55
 UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO Vanessa Borges Fortes Serapio Ferreira DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET: ALTERNATIVAS LEGAIS Passo Fundo 2012

Direitos autorais na internet

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Direitos autorais na internet

Citation preview

  • UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO

    Vanessa Borges Fortes Serapio Ferreira

    DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET: ALTERNATIVAS LEGAIS

    Passo Fundo 2012

  • Vanessa Borges Fortes Serapio Ferreira

    DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET: ALTERNATIVAS LEGAIS

    Monografia Jurdica apresentada ao curso de Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial para a obteno do grau de Bacharel em Cincias Jurdicas e Sociais, sob orientao do professor Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho.

    Passo Fundo 2012

  • minha famlia.

  • Deixe o autor criar, ao invs de mat-lo com burocracia.

    Padre Bruno Jorge Hammes

  • RESUMO

    O presente estudo trata da proteo dos direitos autorais na internet. Com a popularizao da rede mundial de computadores e suas facilidades tecnolgicas, a troca de informaes online ocorre de forma instantnea atravs dos downloads, porm muitos dos contedos trocados so, em verdade, obras protegidas, que dependem da autorizao expressa do criador para serem utilizadas em sua integralidade. Dessa forma, o trabalho tem por objetivo questionar se a lei autoral n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 fere o direito de acesso informao dos usurios da internet. Para atingir esse fim examina as condies em que a proteo dos bens intelectuais foi construda, bem como a influncia dos tratados internacionais na legislao autoral brasileira. Ainda, discorre sobre a prevalncia dos interesses privados nas relaes entre os autores e os consumidores, e, por fim, sobre a utilizao das licenas pblicas e a modernizao da lei de direitos autorais. Foram comparadas as possibilidades que a internet oferece para o desenvolvimento cultural e as restries que a lei autoral impe, concluindo-se que o usurio da internet, nos moldes que a lei o deseja, estaria sendo privado dos seus direitos fundamentais, sendo que para tanto foi utilizado o mtodo de abordagem hipottico-dedutivo.

    Palavras-chave: Copyleft. Creative Commons. Direito de acesso informao. Direitos autorais. Internet.

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ART. Artigo

    CD Compact Disc

    EUA Estados Unidos da Amrica

    FGV Fundao Getlio Vargas

    GIPI Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual

    GNU GNU is Not Unix

    GPL General Public License

    IP Internet Protocol

    LDA Lei de direitos autorais

    MP3 Moving Picture Experts Group 1 (MPEG) Audio Layer 3

    OMC Organizao Mundial do Comrcio

    OMPI Organizao Mundial da Propriedade Intelectual

    ONU Organizao das Naes Unidas

    RIAA Recording Industry Association of America

    TRIPS Agreement on Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights

    WWW World Wide Web

  • SUMRIO

    INTRODUO ..................................................................................................................... 07

    1 EVOLUO HISTRICA DA PROTEO AUTORAL............................................ 09

    1.1 Copyright e Droit dauteur................................................................................................ 09

    1.2 Tratados internacionais sobre direitos autorais...................................................................13

    1.3 A lei brasileira n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998...........................................................16

    2 DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET........................................................................ 22

    2.1 A internet e o direito.......................................................................................................... 22

    2.2 Direito de acesso s obras digitais na sociedade da informao........................................ 27

    2.3 Conflitos entre interesses pblicos e privados na rede...................................................... 32

    3 DIREITO DE ACESSO INFORMAO E DIREITOS AUTORAIS NA

    INTERNET: PROPOSTAS DE EQUILBRIO.................................................................. 36

    3.1 Copyleft.............................................................................................................................. 36

    3.2 Creative Commons no Brasil............................................................................................. 39

    3.3 Modernizao da lei brasileira dos direitos autorais.......................................................... 43

    CONCLUSO........................................................................................................................ 49

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS................................................................................. 51

  • 7

    INTRODUO

    A lei n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 regula os diretos autorais no Brasil. Esses

    direitos que tutelam a proteo da criao e da utilizao de obras intelectuais estticas, ou

    seja, das msicas, dos livros, entre outros. A popularizao da internet na ltima dcada

    revolucionou a forma pela qual as pessoas trocam informaes, possibilitando o download

    instantneo de obras protegidas pelos direitos em questo. Como resultado, a legislao

    autoral no acompanhou esse avano tecnolgico.

    Constatada essa situao, sero analisados nesta monografia os movimentos que

    influenciaram a redao da atual legislao brasileira de direitos autorais, e com isso

    identificar os pontos conflitantes com as prticas realizadas na internet. A partir disso se

    passar ao estudo das possveis alternativas para a resoluo do problema, visando o

    equilbrio entre os interesses pblicos e privados envolvidos.

    Para atingir tal fim, o presente estudo se dividir em trs captulos. O primeiro

    captulo abordar os aspectos histricos que levaram proteo jurdica de um bem

    intelectual, assim como quais conceitos colaboraram para a construo do direito autoral no

    Brasil. Os tratados internacionais acerca da matria sero tema da segunda parte do trabalho.

    No terceiro captulo se buscar delinear o objetivo do estudo, qual seja pesquisar formas de

    disponibilizao de contedo online que atendam aos interesses privados dos autores e

    tambm os interesses pblicos, como o acesso informao, cultura e educao.

    Com isso, objetiva-se compreender a histria e a construo dos conceitos relativos

    tutela autoral, para assim analisar criticamente a sua evoluo, bem como verificar a

    influncia dos tratados internacionais em vigor no pas e, por fim, encontrar resposta para o

    questionamento se a legislao dos direitos autorais fere direitos fundamentais dos usurios da

    internet, e qual o destino que a reforma da lei deve seguir.

    O mtodo de abordagem que ser utilizado no trabalho o hipottico-dedutivo, pois

    necessrio o exame das questes referentes proteo do direito autoral, em conjunto com as

    prticas realizadas na internet, e com isso alcanar uma concluso. Os mtodos de

    procedimento, por sua vez, sero o histrico, comparativo e dedutivo. Importante a presena

    do mtodo histrico, pois a internet um ambiente tutelado recentemente pelo direito e em

    razo disso necessita ser situado no tempo, tambm porque sero comparadas a atual

    legislao autoral e o anteprojeto que visa a sua modernizao.

  • 8

    A justificativa para o presente trabalho jaz na importncia da informao na sociedade

    atual. A discusso sobre os direitos autorais na internet relevante, pois nela que as

    informaes se difundem em velocidade. Tal importncia percebida com a polmica gerada

    pelas legislaes francesa, espanhola e americana, as quais adotaram posturas rgidas em

    relao tutela desses direitos, dividindo opinies de usurios da internet, criadores e

    empresrios da indstria cultural. O tema tambm relevante no mbito social, pois a internet

    fonte de informao e cultura, disponibilizando contedo a pessoas que no residem nos

    grandes centros culturais e/ou que no possuem meios econmicos para adquirir as obras de

    seu interesse.

    Mais importante, a questo relevante no mbito jurdico. A anlise da relao entre

    os criadores e os usurios da internet deve ser discutida juridicamente, visando o equilbrio

    entre os direitos que permeiam essa relao. A velocidade do avano da tecnologia torna essa

    medida urgente, pois a internet se tornou ferramenta necessria para o desenvolvimento

    profissional e cultural dos indivduos.

  • 9

    1 EVOLUO HISTRICA DA PROTEO AUTORAL

    O objetivo deste captulo compreender como se deu o surgimento dos direitos

    autorais e como essa proteo foi modelada no decorrer dos anos. Com essa finalidade,

    primeiramente, discorre-se sobre as definies de autor e cpia, que remontam aos

    acontecimentos do sculo XVIII. Aps, abordam-se os tratados internacionais sobre direitos

    autorais, esses que possuem grande influncia na harmonizao dos direitos da propriedade

    intelectual, pois estabelecem protees mnimas a serem adotadas pelos pases signatrios.

    Ainda, nesse ensejo, aproveita-se para refletir sobre a importncia do debate sobre

    propriedade intelectual em mbito internacional. Por fim, a terceira parte trata da legislao

    brasileira sobre os direitos autorais, a lei 9.610/98, delineando alguns dos seus aspectos.

    1.1 Copyright e Droit dauteur

    O direito autoral um ramo do direito de propriedade intelectual, ou seja, est contido

    nesse ltimo. Em linhas gerais, o direito da propriedade intelectual protege a criao humana,

    e subdivide-se em direito da propriedade industrial e direitos autorais. Em qual momento a

    criao humana passou a ser considerada propriedade de um indivduo, pode ser

    compreendida a partir da investigao das condies em que surgiram os seus primeiros

    indcios: o copyright e o droit dauteur.

    Para melhor entender hoje a proteo autoral necessrio remeter-se histria. Por

    muito tempo no existiu disciplina jurdica para os bens imateriais, sendo o mais remoto

    antecedente relacionado inveno da imprensa. Nessa poca dava-se um privilgio, ou

    monoplio, ao impressor. Dessa forma, conclui-se que o objetivo da proteo no era a

    criao intelectual, mas a proteo dos investimentos1.

    Foi no contexto ingls do sculo XVIII que ocorreram as primeiras consideraes

    acerca do direito de autor. Desde 1557, a imprensa era regulamentada atravs de uma

    prerrogativa real que concedia aos editores, um grupo de comerciantes Company of

    Stationers of London -, o direito perptuo de patente, o que era visto como uma forma de

    permitir Coroa a censura de toda informao difundida no reino. No entanto, em 1709, surge 1 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.4.

  • 10

    o Estatuto da Rainha Ana Statute of Anne -, que limita o tempo de proteo das obras e

    permite a qualquer um ser editor e/ou impressor, alm de eliminar a censura. Isso faz nascer

    um direito dos autores e no mais dos editores: o copyright. Conforme Alves e Pontes:

    A origem do sistema ingls moderno de proteo autoral ou copyright remonta, em termos legais, ao Estatuto da Rainha Ana (Statute of Anne), datado de 1709. Esse estatuto, aprovado pelo Parlamento ingls e considerado o primeiro texto legislativo moderno a organizar o tema, acabou com a perpetuidade (limitando o tempo de proteo da obra), eliminou a censura ou controle prvio (permitindo a qualquer um ser editor e impressor) e fez do copyright um direito no mais dos editores, mas dos autores 2.

    Essa viso anglo-americana do copyright nunca foi abandonada. A concesso de um

    privilgio de reproduo, shall have the sole right and liberty of printing such books 3, tem

    como base a materialidade do exemplar e a exclusividade de sua reproduo4.

    Na Frana, ocorria situao semelhante a da Inglaterra. At a Revoluo Francesa

    existia um grupo de editores que gozava dos privilgios reais, com a diferena de que o

    controle era menos corporativo e mais diretamente estatal. A Coroa Francesa, em 1777, que j

    havia cedido parcialmente ao esprito individualista da poca, reconhece o autor como sujeito

    detentor de direitos sobre sua criao, concebendo ao lado dos privilgios dos editores

    (privilges en librairies), os chamados privilgios dos autores (privilges dauteur)5.

    Segundo Lemos, a palavra propriedade, para identificar o sistema chamado

    propriedade intelectual, foi utilizada pela primeira vez no final do sculo XVIII, pois at

    aquela poca os direitos de patentes e autorais eram privilgios concedidos pela Coroa aos

    indivduos ou corporaes que os soberanos queriam beneficiar. Durante a revoluo

    francesa, houve a disseminao da ideia de que os privilgios eram, na verdade, direitos. Essa

    mudana no entendimento comum foi facilitada pelo uso da palavra propriedade associada

    criao cultural 6.

    2 ALVES, Marco Antnio Souza; PONTES, Leonardo Machado. O direito de autor como um direito de propriedade: um estudo histrico da origem do copyright e do droit dauteur. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9872. 3 ter liberdade e direito exclusivo de imprimir esses livros (traduo livre). 4 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.5. 5 ALVES, Marco Antnio Souza; PONTES, Leonardo Machado. O direito de autor como um direito de propriedade: um estudo histrico da origem do copyright e do droit dauteur. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9882. 6 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 7.

  • 11

    Considera-se que a Revoluo de 1789 foi decisiva para essa mudana, pois os

    privilgios foram vistos como uma instituio do antigo regime, contribuindo para que as

    leis do tempo reconhecessem a propriedade literria e artstica. Assim, a ideia de privilgio

    passou a ser vista como uma propriedade que o autor tem direito e no mais como uma

    benevolncia. Dessa forma, os autores passaram a ser protegidos no lugar dos editores7. No

    entanto, interessante refletir sobre a designao propriedade, conforme sustenta Lemos

    citando Machlup, Fritz & Penrose:

    Aqueles que comearam a usar a palavra propriedade relacionada a invenes tiveram um objetivo bem definido em suas mentes: eles queriam substituir uma palavra que tinha um ar desagradvel, privilgio, por uma palavra com uma respeitvel conotao. [...] Inserir a palavra propriedade no uma questo pouco importante, pois palavras podem ter grande influncia sobre as mentes, [...] a pessoa comum respeitar a inveno de seu vizinho se ela estiver convencida de que a mesma propriedade, caso a lei a proclame como tal 8.

    Segundo Lemos, o que se convencionou chamar de propriedade intelectual , na

    verdade, um monoplio sobre a explorao da criao, concedido pelo Estado 9.

    Contudo, foi apenas no final do sculo XIX, que os juristas alemes consideraram

    veemente a imaterialidade da obra literria. Assim surgiu a concepo pura dos direitos sobre

    bens incorpreos, porm como a criao apenas individual, somente so reconhecidos os

    direitos a pessoas fsicas. De qualquer forma, o sistema continental europeu o sistema do

    direito de autor, com enfoque na tutela do criador, coexistindo, em plano internacional, com o

    sistema anglo-americano de direito cpia. Esse ltimo, centrado na tutela do exemplar,

    admite largamente que o direito de autor seja atribudo empresa, embora apenas a lei

    americana aceite a noo de obra coletiva 10.

    Basicamente, possvel pontuar algumas diferenas entre os dois sistemas

    mencionados: o copyright ingls e o droit dauteur francs. O copyright, cuja traduo

    direito de cpia, faz referncia ao direito anglo-americano, esse que considera a reproduo

    de cpia como o principal direito a ser protegido, ou seja, deduz-se que ele enfatiza a proteo

    do editor em detrimento da do autor. O droit dauteur, cuja traduo direito de autor, por

    7 HAMMES, Bruno Jorge. O direito de propriedade intelectual: subsdios para o ensino. 2. ed. So Leopoldo: Ed. UNISINOS, 1998, p. 20-21 8 MACHLUP, FRITZ & PENROSE apud LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 7. 9 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 7. 10 ASCENSO, Jos Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.5.

  • 12

    sua vez, faz referncia ao sistema francs ou continental, que possui maior preocupao com a

    criatividade da obra a ser copiada e os direitos morais do criador da obra, ou seja, o inverso do

    copyright11.

    Analisando o sistema brasileiro e as suas tendncias, poderamos consider-lo em

    maior consonncia com o sistema francs do droit dauteur, em contrapartida ao sistema

    ingls do copyright, tendo em vista o enfoque deste na tutela dos aspectos patrimoniais, ou

    seja, dos investimentos obtidos no desenvolvimento da obra, enquanto que o droit dauteur,

    vela pela proteo do verdadeiro criador da obra intelectual12. No entanto, Barbosa percebe a

    presena da ratio econmica do copyright no droit dauteur:

    Entretanto, ntida a percepo da ratio econmica do copyright nos sistemas de inspirao europia continental como o Brasil. [...] No campo especfico da Internet, a tutela dos direitos autorais palco de interminveis batalhas legislativas e judiciais. Isto porque a reduo dos custos sociais a praticamente zero pela reduo dos suportes fsicos a meios informticos e a enorme facilidade na troca de arquivos de msicas, vdeos, livros e etc. fez com que os interesses dos detentores dos direitos patrimoniais vissem seus interesses econmicos ameaados 13.

    Segundo Fbio Ulhoa Coelho, o direito brasileiro por fora da tradio romnica

    adotou o droit dauteur. Ainda, acrescenta que em nenhum momento da evoluo legislativa

    da matria de direitos autorais no Brasil foi possvel notar qualquer influncia decisiva do

    copyright. Desde o incio o autor foi o titular dos direitos de exclusividade sobre a sua criao

    intelectual14.

    A partir do exposto foi possvel conhecer os movimentos que contriburam para que

    surgisse a proteo dos direitos autorais. O copyright na Inglaterra, com enfoque no direito de

    cpia, e o droit dauteur na Frana com enfoque nos direitos do criador da obra. Ainda, foi

    delineada a questo da designao propriedade para as criaes intelectuais.

    Posteriormente, concluiu-se que o direito brasileiro visa tutela dos direitos do autor, ou seja,

    do criador da obra, o que o posiciona em maior consonncia com o droit dauteur.

    11 SANTOS, Manuela. Direito autoral na era digital: impactos, controvrsias e possveis solues. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 39. 12 BARBOSA, Denis Borges apud LONGHI, Joo Victor Rozatti. Para alm da cyberethics: as razes filosficas do direito no mbito da internet: o fundamento moral e o papel da tica na regulamentao jurdica da rede. Anais do XIX Congresso Nacional do CONPEDI, Fortaleza, 2010, p. 3900. 13 LONGHI, Joo Victor Rozatti. Para alm da cyberethics: as razes filosficas do direito no mbito da internet: o fundamento moral e o papel da tica na regulamentao jurdica da rede. Anais do XIX Congresso Nacional do CONPEDI, Fortaleza, 2010, p. 3900. 14 COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de Direito Civil. vol. 4. So Paulo: Saraiva, 2006, p. 270.

  • 13

    1.2 Tratados internacionais sobre direito autoral

    O reconhecimento dos direitos autorais e a sua tutela no poderiam restringir-se aos

    limites nacionais. Soaria estranho limitar a criao de um autor ao seu pas de origem, tendo

    em vista ser de seu interesse que as suas obras sejam de conhecimento do maior nmero de

    pessoas. No entanto, esse desejo dos criadores de obras literrias ou artsticas no parece ser o

    foco dos documentos internacionais neste mbito jurdico, pois em diversas oportunidades

    eles se mostram como um obstculo implantao de uma poltica de propriedade intelectual

    nos pases que a eles aderem.

    tpico do Direito de Autor a grande influncia dos instrumentos internacionais. Ao

    contrrio do que ocorre em outros ramos do direito, a contratao internacional no consolida

    o estado normativo atingido pelas leis internas. Frequentemente as antecipa, se tornando um

    instrumento de presso sobre estas 15.

    No incio, estes acordos eram estabelecidos bilateralmente entre pases que j

    mantinham estreitas relaes comerciais. No entanto, mais tarde, eles passaram a abranger um

    nmero mais expressivo de naes 16. Foram os pases europeus, grandes exportadores de

    obras intelectuais, tambm mais desenvolvidos e conhecedores da tcnica de elaborao de

    contratos internacionais, que impulsionaram o primeiro grande acordo internacional no

    domnio da proteo de obras literrias e artsticas: a Conveno de Berna, assinada no ano de

    1886. Este documento permanece, ainda, sendo o instrumento-padro para o direito de autor

    internacional, conhecida por ser fortemente protecionista 17.

    A Conveno de Berna sobre direitos autorais de 09 de setembro de 1886, revista em

    Paris a 27 de julho de 1971 e incorporada pelo Decreto n. 75. 699 de 06 de maio de 1975 18,

    estabeleceu padres mnimos de proteo que devem ser observados pelos pases signatrios.

    Na prtica, os padres estabelecidos foram bem elevados. O prazo de proteo do direito

    autoral, por exemplo, foi estipulado em 50 anos contados a partir do primeiro de janeiro do

    ano subsequente a morte do autor 19. No Brasil, a lei n. 9.610/98, que altera, atualiza e

    consolida a legislao sobre direitos autorais, no seu artigo 41 estabeleceu o prazo de 70 15 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 14. 16 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 8. 17 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 639. 18 BRASIL. Decreto n. 75.699, de 06 de maio de 1975. Promulga a Conveno de Berna para a Proteo das Obras Literrias e Artsticas, de 9 de setembro de 1886, Revista em Paris, a 24 de julho de 1971. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 19 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 10.

  • 14

    anos, nos mesmos moldes 20. Ainda, no foram incorporadas na legislao brasileira muitas

    das limitaes proteo autoral que foram autorizadas pela Conveno de Berna, como a

    possibilidade de um indivduo realizar a cpia de uma obra, em casos especficos, conforme

    previsto no artigo 9, 2 da Conveno de Berna21.

    importante destacar que o regime de proteo autoral brasileiro est atrelado a uma

    srie de regras internacionais que impe padres mnimos de proteo como a Conveno de

    Berna, j mencionada, e o Acordo TRIPS - Trade Related Aspects of Intellectual Property

    Rights Agreement, sendo este ltimo requisito a todos os pases que queiram fazer parte da

    Organizao Mundial do Comrcio - OMC. Essas regras, discutidas com a finalidade de

    satisfazer os interesses dos pases que dominam a poltica externa, definem o piso mnimo de

    proteo aos direitos de marcas, patentes, software e direitos autorais no Brasil, no deixando

    espao para que o pas estabelea a sua prpria poltica de propriedade intelectual e, mais

    especificamente, de direito autoral 22.

    O TRIPS, que em portugus se designa Aspectos da Propriedade Intelectual

    Relacionados com o Comrcio - APIRC um acordo comercial, que contm um instrumento

    dedicado aos direitos intelectuais. Alm das disposies gerais, traz previses especficas

    sobre a proteo de programas de computador e compilaes de dados, sobre a proteo dos

    artistas intrpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e dos organismos de

    radiodifuso, entre outros. No bastasse isso, disciplina tambm regras de aplicao,

    sancionatrias e processuais23.

    Alm do TRIPS, conhecida como TRIPS plus, outros acordos e leis de natureza

    autoral esto em debate, a maioria com vistas a enrijecer a legislao autoral. Sobre isso,

    Lemos discorre:

    20 Art. 41. Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1 de janeiro do ano subseqente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessria da lei civil. Pargrafo nico. Aplica-se s obras pstumas o prazo de proteo a que alude o caput deste artigo BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 21 Artigo 9. 2) s legislaes dos pases da Unio reserva-se a faculdade de permitir a reproduo das referidas obras em certos casos especiais, contanto que tal reproduo no afete a explorao normal da obra nem cause prejuzo injustificado aos interesses legtimos do autor. CONVENO INTERNACIONAL DE BERNA PARA A PROTEO DAS OBRAS LITERRIAS E ARTSTICAS. Revista em Paris em 24 de julho de 1971. Disponvel em: Acesso 21 out. 2012. 22 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 62. 23 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 15.

  • 15

    As diversas maneiras encontradas para atingir estes objetivo so [sic] a criao de novas prerrogativas para a atuao de oficiais nas fronteiras, a criminalizao de condutas que sejam consideradas somente ilcito civil (como a violao de travas tecnolgicas), a restrio a direitos fundamentais como privacidade, devido processo legal e presuno de inocncia (caso da Lei Hadopi, na Frana e do Projeto de Lei n. 5.361/2009, atualmente em trmite no Congresso Nacional Brasileiro) e criando responsabilidades para os intermedirios que cuidam das infovias de monitorar a atividade de seus usurios 24.

    Considerando a ordem econmica mundial dos dias de hoje, nenhum pas pode deixar

    de fazer parte da OMC. O que leva a concluir que o Acordo TRIPS ou APIRC acaba por ser,

    no seu domnio, um instrumento mais efetivo de imposio internacional da proteo do

    direito de propriedade intelectual do que as convenes clssicas 25.

    Cabe a meno da Organizao Mundial da Propriedade Intelectual OMPI, esta

    criada em 1967, um dos organismos especializados da Organizao das Naes Unidas

    ONU, sendo responsvel pela administrao da Conveno de Berna para a proteo das

    obras literrias e artsticas. A entidade apregoa que a propriedade intelectual compreende os

    direitos de autor e os que lhe so conexos, programas de computador, bancos de dados,

    marcas, patentes e a concorrncia desleal 26.

    A diferena entre a Organizao Mundial da Propriedade Intelectual e a Organizao

    Mundial do Comrcio que a OMPI atua na harmonizao legislativa do direito de

    propriedade intelectual, enquanto que a OMC cuida dos aspectos relacionados ao comrcio

    internacional com fulcro no TRIPS, gerando obrigaes de conduta na ordem internacional

    exigveis dos Estados-partes do referido tratado-contrato 27.

    No se pode criticar a tutela dos direitos autorais no Brasil, sem antes ter uma viso

    geral dos tratados internacionais que condicionam as leis nacionais nesse mbito jurdico.

    Dentre os tratados, o que se destaca o acordo comercial TRIPS, que requisito aos pases

    que desejam fazer parte da OMC, esta que conta com 157 estados-membros. Com essas

    informaes, possvel constatar que a poltica de propriedade intelectual desses estados no

    pode se adequar livremente a sua realidade cultural, mas dependente dos interesses

    comerciais de potncias mundiais.

    24 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 63. 25 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 15. 26 SOARES, Svio Aguiar; VIZZOTO, Alberto. Direito intelectual e sociedade da informao: reflexes sobre os novos paradigmas. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9969. 27 SOARES, Svio Aguiar; VIZZOTO, Alberto. Direito intelectual e sociedade da informao: reflexes sobre os novos paradigmas. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9970.

  • 16

    1.3 A lei brasileira n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998

    A proteo dos direitos autorais no Brasil est em maior consonncia com os ideais

    franceses do droit dauteur. Em especial, protege o autor em detrimento da cpia, este que

    tem como modelo o copyright. Alm disso, o pas membro da OMC, e consequentemente do

    acordo TRIPS, isso dizer que ele est condicionado a polticas internacionais de proteo da

    propriedade intelectual. O resultado dessa soma de fatores a edio da lei de direitos

    autorais n. 9.610/98 de 19 de fevereiro de 1998 28, que traz a definio dos direitos morais e

    patrimoniais do autor.

    O direito da propriedade intelectual passou a ter grande importncia para diversos

    pases, pois se tornou grande pea para o desenvolvimento e progresso, porm a maior parte

    deles no tem considerado a doutrina dos direitos humanos. Em relao aos direitos autorais,

    v-se que muitos pases no se comportam de forma eficaz quando combatem as aes ilegais

    cometidas por usurios de internet e, por consequncia, acabam restringindo a liberdade de

    informao dos demais. A lei brasileira n. 9.610/98, que dispe sobre os direitos autorais foi

    publicada antes da popularizao da internet e dos movimentos de incluso digital, estes que

    possibilitaram o acesso internet s classes mais vulnerveis, o que tambm contribuiu para o

    aumento da circulao do contedo eletrnico. Essa facilidade de acesso gerou um aumento

    de atividades online, portanto, fez com que se tornasse mais propcio o desrespeito das obras

    protegidas por direitos autorais no Brasil 29. Nesse sentido, Lima:

    [...] possvel perceber que o crescimento deste ramo do direito (propriedade intelectual) se limita tutela de aspectos patrimoniais e outros de interesse da esfera do comrcio mundial, esquecendo-se da existncia de prerrogativas fundamentais em favor do indivduo como membro de uma sociedade. No caso dos direitos autorais, v-se que os institutos jurdicos existentes no se apresentam de forma eficaz no controle das aes ilcitas dos usurios da internet e terminam por restringir sua liberdade de acesso informao 30.

    28 Art. 22. Pertencem a autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 29 LIMA, Larissa da Rocha Barros. Dos direitos humanos propriedade intelectual O conflito entre a proteo autoral e o acesso informao na internet. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9814. 30 LIMA, Larissa da Rocha Barros. Dos direitos humanos propriedade intelectual O conflito entre a proteo autoral e o acesso informao na internet. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9814.

  • 17

    Neste momento, antes da anlise dos artigos da lei de direitos autorais, cabe salientar a

    diferena existente entre o Direito da Propriedade intelectual, o Direito da Propriedade

    Industrial e o Direito Autoral, conceitos estes que so comumente confundidos. A diferena

    central est em que as duas ltimas so categorias da primeira, ou seja, Direito da Propriedade

    Intelectual o gnero e os outros dois so seus ramos.

    Ademais, o Direito Autoral e o da Propriedade Industrial tutelam bens intelectuais

    distintos. O primeiro recai sobre as obras literrias e artsticas, os programas de computador e

    a cultura em geral, enquanto o segundo possui um carter visivelmente mais utilitrio,

    englobando as marcas, as patentes, as indicaes geogrficas e os nomes de domnio, entre

    outros. O Direito Autoral, objeto do presente trabalho, aloca-se no Direito Civil e est

    disciplinado na lei n. 9.601/98. A Propriedade Industrial, por sua vez, tem seu estudo

    sistematizado principalmente no mbito do Direito Comercial, sendo vulgarmente chamado

    de marcas e patentes e est disciplinado pela lei n. 9.279/96 31. Sobre os direitos autorais,

    em contrapartida ao direito da propriedade industrial, Ronaldo Lemos bem os esmia dessa

    maneira:

    Por outro lado, a composio de uma determinada msica ou a criao de uma escultura ou de uma pintura no pe fim a qualquer problema tcnico. O que se pretende com essas obras to somente estimular o deleite humano, o encantamento; o que se quer causar emoo. Embora esse requisito no seja indispensvel para se proteger uma obra por direito autoral no caso dos programas de computador, tambm protegidos por direito autoral, o cdigo-fonte tem uma funo muito mais utilitria do que emotiva -, um dos principais traos distintivos para que as obras sejam assim protegidas 32.

    No Brasil, a lei n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 disciplina os direitos autorais. Eles

    so entendidos como a proteo das obras consideradas criaes do esprito humano,

    produzidas por qualquer meio ou fixadas em qualquer base, tangvel ou intangvel, conhecidas

    ou que se invista no futuro. A partir dessa proteo, garantida a remunerao do criador,

    estimulando a atividade artstica e, por conseguinte, contribuindo para o desenvolvimento

    humano 33.

    31 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 3-4. 32 LEMOS, Ronaldo. Propriedade Intelectual. Roteiro de Curso. Rio de Janeiro: FGV, 2011, p. 4. 33 BORNHOLDT, Caroline; ZANATTA, Letcia Gheller. Formas de proteo da propriedade intelectual no Brasil. In: PIMENTEL, Luiz Otvio. et al. (Org.). Propriedade intelectual: gesto do conhecimento, inovao tecnolgica no agronegcio e cidadania. Florianpolis: Fundao Boiteux, 2008, p. 34-35.

  • 18

    Alm disso, por suas criaes intelectuais o autor tem direitos morais e direitos

    patrimoniais 34. Para Joo Willington e Jaury N. de Oliveira o direito de autor o direito

    que todo criador de uma obra intelectual tem sobre a sua criao. Esse direito personalssimo,

    exclusivo do autor, constitui-se de um direito moral e de um direito patrimonial 35. A

    distino entre os dois direitos morais e patrimoniais est na natureza de cada um, ou seja,

    um de natureza pessoal e outro de natureza patrimonial.

    Os direitos morais do autor so direitos personalssimos, por isso so inalienveis e

    irrenunciveis, conforme disposto expressamente no artigo 27 da lei n. 9.610/98 36. Nesse

    sentido Souza:

    Basicamente, so em nmero de sete, os direitos morais do autor, a saber: 1) o de paternidade, dizer-se o de poder reivindicar, a qualquer tempo a autoria da criao intelectual; 2) o de ter o nome, pseudnimo ou sinal convencional, identificadores da autoria, anunciados sempre que se utilize a obra; 3) o direito de indito, qual seja o de conservar indita a criao; 4) o direito de conservar ntegra a obra, podendo opor-se a quaisquer modificaes nela ou ainda a atos que, de qualquer maneira, possam prejudic-la ou atingi-lo em sua reputao ou honra; 5) o de poder modificar a criao do esprito, antes ou depois de sua utilizao; 6) o de retirar de circulao a obra ou suspender qualquer forma de utilizao j autorizada; e, 7) finalmente, o de ter acesso a exemplar nico e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotogrfico ou assemelhado, ou audiovisual (aquele que resulta da fixao de imagens com ou sem som, como o cinema, por exemplo), preservar sua memria 37.

    Para compreender o que se considera por direitos patrimoniais do autor, necessrio

    saber que muito se discute se o direito autoral um direito real, pessoal ou obrigacional. A

    resposta para essa pergunta influi no modo como construmos a ideia de direito autoral. Souza

    defende o direito autoral guarda caractersticas tanto de direito pessoal (como no direito

    moral), quanto de direito real (como nos direitos patrimoniais), alm de socorrer-se, no raro,

    para o seu pleno exerccio da via obrigacional 38. Na legislao de direitos autorais - LDA,

    consta no artigo 28 cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar fruir e dispor da obra 34 SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislao bsica. Braslia: Livraria e Editora Braslia Jurdica, 1998, p. 24. 35 WILLINGTON, Joo; OLIVEIRA, Jaury N, de apud BORNHOLDT, Caroline; ZANATTA, Letcia Gheller. Formas de proteo da propriedade intelectual no Brasil. In: PIMENTEL, Luiz Otvio. et al. (Org.). Propriedade intelectual: gesto do conhecimento, inovao tecnolgica no agronegcio e cidadania. Florianpolis: Fundao Boiteux, 2008, p. 34. 36 Art. 27. Os direitos morais do autor so inalienveis e irrenunciveis. BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 37 SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislao bsica. Braslia: Livraria e Editora Braslia Jurdica, 1998, p. 24. 38 SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislao bsica. Braslia: Livraria e Editora Braslia Jurdica, 1998, p. 26.

  • 19

    literria, artstica ou cientfica, ou seja, no difcil perceber a presena do clssico jus

    utendi, fruendi et abutendi.

    Os direitos patrimoniais do autor, ao contrrio dos direitos morais que so

    inalienveis, se referem a explorao econmica da obra e podem ser cedidos ou vendidos a

    terceiros definitivamente ou temporariamente 39. Assim, necessria a autorizao prvia e

    expressa do autor para a realizao de quaisquer das aes constantes no artigo 29 da LDA 40.

    Carvalho especifica uma exceo para a referida medida:

    No entanto, existem situaes em que a permisso do autor no necessria para o uso da obra, como para exemplos ou ilustraes. De qualquer forma, necessrio que haja meno do nome autor, pois a simples referncia obra requer a citao da sua titularidade.

    Os direitos patrimoniais perduram por 70 anos, contados a partir de 1 de janeiro do ano seguinte ao falecimento do autor 41.

    A Lei de Direitos Autorais no protege apenas os direitos do autor da obra, conforme

    o que est disposto no seu artigo primeiro 42, ao incluir, no conceito de direitos autorais, os

    39 CARVALHO, Ana Cristina Azevedo Pontes de. Consideraes sobre a legislao aplicvel obras intelectuais na internet. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9663. 40 Art. 29. Depende de autorizao prvia e expressa do autor a utilizao da obra, por quaisquer modalidades, tais como: I a reproduo parcial ou integral; II a edio; III a adaptao, o arranjo musical e quaisquer outras transformaes; IV a traduo para qualquer idioma; V a incluso em fonograma ou produo audiovisual; VI a distribuio, quando no intrnseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou explorao da obra; VII a distribuio para oferta de obras ou produes mediante cabo, fibra tica, satlite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usurio realizar a seleo da obra ou produo para perceb-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso s obras ou produes se faa por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usurio; VIII a utilizao, direta ou indireta, da obra literria, artstica ou cientfica, mediante: a) representao, recitao ou declamao; b) execuo musical; c) emprego de alto-falante ou de sistemas anlogos; d) radiodifuso sonora ou televisiva; e) captao de transmisso de radiodifuso em locais de freqncia coletiva; f) sonorizao ambiental; g) a exibio audiovisual, cinematogrfica ou por processo assemelhado; h) emprego de satlites artificiais; i) emprego de sistemas ticos, fios telefnicos ou no, cabos de qualquer tipo e meios de comunicao similares que venham a ser adotados; j) exposio de obras de artes plsticas e figurativas; IX a incluso em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gnero; X quaisquer outras modalidades de utilizao existentes ou que venham a ser inventadas. BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 41 CARVALHO, Ana Cristina Azevedo Pontes de. Consideraes sobre a legislao aplicvel obras intelectuais na internet. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9663.

  • 20

    direitos de autor dos criadores e os direitos conexos morais e patrimoniais das pessoas que

    interpretam e divulgam as suas obras, tais como os artistas, os produtores de fonogramas e os

    organismos de radiodifuso. Sendo assim, a lei brasileira atribui a tais pessoas a titularidade

    originria dos direitos conexos aos autores de obras intelectuais, os quais compreendem, alm

    da reproduo da obra, os direitos exclusivos de autorizar ou proibir a comunicao ao

    pblico de suas interpretaes e fonogramas 43.

    Outra diferena entre o Direito Autoral e o Direito de Propriedade Industrial, e

    tambm relevante questo elencada na lei brasileira de direitos autorais, diz respeito ao

    registro das obras. Segundo Elisngela Dias Menezes, a partir do momento em que o objeto

    autoral ganha expresso no mundo, ainda que por meio de uma simples execuo, recitao

    ou rascunho, ento ser considerado autor aquele que deu ensejo a essa exteriorizao,

    recaindo sobre sua obra toda a proteo da lei. No entanto, no caso da Propriedade Industrial,

    para o registro de marcas, patentes e desenho industrial necessrio realizar uma solicitao

    junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial INPI, o qual far uma anlise formal e

    s ento conceder o registro. Em sntese, o registro facultativo no direito autoral, conforme

    disposto no artigo 18 da lei n. 9.610/98 44, e obrigatrio no direito da propriedade industrial,

    conforme disposto no artigo segundo da lei n. 9.279/96 45. No primeiro, o registro possui

    carter declaratrio, enquanto que no outro possui carter constitutivo 46.

    Com o que foi discorrido, possvel estabelecer noes acerca da atual situao dos

    direitos intelectuais, e mais precisamente dos direitos autorais. O que foi construdo at o

    presente momento, nesse mbito jurdico, parece ter contribudo para um engessamento na

    circulao da cultura e das informaes. possvel dizer que o direito est indo em sentido

    42 Art. 1. Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominao os direitos de autor e os que lhes so conexos. BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 43 CARVALHO, Ana Cristina Azevedo Pontes de. Consideraes sobre a legislao aplicvel obras intelectuais na internet. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9663-9664. 44 Art. 18. A proteo aos direitos de que se trata esta Lei independe de registro. BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 45 Art. 2. A proteo aos direitos relativos propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas, efetua-se mediante: I concesso de patentes de inveno e de modelo de utilidade II concesso de registro de desenho industrial III concesso de registro de marca IV represso s falsas indicaes geogrficas; e V represso concorrncia desleal. BRASIL. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigaes relativos propriedade industrial. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 46 MENEZES, Elisngela Dias apud SANTOS, Manuela. Direito autoral na era digital: impactos, controvrsias e possveis solues. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 4-5.

  • 21

    contrrio ao da evoluo na rea de comunicaes. Ao mesmo tempo em que se discute um

    enrijecimento das legislaes de direitos autorais, vive-se em um mundo cada vez mais

    conectado, onde possvel transferir informaes de diversas partes do mundo para diversas

    outras.

    Os conceitos do copyright e do droit dauteur esto presentes nas legislaes

    autoralistas dos pases que tutelam as obras intelectuais. No entanto, com a presena da

    internet na atualidade, como ferramenta de produtividade e desenvolvimento humano, os

    conceitos necessitam atingir esse novo meio de troca de informaes, a fim de garantir aos

    titulares de direitos autorais a sua remunerao. Outro problema a internet ser um ambiente

    de insegurana jurdica para muitos ramos do direito. Dessa forma, legislar sobre as diversas

    aes possveis nesse meio um desafio.

  • 22

    2 DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET

    Com o advento da internet e da sua popularizao, a transmisso de arquivos entre os

    seus usurios, atravs dos downloads 47, tornou-se tarefa quase instantnea. No entanto, o

    direito autoral no acompanhou esta evoluo tecnolgica, e, por conseguinte, no efetuou a

    tutela adequada das obras artsticas digitalizadas. Diante do conflito entre os detentores dos

    direitos de autor e os usurios da internet que buscam o acesso informao e cultura, o

    direito comea a dar seus passos a fim de compreender a nova configurao da sociedade, em

    relao ao acesso informaes, e as formas de assegurar s partes envolvidas igual parcela

    de direitos.

    2.1 A Internet e o Direito

    O direito no poderia prever uma revoluo nas comunicaes como a que ocorreu nas

    ltimas dcadas. O mundo ainda no conseguiu dimensionar as consequncias desse

    fenmeno, pois a cada dia aparecem novas utilidades para a internet. Dessa forma

    compreensvel que as leis no tenham apresentado um entendimento comum sobre as

    atividades ilcitas que ocorrem nesse ambiente, por isso necessrio que esse assunto seja

    amplamente discutido.

    O incio da internet pode ser atribudo Guerra Fria. Em 1969, o projeto Arpanet da

    agncia de projetos avanados Arpa, do Departamento de Defesa norte-americano, solicitou

    Rand Corporation a elaborao de um sistema que garantisse, em um possvel ataque russo,

    a ininterrupo da corrente de comando dos Estados Unidos. A soluo encontrada foi a

    criao de pequenas redes locais, posicionadas em lugares estratgicos do pas e coligadas por

    meio de redes de telecomunicao geogrfica. Assim, se uma das cidades viesse a ser

    destruda, essa rede de redes conexas Internet garantiria a comunicao entre as

    remanescentes cidades coligadas 48.

    Na dcada de 70, devido ao sucesso do ARPANET, o projeto foi liberado para uso nas

    universidades e instituies de pesquisa. Isso fez com que, mais tarde, o governo decidisse 47 Ato de transferir dados de um computador remoto para um computador local pela internet, ou seja, baixar arquivos online. 48 PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informao, privacidade e responsabilidade civil. So Paulo: Atlas, 2000, p. 26.

  • 23

    permitir o acesso dessas redes conexas para fins comerciais. Em fevereiro de 1990, a

    ARPANET, foi retirada de circulao e, alm do ambiente militar, passou a fazer parte de

    outros espaos 49.

    Na abertura comercial da dcada de 90, alastrou-se o uso da Internet, impulsionado

    tambm pela crescente demanda de microcomputadores. Rohrmann constri o cenrio das

    discusses jurdicas do tempo:

    As primeiras discusses envolveram, principalmente, os problemas relacionados aos conflitos de jurisdio no espao virtual. Dada a possibilidade de as pessoas acessarem, pela Internet, web sites localizados em outros pases e praticarem atos jurdicos tais como jogos em cassinos fora de seus pases de origem, o problema da jurisdio foi o mais estudado e analisado em artigos jurdicos no incio daquela dcada 50.

    Conforme Rohrmann esse impulso na utilizao da Internet se deu por dois fatores

    essenciais. O primeiro fator foi a popularizao do World Wide Web - WWW, pois graas a

    ela surgiram programas capazes de tornar as interfaces grficas mais elaboradas e,

    consequentemente, mais atrativas e agradveis para a comunicao de dados na Internet. O

    segundo fator foi o surgimento dos provedores de acesso internet 51, esses que devem ser

    compreendidos como aqueles que fornecem o servio aos usurios, ou seja, aqueles que

    fornecem um endereo IP Internet Protocol 52 e disponibilizam uma conexo internet a um

    determinado computador. Com isso vieram muitas facilidades, tais como a interligao de

    empresas e pessoas de diferentes pases, operaes bancrias realizadas em tempo real, sem a

    necessidade de se dirigir at uma agncia bancria, entre outras facilidades. Ademais, as redes

    de computadores no aproximaram apenas pessoas, mas tambm dados e informaes, tendo

    em vista que pesquisadores de um determinado pas tm acesso a obras digitalizadas de

    bibliotecas de vrios outros pases.

    No entanto, segundo o estudo do cientista poltico Norman Nie, da Universidade de

    Stanford em So Francisco, citado na obra de Paesani, defende uma perspectiva no to

    49 CASTELLS, Manuel apud FALCO, Kenny Patrick de Melo. A problemtica jurdica das obras musicais compartilhadas na internet. Universitas/Jus/Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB), Braslia: UniCEUB, n. 17, 2008, p. 133. 50 ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de direito virtual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 8. 51 ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de direito virtual. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 8. 52 Nmero de identificao de cada computador na internet. Com ele possvel localizar o computador que est conectado internet.

  • 24

    otimista para essas novas relaes interpessoais que surgiram com a popularizao da

    Internet:

    [...] a Internet est criando uma nova e grande onda de isolamento social, introduzindo o espectro de um mundo fragmentado, sem contato humano nem emoes. evidente que essas afirmaes provocaro uma acirrada discusso entre os cientistas sociais, que contestam afirmando que as pessoas travam relaes muito fortes na Internet, muitas das quais so relaes que elas no encontrariam de nenhuma outra maneira. Nie discorda, argumentando que os padres atuais de uso da Internet fazem prever uma perda de contato interpessoal que resultar num total isolamento de milhes de pessoas com nfima interao humana. Estamos caminhando realmente para algumas coisas que so potencialmente grandes liberdades, mas aterradoras em termos de interao social a longo prazo 53.

    No tarefa fcil prever, em todos os aspectos, as conseqncias da Internet na

    humanidade. Quanto ao direito, nos pases desenvolvidos, normalmente existem duas

    correntes opostas para a presena do direito no ciberespao: uma, defende que os atuais

    conceitos e a atual legislao podem resolver os problemas existentes e serem aplicados na

    internet; a outra defende que o ciberespao um lugar a parte e por isso merece sua prpria

    legislao.

    A primeira corrente defendida, por exemplo, pelo escritor Amaro Moraes, segundo

    ele no h necessidade de novas leis, mas a reparao das leis j existentes:

    Os projetos feitos pelos parlamentares para legislar o assunto so assombrosos, horrveis. Se o crime acontece no mundo real, do uma pena de seis meses. Se a mesma coisa acontece no mundo virtual, aplicam pena de quatro anos. Isso no existe, desproporcional. No se pode imaginar um crime na Internet como se fosse um novo crime. E at parece que o criminoso virtual mais perigoso que o do mundo dito real 54.

    Dos doutrinadores que defendem uma legislao especfica, est Paulo Guilherme

    Mendona Lopes que afirma a Internet tem caractersticas muito peculiares. Nesse sentido,

    h muitas brechas na legislao vigente 55. A partir dessa afirmao, pode-se refletir que se

    53 NIE, Norman apud PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informao, privacidade e responsabilidade civil. So Paulo: Atlas, 2000, p. 25-26. 54 SILVA NETO, Amaro Moraes apud FALCO, Kenny Patrick de Melo. A problemtica jurdica das obras musicais compartilhadas na internet. Universitas/Jus/Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB), Braslia: UniCEUB, n. 17, 2008, p. 145. 55 LOPES, Paulo Guilherme Mendona apud FALCO, Kenny Patrick de Melo. A problemtica jurdica das obras musicais compartilhadas na internet. Universitas/Jus/Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB), Braslia: UniCEUB, n. 17, 2008, p. 145.

  • 25

    fosse aceita a proposta e considerado o ciberespao como um lugar parte, que necessita de

    uma legislao prpria, seria necessrio repensar o conceito clssico de fronteiras entre os

    pases, pois no h separao no meio de comunicao digital56.

    O assunto divide opinies. Considerar que a internet um lugar a parte e necessita de

    uma legislao, permitir que a Internet perca um de seus grandes atrativos, a liberdade.

    Ainda, em relao aos direitos autorais, dar limites mais estreitos a ela tambm restringir a

    criatividade dos seus usurios, pois ela j demonstrou que um espao positivo de divulgao

    para novos artistas, lugar para estudos e pesquisas, assim como ferramenta de aproximao

    daqueles com interesses em comum.

    No entanto, para afirmar que as legislaes internas dos pases j so suficientes para

    controlar as atividades realizadas na internet, necessrio considerar alguns pontos: ser que

    os crimes cometidos online devem ser punidos com a mesma gravidade daqueles cometidos

    na realidade, no cotidiano das ruas? Ser que os crimes mais comuns ocorridos na internet

    encontram correspondentes nas leis atuais? Parece que esta uma questo que necessita de

    muitos debates, em especial quando se trata dos direitos autorais.

    Borruso, citado por Paesani, sustenta que o computador entrou no mundo do direito

    despertando os atrasos, as cautelas, a perplexidade e as desconfianas que circundam os novos

    fenmenos, e que podem ser percebidas duas reaes dos juristas: a desconfiana,

    caracterstica do mundo fechado do direito quando se confronta com as inovaes

    tecnolgicas, e a defesa, que procura expelir o elemento perturbador para neutralizar as foras

    invasoras 57.

    As novas tecnologias no reduziro sua marcha, as empresas continuaro apresentando

    alternativas para a comunicao e troca de dados e informaes entre as pessoas, sejam os

    grandes grupos com novos suportes, seja o usurio da internet, que com desenvoltura nesse

    ambiente, cria maneiras para burlar os programas que utiliza. Sobre o desafio do direito

    autoral frente Internet, Henrique Gandelman discorre:

    As violaes de direitos autorais comeam ento a germinar violentamente, ocasionando assim um pessimismo generalizado sobre o desafio da Internet, uma nova fronteira de comunicao, que ainda no est regulada em legislao prpria.

    56 FALCO, Kenny Patrick de Melo. A problemtica jurdica das obras musicais compartilhadas na internet. Universitas/Jus/Centro Universitrio de Braslia (UniCEUB), Braslia: UniCEUB, n. 17, 2008, p. 145. 57 BORRUSO, Renato apud PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informao, privacidade e responsabilidade civil. So Paulo: Atlas, 2000, p. 28.

  • 26

    O fato que o ciberespao modifica certos conceitos de propriedade, principalmente o da intelectual, atingindo tambm tradicionais princpios ticos e morais, o que vem dando origem a uma nova cultura baseada na liberdade de informao. No entanto, se os titulares de direitos autorais no forem remunerados devidamente, se seus direitos no forem integralmente respeitados, corremos o risco iminente de que no se criem e produzam novas obras, num futuro prximo. Isso significaria um empobrecimento cultural de toda a humanidade. E como ser otimista diante do desafio? 58

    A Internet no mais um ambiente sem interferncia do direito, pois h muito so

    publicadas decises judiciais relativas a direitos infringidos na rede, geralmente polmicas.

    Em que pese, hoje, ser utilizada a legislao vigente, est em votao no Congresso a PL

    2126/2011 59, conhecida como o Marco Civil da Internet que visa estabelecer direitos e

    deveres ao usurio dessa ferramenta. Percebe-se que no Brasil tambm h correntes opostas,

    uma que defende a utilizao das leis em vigor, e outra que v a necessidade de uma

    elaborao de legislao especfica. O ponto crucial que a liberdade, o grande atrativo da

    internet deve ser preservado. No entanto, at o momento, no foi possvel concluir qual das

    duas correntes capaz de atender a essa demanda.

    A jurisprudncia brasileira em relao aos direitos autorais na internet , ainda,

    escassa. No entanto, interessante as decises relativas disponibilizao de download de

    ringtones 60 nos sites de companhias de telefonia mvel. Os autores tm suas obras musicais

    alteradas e fracionadas, no tendo o retorno financeiro referente a seus direitos autorais.

    Diante dessa situao, o Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul tem decidido no sentido de

    indenizar os autores, uma vez que reconhecida a violao de seus direitos moral e patrimonial

    de autor 61.

    58 GANDELMAN, Henrique apud SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislao bsica. Braslia: Livraria e Editora Braslia Jurdica, 1998, p. 30. 59 Art. 1. Esta Lei estabelece princpios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para atuao da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios em relao matria. Art. 2. A disciplina do uso da Internet no Brasil tem como fundamentos: I o reconhecimento da escala mundial da rede; II os direitos humanos e o exerccio da cidadania em meios digitais; III a pluralidade e a diversidade; IV a abertura e a colaborao; e V a livre iniciativa, a livre concorrncia e a defesa do consumidor. BRASIL. Projeto de Lei n. 2126, de 24 de agosto de 2011. Estabelece princpios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponvel em: . Acesso em: 21 out. 2012. 60 Toque de chamada para telefones mveis. 61 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justia. Apelao Cvel n. 70041595612, da Vigsima Cmara Cvel. Relator: Rubem Duarte, 14 de dezembro de 2011. Disponvel em: . Acesso em: 10 de nov. 2012. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justia. Apelao Cvel n. 70036620698, da Sexta Cmara Cvel. Relator: Artur Arnildo Ludwig, 22 de setembro de 2011. Disponvel em: . Acesso em: 10 de nov. 2012.

  • 27

    As tentativas de regulamentar as atividades na internet so relativamente recentes.

    Contudo, quando se discute a respeito dos direitos autorais, necessrio atentar relevncia

    do acesso informao e cultura como fator revolucionrio no desenvolvimento dos

    indivduos. Esse desenvolvimento que passa certamente pelo contato com obras protegidas

    pelos direitos em questo. Logo, restringir o acesso, atravs de barreiras econmicas, seria

    realar as desigualdades sociais existentes, principalmente, em um pas como o Brasil.

    2.2 Direito de acesso s obras digitais na sociedade da informao

    Na atualidade, o acesso informao fator basilar para o aprimoramento cultural e

    profissional. A minoria da populao mundial tem acesso internet, portanto poucos tm

    acesso informao, a partir desse suporte. A internet uma fonte importante de informao

    e de cultura, disponibilizando contedo s pessoas que no residem nos grandes centros

    culturais, como tambm aos que no possuem meios econmicos para adquirir as obras de seu

    interesse. Muitas pessoas passaram a utilizar a internet como fonte de conhecimento, seja a

    partir de cursos online, seja atravs de pesquisas do seu interesse ou fazendo uso das mais

    variadas formas de comunicao que ela oferece.

    A sociedade da informao consiste no modo de desenvolvimento econmico em que

    a informao essencial na aquisio e formulao do conhecimento, tambm na satisfao

    das necessidades dos indivduos. Trata-se de um novo paradigma tecnolgico, social, cultural

    e comportamental. O conhecimento a principal fora de produo da sociedade, e por isso

    necessrio uma harmonia com o direito liberdade de informao, considerando o papel

    decisivo do Estado Democrtico de Direito na tutela do acesso informao e do exerccio da

    liberdade de pensamento e expresso 62.

    A importncia da informao tal que recentemente no Brasil passou a vigorar a lei n.

    12.527, publicada em 18 de novembro de 2011, de acesso informao publica 63. Essa lei

    62 SOARES, Svio Aguiar; VIZZOTO, Alberto. Direito intelectual e sociedade da informao: reflexes sobre os novos paradigmas. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9975-9976. 63 Art. 5. dever do Estado garantir o acesso informao, que ser franqueada, mediante procedimentos objetivos e geis, de forma transparente, clara e em linguagem de fcil compreenso. BRASIL. Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Regula o acesso a informaes previsto no inciso XXXIII do art. 5, no inciso II do 3 do art. 37 e no 2 do art. 216 da Constituio Federal; altera a Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n. 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei n. 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012.

  • 28

    que regulamentou o artigo 5, inciso XXXIII da Constituio Federal 64, visa efetivar esse

    direito constitucional em que todos tm a prerrogativa de receber dos rgos pblicos

    informaes de interesse pessoal e coletivo, bem como estabelecer o acesso informao

    pblica como regra, e o sigilo como exceo 65.

    A sociedade da informao, termo cunhado para descrever a sociedade atual, um

    tema amplamente discutido nas obras do lusitano Jos Oliveira Ascenso, o qual enxerga com

    preocupao o cerceamento da liberdade nesse ambiente:

    De facto, o cidado comum defronta-se crescentemente com o arame farpado. H cada dia mais zonas cuja entrada est proibida ou reservada. Com isso, o dilogo social perde fluidez. A nossa liberdade passa a ser uma liberdade condicionada: o que fazemos ou perdemos depende cada vez menos da nossa espontaneidade e cada vez mais daqueles que se asseguram posies de privilgio no espao social.

    A internet veio potencializar estes perigos.

    Por um lado acena-se com uma sociedade da informao, em que um manancial de novas potencialidades aberto para todos. Exalta-se o protagonismo do homem comum que, graas interatividade possibilitada pelas auto-estradas da comunicao, se tornaria um dialogante universal, e no somente um receptor passivo de mensagens.

    Mas por outro lado, verificamos que a Internet, que apareceria com um espao de liberdade, est j apropriada. Cada vez mais um espao de constrio 66.

    O aumento de pginas online com seu contedo pago, as diferentes formas de

    comunicao condicionadas assinaturas, o bloqueio de vdeos que contm trechos de filmes

    ou msicas, bem como de pginas que disponibilizam obras literrias digitais, so as prticas

    que ocorrem na atualidade. Segundo Ascenso, o esquema geral consiste em considerar todas

    as utilizaes em rede reservadas e cobertas por tratados internacionais sobre direito do autor,

    ou seja, a colocao da obra em rede seria objeto do direito de comunicao pblica, o seu

    64 Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXIII todos tm direito a receber dos rgos pblicos informaes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que sero prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindvel segurana da sociedade e do Estado. BRASIL. Constituio, 1988. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 65 CONTROLADORIA-GERAL DA UNIO. Acesso informao pblica: uma introduo a Lei n. 12.527, de 18 de novembro de 2011. Disponvel em: Acesso em: 21 out. 2012. 66 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito intelectual, exclusivo e liberdade. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5 regio, Recife, n.3, p. 125-145, mar. 2002, p. 126-127.

  • 29

    chamamento ao visor do usurio implicaria o direito de reproduo, entendido em termos de

    abranger as meras transmisses tecnolgicas, assim como a produo de exemplares no

    terminal estaria coberta pelo direito de distribuio. A apropriao vai sempre avanando

    mais 67.

    Alm disso, h lderes polticos que impossibilitam a populao do seu pas a conexo

    rede, a fim de impedir a comunicao entre os prprios habitantes e com habitantes de

    outros pases, isso a partir de argumentos polticos. O fato da internet ser uma ferramenta que

    no est ao alcance de todos, por fatores econmicos ou polticos, foi tema da Organizao

    das Naes Unidas ONU, que defendeu o acesso internet como um direito bsico

    universal, conforme se depreende a partir de um dos trechos do documento:

    85. Given that the Internet has become an indispensable tool for realizing a range of human rights, combating inequality, and accelerating development and human progress, ensuring universal access to the Internet should be a priority for all States. Each State should thus develop a concrete and effective policy, in consultation with individuals from all sections of society, including the private sector and relevant Government ministries, to make the Internet widely available, accessible and affordable to all segments of population 68.

    A tendncia da internet alcanar maior nmero de usurios. possvel acess-la

    atravs de celulares, computadores, televises, a domiclio, em lan houses ou cyber cafs,

    entre outros. Assim, no complicado imaginar um futuro em que a internet ter um poder de

    transformar as relaes humanas e, em razo disso, as pessoas que forem privadas desse

    acesso iro vivenciar um isolamento social ou um atraso digital. Ainda mais, privar o acesso a

    obras literrias, artsticas, programas de computador, e cultura em geral na internet seria

    privar os usurios de us-la para seu prprio desenvolvimento e para reduzir as desigualdades

    sociais.

    67 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito intelectual, exclusivo e liberdade. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5 regio, Recife, n.3, p. 125-145, mar. 2002, p. 128. 68 Dado que a Internet se tornou uma ferramenta indispensvel para a concretizao de uma variedade de direitos humanos, combatendo desigualdades, e acelerando o desenvolvimento e o progresso humano, garantir o acesso universal internet deve ser prioridade para todos os Estados. Cada Estado deve ento desenvolver uma poltica concreta e efetiva, consultando indivduos de todos os setores da sociedade, incluindo o setor privado e relevantes Ministrios Governamentais para tornar a Internet amplamente disponvel, acessvel e com preos razoveis para todos os segmentos da populao (traduo livre) ORGANIZAO DAS NAES UNIDAS. Conselho de Direitos Humanos, Seventh session, Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression. Disponvel em: . Acesso em: 16 set. 2012.

  • 30

    No Brasil, a legislao autoral em vigor, a lei n. 9.610/98 considerada uma das mais

    restritivas do mundo. Conforme o disposto no art. 46, inciso II, da LDA 69, no permitido a

    cpia integral de obra alheia, que uma conduta corriqueira no mundo contemporneo.

    Ainda, de acordo com a mesma lei no permitido copiar o contedo de um CD para um

    MP3 player, ou seja, uma proibio incoerente com as facilidades da tecnologia digital. Todo

    o sistema de proteo dos direitos autorais se funda na defesa do autor e na utilizao de sua

    obra, exceto mediante expressa autorizao legal ou com seu consentimento. No entanto, essa

    prtica acaba beneficiando o intermedirio, ou seja, os editores, as gravadoras, as produtoras

    de contedo, entre outras, uma vez que quase sempre os autores transferem a esses o direito

    de explorao comercial de suas obras 70.

    Cabe salientar que a atual lei autoral foi publicada no ano de 1998, ou seja, a internet

    era uma ferramenta diferente. Mais tarde, nos Estados Unidos da Amrica ocorreria o

    julgamento do caso napster, que ofereceu amplo destaque discusso judicial que estava

    sendo realizada nas cortes daquele pas. O site napster oferecia em sua pgina o download de

    um programa que interligava seus usurios e permitia que esses compartilhassem arquivos de

    msicas, no formato MP3, sem custos. Atravs da deciso da 9 Corte de Apelao de San

    Francisco foi determinado que o site exclusse do seu sistema as faixas sobre as quais a

    demandante Associao Americana da Indstria Fonogrfica - RIAA detinha direitos sobre os

    referidos fonogramas. No entanto, a sentena americana no possua efeitos fora do territrio

    dos Estados Unidos 71.

    Quando se fala sobre o acesso obras digitais na internet entra em pauta o tema do

    acesso livre ou acesso aberto, como tambm o do software livre. Em relao literatura

    cientfica, o tema do acesso livre ou aberto merece ateno. Eloy Rodrigues discorre sobre o

    tema:

    69 Art. 46. No constitui ofensa aos direitos autorais: (...) II a reproduo, em um s exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro. BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislao sobre direitos autorais e d outras providncias. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 70 LEMOS, Ronaldo; BRANCO JNIOR, Srgio Vieira. Copyleft, software livre e creative commons: a nova feio dos direitos autorais e as obras colaborativas. Rio de Janeiro: FGV, 2019. Disponvel em: . Acesso em: 23 set. 2012, p. 1-2. 71 SOUZA, Marcos Antnio Cardoso de. Aplicao da legislao brasileira no caso Napster. Revista Forense, Rio de Janeiro: Forense, v. 365, 2003, p. 384-386.

  • 31

    Em sntese, Acesso Livre significa a disponibilizao livre na Internet de literatura de carcter acadmico ou cientfico, permitindo a qualquer utilizador ler, descarregar, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar ou referenciar o texto integral desses documentos. Ao contrrio dos outros autores, os investigadores e acadmicos publicam os resultados do seu trabalho no para obterem rendimentos (direitos de autor, etc.), mas para obterem outro tipo de recompensa. Os investigadores so recompensados (progresso na carreira, financiamento dos seus projetos, prmios cientficos, etc.) pela sua produtividade cientfica que avaliada no apenas pela sua dimenso (quantidade), mas sobretudo pelo seu impacto (qualidade), usualmente associado ao nmero de citaes 72.

    O grande problema, de acordo com Svio Aguiar Soares e Alberto Vizzotto, consiste

    na interpretao dos conflitos entre o direito autoral e o direito de acesso informao e

    cultura. Isso, no sentido da relativizao dos direitos de autor, assim como com o objetivo de

    estabelecer um equilbrio entre os direitos do criador, que deve lograr uma justa compensao

    por sua atividade intelectual, e os direitos da sociedade, que deve ter assegurado o direito de

    acesso informao, educao, cincia, tecnologia e ao domnio pblico como direitos

    imanentes ao exerccio da cidadania 73.

    A internet fonte de aprimoramento cultural, essencial na sociedade atual, a sociedade

    da informao. No entanto, essa ferramenta no est ao alcance de todos por motivos

    econmicos e polticos, o que j foi tema da Organizao das Naes Unidas - ONU, a qual

    considerou a internet como um direito bsico universal. Em que pese o aumento dos seus

    usurios, a internet precisa fornecer aos cidados o direito informao e cultura nesse

    ambiente, tendo em vista que as restries parecem sempre aumentar.

    O Brasil apresenta uma das legislaes autorais mais restritivas, a Lei n. 9.610 de 19

    de fevereiro de 1998, a qual impede a realizao de cpia integral privada, o que no

    corresponde s facilidades tecnolgicas disponveis na atualidade. Em razo disso,

    necessrio debater um equilbrio entre os direitos do cidado e os direitos de autor para seja

    possvel falar em igualdade de acesso s informaes, educao, cultura,

    independentemente da influncia ou situao financeira do cidado.

    72 RODRIGUES. Eloy. Acesso livre ao conhecimento: a utopia e a realidade. In: Direito e Informao. I Encontro Nacional de Bibliotecas Jurdicas. Lisboa: Coimbra Editora, 2006, p. 29-40, p. 31. 73 SOARES, Svio Aguiar; VIZZOTO, Alberto. Direito intelectual e sociedade da informao: reflexes sobre os novos paradigmas. Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, So Paulo, 2009, p. 9978.

  • 32

    2.3 Conflitos entre interesses pblicos e privados na rede

    Na internet existe um conflito entre interesses pblicos e interesses privados. De um

    lado, os direitos de acesso informao, cultura, educao, cincia, tecnologia, e de

    outro lado, os interesses dos titulares dos direitos autorais de explorarem economicamente as

    suas obras. Esse um dos paradoxos da sociedade da informao. A tarefa desvendar os

    limites de cada um desses direitos e procurar um equilbrio entre eles. Algumas propostas de

    licenas pblicas pode ser uma das solues.

    Segundo a lei brasileira de direitos autorais vedado fazer cpia privada integral de

    uma obra. No entanto, isso no condiz com as prticas realizadas, tendo em vista que, desde

    h muito, cpias so realizadas. Primeiramente surgiu a reprografia, depois generalizou-se a

    possibilidade de gravao por particulares de obras musicais e audiovisuais em cassetes e

    videocassetes hometaping -, e, por ltimo, atravs da digitalizao tornou-se possvel o

    armazenamento de qualquer tipo de obra ou prestao na memria de computadores e a

    comunicao ou distribuio quase instantnea das cpias assim efetuadas atravs das redes

    informticas internacionais, entre as quais avulta a Internet 74.

    No possvel fazer uma cpia privada integral sem reservar o valor dos direitos

    autorais, ou seja, no possvel ao cidado ter acesso integralidade de uma obra artstica,

    literria ou cientfica sem antes pagar ao titular desses direitos a sua parcela devida, ou o seu

    consentimento expresso. No entanto, os titulares desses direitos so normalmente gravadoras,

    editoras e no os reais criadores da referida obra. Ento, questiona-se: as pessoas que fazem

    uso dessas obras repassam para quem os valores dos direitos autorais? E qual a razo de

    existir dos direitos autorais? As duas perguntas no possuem resposta no mesmo sentido.

    Ascenso escreve sobre a perda da sensibilizao pelo interesse pblico ao longo dos

    anos:

    No incio do sc. XIX, quando esta matria tomou a sua feio actual, mantiveram-se os privilgios outorgados no antigo regime, aos autores nomeadamente, mas agora justificados por serem uma propriedade.

    No obstante, a conscincia do interesse pblico associado outorga do exclusivo era muito ntida. O exclusivo era atentatrio da liberdade econmica. Deveria por isso ser limitado e temporrio. S se prolongaria o lapso suficiente para permitir

    74 VICENTE, Drio Moura. Cpia privada e sociedade da informao. In: Direito e Informao. I Encontro Nacional de Bibliotecas Jurdicas. Lisboa: Coimbra Editora, 2006, p. 18.

  • 33

    recompensar o contributo social trazido e estimular o aparecimento de novas criaes.

    Paradoxalmente, este sentido do interesse pblico perdeu-se quase totalmente no sculo XX, que se pretendeu a idade do social. Os exclusivos empolam-se e multiplicam-se, cada vez mais justificados por meros interesses privados. O espao de liberdade sofre uma perigosa restrio.

    De facto, os debates a que hoje se assiste so menos os que opem o interesse pblico e os interesses privados e mais os que opem entre si os vrios interesses privados no seu apetite de proteco. So os que opem os autores aos produtores de fonogramas ou aos radiodifusores, os que opem os provedores de servios na Internet aos titulares de direitos sobre os contedos, e assim por diante. E como a histria ensina, os acordos entre os grandes fazem-se custa dos pequenos. Os direitos exclusivos incharam cada vez mais, custa do interesse pblico, que viu agravada mais e mais a sua condio; e custa do interesse pblico, que o neoliberalismo imperante s envergonhadamenente permite referir.

    A situao s conheceu um solavanco nestes ltimos anos, com a formao de correntes libertrias no seio da Internet. Curiosamente, tudo se passa no mbito norte-americano 75.

    Essa perda de sensibilizao pelos interesses pblicos, descrita por Jos de Oliveira

    Ascenso, o resultado da sociedade cada vez mais individualista do ltimo sculo. Os

    conflitos privados foram priorizados em contrapartida aos de ordem pblica, talvez por fatores

    poltico-econmicos, o que curiosamente acabou por restringir a liberdade. A liberdade

    criativa foi restringida seja pelo prazo de setenta anos, aps a morte do criador, para

    explorao dos direitos patrimoniais, seja pela impossibilidade de realizar cpia integral

    privada, seja pela necessidade de autorizao do autor para a reproduo da obra.

    Os direitos intelectuais no Brasil foram includos no rol dos direitos e garantias

    fundamentais do artigo 5 da Constituio Federal, estando o direito de autor previsto nos

    incisos XXVII e XXVIII 76. Segundo Guilherme Carboni, possvel perceber na leitura do

    texto legal que, pela prpria natureza jurdica do direito de autor (que tem como contedo

    direitos morais personalssimos e direitos patrimoniais) e da sua evoluo histrica como 75 ASCENSO, Jos de Oliveira. Direito intelectual, exclusivo e liberdade. Revista Esmafe: Escola de Magistratura Federal da 5 regio, Recife, n.3, p. 125-145, mar. 2002, p. 129. 76 Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) XXVI aos autores pertence o direito exclusivo de utilizao, publicao ou reproduo de suas obras, transmissvel aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXVIII so assegurados, nos termos da lei: a) a proteo s participaes individuais em obras coletivas e reproduo da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas; b) o direito de fiscalizao do aproveitamento econmico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intrpretes e s respectivas representaes sindicais e associativas. BRASIL. Constituio, 1988. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012.

  • 34

    direito predominantemente individual, nem a Carta Magna e nem a LDA positivaram as suas

    dimenses sociais e solidrias. Dessa forma, pode-se dizer que em nossa legislao prevalece

    a concepo individualista do direito de autor, representando um atraso, se considerada a

    evoluo dos outros direitos fundamentais. Cabe salientar que tal situao no ocorre com os

    direitos de propriedade industrial 77, tendo em vista que a Constituio determina que os

    autores de inventos devam ter como princpio e limite, o interesse social e o desenvolvimento

    tecnolgico e econmico do pas 78.

    No mesmo sentido, o lusitano Drio Moura Vicente discorre sobre a valorizao dos

    direitos do autor, interesses individuais, em detrimento dos direitos coletivos, como o acesso

    do pblico aos bens culturais:

    Por um lado, relevam neste domnio interesses individuais, entre os quais sobressaem os interesses morais dos autores e artistas ligados defesa da paternidade e da integridade das suas criaes intelectuais e prestaes e os interesses patrimoniais dos mesmos sujeitos que se prendem com a sua legtima expectativa de colher os benefcios econmicos que possam resultar da explorao dessas criaes e prestaes, mormente atravs da sua reproduo, da sua comunicao ao pblico e da distribuio dos respectivos exemplares. Por outro lado, avultam interesses colectivos, nos quais se compreendem o acesso do pblico informao e aos bens culturais, a promoo da educao e do progresso cientfico 79.

    Com a facilidade em que possvel realizar cpias integrais privadas e sabendo a

    diferena que o acesso a obras artsticas, literrias e cientficas podem realizar no

    desenvolvimento de uma pessoa, no parece razovel que elas sejam privadas, e atendam

    apenas os interesses privados. Ainda mais, que o acesso a elas seja utilizado como meio de

    controle, j que ter o acesso ou no far diferena no desenvolvimento cultural de cada um,

    seria elevar os que podem ter o acesso, e por conseguinte excluir aqueles que no tem acesso

    77 Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIX a lei assegurar aos autores de inventos industriais privilgio temporrio para sua utilizao, bem como proteo s criaes industriais, propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnolgico e econmico do Pas. BRASIL. Constituio, 1988. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012. 78 CARBONI, Guilherme Capinzaiki. Direito autoral e acesso ao conhecimento: em busca de um equilbrio. Revista Jris da Faculdade de Direito, Fundao Armando lvares Penteado. So Paulo: FAAP, vol. 1, jan/jun 2009, p.36. 79 VICENTE, Drio Moura. Cpia privada e sociedade da informao. In: Direito e Informao. I Encontro Nacional de Bibliotecas Jurdicas. Lisboa: Coimbra Editora, 2006, p. 15-16.

  • 35

    da possibilidade de aprimorar-se culturalmente. Por mais que os criadores tenham direitos

    sobre a obra, ou que suas gravadoras e editoras detenham a sua titularidade, necessrio

    reconhecer nelas um valor de interesse maior, um valor inerente ao cidado, como o direito

    educao 80.

    80 Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho. BRASIL. Constituio, 1988. Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 05 de outubro de 1988. Disponvel em: . Acesso em: 30 jun. 2012.

  • 36

    3 DIREITO DE ACESSO INFORMAO E DIREITOS AUTORAIS NA

    INTERNET: PROPOSTAS DE EQUILBRIO

    Algumas respostas surgiram para a problemtica do direito de acesso informao e

    os direitos autorais na internet. Com as licenas pblicas, facultou-se que a utilizao das

    ideias dos autores fosse livre ou limitada, de acordo com a escolha do criador, esse que

    manifesta a sua vontade atravs da afixao de um selo na obra criada. Outra resposta foi a

    discusso nacional sobre direitos autorais, a fim de realizar alteraes na lei brasileira, o que

    se realiza com o objetivo de proporcionar aos interessados na rea melhor proveito de seu

    trabalho, bem como a adequao da lei com as facilidades que a sociedade possui em relao

    troca de informaes na atualidade.

    3.1 Copyleft

    A ideia do copyleft enfrentou a problemtica dos direitos autorais na internet. A partir

    dele a proteo das obras que circulam na rede mundial de computadores foram repensadas,

    com o objetivo de permitir uma livre circulao de contedo. Relacionado ao software livre,

    buscou transformar a maneira em que os bens intelectuais eram concebidos, ou seja, como

    bens de propriedade intelectual, em que apenas o titular usa, goza e dispe da obra. Com essa

    licena, o autor concorda que sua criao possa ser copiada, complementada, modificada,

    entre outras aes, e assim sucessivamente.

    O copyleft um mecanismo jurdico que visa garantir que os detentores de

    propriedade intelectual possam licenciar o uso de suas obras alm dos limites da lei, ainda que

    amparados por ela. O movimento teve incio nos anos 80, com o surgimento do software livre,

    esse que se baseia no princpio de compartilhamento de conhecimento e na solidariedade

    praticada pela inteligncia coletiva conectada na internet. Quem busca essa licena so

    autores e criadores que aplicam o copyleft aos seus trabalhos porque esperam criar condies

    mais favorveis para que grande nmero de pessoas se sinta livre para contribuir com

    melhoramentos e alteraes a essa obra, continuadamente 81.

    81 SANTOS, Manuela. Direito autoral na era digital: impactos, controvrsias e possveis solues. So Paulo: Saraiva, 2009, p. 164.

  • 37

    O movimento do copyleft teve incio com o ento programador e futuro ativista

    Richard Stallman, quando este foi contratado pela empresa Symbolics com o objetivo de criar

    um software cuja verso seria de domnio pblico do intrprete. A empresa, no entanto,

    aperfeioou e ampliou o programa, sendo que aps se negou a dar acesso ao primeiro criador

    sobre as alteraes efetivadas. Assim, em 1984, ele elaborou um monoplio do software

    criando a sua prpria licena de direitos autorais, a qual denominou licena pblica geral, em

    ingls GPL General Public License 82. Segundo Srgio Amadeu, a GPL a garantia que os

    esforos coletivos no sero indevidamente considerados propriedade de algum. O GPL

    aplicvel em todas as frentes em que os direitos autorais so utilizados: livros, imagens,

    msicas e softwares 83.

    As circunstncias que permitiram o surgimento desse movimento so expostas por

    Ronaldo Lemos:

    O movimento do software livre produto da subverso das tradicionais idias [sic] de propriedade com relao aos bens intelectuais. Originou-se da insatisfao relativa ao regime tradicional de direito autoral quando aplicado ao software, na medida em que ele impedia as possibilidad