta lei. No sistema da common

6 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, pg. 461 7 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, pg. 460. 8 Op. cit., pg. 167.

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law a lógica muda de foco e são as decisões judiciais a principal fonte do direito. Como

bem explica Estefânia Maria de Queiroz Barboza citando Bishop:

Para BISHOP, o common law se funda principalmente na racionalidade enquanto o civil law e suas codificações se fundam no comando; isso quer dizer que há uma racionalidade ao se seguir as decisões judiciais no sistema de common law, na medida em que se garante dessa forma uma estabilidade e uniformidade.9

Para obter uniformidade e estabilidade é que entra a doutrina da stare decisis

que segundo a mesma autora:

A doutrina que estuda o uso dos precedentes se chama stare decisis, que é o nome abreviado da doutrina de respeito aos precedentes que se encontra na base dos sistemas jurídicos de com-mon law que imperam nos países anglo-saxões, como Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia e outros. O nome completo da doutrina do stare decisis é stare decisis et quieta non movere. A ideia que decorre da doutrina do stare decisis é a de respeito às decisões judiciais preceden-tes, ou respeito aos precedentes, decisões que já foram tomadas anteriormente por outros tri-bunais e que resolveram problema semelhante (treat like cases alike). Diversamente do que ocorre nos sistemas de civil law, o stare decisis significa que mesmo uma única decisão tomada individualmente pelos tribunais deve ser respeitada, é o que GOODHART chama de “doutrina do precedente individual obrigatório”, ou seja, um só precedente é o bastante para constituir direito e gerar obrigação.10

Então pode-se extrair que o princípio fundamental do sistema do common law

é “[...] que casos semelhantes devem ser decididos de modo semelhante.”11

Porém, é preciso firmeza e coragem no enfretamento da questão do respeito ao

precedentes e da aproximação dos sistemas, pois Luiz Guilherme Marinoni12 enfatiza

que:

9 BARBOZA, ESTEFÂNIA MARIA DE QUEIROZ. Stare decisis, Integridade e Segurança Jurídica: Reflexões Críticas a Partir da Aproximação dos Sistemas de Common law e Civil law na Sociedade Contemporânea, Ano de obtenção: 2011, pg. 164. 10 Op. cit., pg. 168. 11 Op. cit. pg. 168. 12 MARINONI, Luiz Guilherme. “Aproximação crítica entre as jurisdições de civil law e common law e a necessidade de respeito aos precedentes no Brasil”. In: Revista de processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 34, n. 172, jun. 2009, pp. 175-232 [206-207].

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Embora as decisões, no sistema do civil law, variem constantemente de sinal, trocando de sentido ao sabor do vento, isto deve ser visto como uma patologia ou como um equívoco que, lamentavelmente, arraigou-se em nossa tradição jurídica. Supôs-se que os juízes não devem qualquer respeito às decisões passadas, chegando-se a alegar que qualquer tentativa de vincular o juiz ao passado interferiria sobre o seu livre convencimento e sobre a sua liberdade de julgar. Trata-se de grosseiro mal entendido, decorrente da falta de compreensão de que a decisão é o resultado de um sistema e não algo construído de forma individualizada por um sujeito que pode fazer valer a sua vontade sobre todos que o rodeiam, e, assim, sobre o próprio sistema de que faz parte. Imaginar que o juiz tem o direito de julgar sem se submeter às suas próprias decisões e às dos tribunais superiores é não enxergar que o magistrado é uma peça no sistema de distribuição de justiça, e, mais do que isto, que este sistema não serve a ele, porém ao povo. Como é óbvio, o juiz ou o tribunal não decidem para si, mas para o jurisdicionado. Por isto, pouco deve importar, para o sistema, se o juiz tem posição pessoal, acerca de questão de direito, que difere da dos tribunais que lhe são superiores. O que realmente deve ter significado é a contradição de o juiz decidir questões iguais de forma diferente ou decidir de forma distinta da do tribunal que lhe é superior. [...]. É chegado o momento de se colocar ponto final no cansativo discurso de que o juiz tem a liberdade ferida quando obrigado a decidir de acordo com os tribunais superiores. O juiz, além de liberdade para julgar, tem dever para com o Poder de que faz parte e para com o cidadão. Possui o dever de manter a coerência e zelar pela respeitabilidade e pela credibilidade do Poder Judiciário.

Postas estas considerações forçoso concluir que a doutrina de respeito aos pre-

cedentes e esta aproximação dos sistemas da common law e da civil law vêm ao encontro

da segurança jurídica, especialmente na atuação do Poder Judiciário, pois o jurisdicio-

nado não pode ser surpreendido por decisões judiciais descuradas dos precedentes.

Para o que aqui importa a este trabalho, com base na Jurisdição Constitucional

e no respeito aos precedentes é que analisaremos o julgamento do Recurso Extraordiná-

rio 566621/RS e sua função como precedente em busca da segurança jurídica.

2. A Lei Complementar 118/2005 e a inconstitucionalidade do seu artigo 4.º

e o Julgamento do Recurso Extraordinário 566.621/RS como precedente

Após a edição da Lei Complementar 118 de 09/02/2005 criou-se uma situação

inusitada com relação ao direito de requerer a repetição do indébito nos tributos sujeitos

a lançamento por homologação, como o IR por exemplo. Isto porque a lei complemen-

tar, nos arts. 3.º e 4.º aduz que:

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Art. 3.º Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional13, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei14 Art. 4.º Esta Lei entra em vigor 120 (cento e vinte) dias após sua publicação, observado, quanto ao art. 3o, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei no 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.

Os referidos artigos, na interpretação literal ou autêntica, davam conta de que

não havia mais aplicabilidade da teoria dos cinco mais cinco para os tributos sujeitos a

homologação, isto é, o termo inicial do prazo para repetição do indébito deslocou-se

para a data do pagamento antecipado e não mais da homologação tácita ou expressa.

Ocorre que, ao assim determinar a nova lei, acabou por gerar insegurança jurí-

dica na medida em que, a pretexto de ser meramente interpretativa, a lei alterava a con-

tagem do prazo para repetição do indébito, reduzindo-o na prática, o que implica, ne-

cessariamente, surpresa ao contribuinte e imprevisibilidade da atuação estatal e que re-

flete, diretamente, na atuação do Poder Judiciário.

Tal situação significa retroatividade da lei o que é vedado pelo ordenamento

jurídico. Nelson Monteiro Neto defende que:

[...] levando-se em conta que a norma do art. 3º da LC 118 não tem caráter interpretativo, mas feição modificativa, segue-se que se mostra de todo inaplicável com relação aos tributos inde-vidamente pagos, em momento anterior a sua vigência, notando-se que semelhante lei entrará em vigor na data de 9 de junho de 2005, conforme preceituado no art. 4º, 1ª parte. Por conseguinte, demonstrado que em absoluto não se trata aqui de “lei interpretativa”, é in-tuitivo que a disposição contida no art. 4º, 2ª parte, da LC 118, afigura-se ilegítima, ou melhor, ilegal até, e isso porque contraria a norma do art. 106, inciso I, do CTN, na medida em que não tem amparo no preceito do art. 3º (o qual, conforme se viu, determinado o verdadeiro

13 Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados: I - nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; 14 Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obri-gado, expressamente a homologa. § 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação do lançamento

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sentido e alcance, não se compreende na classe das “leis interpretativas”). Ilegal significa con-trário à lei, e esta hipótese em determinadas circunstâncias se configura inclusive quando é editada uma norma legal em contradição com o direito positivo, ou, mais exatamente, com o direito federal infraconstitucional. E, como se sabe, incumbe ao Superior Tribunal de Justiça proteger a integridade e a uniformidade de interpretação do direito federal infraconstitucio-nal.15

Assim, por ser uma questão que envolveu certa oscilação de interpretação juris-

prudencial, o STJ, conforme sua competência, através de incidente de uniformização

chegou ao seguinte entendimento, em abril de 2009:

PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. QUESTÃO DE DIREITO MATERIAL RELACIONADA AO TERMO INI-CIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO VISANDO À RESTITUIÇÃO DE TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMO-LOGAÇÃO. HIPÓTESE EM QUE HOUVE MANIFESTA DIVERGÊNCIA ENTRE A ORIENTAÇÃO ACOLHIDA PELA TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO E A JURISPRUDÊN-CIA DOMINANTE DO STJ. ACOLHIMENTO DO INCIDENTE. 1. Havendo manifesta divergência entre a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça e a orientação acolhida pela Turma Nacional de Uniformização, na questão de direito material relacionada ao termo inicial do prazo prescricional quinquenal para ajuizamento de ação visando à restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação, impõe-se o pro-nunciamento sobre o mérito do incidente de uniformização. 2. A Corte Especial, ao julgar a Arguição de Inconstitucionalidade nos EREsp 644.736/PE (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 27.8.2007), sintetizou a interpretação conferida por este Tribunal aos arts. 150, §§ 1º e 4º, 156, VII, 165, I, e 168, I, do Código Tributário Nacional, interpretação que deverá ser observada em relação às situações ocorridas até a vigência da Lei Complementar 118/2005, conforme consta do seguinte trecho da ementa do citado precedente: "Sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a ju-risprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lança-mento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador." 3. Ao declarar a inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, cons-tante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005, a Corte Especial ressalvou: "(...) com o advento da LC 118/05, a prescrição, do ponto de vista prático, deve ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamentos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu

15 A RESTITUIÇÃO DE TRIBUTO INDEVIDAMENTE PAGO E OS VISTOSOS ARTIGOS 3º E 4º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118, DE 2005 (REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA A PROPOSITURA DA DEMANDA) - Nelson Monteiro Neto (Publicada no Juris Síntese nº 54 - JUL/AGO de 2005)

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em 09.06.05), o prazo para a ação de repetição do indébito é de cinco anos a contar da data do pagamento; e relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime pre-visto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova." 4. Incidente de uniformização acolhido para fazer prevalecer a orientação juris-prudencial firmada pela Corte Especial.16

A celeuma chegou ao STF e foi relatado pela Ministra Hellen Gracie e, após o

julgamento, recebeu, em sede de controle difuso de constitucionalidade a seguinte

ementa:

DIREITO TRIBUTÁRIO – LEI INTERPRETATIVA – APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO À SEGU-RANÇA JURÍDICA – NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DA VACACIO LEGIS – APLICAÇÃO DO PRAZO REDUZIDO PARA REPETIÇÃO OU COMPENSAÇÃO DE IN-DÉBITOS AOS PROCESSOS AJUIZADOS A PARTIR DE 9 DE JUNHO DE 2005. Quando do advento da LC 118/05, estava consolidada a orientação da Primeira Seção do STJ no sentido de que, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo para repetição ou compensação de indébito era de 10 anos contados do seu fato gerador, tendo em conta a apli-cação combinada dos arts. 150, § 4º, 156, VII, e 168, I, do CTN. A LC 118/05, embora tenha se auto-proclamado interpretativa, implicou inovação normativa, tendo reduzido o prazo de 10 anos contados do fato gerador para 5 anos contados do pagamento indevido. Lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova. Inocorrência de violação à autonomia e independência dos Poderes, porquanto a lei expressa-mente interpretativa também se submete, como qualquer outra, ao controle judicial quanto à sua natureza, validade e aplicação. A aplicação retroativa de novo e reduzido prazo para a repetição ou compensação de indébito tributário estipulado por lei nova, fulminando, de imediato, pretensões deduzidas tempestivamente à luz do prazo então aplicável, bem como a aplicação imediata às pretensões pendentes de ajuizamento quando da publica-ção da lei, sem resguardo de nenhuma regra de transição, implicam ofensa ao princípio da segurança jurídica em seus conteúdos de proteção da confiança e de garantia do acesso à Justiça. Afastando-se as aplicações inconstitucionais e resguardando-se, no mais, a eficácia da norma, permite-se a aplicação do prazo reduzido relativamente às ações ajuizadas após a vacatio legis, conforme entendimento consolidado por esta Corte no enunciado 445 da Súmula do Tribunal. O prazo de vacatio legis de 120 dias permitiu aos contribuintes não ape-nas que tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias à tutela dos seus direitos. Inaplicabilidade do art. 2.028 do Código Civil, pois, não havendo la-cuna na LC 118/08, que pretendeu a aplicação do novo prazo na maior extensão possível, descabida sua aplicação por analogia. Além disso, não se trata de lei geral, tampouco impede iniciativa legislativa em contrário. Reconhecida a inconstitucionalidade art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, considerando-se válida a aplicação do novo prazo de 5 anos tão-somente às ações ajuizadas após o decurso da vacatio legis de 120 dias, ou seja, a partir de 9 de junho de

16 Pet 6.013/SC, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 03/06/2009.

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2005. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC aos recursos sobrestados. Recurso extraordinário desprovido.17 (grifo nosso)

Extrai-se do corpo do acórdão percucientes observações tecidas pela relatora

Ministra Hellen Gracie que calham ao aqui estudado e que revelam que o ônus argu-

mentativo de reputar inconstitucional uma lei, especialmente uma lei complementar, é

maior e mais oneroso no que diz com sua fundamentação e, portanto, tem na segurança

jurídica seu maior esteio:

O princípio da segurança jurídica decorre implicitamente não só da sua concretização em di-reitos e garantias individuais expressamente contemplados no art. 5º da Constituição, como, entre vários outros, os incisos XXXV e XXXVI, mas também de outros dispositivos constitu-cionais e diretamente do sobreprincípio do Estado de Direito, estampado no art. 1º da Consti-tuição, do qual se extraem, independentemente de norma expressa, garantias como a proteção da liberdade e contra a arbitrariedade, bem como de acesso ao Judiciário. José Joaquim Gomes Canotilho, em sua obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição (Almedina, 1998, p. 250), destaca "os princípios da segurança jurídica e da protecção da con-fiança como elementos constitutivos do Estado de Direito". O professor Luis Afonso Heck, na mesma linha, na obra O Tribunal Constitucional Federal e o Desenvolvimento dos Princípios Constitucionais: contributo para uma compreensão da Jurisdição Constitucional Federal Alemã (Fabris, 1995, p. 186), ensina que "Tanto o preceito da certeza jurídica como o preceito da proteção á confiança são partes constitutivas essenciais e, portanto, elementos essenciais do princípio do Estado de Direito [..] Ambos tem índole constitucional e, assim, servem de critério normativo".

E, então, arremata o raciocínio da inconstitucionalidade em razão da violação

do princípio da segurança jurídica:

Reconheço, pois, a inconstitucionalidade da aplicação retroativa da redução de prazo que al-cance prazos já interrompidos, bem como da aplicação, imediatamente após a publicação da lei, às novas ações ajuizadas, sem assegurar aos contribuintes nenhum prazo para que, dedu-zindo suas pretensões em Juízo, pudessem evitar o perecimento do seu direito, considerando violado pelo art. 4º, segunda parte, da LC 118/05, o princípio da segurança jurídica nos seus conteúdos de proteção da confiança e de acesso à Justiça, que repousam implícita e expressa-mente nos arts. 1º e 5º, inciso XXXV da Constituição.

17 RE 566621, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 04/08/2011, REPER-CUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195 DIVULG 10-10-2011 PUBLIC 11-10-2011 EMENT VOL-02605-02 PP-00273

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Desse modo, foi reputado como inconstitucional o art. 4.º segunda parte da Lei

Complementar 118/05, pois reduziu prazo em prejuízo do contribuinte e suas pretensões

deduzidas em juízo.

Então, o papel deste importante precedente no respeito ao que, em sede de con-

trole difuso se decidiu, para os demais órgãos do Poder Judiciário, reside na segurança

jurídica que implica, não apenas para o contribuinte, mas para os jurisdicionados e suas

ações de repetição do indébito, na certeza de que suas pretensões têm precedentes que

lhes são favoráveis, podendo determinar-se dentro dos conteúdos de proteção da confi-

ança e de acesso à Justiça.

Portanto, o papel do princípio da segurança jurídica no julgamento do Recurso

Extraordinário 566.621/Rs é mister necessário para o objeto deste trabalho posto em

debate.

3. Segurança Jurídica como fundamento do Recurso Extraordinário

56621/RS

A segurança Jurídica foi o mote da decisão do Recurso Extraordinário

566.621/Rs. A segurança Jurídica é um dos esteios do Estado Democrático de Direito.

Como bem observa Geraldo Ataliba apud Regina Helena Costa consiste "[...] a segu-

rança jurídica a essência do próprio Direito. [...]"18 E, segundo a mesma doutrinadora a

segurança jurídica compreende as ideias da: existência de instituições dotadas de poder

e garantias; confiança nos atos do Poder Público; estabilidade das relações jurídicas;

a previsibilidade dos comportamentos e a igualdade na lei19.

18 HELENA COSTA, Regina. Curso de Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva. 2009, p. 55. 19 Idem.

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Podemos citar ainda que: [...] o princípio da segurança jurídica é um elemento

substancial do Estado de direito, que é o fundamento jurídico da dignidade humana, que

o Estado democrático deve respeitar e proteger.20

José Joaquim Gomes Canotilho ensina que:

Os indivíduos têm o direito de poder contar com o fato de que aos seus atos ou às decisões públicas concernentes a seus direitos, posições ou relações jurídicas fundadas sobre normas jurídicas válidas e em vigor, se vinculem os efeitos previstos e assinados por estas mesmas normas. [...] a confiabilidade, a clareza, a razoabilidade e a transparência dos atos do poder21

A segurança jurídica visa buscar a realização ao máximo do Estado no respeito

ao direitos fundamentais, como ensina Cleide Previtalli Cais: “O princípio constitucio-

nal da certeza do direito ou da segurança jurídica permite aos cidadãos o controle da

discricionariedade do legislador vinculado em sua tarefa aos valores máximos para o

Estado de Direito”22.

E o Ministro Marco Aurélio Melo do Supremo Tribunal Federal enfatiza acerca

da segurança jurídica:

O regime democrático pressupõe segurança jurídica, e esta não se coaduna com o afastamento de ato jurídico perfeito e acabado mediante aplicação de lei nova. A paz social embasa-se na confiança mútua e, mais do que isso - em proveito de todos, em prol do bem comum - no respeito a direitos e obrigações estabelecidos, não se mostrando consentâneo com a vida gre-gária, com o convívio civilizado, ignorar-se o pacto social, a única possibilidade de entendi-mento. Tampouco condiz com a democracia a modificação das regras norteadoras das relações jurídicas pelo enviesado ardil de empolgar-se lei, conferindo-lhe eficácia capaz de suplantar garantias constitucionais, isso a partir de simples interpretação. Em assim não sendo, ter-se-ia o caos, a babel, a unilateralidade das definições, em nada influindo os compromissos assumi-dos, como se a lei vigente fosse a da selva, e não a de um mundo desenvolvido.23

20 SPILIOTOPOULOS, Epaminondas. Relatório na XVª Mesa Redonda Internacional realizada em Aix-en-Provence, em setembro/1999, sobre o tema “Constitution et sécurité-juridique”. In: Annuaire Internacional de Justice Constitutionnelle, XV, 1999. Paris: Economica, 2000. p. 193. 21 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 4. ed. Coimbra: Almedina, 2001. p. 256. 22 CAIS, Cleide Previtalli. O Processo Tributário. 3.ed. São Paulo, RT, 2001. 30p. 23 MELLO. Marco Aurélio. Publicada no Jornal Síntese nº 66 - AGOSTO/2002, pág. 1.

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Humberto Ávila ensina que há que se buscar segurança como fenômeno valo-

rativo intersubjetivável:

Em todas essas hipóteses, portanto, não se está examinando a segurança jurídica propriamente dita. Está-se falando, simplesmente, de segurança, normalmente na acepção de confiança. A segurança jurídica só entra em cena quando se ultrapassa a dimensão psicológica individual para adentrar a dimensão axiológica social, mas não meramente comportamental: segurança jurídica representa, pois, a segurança como fenômeno valorativo intersubjetivável vinculado ao Direito de uma dada sociedade, quer como valor, quer como norma, tendo o jurídico como seu objeto ou como seu instrumento. A distinção é importante também porque revela uma dissociação entre o conceito de "segurança não-jurídica" e o conceito de "segurança jurídica": alguém pode estar psicologicamente seguro, enquanto privado de ameaças físicas exteriores, como o frio ou a violência, porém sem qualquer segurança jurídica, em face da ausência, de-corrente do arbítrio estatal, da capacidade de conceber e de planejar livremente as suas ações com base no Direito.24

Ante tudo o que foi exposto, poder-se-ia afirmar que a segurança jurídica en-

contra-se no mínimo que o Estado deve garantir para que o cidadão possa se autodeter-

minar.

Assim, a decisão do Supremo, no julgamento do Recurso Extraordinário

566.621/Rs, trouxe um precedente importante para a pacificação das decisões superve-

nientes como vem julgando o Tribunal Regional Federal da 4.º região como exemplo:

TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. LC 118/05. CONTRIBUI-ÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE VERBAS INDENIZATÓRIAS. COMPENSAÇÃO. Prazo prescricional. Tributo sujeito a lançamento por homologação. Marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para aplicabilidade da LC nº 118/05. Prescrição das parcelas recolhidas há mais de cinco anos do ajuizamento. Reconhecido o direito da impetrante, o in-débito pode ser objeto de compensação com parcelas relativas a tributo de mesma espécie e destinação constitucional, devidamente corrigidas pela SELIC desde a data do recolhimento. (TRF4, APELREEX 5001003-89.2011.404.7203, Primeira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria de Fátima Freitas Labarrère, D.E. 28/02/2013) TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALI-ZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL. PESSOA FÍSICA EMPREGADOR. INEXIGIBILI-DADE. LEI Nº 10.256/2001. EFEITO REPRISTINATÓRIO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO LIMITADA À DIFERENÇA. HONORÁRIOS. 1. No caso de ação ajuizada após o término da vacatio legis da LC nº 118/05 (ou seja, após 08-06-2005) objetivando a restituição ou com-pensação de tributos que, sujeitos a lançamento por homologação, foram recolhidos indevida-mente, o prazo para o pedido é de cinco anos, a contar da data do pagamento antecipado do tributo, na forma do art. 150, §1º, e 168, inciso I, ambos do CTN, c/c art. 3º da LC n.º 118/05,

24 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: Entre a permanência, mudança e realização no direito tribu-tário. 1. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011. p. 104.

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entendimento confirmado pelo STF (RE nº 566.621/RS). 2. A declaração de inconstituciona-lidade da contribuição social incidente sobre a comercialização da produção rural do empre-gador rural pessoa física implica o restabelecimento da exação que a lei inconstitucional visou substituir, qual seja, a incidente sobre a folha de salários. 3. O direito à repetição, na forma da restituição ou da compensação, fica limitado à diferença entre a contribuição recolhida sobre a receita bruta da produção rural e aquela devida pela incidência sobre a folha de salários. Entendimento assentado pela 1ª Seção desta Corte no julgamento de questão de ordem pro-posta nos autos da AC nº 5000552-77.2010.404.7210/SC, de relatoria do Ilustre Desembarga-dor Federal Otávio Roberto Pamplona. 4. No caso, levando-se em conta que foi reconhecida a ocorrência da prescrição quinquenal e que a parte autora obteve êxito em relação ao mérito da ação, mas que somente haverá direito à diferença, se positiva a seu favor, entre os valores recolhidos indevidamente e os incidentes sobre a folha de salários, resta caracterizada a su-cumbência recíproca, devendo os honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, ser distribuídos e compensados na medida da sucumbência de cada parte, a ser apurada em execução de sentença, nos termos do art. 21, caput, do CPC. (TRF4, APELREEX 5000065-28.2010.404.7010, Primeira Turma, Relatora p/ Acórdão Carla Evelise Justino Hen-dges, D.E. 14/02/2013)

Estas decisões demonstram a importância do respeito aos precedentes e na apro-

ximação dos sistemas da common law e da civil law, na busca da segurança jurídica,

pois os cidadãos têm o direito de viver suas vidas com tranquilidade e confiança de que

não haverá surpresa na atuação estatal.

4. Conclusões

Diante de tudo que foi exposto, podemos concluir que é de importância impar

a Jurisdição Constitucional como fonte de precedentes, pois destes precedentes emanam

decisões que afetam positivamente os jurisdicionados. A doutrina do stare decisis con-

corre para a firmeza do posicionamento que respeita os precedentes. Portanto, o prece-

dente deve ser utilizado de forma a manter a integridade da constituição para atingir um

nível seguro de atuação estatal.

Assim, a segurança jurídica é resultado do precedente na medida em que garante

o julgamento mais equânime e previsível dentro da lógica do sistema que fazem parte

os órgãos do Poder Judiciário.

No caso em estudo, o Recurso Extraordinário 566.621/Rs serviu de paradigma

e teve seu julgamento baseado na própria segurança jurídica adotando-a como fim em

si mesmo.

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MONTEIRO NETO. Nelson. A restituição de tributo indevidamente pago e os

vistosos artigos 3º e 4º da Lei Complementar Nº 118, de 2005 (Redução do prazo pres-

cricional para a propositura da demanda) - Nelson Monteiro Neto (Publicada no Juris

Síntese nº 54 - JUL/AGO de 2005)

SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restri-

ções e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamen-

tais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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A TEORIA DO FATO GERADOR E O ART. 150, §7° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988.

THE THEORY OF GENERATOR FACT AND THE ART. 150, §7° OF

THE 1988 BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTION.

Ana Rita Nascimento Cabral

Carlos Araujo Leonetti

RESUMO O fato gerador marca, no tempo e no espaço, o nascimento da obrigação de pagar tributo. A exata noção do fato gerador fixa o entendimento do momento em que nasce a obrigação tributária principal, bem como a clareza de visualização dos indivíduos tidos como sujeitos da relação tributária. Verifica-se com o fato gerador presumido, art. 150, parágrafo 7°/CF, certo descompasso com os valores magnos da segurança jurídica, da não surpresa e da capacidade contributiva, para citar alguns. As regras gerais de Direito Tributário são contrariadas. Através de pesquisa bibliográfica, pura e qualitativo-exploratória, formulou-se estudo descritivo-analítico afirmativo da ideia de que o fato gerador presumido é incompatível com a Teoria do Fato Gerador e com a Teoria Geral do Direito Tributário. ABSTRACT The generator fact marks, in time and space, the birth of the obligation to pay tax. The exact notion about the generator fact sets the understanding of the moment the main tax obligation arises and sets the clarity of visualization of individuals regarded as subjects of the tax relationship as well. With the presumed generator fact, art. 150, paragraph 7°/ CF, it was concluded some discrepancy with the magnum values of the legal certainty, the no surprise and the ability to pay, to name a few. The Tax Law´s general rules are countered. Through a bibliographic, pure and qualitative-exploratory research, it was formulated an analytical- descriptive study that profess the idea that the presumed generator fact is incompatible with the Theory of Fact Generator and the General Theory of Tax Law. PALAVRAS- CHAVE Direito Tributário; Constituição; Fato Gerador Presumido. KEYWORDS Tax Law; Constitution; Presumed Generator Fact.

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INTRODUÇÃO

A ideia do Código Tributário Nacional, datado de 25 de outubro de 1966, no que toca

aos fatos geradores das obrigações tributárias, parece não ter sido continuada pelo preceito

constitucional oriundo da Emenda n. 3 de 17 de março de 1993, que firma a possibilidade de

atribuição a sujeito passivo de responsabilidade pelo pagamento de imposto ou contribuição,

cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, sendo assegurada a restituição da quantia paga

caso não se realize o “fato gerador presumido”.

Tem-se por fato gerador (da obrigação tributária principal) a situação definida em lei e

ocorrida no mundo dos fenômenos, que dá origem à obrigação de pagar tributo.

Necessariamente, deve haver, para o nascimento desta obrigação, uma exata correlação do

fato descrito na lei com o fato ocorrido no mundo fenomênico. A ideia do fato gerador

presumido, criada pela Emenda Constitucional n. 3, centra-se na possibilidade de nascimento

de uma obrigação sem o condão da ocorrência do fato, descrito em lei, no mundo. Presumir-

se-á o fato. Constituir-se-á crédito tributário fundado na possível futura ocorrência de fato

gerador de obrigação. O tema leva a certo embate quanto a sua razoabilidade, bem como

envolve as matérias de responsabilidade tributária e restituição de pagamento indevido.

Chaim Perelman (2004, p. 8-9), em sua obra Lógica Jurídica, afirma que:

Os raciocínios jurídicos são acompanhados por incessantes controvérsias […]. Por ser quase sempre controvertido, o raciocínio jurídico, ao contrário do raciocínio dedutivo puramente formal, só muito raramente poderá ser considerado correto ou incorreto, de um modo, por assim dizer, impessoal. Quem é encarregado de tomar uma decisão em direito, seja ele legislador, magistrado ou administrador público, deve arcar com as responsabilidades. Seu comprometimento pessoal é inevitável, por melhores que sejam as razões que possa alegar em favor de sua tese. Pois raras são as situações em que as boas razões, que militam a favor de uma solução, não sejam contrabalançadas por razões mais ou menos boas em favor de uma solução diferente: a apreciação do valor destas razões- que muito raramente pode ser reduzida a um cálculo, um peso ou uma medida- é que pode variar de um indivíduo para outro e sublinha o caráter pessoal da decisão tomada.

A disposição constitucional que permite o nascimento de certa obrigação de pagar

tributo fundada em fato gerador concreto ainda não existente, na iminência de existir, ou seja,

presumido, parece um figura fora do centro ou que não tem o mesmo centro, excêntrica,

conforme lições de Ana Rita Cabral (2013). O nascer de obrigação tributária pela presunção

de ocorrência de um fato contraria conceitos imanentes do Direito Tributário. Nesse sentido,

Perelman (2004) leva à reflexão sobre o Poder de Tributar e seus limites e indaga quanto à

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igualdade e equilíbrio nas relações jurídico-tributárias. Os conceitos de fato gerador, definidos

no Código Tributário Nacional vigente, datado de 1966, compatibilizam-se ou adequam-se às

linhas constitucionalmente traçadas relativas ao fato gerador presumido?

1 O PRECEITO CONSTITUCIONAL (ART. 150, § 7°) E SEU DESCOMPASSO COM AS REGRAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO VIGENTES

Interessante notar que a previsão do fato gerador presumido encontra-se na seção II 'Das

Limitações ao Poder de Tributar', do Capítulo I 'Do Sistema Tributário Nacional', Título VI da

Constituição Federal de 1988 - 'Da Tributação e do Orçamento'. Eis o dispositivo, art. 150, §

7º:

A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.

O que se deve entender por sujeito passivo de obrigação tributária revestido na condição

de responsável pelo pagamento de tributo (imposto ou contribuição) constituído sem a

ocorrência, no mundo, de seu fato gerador? Pagamento este realizado na presunção de que

ocorra, a posteriori, a hipótese, descrita em lei, no mundo. A previsão supracitada parece uma

afronta.

A ideia de fato gerador, nuclear do campo tributário, e segundo Amílcar Falcão (1997),

fixadora de muitos outros conceitos nesta seara, está esparramada no ordenamento jurídico

vigente (citemos a Constituição Federal e o Código Tributário brasileiros vigentes). Ora, para

que o fato, em si, gere obrigação de pagar tributo, deve haver uma coexistência necessária da

hipótese legal (fato gerador abstrato) e desta situação descrita em lei no mundo (fato gerador

concreto). Coexistência necessária. É uma garantia assegurada ao contribuinte, que se reveste

nesta condição por praticar atos ou enquadrar-se, no plano das concretudes, em situação

descrita em lei.

Assim, o fato gerador presumido contraria os aspectos nucleares, pré-estabelecidos na

Constituição Federal brasileira e reafirmados na norma geral de Direito Tributário, do que se

tem por fato gerador de obrigação tributária. Como certa vez afirmou Dworkin (2001, p. 75),

crê-se que “qualquer teoria constitucional tem de ser independente das intenções, convicções

ou mesmo atos das pessoas que a teoria designa como constituintes”.

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Há certa incoerência, mesmo com os dizeres do § 7° do artigo 150/CF: “ A lei poderá

atribuir [...]”. É óbice constitucional ao Poder de tributar exigir ou aumentar tributo sem lei

que o estabeleça. Como exigir? Como exigir, se há lei e não há fato no mundo

correspondente? Mesmo que o fato ocorra a posteriori (e segundo este preceito constitucional

a lei poderá regular esta situação), enxerga-se certo descompasso com os valores magnos da

segurança jurídica, da não surpresa e da capacidade contributiva, para citar alguns.

A Lei Suprema e as regras gerais de Direito Tributário são contrariadas. Isso leva à

crença nas palavras de Dworkin (2001, p, 184): “Qualquer justificativa para uma formulação

e, portanto, para um entendimento do que os constituintes pretenderam, deve ser encontrada

não na história, na semântica ou na análise conceitual, mas na teoria política”. Na ideia, ora

espancada, prevaleceram os fins fiscais, a praticidade e a conveniência associados a um

sistema econômico dominante em detrimento do escorreito e vigente entendimento do fato,

que somente há de ser gerador de obrigação tributária, quando da coexistência de suporte

fático.

O fato gerador presumido não é dotado de integridade e unicidade. O Direito, segundo

Ruy Barbosa Nogueira (1990, p. 103), não deve ser escrito por meio de textos, mas também

de contextos, ou textos interligados, componentes de uma estrutura de normas dotadas de

nexo, membros de um único organismo. Como forma de reparar o grande mal, estabelece o

dispositivo em questão que fica “assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia

paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Transparece-se, aí, a ideia de

insegurança, porque não se referir à lesão, para que, logo em seguida, se remedie o erro.

Diferencia-se, pois, dos fatos geradores futuros e pendentes, entendidos como aqueles cuja

ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa. A lição deixada por Ruy Barbosa

Nogueira (1990, p.30), de que o Direito Tributário é um direito disciplinado sobre a base dos

princípios do Estado de Direito, não fora compreendida quando da feitura do preceito

constitucional em análise. Tem-se ali uma presunção geradora de obrigação tributária, que

certamente não realiza os ideais de justiça e do bem comum. Nas palavras do supracitado

professor (1990, p. 98):

Sendo o Direito uma ciência normativa, que visa a operatividade funcional da dogmática jurídica, dominada no Estado de Direito pelo próprio princípio legal da legalidade, com o fim de realizar a justiça e o bem comum, é necessário que o sistema do Direito não só por meio de normas adequadas, mas também pela doutrina e jurisprudência, para impedir a incerteza.

O art. 105 do Código Tributário Nacional prevê que a legislação tributária,

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compreendida por leis, tratados e convenções internacionais, decretos e normas

complementares nesta seara, deverá ser aplicada imediatamente aos fatos geradores futuros e

aos pendentes, “assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início [...]”. A ideia de

fato gerador presumido vai de encontro a esta concepção, hoje vigente, de aplicação da

legislação tributária.

O art. 113 do supracitado Código firma, em seu § 1°, que a obrigação tributária, aquela

cujo objeto é o pagamento de tributo, surge com a ocorrência (e não com a ocorrência

posterior ou a não ocorrência associada à restituição do pagamento indevido) do fato. Fato

este (para que gere), segundo a definição legal constante do art. 114, tratado anteriormente

neste trabalho, concebido como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua

ocorrência. A presunção geradora de obrigação tributária também incompatibiliza-se com este

preceito geral. Considera-se ocorrido o fato gerador e existentes seus efeitos (art. 116, I e II),

quando de situação de fato, desde o momento em que são verificadas as circunstâncias

materiais necessárias à produção dos efeitos que lhe são próprios. Quando de situação

jurídica, “desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito

aplicável”.

Ora, há previsão, no art. 106, parágrafo único, para que, caso o sujeito passivo da

relação jurídico-tributária pratique atos ou negócios jurídicos com a finalidade de dissimular a

ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, a autoridade administrativa desconsidere

estes atos e negócios. Daí, mais uma vez demonstrado o sentido, construído a partir da

interpretação sistemática das descrições normativas, da necessidade da ocorrência do fato

definido em lei para o nascimento da obrigação tributária.

Sobressalta ainda o art. 121, discutido anteriormente neste trabalho, do Código

Tributário, que informa ser sujeito passivo da obrigação tributária principal, a pessoa obrigada

ao pagamento de tributo. Em seu parágrafo único: “O sujeito passivo da obrigação principal

diz-se contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o

respectivo fato gerador”. Pois bem, tem-se aqui a clareza de que a pessoa obrigada ao

pagamento de tributo, na condição de contribuinte, deve estar enquadrada, de forma pessoal e

direta, na situação, descrita em lei e em ocorrência no mundo, geradora de obrigação

tributária.

Aqueles que não tenham relação pessoal e direta com a situação, descrita em lei e em

ocorrência no mundo, podem vir a ser sujeitos passivos na relação tributária na condição de

responsáveis quando da disposição expressa em lei, contudo, mesmo nesta hipótese, a

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responsabilidade pela obrigação de pagar relaciona-se ao crédito já constituído por ter-se

perfeito o fato gerador da obrigação. Isto segundo a ideia depreendida do art. 128 do Código,

que firma: “[...] a lei poderá atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito

tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a

responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo [...]”.

O Código Tributário Nacional institui que através do lançamento dá-se forma ao crédito

tributário. O procedimento administrativo de lançamento é aquele, consoante leitura do art.

142/CTN, “tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente,

determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito

passivo [...]”. A ideia de fato gerador presumido, mais uma vez, não se faz cabível aqui.

Entranha-se ao universo tributário mesmo que de forma atípica. Nesse sentido, Ives Gandra da

Silva Martins (1998, p. 52) afirmou:

Ora, sendo o Direito tributário o mais nervoso e ágil dos ramos jurídicos, a maior ou menor distância entre as normas positivas e as normas justas é o que o tornam mais ou menos preservável, encontrando a sociedade sempre formas de adequá-la, por normas ajurídicas, a uma realidade de justiça fática, se a separação concreta entre os dois pólos for elevada.

2 A RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA NO CONTEXTO DA PRESUNÇÃO GERADORA DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA

À presente matéria é dedicado um capítulo do Código Tributário Nacional. Nos artigos

128 ao 138, têm-se as linhas gerais sobre o tema. Observe-se:

A responsabilidade tributária associa-se ao dever, atribuído legalmente a uma pessoa, de

cumprimento da obrigação tributária. “A prestação é exigida de uma terceira pessoa que não

praticou o fato jurídico tributável” (Harada, 2003, p. 441). Este tipo de sujeição passiva

apresenta-se, inicialmente, sob duas formas, depreendidas do texto normativo. São as

doutrinariamente conhecidas como responsabilidade por transferência e responsabilidade por

substituição. Na primeira, o sujeito torna-se polo passivo na relação tributária após a

ocorrência do fato gerador. Já na responsabilidade por substituição, a terceira pessoa,

legalmente obrigada ao cumprimento da obrigação, é definida antes mesmo da instauração da

relação jurídico-tributária (aqui alguns doutrinadores, dentre eles Sacha Calmon (1998),

elegem o sujeito passivo como direto e não indireto, uma vez que a responsabilidade logo se

desencadeia quando ocorrido o fato gerador da obrigação).

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Aliomar Baleeiro (2007), sobre a temática, afirma serem as classificações difíceis e

sempre eivadas de imprecisões, sendo de suma relevância os princípios a serem observados,

na eleição do responsável tributário (qualquer que seja a espécie). Consoante o autor, deve

haver uma plena aplicação de princípios, como os da legalidade, da irretroatividade, da

anterioridade e da capacidade econômica à responsabilidade tributária. Daqui já surgem certas

reflexões: Será possível uma real e segura correlação ou mesmo equilíbrio entre a capacidade

econômica do responsável e a prestação a que está obrigado ao pagamento quando a situação

é de fato não ocorrido fundado numa presunção? E se o valor devido for maior que o valor

presumido e antecipadamente pago? Como há de ficar o responsável? O princípio da

capacidade fora atendido? Mais uma vez a figura do fato gerador presumido em descompasso.

Aliomar Baleeiro (2007, p. 737) afirma que deve haver uma vinculação indireta do

responsável ao fato gerador. Em suas palavras, “a exigência de vinculação do responsável se

faz em obediência ao princípio da capacidade econômica, a fim de que por meio de retenção

[…] ou reembolso, possa o responsável se ressarcir do tributo pago”. Ainda entende o autor

que deve “estar o fato descrito na hipótese condicionado à ocorrência do fato gerador

hipotético básico da regra matriz”.

Nos termos do art. 150, § 7°/CF, tem-se o sujeito passivo de obrigação tributária na

condição de responsável. A expressão constitucional é dotada de alto teor de conotatividade. A

responsabilidade tributária no contexto da presunção geradora de obrigação tributária é uma

tentativa de responsabilidade por substituição (sujeição passiva definida antes da ocorrência

do fato gerador, como, por exemplo, nos casos de responsabilidade dos sucessores- arts. 129 a

133/CTN). O art. 150, § 7°, da Constituição Federal abriu possibilidade aos entes federativos,

no âmbito de suas competência, à criação de obrigação para o responsável mesmo antes do

nascimento da obrigação para o contribuinte, que ainda não se reveste como tal, dada à não

realização do fato gerador da obrigação. Ainda sobre a capacidade econômica, Aliomar

Baleeiro (2007, p. 740) entende que devem ser impostos limites pelo Supremo Tribunal

Federal ao § 7° do art. 150, excessivamente amplo e violador do princípio da capacidade

econômica, “o qual somente se pode medir no momento da ocorrência do fato jurídico, que é

o fato signo presuntivo de riqueza (nem antes, nem depois)”.

3 A RESTITUIÇÃO DO PAGAMENTO INDEVIDO QUANDO NÃO OCORRIDO FATO PRESUMIDO GERADOR DE OBRIGAÇÃO

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TRIBUTÁRIA (REPARAÇÃO AO GRANDE MAL)

A previsão constitucional da presunção geradora de obrigação tributária relativa a

pagamento de imposto ou contribuição, como forma de amenizar este grande mal, assegura ao

sujeito passivo de obrigação tributária, na condição de responsável pelo pagamento, a

imediata e preferencial restituição da quantia paga quando da não concretização da presunção

geradora da obrigação. Diga-se que esta presunção geradora deve estar prevista na lei criadora

ou majoradora do tributo (imposto ou contribuição), como nos casos das leis do Imposto

sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) de competência estadual. O Código

Tributário Nacional traz em seu bojo, nos arts. 165 a 169, linhas mestras sobre o problema do

pagamento indevido. Veja-se:

É possível a restituição total ou parcial do valor do pagamento realizado quando este é

indevido ou fora realizado maior que o devido. Ainda sim, é previsão do Código Tributário, a

possibilidade de restituição quando ocorrido erro na identificação do sujeito passivo, na

determinação da alíquota aplicável dentre outros aspectos, bem como quando da reforma,

anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória. Leiam-se o art. 165 e seus incisos:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4° do art. 162, nos seguintes casos: I- cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face de legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido. II- erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento. III- reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

O Código Civil anterior ao Código Tributário de 1966 já tratava sobre a matéria em

comento. O Código Civil vigente (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002), em seus artigos

876 a 883, também dispõe sobre o pagamento indevido, nos termos de que “todo aquele que

recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incube àquele que

recebe a dívida condicional antes de cumprida a condição”. Aqui patente a ideia de justiça e

igualdade.

A restituição há de ser concedida com os possíveis acréscimos, juros de mora e

penalidades pecuniárias, via de regra. O direito de pleitear restituição de pagamento indevido

ou maior que o devido prescreve com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, consoante leitura

do art. 168/CTN, contado, nas hipóteses de cobrança ou pagamento indevido ou maior que o

devido, bem como quando do erro na identificação do sujeito passivo, na determinação da

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alíquota aplicável, no cálculo do montante devido ou na elaboração ou conferência de

qualquer documento relativo ao pagamento, da data da extinção do crédito tributário. Na

hipótese de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o direito de

pleito extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos contado “da data em que se

tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha

reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória”. A restituição denegada

por decisão, quando requerida via administrativa, poderá ser objeto de ação anulatória, que

haverá de ser proposta em 2 (dois) anos contados da data da decisão administrativa

denegatória. Este prazo poderá ser suspenso se dado início ação judicial.

Pois bem, não concretizada a presunção que gerara o dever de pagar imposto ou

contribuição, fará jus, o sujeito passivo de obrigação tributária na condição de responsável,

nos moldes dos artigos supracitados, à imediata e preferencial restituição. Restituição de valor

que não deveria ter sido subtraído do patrimônio do sujeito. Subtração, expressa em lei,

indevida, pois fundada em presunção de ocorrência de fato gerador, violadora dos princípios

da segurança jurídica e da capacidade contributiva. Expressão em manifesto descompasso,

excessivo, na ideia de Aliomar Baleeiro (2007), quando de uma interpretação sistemática do

complexo de normas.

4 VIGÊNCIA, APLICAÇÃO, INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

Por legislação tributária entende-se o complexo harmônico de leis, decretos, normas

complementares, tratados e convenções internacionais que versem total ou parcialmente sobre

tributos e as relações jurídicas deles oriundas. Essa ideia constante do art. 96 do Código

Tributário Nacional abrange as leis nos sentidos formal e material. Abarcam-se os normativos

(expedidos pelas autoridades administrativas), as decisões dos órgãos singulares ou coletivos

de jurisdição administrativa (a que a lei atribua eficácia normativa), as práticas reiteradas das

autoridades administrativas e os convênios celebrados entre os entes federativos União,

Estados membros, Distrito Federal e Municípios. Estas são as normas complementares. Todas

extrínseca ou intrinsecamente relacionadas à ideia de fato gerador de obrigação tributária e

sua ocorrência.

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A vigência destas regras, no tempo e no espaço, é determinada pelas mesmas

disposições aplicadas às regras jurídicas em geral, ou seja, pelos preceitos da Lei de

Introdução ao Código Civil, ressalvados os dispositivos especiais sobre esta temática

constante no Código Tributário (arts. 101 a 104). Atente-se para as disposições iniciais desta

Lei de Introdução:

Art. 1°. Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada. §1°. Nos Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira, quando admitida, se inicia 3 (três) meses depois de oficialmente publicada. §2°. Revogada. §3°. Se, antes, de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto, destinada à correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação. §4°. As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Nesse sentido, ainda naquele texto normativo, tem-se a previsão de que a lei terá vigor

até sua modificação ou revogação por lei nova, caso não se destine aquela à vigência

temporária. A revogação, por lei nova, dar-se-á expressamente ou tacitamente, quando seja

com ela incompatível ou venha a regular inteiramente a matéria disposta na lei anterior.

Disposições gerais ou especiais em compasso com a antiga lei, não a modificam ou revogam.

É vedada a repristinação, “salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por

ter a lei vogadora perdido a vigência” (art. 2°, §3°/LICC).

Paralelos aos preceitos constantes nesta Lei de Introdução ao Código Civil, têm-se as

disposições especiais do Código Tributário Nacional aplicáveis quando dos casos ali

expressos. Quanto às normas complementares (atos e decisões administrativas, convênios

celebrados entre os entes), estas entram em vigor dependendo de sua espécie. Art. 103: “Salvo

disposição em contrário entram em vigor:”. Veja:. 1- os atos administrativos na data de sua

publicação; 2- as decisões dos órgãos de jurisdição administrativa (com eficácia normativa),

em 30 (trinta) dias contados da data de sua publicação; 3- os convênios nas datas neles

previstas.

No que toca à aplicação destas leis, voltar-se-á às contribuições de Pontes de Miranda

(1983) e Marcos Bernardes de Mello (1986), corroboradores da ideia de que à incidência da

regra jurídica, é preciso a existência de suporte fático, já que, nos sentidos normativos do

Código Tributário Nacional, tem-se que a legislação tributária aplica-se aos fatos geradores

futuros e pendentes. Como se afirmou outrora, fatos geradores futuros e pendentes não se

confundem com a ideia de fatos geradores presumidos. Estes indicam que a mera presunção,

no mundo, de fato, reenfatiza-se: a mera presunção gera dever de pagar. Enquanto aqueles, há

entrada da lei no mundo jurídico, que incidirá quando da devida ocorrência do fato descrito

em lei. Na situação do fato gerador presumido, a hipótese de incidência ou fato gerador

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abstrato não se cumpre. Nesse sentido, firmou Pontes de Miranda (1983, p. 94) que: “Se o

suporte fático não se compõe […] em pequeno lapso de tempo, pode dar-se a gradação da

entrada no mundo jurídico, com a situação de pendência e, pois, a aparição da expectativa”.

O fato presumido gera obrigação tributária principal sem a aparição da expectativa. A lei

previsora do fato gerador presumido adentra no mundo jurídico e modifica o mundo dos fatos

com a mera presunção de ocorrência do fato. Aqui, a expectativa pode dar-se ou não. Marcos

Bernardes de Mello (1986, p. 53- 54) ensina: “Quando aludimos a suporte fático estamos

fazendo referência a algo (= fato, evento ou conduta) que poderá ocorrer no mundo e que, por

ter sido considerado relevante, tornou-se objeto de normatividade jurídica”. Presunção não é

fato, nem evento, nem conduta do sujeito passivo da relação. Não é situação “definida em lei

como necessária e suficiente à sua ocorrência” (art. 114/CTN). Continua o último citado autor

(1986, p. 54): “Suporte fático, assim, é um conceito, do mundo dos fatos e não do mundo

jurídico, porque somente depois que se concretizam (= ocorrem) no mundo os seus elementos,

é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico e, portanto, se poderá falar em

conceitos jurídicos”. A ideia de fato gerador presumido é incompatível com a Teoria do Fato

Gerador. Não se encara a presunção em si como fato jurídico. Na situação em comento,

aplicar-se-á a lei sem existência de fato. Nascerá obrigação ao pagamento de imposto ou

contribuição sem o fato correlato, sem a hipótese descrita em lei, sendo contrariadas regras de

interpretação e de integração da legislação tributária.

Nas lições de J. J. Canotilho (2003, p. 713):

Desde o período pré socrático até Aristóteles, passando por Sócrates, os estóicos e Platão, que o conceito de lei é praticamente inseparável da sua dimensão material; leis verdadeiras são as leis boas justas dadas no sentido do bem comum. A lei só pode ser determinada em relação ao justo (igual), dirá Aristóteles na Ética a Nicómano ; a soberania da lei equivale à soberania de deus e da razão, é a inteligência sem paixões, escreverá o mesmo autor em A Política. A lei é a suprema ratio , ínsita na natureza, opinará Cícero. A lei é uma ordenação racional, dirigida no sentido do bem comum e tornada pública por aquele que está encarregado de zelar pela comunidade, escreverá S. Tomás.

Quanto à interpretação e integração da legislação tributária, tem-se no capítulo IV do

Livro Segundo do Código Tributário, Arts. 107 a 112, que quando da aplicação da legislação

tributária, na ausência de dispositivo expresso ao caso, a autoridade utilizar-se-á,

sucessivamente, nesta ordem, da analogia, dos princípios gerais de direito tributário, dos

princípios gerais de direito público e da equidade. Depreende-se da leitura do art. 108,

§2°/CTN, que do emprego da equidade não se pode dispensar pagamento de tributo devido.

Logo, equidade também é pagamento de tributo devido.

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Com o fato presumido, gera-se o dever de pagar imposto ou contribuição ainda não

devidos. A ideia de fato gerador presumido contraria a equidade, os princípios gerais de

direito público e de direito tributário entranhados à Teoria do Fato Gerador. Nesse sentido,

Jurgen Habermas (1997, p. 48) ensina: “No modo de validade do direito, a facticidade da

imposição do direito pelo Estado interliga-se com a força de um processo de normatização do

direito, que tem a pretensão de ser racional, por garantir a liberdade e fundar a legitimidade”.

Nas palavras de J. J. Canotilho (2003, p. 1232), sobre o problema das normas constitucionais

inconstitucionais: “É perfeitamente admissível [...] a existência de contradições

transcendentes, ou seja, contradições entre o direito constitucional positivo e os valores,

diretrizes ou critérios materialmente informadores da modelação do direito positivo (direito

natural, direito justo, ideia de direito)”. Nestas palavras, enquadra-se a ideia de fato gerado

presumido.

CONCLUSÃO

1. O fato gerador presumido contraria os aspectos nucleares, pré-estabelecidos na

Constituição Federal brasileira e reafirmados pela Teoria Geral do Direito Tributário, pelas

normas infra-constitucionais tributárias, do que se tem por fato gerador de obrigação

tributária. Prevaleceram os fins fiscais, a praticidade e conveniência associados a um sistema

econômico dominante em detrimento do escorreito e vigente entendimento do fato, que,

somente há de ser gerador de obrigação tributária, quando da coexistência de suporte fático. O

fato gerador presumido não é dotado de integridade e unicidade.

2. Nos termos do art. 150, § 7°/CF, tem-se o sujeito passivo de obrigação tributária na

condição de responsável. A expressão constitucional é dotada de alto teor de conotatividade. A

responsabilidade tributária no contexto da presunção geradora de obrigação tributária é uma

tentativa de responsabilidade por substituição (sujeição passiva definida antes da ocorrência

do fato gerador, como, por exemplo, nos casos de responsabilidade dos sucessores- arts. 129 a

133/CTN. O art. 150, § 7°, da Constituição Federal abriu possibilidade aos entes federativos,

no âmbito de sua competência, à criação de obrigação para o responsável, mesmo antes do

nascimento da obrigação para o contribuinte, que ainda não se reveste como tal, dada à não

realização do fato gerador da obrigação.

3. O fato presumido gera obrigação tributária principal sem a aparição da expectativa. A

lei previsora do fato gerador presumido adentra no mundo jurídico e modifica o mundo dos

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fatos com a mera presunção de ocorrência do fato. Aqui, a expectativa pode dar-se ou não.

4. A ideia de fato gerador presumido é incompatível com a Teoria do Fato Gerador, e

com a Teoria Geral do Direito Tributário. Não se encara a presunção em si como fato jurídico.

Na situação em comento, aplicar-se-á a lei sem existência de fato. Nascerá obrigação ao

pagamento de imposto ou contribuição sem o fato correlato, sem a hipótese descrita em lei,

sendo contrariadas regras de interpretação e de integração da legislação tributária. Com o fato

presumido, gera-se o dever de pagar imposto ou contribuição ainda não devidos. A ideia de

fato gerador presumido contraria a equidade, os princípios gerais de direito público e de

direito tributário entranhados na Teoria do Fato Gerador.

Referências

LIVROS:

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra:

Almedina, 2003.

CABRAL, Ana Rita Nascimento. A Teoria do Fato Gerador. Fortaleza: Premius, 2013.

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FALCÃO, Amílcar de Araújo. Fato Gerador da Obrigação Tributária. 6ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 1997.

HABERMAS, Jurgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:

Tempo Brasileiro, 1997.

HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2003

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da Imposição tributária. 2ª ed. São Paulo: LTR,

1998.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1986.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado; parte geral. 4ª ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1983.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

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PERELMAN, Chaϊm. Lógica Jurídica: nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

DOCUMENTOS JURÍDICOS:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília,

DF, Senado, 1988.

______. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional

e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário

Oficial da União, Brasília, DF, 27 out. 1966.

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A dinâmica de apuração da base de cálculo das taxas sob a perspectiva da

razoabilidade e praticidade

The dynamic calculation of the basis for calculating rates from the perspective

of reasonableness and practicality

Antônio Carlos Diniz Murta

Doutor em Direito pela UFMG / Coordenador do Programa de Mestrado em

Direito da Faculdade de Ciências Humanas, Sociais e da Saúde/FCH da Universidade

FUMEC

Fernando Bretas Vieira Porto

Mestrando em Direito pelo Programa de Mestrado em Direito Faculdade de

Ciências Humanas, Sociais e da Saúde/FCH da Universidade FUMEC

RESUMO

Atualmente no Brasil, no contexto de seu Sistema Tributário, observa-se a ausência da

delimitação e efetivação válida da taxa como espécie do gênero tributo no Brasil. Este artigo não

tem por objetivo narrar os mesmo argumentos apresentados e suficientemente trabalhados pela

doutrina nacional, mas tem o condão de fornecer ao leitor uma dimensão mais clara e

transparente de sua base de cálculo. São inúmeros autores, bem como a jurisprudência pátria, que

criaram diversas classificações quantos as possíveis espécies tributárias. Para uma produtiva

reflexão a análise do objeto de estudo, isto é, a taxa, importante se faz o afastamento das teorias

repetitivas que encontramos na literatura jurídica. È notória que a aferição do custo estatal como

base de calculo das taxas é desprovida de conexão com a realidade econômica, política e social

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brasileira. O indigitado tema merece ser enfrentado com maior argúcia e acuidade dada suas

implicações na rotina dos que militam na seara tributária.

PALAVRAS CHAVES: Base de Cálculo. Taxa. Apuração.

SUMMARY

Currently in Brazil as part of its tax system, there is a lack of definition and execution rate as a

valid species of the genus tribute in Brazil. This article is not intended to narrate the same

arguments and sufficiently worked out by national doctrine, but has the ability to provide the

reader with a clearer and more transparent dimension of its cost base. Countless authors, as well

as rulings homeland, who created several classifications as many species possible tax. For a

productive reflection analysis of the object of study, ie, the rate is important if the removal of

repetitive theories we find in the legal literature. It is evident that the measurement of the cost of

state based calculation of fees is devoid of connection with reality economic, political and social

Brazilian. The theme nominee deserves to be approached with more subtlety and acuity given its

implications in routine that war in harvest tax.

KEYWORD: Basis of calculation. Rate. Calculation

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INTRODUÇÃO

Apesar de o tema proposto aparentar, mesmo que através de outras denominações ou

formatos, ser já conhecido e suficientemente debatido pela doutrina pátria, as conclusões

apresentadas, quando de sua análise, não revelam, ainda e especialmente na contextualização

econômica-política brasileira, o devido substrato ou resultado jurídico indispensável para a

delimitação e efetivação válida da taxa como espécie do gênero tributo no Brasil.

Nesta espécie, o que nos preocuparia mais, seria dar maior clareza e transparência à

dimensão de sua base de cálculo, tentando nos afastar das teorias repetitivas que encontramos na

doutrina tradicional.

Sabe-se que a denominada taxa é Instituto, informado pelo Regime de direito público,

especificamente pelo direito tributário, na medida em que se qualifica como espécie do gênero

tributo; devendo, portanto, se submeter à todos regramentos, constitucionais ou não, na sua

formulação, criação e posterior cobrança.

Trata-se, como se sabe, de obrigação “ex lege”, a teor da definição legal do tributo1,

onde, por óbvio, seu respectivo sujeito passivo não tem opção em pagar ou não conforme seu

talante.

No Brasil, a despeito de haver entendimentos isolados em outro sentido, a figura da taxa,

como espécie do gênero tributo, permite reunir duas hipóteses de aplicação, cada qual com seu

respectivo fato gerador.

Neste sentido, diante da redação do disposto no artigo 145, inciso II, do texto

constitucional, afigurariam as denominadas taxas de serviço e taxas de polícia, que muito embora

tenham identidade jurídico-tributária, para efeito de categorização como espécie, terão, cada qual

seu universo de abrangência e efeito.

Nesta senda, a vista de propormos uma reflexão sobre a dimensão da base de cálculo das

taxas, inclusive em contraposição aquela dos impostos, devemos, necessariamente, perpassar e

definir a aplicação de cada espécie de taxa (serviço e polícia) para nos permitir afirmar ser a

definição da base de cálculo da taxa de polícia a mesma da de serviço.

1 Art. 3º / Código Tributário Nacional (lei 5.172/1966):Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

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Após realizado este cotejo e paralelo de fatos geradores, considerando as afinidades e

divergências, podemos discorrer sobre a estipulação, via legislativa, da base de cálculo de uma

taxa sem que haja ofensa ao texto constitucional mas, também, sem que sua instituição se torne

inviável diante das exigências, rotineiramente desprovidas de senso prático, decantadas pela

doutrina.

DESENVOLVIMENTO

1 BREVE RELATO SOBRE AS TAXAS2

Sabe-se que as denominadas taxas são espécie do gênero tributo, a teor não só do artigo

145, inciso II, CF bem como do artigo 77 do C.T.N.3

São consideradas, portanto, tributos vinculados (teoria dicotômica de tributos) à uma

prestação (serviço) estatal específica e divisível ou mesmo ao exercício (regular segundo o CTN)

do poder de polícia, qualificando-se, também, como tributos bilaterais e indenizatórios.

A CF não apresenta o rol de possíveis taxas a serem criadas pelos entes políticos com

competência outorgada para tal mister. Vale ressaltar que se criadas forem, deverão guardar

2 De taxar, do latim taxare, (avaliar, pôr ou impor preço), a rigor entende-se o preço, ou a quantia que se estipula como compensação de certo serviço, ou como remuneração de certo trabalho. Mesmo quando a taxa é empregada no conceito de percentagem, em relação aos juros, ou como índice de uma comissão, importa sempre em ser a determinação de um preço, ou de um quanto, que se fixa, ou que se estabelece, como retribuição, ou como compensação de qualquer coisa, de alguém se beneficia, ou se utiliza. Portanto, a taxa, precipuamente, revela a fixação de um preço, seja este específico, isto é, firmado em quantia certa e invariável, ou resulte de uma percentagem, que estabelecerá preço proporcional ao valor da coisa, ou seja, um preço “ad valorem”. (SILVA, 1993, p.322-323).

3 Art. 145, inciso II, CF: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I- ...omissis... II- taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços

públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.” Código Tributário Nacional. Artigo 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto á sua disposição(...) (BRASIL, 2012).

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compatibilidade com a competência em prestar o serviço público respectivo ou exercer o poder de

polícia apontado pelo ente político instituidor. Vale dizer um Município, por exemplo, não poderá

criar uma taxa (serviço ou polícia conforme os elementos utilizados em sua definição) de

emissão/expedição de passaporte quando se sabe que a competência para tal é da União Federal.

De outro lado a União não poderá criar uma taxa de fiscalização de elevadores de edificações

horizontais quando se sabe se trata de assunto de interesse local, reservado à competência dos

Municípios.

Sabemos que a denominada teoria dicotômica de tributos, trazida ao Brasil pelas lições

de Geraldo Ataliba, parte do princípio que os tributos, não importando o nome que se dê, serão

vinculados ou não a uma atuação estatal. Neste sentido, não haveria controvérsia quanto ao

enquadramento dos impostos como sendo tributos não vinculados4.

O problema que enfrentaríamos seria de outra ordem. Inicialmente, quando tratamos da

figura do pedágio, previsto no artigo 150, inciso V, do texto constitucional5. Aquele dispositivo,

inserido no bojo das limitações constitucionais ao Poder de Tributar, veda a utilização do tributo

como medida de cerceamento de circulação ou trânsito de pessoas ou bens. Mas apresenta ressalva

expressa quando o permite através da figura do pedágio.

Neste sentido o próprio texto constitucional reconhece que o pedágio poderá – quando

não o faça através de preço público ou tarifa – assumir a natureza jurídica de tributo. Inconcebível

entende-lo, sob esta roupagem, como imposto ou contribuição (especial ou as demais previstas no

texto constitucional), restando, portanto, a figura da taxa. Se feita a leitura do disposto no artigo

145, inciso II, da CF, deveríamos entende-lo como taxa de polícia ou mesmo taxa de serviço. O

pedágio, como tributo, não poderia, por seu perfil ou mesmo fato gerador, ser enquadrado como

taxa de polícia. Restaria, assim, a taxa de serviço. Este seria o entendimento da doutrina

predominante. O pedágio, para eles, seria uma mera hipótese de taxa de serviço.

Assim, com a devida vênia, não nos parece. Quando, ao transitar em rodovias

pedagiadas, pagamos pedágio, o fazemos para que tenhamos permissão ou autorização, temporária,

4 Código Tributário Nacional. Art. 16. Imposto é o tribute cuja obrigação tem por fato gerador uma situação

independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte (BRASIL, 2012) 5 Constituição Federal. Art. 150, inciso V. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: Inciso V. estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público (BRASIL, 2012).

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para a utilização de bem público (rodovia, estadual ou federal, nos dias de hoje sob regime de

concessão modificando a natureza jurídica do pedágio de tributo para preço público ou tarifa). Não

estaremos, naquele momento, obtendo qualquer serviço e sim o direito de uso, restrito e

temporário, através de locomoção de veículo automotor. Se, eventualmente, como soe acontecer

hodiernamente nas rodovias pedagiadas concedidas, de obtermos assistência, a título precário,

mecânica ou de reboque, isto fará parte das obrigações pactuadas entre o Estado concedente e a

empresa concessionária para efeito da outorga da concessão. De fato, paga-se para usar a rodovia.

Falar-se em serviço de manutenção, para assim ensejar qualificar o pedágio como taxa de serviço,

é ignorar o fato de que para usar um bem, como uma rodovia, este bem tem que estar condizente

ou adequado para os fins propostos. E, para tal, se faz imprescindível sua conservação para

presente e futuro uso. A conservação da rodovia, em outras palavras, é precedente inafastável par

seu uso. Mas, nos resta claro, que o objetivo é o uso e não o serviço de conservação que lhe é

inerente.

Inclusive, fazendo uso da interpretação gramatical, o próprio texto constitucional, no

citado artigo 150, inciso V, fala de cobrança do pedágio por conta da utilização de vias

conservadas pelo poder público.6

Este seria o entendimento, exceção clara na doutrina, de Luciano Amaro:

O fato gerador do pedágio é a utilização da via pública e não a conservação desta. A utilização há de ser efetiva e não meramente potencial (simples colocação da via à disposição). Não se pode dizer que o fato gerador seja o “serviço“ (de restauração) que o Poder Público execute, pois essa tarefa é meio (para manter a via pública utilizável) e não fim da atuação estatal. A utilidade que o Estado propicia ao indivíduo não é o conserto, mas sim a utilização da estrada. Noutras palavras, a coisa ou fato estatal a que se liga om pedágio não é uma prestação de serviço (de conserto), é a estrada, com cuja utilização se concretiza o enlace do indivíduo à obrigação tributária. (AMARO, 2007, p. 50).

Por todo o exposto, entenderíamos, na eventualidade da cobrança de pedágio como

tributo e não como preço público ou tarifa, como nos dias de hoje no Brasil, sua natureza jurídica

seria, enquanto espécie de taxa, taxa de uso de bem público e não, como rotineiramente se

defende, mera taxa de serviço.

6 Sabe-se que, hoje no Brasil, optou-se, quando na instituição de rodovias pedagiadas, no regime de concessão de sua conservação para empresas privadas concessionárias de tal ação; permitindo-lhes, assim, a cobrança, nos limites do contrato administrativo concessivo, a cobrança de pedágio sob natureza diversa de tributo (preço público ou tarifa).

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Em seguida nos confrontaríamos com o Instituto da contribuição de melhoria. Afinal,

qual seria sua autonomia enquanto tributo?

Não há defensores, sob a ótica da teoria dicotômica, que albergue a contribuição de

melhoria sob o enfoque de tributo não vinculado ao agir ou atuação estatal. Em suma, poderíamos

afirmar, com segurança, que este instituto tributário estaria no rol dos tributos vinculados. Mas, o

que se discute seria o tipo de vinculação estabelecido entre o Estado (ao realizar uma obra

pública) e o contribuinte (proprietário ou possuidor de imóvel valorizado pela consecução desta

obra pública). Aqueles que entendem ser a contribuição de melhoria uma espécie autônoma

afirmariam, inicialmente, a semelhança ou mesmo proximidade deste tributo com as taxas em

geral (serviço ou polícia) por serem todos tributos vinculados a um agir estatal. Entretanto,

buscando afastar a contribuição de melhoria das taxas no sentido lato, dando, assim, à literalidade

do texto constitucional, afirmam que a vinculação do agir do Estado na contribuição de melhoria

seria distinta do agir nas taxas. Nas taxas, a vinculação, segundo defendem, seria direta e

imediata (serviço e polícia) e na contribuição de melhoria seria indireta e mediata (valorização

imobiliária em razão de obra pública). O que se revelaria, portanto, como pressuposto inafastável

da contribuição de melhoria, seria a necessidade do agir (direto e imediato) do Estado, tendo

como consequência a valorização imobiliária (indireta e mediata).

Portanto, poderíamos aferir e resumir o seguinte o que se propõe. Sem embargo da

literalidade do texto constitucional, os adeptos da autonomia da contribuição de melhoria partem

do pressuposto que o agir do Estado (tributo vinculado) nas taxas é diferente no agir do Estado na

contribuição de melhoria. Nas taxas o agir é direito e imediato. Por sua vez na contribuição o agir

é mediato e indireto.

Rogando o maior respeito a este entendimento, percebemos que padece de fragilidade

teórica. Busca-se, com ele, afastar as taxas da contribuição de melhoria, dando a esta última

configuração e autonomia peculiar. Pergunta-se, então: Se as taxas de serviço e polícia são taxas

(não só porque a Constituição assim o diz, mas porque teriam uma relação direta e imediata com

o contribuinte) e contribuição de melhoria é tributo autônomo (não só porque a Constituição

assim o diz, mas porque teriam uma relação indireta e mediata com o contribuinte), como aceitar

o distanciamento de uma contribuição de melhoria, cujo substrato teórico material exige,

necessariamente, uma obra pública, de uma taxa efetiva de serviço, cujo substrato teórico

material exige, também necessariamente, um agir concreto do Estado (emissão de passaporte, de

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porte de arma, emolumentos cartoriais, custas judiciais, etc.) e aproximar: 1) taxa de serviço

efetivo da taxa de serviço potencial. A taxa de serviço efetivo exige para sua cobrança a

materialização do agir estatal (emissão de documento público); já a taxa de serviço potencial não

exigiria. Bastaria ter o serviço disponível para o contribuinte, para que o mesmo se obrigasse ao

pagamento deste tributo (exemplo mais ilustrativo seria a taxa de coleta de lixo). Independente de

se beneficiar efetivamente com o serviço, o tributo é devido; 2) taxa de serviço efetivo e/ou

potencial da taxa de polícia. A taxa de serviço tem como pressuposto, seja no serviço efetivo ou

potencial, um benefício ao contribuinte do tributo. Já a taxa de polícia não trará, pelo menos

diretamente ou mesmo imediatamente (estamos fazendo uso dos advérbios utilizados pela

doutrina que defende a autonomia da contribuição de melhoria, porém em contexto totalmente

distinto) ao seu contribuinte um benefício. O beneficiário será sociedade considerando ter esta

taxa como substrato material a fiscalização de atividade privada em benefício do interesse

público. Sabemos, inclusive, a despeito de controvérsia jurisdicional, da existência de inúmeras

taxas de polícia sem que haja efetiva fiscalização ou, em outras palavras, exercício do poder de

polícia. Lado outro, para a cobrança da contribuição de melhoria exigir-se-ia a conjugação de

obra pública e valorização imobiliária (benefício objetivo causado ao contribuinte), jamais

possível obra pública ou possível valorização imobiliária. Perguntar-se-ia: Nos moldes em que é

praticada a taxa de polícia no Brasil, estaria esta exação mais próxima da taxa de serviço ou

estaria a contribuição de melhoria mais próxima da taxa de serviço?

Da maneira que expusemos a questão, a depender do critério escolhido, poderíamos

afirmar que a causa da taxa de serviço e da contribuição de melhoria é um benefício ao

contribuinte. Já, na taxa de polícia, sua causa residiria em benefício da sociedade, a qual, por

obviedade, o contribuinte, por integrá-la, também faria parte. Portanto, se, a par das semelhanças,

o objetivo é criar critérios de distinção entre as taxas (de serviço e polícia) e a contribuição de

melhoria, podemos, paralelamente, também, distinguir as taxas de serviço das de polícia; e, em

seguida, aproximá-las da contribuição de melhoria.

Abstraindo nossa memória constitucional, se no texto constitucional tivéssemos, em seu

artigo 145, do texto constitucional, outra redação onde se fizesse constar a possibilidade de se

instituir taxas de serviço, taxas de polícia e taxas pela realização de obras públicas que causassem

valorização imobiliária, nada poderíamos criticar já que o que pode afastar as taxas de serviço e

de polícia (atuação direta do Estado) da contribuição de melhoria, poderia, ao mesmo tempo,

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aproximar as taxas de serviço e contribuição de melhoria, afastando-as das taxas de polícia

(considerando o critério do benefício direito auferido pelo contribuinte). Não ficaríamos,

inclusive, surpresos, se tivéssemos, ao contrário do que existe hoje, uma taxa pela realização de

obras públicas que causassem benefício imobiliário e uma contribuição pelo exercício do poder

de polícia.

Por isso, entendemos que a doutrina majoritária, sobretudo hipnotizada pela literalidade

do texto constitucional, padece de equívoco quando defende a autonomia da contribuição de

melhoria face às taxas. A rigor, partindo da teoria dicotômica, as contribuições de melhoria, a

despeito de suas peculiaridades como também as têm as taxas de serviço e de polícia são tributos

vinculados e devem ser entendidas e capituladas como taxas, não havendo porque receberem uma

autonomia sustentada em peculiaridades que se vêm diversas nas demais taxas.

A despeito das controvérsias sobre a incorporação ou não da contribuição de melhoria

como uma subhipótese de taxa, para efeito de nossa exposição e fundamentação de suas

conclusões, manteremos o entendimento majoritário no sentido de apresentarem-se, no Brasil,

duas hipóteses de taxas (serviço e polícia).

1.1 Taxa de serviço. Da noção de serviço público

Serviço, do latim servitiu, ligado, na origem, ao trabalho do servo, corresponde,

genericamente, a qualquer atividade prestada, em caráter gracioso ou remunerado, a terceiro.

O serviço público seria, em análise perfunctória, atividade prestada qualificada por este

terceiro, considerando-o a sociedade, a coletividade, o próprio estado (enquanto representante da

sociedade) e, afinal, de interesses difusos de segmentos sociais determinados ou determináveis.

No entanto este conceito exige maior aprofundamento dado às vicissitudes que incorre a

depender, como muitos alegam, do momento histórico, contexto social, conjuntura econômica e

mesmo vontade do administrador público, condicionada aos elementos anteriores que se

conjugam e completam.

Não se pode deixar de apresentar, de forma sucinta, uma vez que Instituto revela-se rico

e repleto de exaustivas manifestações doutrinárias e jurisprudenciais, uma definição clara do que

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seja serviço público já que condição inafastável para a remuneração, via taxa ou preço público,

que o serviço prestado seja público.

Antes de fazê-lo é importante que se chame à atenção para o fato que o serviço público

em questão não se resume apenas à conhecida obrigação de fazer, a teor da teoria geral de

obrigações, conforme previsão legal expressa do Código Civil vigente, em seu artigo 247 e

seguintes; o serviço me tela deve ser considerado em sentido lato e amplo, considerando-se não

só as obrigações típicas de fazer alguma coisa (como a prestação jurisdicional, o poder de polícia,

o serviço cartorário, etc.) bem como as obrigações de dar alguma coisa, considerando-se, neste

caso, as hipóteses de dar coisa certa, a teor da previsão do Código civil, em seu artigo 233 e

seguintes.

Portanto, a noção e a amplitude do serviço público não pode ser restringida como de fato

o é o conceito do contrato de prestação de serviço previsto, de forma inovadora, no Código Civil

vigente, em seus artigos 593 e seguintes; seu alcance é maior. Envolve, não só a obrigação de

fazer, como também a obrigação de dar, podendo até mesmo (apesar de não ser de sua índole ou

natureza) consolidar-se na obrigação de não fazer se levada em consideração que o pagamento da

taxa de polícia tem como pressuposto ou fato gerador a conformação das ações privadas e mesmo

as públicas nos preciso limites das normas aplicáveis à atividade respectiva, podendo ter como

consequência atos omissivos dos destinatários da exação em questão.

Não se pode desprezar, outrossim, que rotineiramente determinadas atividades que, em

princípio, historicamente e juridicamente, consideradas materialmente e formalmente serviços

públicos, passam a sê-lo por injunções e pressões da própria sociedade, na medida que assume

dimensões e impactação de tal maneira que o Estado não poderia, simplesmente, considerá-las

serviços qualificados como privados.

Não poderíamos deixar de considerar que o serviço público passará a ser considerado

como tal na medida em que interfira no interesse de grupos sociais de maior abrangência; não

podendo o Poder Público deixar de estabelecer limites normativos quanto à sua execução,

incluindo e ainda mais quando ele próprio o preste, ou mesmo quando conceda, permita ou

delegue esta prestação a terceiros privados.

A noção de serviço público também deve variar conforme o Regime político-econômico

seguido por um país ou mesmo conforme o grau de intervenção do Estado sobre a economia. É

lógico que não poderíamos afirmar que o Estado, pelo menos atuando através de formas

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societárias privadas, prestaria sempre serviço público; porém, não haveria o porquê do Estado, ao

prestar qualquer serviço, não considerá-lo público já que seu desiderato final (a própria razão

política de sua existência) é o interesse público, interesse este que decorre naturalmente da

efetividade de um serviço público. Na medida que determinada prestação estatal não seja

considerada atividade cujo fim precípuo seja o interesse da coletividade, esta prestação ou

atividade deve, necessariamente, ser repassada à iniciativa privada, ressaltando-se que esta

mesma atividade privada desenvolve, habitualmente, atividades consideradas como serviço

público.

Neste diapasão poderíamos partir da premissa que o Estado deve sempre, diretamente ou

indiretamente, quando na consecução de suas atividades ordinárias ou extraordinárias, prestar

serviço público. De outro giro a iniciativa privada, a depender do status dado pelo próprio Estado

a partir de reflexões de ordem política-institucional, poderia prestar serviço público ou privado.

Um dos temas mais instigantes quando ao debatido serviço público, se imaginarmos que

o mesmo deve ter como elemento indispensável, em seu suporte conceitual, o interesse maior da

coletividade ou de grupos sociais de número expressivo, seria tentar estabelecer uma graduação

ou seleção de “serviço público latu sensu” e “serviço público stricto sensu”.

Vários autores narram a especificação do serviço público, enquadrando, ora como

tipicamente estatais (verbi gratia: segurança, saúde e educação, prestados, via de regra,

diretamente pelo Estado), ora como essenciais (os serviços públicos submetidos à regras típicas

de direito privado, sendo também submetidas à regramentos típicos de Regime de direito público,

prestados, via de regra, pelo Estado, diretamente ou através de sal administração indireta) e,

finalmente os serviços públicos não essenciais7(por sua vez prestados, comumente, por pessoas

físicas ou jurídicas privadas concessionárias, permissionárias ou delegatárias).

O critério supra apresentado poderia instrumentalizar o legislador ou administrador

público sua decisão quando do estabelecimento da política remuneratória da prestação do serviço

público; entretanto este mister não se revelar tão simples como parece.

7 Parece-nos que considerar um dado serviço público como não essencial é o mesmo que considerá-lo como negação peremptória de serviço público. O serviço público exige, para que assim seja considerado, o elemento essencialidade já que não poderá o Poder Público, uma vez considerando-o público, utilizar critérios, de fragilidade patente e flagrante, muitas vezes decorrentes de pressões escusas de grupos de interesse segmentar, para dizer que dado serviço público é essencial e outro não seria.

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Celso Antônio Bandeira de Melo (2006, p.642) nos apresenta seu posicionamento sobre

a definição de serviço público nos seguintes moldes a seguir traçados:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor de interesses definidos como públicos no sistema normativo.

O consagrado administrativista informa que dois elementos se fazem imprescindíveis à

conceituação do serviço público, qual sejam os elementos materiais e formais ressaltando a

dificuldade em encontra uma definição de fato precisa.

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2006, p.112), citando outros autores, agregaria outro

elemento, qual seja o subjetivo; “que considera a pessoa jurídica prestadora da atividade: o

serviço público seria aquele prestado pelo Estado”.

No entanto, logo a seguir, a referida autora apresenta uma pequena exposição da

evolução do conceito de serviço público onde o elemento subjetivo, tal como definido, já não

satisfaz os anseios sociais:

(...) em primeiro lugar, o fato de que o Estado, à medida que foi se afastando dos princípios do liberalismo, começou a ampliar o rol de atividades próprias, definidas como serviços públicos, pois passou a assim considerar determinadas atividades comerciais e industriais que antes eram reservadas à iniciativa privada.Trata-se dos serviços comerciais e industriais do Estado. Paralelamente, outro fenômeno se verificou; o Estado percebeu que não dispunha de organização adequada à realização desse tipo de atividade; em conseqüência, passou a delegar a sua execução a particulares por meio dos contratos de concessão de serviços públicos e, posteriormente, por meio de pessoas jurídicas de direito privado criadas para esse fim (empresas públicas e sociedades de economia mista), para execução sob regime jurídico predominantemente privado. (DI PIETRO, 2006, p.112).

A doutrina constatou, portanto, que o serviço público não era mais prestado,

exclusivamente e diretamente, pelo Estado, considerado na condição de pessoa jurídica de

direito público interno. Também poderia disponibilizá-lo e, finalmente, prestá-lo pessoas

jurídicas de direito privado, vinculadas, indiretamente, Estado e sujeitas, naturalmente, à sua

tutela e, como também, as pessoas jurídicas de direito privado, sem qualquer vinculação

administrativa-organizacional com o Estado (não se qualificariam como entidades

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descentralizadas) e mesmo pessoas físicas delegatárias de serviço público (como é o caso dos

serviços notarias e de registro).8

Nesta esteira de pensamento se faz mister afirmamos que hodiernamente o serviço

público não se define por quem o pratica, mas sim em benefício de quem se pratica já que a

amplitude de suas possibilidades é de tal sorte abrangente que fez com o Estado (ente primário e

natural prestador de serviço público), sabedor de suas limitações administrativas e da maior

eficácia da prestação discutida em mãos privadas, direta ou indiretamente, transferiu inúmeras de

suas incumbências para terceiros (são estes considerados as pessoas, físicas ou jurídicas, foram da

administração central estatal).

O que poderíamos, então, considerar como serviço público? Tal premissa, como

informado, se faz fundamental para à cobrança de taxa ou preço público. Seria o serviço público

serviço prestado pelo Estado ou serviço prestado no interesse do Estado (que em última instância

representa o interesse da própria coletividade)?

Vale dizer que quando afirmamos ser pressuposto para a cobrança da taxa ou preço

público a prestação de serviço público, não podemos esquecer que a recíproca não é verdadeira a

partir da divisão do sérvio público em serviço uti singuli et uti universi.

O serviço público a ser remunerado mediante taxa ou preço público deverá ser apenas

aquele onde seja possível, de plano, individualizar o seu destinatário ou beneficiário e,

conjuntamente, aferir ou dimensionar a prestação em questão (uti singuli). Os serviço públicos,

não dimensionáveis ou individualizáveis, deverão ser remunerados por tributos, desta feita

através dos conhecidos não vinculados, qual sejam os impostos (uti universi).

Parece-nos razoavelmente pacífico que o discutido serviço público não exige,

necessariamente, em sua estruturação que seja prestado diretamente pelo Estado, mas

precisamente pela conhecida administração pública direta. Tal entendimento prevalece

especialmente na medida em que o Estado se retira, pelo menos diretamente, de atividades antes

prestadas diretamente pelos órgãos da administração direta e, muitas vezes indireta, transferindo

ou delegando o munus

Dinará Grotti (2003, p.87), em monografia sobre serviço público, afirma, com especial

convicção:

8 Artigo 236/CF “Os serviços notarias e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público”.

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Cada povo diz o que é serviço público em seu sistema jurídico.a qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano da concepção do Estado sobre o seu papel. É o plano da concepção do Estado sobre o seu papel. È o plano de escolha política, que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos costumes vigentes em um dado tempo histórico.

O STF, no RE nº 89.876, relatado pelo Ministro Moreira Alves, inclusive, já se

pronunciou sobre as categorias de serviço público, verbis;

Serviços públicos propriamente estatais, em cuja prestação o Estado atue no exercício de sua soberania, visualizada esta sob o ponto de vista interno e externo: esses serviços são indelegáveis, porque somente o Estado pode prestá-lo. São remunerados, por isso, mesmo mediante taxa, mas o particular pode, de regra, optar por sua utilização ou não.Esses serviços, não custa repetir, por sua natureza, são remunerados mediante taxa e a sua cobrança somente ocorrerá em razão da utilização do serviço, não sendo possível a cobrança pela mera potencialidade de sua utilização. Serviços públicos essenciais ao interesse público: são serviços prestados no interesse da comunidade.São remunerados mediante taxa.E porque são essenciais ao interesse público, porque essenciais à comunidade ou à coletividade, a taxa incidirá sobre a utilização efetiva ou potencial do serviço. É necessário que a lei – para cuja edição será observado o princípio da razoabilidade estabeleça a cobrança sobre a prestação potencial, ou admita essa cobrança por razão de interesse público. Serviços públicos não essenciais: se não utilizados, disso não resulta dano ou prejuízo para a comunidade ou para o interesse público.Esses serviços são, de regra, delegáveis, vale dizer, podem ser concedidos e podem ser remunerados mediante preço público.

1.2 Taxa de polícia. Da noção de poder de polícia

A rigor as denominadas taxas de polícia não têm como fundamento os serviços

públicos, considerado o seu fato gerador a fiscalização e respectiva vinculação de pagamento,

regular ou não, da atividade privada e pública, em conformação às normas de regências

positivadas, no interesse da coletividade9.

9Código Tributário Nacional. Artigo 78, Caput: Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinado direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes., à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividade econômica, dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos (BRASIL, 2012).

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Uma vez que a fiscalização do Poder Público sobre as atividades de interesse social não

é serviço público10, pelo menos prestado em benefício ao destinatário da norma de imposição de

pagamento da taxa de polícia (considerando serviço pro societate), não se pode, neste sentido,

aceitar a possibilidade de pagamento em razão do exercício do Poder de Polícia, por opção ou

imposição, de preço público; restando a remuneração do exercício do Poder de Polícia apenas às

indigitadas taxas.

Interessante a opção do legislador constituinte ao adotar, conforme doutrina majoritária,

duas hipóteses de taxas sendo que cada qual guardaria peculiaridades dando-lhes roupagem e

identidade singular a despeito de qualificarem-se como tributos vinculados a uma ação ou

potencial ação do Estado.

Ao contrário das denominadas taxas de serviço, onde a bilateralidade é imanente e

integra, como verdadeiro ratio legis, sua estrutura. Ou seja, o sujeito passivo se beneficia ou

poderá se beneficiar, diretamente, da prestação do Estado, na taxa de polícia o desiderato é outro.

Sabe-se, sobretudo a partir da leitura e interpretação do artigo 78 do Código Tributário

Nacional, que o poder de polícia se revela na medida em que a administração pública defende o

interesse público ao restringir, respaldado pela legislação aplicável, o exercício do interesse

privado que, não raras vezes, revelam-se divergentes. Nesta toada afere-se que o destinatário

eventual da fiscalização do Estado – concreção do poder de polícia -, considerado sujeito passivo

da obrigação tributária, poderá, após ser fiscalizado, ser objeto constatação de ilícito

administrativo, tendo, para sua infelicidade, pago a atividade estatal executora.

Em outras palavras, paga-se taxa de polícia para ser fiscalizado. Trata-se, ainda, de

tributo ressarcitório de custo estatal neste mister; entretanto o ressarcimento do custo da atividade

estatal fiscalizatória se faria, não pelo benefício direito propiciado ao sujeito passivo fiscalizado,

mas pelo ônus pelo mesmo causado ao exercer atividade qualquer privada (e, eventualmente,

pública) cujo resultado material, social, ambiental e quejandos, interessaria a sociedade civil.

10 Não é este o entendimento de Sacham Calmo Navarro Coelho: “Serviço Público, baseado no Poder de polícia ou fundado em atividade outra do Estado (fornecimento de esgoto sanitário ou de água), só pode dar origem à cobrança de uma taxa se puder ser traduzido em unidades de medida (ainda que a forfait) e atribuído ao sujeito passivo. Noutras palavras, o fato jurígeno das taxas é uma atuação do Estado relativa á pessoa do obrigado, que a frui, por isso mesmo, em caráter pessoal, aí residindo o sinalagma,. O fato jurígeno é receber o contribuinte, do Estado, uma prestação estatal sob a forma de serviço. `única valia da distinção entre taxas de polícia e taxas de serviço (estrito senso) está em tirar suporte para a cobrança de “taxa de polícia” em caráter potencial. O ato de poder de polícia existe ou não........omissis.....” (COELHO, 2004, p. 640).

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Note-se que a taxa de polícia, a despeito de ter como fundamento o pagamento do custo

estatal de fiscalização, tem nítido caráter pedagógico na medida em que o sujeito passivo saberá,

inquestionavelmente, que poderá ser fiscalizado na atividade motivadora daquele tributo. Causa,

muitas vezes, surpresa discussões na esfera judicial onde o sujeito passivo da taxa de polícia se

insurge contra sua cobrança alegando não estar sendo fiscalizado.

Não se pode negar, pela própria natureza de seu objeto e de sua origem, que a taxa de

polícia poderia, de forma genérica, ser considerada uma faceta de serviço público. Tal fato se dá

em razão de ter como escopo, em seu exercício, limitar ou mesmo cercear a atividade,

normalmente privada, contrária ao interesse público. Se o poder de polícia, mesmo que na

condição de poder intimidador estatal, restringe ou mesmo dificulta atividade contrária à

coletividade, é, em última instância, um serviço público.

A primeira vista, por se tratar de atividade estatal (fiscalização) que deveria ocorrer

mesmo que não houvesse pagamento qualquer de taxa, já que voltada para a preservação de

valores e interesses públicos, poderíamos admitir que este serviço público, em sentido amplo

como definido, poderia ser sustentado pelas receitas gerais obtidas na arrecadação de impostos.

Este entendimento parte não só da especificidade de ser a fiscalização uma atividade

estatal voltada para o interesse geral da sociedade e não interesse individual de quem paga o

tributo (apenas de forma reflexa haveria este interesse) mas, também, pelo fato que a

divisibilidade e especificidade da taxa condiz, com perfeição, a denominada taxa de serviço. A

taxa de policia, por suas características, pode, inclusive, na medida em que a atividade privada

não é vedada, mas causa impacto negativo no interesse geral, ter caráter extrafiscal e assumir

valores que sejam mesmo discrepantes ao custo estatal de fiscalização.

No entanto, dando azo a doutrina abundante sobre a matéria, entendeu-se , a partir da

literalidade do texto constitucional, dar identidade e qualificação de taxa ao tributo cobrado para

que a administração pública possa ter sustentação econômica para fiscalizar. Parte-se, então, da

vinculação do que o Estado faz (exercício do poder de polícia) e o destinatário desta fiscalização

(atividade ou interesse individual, personificado ou não) para conceber-lhe natureza típica de

taxa.

A rigor, o que causa maior desagregação entre as figuras da taxa de serviço

(beneficiando diretamente quem paga) e taxa de polícia (beneficiando apenas indiretamente quem

paga, a despeito de ser identificável para efeito de eleição da sujeição passiva dada a revelação da

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atividade fiscalizável) é que na taxa de serviço, quem paga, o faz por ação estatal em seu favor,

ao contrário da taxa de polícia, cujo pagamento se sustenta não em favor de quem paga, mas sim

da coletividade (como nos impostos), podendo, até mesmo, ter consequências contrárias ao

interesse do fiscalizado (como no caso de aplicação de um penalidade administrativa). Seguindo

este raciocínio a contribuição de melhoria se aproximaria mais da taxa de serviço (ambas pagas

por conta de benefício propiciado pelo Estado ao sujeito passivo) desta da taxa de polícia.

Uma das características marcantes da taxa de polícia é justamente a ausência de

contrapartida, associada ou ligada a quem lhe paga, de qualquer benefício como se constata na

taxa de serviço, sobretudo aquela que identificamos como sendo taxa de serviço efetivo.

Se a taxa de polícia é cobrada por conta de possível, provável e potencial fiscalização

dirigida ou destinada àquele que paga, já que exerce atividade (privada ou pública) que interessa

ou causa repercussão ao interesse público, a sua estruturação teórica e conceitual deverá sofrer,

necessariamente, adequações considerando as nuances de seu fundamento.

Tal premissa estará, assim, indissociavelmente, relacionado com seu aspecto material e,

aí, por consequência, à sua base imponível ou conhecida base de cálculo.

1.3 Critérios usuais de distinção da base de cálculo das taxas e dos impostos

1.3.1 Base de cálculo e os tributos

Para efeito de compreensão sistemática de nossa exposição devemos apresentar o

conceito de base de cálculo.

Base, num sentido lato e abrangente, é tudo que dá sustentação ou alicerce a qualquer

fundamento, teórico ou prático, a uma exposição, ação ou conclusão. Quando iniciamos uma

narrativa partimos de uma base conhecimento ou informações. Já quando iniciamos uma ação,

partimos de preparativos ou instrumentos que nos permitam dar-lhe andamento. Já, na conclusão,

se não houver base de sustentação será irremediavelmente vazia. Não dirá, absolutamente, nada.

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Neste sentido, quando tratamos de base de cálculo, sabemos que o vocábulo cálculo nos

remete, na hipótese de se buscar um resultado numérico ou matemático, a um resultado onde se

utilizou procedimentos, mais ou menos complexos, com uma ou mais etapas, cujo substrato

material exigirá um antecedente. Se o cálculo é, como no caso de se buscar a quantificação do

tributo a pagar, de ordem financeira, sua base, estruturalmente, nos levará à um referencial

expresso em dinheiro.

Para calcular um tributo, se fará necessário um ponto de partida. A largada para o

cálculo do tributo se finca em sua natureza jurídica ou aspecto material. A base de quantificação

de um tributo (cálculo) servirá para identificar sua natureza jurídica (tributo vinculado ou não a

uma ação estatal), permitindo, ao analisar sua materialização, concluir ser uma taxa ou imposto.

A importância da base de cálculo, na seara tributária, é tanta que o se este pressuposto

presente se fará impossível a exigência do crédito tributário (tributo lançado).

O próprio Código Tributário Nacional, na condição de lei complementar, tratando de

normas gerais de direito tributário, exige, quando trata da tipicidade tributária ou mesmo do ato

ou procedimento de lançamento, atenção e menção expressa ao cálculo do tributo calcado, por

necessidade, em uma base de cálculo.11

A rigor, tratando-se do tributo de uma prestação pecuniária, o valor a pagar deverá ser

informado, sem embargo dos tributos lançados por homologação onde o próprio sujeito passivo

quantifica o valor a pagar, ao destinatário da exação. Esta expressão monetária exigida,

compulsoriamente, ao sujeito passivo só poderá ser revelada, com precisão e segurança,

considerando os elementos, contidos em lei, que delimitam a respectiva base de cálculo do tributo

a pagar.

Neste sentido os ensinamentos de Geraldo Ataliba (1995, p.101) que também utiliza a

expressão base imponível quando trata da base de cálculo:

Efetivamente, em direito tributário, a importância da base imponível é nuclear, já que a obrigação tributária tem por objeto sempre o pagamento de uma soma de dinheiro, que somente pode ser fixada em referência a uma grandeza prevista em lei e ínsita no fato imponível, ou dela decorrentes ou com ela relacionada. A própria classificação geral de tributos em espécie em espécie e destas em subespécies depende visceralmente deste tão importante aspecto da h.i.

11 Código Tributário Nacional. Artigo 97 e 142. (BRASIL, 2012).

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A base de cálculo representa, em outras palavras, a alma do fato gerador do tributo. Por

isso, o Código Tributário Nacional, recepcionado como lei complementar pelo texto

constitucional vigente, erigido como diploma disciplinador das normas gerais de direito

tributário, ao tratar do princípio da tipicidade tributária, estabelece a exigência da previsão em lei

da base de cálculo dos tributos.12

Neste diapasão, falar em tributo é falar de base de cálculo. Todo tributo tem base de

cálculo, considerando-se justamente o ponto de partida para delimitá-lo e, a partir daí, com

segurança e precisão, tanto para o sujeito passivo quanto para o ativo, a relação jurídica tributária

seja instaurada, desenvolvida e exaurida em sua plenitude e potencialidade.

1.3.2 Base de cálculo dos impostos

Uma vez sabedores que a base de cálculo de um tributo é o indicativo indispensável para

aferição não só de seu fato gerador como, na sequência, o próprio valor do tributo a recolher,

vejamos como, então, extrair da denominada espécie tributária imposto, o referencial essencial de

sua base de cálculo.

Ao contrário das taxas ou mesmo da contribuição de melhoria, cuja natureza jurídica

como espécie tributária é inegável e, também, por serem classificadas como tributos de

competência comum13 dos entes federados, os impostos são enumerados taxativamente14

(numerus clausus) e o exercício de sua competência está rigidamente definido conforme plano de

partilhas constitucionalmente previsto.

12 Código Tributário Nacional. Artigo 97. Somente a lei pode estabelecer: Inciso IV. A fixação da alíquota do tribute e da sua base de cálculo, ….omisssi…(BRASIL, 2012). 13 Muito embora sejam de competência comum, a eventual instituição de contribuição de melhoria dependerá de valorização imobiliária privada causada por obra pública. Neste sentido somente o ente federado responsável, direta ou indiretamente, pela referida obra terá competência legislativa tributária co-respectiva por sua instituição. No mesmo contexto podemos conduzir as taxas (seja qual for a modalidade em discussão). Hipotética instituição de taxa dependerá, como precedente, de competência administrativo-material, outorgada pela Constituição ao ente federado a, por exemplo, prestar serviço ou exercer poder de polícia. 14 Sem embargo do rol de impostos ser taxativo no texto constitucional não podemos olvidar a possibilidade – ainda não exercida sob a égide do texto constitucional de 1988 – de exercício, privativo pela União Federal, da conhecida competência residual e a extraordinária conforme prevê o artigo 154 e incisos daquele texto.

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A União Federal, a teor do artigo 153, da CF, poderia instituir impostos sobre

importação, exportação, renda, operações financeiras, propriedade imobiliária rural, produtos

industrializados e, finalmente, grandes fortunas.

Por sua vez o Estado Membro, conjuntamente com o Distrito Federal, a teor do artigo

155, da CF, poderia instituir imposto sobre transmissão, mobiliária ou imobiliária, causa mortis e

doação, propriedade de veículo automotor e, finalmente, circulação mobiliária e certos serviços

como de comunicação e transportes.

Derradeiramente os Municípios, a teor do artigo 156, da CF, poderiam instituir

impostos sobre transmissão imobiliária, por ato oneroso; serviços, conforme hipóteses

previstas em lei complementar e, finalmente, sobre propriedade imobiliária urbana.

Percebe-se que, sem embargo da divisão e classificação feitas pelo Código Tributário

Nacional, os impostos previstos tem, genericamente, como estrutura econômica a renda (IR ou

IOF), consumo, através da transmissão mobiliária por ato oneroso (ICMS,IPI, II E IE) ou mesmo

prestação se de serviço (ICMS ou ISS), transmissão imobiliária, por ato oneroso ou gratuito

(ITCD ou ITBI) e o patrimônio (IPTU, ITR, IGF e IPVA).

Em suma todos os impostos descritos perpassam uma demonstração, mínima que seja de

capacidade econômica ou contributiva, independente de qualquer ato ou ação do Estado em favor

ou em relação ao respectivo sujeito passivo da obrigação tributária. Tem-se em mira símbolos

que denotam aptidão para pagar tributo. No caso pagar impostos. Quem tem renda (sem embargo

neste caso e nos demais de eventuais imunidades ou isenções em razão de condição

socioeconômica), consome ou tem patrimônio, revela, aos olhos do Estado tributante condição de

pagar tributo.

Em outras palavras, quando identificamos determinado imposto, aferimos condição ou

capacidade de contribuir ou dispor de dinheiro ao Estado sem que qualquer ação ou

procedimento, em benefício direto ou indireto, possa ser direcionada ao respectivo sujeito

passivo. O que quer, efetivamente, é aferir a dimensão econ6omica do sujeito passivo e, assim,

estabelecer um parâmetro de cobrança tributária.15

15 Neste sentido, o artigo 145, parágrafo primeiro, do texto constitucional dispõe que sempre que possível os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Extrai-se, deste texto, a concepção de que a graduação econômica, para efeito de graduação de cobrança tributária, só seria possível nas hipóteses de impostos justamente por suas características. Não se pode olvida, ao mesmo tempo, que há autores quem entendam plenamente aplicável as taxas este conhecido princípio da capacidade contributiva.

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A título de ilustração, indica-se a base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Rural

(IPTU), tendo como base de cálculo o valor venal do imóvel; a base de cálculo do imposto sobre

transmissão imobiliária, sob qualquer vertente (ITCD ou ITBI), cuja base de cálculo é o valor

venal dos bens ou direitos transmitidos bem como a base de cálculo do imposto de renda (IR),

cuja base de cálculo é a disponibilidade econômica ou jurídica.16

1.3.3 Base de cálculo nas taxas

Compulsando a doutrina ou mesmo a jurisprudência correlata nos parece haver um

relativo senso comum quanto à dosimetria, aferição ou dimensão da base de cálculo das taxas.

Tratando-se de um tributo tido como vinculação à uma ação estatal, seja ela prestacional

(no caso daquelas de serviço), sejas, simplesmente uma atividade administrativa fiscalizatória

(exercício do poder de polícia), tendo-se em vista ter. num caso ou no outro, caráter

compensatório, ressarcitório ou meramente indenizatório, o fundamento para a quantificação do

valor a pagar, pelo sujeito passivo elencado na lei instituidora, deverá, inapelavelmente,

perpassar, o denominado “custo” da atividade estatal.

Neste sentido ensina Carraza;

Portanto, a taxa de serviço deve ter por base de cálculo o custo ainda que aproximado, do serviço público prestado ou posto à disposição do contribuinte. Do mesmo modo, a lei que instituir a taxa de polícia deverá tomar por base de cálculo do tributo “um critério proporcional às diligências condicionadoras dos atos de polícia, já que estes nenhum conteúdo econômico possuem. Logo, a base de cálculo da taxa de polícia deve levar em conta o custo das diligências necessárias à prática do ato de polícia. Esta é a sua base de cálculo possível, constitucionalmente exigida. (CARRAZA, 1993, p.282).

Partindo desta definição da base de cálculo, conhecido e repetido quase sempre pelos

doutrinadores, não haveria qualquer espaço ou oportunidade de apresentar uma nova perspectiva

sobre a questão, já sedimentado estaria sua delimitação teórica. Entretanto, acreditamos, em face

da realidade social, política e econômica nacional conjugada com as inúmeras taxas existentes do

direito positivo, não importando em qual esfera político-federativa e, finalmente, com a

16 Código Tributário Nacional. Artigos 33, 38 e 43. (BRASIL, 2012).

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jurisprudência sobre a matéria, este conceito, objetivo e claro, não resiste mais a críticas mais

aprofundadas.

Interessante notar que mesmo a doutrina, tradicional e arraigada de previsibilidade

teórica, partindo do princípio que a medida de valor monetário da taxa (prestação pecuniária)

equivaleria ou corresponderia ao dispêndio estatal, apresenta controvérsias quanta à existência de

base de cálculo ou mesmo alíquota para as taxas.

Geraldo Ataliba (1995, p.101) defendeu que, para algumas taxas, não haveria alíquota:

As taxas nem sempre tem alíquotas. Na verdade, não se trata de “atribuição ao estado pela lei, de parcela de riqueza alguma”. Esta explicação não é aplicável às taxas, cujo princípio informativo é totalmente diverso: decorre da Constituição, em seu art. 145, inc. II, que o princípio regente da taxa é a remuneração.

Por sua vez Hugo de Brito Machado defende que apenas, excepcionalmente, haveria

base de cálculo ou alíquota para as taxas, chegando a afirmar hipóteses de taxas onde haja a

aplicação apenas de alíquotas:

As taxas geralmente são estabelecidas em quantias prefixadas. Não se há de falar, nestes casos, de base de cálculo, nem de alíquota. Mas pode ocorrer que o legislador prefira indicar uma base de cálculo e uma alíquota. Pode ainda ocorrer que a determinação do valor da taxa seja feita em função de elementos como, por exemplo, a área do imóvel, como acontece com a taxa de licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial. Nestes casos, é possível dizer-se que o cálculo é feito mediante aplicação de alíquota específica. (MACHADO, 1998, p.329).

Percebe-se, apenas a título de ilustração, que luminares do direito tributário brasileiro

não se acertam quanto à existência, necessária, de alíquota e base de cálculo para as taxas.

No entendimento, a reboque da doutrina prevalente, é no sentido da existência,

indispensável e estrutural, tanto de um quanto do outro elemento na composição e integração

econômico-material para desaguar no tributo a pagar.

Sabedores que, dentro da classificação dada aos tributos, nos deparamos com aqueles

tidos como tributos variáveis, tendo como regra os impostos que exigem em sua quantificação

composição da base de cálculo (referência de capacidade contributiva, como renda, consumo ou

patrimônio) com a alíquota (via de regra percentual). A alíquota, enquanto percentual, será quase

sempre fixa- com exceção nos impostos progressivos – no entanto, aplicada a uma base de

cálculo mutante, crescendo ou decrescendo, haverá variação ou alteração no tributo a pagar.

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Denominar-se, também, este fenômeno de proporcionalidade conforme seja a dinâmica da base

de cálculo correspondente. Se o valor do imóvel é maior, maior será a base de cálculo, maior

será, portanto, o tributo a pagar. Tal raciocínio valeria, feitas as devidas adequações, para o valor

da renda (IR ou das operações industriais ou comerciais (IPI e ICMS).

Já os tributos fixos, tendo a doutrina nos exemplificado tais hipóteses, sobretudo quando

nos deparamos com as taxas, são tributos que são tabelados ou cujos valores são, sem qualquer

mudança numérica, são correspondentes a determinado ato ou fato. Esta descrição se adéqua

perfeitamente a várias hipóteses de taxa onde o valor a pagar corresponde, de forma direta, a

serviço a prestado ou disponível. Mas devemos atentar para outras inúmeras hipóteses onde a

taxa terá uma faceta que demonstrará efetiva e nítida variabilidade. Tal constatação se dará na

medida em que a dinâmica do serviço prestado ou mesmo o poder de polícia efetuado se mostre

em maior volume ou frequência. Assim sendo o valor da taxa poderá ser fixo ou variável ficando

a mercê das contingências de sua configuração jurídica.

Diante do quadro exposto, constatada a existência de tributos variáveis (impostos17 ou

taxas) e fixos (taxas), entendemos, no caso das taxas, sempre ocorrer a base de cálculo e alíquota.

Isto se dá pela necessidade intransponível de quantificar o valor a pagar a partir de elementos,

definidos e esclarecidos pela doutrina, assecuratórios de efetivo valor a pagar nos moldes da lei

tributária instituidora da taxa.

Vejamos, no caso da hipótese de taxa fixa. Os emolumentos cartoriais são um exemplo

clássico disso. O STF, há muito entendeu por sua natureza de taxa. Para dada ato do tabelião ou

oficial de registro, pagar-se-á um valor respectivo informado expressamente em uma tabela

criada, por lei, para isto. Se for o reconhecimento de firma, pagar-se-á x reais; se for autenticação

de documento, pagar-se-á x reais; e assim por diante. Qual seria, então, a base de cálculo e

alíquota nestes casos? Será apenas uma questão de correspondência entre o serviço e o valor

cobrado pelo mesmo. Se o serviço é reconhecer firma, considerando ser este o fato gerador da

taxa de serviço e o seu aspecto dimensível se espelhar nesta materialidade, a base de cálculo será

justamente este ponto de partida: o reconhecimento de firma. No entanto, apenas isolar e

identificar a base de cálculo não seria suficiente para os objetivos almejados. Teríamos, então,

que buscar uma alíquota. Esta alíquota seria um valor, certo e determinado, previsto na respectiva

17 Não podemos olvidar que mesmo das hipóteses dos impostos, normalmente variáveis, sendo proporcionais e, eventualmente, progressivos, nos deparamos com a figura do ISS/QN fixo onde haverá uma tabela de valores a pagar conforme, por exemplo, sejam o número de profissionais de uma sociedade que preste serviços.

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tabela de emolumentos, correspondente ao serviço prestado (reconhecimento de firma). Em

resumo, para cada serviço cartorial um valor associado em reais. O serviço hipotético faria as

vezes de base de cálculo e o valor correspondente em reais faria as vezes de alíquota.

Já no caso das taxas tidas como variáveis, por se mostrarem proporcionais ao volume,

densidade, dificuldade, frequência, interesse administrativo ou social ou até mesmo por exercer

papel, que não é natural, mas não é proibitivo, de extrafiscalidade, poderíamos elencar hipóteses

mais voltadas à taxa de polícia.

Na taxa de serviço, onde a fixação ou tabelamento de valores tem recepção natural por

sua natureza, ou seja; para cada serviço x pago Y, a variabilidade não teria tanta pertinência como

na taxa de polícia. A taxa de polícia é paga para sustentar um aparato fiscalizatório. Isto não se

nega. No entanto, muitas vezes, a fixação em valores fixos desta taxa é contraproducente. Poder-

se-ia pagar X reais por um alvará de localização ou por uma vistoria veicular, mas como

estabelecer, via pauta de valores, um engessamento de valores de taxa a pagar quando a

sustentação da fiscalização se voltará para atividades de enorme impacto ambiental, social e

econômico. Nestes casos valores fixos são impróprios. Deverá haver necessariamente

mutabilidade quantitativa da taxa de polícia conforme seja maior ou menor o campo ou atividade

fiscalizada. A aferição – variável – da taxa exigiria, outrossim, base de cálculo e alíquota. A base

de cálculo não seria erigida conforme número de vezes ou freqüência fiscalizatória da

administração pública, ao exercer seu poder de polícia. Tal raciocínio se dá, sobretudo pelos

nuances da atividade administrativa que depende não só do comportamento dos servidores

públicos, mas também de dificuldades sazonais das mais variadas na realização de seu trabalho.

Não se pode conceber, no âmbito do exercício – regular ou não – do poder de polícia,

estabelecer-se, em todo universo fiscalizável tabelamento de valores. Por isso, a dinâmica da

variabilidade.

E quais seria, de fato, os critérios informadores da base de cálculo e alíquota nas

hipóteses de taxas variáveis? Aí teríamos uma dificuldade, aparentemente, instransponível, para

assentar a questão. Trataremos disto, com mais cuidado, em outro momento. Mas, para efeito de

ilustração, poderíamos, a partir do entendimento do STF, sumulado, afirmar que elegeríamos um

componente ou elemento da composição ampla de possível fato gerador de imposto, para firmar

ou determinar o valor a pagar. Não haveria alternativas para sustentar a variabilidade das taxas.

Porquanto haja movimento de consumo, faturamento, renda ou mesmo porquanto haja maior

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propriedade ou serviço privado prestado, haverá uma associação com valor de taxa a pagar

(proporcional). O volume de circulação de bens poderia ser considerado, em uma empresa

qualquer objeto de dada fiscalização (poder de polícia) a base de cálculo que, na sequência,

corresponderia, a um valor em dinheiro (alíquota). Quanto maior o volume (base de cálculo),

maior a alíquota (ou número de alíquotas). Esta questão pode ser das mais tormentosas dadas à

proximidade desta equação da quantificação da taxa a pagar – mormente a identificação da base

de cálculo – com a sistemática correntemente utilizada para os impostos onde, todos sabemos,

por expressa vedação constitucional, não pode haver estrita correspondência.

Por todo exposto, ratificamos o entendimento que para todo tributo, vinculado ou não

vinculado, variável ou fixo, haverá sempre base de cálculo e alíquota.

1.3.4 Possíveis limites da base de cálculo das taxas

Verificam-se várias controvérsias, mormente na jurisprudência, quando se discute a base

de cálculo das taxas. Estas aporias teriam mais campo na jurisprudência por conta da doutrina –

formada, sobretudo, por aqueles que pretendem, com todo o direito, vender seus serviços a

potenciais clientes – direcionada, exclusivamente, a firmar o entendimento de que as taxas,

quando da formação de sua base de cálculo, teriam como pressuposto, única e exclusivamente, o

que se denomina, o custo estatal.

Neste sentido Humberto Ávila (2012, p.44) quando predica os requisitos determinantes

da formação da base de cálculo das taxas:

a) Critério da equivalência: o valor da taxa deve manter uma relação proporcional com a atuação estatal, no sentido de que a atuação estatal aumente na mesma proporção do aumento do elemento legal indicativo da atuação estatal; b) Critério da cobertura geral de custos: as receitas totais auferidas pelo Estado, em cada período, pela cobrança da taxa não podem ultrapassar os custos totais decorrentes da atividade administrativa vinculada à taxa.

Na mesma trilha nos fala Geraldo Ataliba (1995, p.133):

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Efetivamente, se a h.i. da taxa é só uma atuação estatal, referida a alguém, sua base imponível é uma dimensão qualquer da própria atividade do estado: custo, valor ou outra grandeza qualquer (da própria atividade).

No entanto, esta questão não nos parece tão pacífica e tranquila assim, A primeira vista,

por se tratar de tributo vinculado a uma prestação estatal, no caso considerando a taxa de serviço,

imaginar-se-ia que o valor da taxa tem que ser condizente – o chamado custo estatal – com o

efetivo ou, digamos, aproximado, custo estatal para prestar o serviço ou coloca-lo ou mantê-lo

disponível.

Afirmar-se, pura e simplesmente, que o custo da taxa (base de cálculo) equivale ao custo

da atividade estatal é desprender-se da realidade sócio-econômica. Imaginar que, cumprindo o

princípio da estrita legalidade, seja pelo comando do artigo 150, inciso I, do texto constitucional,

seja pela dicção do artigo 97, inciso IV, do CTN, que o legislador ordinário, ao elaborar,

propor, discutir e, finalmente, aprovar uma lei que institua uma taxa de serviço, o faço

considerando, milimetricamente ou matematicamente, equivalência, ponto a ponto, dos gastos

estatais para prestar serviço público ou colocá-los a disposição e o que será lançado e cobrado de

seu sujeito passivo, é ignorar a realidade do processo legislativo nacional, é ignorar o contexto

político da eventual criação de uma taxa ou mesmo ignorar que tal fórmula de equivalência

financeira se mostra absolutamente irreal.

Por isso, alguns autores já comungam o entendimento, encampado pelo Supremo

Tribunal Federal (STF), no sentido de albergar-se, quando da composição pecuniária valorativa

da base de cálculo das taxas, critérios como razoabilidade de sua final quantificação.

Isto ocorre por uma série de razões. Dentre elas a impossibilidade concreta de

equivalência entre o que se cobra a título de taxa, sobretudo a de serviço, e a dimensão global e

integral do denominado custo do serviço. A dinâmica e sistemática de custo envolvidos na

composição de uma taxa de serviço (ou de polícia) é por demais complexa e intrincada a permitir

esta decantada equivalência, nem que seja por aproximação. Com raras exceções como na

hipótese dos serviços cartoriais, pago por emolumentos cuja natureza jurídica o STF já

consagrou como sendo de taxa, prestados por trabalhadores vinculados a Consolidação da

Legislação Trabalhista (CLT), o serviço público, ensejador da taxa de serviço, é prestado por

servidores públicos, vinculados ao Regime Estatutário. As vicissitudes de sua remuneração é uma

constante alternação de perdas e ganhos, muitas vezes motivada por injunções de ordem política

ou mesmo determinada por movimentos grevistas. Se, na composição do preço das taxas de

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serviço, necessariamente, tem-se que levar em consideração a remuneração do servidor público

que presta este serviço, como, então, poderá o legislador equacionar e determinar esta variável

para uma continuidade de tempo mínima a dispensar alteração legislativa periódica a suscitar,

inclusive, insegurança jurídica?

Por sua vez, considerando os gastos materiais (insumos, móveis, instalações, veículos

automotores, transporte, uniformes, informática, etc.) associados ao serviço público prestado.

Como dimensioná-los? A partir do resultado de licitação (seja sob qualquer modalidade) que

poderá tomar tempo e ser questionada judicialmente? Os valores, neste quesito material, a serem

estipulados na composição da taxa de serviço devem ser fruto de licitação realizada e finalizada,

precedente ao processo legislativo ou em sua sequência. Se for precedente, como talvez entendam

alguns, havendo quebra de contrato, por parte de eventuais vencedores, ou necessidade de nova

licitação, os valores adrede estabelecidos seriam questionados. Se, então, se dispensasse a

licitação, por sua morosidade e complexidade, pudéssemos trabalhar com preços cotados no

mercado associados ao preço de bens já incorporados, após finda respectiva licitação, ao

patrimônio público, também vislumbraríamos possíveis e variados problemas.

Bens públicos, adquiridos por licitação, devem ser utilizados para os fins propostos pelo

respectivo edital de licitação. Não podem, pelo menos em princípio, ser desvirtuados e alocados

para outros fins, mesmo que para mero efeito de composição da base de cálculo da taxa de

serviço. O mesmo raciocínio valeria para a busca de cotação de preços no mercado. Seria uma

situação inusitada um parlamentar, por ocasião da votação de dada taxa de serviço, apresentar, no

plenário da casa legislativa, aos seus pares, cotação de preços de bens, a serem pretensamente

utilizados quando da prestação de serviço público, suscetível até mesmo de ser obtido através de

consulta na internet, via Google. Em que mundo viveríamos? Deixando de lado a licitação e

dando azo a cotação virtual para efeito da composição, no aspecto da materialidade de gastos, da

base de cálculo das taxas.

Fazendo eco, de forma mais abreviada, a este sentimento, afirma Ives Gandra:

A doutrina define que o custo do serviço deve ser aquele que determina o valor da taxa. Mas também certo e incontestável que sua definição matemática de custo do exercício do poder de polícia em relação à arrecadação da taxa correspondente só pode ser aproximado em face de ser rigorosamente impossível, em qualquer taxa para tais fins, a correspondência rigorosa, até o último centavo, entre o custo operacional do serviço e o nível da arrecadação. Variável esta é variável aquela, pelos próprios impactos orçamentários correspondentes a inúmeros fatores, inclusive os impactos judiciais de

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decisões que podem alterar o nível de vencimentos de servidores, como, muitas vezes, tem ocorrido. (MARTINS, 2012, p.129).

Não defendemos, aqui, o entendimento de que, na eventual deliberação legislativa quanto

à composição da base de cálculo das taxas, ocorra liberdade total e discricionariedade absoluta ao

legislador. Este pressuposto seria extremamente temerário. Mas, considerando, a interpretação

jurisprudencial, sumulada pelo STF, podemos tirar algumas conclusões:

Súmula vinculante 19. A taxa cobrada exclusivamente em razão dos serviços públicos de coleta, remoção e tratamento ou destinação de lixo ou resíduos provenientes de imóveis, não viola o artigo 145, II, da Constituição Federal. Súmula vinculante 29. É constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra.

Sabedores que na medida em que o texto constitucional, taxativamente e expressamente,

veda o uso da mesma base de cálculo dos impostos para as taxas, conclui-se, por silogismo, que

deve apresentar base de cálculo distintas.

No entanto, não podendo, por sua irracionalidade material e real, defender-se a tese que

o custo estatal é o correspondente da base de cálculo das taxas, devemos buscar alternativas nesta

difícil equação. Não poderá a base de cálculo das taxas se servir dos pressupostos da base de

cálculo dos impostos. Ou seja fato ou atos do sujeito passivo (renda, patrimônio ou consumo)

totalmente dissonantes da atividade que se pretenda fundamentar a cobrança da taxa. A título de

ilustração, não poderei referenciar a cobrança da taxa de lixo calcado na renda do sujeito passivo.

Não poderei, por sua vez, fundamentar, como base de cálculo das taxas, sobretudo se forem de

potencial serviço ou fiscalização, valor milimetricamente estipulado como sendo o suposto

dispêndio do Estado (ou quem quer que o substitua neste mister) nesta atividade.

O desafio, portanto, seria buscar um possível ponto de equilíbrio, na quantificação da

base de cálculo das taxas, entre a simbologia de riqueza ou capacidade de contribuir associada aos

impostos e a correspondência estrita do que se gasta e do que se faz na sistemática das taxas.

Tarefas das mais complexas. Mas que não poderá como é, continuar ser relegada ou

desprezada sob pena de continuarmos sendo hipócritas nesta matéria. A doutrina afirmando que a

base de cálculo é o custo estatal e o Judiciário, buscando alternativas de razoabilidade e

praticidade, criando soluções pretorianas como a citada Súmula 29.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sabe-se que no Brasil pratica-se tributação sob inúmeras formas, facetas ou

denominações.

Para diferenciar as possíveis espécies tributárias, a doutrina juntamente com a

jurisprudência criou classificações quanto às possíveis espécies tributárias.

No entanto, considerando teoria clássica e assentada na doutrina tributária brasileira,

constata-se entendimento quanto a existência de tributos vinculados ou não vinculados à uma

prestação ou ação estatal. Neste ponto, portanto, poderíamos afirmar duas distintas interpretações

sobre esta teoria. A primeira, predominante, seria no sentido de existir os tributos não vinculados

(enquanto impostos) e os vinculados (taxas e contribuição de melhoria). Em seguida, teríamos a

teoria dicotômica, no sentido de termos com tributos não vinculados (os impostos) e vinculados

(taxas, abrangendo nesta espécie a contribuição de melhoria); teoria a qual comungamos.

Considerando apenas os impostos e taxas, concomitante com a previsão constitucional

de que uma espécie não pode ter a mesma base de cálculo da outra, faz-se indispensável

distinguir cada qual. Entretanto, a doutrina se revela previsível nesta questão, já que considera a

base de cálculo do imposto, a partir do artigo 16 do CTN, como referencial de capacidade

contributiva já que o Estado não agirá diretamente em favor ou não sujeito passivo e,

concomitante, entender as taxas, enquanto sendo tributos vinculados, terem como substrato e

premissa quantificadora de sua base de cálculo o custo da atividade estatal.

No entanto, conforme refletido neste artigo, entendemos que afirmar-se que a base de

cálculo das taxas perpassa, apenas, aferição de custo estatal, mesmo que de forma aproximada, é

medida desprovida de senso prático e desprovida de conexão com a realidade política, social e

econômica nacional, tendo, por obviedade, repercussão na seara jurídico-tributária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MARTINS, Ives Gandra. Taxa de fiscalização mineral do estado do Pará - Exercício de competência impositiva outorgada pela Constituição Federal (arts. 23, XI, e 145, II) - exação constitucional. Revista Dialética de Direito, São Paulo, n. 200, 2012. p. 129.

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TRIBUTAÇÃO DAS SOCIEDADES DE FATO PRESTADORAS DE SERVIÇOS

ADVOCATÍCIOS PELO SISTEMA DE ARBITRAMENTO EM CASO DE

IRREGULARIDADES DE DECLARAÇÃO DE RENDA

TAXATION OF ATTORNEYS SERVICE PROVIDER FACT FIRMS BY THE

ARBITRATION SYSTEM IN CASE OF INCOME DECLARATION IRREGULARITIES

Antonio Carlos Lovato1 Renato Lovato Neto2

Resumo: A sociedade de fato formada por um grupo de advogados se caracteriza como uma figura comum no meio profissional, forjada somente na prática e sem registro junto à Ordem dos Advogados do Brasil. Esta sociedade simples atua como se pessoa jurídica fosse, principalmente em frente aos clientes, mas sofre uma pesante penalidade imposta pela Receita Federal, qual seja, a de que, em caso de qualquer ilegalidade, qualquer um dos causídicos será tratado como pessoa física, sem qualquer direito a descontos e exclusões legais. O artigo, abordando esta peculiar situação deste sujeito passivo, discorre sobre a incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, de modo a elucidar a desvantajosa hipótese destes advogados serem autuados pelo Fisco, quando então cada um deles terá o seu patrimônio comprometido individualmente, aplicada a alíquota de pessoa física. O trabalho visa propor uma solução menos onerosa ao contribuinte, qual seja, a de se aplicar o método do lucro arbitrado para se aferir a base de cálculo, tratando a sociedade de advogados de fato como uma pessoa jurídica, tal qual o Direito Comercial aceita, e em respeito aos princípios da isonomia, generalidade e universalidade. Para alcançar a finalidade proposta, o texto emprega o método científico-dedutivo de pesquisa bibliográfica. Palavras-chave: Imposto de Renda; Arbitramento; Sociedade de Advogados de Fato. Abstract: The fact firm is formed by a group of lawyers is characterized as a common figure in the professional field, forged only in practice and without registration with the Bar Association of Brazil. This firm acts as if it were a juridical person, especially in front of clients, but suffers a severe penalty imposed by the IRS, which is that in case of any illegality any of the attorneys will be treated as an individual, without any right to the legal exclusions and discounts. The article, addressing this peculiar situation of this taxpayer, discusses the impact of Income Tax and Earnings of Any Nature, in order to elucidate the disadvantageous hypothesis of these lawyers be filed by tax authorities, whereupon each of the lawyers will have their heritage achieved individually, with the application of the natural person tax rate. The work aims to propose a less costly situation to the taxpayer, that is to apply the method of arbitrated profit to gauge the calculation base, treating the fact law firm as a juridical person, like the Commercial Law accepts, and respecting the isonomy, generality and universality principles. To achieve the purpose proposed, the text employs the scientific-deductive method of literature research. Keywords: Income Tax; Arbitration; Fact Law Firms.

1 Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, professor da disciplina de Direito Tributário na Universidade Estadual de Londrina – UEL e no Instituto Filadélfia – Unifil e Advogado. 2 Mestrando em Direito Privado pela Universidade Católica Portuguesa do Porto, Membro Associado do CONPEDI, Membro da Comissão dos Direitos do Consumidor da OAB/PR, Subseção Londrina, e Advogado.

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1 INTRODUÇÃO

O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, descrito nos art. 43 a 35

do Código Tributário Nacional e no art. 153, inc. III, da Constituição Federal de 1988, consiste

em um dos mais importantes tributos de competência da União, sendo uma de suas maiores

fontes de receita, visto ter como aspecto material uma conduta que abrange grande parcela da

sociedade brasileira – a aquisição de rendas ou proventos propiciadores de um acréscimo

patrimonial do qual o sujeito passivo possa dispor livremente.

Todavia, uma situação vem à tona por sua aparente incompatibilidade com as

previsões legais ou ao menos a sua não previsão. Faz-se referência às sociedades de fato que

prestam serviços advocatícios.

Estas sociedades simples, embora sejam vistas pelo Direito Civil como detentoras de

alguns direitos como se uma personalidade jurídica tivesse, não representam ao Direito

Tributário, diante da sistemática atual, nada além do que um grupo de causídicos que atuam

individualmente e, assim, auferem renda de forma singular.

Não obstante, apesar de não regularizadas diante da Ordem dos Advogados do Brasil,

essas sociedades, na realidade, atuam como uma sociedade formalizada qualquer, com um

estabelecimento material, funcionários, estagiários, e demais aspectos que guarnecem a sede

física partilhada de forma conjunta. Aqui, ao contrário de uma sociedade comercial de fato, não

meramente um grupo de pessoas físicas que exercem exatamente a mesma atividade de forma

conjunta, trata-se de um coletivo de advogados que, muitas vezes, atuam de maneira individual

nas demandas judiciais e administrativas e demais consultas, e isso pode dificultar a sua

identificação como uma sociedade de fato.

O Fisco, defendendo exacerbadamente a necessidade de obtenção de receitas do ente

federado, ultrapassa os limites dos princípios constitucionais tributários e lança mão do método

para levantamento da base de cálculo que resultará em maior montante à União, assinalando

cada advogado individual como um profissional liberal pessoa física, o que provavelmente

resultará na sua autuação como sonegador de receita de proventos que não foram declarados.

O presente trabalho propõe a solução desta lide na busca da consolidação do meio

menos oneroso ao contribuinte, definindo este grupo de advogados como uma sociedade de fato

na acepção civilística, para garantir-lhe o tratamento quanto ao Imposto de Renda como se

pessoa jurídica fosse, e assegurar-lhe o direito de escolha pelo arbitramento, devido as suas

vantagens perante a tributação como pessoa física, na hipótese de uma autuação fiscal.

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O artigo inicia com uma análise sobre a natureza da atividade prestada por um grupo

de profissionais liberais que atuam juntos, passando a dissertar acerca da razão por que se deve

permitir a opção pelo arbitramento por esses entes coletivos como modo de evitar injustiças, e,

por fim, reflete sobre a vantagem desse modo de determinação da base de cálculo nestas

situações.

Para atingir a sua finalidade, o artigo adota o método de pesquisa científico-dedutivo

de pesquisa bibliográfica, partindo da análise de comentários e ponderações da doutrina, bem

como de decisões jurisprudenciais e administrativas, para fundamentar a tese proposta.

2 IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA SOCIETÁRIA DA ATIVIDADE DA

ATIVIDADE EXERCIDA

Diante da forma de como determinadas sociedades – mesmo que de fato – atuam,

servindo-se de um complexo de bens materiais e imateriais (como local da sede, utilização de

vários equipamentos e contribuição de vários colaboradores, seja na área jurídica, seja na

administrativa), ocorre a reunião das características necessárias e suficientes que conferem a

essas sociedades de fato a equiparação ao estabelecimento empresarial e à atividade

empresarial.

O conceito de estabelecimento envolve inúmeras acepções, por exemplo, o conceito

está definido no Código Civil art. 1.142, como expressão reveladora da própria atividade

empresarial, pois nele se determina que “considera-se estabelecimento todo o complexo de bens

organizado, para o exercício da sociedade, por empresário, ou por sociedade empresária.”

Esse dispositivo está em perfeita harmonia com as disposições contidas no art. 966 do

mesmo diploma ao descrever a definição de empresário como “(...) quem exerce

profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou

de serviços.”

Também está interligado à definição de sociedade empresária contida no art. 982 do

CC que dá “salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por

objeto o exercício da atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as

demais.”

Nota-se que o conceito de estabelecimento não se confunde com o conceito de empresa

ou com o de empresário embora os termos estejam interligados e tampouco com o conceito de

pessoa jurídica, segundo as disposições contidas nos arts. 40 e seguintes do CC.

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Não resta dúvida que existe um liame entre estabelecimento, empresa, empresário e

pessoa jurídica. Esse conjunto reflete a forma como o empresário exercerá suas atividades, pois

haverá a necessidade de uma forma organizada para produção de bens e serviços e será

constituída sob uma forma empresarial disciplinada pelo Direito, que, para ter personalidade

jurídica, será composta sob a forma de pessoa jurídica. Nesse sentido, faz-se oportuna a posição

colocada por Hugo Barreto Sodré Leal (2007, p. 125):

Dogmaticamente, a utilização do vocábulo empresa deve ser feita com maior rigor técnico, distinguindo-se os seguintes conceitos que embora correlatos são inconfundíveis: (i) de empresa, como atividade econômica; (ii) de empresário, como sujeito de direito, responsável pela exploração da empresa; e (iii) de estabelecimento empresarial, como complexo organizado de bens empregados na exploração da empresa.

Por outro lado, cabe ressaltar que o conceito de estabelecimento não se restringe

apenas ao local destinado ao suporte físico para o exercício de uma atividade empresarial,

comumente representado por terreno edificado ou não. Ora, há que se observar que hoje existem

inúmeras atividades empresariais que não se utilizam de espaço físico, ou se o utiliza ele é

minúsculo ou insignificante, como o comércio e a prestação de serviços através de sistema

eletrônico.

O estabelecimento como local vem definido pelo art. 4º da Lei Complementar nº

116/2003, ao estabelecer normas gerais pertinentes ao Imposto sobre Serviços, descrevendo

que:

(...) o local onde o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede. Filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

O mesmo se dá com a Lei Complementar nº 87/96 que prevê em seu art. 11 “o local

da operação ou da prestação para os efeitos da cobrança do imposto e definição do

estabelecimento responsável (...)” consiste em um rol de hipóteses enumerado em seus incisos

e alíneas.

O próprio Código Tributário Nacional, em diversos dispositivos, relaciona

estabelecimento a local ou a sede, conforme arts. 46, inc. II, 49, 51, § único, e 127, inc. II.

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Maria Rita Ferragut (2005, p. 90) adota a definição mais abrangente, contida no CC,

não só pela amplitude, mas em face dos dispositivos de integração da norma tributaria contidos

nos arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional.

Hugo Barreto Sodré Leal (2007, p. 137) também adota a definição contida no art.

1.142, do CC, e após minucioso estudo a respeito de cada um dos elementos elucida complexo

como “(...) conjunto, tomado como um todo mais ou menos coerente, cujos componentes

funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação, de

apreensão muitas vezes difícil pelo intelecto e que geralmente apresentam diversos aspectos”,

enquanto organizado “é Mdjetivo que denota Mquilo que foi ordenado, planejado, preparado

com vista a determinado objetivo”.

Leal (2007, p. 138) esclarece que os signos complexo e organizado “remetem à noção

de um conjunto de elementos colecionados em função de um princípio constante. (...) pode-se

concluir que ordem, complexo e conjunto representam noções complementares e

indissociavelmente relacionada.”

A organização tem relevância fundamental e Leal (2007, p. 138) o coloca como:

(...) elemento fundamental para caracterização do estabelecimento empresarial. Simples agrupamento caótico de bens simplesmente colocados lado a lado, sem qualquer critério organizado, não atende a noção básica de conjunto. É a existência da ordem que conferem unidade conceitual ao conjunto, garantindo uma relação de constância e de coerência entre a multiplicidade e heterogeneidade dos elementos que o compõem.

Assim Leal (2007, p. 138) define estabelecimento empresarial como o “conjunto cuja

regra ordenadora consiste na destinação comum dos seus elementos. É o emprego dos seus

diversos elementos (bens) na exploração de determinada atividade econômica que confere

unidade jurídicM Mo estabelecimento empresarial.”

O festejado Autor (LEAL, 2007, p. 141) adverte:

(...) percebe-se que o conceito de estabelecimento empresarial não se satisfaz com a simples existência de um amontoado de bens simplesmente justapostos ou acumulados sem qualquer vínculo funcional. Para que se possa falar de estabelecimento empresarial, é imprescindível que esses bens sejam qualificados como elementos de um conjunto, o que deve ser verificado segundo o critério de organização funcional desses elementos com vistas ao exercício da empresa.

Então Leal (2007, p. 143) traz a seguinte conclusão a respeito de estabelecimento

empresarial:

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(...) o estabelecimento empresarial constitui uma unidade econômica, funcional e jurídica. Embora os diversos elementos integrantes do estabelecimento empresarial preservem a sua individualidade, não deixando de se submeter cada um deles ao seu próprio regime jurídico, o conjunto desses diversos elementos, considerado em sua integralidade estrutural e funcional, qualifica-se no direito positivo como bem jurídico distinto, submetendo-se em consequência a um regime jurídico especial. O estabelecimento representa uma unidade conceitual surgida na economia e reconhecida pelo direito com base no critério da existência de uma organização funcional de bens para obtenção de resultados econômicos, isto é, para exploração da empresa.

Insta ser ressaltado que o exercício da atividade inerente à prestação de serviços

advocatícios – conquanto nos aspectos gerais não se distancie da formatação inerente às

atividades comerciais, industriais e de outras modalidades de prestação de serviços – deve dar-

se exercida sob a forma societária através da constituição de uma “SociedMde de Advogados”,

conforme dispõem regras próprias estabelecidas pela Lei nº 8.906/94 (Estatuto da OAB), e na

forma dos arts. 15 e seguintes, atentando-se para várias peculiaridades.

A Sociedade de Advogados por envolver a prestação de serviços intelectual não deve

seguir as características de uma sociedade mercantil, amoldando-se à tipificação estabelecida

pelo Código Civil como uma sociedade simples, que obedece às disposições contidas nos arts.

997 e seguintes do diploma privatício. Assim, não obstante seguir características próprias,

equipara-se faticamente a uma sociedade empresarial, mesmo que não constituída formalmente

como pessoa jurídica.

3 NECESSIDADE DE APURAÇÃO DO RESULTADO PELO DE SISTEMA DE

ARBITRAMENTO

Após a explanação supra estabelecida a respeito das características da atividade

empresarial, há a evidência de fatores que permitem o enquadramento das atividades exercidas

por uma sociedade de advogados (mesmo que não constituídas regularmente) por equiparação,

nos moldes de uma pessoa jurídica – ainda que por alguns períodos tenha sido mantida

informalmente.

Dessa forma, sob pena de se consolidar uma antinomia jurídica, cabe aqui a postulação

da tese central deste artigo, que visa elucidar que a forma de tributação destas sociedades de

advogados de fato deveria seguir os modelos inerentes à pessoa jurídica, e não à pessoa física.

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Os sistemas inerentes às pessoas jurídicas para apuração da base de cálculo do Imposto

Sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza – IR está sedimentado no art. 44 do Código

Tributário Nacional ao dispor que a “base de cálculo do imposto é o montante, real arbitrado

ou presumido, de rendM ou dos proventos tributáveis.”

Como sociedade simples, as sociedades de advogados podem optar pelo sistema do

lucro presumido na forma do art. 26, § 1º, da Lei nº 8.891/95, ao dispor:

Art. 26. As pessoas jurídicas determinarão o imposto de renda segundo as regras aplicáveis ao regime de tributação com base no lucro real, presumido ou arbitrado. § 1º É facultado às sociedades civis de prestação de serviços relativos às profissões regulamentadas (art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21-12-1987) optarem pelo regime de tributação com base no lucro real ou presumido. § 2º Na hipótese do parágrafo anterior, a opção, de caráter irretratável, se fará mediante o pagamento do imposto correspondente ao mês de janeiro do ano-calendário da opção ou do mês do início da atividade.

A possibilidade das sociedades civis de prestação de serviços profissionais optarem

pelo sistema do lucro presumido foi ratificada pela Lei 9.430/96, ao determinar a equiparação

dessas empresas às demais, conforme o disposto no art. 55, assim descrito:

As sociedades civis de prestação de serviços profissionais relativos ao exercício de profissão regulamentada de que trata o art. 1º do Decreto-lei nº 2.397, de 21 de dezembro de 1987, passam, em relação aos resultados auferidos a partir de 1º de janeiro de 1997, a ser tributadas pelo imposto de renda de conformidade com as noras aplicáveis às demais pessoas jurídicas.

Diante da irregularidade dos atos constitutivos, na escrita ou das demonstrações

financeiras, impõe-se o sistema de arbitramento, conforme o disposto no art. 47, I, da Lei

8;891/95, ao prescrever que:

Art. 47. O lucro da pessoa jurídica será arbitrado quando: I- o contribuinte, obrigado a tributação com base no lucro real ou submetido ao regime de tributação de que trata o Decreto-lei nº 2.397. de 1987, não mantiver escrituração na forma das leis comerciais e fiscais, ou deixar de elaborar as demonstrações financeiras exigidas pela legislação fiscal; (...) II- o contribuinte deixar de apresentar à autoridade tributária os livros e documentos da escrituração comercial e fiscal, ou o livro Caixa, na hipótese de que trata o art. 45, parágrafo único; III- o contribuinte optar indevidamente pela tributação com base no lucro presumido; (...)

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IV- o contribuinte não mantiver, em boa ordem e segundo as normas contábeis recomendadas , livro Razão ou fichas utilizados para resumir e totalizar, por conta ou subconta, os lançamentos efetuados no Diário; VIII- o contribuinte não escriturar ou deixar de apresentar às autoridade tributária os livros ou registros-auxiliares de que trata o § 2º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e § 2º do art. 8º do Decreto-lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977. § 1º - Quando conhecida a receita bruta, o contribuinte poderá efetuar o pagamento do imposto de renda correspondente com base nas regras previstas nesta Seção.

Diante da inexistência de fraude ou de qualquer intenção dolosa por parte da

profissionais que venham a exercer a atividade sob a forma de sociedade, mesmo de forma

irregular, não há que se cogitar do enquadramento nas hipóteses descrita no inciso II do citado

dispositivo legal.

Considerando-se que deve ser seguido o sistema de arbitramento, aplicam-se

rigorosamente as determinações legais inerentes a tal sistema, sendo que o cerceamento ao

direito da Impugnante ao exercício do contraditório configura o arbítrio no sentido contrário à

determinação legal, pois, conforme adverte Fabiana Del Padre Tomé (2005, p. 294):

Denomina-se arbitramento a fixação de determinadas quantia mediante arbítrio, como, aliás, sugere o próprio nome. Essa figura jurídica, entretanto, não pode ser empregada indiscriminadamente, só tendo cabimento nas hipóteses legalmente previstas. (grifos no original)

Nesse sentido, é necessário acrescentar que arbitramento não significa arbítrio,

conforme enfatiza Mary Elbe Queiroz (2004, p. 144), ao afirmar:

Já no tocante ao lucro arbitrado, vale observar quer a faculdade dada ao Fisco de poder apurar o montante da base de cálculo do imposto por meio da utilização do arbitramento não constitui uma autorização legal para que sejam cometidas arbitrariedades. O arbitramento, como uma técnica para a apuração da base de cálculo do IR, pressupõe a utilização de critérios expressamente previstos na lei.

Embora o arbitramento possa configurar, de certa maneira, uma sanção ao contribuinte

que venha encontrar-se nas hipóteses legais, na essência trata-se de um sistema de apuração do

imposto de renda, que ao lado dos demais sistemas – Lucro Real, Lucro Presumido e Sistema

SIMPLES –, está previsto expressamente no art. 44 do Código Tributário Nacional.

Ao efetuar o lançamento pelo sistema de arbitramento a repartição pública terá de

atender ao disposto no art. 148, do mesmo diploma legal, ao prescrever:

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Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

Assim, diante da impossibilidade de apuração do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica

(IRPJ) pelo sistema do Lucro Real, torna-se obrigatória, por parte da Fazenda Pública, a

utilização do sistema de arbitramento, conforme Mary Elbe Queiroz (2006, p. 631):

Enquanto pode ser uma opção para o contribuinte o arbitramento do lucro É OBRIGATÓRIO para a autoridade fiscal, devendo ser adotado de ofício nos casos expressos na lei fiscal, em decorrência do exercício da atividade obrigatória e plenamente vinculada à lei. Isto é, constatado quaisquer dos casos previstos na lei em que deve ser arbitrado o lucro da pessoa jurídica por ser impossível apurar o verdadeiro lucro real a autoridade fiscal é obrigada a proceder ao arbitramento do lucro da pessoa jurídica. Claro que antes de proceder a tal atitude extrema a pessoa jurídica deverá ser intimada a recompor o seu resultado e a apresentar os respectivos livros e documentos em que estiverem lastrados os respectivos registros contábeis e fiscais. (grifo no original)

Portanto, a apuração por arbitramento, por si só, não configura uma sanção, mas

simplesmente um sistema de apuração utilizado em casos extremos, verificando-se a

impossibilidade de apuração por outro sistema, conforme enfatiza Mary Elbe Queiroz (2006, p.

632):

Ao contrário do que poderia pensar a priori, a quantificação do fato gerador do IRPJ com base no lucro arbitrado, apesar de mais gravosa, não é uma sanção ou punição, é, apenas, uma alternativa da lei para seja valorada a materialidade de ocorrência do fato gerador do IRPJ quando inexistir outra possibilidade de quantificação de acordo com os expressos termos da lei fiscal.

No mesmo sentido Bulhões Pedreira (1979, p. 482) leciona:

Critérios de arbitramento – A determinação do lucro mediante arbitramento não é penalidade imposta pelo descumprimento das obrigações acessórias: é instrumento que a lei assegura à autoridade tributária para que, na falta das informações indispensáveis à determinação do lucro real ou presumido, possa fixar a base de cálculo do imposto.

Assim, é possível a utilização do sistema de arbitramento diante dos fatos materiais e

formais que inviabilizem a utilização pelo sistema do lucro real, o que não configurará uma

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sanção em decorrência de possíveis “erros ou falhas” cometidas pelo contribuinte, como

também, não significa que o emprego do arbitramento caracterize uma ilicitude praticada pelo

contribuinte – afastando a natureza grave de uma tipificação de fraude fiscal ou do mero intuito

de fraude.

Na realidade, em situações em que há uma sociedade de advogados não formalizada,

ocorre um “erro de fato” ou “irregularidMde formal” praticMda pela sociedade de fato ao deixar

de constituir, em alguns períodos, a sociedade de advogados, o que a leva a não realização da

contabilidade e o cumprimento das demais obrigações acessórias inerentes – ou ainda, por

deixar de optar de forma adequada pelo sistema do lucro presumido, perfeitamente admissível

pela Legislação Tributária.

Contudo, se não houver comprovação de qualquer intenção de omitir receitas ou

informações no sentido de obter uma redução da carga tributária, cabendo este ônus à Receita

Federal competente, não se pode cogitar de ilegalidades, visto que tal previsão advém da

interpretação das previsões legais quanto ao regime de tributação.

Cabe ressaltar que o simples fato de não haver ocorrido a formalização da pessoa

jurídica ou, por exemplo, de não terem sido emitidas as declarações e entregues os documentos

fiscais de forma adequada, não significa, por si só, que tenha havido intuito de fraude. Nesse

sentido, fazem-se oportunos os seguintes esclarecimentos (QUEIROZ, 2006, p. 633):

Ainda que mantenha escrituração comercial, qualquer pessoa jurídica poderá optar por não apresentá-la ao fisco, restaurando-lhe a modalidade de do auto-arbitramento do seu lucro, exceto, é claro, se puder optar pela modalidade do lucro presumido, hipótese em que lhe será exigido o livro caixa onde deverá estar escriturada sua movimentação financeira, inclusive a bancária. Ao contrário da opção dada pela lei ao contribuinte A AUTORIDADE FISCAL É OBRIGADA A ADOTAR O ARBITRAMENTO DO LUCRO, sob pena de responsabilidade funcional, QUANDO CONSTATADA QUAISQUER DAS HIPÓTESES EXPRESSAMENTE PREVISTAS EM LEI. (grifos no original).

Desse entendimento não discrepa a posição defendida por Emerson Caturelli (2006, p.

35) quando diz:

Finalmente, o arbitramento do lucro é efetuado em hipótese nas quais, por deficiência ou ainda inexistência dos controles contábeis e fiscais do patrimônio e das operações do contribuinte, está impossibilitada a aferição, pelos métodos ordinários, do lucro real ou mesmo do lucro presumido – nos casos em que o contribuinte, fazendo uso de tal faculdade legal, tenha optado por esse método. O legislador, prevendo esta possibilidade, formula métodos alternativos de apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda.

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Mas, por força da garantia constitucional da segurança jurídica a atividade da

Administração Pública, ao efetuar o arbitramento, trilhará pelo caminho da vinculação,

conforme enfatiza Emerson Caturelli (2006, p. 120), com amparo em Alberto Xavier, ao dizer:

O autor adverte também que, quando a escrituração mostrar-se imprestável para apuração do lucro real, o recurso ao arbitramento do lucro é obrigatório e vinculado à Administração, que não pode tentar reconstruir analiticamente o lucro real. Este caráter obrigatório e vinculado do arbitramento decorre do princípio da segurança jurídica, que não pode conviver com a excessiva liberdade ou discricionariedade probatória que haveria se à Administração Pública fosse permitido reconstituir o lucro real sem o recurso a provas elaboradas pelo contribuinte.

A consequência do descumprimento das normas legais afetará o lançamento tornando-

o nulo, conforme enfatiza Mary Elbe Queiroz (2006, P. 655) ao expor:

Portanto, em prestígio à legalidade, ao devido processo legal, ao contraditório, à ampla defesa e à verdade material, se o contribuinte deixa de apresentar ou apresenta documentos imprestáveis para comprovação dos custos e despesas, bem assim as autoridades administrativas não aceitam o laudo pericial apresentado, DEVE OBRIGATORIAMENTE A AUTORIDADE FISCAL, PROCEDER AO ARBITRAMENTO DO LUCRO DA PESSOA JURÍDICA, sob pena de ERRO NA APURAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DO FATO GERADOR DO IRPJ E DA CSLL, suficiente o bastante para afetar a liquidez e certeza do crédito tributário que passará a ter sua constituição maculada por vício insanável na sua essência. Tal erro implica em grave dano tanto para o Fisco como para o contribuinte, bem assim para a própria segurança jurídica por TORNAR NULO O LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. (grifo nosso)

O ônus da prova cabe à Fiscalização, devendo ela pugnar pela busca da verdade

material, sempre pautada nas prescrições legais, conforme estabelece Fabiana Del Padre Tomé

(2005, p. 296):

Se o Fisco, no exercício do seu dever de investigação, tiver condições de, por quaisquer provas, identificar e corrigir os valores erroneamente escriturados, compete-lhes suprir oficiosamente as deficiências da documentação, efetuando as necessárias retificações e constituindo o fato jurídico tributário e sua medida. De tudo o que se expôs, sobressai a impossibilidade de a autoridade fiscalizadora impor exigências não previstas em lei e sancionar sua inobservância mediante realização de arbitramento. Havendo o registro contábil, conforme prescrito pela legislação, não há que se falar em descumprimento de deveres instrumentais ou em imprestabilidade dos dados escriturados, sendo inadmissível a realização de arbitramento.

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Diante de qualquer suspeita por parte da Administração Pública quanto à

irregularidade da documentação apresentada pela sociedade de fato ou da complexidade dos

dados, caberia àquela o exercício da contraprova, conforme enfatiza Paulo Celso Bergstrom

Bonilha (1992, P. 95), ao dizer:

Se é verdade que a conformação peculiar do processo administrativo tributário exige do contribuinte impugnante, no início, a prova dos fatos que afirma, isto não significa, como vimos, que, no decurso do processo, seja de sua incumbência toda a carga probatória. Tampouco a presunção de legitimidade do ato de lançamento dispensa a Administração do ônus de provar os fatos de seu interesse e que fundamentam a pretensão do crédito tributário, sob pena de anulamento do ato.

Nesse sentido é oportuno relatar a ementa exarada pelo Superior Tribunal de Justiça

na decisão do Recurso Especial 48.516-SP, a qual contém o seguinte teor:

Tributário. Lançamento fiscal. Requisitos de auto-de-infração e ônus da prova. O lançamento fiscal, espécie de ato administrativo, goza da presunção de legitimidade; essa circunstância, todavia, não dispensa a Fazenda Pública de demonstrar, no correspondente auto-de-infração, a metodologia seguida para o arbitramento do imposto - exigência que nada tem a ver com a inversão do ônus da prova, resultando da natureza do lançamento fiscal, que deve ser motivado. Recurso Especial não conhecido. (Ac. Un. 2° T. Relator Min. Ari Pargendler, Recorrente Município de São Paulo, DJU 1 13.10.97, p. 51.553)

No exercício da atividade vinculada do lançamento, a administração pública, além do

cumprimento da legalidade no sentido absoluto, deve ter como um dos objetivos principais a

busca da verdade material e da menor onerosidade para o contribuinte – é o que se extrai da

interpretação sistemática das disposições contidas nos arts. 109, 110 e 112 do Código Tributário

Nacional.

Convém destacar a seguinte decisão proferida pela 7°, Câmara do Conselho de

Contribuintes, exarar:

Lançamento duvidoso – ‘ParM M exigênciM do PribuPo é necessário que se comprove de forma segura a ocorrência do fato gerador do imposto. Tratando-se de atividade plenamente vinculada (Código Tributário Nacional, arts. 3° e 142), cumpre à fiscalização realizar as inspeções necessárias à obtenção dos elementos de convicção e certeza indispensáveis à constituição do crédito tributário. Havendo dúvida sobre a exatidão dos elementos em que se baseou o lançamento, a exigência não pode prosperar, por força do disposto no art. 112 do CTN. O imposto, por definição (CTN, art. 3°), não pode ser usado como sanção. (Acórdão n° 107-062268/2001) (grifo nosso)

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Como se disse anteriormente, o trabalho de levantamento e conclusões deve ser

elaborado pelo Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil de forma criteriosa, pautando-se

pela clareza e pela riqueza dos detalhes.

No entanto, o contribuinte deve apresentar documentos que comprovem a real situação

da sociedade de advogados, documentos que são instrumentos pertinentes à sociedade de

advogados e comprovantes anexados ao livro caixa e da própria folha salarial, de forma a

demonstrar um confronto de elementos que levam ao entendimento da existência de uma

sociedade de fato, com o fim de provar a pertinência de enquadramento menos onerosa.

Um dos elementos primordiais para provar a existência da sociedade de fato entre os

advogados é a forma da procuração, devendo esta estar em nome do advogado individual que

atua na causa, com a indicação da sociedade de advogados à qual pertence, seguindo a

prescrição do art. 15, § 3º, da Lei 8.906/94; é este o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. SOCIEDADE DE ADVOGADOS. ALÍQUOTAAPLICÁVEL. 1. Tratando-se de serviços advocatícios prestados por sociedade deadvogados, nas procurações outorgadas individualmente aos causídicosdeve constar, obrigatoriamente, a sociedade a que façam parte. Ratioessendi do art 15, § 3º, da Lei 8.906/94. 2. Deveras, a ausência de indicação da sociedade, no instrumento demandato, impõe a retenção do Imposto de Renda Pessoa Física emdecorrência do pagamento dos honorários, levando-se em consideraçãoo fato de que os serviços foram prestados individualmente pelosadvogados. 3. O art. 15, § 3º, da Lei 8.906/94 determina que, no caso deserviços advocatícios prestados por sociedade de advogados, asprocurações devem ser outorgadas individualmente aos causídicos eindicar a sociedade de que façam parte. Não se entende como serviçoprestado pela sociedade o caso em que a procuração não contémqualquer referência à mesma, devendo a retenção do imposto de renda,em decorrência do pagamento de honorários advocatícios, ser feitatomando-se em consideração o fato de que os serviços foram prestadosindividualmente pelos advogados a quem o mandato foi outorgado.Precedente (Resp nº 480.699/DF, Relator Ministro José Delgado, DJ29.11.2003) 4. Recurso especial improvido. (STJ, REsp 543481 DF 2003/0061848-2, Relator Ministro LUIZ FUX, Julgamento em 17/08/2004, Órgão Julgador PRIMEIRA TURMA, Publicação em DJ 30/09/2004 p. 220)

Por outro lado, a inexistência de oportunidades para o contribuinte se manifestar sobre

o devido regime tributário a ser seguido caracteriza preterição do seu direito de defesa,

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principalmente porque a imputação de outro sistema mais gravoso acarretará tributos não

recolhidos, levando a sua autuação.

Assim sendo, com o auto de infração deverá ser proporcionado ao contribuinte o

direito ao contraditório e à ampla defesa, prevendo-se os exatos dispositivos os quais o Fisco

entende ser aplicáveis, sendo esta uma formalidade que pode acarretar nulidade insanável. Por

essa irregularidade, a formalidade que é essencial e inerente ao processo administrativo ficará

prejudicada, conforme enfatiza José Eduardo Soares De Melo (2006, P. 77):

A participação pessoal do contribuinte deve ser a mais abrangente possível, oferecendo Defesas, Recursos (ou contra-razões), com a apresentação de Sustentação Oral, sendo imprescindível sua intimação para manifestar-se sobre os documentos/elementos que sejam apresentados pelo fisco.

Diante do que foi demonstrado, não há dúvida de que a forma do exercício da atividade

advocatícia em um grupo de advogados não formalizado perante a Ordem dos Advogados do

Brasil atua, a todo o momento, sob a forma de uma sociedade de fato e como tal deve ser tratada.

Assim, a rigor, o enquadramento legal para efeito da imposição dos tributos e das penalidades

deve seguir o sistema de arbitramento e todas as formas legislativas pertinente a esse sistema

de apuração.

4 O ARBITRAMENTO COMO SISTEMA PARA APURAÇÃO DA BASE DE

CÁLCULO NO IR DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS

A diferença entre a tributação dos advogados, como pessoas naturais, e a sociedade de

advogados de fato, como pessoa jurídica, estará, dessa forma, na base de cálculo, pelo fato de

nela constar a discrepância entre o Imposto sobre a Renda das pessoas naturais e Imposto sobre

a Renda das pessoas jurídicas, conforme ressalta Queiroz (2004, p. 78):

A legislação ordinária que rege o Imposto sobre a Renda faz uma distinção entre pessoas jurídicas e físicas. As pessoas físicas são tributadas pelo total dos rendimentos do trabalho, do capital ou da combinação de ambos, admitindo-se, apenas, a dedução de algumas despesas, inclusiva, algumas limitadas, para fins da apuração da base de cálculo do imposto. Para as pessoas jurídicas a incidência do imposto se dá sobre os lucros. O lucro é o resultado positivo apurado pela pessoa jurídica na exploração de atividades econômicas após a dedução das receitas percebidas pelas empresas dos custos e despesas por ela efetuados para obter mais valores, abrangendo a pluralidade dos rendimentos da unidade econômica explorada. (...)

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Na composição do que seja o lucro, a lei faz distinção entre lucro contábil e lucro fiscal. O lucro contábil é o lucro obtido como resultado positivo líquido da pessoa jurídica, apurado com base em registros contábeis (livros e documentos), com observância das leis comerciais e princípios contábeis. Já o lucro fiscal, lucro real, é apurado com base nas leis do Imposto sobre a Renda, a partir do resultado (positivo ou negativo) contábil, ajustado pelas adições, exclusões e compensações expressamente previstas na lei fiscal. (grifo nosso)

É oportuno ressaltar que o imposto sobre a renda encartado no art. 150, inc. III, da Constituição

Federal, além de estar subordinado aos princípios constitucionais inerentes aos demais tributos, sujeita-

se aos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, conforme prescreve o §2º,

inciso I do art. 153 da Carta Magna.

A relevância dessa peculiaridade está relacionada ao princípio da isonomia, não que o Imposto

sobre a Renda esteja fora do alcance das disposições contidas no. art. 150, II, da Constituição Federal,

pelo contrário, subordina-se integralmente ao comando do citado dispositivo. Contudo, o critério da

generalidade, embora não seja sinônimo da isonomia, reforça a aplicação da tributação de forma

isonômica aos contribuintes que estejam em situação equivalente tomando-se o conjunto do patrimônio

de forma integrada, conforme explica Ricardo Mariz De Oliveira (2008, p. 255), ao assinalar:

Atente-se para que, com isto, o princípio da generalidade se aproxima do princípio da isonomia tributária, na sua especificidade expressa no inciso II do art. 150, o qual veda tratamento desigual entre contribuintes que se encontre em situação equivalente e proíbe qualquer distinção de tratamento em reação da ocupação profissional ou função do contribuinte, ou da denominação jurídica dos rendimentos, dos títulos e dos direitos. O inciso II do art. 150 é aplicável a todos os tributos, mas não exclui a expressa exigência contida no inciso I do parágrafo 2º do art. 153 para o imposto de renda, tanto quanto o tratamento isonômico previsto em geral no art. 5º não exclui a expressa disposição do inciso II do art. 150 para todos os tributos, expondo e disciplinando as suas especificidades em relação à isonomia geral. No caso da generalidade, não se trata propriamente de ser uma repetição, com características específicas para o imposto de renda, do princípio de isonomia. Ao contrário, trata-se de dar ao imposto de renda uma conformação própria a ele, principalmente quando a generalidade está associada aos outros dois princípios informadores, cuja conformação acaba resultando num tratamento igualitário. Assim, a generalidade não é equivalente à isonomia, mas se aproxima desta porque resulta em tratamento igual entre os patrimônios, de modo que a disposição do inciso I do parágrafo 2º do art. 153 não exclui, mesmo quanto ao imposto de renda, a do inciso II do art. 150. O que ocorre é a perfeita coerência entre elas.

Da correlação entre os princípios da isonomia e os critérios da generalidade e da

universalidade, extrai-se que, diante do fator integrativo em matéria tributária entre as pessoas

físicas e as pessoas jurídicas estabelecido pelas Leis nº 9.249/95 e 9.250/95, o mesmo

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tratamento que é dado a pessoas jurídicas para o enquadramento pelo sistema de arbitramento

deve ser dado a sociedade de advogados, mesmo que esta não esteja regularizada, porém

demonstre que as atividades venham sendo exercidas sob a forma empresarial, no caso, sob a

forma de sociedade simples.

Por outro lado, não se deve deixar de frisar que o princípio da igualdade consiste de

um desdobramento do princípio republicano em matéria de tributação, os dois princípios

(generalidade e universalidade) estão interligados e se completam, e da combinação entre eles

exige-se que o contribuinte, seja pessoa física, seja pessoa jurídica, recebam tratamento

isonômico (CARRAZZA, 1991, p. 53).

Assim, três sistemas de apuração do Imposto sobre a Renda estão previstos no art. 44

do Código Tributário Nacional, e deve ser permitido a escolha às pessoas jurídicas, em

conformidade com a lei – e nesse contexto estão inseridas as sociedades de fato, que, no aspecto

formal, não estejam regularmente constituídas diante da OAB.

Eduardo Sabbag (2012, p. 1138) disserta sobre as três formas de apuração do lucro da

pessoa jurídica ou da sociedade simples:

(...) o fato gerador engloba, além das hipóteses PribuPadas exclusiQamente “na fonte”, o lucro, sendo de periodicidade trimestral. O lucro da pessoa jurídica ou equiparada à jurídica pode ser obtido pelos critérios da apuração real, presumida ou arbitrada: - Lucro Real: apurado com base em contabilidade real, o lucro resulta da diferença da receita bruta menos as despesas operacionais, mediante rígidos critérios contábeis ou fiscais de escrita, exigindo-se o arquivo de documentos comprobatórios de tais receitas e despesas. É o lucro líquido do período0base, ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela lei fiscal. A apuração pelo lucro real é obrigatória para as empresas indicadas em lei (Lei n. 9.718/98) e opcional às demais; Com respaldo nesse sistema, as pessoas jurídicas podem optar pelo pagamento por estimativa, consistente no pagamento mensal de um valor do imposto de renda aferido com base em um lucro estimado fixado em lei (mesmo critério usado para apurar o lucro presumido – ver a seguir), formalizando-se, no final do ano, um ajuste anual, por meio do qual será abatido o valor que foi pago mensalmente por estimativa durante o ano-base; -Lucro Presumido: trata-se de sistema opcional pela pessoa jurídica não obrigada por lei à apuração pelo lucro real. Consiste na presunção legal de que o lucro da empresa é aquele por ela estabelecido com base na aplicação de um percentual sobre a receita bruta desta, no respectivo período de apuração. (...) -Lucro Arbitrado: decorre da impossibilidade de se apurar o lucro da pessoa jurídica pelo critério real ou presumido em razão do não cumprimento de obrigações tributárias acessórias, tais como: não apresentação regular dos livros fiscais ou comerciais; não apresentação do sistema de escrituração de arquivos de documentos na forma da lei; e não apresentação do Livro Contábil Razão. Resulta, portanto, de imposição da autoridade fiscal, em face de prática irregular do contribuinte. Todavia, desde o advento da Lei n. 8.981/95, é possível à pessoa jurídica comunicar ao Fisco a impossibilidade

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de apuração do imposto de renda pelo lucro real ou presumido, de forma espontânea, optando por sujeitar-se à tributação do lucro arbitrado no período; (...)

Dessa forma, o que antes era uma sanção do Fisco ao contribuinte que cometeu uma

ilegalidade, a partir de 1995, por força da inovação introduzida pela Lei nº 8.981/95, passou a

ser uma opção à sociedade simples ou de fato, qual seja, a de escolher o arbitramento como

modo para apurar o aumento patrimonial que acarretou no período em tese, de forma a evitar a

tributação individual de cada advogado no exercício da atividade.

No caso, como a receita será assimilada através dos depósitos bancários e dos

comprovantes de recebimentos de honorários apresentados à fiscalização, a base de cálculo

deve ser obtida pela aplicação do percentual de trinta e dois por cento sobre as receitas de

prestação de serviços, com acréscimo de vinte por cento, diante das disposições legais contidas

nos arts. 15 c/c 16 “cMput”, da I ei nº 9.249/95, assim descritos:

Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. § 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de: (...) III – 32% (trinta e dois por cento) para as atividades de: a)- prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares (...) art. 16. O lucro arbitrado das pessoas jurídicas será determinado mediante aplicação, sobre a receita bruta, quando conhecida, dos percentuais fixados no art. 15, acrescidos de 20% (QinPe por cento).” (grifo nosso)

Destarte, conquanto caiba à sociedade simples de advogados a escolha da forma de

apuração do lucro (podendo esta optar por uma das três possibilidades), poderá ser mais

vantajoso o lucro arbitrado, visto que consistirá em trinta e dois por cento sobre a renda bruta,

acrescidos de vinte por cento, sendo a alíquota aplicável a de quinze por cento (art. 28, Lei n.º

9249/95).

Assim, se a sociedade simples de profissionais liberais que exercem a atividade de

advocacia for tida para o Direito Tributário como várias pessoas físicas que atuam

separadamente, as alíquotas típicas do IR para pessoa natural serão muito mais onerosas, visto

que incidirão em até vinte e sete e meio por cento sobre todo o montante que movimentaram

individualmente, principalmente se o fato se der após a autuação do Fisco, quando não será

dado o direito de efetuar os descontos legais.

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5 CONCLUSÃO

Importa que as sociedades de fato prestadoras de serviços advocatícios devem ser

consideradas pelo ordenamento jurídico como sociedades simples na acepção do Direito

Empresarial, de modo que se possa entender que ali há uma vontade que se destaca da

individualidade de cada advogado, embora não formalizada diante da Ordem dos Advogados

do Brasil.

A sociedade de advogados de fato atua no campo como se fosse registrada na OAB,

sendo o exercício da advocacia semelhante ao de qualquer outra sociedade, não havendo porque

se falar de regime empresarial diferenciado a ser aplicado, ao menos quanto às regras gerais, já

que os causídicos, apesar de muitas vezes atuarem em processos judiciais e administrativos de

forma singular, exercem a advocacia de forma conjunta no âmbito desta sociedade de fato.

Ao considerar a natureza de sociedade de fato destes grupos de advogados no âmbito

do Direito Empresarial, deve afastar-se a posição do Fisco que a trata como um coletivo de

várias pessoas físicas, para deixar de tributá-las individualmente passando a aplicar a regra

matriz do Imposto de Renda sob a sistemática da pessoa jurídica, com o fim de evitar qualquer

injustiça. Na prática, tais sociedades atuam e se entendem como se sociedades fossem,

recolhendo tributos de acordo com este perfil societário.

Ao declarar os rendimentos para fins de cálculo do IR, a sociedade de advogados de

fato pode cometer qualquer ilegalidade, passível de ocorrência. Todavia, a Receita Federal, ao

fiscalizar e examinar estas declarações, entenderá cada advogado como pessoa física, e, levando

em conta o critério quantitativo, considera como sonegação de receitas, eliminando o direito do

contribuinte de realizar descontos legais para aplicar a alíquota sobre toda receita que todos os

profissionais liberais do grupo auferiram no período.

Tal hipótese, como se trtasse de uma pessoa jurídica ou de uma sociedade de fato

comercial, permitiria o sujeito passivo optar pelo cálculo do lucro (base de cálculo) pelo método

do arbitramento, o que antes era apenas uma sanção da Administração Pública.

Diante do Sistema Tributário Nacional, que consagra o princípio da isonomia

tributária, com as peculiaridades inerentes ao imposto sobre a renda em decorrência dos

princípios da generalidade e da universalidade, não se pode negar às sociedades de fato, a

apuração do imposto de renda pelo sistema de arbitramento, estabelecido na Lei 9.249/95 com

cominado com o prescrito na Lei 8.981/95.

Ocorre que, quando se entende cada advogado como uma pessoa física que exerce uma

atividade na condição de profissional liberal, lhe é negada a possibilidade de fazer o

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levantamento da base de cálculo do IR, o de uma pessoa natural, pela aplicação de uma alíquota

(que varia de zero a vinte e sete e meio por cento) sobre o montante total do acréscimo

patrimonial, o que é obviamente muito mais prejudicial e oneroso ao contribuinte do que seria,

caso se empregasse o lucro arbitrado da sociedade de advogados de fato, tal como demonstrado

no desenvolvimento deste trabalho.

Na realidade, ao se entender a sociedade de fato de advogados como um mero grupo

de causídicos que apenas compartilham determinados subsídios materiais para o exercício da

advocacia e ter os seus rendimentos tributados como pessoas naturais, impõem-se-lhes, a cada

um deles, uma elevada carga tributária, muito maior do que se fossem considerados como uma

sociedade simples. Por fim, cabe ressaltar que não pode persistir esta posição da Receita

Federal, devido à extrema e abusiva carga tributária que se aplica à sociedade de fato de

advogados – profissionais indispensáveis à administração da justiça, conforme o art. 133 da

CF/88 –, de modo a impedir a sua própria subsistência, visto que onera diretamente o

patrimônio pessoal dos causídicos e com uma medida muito mais gravosa a que seria aplicada,

pelo simples fato de não estarem registrados junto à Ordem dos Advogados do Brasil.

REFERÊNCIAS BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da Prova no Processo Administrativo Tributário. São Paulo: Editora LTR, 1992. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 2º ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991. CATURELI, Emerson. Arbitramento do Lucro no Lançamento do Imposto Sobre a Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2006. LEAL, Hugo Barreto Sodré. Responsabilidade Tributária na Aquisição do Estabelecimento Comercial. São Paulo: Quartier Latin, 2007. FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária e o Código Civil De 2002. São Paulo: Noeses, 2005. OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo, Quartier Latin, 2008. PEDREIRA, Bulhões. Imposto Sobre a Renda, v. I – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec Editora, 1979. QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Barueri: Editora Manole, 2004.

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____________. Apuração da Base de Cálculo do IRPJ e da CSLL, in Interpretação e Estado de Direito, III, Congresso de Direito Tributário do IBET, Coordenação Eurico Marcos Diniz de Santi, Editora Noeses, São Paulo, 2006. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. SOARES DE MELO, José Eduardo. Processo Tributário Administrativo, Federal, Estadual e Municipal. São Paulo: Quartier Latin, 2006. TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. São Paulo: Editora Noeses Ltda, 2005.

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EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Extinction of tax credits: a critical analysis

André Mendes Moreira

Doutor em Direito Econômico e Financeiro pela USP

Mestre em Direito Tributário pela UFMG

Professor dos cursos de graduação, especialização e mestrado da Faculdade de Direito Milton

Campos.

Diretor da Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT

Advogado

Alexandre de Castro Baroni

Graduado em Direito pela UFMG

Advogado

RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de enumerar as hipóteses extintivas do crédito

tributário no direito pátrio e sobre elas traçar análise crítica quanto aos efeitos liberatórios do

vínculo obrigacional tributário. A normatividade da matéria, ao dispor sobre os efeitos

extintivos do crédito fiscal, constitui-se como meio de efetivar a segurança jurídica, que

impõe a necessidade de estabelecer a certeza da possibilidade de desvinculação obrigacional

como pressuposto de estabilização das relações jurídicas. Sobretudo levando-se em

consideração a ausência de expressão de vontade do contribuinte na constituição da obrigação

tributária, a rigidez da previsibilidade quanto à liberação obrigacional se constitui como

instrumento hábil a reduzir as tensões nas relações entre fisco e contribuinte.

PALAVRAS CHAVE: Extinção do crédito tributário. Segurança jurídica. Efeitos liberatórios

da obrigação tributária.

ABSTRACT: The present study´s objective is to enumerate the extinctive hypothesis on tax

credit on brazilian law and determine a critical analysis regarding liberatory effects of the tax

obligational bond. The normativity of matter, by exposing about extintives effects of the tax

credit, sets itself as a effective mean of legal certainty, which imposes the need to establish

the certainty of the possibility of obligatory decoupling as an assumption of stabilizing legal

relations. Especially taking into consideration the lack of expression of the will of the

taxpayer's in the constitution of the tax liability, the rigidity of predictability as to the

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obligatory release constitutes as an effective instrument to reduce tensions in relations

between tax authorities and taxpayers.

KEY-WORDS: Extinctive hypothesis on tax credit. Legal security. Liberatory effects of the

tax obligation.

1. INTRODUÇÃO.

Instituto que remonta à própria história do Direito na humanidade, a origem

etimológica da palavra obrigação advém do latim obligatio (ob + ligatio) e remete à idéia de

vinculação, de liame em benefício de pessoa determinada ou determinável.

Trata-se de norma de submissão, que tanto pode ser autodeterminada quanto

heterodeterminada. Em ambos os casos, o sujeito passivo ou devedor estará adstrito a uma

prestação positiva ou negativa em favor do sujeito ativo ou credor, que possui a faculdade de

exigir o seu cumprimento.

Esta a noção fundamental da obrigação no ordenamento jurídico, erigida pelos

romanos desde as Institutas (PEREIRA, 2005).

A ideia de subordinação atribuída ao vínculo jurídico obrigacional implica a sua

necessária transitoriedade temporal. Afinal, o postulado da segurança exige que se estabeleça

a certeza da possibilidade de desvinculação obrigacional como pressuposto de estabilização

das relações jurídicas.

Como leciona Gustav Radbruch (1979, p. 180), tão importante quanto a justiça é a

segurança, que consiste, ao lado daquela, em elemento universal do direito.

No Direito Tributário, especificamente, a necessária transitoriedade temporal da

obrigação ganha relevo, pois o contribuinte se torna devedor por heterodeterminação legal.

Conforme leciona Flávio Bernardes (2009, p. 4.985), o tributo consiste na

expropriação do patrimônio privado pelo ente estatal, ainda que assegurada pelo devido

processo legal, que, conforme Albert Hensel (1956, pp. 71 e ss. e 161 e ss), deve estar

ordenado de acordo com os princípios inerentes ao Estado de Direito, disponibilizando-se ao

contribuinte um procedimento de remédios jurídicos como contrapeso à unilateralidade da

imposição.

O objeto da obrigação tributária é o crédito tributário, que se torna líquido e certo a

partir do lançamento. Conforme Achile Donato Giannini (1956, p. 182), o crédito tributário “é

normalmente um crédito privilegiado, pois o ente público credor (...) tem preferência em

relação aos demais credores”, dentre outras garantias e privilégios.

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Diante desse quadro, a ratio da previsão em lei das modalidades de extinção do

crédito tributário pode ser visualizada sob dois aspectos:

(a) o de efetivar o sobreprincípio da segurança jurídica, proporcionando certeza,

estabilidade e confiabilidade no ordenamento jurídico (que, conforme Heleno Torres

(2003, p. 78), são os três pilares sobre os quais se assenta a segurança no Direito). De

fato, ao enumerar as causas de desoneração do contribuinte perante a Administração

Pública, a lei lhe assegura proteção contra eventual arbítrio estatal para sua liberação

do vínculo obrigacional;

(b) o da indisponibilidade dos créditos públicos pelo Administrador, que somente

com autorização do Poder Legislativo poderá deles abrir mão. Ademais, se coube à lei

instituir a obrigação tributária, cabe ao mesmo instrumento, pelo próprio paralelismo

das formas, prever os modos de sua extinção.

Vejamos, então, o que dispõem as normas vigentes a esse respeito.

2. Relações entre Direito Tributário e Direito Privado e as causas extintivas do crédito

tributário: os arts. 109 e 110 do CTN.

A palavra extinção deriva do latim exstinctio, de exstinguere, significando

terminação ou desaparecimento. A extinção da obrigação foi profundamente analisada pelos

civilistas, havendo diversas previsões no Código Civil a respeito do desfazimento do vínculo

obrigacional. Todavia, mesmo em se tratando de instituto típico do Direito Privado, o

legislador tributário tem a faculdade de modificar os seus efeitos.

De fato, apesar de “eventuais limitações às relações entre Direito Tributário e Direito

Privado no Brasil” deverem ser buscadas na Constituição, como ressalta Heleno Torres (2003,

p. 78), o CTN traz duas normas auxiliares à interpretação da matéria, que são os arts. 109 e

110, dispondo este último que o legislador tributário não poderá modificar conceitos de

Direito Privado quando estes tenham sido utilizados pela Constituição para outorga de

competências tributárias.

Já o art. 109, que neste ponto nos interessa em maior medida, assevera

expressamente que os princípios gerais de Direito Privado utilizam-se para pesquisa da

definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para

definição dos seus efeitos tributários, que, portanto, podem ser alterados pelo legislador.

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Referida norma busca afastar a submissão do Direito Tributário ao Direito Privado

(TORRES, 2003, p.78). Assim, caso o primeiro se valha de conceitos do segundo que não

sejam para outorga constitucional de competências, poderá modificar-lhes o sentido e efeito;

não o fazendo, prevalece a eficácia típica do Direito Privado, como já asseveraram Aliomar

Baleeiro, Paulo de Barros Carvalho, Amílcar Falcão e Ezio Vanoni (apud TORRES, 2003, p.

79).

2.1. A pseudo-taxatividade do art. 156 do CTN.

Em atenção ao comando constitucional de regrar a obrigação tributária por lei

complementar (art. 146, III, b), o CTN, recepcionado nesta parte pela CR/88, disciplina em

seu art. 156 uma série de modalidades de extinção do crédito tributário. Todavia, dois

dispositivos anteriores ao art. 156 e constantes do próprio Código merecem atenção neste

momento.

O primeiro é o relativo à exigência expressa de lei para extinguir o crédito tributário,

constante do art. 97, VI, que, com espeque na legalidade e na indisponibilidade dos bens

públicos pelo Administrador, externa a regra de que o crédito tributário somente poderá se

extinguir nas hipóteses legalmente estipuladas.

O segundo dispositivo a demandar análise é o art. 141, pelo qual “o crédito tributário

regularmente constituído somente se extingue nos casos previstos nesta Lei”. A norma é clara:

somente o CTN pode prever as causas de extinção do crédito tributário.

Todavia, como se demonstrará a seguir e baseando-se na possibilidade de aplicação

ao Direito Tributário dos institutos de Direito Privado que não forem com aquele

incompatíveis, demonstrar-se-á a existência de formas extintivas do crédito não previstas no

CTN, sem prejuízo de analisar as que foram por este definidas.

3. Classificação das modalidades extintivas do crédito tributário.

No campo do Direito Privado é possível classificar as formas de extinção de

obrigações entre modalidades satisfativas (pagamento e compensação) e não satisfativas

(remissão e confusão). Também se pode distinguir entre as que se operam com a

intermediação da vontade do credor (novação, compensação) ou sem a sua participação

(confusão, prescrição), dentre outras possibilidades (PEREIRA, 2005, p. 168).

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Já na seara do Direito Tributário, dadas as múltiplas opções classificatórias,

havendo autores que diferenciam, dentre as próprias regras do CTN, as que mereceram

tratamento específico em dispositivos do Código das que foram simplesmente mencionadas

no art. 156 (TORRES, 2006), será adotada uma simples e, acreditamos, didática divisão para

este trabalho:

(a) causas de extinção do crédito tributário não previstas no CTN;

(b) causas extintivas do crédito tributário previstas no CTN.

Vejamo-las, pela ordem e com o devido vagar.

4. Causas extintivas do crédito tributário não previstas no CTN.

As causas de extinção do crédito tributário não previstas no CTN podem ser

encontradas a partir da análise sistêmica da legislação, conforme já se expressou a

jurisprudência pátria, como se passa a analisar.

4.1. A dação em pagamento de bens móveis.

Sendo certo que o CTN prevê, desde 2001, a dação em pagamento de bens imóveis

como forma extintiva do crédito tributário, mas sendo também correto que o instituto da

dação em pagamento, tal como previsto no Direito Privado, não faz qualquer distinção entre

bens móveis ou imóveis, pode-se afirmar que não há empecilho ao fato de os entes federados,

por lei própria, regulamentarem a dação em pagamento de bens móveis para extinção do

crédito tributário, desde que observados os princípios da legalidade, moralidade,

impessoalidade, publicidade e eficiência ínsitos à atuação da Administração Pública (art. 37

da CR/88).

Em outras palavras, a dação em pagamento de bens móveis pode ser admitida como

forma de extinção do crédito tributário desde que não fira o princípio da licitação na aquisição

de materiais pela Administração Pública, é dizer, que a lei não seja direcionada a

determinados segmentos da economia e que busque, efetivamente, atender o interesse público,

sem casuísmos que poderiam privilegiar, por via oblíqua, potenciais fornecedores de materiais

para a Administração que estivessem em débito perante esta. Essa a conclusão que se extrai

da análise dos três precedentes existentes sobre o tema no Supremo Tribunal Federal.

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Em entendimento já ultrapassado, prolatado quando do julgamento da Medida

Cautelar na ADI n˚ 1.917/DF, o STF sustentou, ab initio, que o ente federado não poderia

criar novas espécies de extinção do crédito tributário para além daquelas previstas pelo

legislador complementar nacional, por força da reserva de lei complementar sobre o tema

esculpida no art. 146, III, b da CR/88.

Todavia, quando do julgamento da ADI-MC n˚ 2.405/RS (STF, Pleno, ADI-MC n˚

2.405/RS, Relator Min. CARLOS BRITTO, DJ 17.02.2006, p. 54), a Corte validou lei gaúcha

que previa a dação em pagamento de bens móveis e imóveis como forma extintiva do crédito

tributário. Prescrevia a referida lei, contudo, que uma comissão formada por representantes do

governo estadual e de entidades de classe deveria atestar previamente, por meio de resolução,

o interesse público na aceitação do bem oferecido.

Assim, superando o entendimento formalista anterior, entendeu o STF que a CR/88,

ao exigir lei complementar para regrar a obrigação e o crédito tributário, não teria alcançado

as suas respectivas formas de extinção, que poderiam ser livremente dispostas pelo legislador

de cada ordem jurídica parcial.

Apesar de discordarmos dessa assertiva, concordamos com a decisão, por outros

fundamentos. A nosso sentir, se o CTN autoriza, além do pagamento, a remissão como forma

extintiva do crédito, alternativas intermediárias entre a quitação em dinheiro e o perdão

podem ser admitidas como forma de extinção dos créditos tributários, especialmente se

regradas pelo Código Civil.

Por outro lado, ao julgar o mérito da já referida ADI n˚ 1.917/DF (STF, Pleno, ADI

n˚ 1.917/DF, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, DJe 23.08.2007), o STF –

considerando superada a questão da desnecessidade de previsão em lei complementar de

novas formas de extinção do crédito tributário, por força do precedente da ADI-MC n˚

2.405/RS – entendeu que, da forma como redigida, a lei sob análise feriria o princípio da

licitação na aquisição de materiais pela Administração Pública – mas não fechou as portas

para a declaração de constitucionalidade de futuras leis que não observassem tais preceitos,

como de resto ocorreu na ADI-MC n˚ 2.405/RS.

Portanto, pode-se afirmar que:

(a) a lista do art. 156 do CTN não é taxativa, à luz da jurisprudência do STF;

(b) a dação em pagamento, seja de bens móveis ou imóveis, é medida apta a

extinguir o crédito tributário, desde que a lei de sua instituição seja adequada aos

princípios reitores do interesse público.

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4.2. Confusão.

A confusão encontra guarida no art. 381 do Código Civil e é definida como

modalidade que extingue a obrigação quando na mesma pessoa se confundam as qualidades

de credor e devedor.

A título de exemplo, cite-se o caso em que o ente tributante tenha recebido herança

jacente e seja igualmente credor do imposto causa mortis. Tal situação é passível de

ocorrência, hoje, apenas no Distrito Federal, pois o atual Código Civil destina aos Municípios

e ao DF a herança vacante após o decurso de um lustro da abertura da sucessão. Todavia, à

luz do CC/1916, e até o advento da Lei n˚ 8.049/90 (que transferiu aos Municípios e ao DF as

heranças vacantes, em previsão similar à do atual Código Civil), tal situação poderia ocorrer

de forma mais corriqueira, pois as heranças jacentes eram destinadas aos Estados, titulares do

ITCMD.

Outrossim, há precedente expresso do STJ que acatou a confusão como modalidade

de extinção de crédito tributário. Tratava-se de caso em que o Município de Belo Horizonte

exigia IPTU incidente sobre a propriedade de bem imóvel que tivera sua posse esbulhada pelo

próprio Município credor, por meio de “desapropriação indireta”.

Outro exemplo seria a hipótese de estatização de empresa com débitos perante o ente

estatizante, operando-se a confusão entre credor e devedor e extinguindo-se, via de

consequência, o crédito tributário.

4.3. Impossibilidade do cumprimento da prestação.

Altamente controversa, a única hipótese admissível para a extinção do crédito

tributário por impossibilidade de cumprimento da prestação seria em caso de morte do

devedor pessoa física sem deixar bens.

Ressalte-se que a simples ausência de bens no patrimônio do devedor vivo conduz à

mera suspensão do curso da execução fiscal e ao arquivamento dos autos, sendo garantido seu

prosseguimento na hipótese de serem encontrados bens penhoráveis, desde que inocorrida a

prescrição intercorrente.

Outrossim, consoante alerta Augusto Fantozzi (1991, p. 428), o caso fortuito e a

força maior não podem ser alegados pelo devedor a título de “impossibilidade do

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cumprimento da prestação”, já que, nas situações mais graves de calamidade, reconhecidas

pelo ente público, este pode conceder remissão ou moratória.

5. Modalidades de extinção do crédito tributário previstas no CTN.

Entre as causas de extinção do crédito tributário previstas pelo CTN, há aquelas

disciplinadas às minúcias e aquelas que são apenas referidas no código. Passamos a analisar a

disciplina legal e os efeitos extintivos atribuídos pela Lei Complementar.

5.1. O pagamento (art. 156, I).

Sacha Calmon (2007, p. 795) define o pagamento como a forma por excelência de

extinção do crédito tributário e, não por acaso, esta é exatamente a primeira modalidade

extintiva referida no art. 156 do Código Tributário Nacional. Nessa mesma linha afirma

Achile Donato Giannini (1956, p. 132), para quem o pagamento em direito tributário possui a

mesma estrutura daquela que existe como modo geral de adimplemento da obrigação

Em seus arts. 157 a 169, o CTN traz uma série de regras sobre o pagamento, que

podemos dividir em três grandes grupos:

(a) disposições gerais sobre os efeitos e formas de pagamento (arts. 157 a 162);

(b) imputação do pagamento pelo ente credor e consignação em pagamento pelo

devedor (arts. 163 e 164);

(c) restituição do pagamento indevido (arts. 165 a 169).

Sendo certo que o tema em análise é o da extinção do crédito tributário, não serão

aqui analisadas as modalidades de restituição do indébito, mas apenas as formas pelas quais o

contribuinte obtém a supressão do crédito da Fazenda Pública, referidas nos itens “a” e “b”

supra.

5.1.1. Disposições gerais sobre as formas e efeitos do pagamento (arts. 157 a 162).

Inobstante abrigar causa de extinção do crédito tributário pelo mero adimplemento da

obrigação pecuniária, o pagamento também possui nuances que merecem análise vagorosa,

como se passa a demonstrar.

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5.1.1.1. Direito tributário x direito privado: os comandos dos arts. 157 e 158 do CTN.

Inaugurando a seção do pagamento, o art. 157 dispõe que a imposição de penalidade

não elide o pagamento integral do crédito tributário (apesar da grafia incorreta “ilide”, cujo

significado é diverso do pretendido pelo legislador).

Nesse dispositivo, a expressão crédito tributário está sendo utilizada como sinônimo

de tributo, estremada da penalidade, seja decorrente do descumprimento da obrigação

principal ou da acessória.

Conflita, portanto, com o art. 139 do CTN, pelo qual o crédito tributário decorre da

obrigação principal, sendo certo que o §1˚ do art. 113 estabelece que a obrigação principal

“tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária”, assim como o §3˚ do

mesmo dispositivo estipula que o descumprimento da obrigação acessória acarreta a sua

conversão “em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.

De fato, como assevera Paulo Coimbra (2007, pp. 83-6), da análise sistêmica do

CTN constata-se uma ausência de rigor técnico no tratamento dos conceitos de tributo e multa

tributária. Enquanto o art. 3˚ estrema o tributo das sanções de atos ilícitos, o art. 113 trata

como crédito tributário não somente o tributo, mas também a multa oriunda do seu não

pagamento (§1˚), além de pretender uma ilógica conversão em crédito tributário das multas

pelo descumprimento de deveres instrumentais (§3˚), quando, na verdade, o que se objetivava

era apenas a aplicação às penalidades das mesmas garantias e privilégios do crédito tributário,

o que poderia ter sido alcançado com uma fórmula mais simples e tecnicamente adequada do

que a prescrita no art. 113 do Código. Continuando a algaravia, o art. 139 salienta que o

crédito tributário decorre da obrigação principal, deixando claro que ele abarca, portanto,

também as penalidades pecuniárias, por força da interpretação sistemática com o art. 113 do

CTN.

De todo modo, o art. 157, ao afirmar a independência entre tributo e multa, tem por

escopo afastar a extensão ao direito tributário do entendimento aplicável às cláusulas penais

de obrigações cíveis devidas em caráter compensatório ao inadimplemento, que resolvem a

obrigação.

Outro esforço notável do legislador complementar tributário em distanciar-se de

conceitos do direito civil está nas disposições do art. 158. Seu inciso I informa que não se

presumem integralmente quitados créditos tributários a partir do pagamento da parte em que

se decompõem, confutando o art. 322 do Código Civil, segundo o qual “quando o pagamento

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for em quotas periódicas, a quitação da última estabelece, até prova em contrário, a presunção

de estarem solvidas as anteriores”.

Da mesma forma e buscando evitar qualquer analogia com o referido dispositivo

civilista, o inciso II do art. 158 afasta a presunção de pagamento de outros créditos tributários

(referente ao mesmo ou a outro tributo) pela simples quitação integral de um débito

específico.

5.1.1.2. Local e data do pagamento (arts. 159 e 160).

Os artigos 159 e 160 do CTN enunciam regras supletivas no tocante ao local e ao

prazo de pagamento dos tributos, aplicáveis apenas nas hipóteses de omissão quanto a estes

pontos na legislação de cada ente federado.

Já no que pertine ao prazo para pagamento, a regra suplementar do art. 160 prescreve

o seu vencimento em trinta dias contados da notificação do sujeito passivo acerca do

lançamento.

Sustentam alguns (MACHADO, 1993, p. 125) que essa regra supletiva seria

inaplicável nos tributos sujeitos a lançamento por homologação. Todavia, entendemos que se

a legislação prescrever prazo para a entrega da declaração do sujeito passivo (que consistirá

no autolançamento do tributo, conforme Súmula 436/STJ, que dispõe que “a entrega de

declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário,

dispensada qualquer outra providência por parte do fisco.”) mas não estipular a data em que o

valor declarado deverá ser quitado, o art. 160 poderá, sim, ser invocado para reger o

vencimento da obrigação.

Temática que vale ser gizada é a possibilidade de a “legislação tributária” – que

inclui, portanto, decretos e normas complementares – fixar a data de vencimento do tributo, já

estando pacificado na jurisprudência que o dia de pagamento da exação não se sujeita à

reserva legal.

Não obstante, problema maior se verifica na disposição contida no parágrafo único

do artigo 160, que faculta à “legislação tributária” a concessão de desconto pela antecipação

do pagamento, colidindo com o princípio da indisponibilidade do patrimônio público pelo

Administrador.

Inobstante, tem-se correntemente a instituição de descontos por decreto para o

pagamento antecipado do IPTU, inexistindo, até o momento, precedente de Tribunal Superior

acerca da legitimidade (ou não) dessa prática.

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5.1.1.3. Os juros de mora e a forma do pagamento (arts. 161 e 162).

O art. 162 traz uma série de disposições anacrônicas sobre a forma do pagamento,

autorizando sua realização em (i) moeda corrente, cheque ou vale-postal, assim como,

havendo previsão legal, em (ii) estampilha, papel selado ou processo mecânico.

De toda sorte, se o pagamento não for realizado no prazo haverá incidência de juros

(indenizatórios, conforme art. 404 do Código Civil) e multa de mora, que sempre terá

natureza punitiva, restando superada há muito a falsa dicotomia entre multas moratórias (que

seriam supostamente indenizatórias) e punitivas. Multa é pena, seja qual for a sua modalidade,

conforme leciona Sacha Calmon (2009, p. 687), com amparo em jurisprudência remansosa. A

seu turno, os juros de mora podem ser compensatórios ou indenizatórios, conforme Pontes de

Miranda (1999, p. 50).

Serão compensatórios quando, convencionados entre as partes, remunerarem a

utilização temporária e consentida do capital do credor. Lado outro, serão indenizatórios

quando corresponderem à indenização por dano causado pelo não pagamento de dívida no

prazo. Como relata o citado autor, “juros moratórios não se infligem por lucro dos

demandantes, mas por mora dos solventes”. São, portanto, indenizatórios os juros de mora

pagos ao ente público quando da quitação em atraso do crédito tributário.

Vale notar que a SELIC substituiu o binômio juros + correção monetária na

legislação federal e, posteriormente, na maior parte dos Estados. Entretanto, em razão da

queda da SELIC, há hoje um movimento dos Estados visando à manutenção dos seus juros

moratórios em um patamar mais elevado do que o aplicável aos créditos tributários federais.

Dentro desse quadro, é lapidar o exemplo do Estado de São Paulo, que até o final de

2009 adotava a SELIC mas, por força de lei estadual (n˚ 13.918/09), atribuiu ao Secretário de

Fazenda a competência para fixar em até 0,13% ao dia (3,9% ao mês) os juros de mora

devidos pelos contribuintes em atraso (sem referência à correção monetária, dado que os juros

paulistas, tal como a SELIC, a substituem).

Tendo se valido da autorização, o Secretário de Fazenda fixou os juros na proporção

de 0,13% ao dia durante determinado período, havendo, após contundentes protestos

contrários, uma sucessiva e gradual redução para o patamar atual de 0,04% ao dia, que

representa 1,24% ao mês, número ainda superior ao da SELIC.

Registre-se que o STF possui precedente (ADI n˚ 442/SP, STF, Pleno, ADI n˚

442/SP, Relator Min. EROS GRAU, DJe 28.05.2010), contra o próprio Estado de São Paulo,

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no qual assentou que a fixação da correção monetária dos tributos é matéria de Direito

Financeiro (art. 24, I da CR/88). Assim sendo, a competência legislativa é concorrente entre a

União e os Estados, porém com o poder daquela de editar normas gerais de observância

obrigatória pelos entes federados (§§1˚ e 4˚ do art. 24 da CR/88). Nessa seara, interpretou a

Suprema Corte que o teto para a correção monetária de créditos fiscais estaduais é aquele

fixado pela União, podendo os entes federados menores, todavia, adotar patamares inferiores,

se assim desejarem.

Desse modo, sendo a SELIC o índice federal de correção de créditos tributários,

equivalendo ao binômio juros + correção, não podem os demais entes federados, por

imposição do art. 24, §§1˚ e 4˚ da CR/88, editar normas próprias que fixem critérios de

correção de créditos tributários superiores aos atualmente vigentes na legislação federal de

normas gerais, do que decorre, a nosso sentir, a inconstitucionalidade da atual sistemática de

juros moratórios em vigor no Estado de São Paulo.

Por fim, ainda com relação aos juros e multa de mora, note-se que o §2° do art. 161

impede a sua cobrança enquanto pendente consulta formulada pelo devedor dentro do prazo

legal para pagamento, havendo, contudo, a necessidade de que a consulta seja eficaz, nos

termos das respectivas legislações vigentes. A dúvida objetiva é, em qualquer hipótese,

pressuposto essencial para legitimar o contribuinte a realizar a consulta e condição sine qua

non para a aplicação dos efeitos do art. 161, §2˚ à hipótese.

5.1.2. A imputação do pagamento pelo ente credor e a consignação em pagamento pelo

devedor (arts. 163 e 164).

A imputação do pagamento e a consignação em pagamento merecem ser analisadas

em conjunto, dada a existência de patente antinomia entre ambas.

No Direito Privado, o devedor de dois ou mais débitos perante o mesmo credor tem o

direito de indicar qual deles está a pagar. Trata-se, portanto, de faculdade direcionada a quem

paga (art. 352 do Código Civil). É entendimento tradicional do STJ, todavia, que a regra de

imputação legal trazida pelo Código Civil não se aplica ao pagamento do crédito tributário

(cf. Súmula 464/STJ: “A regra de imputação de pagamento estabelecida no art. 354 do

Código Civil não se aplica às hipóteses de compensação tributária.”).

De fato, no Direito Tributário, tem-se a antípoda dessa situação: o art. 163 do CTN

estabelece que o Fisco tem o direito de imputar o pagamento do devedor de forma diversa

daquela por este pretendida, caso haja mais de um débito em aberto. Sem adentrar na questão

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da constitucionalidade do dispositivo, há uma patente contradição com o instituto da

consignação em pagamento, referido imediatamente a seguir no CTN.

Consoante o art. 164, caso o ente público condicione o pagamento da exação à

quitação prévia de outro tributo ou de penalidade (dentre outras hipóteses regradas no

dispositivo, como a cobrança por dois ou mais entes do mesmo tributo), poderá o sujeito

passivo se valer da ação de consignação em pagamento, forçando-o a receber exatamente a

importância que deseja pagar.

Ora, se o CTN garante ao contribuinte o direito de pagar apenas o débito que

efetivamente pretende extinguir, declarando inválido o condicionamento pelo sujeito ativo de

somente aceitar a quitação se houver pagamento prévio de outro tributo ou penalidade

pecuniária, como pode existir dispositivo que autoriza o ente público a proceder exatamente

da forma vedada pelo art. 164 e que confere ao contribuinte o direito de ação?

A solução, a nosso sentir, reside na constatação da inconstitucionalidade da

imputação do pagamento, que fere o princípio da legalidade estrita em matéria tributária,

permitindo ao ente público apropriar-se de valores do contribuinte que estão direcionados à

extinção de outros créditos tributários.

Inobstante, fato é que a Receita Federal do Brasil tem se valido dessa prática,

especialmente nos casos em que o contribuinte paga tributo não-declarado em atraso, todavia

de forma espontânea, atraindo a aplicação da Súmula 360/STJ e do art. 138 do CTN, pelos

quais se afasta a incidência de penalidades em tais hipóteses. Com acerto, o Conselho

Administrativo de Recursos Fiscais tem julgado indevida essa imputação(cf. Primeiro

Conselho de Contribuintes, 6ª Câmara, Recurso Voluntário nº 124254, Relator José Carlos

Teixeira da Fonseca, sessão de 19.03.2003; e Terceiro Conselho de Contribuintes, 2ª Câmara,

Recurso Voluntário nº 129404, Relator Corintho Oliveira Machado, sessão de 05.07.2005), ao

argumento de que, diante da intenção explícita do contribuinte de não pagar determinado

crédito, a imputação de pagamento se traduz em supressão de defesa.

Cumpre mencionar, por fim, que a EC n° 62/09 incluiu um §9˚ no art. 100 da CR/88,

estabelecendo que, no momento da expedição dos precatórios, deles deverá ser abatido o

valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e

constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas

vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de

contestação administrativa ou judicial.

Ante a patente inconstitucionalidade do predicado, foi deferida liminar na ADI n˚

4.357/DF para afastar essa compensação automática, que afronta tanto o princípio da

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separação dos Poderes quanto o da isonomia. A ação aguarda, atualmente, seu julgamento

final pela Suprema Corte.

5.2. Compensação (arts. 156, II, 170 e 170-A).

Segundo os arts. 368 a 380 do Código Civil, nas situações em que duas pessoas

forem ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra, ambas as obrigações extinguem-se,

até onde se compensarem, desde que as dívidas sejam líquidas e vencidas.

Apesar de incorporado pelo CTN, não se trata de direito subjetivo do contribuinte,

mas sim de faculdade que pode ser concedida, por lei, pelo ente federado, tal como ocorre na

Alemanha, Espanha e Equador, conforme noticia C. M. Giuliani Fonrouge (1970, v. 1, p.

560). Outrossim, novamente se distanciando do Direito Privado, o parágrafo único do art. 170

do CTN admite a compensação com dívidas vincendas.

Com o avanço da litigiosidade sobre o tema da compensação, a Súmula n˚ 212/STJ

vedou a concessão de liminar para autorizá-la. Posteriormente, a LC n˚ 104/01 incluiu o art.

170-A no CTN, passando a exigir o trânsito em julgado da sentença autorizativa de

compensação para a sua efetivação pelo contribuinte, no que foi objeto de contundentes

críticas por parte da doutrina.

Para Heleno Torres (2011, p. 349), a autorização para compensação de tributos,

mediante execução provisória de decisão proferida pelos tribunais (em consonância com o

disposto no art. 475 do CPC, que dispõe sobre a remessa necessária das sentenças proferidas

contra os entes públicos), seria perfeitamente coerente com a ordem constitucional e nenhum

risco traria ao erário, uma vez que, na hipótese de êxito nos recursos especial ou

extraordinário, a Fazenda Pública teria sempre condições para anular as compensações

realizadas e considerar como “não declaradas” as que se encontram em andamento.

De todo modo, vale salientar que os arts. 170 e 170-A do CTN somente se aplicam à

compensação do indébito tributário. Assim, nos casos de compensação de créditos escriturais

de tributos não-cumulativos essas regras não são aplicáveis, consoante jurisprudência pacífica

do STJ (STJ, Primeira Turma, REsp n˚ 884.704/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO,

DJe 28.05.2008). A compensação, nestes casos, não é modalidade extintiva do crédito

tributário, mas mera forma de cálculo do quantum debeatur.

5.3. Transação (arts. 156, III e 171).

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Transação é modalidade de negócio jurídico em que as partes, mediante concessões

mútuas, extinguem obrigações, prevenindo ou terminando litígios, conforme art. 840 do

Código Civil.

No CTN, o art. 171 estipula que a transação importará em “terminação do litígio e

consequente extinção do crédito tributário”, o que leva à conclusão de que o dispositivo não

abriga a transação preventiva entre Fisco e contribuinte, apesar desta ser desejável e inclusive

defendida por Misabel Derzi (2004, pp. 2-3).

Apesar de vozes contrárias condenarem o instituto da transação, porquanto se

confundiria com a própria remissão e, ainda, possibilitaria a um ato discricionário o

desfazimento de um ato vinculado à lei (JARDIM, 2006, pp. 445-8), Onofre Batista Junior

(2007, p. 316) esclarece que a transação tributária é uma das formas de manifestação do poder

de polícia fiscal, que compreende não apenas a atividade arrecadatória, mas, também, o poder

de “reduzir ou afastar a cobrança de tributos já instituídos”.

Dentro dessa ótica, a figura da transação tributária tem ganhado espaço, servindo

para a terminação de litígios nos quais haja a res dubia, sempre, todavia, com base em leis

editadas pelos entes federados que devem efetivar, na prática, os princípios da moralidade,

impessoalidade, publicidade e eficiência no trato da coisa pública.

Na mesma linha, alerta Misabel Derzi (1997, pp. 100-2) que, no caso do ICMS e em

atenção ao disposto no art. 155, §2°, XII, g da CR/88, as leis reguladoras de transação que

importem renúncias fiscais devem ser respaldadas por convênio celebrado pelos Estados e

Distrito Federal.

5.4. Remissão (arts. 156, IV e 172).

A palavra remissão deriva do latim remissio, de remittere (perdoar, renunciar,

desistir, absolver) e tem sua validade condicionada à capacidade jurídica do agente que a

concede, por se tratar de ato de disposição patrimonial.

A remissão é conceituada, nos arts. 385 a 388 do Código Civil, como fórmula

extintiva da obrigação mediante liberação graciosa de uma dívida pelo credor. Difere-se da

renúncia ao crédito, porquanto o remido não é obrigado a aceitar o perdão da dívida. Logo, a

aceitação do devedor, como requisito formal para seu aperfeiçoamento, impede que se

conceitue o instituto como ato unilateral, inobstante o fato de que desta aceitação não decorra

qualquer ônus para o devedor remido.

São, portanto, características essenciais da remissão:

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(a) a existência de uma dívida a ser extinta no todo ou em parte;

(b) a voluntariedade e a graciosidade do ato extintivo; e

(c) a ausência de ônus para o favorecido.

Vale aqui registrar que, sendo o perdão relativo apenas à multa e/ou aos juros, não se

terá remissão, mas sim anistia, que o CTN classifica, juntamente com a isenção, como forma

de “exclusão” do crédito tributário. A remissão pressupõe o perdão da obrigação principal e,

via de consequência, dos seus consectários (juros e multa) pelo princípio da acessoriedade

(JARDIM, 2006, p. 449).

A remissão pode ser operada em caráter geral, diretamente pela lei, e em caráter

individual, por ato da autoridade administrativa legalmente autorizada, tal como ocorre com a

transação. Nesta última hipótese vale registrar, com esforço em Misabel Derzi (no prelo), que

o poder de remitir não poderá ser outorgado de forma indeterminada. Ao contrário e segundo

os ditames do art. 172 do CTN, deve o legislador definir, com precisão a oportunidade, as

condições, a extensão e os limites quantitativos do seu alcance.

Dentre as hipóteses autorizativas da remissão, registramos a importância da relativa

aos créditos de baixo valor, cujo custo da execução fiscal seja superior ao próprio montante a

ser recuperado (a alternativa à remissão, nesses casos, tem sido o protesto de CDAs de baixo

valor, que compele o contribuinte a regularizar sua situação fiscal sem, todavia, gerar os

custos de uma demanda judicial).

5.5. Prescrição e decadência (arts. 156, V, 150, 173 e 174).

É certo que tanto a decadência quanto a prescrição configuram formas de

perecimento ou extinção de direito, atingindo os que não praticam atos necessários à sua

preservação, mantendo-se inertes ao longo de prazo predeterminado. São institutos que se

prestam a efetivar a segurança jurídica no tempo.

Conforme Heleno Torres (2011, pp. 308), a estabilidade, calculabilidade ou

previsibilidade do direito integram a segurança jurídica na ordem temporal, sendo importante,

para tanto, a existência de regras claras sobre os prazos de prescrição e decadência.

Distinguem-se, contudo, na medida em que a decadência fulmina o direito material

(de lançar o tributo) em razão de seu não exercício ao fim do prazo legal; já a prescrição da

ação supõe a preexistência do crédito formalizado pelo lançamento, definitivamente

constituído (rectius, não mais passível de discussão administrativa) e não adimplido

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voluntariamente. Na linha deste entendimento já se expressou o STF (STF, Pleno, RE n°

94.462/SP, rel. Min. Moreira Alves, DJ em 06.10.1982), convalidando esta sistemática.

Outra distinção que decorre dessa classificação é a de que a decadência subtrai o

direito da Fazenda Pública sem que tenha havido nenhuma resistência ou violação do direito;

já a prescrição da ação supõe uma violação do direito de crédito da Fazenda, uma vez que

inadimplido pelo contribuinte regularmente notificado pelo lançamento (DERZI, no prelo).

Sob o prisma das causas extintivas do crédito tributário, contudo, é importante

observar que os efeitos atribuídos à decadência e à prescrição são idênticos.

5.5.1. A fluência do prazo decadencial nos tributos sujeitos a lançamento por

homologação.

Nos casos de lançamento por homologação, o início da contagem do prazo

quinquenal de decadência do direito de lançar ocorre na data do fato gerador (art. 150, §4°),

com a exceção dos casos em que se comprove a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Algumas questões relevantes podem ser desenvolvidas a partir deste comando, conforme se

passa a demonstrar.

5.5.1.1. Da dispensa do lançamento em face da declaração do sujeito passivo.

Consoante sedimentado pela Súmula nº 436/STJ, a entrega de declaração pelo

contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer

outra providência por parte do fisco. Assim é que, diante da apuração feita pelo contribuinte, a

Fazenda Pública pode executar diretamente as quantias pagas, de modo que já não há mais

que se falar em prazo decadencial para constituição do crédito tributário.

5.5.1.2. Da irrelevância do pagamento parcial na determinação do termo a quo da

decadência.

Outra questão de especial relevo diz respeito ao estabelecimento do termo a quo da

contagem da decadência no caso dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação diante

da ausência de pagamento pelo contribuinte.

Com efeito, o e. STJ já decidiu, em julgamento de recurso representativo da

controvérsia (STJ, 1ª Seção, REsp 973733/SC, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJe 18/09/2009),

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que o prazo decadencial para o Fisco constituir o crédito tributário (lançamento de ofício)

conta-se do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido

efetuado, nos casos em que a lei não prevê o pagamento antecipado da exação ou quando, a

despeito da previsão legal, não há pagamento, mesmo sem a constatação de dolo, fraude ou

simulação do contribuinte, inexistindo declaração prévia do débito.

A tese consagrada pelo e. STJ, portanto, abriga o entendimento de que, mesmo se

tratando de tributo sujeito à lançamento por homologação, no caso de ausência de pagamento

é imputado o início do prazo decadência nos termos do artigo 173, I, do CTN.

Pensamos de forma distinta, partindo da premissa de que o pagamento antecipado

não é a essência do lançamento por homologação. A hipótese típica do lançamento por

homologação é a previsão legal do dever de o sujeito passivo antecipar o pagamento; o fato de

haver ou não pagamento não altera o caráter jurídico do lançamento por homologação.

Com efeito, nos termos expressos pela lei, a situação de pagamento parcial e de

ausência de pagamento – que pode ocorrer porque o contribuinte nada declarou, inobstante

este ter corretamente emitido notas fiscais no período, escriturado os livros de apuração do

tributo devido, etc, permitindo a atividade homologatória do Fisco – são verdadeiramente

idênticas para determinar-se o termo a quo da decadência dos tributos sujeitos ao lançamento

por homologação. Este foi, inclusive, o entendimento vigente no Conselho de Contribuintes

da União (cf. CARF, 2a Seção, 2a Turma da 4a. Câmara, Acórdão n˚ 2402-01.103, DOU

27.06.2011) até a uniformização promovida pelo STJ.

5.5.2. O efeito da decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento

anteriormente efetuado, sobre a contagem da decadência.

O CTN dispõe ainda que o prazo decadencial de cinco anos previsto no caput do

artigo 173 conta-se da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por

vício formal, o lançamento anteriormente efetuado.

O dispositivo introduz, a um só tempo, causa de interrupção e suspensão do prazo

decadencial (suspensão porque o prazo não flui na pendência do processo em que se discute a

nulidade do lançamento; e interrupção porque o prazo recomeça a correr do início e não da

marca já atingida no momento em que ocorreu o lançamento nulo).

Ruy Barbosa Nogueira (apud MARTINS, 2006, pp 460) negava validade ao inciso II

do art. 173, na medida em que pretende recriar prazo inicial de decadência, o que seria

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impossível em matéria de prazo já expirado, devendo a Administração Tributária arcar com os

ônus de seu equívoco no lançamento.

Todavia, o dispositivo nunca foi declarado inválido, tendo permitido a realização de

lançamento substitutivo do anterior, cuja nulidade decorreu de vício de forma.

5.5.3. Conceito de constituição definitiva do crédito como termo a quo da prescrição.

Outra relevante questão que se impõe diz respeito à conceituação do termo

“constituição definitiva do crédito”, cunhado no caput do artigo 174 do CTN como termo

inicial da fluência do prazo prescricional.

Há dúvida se ela ocorre com a comunicação ao sujeito passivo do ato administrativo

do lançamento em sua versão imodificável ou com a inscrição em dívida ativa do crédito

tributário da Fazenda Pública. Sobre este ponto, o STJ já se expressou no sentido de que a

constituição definitiva do crédito tributário pressupõe a inexistência de discussão ou

possibilidade de alteração do crédito na fase administrativa, momento lógico anterior,

portanto, à inscrição em dívida ativa (STJ, Primeira Turma, REsp n˚ 649.684/SP, Rel.

Ministro LUIZ FUX, DJe 28.03.2005).

Pondera Sacha Calmon (2007, p. 834), todavia, que o autocontrole da Administração

se estende até o ato de inscrição do crédito tributário em divida ativa, sendo possível a sua

anulação pelo funcionário competente para a inscrição em dívida (por exemplo, em razão de

declaração de inconstitucionalidade superveniente pelo STF, com efeitos erga omnes, do

tributo em causa).

5.5.4. A modificação da data de interrupção da prescrição pelo CPC.

Dentre as hipóteses de interrupção da prescrição elencadas pelo CTN encontra-se o

despacho do juiz que ordenar a citação no executivo fiscal. Todavia, o STJ já decidiu, em

julgamento de recurso representativo da controvérsia (STJ, Primeira Seção, REsp n˚

1.120.295/SP, Relator Min. LUIZ FUX, DJe 21.05.2010), pela aplicação aos processos de

execução fiscal do disposto no art. 219, §1° do CPC. Tal medida implica a retroação do

momento de interrupção da prescrição à data de propositura de ação de execução, uma vez

prolatado o despacho que ordena a citação.

Ora, tal aplicação da norma processual vai de encontro ao que dispõe a Constituição

da República acerca da reserva de lei complementar em matéria de prescrição tributária (art.

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146, III, b). O raciocínio é singelo: sendo o CPC lei ordinária editada pela União, não deveria

sobrepor-se à disposição trazida pelo CTN em matéria de prescrição do crédito tributário.

5.5.5. Causas de suspensão da prescrição.

Primeiramente, vale gizar que as disposições da Lei de Execuções Fiscais sobre a

suspensão da prescrição não são aplicáveis aos executivos tributários, uma vez que a matéria

deve ser tratada em lei complementar.

Nesse sentido, o STJ tem afastado das ações tributárias a regra que determina a

suspensão da prescrição por 180 dias após a inscrição em dívida ativa (art. 2o, §3˚ da Lei n˚

6.830/80 – cf. STJ, Segunda Turma, AgRg no AgRg no REsp n˚ 975.073/RS, Relator Min.

HUMBERTO MARTINS, DJ 07.12.2007, p. 356). Da mesma forma, o dispositivo que

suspende a contagem da prescrição caso o devedor ou bens penhoráveis não sejam

encontrados (caput do art. 40) não se aplica às execuções tributárias, conforme igualmente já

decidido pelo STJ (STJ, Primeira Turma, AgRg no Ag n˚ 764.859/PR, Relator Min. JOSÉ

DELGADO, DJ 05.10.2006, p. 254).

Lado outro, se a execução fiscal-tributária estiver parada há cinco anos, sem

movimentação, deflagra-se a prescrição intercorrente, podendo ser decretada de ofício pelo

magistrado nos termos dos parágrafos do art. 40 da Lei n˚ 6.830/80, após a oitiva da Fazenda

Pública (salvo nos créditos de baixo valor, assim definidos pelo Ministério da Fazenda, nos

quais o magistrado pode agir sem a anuência prévia do Fisco). Saliente-se apenas que,

enquanto a legislação exige que o processo executivo fiscal fique parado por 5 anos após o

despacho que ordena o seu arquivamento, no caso de execuções tributárias a sua paralisação

injustificada por 5 anos já deflagra a contagem do prazo prescricional intercorrente, dada a

inaplicabilidade à hipótese do caput do art. 40 da Lei n˚ 6.830/80.

Analisando-se o CTN, vale notar que este não prevê em um dispositivo as hipóteses

de suspensão da fluência da prescrição (ao contrário do que ocorre com as causas que a

interrompem, prescritas no art. 174).

Há, todavia, previsão expressa de suspensão do prazo prescricional entre a data de

concessão da moratória em caráter individual e sua revogação, nos casos de dolo/simulação

do beneficiado (art. 155, parágrafo único). Outrossim, com base no mesmo dispositivo, não há

suspensão da prescrição no caso de moratória individualmente concedida quando inexistente

dolo/simulação por parte do beneficiado.

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Também não corre a prescrição, por questão de lógica, enquanto pendentes as

seguintes causas suspensivas da exigibilidade do crédito tributário: moratória geral,

parcelamento, depósito do montante integral e decisões liminares suspensivas da

exigibilidade.

No que pertine aos recursos administrativos suspensivos da exigibilidade,

entendemos que não se poderia sequer falar em prescrição, pois para tanto o crédito tributário

precisa estar definitivamente constituído.

Todavia, existe entendimento pela aplicação aos processos administrativo-tributários

da prescrição intercorrente, extintiva do crédito tributário, nas hipóteses de paralisação

injustificada do feito por 5 anos ou mais. É ver.

5.5.6. Prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal.

O STF já sentenciou que, inobstante o fato de que o processo administrativo deve ter

duração razoável, a imputação da prescrição demanda edição de veículo legal específico pela

via da lei complementar, sem a qual não há que se falar em prescrição intercorrente (cf. STF,

Pleno, ADI n˚ 124/SC, Relator Min. JOAQUIM BARBOSA, DJe 16.04.2009).

O CARF também já sumulou entendimento explícito pela inocorrência da prescrição

intercorrente no processo administrativo fiscal (cf. Súmula n° 10 do CARF: “Não se aplica a

prescrição intercorrente no processo administrativo fiscal”).

Heleno Torres (2011, pp. 393-394.) critica o enunciado sumular suscitando sua

inconstitucionalidade.

Afinal, quando se suprime do processo administrativo sua duração razoável, viola-se

direito fundamental resguardado de forma expressa no art. 5˚, LXXVIII da Lei Maior (nesta

incluído pela EC n˚ 45/04). Sendo assim, possui o direito à duração razoável do processo

administrativo eficácia imediata e vinculante para todos, sendo típica espécie de prestação

positiva a ser exigida do Estado, no trâmite do devido processo legal.

Por essas razões, entendemos que há espaço, sim, para a decretação de prescrição

intercorrente em processo administrativo, valendo-se de analogia com a Lei de Execuções

Fiscais, posicionando-nos ao lado de Heleno Torres.

5.6. Conversão de depósito em renda (art. 156, VI).

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A questão atualmente controvertida em relação à conversão em renda de depósitos

judiciais refere-se à desnecessidade de formalização do crédito tributário por meio de

lançamento para tanto.

Explica-se: pode o contribuinte, para obter a suspensão da exigibilidade do crédito

tributário, depositar a quantia litiganda em ação judicial. Havendo lançamento prévio, é dizer,

sendo a ação anulatória, mandado de segurança repressivo ou executivo fiscal, não há maiores

questionamentos: finda a ação e exitoso o contribuinte, este levanta o depósito, devidamente

corrigido pelos mesmos índices aplicáveis à correção do crédito tributário; exitoso o Fisco, o

depósito converte-se em renda, extinguindo o crédito em tela.

Todavia, os depósitos realizados no bojo de ações declaratórias ou mandados de

segurança preventivos, relativos a tributos sujeitos a lançamento por homologação, são

realizados sem qualquer ato de lançamento prévio pela autoridade administrativa. E são

inclusive independentes da formalização de declarações fiscais pelo sujeito passivo que,

conforme Súmula 436/STJ (“A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito

fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do

Fisco”), são aptas a formalizar o crédito tributário, na linha do entendimento preconizado por

Tácio Lacerda Gama (2009, pp. 259-61), reconhecendo a existência de uma “competência

tributária privada” no agir do contribuinte.

O conceito de autolançamento, todavia, passou recentemente a admitir uma nova

variante. Por meio de decisão prolatada em sede de embargos de divergência no final de 2010

(cf. STJ, Primeira Seção, REsp n˚ 671.773/RJ, Relator Min. TEORI ZAVASCKI, DJe

03.11.2010) e, até o momento, seguida pelos julgados posteriores, o STJ entrou a equiparar os

depósitos judiciais feitos no bojo de ações que discutem preventivamente a exigência do

crédito tributário ao autolançamento.

Dessarte, feito o depósito da quantia litiganda, sem que haja qualquer outro ato do

contribuinte ou do Fisco, o lançamento considera-se efetuado, havendo, ao cabo da ação, o

seu levantamento pelo sujeito passivo ou sua conversão em renda da Fazenda Pública. Torna-

se, com essa decisão, desnecessário o intitulado “lançamento para prevenir a decadência” nos

tributos com exigibilidade suspensa por força de depósito judicial.

Trata-se de verdadeira evolução do conceito de autolançamento, que até então exigia

a quantificação do valor devido pelo contribuinte por meio de declarações revestidas de

formalidades legalmente previstas.

Atualmente, basta que se preencha uma guia de depósito judicial e o efetue para que

o lançamento por homologação se considere realizado, independentemente do cumprimento

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dos deveres instrumentais que historicamente substituíam, até então, a atividade do Fisco de

indicar a base de cálculo, a alíquota aplicável e o quantum a pagar.

5.7. Pagamento antecipado e a homologação do lançamento (art. 156, VII).

Com esforço na sistemática dos tributos mencionados no art. 150 do CTN, nos quais

o contribuinte antecipa o pagamento e aguarda a posterior homologação do Fisco, o inciso VII

do artigo 156 elenca como causa extintiva do crédito tributário o pagamento antecipado e a

homologação do lançamento. Vale dizer, ao teor da disposição legal não é o pagamento em si

que extingue o crédito, mas a soma deste com a sua homologação, que ocorre de forma tácita

após um lustro contado do fato gerador ou, caso o contribuinte tenha agido com dolo, fraude,

simulação ou não tenha pago nada a título de tributo, do primeiro dia do exercício seguinte ao

que o lançamento poderia ter sido efetuado.

Ab initio, é notável que o conceito legal de pagamento antecipado positivado neste

inciso pretende referir-se ao pagamento que precede ao lançamento tributário e não à própria

ocorrência do fato gerador.

Com efeito, a antecipação do imposto caracteriza-se como depósito-caução, situação

por Antônio Berliri (1971, v.2, pp. 478) denominada de “obrigação acessória de natureza

cautelar”. Aliás, há autores que sustentam haver imprecisão técnica no dispositivo pois, a

partir da ocorrência do fato gerador, por imposição legal, o tributo já se torna devido, de

modo que não há que se falar em pagamento antecipado, mas sim em pagamento, puro e

simples. Nesse sentido, inclusive, não haveria distinção entre o pagamento previsto no inciso I

do art. 156 e o pagamento “antecipado” mencionado no inciso VII.

A única diferença, neste caso, é que o pagamento, embora destinado a satisfazer a

obrigação tributária, pode ser insuficiente para extingui-la totalmente, e, assim, caberá

lançamento de ofício para exigência da diferença, desde que dentro do lustro decadencial.

Confirmando este entendimento – apesar de contrariar jurisprudência sedimentada

em sentido contrário, que sustentava a ocorrência da extinção do crédito tributário somente

após a “homologação do lançamento” – a LC n˚ 118/05 dispôs que, nos tributos lançados por

homologação, a extinção do crédito tributário se dá no momento do pagamento antecipado,

caso, obviamente, este tenha sido realizado.

5.8. Decisão administrativa irreformável (art. 156, IX).

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O artigo 156, IX, do CTN prevê a extinção do crédito tributário pela decisão

administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não

mais possa ser objeto de ação anulatória.

Duas observações se apropositam quanto a este dispositivo.

A primeira é a de que, sendo a anulação por vício de forma do lançamento, a

obrigação tributária subsistirá e haverá possibilidade de novo ato de lançamento pela

Administração Tributária.

A segunda refere-se à impossibilidade de a Fazenda Pública se insurgir judicialmente

contra a decisão definitiva em favor do contribuinte, porquanto fruto da autotutela vinculada

do próprio ente tributante.

Não obstante, o Parecer PGFN/CRJ n˚ 1.087/2004 e a sua respectiva Portaria PGFN

n˚ 820/2004 sustentam a possibilidade de, em determinadas hipóteses, a União Federal

recorrer ao Poder Judiciário para anular decisões administrativas definitivas prolatadas pelo

CARF.

Até o momento, todavia, não se tem notícia de sucesso desse tipo de tentativa, tendo

inclusive sido vetado, pelo STJ, o manejo pela Fazenda Nacional de recurso hierárquico ao

Ministro da Fazenda contra decisões do CARF que tenham favorecido o contribuinte.

Fundado no DL n˚ 200/67, o recurso somente seria cabível, consoante a orientação do STJ,

para o “reparo de nulidades” pela autoridade ministerial, sendo-lhe defeso adentrar no mérito

da decisão tomada pelo órgão julgador administrativo (cf. STJ, Primeira Seção, MS n˚

8.810/DF, Relator Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 06.10.2003, p. 197).

5.9. Decisão judicial passada em julgado (art. 156, X).

Sobre a coisa julgada extintiva do crédito tributário, dois comentários são

necessários, para além das já tradicionais constatações de que tanto Fisco como contribuintes

podem ajuizar ação rescisória, salvo nos casos de violação a literal dispositivo de lei que, à

época do trânsito em julgado, fosse de interpretação controvertida nos Tribunais, embora

posteriormente tenha se fixado em favor da pretensão do autor (Súmulas 134/TFR e

343/STF).

A primeira observação que se faz, com esforço em Heleno Torres (2011, pp. 351-2),

refere-se à impropriedade do texto da Súmula 239/STF, segundo a qual “decisão que declara

indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação

aos posteriores”. Como esclarece o Professor da USP, tal orientação tinha cabimento nos

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tempos da vigência do princípio de “anualidade”, pelo qual, a cada ano, a autorização de

cobrança dos tributos deveria ser “renovada” pela lei orçamentária, como foi até a

Constituição de 1967. Dessarte, à luz da CR/88, a aplicação da Súmula 239 está hoje limitada

às ações anulatórias de débito fiscal e mandados de segurança repressivos, não se prestando a

restringir os efeitos da coisa julgada em ações de natureza declaratória, que visam a acertar

em definitivo a relação jurídico-tributária litigiosa entre Fisco e contribuinte.

A segunda constatação, que está na pauta do dia, refere-se à possibilidade de o

contribuinte acobertado pela coisa julgada soberana ser instado a pagar tributo do qual foi

desonerado a partir do momento em que o STF decida de modo contrário em outro feito, seja

este uma ação com efeitos erga omnes, seja um recurso com efeitos inter partes, desde que,

neste último caso, a decisão seja tomada com base no art. 543-B do CPC (é dizer, em sede de

recurso representativo de controvérsia).

Tal entendimento, externado no Parecer PGFN n˚ 492/2011, tem causado diversas

celeumas, especialmente porque o parecer também exonera do pagamento do tributo

declarado indevido pelo STF o contribuinte que tenha, contra si, coisa julgada soberana

desfavorável – o que legitimaria, portanto, a cobrança pretendida.

A nosso sentir, uma declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes no

âmbito do STF opera uma mutação no ordenamento jurídico. Sendo certo que a coisa julgada

somente vale se prevalecerem as condições jurídicas vigentes ao tempo de sua prolação, a

declaração de invalidade de uma lei tributária poderia, sim, fazer cessar a produção dos

efeitos da coisa julgada – desde que, reitera-se, tomada em sede de controle concentrado de

constitucionalidade.

Todavia, a declaração de constitucionalidade em sede de controle concentrado, assim

como eventuais decisões tomadas no âmbito do controle difuso de constitucionalidade não

modificam o ordenamento jurídico aplicável ao contribuinte abrigado pela coisa julgada

soberana. A uma, porque toda lei tem presunção de constitucionalidade pela sua simples

publicação; a duas, porque decisões tomadas em sede de recursos representativos de

controvérsia vinculam apenas os demais casos em curso no Judiciário e não aqueles já

julgados definitivamente.

5.10. Dação em pagamento de bens imóveis (art. 156, XI).

Já tendo sido objeto de comentários no tópico relativo à taxatividade da lista do art.

156 do CTN, registre-se aqui apenas que a dação em pagamento não conflita com o conceito

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de “prestação pecuniária”, ínsito ao tributo. Afinal, como predica o art. 3˚ do Código, tal

prestação será “em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir”, sendo perfeitamente factível

que, para atender ao interesse público, a legislação, observando os princípios da moralidade,

impessoalidade, publicidade e eficiência estipule a alternativa da dação em pagamento para

extinguir, em situações específicas, o crédito tributário.

6. Conclusões.

Do exposto, infere-se que a matéria atinente às causas extintivas do crédito tributário

se escora basicamente nos institutos erigidos pelo Direito Civil, todavia com efeitos próprios

atribuídos pelo legislador tributário.

O mecanismo legal de extinção do crédito tributário é direito do administrado e se

insere dentre as limitações ao poder de tributar, com o fim de atribuir certeza e previsibilidade

ao administrado quanto à sua emancipação liberatória do vínculo obrigacional.

É de se notar, portanto, que as especificidades do liame obrigacional tributário

impõem a necessidade de regramento rígido no tocante à caracterização do solutio da

obrigação tributária, e que assim se distingue do Direito Civil em matéria de obrigações.

No Direito Tributário, afinal, é a rigidez da previsibilidade de liberação da obrigação

heterodeterminada que traduz a garantia de segurança na relação jurídica entre as partes do

liame obrigacional tributário, assim como preserva os interesses públicos, dos quais o

princípio da indisponibilidade dos bens pelo Administrador é um dos corolários.

7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.

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O PROCESSO TRIBUTÁRIO E A VULNERABILIDADE DO CONTRIBUINTE

TAX PROCEDURE AND THE VULNERABILITY OF THE TAXPAYER

MARCELLA GOMES DE OLIVEIRA 1

FERNANDO GUSTAVO KNOERR 2

RESUMO O presente trabalho objetiva demonstrar a importância da discussão da vulnerabilidade do contribuinte em relação ao processo tributário, mencionando que o processo tributário deve ser regido por uma disciplina específica e híbrida, pois se localiza principiologicamente na exata fronteira entre o regime de direito público e o de direito privado, nutrindo-se parcialmente de ambos. Visa-se, neste contexto, identificar a vulnerabilidade do contribuinte, partindo-se, para esta análise, do pressuposto da introdução de noções de processo tributário, relação tributária de direito material, inviolabilidade do direito de defesa, lançamento, processo administrativo tributário e seus meios de prova, de modo a esclarecer a relação existente entre contribuinte e Estado e a potencialização, por este, da vulnerabilidade daquele, para que assim se possa proteger o contribuinte, de maneira a identificar as diversas formas de vulnerabilidade e a possibilidade de sua atenuação. Menciona-se também a discussão sobre a criação do Código de Defesa do Contribuinte que surgiria para identificar e preservar os direitos e garantias do contribuinte, verificando os direitos, os deveres e a responsabilidade que deve ser atribuída tanto ao sujeito ativo quanto ao sujeito passivo da relação tributária. PALAVRAS-CHAVE: processo tributário, direito de defesa, vulnerabilidade, contribuinte.

ABSTRACT This present work has as its goal to demonstrate the importance of the discussion of the taxpayer vulnerability in relation to the tax procedure, mentioning that the tax procedure must be governed by one specific and hybrid discipline, because it refers on both private and public law. The intention is to identify the existence of the taxpayer vulnerability, the premise for this analysis is the assumption of the introduction about the notions of tax procedures, juridical tributary relationship, inviolability of the rights of defense, tax launch, administrative tax procedure and its means of proof, in way to clarify the relation between the taxpayer and the State, which leverages the taxpayer’s vulnerability, in order to protect him identifying the various forms of vulnerability and the possibility of its reduction. It’s also possible to mention about the discussion of the creation of the Taxpayer Defense Code, which would appear in manner of identifying and

1 Membro do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania”, liderado pela Profª Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, registrado no CNPQ. 2 Professor Doutor pelo Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania pelo Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA.

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preserving the taxpayer’s rights and warranties, verifying the rights and obligations and the responsibility that must be attributed to both active and passive agents. KEYWORDS: tax procedure, right of defense, vulnerability, taxpayer. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO TRIBUTÁRIO. 2.1 A RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. 3 A INVIOLABILIDADE DO DIREITO DE DEFESA. 4 LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. 5 PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. 5.1 DA PROVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO. 6 PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO. 7 VULNERABILIDADE DO CONTRIBUINTE. 8 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

O assunto a ser tratado é o processo tributário e a vulnerabilidade do contribuinte,

considerando que a existência de normas tributárias tem como função dirimir os conflitos entre

Estado e cidadãos e para a garantia a aplicação de tais normas verifica-se a presença do Processo

Tributário, buscando pela realização da justiça.

O desenvolvimento do Processo Tributário invoca competência estatal exclusiva,

remetendo ao conjunto de princípios reunidos na noção constitucional de devido processo legal,

na medida em que a disciplina processual tributária edifica-se por meio de elementos presentes na

relação jurídica tributária, dividindo-se material e processualmente e tendo repercussão em sua

dinamização.

Assim é possível visualizar os contornos da lide tributária formando o Processo

Tributário e uma disciplina híbrida, pois gera a otimização da norma jurídica tributária no embate

entre sujeito passivo e ativo, ou seja, interesse privado e público.

A importância disso é que a relação presidida pelo Estado e integrada pelo contribuinte

deve ser submetida a uma categoria jurídica específica por não ter semelhança com as demais.

Cabe mencionar, ainda, que a relação Estado-contribuinte traz à tona uma explanação

acerca da relação jurídico-tributária, mencionando a inviolabilidade do direito de defesa, noções

de lançamento tributário e processo administrativo tributário e sua prova, para, por fim, permitir

focar a vulnerabilidade do contribuinte.

Acerca da vulnerabilidade do contribuinte e sua importância no presente artigo nota-se

que o Estado de Direito potencializa essa figura jurídica existente na relação tributária, gerando

discussão sobre a criação do Código de Defesa do Contribuinte, que identifica diferentes tipos de

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vulnerabilidade, proporcionando soluções para que esta seja atenuada, explicitando direitos e

garantias do contribuinte frente ao Fisco, verificando-se a relevância científica e justificativa para

o meio acadêmico do presente trabalho.

A estruturação dos capítulos foi determinada para dinamizar o alcance desta finalidade.

Estruturou-se o artigo em oito capítulos, iniciando com apontamentos teóricos sobre processo

tributário e continuamente a relação jurídico-tributária, a inviolabilidade do direito de defesa, o

lançamento tributário, o processo administrativo tributário, a prova no processo administrativo

tributário, o processo judicial tributário, a vulnerabilidade do contribuinte e, por fim, a conclusão.

Foi utilizada como metodologia a revisão bibliográfica.

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO TRIBUTÁRIO

A existência e vigência das normas tributárias servem para dirimir de forma definitiva os

conflitos entre o Estado, que é o cobrador de tributos, e os cidadãos, de quem os tributos são

exigidos, porém tais normas demonstram-se insuficientes pela sua função, pois em relação à

aplicação das normas tributárias e para que se tenha a garantia de sua eficácia a fim de dirimir

eventuais conflitos entre Fisco e contribuintes utiliza-se o Processo Tributário ou o Direito

Processual Tributário.

O Direito Processual Tributário insere-se em uma relação jurídica tributária de cunho

obrigacional e deve ser derivado de um conjunto de regras e princípios tanto em sua esfera

administrativa quanto judicial. Na visão de James Marins (2003, p. 16-17) em sua definição da

disciplina jurídica Direito Processual Tributário mencionando a suspensão da exigibilidade do

crédito tributário pela busca da justiça:

Poucas disciplinas jurídicas encontram tão variadas matizes e facetas. Reúne o processo tributário, a um só tempo, problemáticas multiseculares, nem sempre de cunho essencialmente jurídico, mas que encontram notas sempre atuais – como a regra solve et repete na roupagem de depósito garantidor de instância – até questões suscitadas mais recentemente, como a responsabilidade do Estado pelo excesso de tributação ou, ainda, formulações cada vez mais em voga, de que é exemplo, entre nós, a suspensão da exigibilidade do tributo mediante antecipação temporal de tutela jurisdicional. Todo este iter, ademais, está orientado pela incessante busca da realização da justiça. É disciplina tão fértil que permite até mesmo que seja examinada a partir do conteúdo jurídico da doutrina da Tripartição dos Poderes, celebrizada há mais de dois séculos pelo Barão de Montesquieu e podendo-se incluir em sua problemática até mesmo a questão do repúdio da lei pelo administrador (com a finalidade de realização da justiça), e ainda,

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especificamente entre nós, a desmoralizante ação declaratória de constitucionalidade ou a panacéia ainda em gestação denominada súmula vinculante em matéria tributária.

Sobre a aplicabilidade do Direito Processual Tributário que está vinculada de forma

inerente ao Estado, à ideia de seu interesse, nas palavras de James Marins (2003, p. 18):

O Estado cria braços administrativos dedicados a concentrar toda a atividade tributária arrecadatória, avocando para si a solução de todas as lides fiscais. Paradoxalmente tais órgãos administrativos, de modo sistemático, afastam de si a responsabilidade na realização da justiça tributária ao tempo que afastam e cerceiam o Poder Judiciário.

Para que o estudo e a sistematização do Processo Tributário tenham maior efetivação, ou

seja, tenham a precisão dos contornos atuais da relação jurídica tributária e a sua atuação

subsumida ao influxo da concepção atual de Estado de Direito, e também dos princípios jurídicos

de justiça que alicercem o sistema positivo, urge mencionar o devido processo legal, ou seja, a

disciplina processual tributária que se edifica através dos elementos figurados na relação jurídica

tributária, partindo da premissa da divisão material e processual do Direito Tributário e

repercutindo em sua dinamização.

Para Marins a disciplina Direito Processual Tributário torna visível a particularização

dos contornos da lide tributária, gerando a formação do Processo Tributário, e assim, a partir

dessa relação jurídica forma-se então uma disciplina híbrida, buscando a otimização da norma

jurídica tributária no embate estabelecido entre sujeito passivo (interesse privado) e sujeito ativo

(interesse público).

Além do princípio elencado acima existem outros, considerados fundamentais no âmbito

do Direito Processual Tributário, tais como: o princípio da diferenciação do processo tributário,

da harmonia processual, da dualidade de cognição, da tutela judicial efetiva em matéria tributária,

da justiça tributária e o princípio da autotutela vinculada ao ente tributante.

O Processo Tributário inicia-se na Constituição Federal em seu art. 5º, LV: “aos

litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o

contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Desta forma a utilização do termo processo no inciso LV refere-se tanto ao processo de

natureza administrativa quanto judicial. (CASSONE; CASSONE, 2006, p. 02)

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O Direito Processual Tributário deve ser encarado com um cariz diferenciado, pois a

noção peculiar da relação tributária faz com que a lide eclodida no percurso dinâmico desta

relação assuma um caráter estritamente tributário. A relação entre Estado e contribuinte não pode

ser submetida a qualquer outra espécie de categoria jurídica por não assemelhar-se com as

demais. (MARINS, 2003, p. 94.)

2.1 A RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA

A relação jurídico-tributária é uma elementar da definição da espécie Processo

Tributário, pois o processo tributário encontra em sua origem uma outra relação jurídica, e esta

possuir natureza tributária registra as condições que permitem inferir que determinada relação

jurídica detenha caráter tributário. Tal relação tem como vínculo pelo menos dois sujeitos de

direito, diversos um do outro, em relação a um objeto. Essa relação jurídica por sua definição

possui cinco elementos fundamentais, que são: sujeito ativo, sujeito passivo, objeto, direito

subjetivo, e por fim, o dever jurídico, sendo que estes dois últimos elementos funcionam de

forma a conectar os dois primeiros com a mediação do terceiro, ou seja, o objeto. (CONRADO,

2007, p. 27)

Nas palavras de Paulo Cesar Conrado (2007, p. 27-29) a relação jurídico tributária

(obrigação tributária) se qualificaria:

[...] pela especificação do conteúdo semântico dos três primeiros elementos, assim determinados: (i) sujeito ativo, Estado-fisco ou pessoa que haja em seu nome; (ii) sujeito passivo, contribuinte ou pessoa a ele equiparada; e (iii) objeto, tributo, assim entendida a prestação pecuniária a que alude o art. 3º do Código Tributário Nacional. Por consequência lógica, a especificação dos dois restantes, adrede referidos de modo genérico, que ficam assim determinados: (i) direito subjetivo, titularizado pelo Estado-fisco, tendo por objeto justamente o recebimento da prestação pecuniária antes mencionada (tributo); e (ii) dever jurídico, encarnado pelo contribuinte, tendo a entrega do tributo como objeto. Pois é precisamente tal relação, chamada tributária em sentido estrito, que, tornada conflituosa, constitui o fundamento da relação processual especificamente tributária – voltamos à regra: a natureza da relação jurídica onde a noção de conflito se põe denuncia a natureza da relação processual. Significa dizer: o conceito de processo tributário construir-se-á, desalojando-o da generalidade da expressão processo civil, pela constatação de que a relação jurídica cuja conflituosidade se supõe para fins processuais teria os assinalados contornos.

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Desta forma, para a Teoria Geral do Direito a relação jurídico-tributária decorre da

relação jurídica, definida como vínculo abstrato que por força da imputação normativa reconhece

ao sujeito ativo o direito subjetivo de exigir do sujeito passivo o cumprimento de certa prestação

(CARVALHO, 1995, p. 191), estruturando assim esta relação peculiar, norteada pelo conjunto de

prescrições normativas que importam ao Direito Tributário, aparecendo através de duas formas

de relações, ou seja, as de substância patrimonial e os vínculos pelos quais fazem brotar meros

deveres administrativos. (CARVALHO, 1995, p. 194-195)

3 A INVIOLABILIDADE DO DIREITO DE DEFESA

A inviolabilidade do direito de defesa encontra-se presente no texto constitucional.

Neste sentido Cezar Britto e Marcus Vinicius Coêlho (2011, p. 4-5) afirmam que:

O diploma legal, corolário do direito de defesa e decorrência do estado de direito, proclama a liberdade do cidadão de se defender diante do autoritarismo, da arrogância, da perseguição, da má-fé, da incompetência ou do simples erro do Estado. Afirma a prevalência dos direitos humanos em oposição ao discurso da intolerância.

Sobre a inviolabilidade da defesa e o devido processo legal cabe evidenciar que o direito

de defesa, imprescindível limitador do poder estatal, está assegurado pelo processo e deve ser

compreendido como um instrumento essencial para o avanço democrático. (BRITTO; COÊLHO,

2011, p. 7)

Desta forma é possível verificar o reconhecimento e a proteção dos direitos do homem e

a vinculação dos poderes às leis vigentes e, ainda, a existência de controle dos atos e decisões por

um Judiciário independente através da submissão do Direito à legitimidade do poder do Estado

pelo Estado Democrático de Direito, pois a arbitrariedade não se legitima pelo simples fato de

originar-se do próprio poder estatal. (BRITTO; COÊLHO, 2011, p. 9)

No sistema jurídico contemporâneo o direito de defesa é fundamento e base do Estado

Democrático de Direito, pautado pela proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana,

mostra-se fruto de uma longa e dificultosa construção do homem. O devido processo legal,

portanto, nos sentidos procedimental e substancial tem o significado de garantir o diálogo

processual, a distribuição da jurisdição de modo efetivo e justo e possibilitar a ampla defesa, de

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modo a imperar o bom senso, a proporcionalidade e a razoabilidade. (BRITTO; COÊLHO, 2011,

p. 11)

A configuração da defesa tem seu conceito ampliado pela Constituição Federal de 1988,

no sentido de que ela constitui um âmbito de proteção contemplando todos os processos,

administrativos ou judiciais, não se resumindo apenas a um simples direito de manifestação do

processo, para Cezar Britto e Marcus Vinicius Coêlho (2011, p. 14):

A ampla defesa é o “direito de ver seus argumentos contemplados pelo órgão julgador” e o “exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria jurídica”.

O direito de defesa disposto pela norma brasileira visa proteger e garantir o equilíbrio

democrático entre o cidadão e o Estado, tendo o homem como o mais importante bem jurídico

tutelado, assim sendo, o Estado possui o direito de punir mas não pode retirar o direito de o

cidadão se defender (BRITTO; COÊLHO, 2011, p. 72), pois o homem é o centro gravitacional da

Constituição Federal e o povo pilastra do Estado Democrático de Direito. (BRITTO; COÊLHO,

2011, p. 74)

4 LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

Quanto ao lançamento tributário na perspectiva da relação entre Estado e contribuinte é

relevante salientar as figuras da parafiscalidade, fiscalidade e extrafiscalidade, sendo que a

primeira é a situação em que ocorre a delegação de capacidade ativa circunscrita em três

atividades: a arrecadação, a fiscalização e a cobrança, diferenciando-se das demais, pois elas se

diferem de acordo com os objetivos fiscais.

Os que formam a fiscalidade têm como premissa a arrecadação de receita para o erário,

já os motivo extrafiscais, que configuram a extrafiscalidade, utilizam-se dos tributos para regular

a conduta dos particulares, incitando a função promotora que parte da premissa de que o direito

pode ser utilizado para promover, incentivar ou inibir comportamentos, ou seja, os tributos de

arrecadação fiscal atingem a propriedade dos particulares e os considerados extrafiscais atingem

sua liberdade.

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Desta forma é possível demonstrar o controle detido pelo Estado frente aos cidadãos, de

modo que ao contribuinte são concedidos direitos para que ele possa realizar de forma plena a

ampla defesa e o contraditório, com possibilidade de provocar a Administração Pública a realizar

seu dever de autotutela vinculada ou o autocontrole.

Porém é necessário explicar sobre a obrigação tributária que se refere à relação jurídica

havida em decorrência da incidência da norma estabelecida na lei tributária acerca do fato de que

nela se encontra previsto (art. 113 do CTN). Quando acertada, quantificada e liquidada, a relação

tributária é remetida a outra fase, torna-se líquida, certa e exigível, essa fase denomina-se,

conforme explícito no Código Tributário Nacional, crédito tributário, que na visão de Luciano

Amaro (2011, p. 366)

A disciplina do “crédito tributário” começa pela insólita afirmação do citado art. 139, no sentido de que tal crédito “decorre” da obrigação tributária. O Código, tendo dito que a obrigação nasce com o fato gerador (art, 113, §1º), para depois dizer que o crédito tributário somente surge com o lançamento (art. 142), entendeu necessário atestar que o crédito seria uma “decorrência” da obrigação, sem se dar conta de que, decorrendo da obrigação, ele não precisaria ser objeto de lançamento para “constituir-se”.

O lançamento (art. 142 do CTN) é a liquidação, ou seja, o acertamento ou quantificação

da obrigação tributária. Tal definição explicitada no art. 142, CTN é criticada por parte da

doutrina, pois há tributos, especificadamente as taxas, que são cobrados em valores fixos e não

precisam de cálculo, figurando hipótese em que ainda que exista o lançamento não se pode dizer

que sobre ele tenha que se calcular o valor do tributo devido, pois a autoridade que realiza o

lançamento não propõe aplicar alguma penalidade.

Para alguns doutrinadores o lançamento seria um ato administrativo, não sendo

considerado um procedimento, pois conforme os arts. 147, 149 e 150 do CTN, existem três

espécies de lançamento: o lançamento de ofício (realizado pela administração independentemente

da participação ou provocação de terceiros interessados, ex.: IPTU), o lançamento por declaração

(ocorre quando é levado ao conhecimento da autoridade administrativa o acontecimento de um

fato tributável e sua dimensão econômica pelo sujeito passivo, que aguarda o cálculo do tributo

devido e sua notificação por parte da administração, para que enfim efetue o pagamento

correspondente ou para que apresente a impugnação, ex.: ITBI) e o lançamento por homologação

(quando a apuração do montante devido cabe ao sujeito passivo, que também deve realizar o

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pagamento do tributo antes da manifestação da autoridade fazendária acerca desta apuração, ex.:

IPI). Luciano Amaro (2011, p. 370-371) esclarece tal entendimento:

Define lançamento não como um ato da autoridade, mas como procedimento administrativo, o que pressuporia a prática de uma série de atos ordenada e orientada para a obtenlão de determminado resultado. Ora, o lançamento não é procedimento, é ato, ainda que praticado após um procedimento (eventual, e não necessário) de investigação de fatos cujo conhecimento e valorização se façam necessários para a consecução do lançamento.

O lançamento possui natureza declaratória frente à obrigação tributária e constitutiva do

crédito tributário quanto à realidade formal autônoma, de maneira a ser aplicada ao lançamento a

legislação que era vigente quando da ocorrência do fato gerador, mas em relação aos aspectos

materiais da relação tributária a ser acertada e em relação aos aspectos formais do procedimento,

deve ser aplicada a legislação vigente na data em que foi realizado o lançamento, conforme

disposto no art. 144, CTN, neste sentido Sacha Calmon Navarro Coêlho (2011, p. 660-661)

afirma que:

O lançamento aplica a lei, não é lei, não podendo, pois, criar o crédito a ser pago pelos sujeitos passivos da obrigação. Não é por outra razão que o CTN, já no art, 144, dispõe que “o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada”.

É necessário ao lançamento a devida fundamentação, para que não seja considerado

inválido, da mesma forma é indispensável a comprovação e a notificação do sujeito passivo,

determinando-lhe um prazo para efetivação do pagamento ou impugnação administrativa, tal

impugnação pode ser realizada pelo sujeito passivo em razão do direito de petição e das garantias

do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, XXXIV, a, LIV e LV da

CF), ou seja, o direito fornecido ao contribuinte de provocar a Administração Pública para que

ela exerça sobre esse ato administrativo a autotutela vinculada ou o autocontrole, decorrente do

princípio da legalidade. Essa autotutela deve ser exercida através de um processo administrativo,

no qual é assegurada a participação em contraditório do cidadão, com amplas possibilidades de

defesa.

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Para que o sujeito passivo provoque o exercício de autotutela ou autocontrole da

Administração Pública é necessário dar início ao processo administrativo por meio da

impugnação, que é o instrumento utilizado para o exercício do seu direito de defesa.

O lançamento configura um ato administrativo que externa a exigibilidade da obrigação

tributária, sendo importante frisar que:

A exigibilidade do crédito pelo sujeito ativo depende, pois, do lançamento. Isso, que naturalmente ocorre com os tributos sujeitos a lançamento de ofício e por declaração, está presente também nos tributos sujeitos a lançamento por homologação sempre que o sujeito passivo descumprir o dever legal de recolher o tributo, hipótese em que cabe à autoridade administrativa lançar de ofício para que possa exercitar o seu direito de conbrança. Antes do vencimento do prazo para pagamento, o sujeito ativo fica em posição de expectativa, aguardando o cumprimento da obrigação, na forma exigida pela lei. Esgotado esse prazo, compete-lhe agir, no sentido de lançar de ofício o tributo para poder exigi-lo. (AMARO, 2011, p. 402)

Externada a exigibilidade da obrigação tributária por meio do lançamento dá-se ensejo à

inscrição na dívida ativa como respaldo de uma eventual execução fiscal. Pela notificação do

lançamento ao sujeito passivo (art. 145 do Código Tributário Nacional) o Fisco demonstra sua

pretensão tributária de modo formal ao contribuinte, dinamizando a relação obrigacional de

forma que, se neste momento o sujeito ativo (Estado) não tiver formalizado sua pretensão em

face do sujeito passivo (contribuinte) e se no procedimento tributário não houver caráter litigioso,

não incidirão as regras de processo tributário. Contudo, se demonstrada a litigiosidade na relação

tributária frente à existência de uma pretensão fiscal do Estado (notificação de lançamento) e

houver a resistência do sujeito passivo (através da impugnação administrativa formal), iniciar-se-

á a etapa de transformação do procedimento de lançamento no chamado processo administrativo

fiscal presidido pelas garantias processuais do contribuinte.

5 PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

O processo administrativo tributário surge através da atuação da Administração Pública,

movimentada por meio de atos interligados e disciplinados de forma a garantir a efetividade do

controle de sua legalidade e eventual participação dos sujeitos interessados.

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Em relação a essa série de atos interligados pelos quais a Administração Pública realiza

suas atividades, buscando um resultado final que deve ser legitimado pela participação das

pessoas que serão afetadas por ele, e consistindo seu desenvolvimento organizado de forma a

facultar ou permitir tal participação, referimo-nos acerca de um processo administrativo. Porém

quando o resultado final gerar a resolução de um conflito firmado entre o cidadão e a

Administração Pública, a participação dos interessados deverá ocorrer em contraditório (art. 5º,

LV da CF). Refere-se Machado Segundo (2010, p. 04-05) em relação ao processo administrativo:

Em face do princípio da legalidade, entende-se que a Administração Pública pode rever seus próprios atos, anulando-os, quando neles constate alguma ilegalidade. É a chamada “autotutela vinculada”, também conhecida como “autocontrole”, da Administração. Quando se sente prejudicado por ato praticado pela Administração Pública, o cidadão pode, nos termos da lei, provocar o exercício do autocontrole sobre esse ato, pleiteando seu reexame a fim de que se corrija a ilegalidade nele presente. Trata-se de decorrência do próprio direito de petição (CF/88, art. 5º, XXXIV, a), que, em face do direito ao devido processo legal administrativo, à ampla defesa e ao contraditório, no qual se devem assegurar amplas oportunidades de manifestação e defesa ao cidadão interessado.

Já na visão de James Marins (2003, p. 94) sobre o processo administrativo tributário,

este propõe a conceituação de tal instituto:

O processo administrativo tributário contempla o conjunto de normas que disciplina o regime jurídico processual-administrativo aplicável às lides tributárias deduzidas perante a administração pública (pretensões tributárias e punitivas do Estado impugnadas administrativamente pelo contribuinte). Integra, ao lado do processo judicial tributário o denominado Direito Processual Tributário.

O processo administrativo tributário não deve ser confundido com o procedimento

administrativo tributário, pois este contempla a preparação do lançamento, que é o momento em

que o Estado demonstra sua pretensão tributária frente ao contribuinte, e configura através do

procedimento fiscal ato meramente apuratório ou fiscalizatório. O momento seguinte ao

lançamento tributário é passível do processo administrativo, sendo necessário que o sujeito

passivo desista dos meios de impugnação previstos administrativamente e ofereça de maneira

formal a resistência à pretensão gerada pelo Fisco. Quando a lide fiscal se formaliza o

procedimento fiscal transforma-se em processo tributário. (MARINS, 2003, p. 94)

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Sobre a distinção entre processo e procedimento feita pelos processualistas, de acordo

com Paulo Celso Bonilha, ela se apresenta no sentido de o processo ser a soma de atos que se

realizam para compor o litígio e de o procedimento ser somente a ordem e sucessão da sua

realização, ou seja, o modo e a forma pelos quais se movem os atos ocorridos no processo.

Assim, a terminologia “processo” era utilizada exclusivamente para referir-se ao processo

judicial. (BONILHA, 1997, p.58)

Desta forma o processo administrativo é a etapa litigiosa no percurso para que a

obrigação tributária seja formalizada na esfera da Administração Tributária, sendo o processo

administrativo considerado como um vértice do Direito Processual Tributário, de forma que o

procedimento de lançamento encontra-se no âmbito do Direito Tributário Formal.

Este tipo de processo encontra raízes na Constituição Federal, como já demonstrado em

seu artigo 5º, inciso LV.

Neste viés, a Constituição Federal afirma princípios e institucionaliza o processo

administrativo com diversos pontos de afinidade com o processo jurisdicional, pois em ambos

está presente a atividade estatal aparelhada para a composição de litígios por força das

disposições do ordenamento jurídico, e ainda que as decisões tenham efeitos de natureza e grau

diferentes, a jurisdicionalidade demonstra-se presente nas sentenças do processo judicial.

Assim, na seara processual patenteia-se a redescoberta e o resgate do processo

administrativo como espécie do fenômeno processual e a partir disso o necessário tratamento e

contemplação sob a visão da teoria geral do processo. (BONILHA, 1997, p. 60)

5.1 DA PROVA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

A prova possui grande relevância, pois é considerada um meio de convencimento do juiz

na busca a verdade material. Deste modo ressalta-se a necessidade de sua ampla produção e da

análise cautelosa em certos aspectos de determinados tipos de prova.

Acerca da vulnerabilidade do contribuinte cabe mencionar que as alegações trazidas em

consideração tanto pelos contribuintes como responsáveis tributários e informações fornecidas

pelo Fisco são consideradas confissão quando utilizadas como provas.

A se falar em prova no processo tributário é necessário apresentar alguns conceitos,

como o significado da verdade como sistema de garantias, o significado do vocábulo “prova”,

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que são os possíveis meios de prova, a convicção da certeza e o paradoxo entre probabilidade e

certeza.

Existem algumas teorias que regem a verdade, tais como o pragmatismo, o consenso, a

correspondência, a coerência, o idealismo lógico, e por fim o fenomenalismo. A verdade ainda

pode ser formal ou material, sendo a primeira de acordo com Alessandra Dabul (2004, p. 60):

[...] a verdade formal é aquela que se busca de acordo com regras processuais, uma vez não realizada a prova de determinado fato, em momento processual oportuno, a alegação de veracidade de tal fato será desconsiderada, sobrepondo-se à forma, a formalidade processual ao conteúdo do fato. (DABUL, 2004, p. 61)

Desta forma, a segunda tem sua conceituação como a certeza histórica adquirida para o

processo através de uma ou mais observações probatórias, por meio das quais os resultados

devem ser apreciados pelo juiz com plena e absoluta liberdade de critério, ou seja, a verdade

material mostra-se como o convencimento do juiz obtido em regime de livre apreciação da prova,

independente da relação entre o convencimento e a realidade.

A livre apreciação das provas que não contenham a formalidade processual não poderá

conduzir o julgador à verdade absoluta, mas a uma verdade subjetiva.

Sendo assim, parece-nos que a verdade material no processo administrativo tributário será sim, perseguida, mas dentro dos limites formais que conduzem tal processo. Se as regras descritas na legislação aplicável ao processo administrativo estiverem de acordo com o sistema da Constituição Federal, serão o norte à apreciação da prova pelo julgador, lembrando que é certo que não cabe ao mesmo produzir a prova e sim, seu convencimento em relação à prova que lhe é submetida à apreciação. ( DABUL, 2004, p. 61)

Sobre a verdade como sistema de garantias aplica-se ao processo administrativo

tributário o princípio que tem por finalidade obter a verdade material. É válido relembrar que a

produção de provas no processo administrativo fiscal difere da produzida no processo judicial,

desta forma:

[...] o processo administrativo fiscal tem por finalidade primordial a confirmação do ato praticado pela fiscalização em nome de seu dever e do exercício de função pública, que somente será admitido se realizado de acordo com as leis vigentes, isto porque não há

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tributação sem lei anterior que defina tal ou qual hipótese como passível de tributação se efetivamente ocorrer no mundo jurídico. Assim, o processo administrativo se desenrola tendente a provar que o lançamento efetuado nos moldes do pretendido pela administração pública é sustentável, válido, em face da legislação em vigor, por ter ocorrido levando-se em consideração tão-somente a aplicação, de maneira correta e pertinente da legislação em vigor. (DABUL, 2004, p. 64)

A busca da verdade é uma garantia da aplicabilidade da lei em cada caso concreto, tendo

com sua comprovação a certeza de que o processo atingiu sua finalidade, demonstrando que não

houve tributação sem lei anterior que a definisse, constituísse ou autorizasse constitucionalmente

sua exigência. A garantia buscada pela comprovação da verdade é a de que a tributação existente

deve estar conforme a legislação tributária em vigor, sendo que só haverá ampla produção das

provas relacionadas à atividade do lançamento de maneira direta ou indireta.

O processo administrativo tributário tem por objetivo a busca da verdade material nos

limites possíveis de sua produção, não sendo dispensada a apresentação dos indícios que

confirmam que a verdade material pode ser alcançada.

Acerca dos sujeitos da prova na concepção de Paulo Celso Bonilha (1997, p. 67):

São sujeitos da prova, assim, tanto o contribuinte quanto a Fazenda, com o intuito de convencer a autoridade julgadora da veracidade dos fundamentos de suas opostas pretensões. Esse direito de prova dos titulares da relação processual convive com o poder atribuído às autoridades julgadoras de complementar a prova.

Outro conceito de prova e a necessidade de sua utilização mostram-se através da

aplicação da lei ao fato, portanto:

Fazer justiça, em princípio, é aplicar a lei ao fato. Indispensáveis, portanto, à administração da justiça o conhecimento da lei e da verdade do fato. A descoberta desta verdade como elemento essencial ao julgamento, impõe a exigência da prova. Em suma, como enuncia Chiovenda, “provar significa formar o convencimento do juiz sobre a existência ou inexistência dos fatos relevantes do processo”. Em outras palavras, o vocábulo prova (do latim “proba”, de “probare”) pode ser tomado em duas acepções: no sentido de tudo quanto possa convencer o juiz da certeza de um fato (acepção objetiva); e no sentido da convicção ou certeza da existência ou inexistência de um fato assumida pelo juiz (acepção subjetiva). (BONILHA, 1997, p. 68-69)

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A prova possui um objeto que são os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas

partes que podem ser os que fundamentam a ação ou os indicados na contestação. Como a

destinação da prova é o juiz, este quer e necessita saber a verdade sobre os fatos demonstrados

pelas partes, portando, a produção da prova é indispensável, pois é nela que o juiz buscará formar

sua convicção.

Desta forma é possível o entendimento dos meios de prova como instrumentos ou provas

por meio dos quais haverá a representação dos fatos no processo, assim sendo, os meios de prova

podem variar conforme a necessidade da utilização de métodos técnicos e juridicamente idôneos

para a fixação dos determinados fatos em juízo. (BONILHA, 1997, p. 69)

A se falar nos meios de prova no processo administrativo tributário surge a questão da

admissibilidade de todos eles na fase administrativa contenciosa, pois nessa fase o traço

predominante é o da amplitude da utilização desses meios de forma a não haver limitações

referentes às provas que podem ser produzidas no processo administrativo. Assim, parte-se da

premissa de que deve ser admitida qualquer classe de prova, desde que aceita na legislação

processual vigente tanto em matéria civil quanto do trabalho.

Desta forma cabe dizer que no processo administrativo tributário não existe limitação

expressa, observa-se que nele predominam as provas documental, pericial e indiciária, não se

utilizando muito a prova testemunhal e a inspeção ocular da autoridade julgadora, a função da

confissão também é limitada. (BONILHA, 1997, p. 82-83)

De acordo com Bonilha (1997, 82-83) a confissão deve ser interpretada invocando o

Código de Processo Civil com foco na hipótese de sua utilização no processo administrativo

tributário, portanto:

Como prescreve o artigo 348 do Código de Processo Civil (em sua primeira parte): “Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato contrário ao seu interesse e favorável ao adversário”. Consiste, pois, a confissão no reconhecimento da verdade, por uma das partes, dos fatos (ou parte deles) alegados pela parte contrária. Essa situação sói acontecer no processo administrativo tributário quando, no seu decurso, o impugnante venha a reconhecer, expressamente, a procedência dos fatos alegados pela Fazenda. Este elemento probatório, todavia, deve ser sopesado no conjunto das provas do processo e seu efeito cuidadosamente avaliado no momento da apreciação e do convencimento da autoridade julgadora. Isto porque a confissão deixou de ser considerada a “rainha das provas”, concepção superada e que não mais se coaduna com o avanço da ciência processual.

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As alegações firmadas pelos contribuintes, os responsáveis tributários e as informações

do Fisco consideram-se confissão conforme sejam utilizadas como elementos probantes. (MELO,

2006, p. 151)

Como o contribuinte procede ao registro de suas atividades e os assentos patrimoniais,

isto representa uma autêntica confissão como consequente efeito tributário. Da mesma forma

ocorre com os parcelamentos de valores tributários, nos quais o contribuinte firma termo de

confissão irretratável e irrevogável de débitos, renunciando a qualquer linha de questionamentos

nos âmbitos administrativo e judicial. (MELO, 2006, p. 152)

Assim sendo, a confissão realizada pelo sujeito passivo merece ser analisada com

restrições, pois a obrigação tributária, de acordo com o princípio da legalidade, não decorre da

vontade das partes, mas sim exclusivamente da lei, de maneira que mesmo que haja a confissão

da ocorrência do fato jurídico tributário pelo sujeito passivo em algum momento do processo, e

se comprove que aquele fato não ocorreu, sua manifestação demonstrada na confissão não terá o

poder de validar a obrigação tributária. (HOFFMANN, 1999, p. 210)

6 PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO

O sujeito passivo, ainda que tenha sido vencido na fase administrativa ou se porventura

venha a preferir utilizar-se desta discussão administrativa, pode intentar ações judiciais para

garantir seus direitos. Ao Estado também é possível a utilização da seara judicial para satisfazer

seu direito, como por exemplo, no caso da interposição de execução judicial.

Na visão de Luiz Fernando Maia (2009, p. 383):

O Processo Judicial Tributário visa tornar clara e precisa a vontade da lei incidente em cada caso concreto de Direito Tributário submetido à justiça. Tanto o Fisco como o contribuinte têm esse direito em face do permissivo exarado no art. 5º, XXXV, da Constituição.

A ação é vista como um direito público, subjetivo que é disciplinado pelo direito

processual, tendo natureza abstrata e com a finalidade de produzir efeitos jurídicos obtidos pela

intervenção do Poder Judiciário, que é detentor da jurisdição por meio da qual chega o processo.

Como uma resposta à ação temos a atividade jurisdicional, que se mostra procedente quando

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fundada na lei e improcedente se não tiver respaldo legal, já como exemplo das ações julgadas

improcedentes podemos citar as sentenças declaratórias negativas, pois declaram negativamente o

direito do autor.

As ações procedentes podem ser classificadas como ações de conhecimento, aquelas nas

quais na sentença o juiz declara o direito das partes. As ações de conhecimento ainda se

subdividem em ação declaratória, constitutiva, condenatória, execução e, por fim, a ação cautelar.

Ainda há que se falar nas medidas judiciais que podem ser propostas pelo sujeito ativo

da obrigação tributária, que são: a medida cautelar fiscal e a ação de execução fiscal, a primeira,

instituída pela Lei nº 8.397 de 6/01/1992, possibilita à Fazenda Pública obter a indisponibilidade

patrimonial dos devedores para com o Fisco no limite do valor exigido, impossibilitando a

tentativa de o Estado ser lesado tanto na fase judicial quanto administrativa de cobrança, visando

obter o resultado disposto no art. 591 do CPC:

Art. 591 - O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.

Devemos mencionar também o disposto no art. 593 da mesma legislação no que diz

respeito à fraude de execução sobre a alienação de bens.

Art. 593 - Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III - nos demais casos expressos em lei.

Tal instituto pode ser requerido pelo sujeito ativo contra o sujeito passivo da obrigação

tributária em uma série de casos que, por causa da pouca abrangência do tema, não convém

mencionar.

A ação de execução fiscal encontra-se disposta na Lei 6.830 de 22 de setembro de 1980,

em conformidade com o art. 201 e seguintes do CTN e tem como instrumento hábil para sua

interposição a certidão e visa cobrar a dívida ativa da União, dos Estados e dos Municípios e das

autarquias.

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Uma terceira ação ainda pode ser proposta pelo sujeito ativo, que é a ação declaratória

de nulidade de decisão administrativa contra o direito ao crédito tributário pela Fazenda Pública,

porém tal ação recebe algumas críticas, pois esta busca a declaração de uma nulidade de uma

decisão sua.

Quanto ao sujeito passivo, a ele cabe interpor as seguintes ações: embargos à execução,

mandado de segurança, ação cautelar inominada, ação de consignação em pagamento e ações

ordinárias que se subdividem em ordinária declaratória, anulatória de débito tributário, repetição

de indébito, compensação, rescisória e ainda cabe ao sujeito passivo interpor a ação que versa

sobre a antecipação de tutela jurisdicional em matéria tributária.

7 VULNERABILIDADE DO CONTRIBUINTE

Parte-se da premissa de que o Estado de Direito potencializa a vulnerabilidade existente

na relação tributária, pois é ao mesmo tempo criador da regra obrigacional, na qual figura como

sujeito ativo (através de seus órgãos legislativos) e ainda formalizador e cobrador da obrigação

em que aparece como credor (por intermédio de seus órgãos fazendários). Também é possível ao

Estado julgar a lide e executar o título executivo através dos órgãos administrativos e judiciais.

Desta forma o Estado fiscal mostra-se como único credor nos ditames do Direito, pois é

criador, executor e julgador da relação tributária obrigacional, de forma que o sujeito passivo

figura como único devedor, restando evidente a vulnerabilidade do contribuinte frente ao credor

onipotente (MARINS, 2009, p. 24). No entendimento de James Marins (2009, p. 25):

Sem dúvida este ente jurídico domina amplamente os três momentos da relação tributária. Momento estático, relacionado ao Direito Tributário Material (DTM); e crítico, relativo ao Direito Processual Tributário (DTP). Semelhante condição de controle pluripotencial do devedor pelo credor não ocorre nas relações obrigacionais civis ou comerciais, quer sejam, excontractus, e portanto diretamente decorrentes de contratos, cártulas ou mesmo quando ex lege, i.e., decorrentes da lei.

Verifica-se também que:

A vulnerabilidade do contribuinte, que se deduz deste tríplice apoderamento do Estado, e, portanto, da Fazenda Pública, leva à existência de sensível assimetria de forças entre credor-estatal e cidadão-contribuinte e fornece o fundamento para conceituar,

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sinteticamente, a vulnerabilidade do contribuinte como a condição factual de susceptibilidade do cidadão diante da tríplice função exercida pelo Estado no âmbito da relação tributária. (MARINS, 2009, p. 25)

Analisa-se a suscetibilidade do cidadão na relação fiscal sob três perspectivas que

espelham as funções do Estado, sejam elas: o Estado como criador da norma jurídico-fiscal

causando a vulnerabilidade material do contribuinte; o Estado como aplicador da norma jurídico-

fiscal de modo a causar a vulnerabilidade formal do contribuinte; e por fim o Estado como

julgador da lide fiscal causando a vulnerabilidade processual do contribuinte. (MARINS, 2009, p.

25)

A vulnerabilidade material do contribuinte possui natureza político-econômica, visto que

o vínculo material tributário não se esgota na norma tributária pois esta obedece fatores políticos

e econômicos, assim, a norma tributária ingressa no ordenamento influenciada pelo fato político-

legislativo e de modo subsequente sua função arrecadatória acaba por assumir um relevo político-

econômico, tornando vulnerável a relação material do contribuinte frente a Fazenda Pública.

(MARINS, 2009, p. 26)

Sobre a vulnerabilidade formal do contribuinte, esta atua dentro do Direito Tributário

Formal, responsável por fiscalizar, lançar e cobrar, ou seja, autotutelar a fase de atuação do

vínculo obrigacional administrativamente (MARINS, 2009, p. 37). Assim, a vulnerabilidade

mostra-se na dificuldade do controle jurídico do atuar fazendário, o que corrói a segurança dos

princípios materiais conquistados, de modo que o desequilíbrio entre as prerrogativas da

Administração tributária na autotutela dos seus interesses acaba tornando vulnerável o sujeito

passivo da obrigação. (MARINS, 2009, p. 40)

Cabe ao Estado promover a tutela dos conflitos intersubjetivos dos particulares de modo

criterioso e independente, porém, põe-se à prova o Estado quando este é chamado para promover,

com grau satisfatório de critério e independência, o conflito em que ele se mostra como sujeito de

direitos. A vulnerabilidade processual do contribuinte se exprime quando a função jurisdicional

do Estado, administrativa ou judicial, ocorre especificamente no caso de o julgador integrar os

quadros funcionais do próprio Estado, gerando assim susceptibilidade ao contribuinte. (MARINS,

2009, p. 47-48)

Acerca do tema cabe mencionar a reunião que ocorreu no dia 13 de setembro de 2000

do Conselho de Estudos Jurídicos (CEJ) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo

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(FCESP), presidido por Ives Gandra da Silva Martins, dedicada às conclusões do Congresso

sobre o Código de Defesa do Contribuinte, coordenado pelo jurista Ney Prado, que em sua

perspectiva, enumera outras situações de vulnerabilidade do contribuinte:

Inúmeras justificativas de ordem jurídica, moral, funcional e política foram apresentadas, tais como: a de que existe crescente voracidade e abuso no tributar, o desvio de poder no fiscalizar e o excesso no punir por parte do Estado; a de que as limitações ao poder de tributar elencadas na Constituição Federal (artigos 150 a 152) são insuficientes; a de que o equilíbrio na relação Fisco-contribuinte passa pela ampliação e melhor explicitação dos direitos e garantias dos contribuintes estabelecidos em nosso texto constitucional; a de que existe notória corrupção por parte de muitos agentes fiscais, em todos os níveis da federação; a de que existe, por outro lado, alto nível de sonegação e elisão fiscal; a de que a atual legislação tem provocado um aumento no grau de litigiosidade; a de que a certeza e a segurança jurídicas estão comprometidas; a de que aumentaram os custos de transação nos negócios; a de que tem havido desestímulo ao investimento produtivo; a de que está havendo perda de competitividade internacional para os produtos nacionais; a de que o Estado fiscalista está em crise; a de que o governo vem perdendo legitimidade política; a de que há uma forte conscientização popular quanto à necessidade de obter uma verdadeira cidadania fiscal. (PROBLEMAS BRASILEIROS, 2000).

A partir daí menciona-se a viabilidade política para a aprovação do código elencando o

texto apresentado à consideração do Congresso Nacional, bem como a utilização das democracias

representativa e participativa, que exigem não só a solução do problema por meio do embate

congressual, mas também, um novo tipo de atitude e comportamento político dos contribuintes.

Na mesma reunião Marco Aurélio Greco afirma que:

Há um consenso de que precisamos de uma atualização, só que em minha visão ela deve se dar no bojo do Código Tributário. Devemos incorporar a experiência dos últimos 30 anos. Defender o contribuinte, hoje, é inserir numa lei complementar a disciplina dos dois principais temas que o angustiam: as medidas provisórias em matéria tributária e a figura das contribuições. O grande passo é encontrar um ponto de equilíbrio na convivência com o Estado, porque o relacionamento entre Fisco e contribuinte está se esgarçando numa velocidade impressionante. (...) Dizer que do lado do contribuinte só há o sonegador e que do lado do Fisco só existe o arbitrário é o pior contexto de convivência. A meu ver, a divergência fundamental é essa. Não sou favorável a uma nova lei porque talvez percamos a unidade sistêmica entre o Estado e a sociedade (PROBLEMAS BRASILEIROS, 2000).

Para Edison Carlos Fernandes a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2557/11 (criação do

Código de Defesa do Contribuinte) seria uma ferramenta que detalha direitos e garantias do

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contribuinte perante o Fisco, de modo a tornar a consulta de dados fiscais mais efetiva e despertar

o senso de cidadania. Sendo a vantagem a consolidação de todos os direitos do contribuinte e sua

discussão. (AMCHAM, 2013)

Desta forma verifica-se que a criação deste sistema esclareceria o nível de

responsabilidade que se atribui tanto aos contribuintes quanto à Administração Pública,

reconhecendo a vulnerabilidade do contribuinte sob outra perspectiva, incitando a democracia

participativa e uma maior explanação em relação aos direitos e deveres do contribuinte e do fisco,

bem como da interpretação da norma para que se tenha uma educação tributária efetiva.

(AMCHAM, 2013)

8 CONCLUSÃO

No campo do processo tributário cabe mencionar a figura da prova no processo

administrativo tributário trazendo a verdade como um sistema de garantias, aplicando o princípio

que tem por finalidade a obtenção da verdade material, que é o convencimento do julgador

através da livre apreciação da prova, porém é possível salientar que a livre apreciação da prova

que não possua formalidade processual não poderá conduzir o julgador a uma verdade absoluta,

apenas a uma verdade subjetiva.

A busca da verdade aparece como a garantia da aplicabilidade da lei caso a caso e sua

comprovação traz a certeza pela qual o processo atinge sua finalidade, de modo a demonstrar que

não ocorreu tributação sem lei anterior que a definisse, constituísse ou autorizasse sua exigência

nos parâmetros constitucionais. Portanto no processo administrativo tributário a busca da verdade

material ocorre nos limites possíveis de sua produção, não dispensando a apresentação de

indícios que confirmem que tal verdade pode ser alcançada.

O processo tributário judicial é utilizado para a garantia de direitos por meio de ações

judiciais ainda que o sujeito passivo tenha sido vencido na fase administrativa ou que prefira

utilizar da discussão administrativa para a interposição de ações no âmbito judicial. O sujeito

ativo também pode dispor de tal âmbito para a satisfação de seu direito, por exemplo, com a

execução fiscal.

Por fim, por meio do que foi exposto, frisa-se que o Estado potencializa a

vulnerabilidade do contribuinte existente na relação tributária, pois se mostra ao mesmo tempo

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como criador da regra obrigacional, formalizador e cobrador da obrigação em que aparece como

credor, e ainda é possível ao Estado julgar a lide e executar o título executivo por meio dos

órgãos administrativos e judiciais, portanto o Estado aparece como único credor nos ditames do

Direito, pois é criador, executor e julgador da relação tributária obrigacional, de modo que o

sujeito passivo mostra-se como único devedor, deixando evidente a vulnerabilidade do

contribuinte em relação ao Fisco.

Desta forma resta clara a vulnerabilidade do contribuinte em seus vários âmbitos

valendo-se da ambivalência do Estado, de modo que os direitos atribuídos à parte vulnerável

devem ser respeitados e resguardados pelo nosso ordenamento jurídico, primando pelos

princípios do contraditório e ampla defesa e visando a segurança jurídica.

Há uma grande discussão entre aqueles que militam na área tributária acerca de um

projeto para elaboração do Código de Defesa do Contribuinte, deste debate, poderão surgir

caminhos a fim de mitigar a vulnerabilidade do contribuinte.

Desta forma é possível vislumbrar que foi concluído o objetivo do trabalho, pois foram

expostos os pontos acerca da relação jurídico tributária, a necessidade do processo tributário

utilizar-se de uma categoria jurídica específica, as noções de inviolabilidade do direito de defesa,

lançamento, processo administrativo tributário e prova dentro deste âmbito para, por fim, ater-se

à vulnerabilidade do contribuinte, potencializada pelo Estado, gerando discussões de como

reduzi-la elencando a figura do Código de Defesa do Contribuinte a fim de que seja

regulamentado direitos e deveres, esclarecendo o nível de responsabilidade atribuída não só ao

contribuinte mas também à Administração Pública, incitando uma política participativa e

protegendo os direitos e garantias do contribuinte perante Estado.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BONILHA, Paulo Celso Bergstrom. Da prova no processo administrativo tributário. 2ª. ed. São Paulo: Dialética, 1997.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.

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Emanuel Fernando Castelli Ribas

A Constituição e o ICMS:

As operações relativas à circulação de mercadorias

The Constitution and the ICMS:

Transactions relating to the movement of goods

I. INTRODUÇÃO:

O ICMS como tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é a

maior figura constitucional bem como representa em termos financeiros, a maior

arrecadação. É ele, a fonte de receitas mais utilizada pelos Estados e o Distrito

Federal, e, portanto trata-se de tributo especialmente interessante para a atividade

empresarial.

As raízes constitucionais e os princípios que regem o ICMS são temas de

interesse deste pequeno estudo, que busca ao final, apresentar este imposto

quando trata das operações relativas à circulação de mercadorias de modo

conceitual.

Entretanto a complexa teia legislativa que envolve o ICMS não será objeto de

análise, pois busca-se aqui unicamente apresentar o tributo sob o enfoque

constitucional.

ABSTRATC:

The ICMS as tribute by the States and the Federal District, is the largest figure

is constitutional and in financial terms, the largest collection. He is the source of

revenue used by states and the Federal District, and therefore it is especially

interesting tribute to entrepreneurial activity.

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The roots and the constitutional principles governing the ICMS are topics of

interest of this small study, which seeks to end this tax when presenting deals with

operations on the movement of goods so conceptual.

However, the complex web surrounding the legislative ICMS will not be subject

to review, because we seek to provide only the tribute under the constitutional

approach.

Palavras Chaves:

Supremacia Constitucional; ICMS; princípios constitucionais tributários; regra

matriz de incidência tributária; mercadorias

Keys:

Constitutional Supremacy; ICMS tax constitutional principles; rule array of tax

incidence; goods

II. DELIMITAÇÃO DO TEMA:

A supremacia da Constituição Federal de 1988 de modo a exercer lastro de

fundamento para todo o sistema jurídico tributário bem como a apresentação do

ICMS visto da própria Constituição Federal à partir dos seus princípios informadores,

finalizando com a verificação das operações relativas à circulação de mercadorias

constituem os limites deste artigo.

Portanto, a análise – rápida – destes dispositivos e o seu atual acolhimento e

interpretação pela doutrina são os pontos de interesse que se pretende verificar.

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III. A SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E O ICMS.

A Constituição Federal de 1988, ao especificar a regra-matriz de incidência,

delimita todos os tributos, contudo, relativamente ao ICMS, foi mais longe ao

especificar um pouco mais seus critérios e tal escolha do constituinte não foi mero

preciosismo.

O ICMS deste modo deve sob pena de completa perda de sua identidade

sujeitar-se ao que foi organizado constitucionalmente, uma vez que esta descrição

instituidora e limitadora estabelecem o núcleo deste tributo.

Conseqüentemente, diante da hierarquia normativa, onde a Constituição

Federal está no patamar mais elevado de uma pirâmide onde virtualmente estão

todas as normas de direito positivo, estas devem respeitar a estrutura legal

estabelecida, pois encontram na Carta Magna seu próprio fundamento da validade.

É na Constituição onde estão as normas jurídicas mais relevantes para o Estado,

sendo, portanto o fundamento último da ordem jurídica, ou seja, a base das

atividades estatais.

Assim, nenhuma outra norma infraconstitucional pode subsistir se conter

em seu bojo elementos que soem estranhos aos ditames constitucionais. Roque

Antônio Carrazza1 leciona:

Graças a essa força jurídica ampliada, é fácil compreendermos por que as

normas constitucionais possuem em âmbito de validade superior ao das demais

normas jurídicas. Estas operam efeitos exatamente na medida em que guardam

conformidade com aquelas.

Realmente, as normas de nível legal ou infralegal devem, em ultima

análise, executar os preceitos constitucionais. Aliás, não é por outra razão que se

dizemos ser a Carta Magna a matriz de todas as manifestações normativas

estatais.

Como decorrência do primado absoluto da Constituição, é interdito, ao

1In CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros Editores. 1999. p.22

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Poder Legislativo – sob pena de ultrapassar o campo de sua competência – editar

atos que não guardem, com ela, uma relação de total compatibilidade. Também aos

Poderes Executivo e Judiciário que, afinal, têm a seu cargo a missão de aplicar a lei

(‘lato sensu’), devem irrestrita obediência aos padrões fixados pela Constituição,

que, afinal de contas é a Lei das Leis.

José Roberto Vieira2 comenta:

Bem poucas, estamos certos, são as constituições modernas que não

contemplam a matéria tributária. (...) A nossa não só trata do tema, raia pelo

exagero, demonstrando-se tentada pela exaustividade, e com isso revelando, em

toda sua amplitude, o profundo caráter maternal que também a caracteriza, no

subsistema tributário. (...) E justifica-se, pois a ação de tributar implica aquela

tensão entre a competência do Estado e dois direitos fundamentais: a liberdade e

a propriedade, constitucionalmente amparados (...)

Destarte, vale lembrar que no Brasil de hoje, tornou-se comum justamente o

contrário. Se alguma legislação vai de encontro ao que dita a Constituição, ou se

algum interesse estatal é avesso ao constitucionalmente descrito, por mais irreal que

pareça, opta-se pela emenda à Constituição. Prova cabal da afirmação é que neste

momento3, passados mais de 23 anos de sua promulgação, se ultrapassa a emenda

de número 71, algumas, diga-se, de duvidosa constitucionalidade.

Ainda sobre as emendas ressalte-se, que a inconstitucionalidade advém

desrespeito ao texto constitucional, seus princípios ou ainda ao espírito da intenção

do legislador constitucional. Deve-se ainda anotar que, na própria Constituição

Federal, existem normas mais importantes que outras, sendo as primeiras os

princípios, os ditames do que regem o Estado. José Afonso da Silva.4 ressalta que

com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a exemplo das anteriores:

2 VIEIRA, José Roberto. A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto, p. 40-41. 3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/quadro_emc.htm acesso de

17/03/2013, às 9:18h. 4 In SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7º ed. São Paulo, Ed. Revista

dos Tribunais. 1991 p. 600.

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Contemplou, rígida e taxativamente, as quatro entidades autônomas da

Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios”

Destarte, a Constituição conferiu competência expressa e privativa para

instituir impostos, taxas e contribuição, competência essa que não poderá ser

modificada por qualquer legislação, sendo observada, excepcionalmente a União a

chamada competência residual para instituir, mediante lei complementar, impostos

desde que sejam não-cumulativos e não tenham base de cálculo ou que possuam o

mesmo fato jurídico tributário.

Quanto as limitações ao poder de tributar, o constituinte demonstrou grande

preocupação e sensibilidade às questões tributárias, tanto que segundo Orides

Mezzaroba5, houve:

“{...} um verdadeiro bis in idem das garantias individuais e coletivas, pois

estabeleceu regras que tolhem de forma direta e objetiva quaisquer pretensões do

legislador ordinário em sua atividade legislativa impositiva, bem como da ganância

fiscal do poder executivo {...}.

Na realidade, quase todos os princípios constitucionais tributários repetem

em muito as garantias individuais e coletivas expressas no artigo 5º da CF de 1988,

todavia, tal repetição reflete a esmero do constituinte em assegurar ao contribuinte o

direito e a segurança em relação ao sistema de tributação do Estado.

A segurança promovida pelos princípios constitucionais é de tal importância,

que o constituinte, no artigo 34 da Constituição Federal de 1988, assegura que não

haverá intervenção da União nos Estados e tão pouco no Distrito Federal,

confirmando o princípio federativo e o princípio da autonomia distrital. A exceção se

faz no mesmo artigo, mais adiante em seu inciso VII, onde será autorizada a

intervenção no caso de desrespeito aos princípios constitucionais. Nesta linha de

raciocínio, Roque Antônio Carrazza6 leciona:

5IN MEZZAROBA, Orides (org.). Temas de Direito Tributário. Joaçaba: IRAE/UNOESC. 1997. 109p.

6 In CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16º Ed. São Paulo, Malheiros Editores: 2001.p.43.

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Todas estas normas, a nosso sentir, podem ser reduzidas ao

denominador comum de que a União intervirá nos Estados ou no Distrito Federal

só para assegurar o respeito aos princípios constitucionais. A infringência, por um

Estado-membro ou pelo Distrito Federal, dos princípios constitucionais pode

provocar segundo a mesma Carta Magna, a cessação de suas autonomias.

Servem tais afirmações, para que se possa com segurança afirmar a

imensa relevância dos princípios constitucionais levantados pela Constituição

Federal de 1988, e que baseiam o ordenamento jurídico, afirmando e reafirmando a

supremacia total das normas constitucionalmente estabelecidas, mais ainda, dos

princípios trazidos e impostos pela Carta Magna e que devem sempre ser

observados sob uma ótica extremamente legalista, mas nunca afastando a intenção

do constituinte.

Quanto ao ICMS, os princípios que incidem diretamente sob sua formação

constitucional, segundo Hugo de Brito Machado7 são: “a saber: o da legalidade,

seletividade, não-cumulatividade, imunidade tributária recíproca e anterioridade”.

Por certo que tais princípios não encerram a lista, entretanto são estes que

estes são os mais importantes relativamente a competência tributária e reafirmam a

supremacia constitucional não apenas para a instituição do ICMS mas de todos os

tributos.

O ICMS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988.

Como assinalado acima, o texto constitucional forma a matriz de todos os

tributos e estabelece também a competência para a instituição de cada modalidade

fiscal. Sendo assim, o ICMS está definido no artigo 155, II da Carta Federal de 1988:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – {omissis}; 7 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p.468

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II – operações relativas a circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços

de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as

operações e as prestações se iniciem no exterior.

Deste modo esta criada e delimitada a figura do ICMS no Brasil. Adiante no

mesmo artigo, agora junto aos §§ 2º e 3° e seus incisos estão descritos e

enumerados os princípios e algumas medidas as quais devem ser sempre

observadas para este tributo, como casos de isenção e não incidência, questões de

alíquota e definições acerca de regulamentação.

Tais medidas fazem do ICMS o imposto que encontra maior número de

dispositivos na Constituição, regulando aspectos de sua instituição. São mais de

trinta regras Constitucionais que podem ser apontadas, e que transforma o estudo

deste imposto, em grande parte, em um estudo concentrado no plano constitucional.

Marco Aurélio Greco8, em comentário referente ao artigo 155, II da

Constituição Federal, afirma:

No dispositivo em questão, a Constituição Federal adotou o critério de

atribuir a competência tributária indicando a materialidade de certos fatos que

podem ser descritos pela legislação estadual e distrital como aptos a determinar o

surgimento da obrigação de pagar.

A legislação, ordinária e complementar, somente será constitucionalmente

válida se estiver conforme a tal preceito, vedado que é descrever fatos que não se

insiram em tal âmbito material. Por outro lado, somente estarão abrangidos pela

tributação os fatos que, além de enquadrados no núcleo material

constitucionalmente previsto, estejam adequadamente contemplados em dispositivo

legal expresso.

Aires Barreto9 assinala, ante as normas do artigo 155, II da Constituição

que:

8 GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Materialidade e Características Constitucionais. Curso de Direito

Tributário. 7º Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.531/532. 9 BARRETO, Aires. ICMS e ISS – Estremação da Incidência. Revista Dialética de Direito Tributário,

nº 71. São Paulo: Dialética, 2001 p. 7/8.

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Assim, a criação e a exigência desse imposto, pelos Estados e pelo

Distrito federal, está delimitada por este arquétipo constitucional da sua respectiva

hipótese de incidência, ante a qual impõe-se concluir que, além de tributar as

operações relativas à circulação de mercadorias e as importações de bens,

destinados ao consumo ou ao ativo fixo do estabelecimento, os Estados e o Distrito

Federal só poderão instituir imposto sobre serviços de transporte interestadual e

intermunicipal e os de comunicação.

Para melhor entendimento das diretrizes constitucionais traçadas para o

ICMS, algumas características são fundamentais, que podem ser resumidas nos

princípios da legalidade, seletividade, não-cumulatividade, imunidade tributária

recíproca e anterioridade.

A legalidade em termos de ICMS apresenta algumas particularidades, pois

muitas medidas são reguladas via atos normativos que não tem natureza legal em

sentido formal e também a questão das alíquotas, que por resolução do Senado

podem ser alteradas, isso sem levantar a questão dos convênios, que concedem e

revogam as isenções. Tais conjunturas não podem ser consideradas regras, mas sim

casos excepcionais relativos ao ICMS, que deve manter a estrita legalidade em

todos os seus atos, exceptuando-se os elencados acima.

Quanto ao princípio da seletividade, este é considerado facultativo em

termos de ICMS, segundo o que dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 155, §

2º, III. Conceitualmente a seletividade consiste na diferenciação dos elementos do

critério quantitativo (base de cálculo ou alíquota) para diferentes produtos ou

serviços, ou seja, produtos e serviços diversos podem estar sujeitos a alíquotas ou

base de cálculo diferenciadas em função da essencialidade do serviço ou da

mercadoria. Marco Aurélio Greco10 esclarece:

Tendo em conta as características de cada produto ou serviço, a carga

tributária respectiva será dimensionada de modo a onerar mais os de menor grau

10 GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Materialidade e Características Constitucionais. Curso de Direito

Tributário. 7º Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.537/538.

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de essencialidade (basicamente os chamados supérfluos) e menos os de primeira

necessidade da população.

A seletividade considera a própria mercadoria ou serviço e não a etapa

da circulação ou sua destinação. Vale dizer, não importa que determinado produto

seja utilizado para fins industriais ou para consumo. A carga tributária não pode

sofrer variação.

Relativamente a imunidade tributária recíproca, estampada no artigo 150,

VI, §§ 2º e 3º da Constituição de 1988, pode-se perceber que a maior limitação pode

ser notada, é a exclusão da imunidade recíproca em se tratando de patrimônio,

renda e serviços relacionados com a exploração de atividades econômicas, onde há

contraprestação ou pagamento via preços ou tarifas recolhidas pelos usuários,

descrito no artigo 150, § 3º c/c inciso VI da Constituição Federal de 1988.

Em virtude do comando constitucional supra-referido, passaram a ser

compatíveis com a tributação do ICMS os serviços de transporte e de comunicação

que comportem remuneração (por exemplo, atividades exercidas pelos Correios,

empresas de fornecimento de energia, etc.)e as mercadorias fornecidas pelas

entidades da administração descentralizada (por exemplo, água).

Cabe ainda citar o principio da anterioridade, previsto o artigo 150, III, b da

Carta Magna, pelo qual é defeso a cobrança de tributo no mesmo exercício

financeiro em que tenha sido publicada a lei que institui ou o aumentou. Neste

princípio, quanto ao ICMS, vale integralmente, porém em decisão do Supremo

Tribunal Federal abre uma particularidade, ao editar a Súmula 615 a qual estabelece

que: “O princípio constitucional da anualidade (§ 29 do art. 153 da CF) não se aplica

à revogação de isenção do ICM”.11

Como efeito desta exceção, o imposto que antes era tocado pela isenção

pode voltar a ser cobrado no mesmo exercício em que foi revogado o benefício.

Quanto ao princípio da não-cumulatividade, o constituinte ao disciplinar a

11

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_601_700 acesso de 15/03/2013 às 21:15h

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competência dos Estados e do Distrito Federal para instituir impostos sobre

operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de

transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, a Constituição Federal

em seu artigo 153, §3º, II determina:

Art. 153. O imposto previsto no inciso IV: I – {omissis}; II – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada

operação com o montante cobrado nas anteriores. Desta forma, a Carta de 1988 manteve o princípio trazido pela Emenda

Constitucional nº 18 de 12 de dezembro de 196512, que regia:

Art. 12. Compete aos Estados o imposto sobre operações relativas à

circulação de mercadorias, realizadas por comerciantes, industriais e produtores.

§ 2º - O imposto é não-cumulativo, abatendo-se, em cada operação, nos

termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores, pelo

mesmo ou por outro Estado, e não incidirá sobre a venda a varejo, diretamente ao

consumidor, de gêneros de primeira necessidade, definidos como tais por ato do

Poder Executivo Estadual”.

Claro se percebe que não se trata da mesma espécie tributária em

questão – ICMS, mas vale pela apresentação do princípio do antigo ICM que

como acima descrito foi consagrado pela Constituição Federal de 1988. Ainda

sobre o velho ICM, sábias as lições de Geraldo Ataliba e Cléber Giardino13, sobre

a não-cumulatividade, aplicáveis hoje ao ICMS:

Nos efeitos jurídicos do abatimento constitucional reside a não-

cumulatividade atribuível ao ICM, portanto, a entidade dos ‘tributos não-

cumulativos’, cujo alcance determinaria os limites de eficácia do sistema de

abatimentos. Isto equivale a dizer que a Constituição não tomou emprestado da

economia uma fugidia não-cumulatividade, para fazê-la iluminar a compreensão

12 In BRASIL. Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações.

Brasília: Senado Federal: 1986.p.340. 13 ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber. ICM – Abatimento Constitucional e o princípio da não-

cumulatividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, ano VIII, p.110-126, nº 29-30, julho/dezembro de 1984.

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do sistema de abatimentos. Ao contrário: fez do ICM um tributo ‘não-cumulativo

exatamente porque o submeteu aos efeitos jurídicos tipicamente produzidos por

um determinado sistema de abatimentos, criado pela própria Constituição (de

modo a excluir toda contribuição de normas infraconstitucionais para reger a

matéria).

Tércio Sampaio Ferraz Junior14 esclarece que: “Para que não se frustre a

não-cumulatividade, faz-se necessária a compensação mediante a regra do

abatimento, independentemente de se tratarem de operações anteriores ou

posteriores, tributadas ou não.”

Deste modo, adota-se para o princípio da não-cumulatividade, o conceito

apresentado por Marco Aurélio Greco15 a respeito: “O cerne da não-

cumulatividade está no direito à compensação (como um direito pleno, sem

restrições) que o contribuinte tem de deduzir em determinado período, do ICMS

devido pelas saídas, o valor do ICMS pago nas entradas”.

Desta forma, a não-cumulatividade realiza-se pela dedução do valor

pago na etapa anterior do valor a ser recolhido adiante. Deve-se atentar que tal

princípio concretiza-se em etapas sucessivas, sempre com entrada e saída dos

créditos, balanceando a escrituração contábil, tendo como objetivo recolher

somente o valor da alíquota devido em cada operação.

Tal sistema é denominado pela doutrina como sob o regime “imposto

sobre imposto”, na qual se cria a conta corrente fiscal com os respectivos

lançamentos de créditos e débitos, que no final do exercício são confrontados, e

resultará numa conta positiva ou negativa.

14 JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo:

Atlas, 1990. 15 GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Materialidade e Características Constitucionais. Curso de Direito

Tributário. 7º Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. p.549.

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Misabel Abreu Machado Derzi16, comentado acerca do ICMS, justifica a

preferência do constituinte na adoção desta modalidade de tributo:

Em resumo, em economia de mercado, como nos modelos europeus ou

latino-americanos, o imposto da modalidade do ICMS ou do IPI é considerado

ideal, exatemente por sua qualidades:

- É neutro, devendo ser indiferente tanto na competitividade e

concorrência, quanto na formação de preços de mercado;

- Onera o consumo e nunca a produção ou o comércio, adaptando-se

às necessidades de mercado;

- Oferece maiores vantagens ao Fisco, pois sendo plurifásico, permite

antecipar o imposto que seria devido apenas no consumo (vantagens financeiras),

e coloca ademais todos os agentes econômicos das diversificadas etapas de

industrialização e circulação como responsáveis pela arrecadação (vantagens

contra risco da insolvência).

Essas razões pelas quais a Constituição brasileira insiste em um

complicado imposto plurifásico, não-cumulativo, sobre a circulação de

mercadorias”.

Desse modo, o ICMS visto pela Constituição Federal de 1988, percebe-se

sua essência e sua predileção por parte do constituinte, diante da importância deste

imposto para o modelo federativo.

O ICMS E AS OPERAÇÕES RELATIVAS À CIRCULAÇÃO DE

MERCADORIAS:

O critério material é o mais importante de todos os critérios, se é que se

permite tal afirmação, uma vez que todos os critérios, sejam eles da regra matriz de

incidência tributária, no seu antecedente ou no conseqüente normativo, são

correlatos e por assim dizer, ao mesmo tempo guardam uma certa independência

acadêmica, visando facilitar o caminho do estudo teórico. 16

In DERZI, Misabel Abreu Machado. Aspectos Essenciais do ICMS, como imposto de mercado. Direito tributário – Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. p. 122.

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Da leitura do artigo 155, inciso II da Constituição Federal de 1988, pode-se

ter noção sobre a materialidade que toca o ICMS. Assim dita o referido preceito que

aos Estados e ao Distrito Federal caberá instituir imposto sobre:

I – {omissis};

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação

de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda

que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Completa-se a materialidade deste imposto, na leitura adiante do mesmo

artigo 155, agora no parágrafo 2°, inciso X, letra “b” primeira parte que determina:

“X – não incidirá:

a){omissis};

b)sobre operações que destinem a outros Estados, petróleo, inclusive

lubrificantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados , e energia elétrica.”

Na verdade, a materialidade descrita no parágrafo 2°, X letra “b”, se forma

por uma exceção, por uma exclusão, pois ao ditar que o ICMS não incidirá sobre as

operações com petróleo e seus derivados que tenham como destino outros Estados,

informa ao mesmo tempo em que as operações ocorridas dentro do mesmo Estado,

sofrerão a incidência deste imposto.

Duas correntes discutem no que tange ao número de materialidades

existentes no ICMS, uma afirma que são cinco e outra categoricamente converge no

sentido de que são apenas três as materialidades deste tributo.

Defendendo a primeira corrente, Roque Antônio Carraza, acredita que

compõe a materialidade do ICMS as operações mercantis, as operações com

petróleo e seus derivados, as operações com minerais, prestações de serviços de

transporte intermunicipal e interestadual e a prestação de serviços de comunicação.

Acastela o autor17:

17 In CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Editora Malheiros.1999. p. 31.

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A sigla ICMS alberga pelo menos cinco impostos diferentes; a saber: a)

o imposto sobre operações mercantis (operações relativas a circulação de

mercadorias); b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e

intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre a

produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e

combustíveis líquidos ou gasosos e de energia elétrica, e; e) o imposto sobre a

extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. Dizemos diferentes,

porque estes tributos têm hipóteses de incidência e bases de cálculo diferentes.

A fórmula adotada pela Constituição de 1988, de aglutinar impostos

diferentes debaixo do mesmo rótulo (ICMS), além de não ser das mais louváveis,

sob o aspecto técnico, está, na prática, causando grandes confusões.

Mais adiante no texto do Prof.° Carraza18 encontra-se: “Mas, embora estes

impostos não se confundam, possuem um ‘núcleo central comum’, que permite

sejam estudados conjuntamente. Todos, por exemplo, deverão, obedecer ao ‘regime

da não-cumulatividade’.

Deve-se, concedida a máxima vênia, concordar com o eminente professor,

até certo ponto eis que a divisão da materialidade proposta, considerando-se

justamente este núcleo comum, torná-la mais abrangente, uma vez que se encontra

núcleos mais próximos entre as materialidades descritas.

Roque Carraza está correto na divisão em cinco materialidades, porém

poderia ter simplificado o sistema, aproximando mais os núcleos triviais, onde

encontraria apenas três divisões da hipótese. Desta forma, formar-se-ia o seguinte

esquema:

1. OPERAÇÕES MERCANTIS;

2. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;

3. NA IMPORTAÇÃO

Na primeira hipótese, tem-sê com a mesma materialidade genérica, as

operações mercantis, ou seja, as operações com petróleo e seus derivados, bem 18 In CARRAZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Editora Malheiros.1999. p. 31.

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como a circulação de mercadorias e também as operações com energia elétrica, eis

que estas operações são verdadeiramente operações essencialmente mercantis,

não havendo razão para divisão.

Na segunda circunstância, inclui-se todas as prestações de serviços, como

a de transporte interestadual e intermunicipal, bem como os serviços de

telecomunicação, pois verdadeiramente são prestações de serviço abrangidas pelo

ICMS, delineado na Constituição Federal de 1988. Vislumbra-se na terceira hipótese

a inclusão da importação, pois aqui o ICMS funciona como verdadeiro adicional do

Imposto sobre a Importação.

Como neste estudo propôs-se analisar tão somente o critério material

referente as operações relativas à circulação de mercadorias, se faz necessário

estabelecer os conceitos operacionais, e neste ponto, com acentuada importância

para não só para conteúdo semântico, mas também fundamental para a questão

jurídica, propor-se definir os vocábulos mercadoria e circulação, segundo determina

a melhor doutrina. Quanto ao conceito de “mercadoria”, este é bem delimitado por

Paulo de Barros Carvalho19:

De proporção unívoca, não se presta o vocábulo para designar, nas

províncias do Direito, senão a coisa móvel, corpórea, que está no comercio,

equivale a dizer, entre os bens suscetíveis de serem negociados. Dentro desse

conceito, porém, admite pequenas variações semânticas, podendo significar

coisas fungíveis e infungíveis. Assim, tanto é mercadoria a obra de arte exposta à

venda numa galeria, como o alimento e até mesmo o dinheiro com que se

especula a instituição financeira.{...}. A natureza mercantil do produto não está,

absolutamente, entre os requisitos que lhe são intrínsecos, mas na destinação

que se lhe dê. É mercadoria chapéu exposto à venda entre outros adquiridos para

esse fim. Não o será aquele que mantenho em minha casa e se destina a meu

uso pessoal. Não se operou a menor modificação, no seio do objeto referido.

Apenas sua destinação veio a conferir-lhe atributos de mercadoria.

19 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São

Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. p.256.

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Define-se, portanto, mercadoria, como aquele objeto que se encontra

envolvido numa relação mercantil, em um negócio jurídico, sendo este objeto o bem

que se pretende negociar, estabelecendo uma disponibilidade sobre este. O ponto

relevante para se conceituar mercadoria é necessariamente a existência ou não de

atividade comercial.

Quanto a conceituação de “circulação” Geraldo Ataliba20 é categórico ao

afirmar que: “Em termos jurídicos, circular é mudar de titular; circular é mudar de

pertinência jurídica. Circulação jurídica é mutação de titular. Não há identidade entre

situação física ou econômica (inapreciável juridicamente) e circulação jurídica. Tanto

é assim que, juridicamente, os móveis circulam e, no entanto, fisicamente não

podem fazê-lo.”

Desta forma, circulação, em termos jurídicos – porque outros fogem aos

interesses deste trabalho – é a permuta de titular da posse do bem. Deste modo, a

transferência de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo grupo,

ou do mesmo proprietário, não é circulação para fins imediatos de incidência do

ICMS.

Paulo de Barros Carvalho21 em texto escrito acerca do antigo ICM, que vale

como encaixe perfeito para o atual ICMS, comenta:

No esquema de compreensão da regra-matriz do ICM, o critério material

vem expresso pelo comportamento de alguém, ou pela ação de uma pessoa, física

ou jurídica, formalizada por ‘promover operações relativas à circulação de

mercadorias’.

Importa sinalar que o tributo não onera a circulação de mercadorias, mas

as operações a ela relativas. A ponderação desse aspecto é de cabal relevo para

explicar a verdadeira latitude do critério material da hipótese e foi colhido no

preceito constitucional que outorga competência aos Estados para instituir o

gravame ad litteram.

Corre magistério, é certo, no sentido de que o critério material, ou aspecto

20 ATALIBA, Geraldo. Parecer publicado nas R.F. 250/115. 21 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São

Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. p.253.

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material, ou, ainda, elemento objetivo da hipótese, seria a própria circulação de

mercadorias, “exteriorizada” pela saída, ou pela “entrada física” ou pelo

“fornecimento físico” daqueles bens.

No entanto, o aviso acima, feito pelo autor, revela-se um importante ponto

de estudo para o ICMS, que se deve atentar-se para não se estabelecer aqui uma

grande confusão estrutural, Paulo de Barros22 enumera os problemas que

acompanham a tese descrita supra:

Começa por ignorar o vocábulo do Texto Supremo, vestido com enorme

significação: “operações”. Ao revés, de conceber imposto que incida sobre

operações relativas à circulação de mercadorias, a aludida teoria suprime,

desautorizadamente, a palavra-chave, a pedra de toque do comando constitucional,

para enfatizar a locução adjetiva, que nada mais faz do que qualificar aquele

primeiro termo, rompendo, com isso, a estrutura oracional do diapositivo

Constitucional, sem tom nem som, com dano para a clareza e sem lucro para a

adequada compreensão do sentido e alcance da outorga de competência

impositiva.

Assim, na teoria que não estabelece como critério material o núcleo

“operações”, mas outro qualquer está incidindo em erro, pois troca o critério em

questão por outro, qual seja, o critério espacial e por vezes também pelo critério

temporal. O “fato gerador” descrito na grande maioria das normas tributárias

nacionais, por vezes é o que se conhece por critério temporal da hipótese, ou seja, a

ocasião escolhida pelo legislador para dar nascimento a relação jurídico-tributária, é

o momento do surgimento da obrigação e nada tem do critério material.

Desta forma, sobre a materialidade geral “operação mercantil”, Paulo de

Barros Carvalho23 alerta que: “O critério material da hipótese do ICM está

estruturado em função do verbo (promover) e o respectivo complemento (operações

relativas à circulação de mercadorias)”.

22 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São

Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. p..253 23 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São

Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. p..254

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Pode-se considerar errônea a afirmação que a incidência do ICM, e agora

do ICMS se dá com a saída ou a entrada da mercadoria do estabelecimento

comercial ou industrial. Para Aliomar Baleeiro24, relativamente ao complemento

critério material “operações relativas a circulação de mercadorias”, este entende que:

“A primeira, a mais geral e importante, é o fato de sair a mercadoria do

estabelecimento comercial, industrial ou produtor. Isso acontece normalmente

pelo negócio da compra e venda, mas pode ocorrer por outro contrato ou fato

juridicamente relevante, isto é, por uma “operação jurídica ou econômica com

valor definido ou não.”

Explica o mestre que não é em qualquer operação que há incidência do

ICMS, mas somente naquelas em que houver uma relação jurídica, ou econômica,

mesmo aquelas com valor indefinido, bastando para tanto, haver a existência de

negócio jurídico. Destarte, complementa Paulo de Barros Carvalho25:

Posto isso, a circulação de mercadorias, desde que promovida por força

de negócio jurídico, de que título for, estará sujeita à incidência do ICM. Esta a

importância capital da palavra “operações”, inserta no Texto Supremo e

lamentavelmente esquecida no nível da aplicação efetiva e prática do tributo.

Inexistindo título jurídico para que a mercadoria circule, não haverá falar-se de

acontecimento fático que se possa frisar com a previsão normativa. É o caso do

ladrão que furta mercadorias do estabelecimento comercial {...}.

Assim a circulação de mercadorias que interessa ao ICMS é somente

aquela relativa à movimentação de bens que estejam ligadas a um interesse

econômico mercantil.

CONCLUSÕES.

O direito tributário encontra na Constituição Federal, em primeiro lugar, sua

estruturação sistemática: é ali que se desenham, na definição da competência 24 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 8º ed. São Paulo: Ed. Forense, 1976.p 201. 25 CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São

Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. p..255

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tributária dos entes da Federação, os contornos que irá ter cada peça integrante do

sistema tributário nacional.

Na Constituição encontra-se a matriz de todas as competências; nela se

demarcam os limites do poder de tributar e se estruturam os princípios, inclusive os

de natureza especificamente tributária, que constituem as pilastras de sustentação

de todo o sistema tributário. (...) É ainda na Constituição que se disciplina o modo de

expressão do direito tributário, ou seja, a regulação do processo produtivo de

normas jurídico-tributárias (leis complementares, leis ordinárias etc.) e o espaço de

atuação de cada uma (ou seja, quais tarefas competem a cada tipo normativo).

Assim, o ICMS se apresenta como um tributo composto por várias

materialidades, cuja interpretação relativa ao fenômeno da incidência, deve ser feita

unicamente com vistas aos princípios que informam o imposto de competência

Estadual, sob pena de resultar em míope leitura do dispositivo Constitucional.

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Referências:

ATALIBA, Geraldo e GIARDINO, Cléber. ICM – Abatimento Constitucional e o princípio da não-cumulatividade. Revista de Direito Tributário. São Paulo, ano VIII, p.110-126, nº 29-30, julho/dezembro de 1984. BARRETO, Aires. ICMS e ISS – Estremação da Incidência. Revista Dialética de Direito Tributário, nº 71. São Paulo: Dialética, 2001. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 8º ed. São Paulo: Ed. Forense, 1976. BRASIL. Constituições do Brasil: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967 e suas alterações. Brasília: Senado Federal: 1986 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros Editores. 1999. p.22 _______________________. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16º Ed. São Paulo, Malheiros Editores: 2001. CARVALHO, Paulo de Barros. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. _________________________. Hipótese de Incidência do ICM. Revista de Direito Tributário. São Paulo, ano IV, p.251-268, nº 11-12, janeiro/junho de 1980. p.253. DERZI, Misabel Abreu Machado. Aspectos Essenciais do ICMS, como imposto de mercado. Direito tributário – Estudos em Homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998. GRECO, Marco Aurélio. ICMS – Materialidade e Características Constitucionais. Curso de Direito Tributário. 7º Ed. São Paulo: Saraiva, 2000. JUNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. Interpretação e Estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. MEZZAROBA, Orides (org.). Temas de Direito Tributário. Joaçaba: IRAE/UNOESC. 1997. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7º ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais. 1991. VIEIRA, José Roberto. A regra-matriz de incidência do IPI: texto e contexto. Curitiba: Juruá, 1993.

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DA RESTITUIÇÃO DO ICMS COBRADO A MAIS NA SUBSTITUIÇÃO

TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA

IL RIMBORSO DELL´IVA PAGATO DI PIÙ IN UNA SOSTITUIZIONE

PROGRESSIVA DELL´IMPOSTA

Joanna Paixão Pinto Rodrigues – Mestranda em Direito do Programa de Pós-Graduação em

Direito da Universidade Federal de Minas Gerais – [email protected]

Resumo:

A substituição tributária progressiva (ou “para frente”) é uma técnica de tributação

cuja utilização - e, consequentemente, importância - vem crescendo a cada dia. Essa técnica,

contudo, apresenta o problema de que, para sua aplicação, utiliza-se uma base de cálculo

presumida, o que, nos casos concretos, pode levar ao pagamento de mais ou menos tributo do

que o efetivamente devido.

Diante da impossibilidade de o Estado pressupor sempre o valor exato da operação

de circulação de mercadoria que acontecerá no futuro conclui-se que o Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) será cobrado, por vezes, a maior. A restituição

da quantia paga nos casos de inocorrência do fato gerador presumido é prevista no § 7º do art.

150 da Constituição da República, mas nos casos em que o fato gerador ocorre com valor

menor do que o presumido não há garantia de restituição desse valor para o contribuinte, o

que é uma afronta aos princípios da não-cumulatividade, do não confisco, da capacidade

contributiva entre outros. .

Palavras-Chave: Substituição Tributária; Fato gerador presumido; Restituição.

Riassunto:

Una sostituzione imposta progressiva (o "in avanti") è una tecnica il cui uso fiscale - e, quindi, importanza - sta crescendo ogni giorno. Questa tecnica, tuttavia, ha il problema che per la sua applicazione si uttilizza uma base di calcolo presunta, che, in casi specifici, può portare al pagamento di più o di meno tasse del dovuto.

Di fronte all'impossibilità di Stato presuppongono sempre il valore esatto del funzionamento della circolazione delle merci che accadrà in futuro, possiamo concludere che la tassa sulla circolazione delle merci e dei servizi (ICMS) addebitato, a volte il più grande. Il rimborso dell'importo pagato in caso di inocorrencia è l'imponibile presunta ai sensi del § 7 di

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arte. 150 della Costituzione, ma nei casi in cui il fatto generatore si verifica con valore inferiore a quello assunto non vi è alcuna garanzia che questo valore di ritorno per il contribuente, che è un affronto ai principi di non cumulativa, non la confisca di capacità di pagare, tra gli altri. .

Parole chiave: Sostituizione imposta; Fatto generatore; Restituzione.

1 – INTRODUÇÃO

A substituição tributária progressiva (ou “para frente”) é técnica de tributação cuja

utilização - e, consequentemente, importância - vem crescendo a cada dia. Contudo, essa

técnica apresenta o problema de que, para sua aplicação, utiliza-se uma base de cálculo

presumida, o que, nos casos concretos, pode levar ao pagamento de mais ou menos tributo.

Diante da impossibilidade de o Estado pressupor sempre o valor exato da operação

de circulação de mercadoria que acontecerá no futuro conclui-se que o Imposto sobre

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) será cobrado, por vezes, a maior. Sabe-se que a

restituição da quantia paga está prevista no § 7º do art. 150 da Constituição da República no

caso de inocorrência do fato gerador presumido, mas o que fazer quando o fato gerador ocorre

com valor diferente do presumido?

A técnica da substituição tributária progressiva no ICMS é, pelo menos em teoria,

benéfica aos Estados ao facilitar a cobrança do tributo e diminuir o inadimplemento e os

gastos com fiscalização pelo Fisco. Sendo assim, as operações sujeitas ao recolhimento do

imposto por substituição tributária vem aumentando com o passar do tempo e, com isso,

cresce a importância do instituto e evidenciam-se suas falhas.

Segundo pesquisa feita pela Confederação Nacional das Indústrias e publicada na

Sondagem Especial de março de 2010, 49% das empresas entrevistadas afirmam que tiveram

novos produtos incluídos na substituição tributária nos últimos anos e 59% das empresas

entrevistadas afirmaram considerar elevados os parâmetros utilizados para cálculo da

substituição tributária. 1

Caso os parâmetros utilizados para arbitrar a base de cálculo – parâmetros estes que

não são o objeto do presente trabalho – de fato levem a uma situação na qual o contribuinte

tenha que pagar mais tributo do que seria de fato devido pelo valor posteriormente verificado

da operação tributável é necessária a restituição para o contribuinte do valor por ele pago a

1 SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA: maior parte das indústrias desaprova o regime da substituição tributária no ICMS. Sondagem Especial CNI. Brasília, ano 8, n. 1, p. 1 – 8, mar. 2010.

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mais, em respeito aos princípios da não-cumulatividade, do não confisco, capacidade

contributiva, entre outros. Não é, contudo, o que vem acontecendo.

2 – ICMS

2.1 – Considerações gerais sobre o ICMS sobre as operações mercantis

Primeiramente, insta esclarecer não ser o objetivo do presente trabalho exaurir a

matéria de ICMS – o que não seria possível – e sim tecer considerações gerais sobre o

Imposto para que se possa prosseguir no estudo do nosso objeto principal: a possibilidade de

restituição do ICMS cobrado a mais na substituição tributária progressiva.

A sigla “ICMS” abarca, como nos ensina CARRAZZA, pelo menos cinco impostos

diferentes, quais sejam:

a) o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias), que, de algum modo, compreende o que nasce da entrada de mercadorias importadas do exterior; b) o imposto sobre serviços de transporte interestadual e intermunicipal; c) o imposto sobre serviços de comunicação; d) o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e e) o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais. 2

Sustenta o tributarista serem impostos diferentes “porque estes tributos têm hipóteses

de incidência e bases de cálculos diferentes”3. Mais adiante, afirma que:

O que distingue um tributo de outro é seu binômio hipótese de incidência/base de cálculo. A base de cálculo, além de colaborar na determinação da dívida tributária, dimensionando o fato imponível, afirma o critério material da hipótese de incidência do tributo. Em suma, a base de cálculo deve apontar para a hipótese de incidência do tributo, confirmando-a. Do contrário, o tributo terá sido mal instituído e, por isso mesmo, será inexigível. Donde podemos concluir que a base de cálculo é absolutamente indispensável para qualquer tributo. 4

Este trabalho tem como enfoque o estudo do ICMS sobre as operações mercantis,

sobre o qual serão tecidas algumas considerações gerais.

O artigo 155, II da Constituição Federal estabelece que:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Este tributo, portanto, incide sobre a circulação de mercadorias, de modo que a lei

que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à

circulação de mercadorias. Ressalte-se que o ICMS não é um imposto que incide sobre as

mercadorias, e sim sobre as operações de circulação das mercadorias.

(...) para que um ato configure uma operação mercantil é mister que: a) seja regido pelo Direito Comercial; b) tenha sido praticado num contexto de atividades

2 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 37. 3 Idem. 4 Idem.

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empresariais; c) tenha por finalidade, pelo menos em linha de princípio, o lucro (resultados econômicos positivos) e d) tenha por objeto uma mercadoria.5

Ressalte-se que, mesmo que a atividade não tenha por fim o lucro – como por

exemplo um supermercado que vende um produto a preço de custo para atrair consumidores –

desde que a operação mercantil seja regida pelo Direito Empresarial, tenha sido praticada num

contexto de atividades empresariais, tenha por objeto uma mercancia e haja mudança de

titularidade do bem, a operação deve ser tributada.

Por fim, vale relembrar que mercadoria para fins de ICMS é o bem móvel sujeito a

mercancia – já que as transmissões de bens imóveis são alcançadas pelo ITBI – e que “não é

qualquer bem móvel que é mercadoria, mas tão-só aquele que se submete à mercancia”.6

2.2 – Do ICMS como imposto sobre o consumo

O ICMS é um imposto que deve ser suportado pelo consumidor, assim como o IPI.

Sobre essa característica do ICMS, DERZI, em conferência em Belo Horizonte por ocasião do

Primeiro Congresso da Associação Brasileira de Direito Tributário (1997), afirmou que:

“É importante notar que tanto o ICMS quanto o IPI não são impostos que devam ser suportados, economicamente, pelo contribuinte de direito (o comerciante ou industrial). São, a rigor, impostos sobre o consumo, não devendo onerar a produção ou o comércio, como alerta Klaus Tipke. Disso resulta que, numa operação entre empresas, cada uma delas pode se livrar, basicamente, através da dedução do imposto anterior, do imposto dela cobrado pela outra e transferir, na etapa de circulação, o ônus do imposto devido ao adquirente, e assim sucessivamente, até o consumidor final.”. 7

Traçadas as linhas gerais sobre o ICMS procede-se ao estudo de outro assunto de vital

importância, a base de cálculo, cuja análise será imprescindível ao entendimento posterior da

substituição tributária progressiva.

3 – BASE DE CÁLCULO

O estudo da base de cálculo é essencial para a compreensão da necessidade – ou não

– da restituição do ICMS cobrado a mais nos casos de substituição tributária progressiva. Isso

porque a base de cálculo ou base imponível é a representação pecuniária da hipótese de

incidência, como nos ensina ATALIBA:

Base imponível é uma perspectiva dimensível do aspecto material da h.i. que a lei qualifica, com a finalidade de fixar critério para a determinação, em cada obrigação tributária concreta, do quantum debetur. “É padrão... ou referência para medir um fato tributário” (Aires Barreto, ob. cit., p. 38) A base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência. É, portanto, uma grandeza ínsita na h.i. (Alfredo Augusto Becker a coloca, acertadamente, como cerne da h.i.). É, por assim dizer, seu aspecto dimensional,

5 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 39 6 Op. cit. p. 43. 7 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 470.

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uma ordem de grandeza própria do aspecto material da h.i.; é propriamente uma medida sua. 8

A base de cálculo está, portanto, intrinsecamente ligada à hipótese de incidência por

ser a representação pecuniária do acontecimento fático. Não pode, portanto, ser maior nem

menor do que a repercussão econômica da hipótese de incidência, objetivamente definida. 9

O desrespeito a essa correlação entre o valor do imposto efetivamente praticado –

calculado através da base de cálculo presumida – e o imposto devido pelo valor real da

operação de circulação leva, acarreta, nos casos de substituição tributária, a uma lesão a um

importantíssimo princípio tributário, qual seja, o da não cumulatividade. É o que se observa

nas lições de COÊLHO:

[...] é de se concluir que o valor do ICMS da última operação a consumidor final nunca poderá ser superior ao valor REAL da operação mercantil que lhe der causa. Noutras palavras, a base de cálculo estimada pelo Fisco não poderá ser superior ao preço efetivamente praticado, sob pena de quebra do princípio da não cumulatividade do ICMS. 10

3.1 – Base de cálculo presumida

Sobre o momento da criação da obrigação tributária, ensina ATALIBA:

Desde que se verifica (aconteça realmente) o fato a que a lei atribui essa virtude jurídica, a quantia em dinheiro (legalmente fixada) é crédito do estado; no mesmo instante, fica devedora dela a pessoa privada prevista na lei e relacionada com o referido fato. 11

E mais adiante, ao discorrer sobre o nascimento da obrigação tributária, afirma

categoricamente o tributarista que o vínculo obrigacional que corresponde ao conceito de

tributo nascente, surge, por força de lei, da ocorrência do fato imponível.12

Na substituição tributária progressiva a obrigação tributária surge antes do

acontecimento do fato descrito na hipótese de incidência - o que nos faz dizer, portanto, que

na aplicação dessa técnica de tributação há a presunção do valor da base de cálculo. A esse

respeito, vale fazer uma ressalva com o que nos ensina BALEEIRO:

Se não ocorre o fato gerador, inexiste contribuinte, relação jurídica, substituído e substituto. Ou se ele ocorre no mundo fenomênico de modo ou forma diferente daquela presumida abstratamente na lei, não se dá a subsunção da norma ao fato ou à sua base de cálculo (em desacordo com os dados da realidade). 13

Ora, da leitura dos ensinamentos de BALEEIRO depreende-se que a base de cálculo,

se presumida, não pode ser definitiva, cabendo sempre prova em contrário. Não é o que vem

8 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 108. 9 BENÍCIO, Sérgio Ganini. ICMS: apontamentos teóricos e práticos sobre a substituição tributária. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 144. 10 COÊLHO,Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 622. 11 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 31. 12 Op. cit. p. 68 13 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11ª. ed. Atualizado por MISABEL DE ABREU MACHADO DERZI. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 450.

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se observando, contudo, nas decisões do Supremo Tribunal Federal, como ressalta

MOREIRA:

“arrimando-se no princípio da praticidade e em uma duvidosa tese de que o fato gerador do ICMS-ST ocorreria no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do substituto, tornou o Supremo Tribunal Federal definitiva a base de cálculo presumida na ST progressiva.” 14

A análise da interpretação dada pelo STF à matéria será melhor discutida no capítulo

7, “Julgamentos do Supremo Tribunal Federal concernentes à restituição do ICMS cobrado a

mais nos casos de substituição tributária progressiva”, mas não poderia deixar de ser ao

menos mencionada no presente capítulo.

4 - DA SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA 4.1 – Princípio da praticidade

O estudo do princípio da praticidade parece-nos essencial no presente trabalho por

ser este o princípio que justifica a aplicação da substituição tributária progressiva. Nesse

sentido, COÊLHO:

Entendemos que a substituição tributária, seja “para frente” ou “para trás”, tem um único objetivo: atender à praticidade tributária. O princípio da praticidade tem por finalidade tornar o direito exequível, isto é, aproximar a norma jurídica da realidade que pretende regular. 15

Sobre o princípio da praticidade propriamente dito podemos afirmar que ele

estabelece que se evitem execuções excessivamente complicadas das leis, sobretudo quando

estas devam ser aplicadas em massa. É um princípio implícito em vários comandos

constitucionais como por exemplo no § 7º do artigo 150 da Constituição da República – o

qual, desde a Emenda Constitucional 3/93 estabelece a possibilidade da aplicação da

substituição tributária progressiva.

Segundo Josef Isensee, praticidade “é o nome que designa a totalidade das condições

que garantem uma execução eficiente e econômica das leis.” 16

Contudo, como alerta DERZI:

A praticidade tem sido desviada de seu sentido original (execução para realização dos fins da lei) para converter-se em mero instrumento de arrecadação, independentemente da aplicação, da boa gestão dos recursos e da eficiência dos serviços públicos.

14 BENÍCIO, Sérgio Ganini. ICMS: apontamentos teóricos e práticos sobre a substituição tributária. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 195. 15 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Direito tributário: temas atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 359-360. 16 DERZI, Misabel Abreu Machado. Praticidade. ICMS. Substituição tributária progressiva, “para frente”. In: DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord). Construindo o Direito Tributário na Constituição – Uma análise da obra do Ministro Carlos Mário Velloso. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 177.

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Mais adiante no mesmo texto, conclui-se que a praticidade não tem primazia sobre a

justiça (que é sempre individual).17 Assim, torna-se o objetivo dos intérpretes atuais do

Direito Tributário conseguir possibilitar a aplicação do princípio da praticidade sem mitigar

em demasia os demais princípios – como o da não-cumulatividade, não surpresa, entre outros

– para, assim, assegurar a justiça individual dos contribuintes e substitutos tributários.

Outro ponto importante a ser analisado aqui é que nem sempre a substituição

tributária importa realmente uma execução simplificada das normas. Na Sondagem Especial

realizada pela CNI observou-se que 25% das indústrias que são consideradas pequenas

empresas estão sujeitas ao regime de substituição tributária, a maioria como substituta.

Interessante e digna de reflexão é a conclusão da Sondagem:

Embora menor do que o observado entre as demais empresas, esse percentual chama a atenção, pois o regime em princípio tem como objetivo concentrar o recolhimento e facilitar a fiscalização tributária em um número menor de contribuintes. O que não ocorre quando um grande número de pequenas empresas atua como substituta tributária. 18

4.2 - Conceito

A substituição tributária progressiva é técnica através da qual o imposto plurifásico é

cobrado de um terceiro em nome dos reais contribuintes. No ICMS isso pode ocorrer, por

exemplo, se o Fisco cobra o imposto relativo à operação final (para o consumidor) – com

valor presumido, por óbvio, já que o fato ainda não ocorreu – da fábrica, de modo que esta

empresa, por sua vez, recolhe o ICMS devido pelos distribuidores e demais membros da

cadeia produtiva/econômica.

A esse respeito, GANINI ensina que:

O pagamento de exações ainda não surgidas, antes mesmo da concretização das situações imponíveis respectivas, pauta-se também nas vantagens de um recolhimento centralizado e monofásico de todo o imposto incidente sobre as etapas dos processos circulatórios das mercadorias. A presunção da ocorrência dos fatos geradores vindouros, assim, enseja a adoção de mecanismos que buscam compelir o substituto a pagar, em nome de terceiros colocados em etapa posterior na cadeia circulatória, impostos devidos por estes em virtude da (apenas) provável realização da situação imponível. 19

A substituição tributária se pauta no princípio da praticidade – abordado de maneira

mais detida mais a frente no presente trabalho – sendo mais fácil e seguro para o fisco fazer a

cobrança do ICMS dessa maneira.Desenvolvendo uma abordagem enfática e até com certo

humor a esse respeito, ATALIBA:

Parece de evidência total que não pode a lei exigir de alguém – que mora no primeiro andar de um prédio – o imposto de renda devido por todos os moradores do

17 Op. cit. p. 188 18 SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA: maior parte das indústrias desaprova o regime da substituição tributária no ICMS. Sondagem Especial CNI. Brasília, ano 8, n. 1, – 8, mar. 2010, p. 2 19 BENÍCIO, Sérgio Ganini. ICMS: apontamentos teóricos e práticos sobre a substituição tributária. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 136

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prédio, simplesmente porque a cobrança, assim, se torna mais fácil! Nem exigir de quem more na esquina, o imposto predial de todos os contribuintes daquele quarteirão – ou ainda que, depois, se lhe assegurem mecanismos de reembolso junto aos demais – só porque tal expediente é cômodo à Administração. 20

Adota-se, no entanto, entendimento diverso do insigne tributarista. A substituição

tributária pode sim ser válida desde que observe alguns requisitos, como a participação do

substituído na aferição da base de cálculo presumida

Vale ressaltar, também, que a substituição tributária progressiva de fato leva à

praticidade nos casos clássicos de substituição tributária – como bebidas, combustíveis e

veículos – nos quais há poucos produtores e muitos revendedores. Contudo, a substituição não

se justifica pela praticidade no caso, por exemplo, dos alimentos, em que há inúmeros

produtores e a venda se concentra, muitas vezes, em poucos estabelecimentos

4.3 – Discussões acerca de sua (in)constitucionalidade material

Há na doutrina diversas discussões acerca da constitucionalidade ou não da aplicação

da substituição tributária progressiva no Brasil por diversos motivos, como por exemplo

violação ao princípio da igualdade, ao não confisco, à não cumulatividade. Ressalte-se, ainda,

a discussão acerca da violação ao princípio da segurança jurídica que, no Direito Tributário,

se coaduna com outro igualmente importante, qual seja, o da não surpresa.21

4.3.1 – Do princípio da segurança jurídica

Ainda sobre o princípio da segurança jurídica na substituição tributária progressiva

afirma GANINI que o próprio fato gerador presumido – já visto em capítulo anterior –

afrontaria o princípio da segurança jurídica.22 Mais adiante afirma o estudioso que:

[...] um dos corolários básicos do princípio da segurança jurídica, correspondente à certeza de que um tributo só nasceria depois de concretizada a situação imponível, foi agudamente desrespeitado pela Emenda Constitucional n. 3/93, mostrando-se esta, juntamente com o mecanismo substitutivo para frente, como irremediavelmente inconstitucionais. 23

CARRAZZA afirma ser a Emenda Constitucional 3/93 inconstitucional por atropelar

o princípio da segurança jurídica em sua dupla manifestação: certeza do direito e proibição do

arbítrio. Afirma, ainda, que esse princípio aplicado ao Direito Tributário exige que o tributo

só nasça após a ocorrência real (efetiva) do fato imponível24, o que levaria a uma inevitável

inconstitucionalidade material da substituição tributária progressiva, independentemente de

como fosse articulada pelo legislador.

20 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90 21 BENÍCIO, Sérgio Ganini. ICMS: apontamentos teóricos e práticos sobre a substituição tributária. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 139. 22 Idem. (tenho dúvidas se idem deve ser em itálico) 23 Op. cit. P. 140 24 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 331

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Razoável concordar com BENÍCIO que realmente a aplicação da técnica de

substituição tributária acaba por trazer insegurança jurídica ao substituto e ao contribuinte

pela aplicação da base de cálculo presumida, mas essa insegurança jurídica pode ser mitigada

ou pelo menos ter seus efeitos diminuídos atendidos três pressupostos: o substituto legalmente

indicado deve guardar relação econômica e jurídica com o fato imponível do tributo; o valor

do imposto deve sempre ser calculado segundo as condições e circunstâncias que envolvem o

contribuinte substituído, e não o substituto; e a eleição do substituto tributário deve ser feita

por lei expressa, que defina todos os caracteres da responsabilidade, assim como todos os

aspectos imprescindíveis ao atendimento das balizas constitucionalmente aplicáveis.25Sobre a

necessidade de essa lei ser lei complementar falaremos mais detidamente no capítulo 5, “ Do

tratamento legal dado à substituição tributária progressiva na legislação (ou da

inconstitucionalidade formal das leis que versam sobre substituição tributária vigentes hoje no

Brasil)”.

4.3.2 – Da irretroatividade das leis

ATALIBA entende ser inconstitucional a substituição tributária progressiva por

violar o princípio da irretroatividade das leis. Vejamos:

Há um limite constitucional intransponível à discrição do legislador, na fixação do aspecto temporal: não pode ser anterior à consumação (completo acontecimento) do fato. Isto violaria o princípio da irretroatividade da lei (art. 150, III, “a”). Daí a inconstitucionalidade das antecipações de tributos (algumas vezes camufladas sob a capa de substituição tributária).26)

O supra referido artigo 150, III, “a” da Constituição da República diz que:

Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – cobrar tributos a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;

Ora, da leitura do supracitado artigo percebe-se que a substituição tributária não fere

a irretroatividade das leis como dito por ATALIBA uma vez que a alínea “a” do inciso III do

artigo 150 afirma a proibição da cobrança dos tributos em relação a fatos geradores ocorridos

antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado, de modo que, se a

lei instituidora da substituição tributária progressiva for anterior à ocorrência do fato gerador

– e anterior, também, à presunção do fato gerador – não há, de fato, ofensa ao princípio da

irretroatividade.

4.3.3 – Da não-confiscatoriedade

25 BENÍCIO, Sérgio Ganini. ICMS: apontamentos teóricos e práticos sobre a substituição tributária. São Paulo: Saraiva, 2010, p 115-117. 26 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 95

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CARRAZZA afirma que uma das inconstitucionalidades por ele vislumbradas na

instituição da substituição tributária progressiva é a “a violação do princípio da não-

confiscatoriedade”, 27 previsto no inciso IV do artigo 150 da Constituição da República.

4.3.4 – Da não-cumulatividade

Há autores na doutrina que afirmam que a técnica substitutiva progressiva burla o

princípio da não-cumulatividade 28. Contudo, acreditamos que a simples adoção da

substituição tributária progressiva não acarreta uma lesão à não-cumulatividade, desde que

alguns cuidados sejam tomados como, por exemplo, a restituição de eventual valor pago a

mais.

MOREIRA em obra específica sobre a não-cumulatividade dos tributos afirma que a

substituição tributária progressiva pode ferir a não-cumulatividade se os preços de venda ao

consumidor forem presumidos para maior sem que seja assegurada devolução da diferença ao

substituído.29 Por isso, afirma, mais adiante que “[...] desde que assegurado ao substituído o

direito à restituição do ICMS-ST pago a maior, a não-cumulatividade resta assegurada”. 30

Após a análise da não-cumulatividade fiscal deve-se fazer uma observação de

extrema relevância e, infelizmente, pouco ventilada pela doutrina nacional. Trata-se do

desrespeito à não-cumulatividade nos casos em que o substituído adquire bens do ativo

permanente. A este respeito, BALEEIRO:

[…] se o substituído tiver adquirido bens do ativo permanente (maquinários, móveis e outros bens que sofreram a incidência do ICMS, na aquisição) os créditos respectivos ficarão prejudicados, ao arrepio da Lei Complementar n. 87/96. A vazão de tais créditos, se o contribuinte atua somente em regime especial de substituição progressiva, o que ocorre em hipóteses diversas, encontrará barreiras de difícil transposição e o ICMS, nesse regime, ofenderá o princípio da não cumulatividade, em franco desrespeito à Constituição e ao sistema da Lei Complementar n. 87/1996. Por meio de tal expediente, na prática, as Fazendas Públicas driblam a referida Lei Complementar e reduzem o princípio da não cumulatividade ao crédito físico. (grifamos)31

Ora, de fato a não cumulatividade deve ser analisada não apenas no aspecto fiscal,

mas também nos casos em que o substituído adquire bens do ativo permanente e não pode

utilizar os créditos adquiridos. Nesse caso o desrespeito ao princípio em estudo existe, ainda

que seja mais difícil a sua percepção e deve-se, portanto, propiciar ao substituído que tiver

adquirido bens do ativo permanente alguma forma de utilizar tais créditos sob pena de minar a

legitimidade e constitucionalidade do regime de substituição tributária progressiva.

27 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 344 28 Idem 29 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, pg.192. 30 Op. cit. P. 194. 31 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2010, pg. 754.

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5 – DO TRATAMENTO LEGAL DADO À SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

PROGRESSIVA NA LEGISLAÇÃO (OU DA INCONSTITUCIONALIDADE

FORMAL DAS LEIS QUE VERSAM SOBRE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA

VIGENTES HOJE NO BRASIL)

Para entender a inconstitucionalidade formal das leis que versam sobre substituição

tributária hoje vigentes no Brasil deve-se fazer um breve estudo sobre as leis complementares,

suas peculiaridades e aplicações. Segundo FERNANDES, lei complementar “é espécie

normativa primária que envolve matérias taxativamente previstas na Constituição e que exige

quórum de maioria absoluta para sua aprovação”. 32

Ao analisar as posições doutrinárias que defendem não ter a Lei Complementar

matéria própria, FERREIRA FILHO:

Reprova-o o bom senso. Criando um tertium genus, o constituinte o fez tendo um rumo preciso: resguardar certas matérias de caráter paraconstitucional contra mudanças constantes e apressadas, sem lhes imprimir rigidez que impedisse a modificação de seu tratamento, logo que necessário. Se assim agiu, não pretendeu deixar ao arbítrio do legislador o decidir sobre o que deve ou que não deve contar com essa estabilidade particular. 33

Não estamos afirmando, ressalte-se, haver hierarquia entre lei complementar e lei

ordinária – até porque as duas espécies normativas tem por fundamento de validade a

Constituição 34– , a “lei ordinária que destoa da lei complementar é inconstitucional por

invadir âmbito normativo que lhe é alheio, e não por ferir o princípio da hierarquia das leis”. 35

No mesmo sentido, MORAES, “a Constituição Federal reserva determinadas

matérias cuja regulamentação, obrigatoriamente, será realizada por meio de lei

complementar”36. Mais adiante, cita o constitucionalista:

“A lei ordinária que dispõe a respeito de matéria reservada à lei complementar usurpa competência fixada na Constituição Federal, incidindo no vício de inconstitucionalidade” (STJ – 2ª T – Resp. nº 92.508/DF – Rel. Min. Ari Pargendler, Diário da Justiça, Seção I, 25 ago. 1997, p. 39.337)37

O artigo 155 da Constituição da República, em seu inciso XII, alínea “b” estabelece

que:

32 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 683. 33 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. São Paulo:Saraiva, 2009, p. 249. 34 FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 686 35 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martins; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 910 36 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008, p. 667. 37 Idem.

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Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) XII - cabe à lei complementar: (...) b) dispor sobre substituição tributária; (grifamos)

Então, pelo já visto, não há muita dúvida. As disposições sobre substituição tributária

devem ser feitas por lei complementar. Não é, contudo, o que ocorre.

O artigo 6º da Lei Complementar 87/96, a Lei Kandir, estabelece que:

Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002) § 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto. § 2o A atribuição de responsabilidade dar-se-á em relação a mercadorias, bens ou serviços previstos em lei de cada Estado. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

Ao prever a lei ordinária estadual a possibilidade de investir terceiro na condição de

substituto tributário padece de inconstitucionalidade por desrespeitar o disposto na

supracitada alínea “b”, do inciso XII do artigo 155 da Constituição da República.

6 – DA RESTITUIÇÃO DO ICMS COBRADO A MAIS NA SUBSTITUIÇÃO

TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA

6.1 – Da essencialidade da restituição do ICMS cobrado a mais na substituição

tributária progressiva

A restituição do ICMS cobrado a mais na substituição tributária progressiva é

essencial para garantir, por exemplo, o respeito ao princípio da não-cumulatividade. A

restituição ao substituído ao ICMS cobrado a mais através da substituição tributária

progressiva faz a técnica tributária de arrecadação não ferir o princípio da não-cumulatividade 38 e, contrario sensu, a não restituição dos valores cobrados a mais fazem a técnica tributária

cair na cumulatividade dos tributos 39, o que não se pode admitir.

A restituição do ICMS é, inclusive, um requisito constitucional, como frisa

ATALIBA ao dizer que:

“[...] requer a Constituição que a lei estabeleça mecanismos expeditos, ágeis, prontos e eficazes ao ressarcimento do substituto, sob pena de comprometimento da validade da substituição.” 40

38 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 194. 39 Op. cit. P. 192. 40 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93.

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A necessidade da restituição do ICMS cobrado a mais se vincula umbilicalmente à

presunção da base de cálculo estudada anteriormente no presente trabalho. É exatamente a

presunção da base de cálculo que faz possível a existência de diferenças entre o valor

tributado e o valor real da operação, acarretando, assim, diferenças a serem acertadas entre as

partes. A esse respeito ensina DERZI:

[...] antes do acontecimento do fato jurídico-tributário da norma básica, o fato descrito na hipótese da norma secundária já se terá concretizado, acarretando o dever do responsável. A lei, que institui tal responsabilidade, presume, assim, ocorrência de fato gerador futuro e a base de cálculo, cujo montante é desconhecido (relativamente à norma básica). Por tal razão, a lei tem de disciplinar os mecanismos de ressarcimento ao contribuinte, caso não ocorra o fato jurídico tributário, ou ocorra de forma diferente da estimada.41

O recebimento, pelo Estado, de valores a título de ICMS, acima das bases de cálculo

reais, enseja enriquecimento sem causa do Estado e caracteriza confisco tributário, sendo

imprescindível sua imediata restituição, por força da própria Constituição. 42

ATAL IBA ressalta a necessidade que a lei estabeleça mecanismos expeditos, ágeis,

prontos e eficazes de ressarcimento do substituto, sob pena de comprometimento da validade

da substituição.43 Os motivos disso para o tributarista seriam:

Isto por força de três exigências constitucionais. A primeira, o princípio da igualdade de todos perante a lei, em cujas dobras se contém o princípio da capacidade contributiva. Se o fato imponível é imputável ao substituído, dele é a manifestação de capacidade contributiva revelada pela sua ocorrência, como sublinha Amílcar Falcão. A segunda, o princípio constitucional que proíbe o confisco. Se não houver ressarcimento do substituto, pelo substituído, de modo ágil, eficaz, imediato e expedito, o substituto estará pagando o tributo cujo destinatário é outrem. Estará arcando com carga tributária correspondente a uma capacidade econômica (revelada pelo fato imponível) que não revelou, e que portanto, somente a outrem (e não a ele) poderia ser imputada. A terceira – estes argumentos se harmonizam no contexto constitucional – porque a Constituição sempre designa implicitamente quem é o sujeito passivo do tributo. A designação é implícita, porém nem por isso é menos categórica. 44

O § 7º do artigo 150 da Constituição da República estabelece que:

§ 7.º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. (grifamos)

Observa-se que, a primeira vista, a restituição do valor cobrado só poderia ocorrer

caso o fato presumido não se realizasse, interpretação com a qual não podemos concordar.

Nesse sentido, MOREIRA:

41 DERZI, Misabel Abreu Machado. Praticidade. ICMS. Substituição tributária progressiva, “para frente”. In: DERZI, Misabel Abreu Machado (Coord). Construindo o Direito Tributário na Constituição – Uma análise da obra do Ministro Carlos Mário Velloso. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 173. 42 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 622. 43 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. Ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93. 44 Idem.

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De fato, não se pode concordar com a prevalência de uma interpretação que adota a exceção (a saber: a não realização do fato gerador) como a única hipótese na qual a restituição do ICMS seria cabível. Ora, na maior parte das operações tributadas pelo regime de substituição o fato gerador sempre ocorre. Todavia, pode não ocorrer da forma como presumida, o que legitimará Estados e contribuintes a pleitearem a diferença uns dos outros. Nada mais justo. Nada mais consentâneo com o princípio da não-cumulatividade. Nada mais razoável sem descurar da praticidade (vez que o regime de ICMS-ST continuará sendo aplicado, assegurando-se a arrecadação) 45

Observe-se que o tributarista defende a devolução do valor cobrado a mais pelo

Estado caso a tributação tenha ocorrido “a maior” e também a complementação pelo

contribuinte de eventual valor caso o tributo tenha sido recolhido a menor, posição com a qual

nos alinhamos. Indispensável, contudo, conhecermos a posição contrária defendida por

importantes tributaristas como CARRAZZA, que afirma que este raciocínio, posto calcado no

senso comum, não é jurídico, já que contraria o disposto no §7º do artigo 150 da Constituição

da República. 46

Importantíssimo, também, ressaltar o entendimento de COÊLHO que considera

independerem os contribuintes e responsáveis tributários da Lei Complementar nº 87/96 e das

legislações estaduais para reaver o que pagaram a maior nos últimos cinco anos. O

fundamento alegado é que o direito é constitucional e a Constituição, na espécie, é auto-

aplicável. 47 MOREIRA ressalta que, para o STF, eventuais recolhimentos feitos a maior de

fato poderiam ser compensados pelos substituídos, ainda que a lei assim não dispusesse, já

que tal direito decorreria do próprio princípio da não-cumulatividade.48 Essa assertiva

constou, no voto do Relator do RE n. 194.382/SP no qual foi legitimada a substituição

tributária progressiva no setor automobilístico.49

Assim, observa-se que a restituição do ICMS cobrado a mais não é, de forma

alguma, um “favor” ou uma benesse a ser concedida aos contribuintes e responsáveis

tributários, mas, pelo contrário, uma obrigação do Fisco e uma forma de afirmar a legalidade

e a legitimidade da técnica substitutiva progressiva.

6.2 – Das espécies de restituição

6.2.1 – Por crédito

Ora, o art. 10 da Lei complementar 87/96 absolutamente não garante a “restituição”,

mas apenas o direito de lançar na escrita fiscal do contribuinte os créditos correspondentes ao

ICMS recolhido a maior. 50

45 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 198-199 46 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009 , p. 341 47 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 623. 48 MOREIRA, André Mendes. A não-cumulatividade dos tributos. São Paulo: Noeses, 2010, p. 193. 49 STF, Pleno, RE n. 194.382/SP, Relator Min. MAURÍCIO CORRÊA, DJ 25.04.2003, p. 35. 50 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 338

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Ocorre, porém, que, não raro, a utilização destes “créditos” é demorada ou, até,

impossível. 51

Observa-se, portanto, que a restituição por crédito pode não garantir a restituição

imediata e preferencial de que nos fala a Constituição, não sendo, portanto, aconselhável o seu

uso.

6.2.2 – Por dinheiro

Enfim, estamos convencidos de que a expressão “imediata e preferencial restituição

da quantia paga”, utilizada no § 7º do art. 150 da CF, tem um significado mínimo, que não se

compatibiliza com a restituição em créditos lançados na escrita fiscal.

Tal restituição, deve ser em dinheiro, independentemente do preenchimento de

outros requisitos, como, por exemplo, haver débitos de ICMS a pagar, 52 obedecendo, assim,

ao disposto na Constituição.

7 - JULGAMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL CONCERNENTES À

RESTITUIÇÃO DO ICMS COBRADO A MAIS NOS CASOS DE SUBSTITUIÇÃO

TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA

7.1 – A ADI 1851/AL

Para melhor compreensão dos excertos aqui citados do inteiro teor do acórdão da

referida Ação Direta de Inconstitucionalidade, veja-se transcrição da cláusula segunda do

CONVÊNIO ICMS 13, de 21 de março de 1997 objeto da ADIN aqui estudada.

Cláusula segunda – Não caberá a restituição ou a cobrança complementar do ICMS quando a operação ou prestação subsequente à cobrança do imposto, sob a modalidade da substituição tributária, se realizar com valor inferior ou superior àquele estabelecido com base no artigo 8.º da Lei Complementar 87, de 13 de setembro de 1996.

A análise da ADI 1851/AL é de suma importância no presente estudo por ter sido no

seu julgamento que o Supremo Tribunal Federal tomou uma série de decisões – que parecem

equivocadas, diga-se de passagem – sobre a substituição tributária progressiva. Dividiremos

as decisões em tópicos para facilitar a compreensão das decisões tomadas no presente caso.

7.1.1 – Das decisões sobre substituição tributária progressiva tomadas na ADI 1851/AL

7.1.1.1 – Da transformação do fato gerador presumido em definitivo

O início do inteiro teor do acórdão já traz excerto – de lavra do Ministro Relator

Senhor Ilmar Galvão – com a afirmativa de que o fato gerador presumido seria definitivo, e

não provisório. Diz-se, inclusive, que caso esse não seja o entendimento adotado despojar-se-

51 Op. cit. P. 339. 52 CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 340.

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ia o instituto das vantagens que determinaram sua concepção e adoção, subordinando, pois, ao

princípio da praticidade a justiça e todos os outros princípios - o que, como já estudado, não

se pode admitir. Vejamos:

O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. 53

Ora, o instituto da substituição tributária progressiva pode sim ser utilizado sem

considerar o fato gerador provisório – frise-se, provisório – como definitivo e ainda assim ter

o Fisco maior segurança na tributação, diminuição de eventual sonegação entre outras

benesses já discutidas da referida técnica de tributação. Assim, não parece ser o entendimento

do Ministro o mais tecnicamente acertado nesse ponto.

Mais adiante em seu voto, chega o Ministro Relator a afirmar que não há nenhum

interesse jurídico em apurar se a base de cálculo presumida correspondeu de fato à realidade.

O fato gerador do ICMS e a respectiva base de cálculo, em regime de substituição tributária, de outra parte, conquanto presumidos, não se revestem de caráter de provisoriedade, sendo de ser considerados definitivos, salvo se, eventualmente, não vier a realizar-se o fato gerador presumido. Assim, não há falar em tributo pago a maior, ou a menor, em face do preço pago pelo consumidor final do produto ou do serviço, para fim de compensação ou ressarcimento, quer de parte do Fisco, quer de parte do contribuinte substituído. Se a base de cálculo é previamente definida em lei, não resta nenhum interesse jurídico em apurar se correspondeu ela à realidade. 54

Com todo respeito ao entendimento do Ministro do Supremo Tribunal Federal, falar

em falta de interesse jurídico em apurar se a base de cálculo presumida correspondeu de fato à

base de cálculo do imposto significa aceitar a modificação de base de cálculo e fato gerador

sem previsão legal. Quando o ICMS deixa de ser o Imposto sobre Circulação de Mercadorias

e Serviços e passa a ser o imposto do valor definido pelo Estado, ele deixa de ser o imposto

em estudo e passa a ser alguma coisa levemente parecida com o ICMS. Sobre esse assunto,

ver o que discutimos no Capítulo 2, “ICMS”

O Ministro Carlos Veloso, em voto divergente – e, infelizmente, vencido –

manifestou-se em outro sentido, muito mais acertado e condizente com a realidade e a

doutrina tributarista nacional. Vejamos:

Ora, Sr. Presidente, é de sabença elementar que a base de cálculo do fato gerador é a sua dimensão material, a sua expressão valorativa, como ensinou Geraldo Ataliba.

53 STF, Pleno, ADIN 1851/AL, Relator Min. ILMAR GALVÃO, DJ 22.11.2002, p. 140 54 Op. cit. p. 170.

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O que constitui o fato gerador do I.C.M.S.? Operações relativas à circulação de mercadorias ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (C.F., art. 155, II). A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será, em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório de parcelas, tal como posto no art. 8º, inciso II, letras a, b e c, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, verbis: “A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será: I .......................................................................... II – em relação às operações ou prestações subsequentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes: a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário; b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço; c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativo às operações ou prestações subsequentes.” É dizer, Sr. Presidente, o valor da operação ou da prestação de serviço é o dado básico, fundamental da base de cálculo, que constitui o aspecto material do fato gerador, ou do fato imponível, a sua expressão valorativa. 55

O Ministro Carlos Veloso se manifesta, ainda, no sentido de que:

se o fato gerador tem, na base de cálculo, a sua expressão valorativa, ou a sua dimensão material, força é convir que o fato gerador se realiza nos termos dessa sua dimensão material, nem mais, nem menos. 56

Ainda que os dizeres do Ministro possam parecer óbvios, mas, pelo resultado do

julgamento da ADI 1851 percebe-se que esse não é o entendimento majoritário do Supremo

Tribunal Federal.

Ainda sobre a definitividade da base de cálculo presumida o Ministro Carlos Veloso

faz a importante observação de que caso não seja obtido, posteriormente o preço da pauta de

valores, terá o poder público se locupletado ilicitamente, terá havido enriquecimento ilícito,

“o que a teoria geral do direito repele, o que o senso comum dos homens não admite”. 57

7.1.1.2 – Da não aplicação do princípio da não-cumulatividade na cobrança do ICMS

pela técnica da substituição tributária progressiva.

Na análise da não-cumulatividade o Supremo Tribunal Federal, no voto do Ministro

Relator Ilmar Galvão – voto este que foi acompanhado pela maioria dos demais ministros –

estabeleceu-se que, nos casos de cobrança do ICMS pela técnica da substituição tributária

progressiva não há que se falar em obediência ao princípio da não-cumulatividade.

Ocorre, portanto, com a substituição tributária, a exclusão da incidência plurifásica do tributo, que assim se torna monofásico, de uma só etapa, não dando ensejo à aplicação do princípio da não-cumulatividade, presumido que o tributo repercutiu por inteiro sobre o consumidor final. Se a base de cálculo é presumida, não há como

55 Op. cit. p. 176-177. 56 Op. cit. p. 179. 57 Op. cit. p. 180.

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apurar se correspondeu ao seu valor real, só se podendo falar em restituição se o fato gerador não se realizou, como previsto na Constituição. 58 (grifamos)

Parece pouco adequada a posição do Ministro,tendo em vista que não se pode decidir

arbitrariamente quando aplicar ou o princípio da não-cumulatividade. Mesmo com a

incidência em apenas uma fase o ICMS cobrado através da substituição tributária progressiva

pode sim dar ensejo à cumulatividade, quando o valor presumido não é o real e o imposto

acaba por onerar o substituto ou o substituído. Sobre esse assunto, ver o capítulo 4 “Da

substituição tributária progressiva”, em especial o tópico “4.3.4 – Da não-cumulatividade”.

7.1.1.3 – Dos produtos submetidos ao regime de substituição tributária progressiva do

ICMS

No tocante aos produtos submetidos ao regime de substituição tributária progressiva

do ICMS o Senhor Ministro Ilmar Galvão manifesta-se de maneira que, se não for errada é,

no mínimo, inconsistente com a realidade atualmente observada nos Estados. Afirma o

Ministro a respeito da substituição tributária progressiva para a cobrança do ICMS:

Trata-se de regime a que, na prática, somente são submetidos produtos com preço de revenda final previamente fixado pelo fabricante ou importador, como é caso de veículos e cigarros; ou tabelados pelo Governo, como acontecia até recentemente com os combustíveis, e como acontece com a energia elétrica etc.; razão pela qual só eventualmente poderão verificar-se excessos de tributação.59

Na Sondagem Especial feita pela CNI e publicada em março de 201060, resta

evidente que a assertiva do Ministro não encontra correspondência na realidade. Segundo a

Sondagem61 59%das empresas afirmaram que tiveram novos produtos incluídos na

substituição tributária nos últimos anos e 63% das empresas afirmaram que a substituição

tributária impacta negativamente o fluxo de caixa62. Ainda segundo a Sondagem Especial,

tem-se que, segundo 44,9% das empresas, houve aumento das margens de valor agregado

(MVA), preços sugeridos e/ou pautas fiscais utilizados no cálculo do tributo63. Tem-se

também, e esse dado é de extrema relevância, que as margens de valor agregado (MVA),

preços sugeridos e/ou pautas fiscais utilizados para o cálculo do ICMS na substituição

tributária são considerados superiores ao efetivamente praticados no mercado por 59,2% das

empresas, adequados por 36,2% enquanto apenas 4,6% acreditam que os parâmetros estão

aquém daqueles praticados no mercado64.

58 Op. cit. p. 147. 59 Op. cit. p. 166. 60 SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA: maior parte das indústrias desaprova o regime da substituição tributária no ICMS. Sondagem Especial CNI. Brasília, ano 8, n. 1,– 8, mar. 2010. 61 Op. cit. p. 3. 62 Op. cit. p. 4. 63 Op. cit. p. 6. 64 Idem.

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7.1.2 – Considerações do Ministro Presidente Marco Aurélio

Ante a lucidez de algumas colocações do Ministro Presidente do Supremo Tribunal

Federal à época, o Ministro Marco Aurélio, parece abordar em tópico específico algumas

colocações do Ministro que-ficaram como voto vencido no julgamento da ADI 1851/AL.

7.1.2.1 – Dos interesses dos Estados no julgamento da ADI 1851/AL e suas consequências

Sobre o interesse dos Estados de que a ADI 1851/AL fosse julgada improcedente,

sendo que isso vedaria a possibilidade de o próprio Estado cobrar eventual quantia cobrada a

menos, diz o Ministro:

(...) é muito sintomático que os Estados queiram manter um preceito que veda, inclusive, a cobrança de diferença do tributo, que veda a possibilidade de eles próprios buscarem diferenças não no campo da simples presunção – presunção que, segundo o vernáculo, tem-se como temporária – , mas no da realidade. Isso ocorre porque há parâmetros ditados unilateralmente. Porque dificilmente teremos uma hipótese em que o valor presumido ficará aquém daquele resultante do fato gerador. Assusta-me, sobremaneira, o enriquecimento sem causa, considerado esse embate contribuinte – Estado. 65

Ora, a ideia do Ministro comprova-se nos fatos, já que, como já citado no presente

trabalho, a maioria das empresas considera o valor posto pelo Estado para a cobrança do

ICMS por substituição tributária maior do que o valor efetivamente praticado pelo mercado. 66

Sustenta o Ministro, ainda, que caso a ADI fosse improvida – o que de fato ocorreu –

estaria o Supremo interpretando a Constituição de modo a compactuar com o enriquecimento

sem causa. Verbis:

O contribuinte não pode afastar, ante a lei editada a partir do §7º do artigo 150, a substituição tributária. Então, o Estado, todo-poderoso, impõe o sistema, dita o chamado valor presumido, que deixa de ser presumido, passando a definitivo, unilateralmente, e, realizado aquém daquele valor o negócio jurídico, a circulação de mercadorias que gera o tributo, não há o direito à restituição? O que é isso senão o enriquecimento sem causa? Interpretar a Carta da República a ponto de agasalhar-se o enriquecimento sem causa? 67

7.2.1.2 – Da interpretação do §7º do artigo 150 da Constituição da República

Sobre a interpretação do § 7º do artigo 150 da Constituição da República manifestou-

se o Ministro Presidente no seguinte sentido:

(...) recuso-me a ceder a interpretação literal, gramatical, verbal, a qual realmente seduz, no que se tem a cláusula segundo a qual fica “assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.” Será que esta previsão, voltada à proteção do contribuinte, à preservação do figurino do tributo, autoriza a cobrança a maior, autoriza o Estado a ficar, a título de um tributo, com balizas rígidas, com quantia que não diz respeito ao tributo? A resposta, para mim, é desenganadamente negativa. 68

65 STF, Pleno, ADIN 1851/AL, Relator Min. ILMAR GALVÃO, DJ 22.11.2002, p. 185. 66 SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA: maior parte das indústrias desaprova o regime da substituição tributária no ICMS. Sondagem Especial CNI. Brasília, ano 8, n. 1, p. 1 – 8, mar. 2010, p. 6. 67 STF, Pleno, ADIN 1851/AL, Relator Min. ILMAR GALVÃO, DJ 22.11.2002, p. 188-189. 68 Op. cit. p. 186-187.

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Numa interpretação muito lúcida sobre a norma em estudo – o § 7º do artigo 150 –

manifestou-se o Ministro dizendo que tal norma “viabiliza não o enriquecimento sem causa

pelo Estado, não a vantagem indevida do Estado, não a majoração do tributo, mas encerra,

apenas, uma técnica que vede a sonegação”.69

Por fim, vale ressaltar o posicionamento do Ministro sobre a restituição do imposto

cobrado a mais – chamado por ele de “acerto de contas”:

(...) no § 7º, há referência a fato gerador futuro, a revelar que o recolhimento não é definitivo e que, a partir da presunção e da fúria arrecadadora decorrente da deficiência de caixa sempre notada nas pessoas jurídicas de direito público, é provisório, ensejando, portanto, um posterior acerto de contas.70

Como as lúcidas colocações do Ministro Presidente foram voto vencido, a ADI

1851/AL foi julgada improcedente, criando uma jurisprudência perigosa no STF.

Guiados pelo precedente aberto nessa malfadada ADI 1851/AL os governadores de

Pernambuco e São Paulo propuseram, respectivamente, as ADI 2675/PE e 2777/SP, sobre as

quais faz-se necessário um breve estudo.

7.2 – A ADI 2675/PE

A ADI 2675/PE tem por objeto o inciso II do artigo 19 da Lei Estadual 11.408/96

que diz:

Art. 19. É assegurado ao contribuinte-substituído o direito à restituição: (...) II – do valor parcial do imposto pago por força da substituição tributária, proporcionalmente à parcela que tenha sido retida a maior, quando a base de cálculo da operação ou prestação promovida pelo contribuinte-substituído for inferior àquela prevista na antecipação;

O Ministro Relator dessa ADI, o Ministro Carlos Velloso, entendeu que sendo o

valor do produto alienado inferior àquele que foi presumido, deve ser devolvida ao

contribuinte a quantia recolhida a mais, , sob pena de enriquecimento ilícito do Estado. Votou,

portanto, pela improcedência do pedido, mantendo a validade dos dispositivos que

possibilitam a restituição do valor pago a mais.71

Na sequência do julgamento votaram pela improcedência da ADI – e,

consequentemente, pela constitucionalidade da norma - o Ministro Relator Carlos Velloso, e

os ministros Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello. Pela

procedência das ações – e, consequentemente, pela inconstitucionalidade da norma – votaram

os ministros Nelson Jobim, Eros Grau, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence e a ministra Ellen

69 Op. cit. p. 187 70 Op. cit. p. 187 71 STF, Notícias. Empate suspende o julgamento de leis estaduais sobre pagamento de ICMS em regime de substituição tributária. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=69010&caixaBusca=N > Acesso em: 05 jun. 2011.

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Gracie. O ministro Carlos Ayres Britto irá desempatar o julgamento quando pronunciar seu

voto, oportunamente.72

7.3 – A ADI 2777/SP

A ADI 2777/SP tem por objetivo que seja declarada inconstitucional a alteração

promovida pela Lei 9176/95 que assim dispôs, no seu artigo 3º:

Artigo 3º - Fica acrescentado ao Capítulo I, do Título III da Lei nº 6.374 de 1º de março de 1989, a seção III “Das Disposições Gerais Relativas à Sujeição Passiva por Substituição em Relação às Subsequentes Operações” (artigos 66-A a 66-G) (...) 66-B Fica assegurada a restituição do imposto pago antecipadamente em razão da substituição tributária: (...) II – caso se comprove que na operação final com mercadoria ou serviço ficou configurada obrigação tributária de valor inferior à presumida.

O Ministro Relator Cezar Peluso aponta, em seu relatório, algumas distinções a

serem consideradas entre o caso julgado na já estudada ADI 1851/AL e a ADI 2777/SP.

Aponta como primeira diferença o fato de que, na norma declarada constitucional no

julgamento da ADI 1851/AL havia contrapartida de não exigibilidade de diferença - isto é,

nem o substituto poderia pedir os valores porventura cobrados a mais pelo Estado nem o

Estado poderia cobrar valores porventura cobrados a menos – inexistente na norma em estudo

na ADI 2777/SP. 73

Outra diferença apontada pelo relator como importante entre o caso julgado na ADI

1851/AL e o presente é que, naquela, a norma julgada tratava a substituição tributária

progressiva como opcional, enquanto a norma paulista não dá ao contribuinte a opção de

recolher o ICMS através da substituição ou não.74 Ressalte-se, ainda, que no caso de Alagoas

o contribuinte que aderisse à substituição tributária ganharia com isso incentivos fiscais,

possibilidade inexistente em relação à norma paulista.

Ainda sobre as identidades do caso em estudo com o da ADI 1851/AL e sobre a

interpretação do §7º do artigo 150 da Constituição da República, disse o Ministro:

O art. 150, § 7º, da Constituição da República, deve interpretado nas suas conexões constitucionais, ou seja, como fundamento constitucional da exigência de imposto, ou contribuição, com base em fato gerador que, por presunção, deva ocorrer posteriormente, que é o que tipifica a denominada substituição tributária para frente. (...) Sua reapreciação ou reinterpretação não esbarra no efeito vinculante da decisão proferida na ADI 1851-AL, pois o art. 102, § 2º, da Constituição da República, e o art. 28 da Lei federal nº 9.868/99 circunscrevem tal efeito “aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo”: (...)

72 Idem. 73 STF, Pleno, ADIN 2777/SP, Relator Min. CEZAR PELUSO, Disponível em <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/ADI2777Peluso.pdf> Acesso em: 05.jun. 2011. 74 Idem.

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Ademais, além das diferenças do contexto jurídico-factual em que, naqueloutra ADI, a título de fatos elementares da causa de pedir, foi o art. 150, § 7º, invocado, deve salientar-se a recente alteração na composição da Corte, com a aposentadoria dos ilustres Ministros Sydney Sanches, Ilmar Galvão e Moreira Alves, todos os quais haviam negado a existência de dever de restituição do valor recolhido a maior, quando o fato gerador ocorrido tenha base de cálculo de valor inferior à presumida.75

Em voto-vista o Ministro Nelson Jobim pronunciou-se no sentido de que a ADI

1851/AL pode ser considerada um precedente e votou pela inconstitucionalidade da norma.

Ressaltou que a substituição tributária

“é método de arrecadação de tributo instituído com o objetivo de facilitar e otimizar a cobrança de impostos, possibilitando maior justiça fiscal por impedir a sonegação fiscal”76

Salientou, ainda, que “não haveria como sustentar o alegado enriquecimento ilícito

por parte do Fisco, já que a diferença entre os preços final e o presumido é suportada pelo

consumidor final”77.

Mais adiante no aditamento de seu voto assevera o Ministro Relator:

Saliento, ainda, que a devolução da diferença de ICMS em virtude da ocorrência a menor do “fato gerador presumido” não desnatura nem prejudica a finalidade pragmática da substituição tributária. A objeção padece, aqui, de vistosa contradição interna. Se a devolução da diferença desnaturasse ou prejudicasse o sistema, porque o não desnaturaria nem prejudicaria a devolução do valor integral do imposto, como preconiza o Min. JOBIM Também neste caso, há necessidade de procedimento administrativo, com produção de provas e julgamento. Ademais, se a base de cálculo presumida, estatuída pelo Fisco, for próxima do valor real da operação (preço de venda praticado pelo substituído), os pedidos de devolução serão escassos.78

Na sequência do julgamento votaram pela improcedência da ADI – e,

consequentemente, pela constitucionalidade da norma - os Ministros Cezar Peluso, Ricardo

Lewandowski, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Celso de Mello. Pela procedência das

ações – e, consequentemente, pela inconstitucionalidade da norma – votaram os Ministros

Nelson Jobim, Eros Grau, Gilmar Mendes, Sepúlveda Pertence e a Ministra Ellen Gracie. O

ministro Carlos Ayres Britto irá desempatar o julgamento quando pronunciar seu voto,

oportunamente, assim como no julgamento da ADI 2675/PE.79

8 - CONCLUSÃO

Após o estudo realizado no presente trabalho pode-se concluir que a substituição

tributária progressiva pode ser constitucional desde que observados alguns aspectos.

75 Idem 76 STF, Pleno, ADIN 2777/SP, Relator Min. CEZAR PELUSO, Disponível em <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/VotoJobimADI2777.pdf> Acesso em: 05.jun. 2011 77 Idem 78 STF, Pleno, ADIN 2777/SP, Relator Min. CEZAR PELUSO, Disponível em <http://www.stf.jus.br/imprensa/pdf/ADI2777Peluso.pdf> Acesso em: 05.jun. 2011. 79 STF, Notícias. Empate suspende o julgamento de leis estaduais sobre pagamento de ICMS em regime de substituição tributária. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=69010&caixaBusca=N> Acesso em: 05 jun. 2011.

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Primeiramente, a matéria deve ser disciplinada em Lei Complementar. Se assim não

for, independentemente do conteúdo da lei ordinária ela será inconstitucional por

desobediência à forma prescrita na Constituição.

Além disso, no ponto de vista material, a lei complementar que instituir a

substituição tributária progressiva deve assegurar a praticidade sem afrontar a justiça – que,

lembre-se, é individual. Deve-se buscar a diminuição dos impactos da substituição tributária

nas empresas bem como preservar os princípios da não-cumulatividade (não apenas a não-

cumulatividade fiscal, ressalte-se, mas também atentando-se aos casos nos quais o substituído

adquire bens do ativo permanente e atua somente em regime especial de substituição

tributária, caso no qual deve ser arquitetada uma maneira de o substituído utilizar seus

créditos sob pena de ofensa a este importante princípio), não-confisco entre outros. Para isso,

a restituição do ICMS cobrado a mais na substituição tributária progressiva é essencial – até

para que não se desconfigure o imposto.

Vimos, também, que além da restituição do ICMS cobrado a mais na substituição

tributária progressiva ser essencial para a validade do instituto, essa restituição deve ser feita

como manda a Constituição – imediata e preferencial – o que só pode ser alcançado se a

restituição for feita em dinheiro.

Analisando os julgamentos do STF sobre o tema nota-se que, ao contrário do que foi

decidido na ADI 1851/AL a base de cálculo presumida deve ser provisória, e não definitiva.

Nítido também que decisões equivocadas do STF geram efeitos não apenas no processo que

está sendo julgado mas também gera novos processos buscando ampliar a injustiça contida em

um processo nos demais, como foi o caso das ADIs 2675/PE e 2777/SP que foram ajuizadas

graças ao resultado do julgamento da ADI 1851/AL.

O Ministro Ayres Britto tem, agora, a possibilidade de mitigar os efeitos maléficos

do julgamento da ADI 1851/AL – não para a população alagoana, mas para o resto do país.

Caso o ministro se posicione no sentido de considerar as leis inconstitucionais como

querem os governadores dos estados, estará o Supremo Tribunal Federal mais uma vez

adotando uma interpretação literal do §7º do artigo 150 da Constituição da República que

permite o enriquecimento ilícito dos estados.

Contudo, caso o ministro vote pela constitucionalidade das leis – o que se considera

mais adequado – estará o Supremo Tribunal Federal modificado seu entendimento, o que,

sim, traz alguma insegurança jurídica, mas no presente caso, para finalmente fazer justiça.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 18 - Direito Tributário I

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