Upload
trinhque
View
216
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
0
UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA
MESTRADO EM COMUNICAÇÃO, LINGUAGENS E CULTURA
DISCURSOS DA MÍDIA IMPRESSA SOBRE A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DE BELÉM DO PARÁ: CORPO, IDENTIDADES E REGIMES DE
VERDADE.
LILIANE AFONSO DE OLIVEIRA
Orientadora: Ivânia dos Santos Neves
BELÉM
2012
1
LILIANE AFONSO DE OLIVEIRA
DISCURSOS DA MÍDIA IMPRESSA SOBRE A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DE BELÉM DO PARÁ: CORPO, IDENTIDADES E REGIMES DE
VERDADE.
Dissertação apresentada a Universidade da Amazônia para obtenção do título de mestre junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia, inserida à linha de pesquisa: Análise do Discurso. Orientador(a): Profa. Dra. Ivânia dos Santos Neves
BELÉM
2012
2
FICHA CATALOGRÁFICA
OLIVEIRA, Liliane Afonso de. DISCURSOS DA MÍDIA IMPRESSA SOBRE A VIOLÊNCIA
NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE BELÉM DO PARÁ: CORPO, IDENTIDADES E REGIMES DE
VERDADE. Belém, 2012. 105 p.
Dissertação de Mestrado. Universidade da Amazônia. Programa de Pós Graduação em
Comunicação, Linguagens e Cultura.
Orientador(a): Profa. Dra. Ivânia dos Santos Neves
Mídia. 2. Violência nas Escolas. 3. Análise do Discurso
3
“Só a sabedoria pode dar ao homem uma resposta de Paz”.
(M.C. Porto)
4
LILIANE AFONSO DE OLIVEIRA
DISCURSOS DA MÍDIA IMPRESSA SOBRE A VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DE BELÉM DO PARÁ: CORPO, IDENTIDADES E REGIMES DE
VERDADE.
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de Pós-Graduação em
Comunicação, Linguagens e Cultura da Universidade da Amazônia.
BANCA EXAMINADORA
1__________________________________________(Orientador)
Profª. Dr. Ivânia dos Santos Neves / UNAMA
2____________________________________________(Membro)
Profª.Dr. Maria do Rosário Gregolin/ UNESP
3____________________________________________(Membro)
Profº. Dr. Claudio Roberto Rodrigues Cruz / UNAMA
Julgado em: ___/___/___
Conceito: ____________
5
Dedico a realização desta Dissertação ao meu filho Pedro Ricardo, que mesmo em meu ventre pode me ajudar mais do ninguém a realizar esta pesquisa;
Aos meus pais Erivaldo Morais e Graça Afonso, que sempre me ensinaram os valores da vida que quero compartilhar com meu filho e alunos.
Ao meu esposo, Paulo Ricardo, pela paciência, companheirismo e dedicação para comigo;
À minha professora e orientadora desta Dissertação, Ivânia dos Santos Neves, que soube como fazer eu não desistir deste sonho, apesar das dificuldades.
Aos meus irmãos, amigos e professores que me oportunizaram estar concluindo o Mestrado, me apoiando e incentivando, cada um a sua maneira e possibilidades.
6
Em primeiro lugar agradeço a DEUS, pela vida e saúde; por ter permitido eu chegar até aqui e
conquistar um sonho: Mestrado.
Grata sou a Deus por me conceder pais maravilhosos: Maria das Graças Afonso de Oliveira e Erivaldo Morais de Oliveira, pelo amor, pela confiança, pelos ensinamentos, e pelo apoio na
realização de mais esta etapa de minha vida.
Ao meu filho, Pedro Ricardo, que apesar de ainda no ventre foi a minha maior força para este trabalho. Um ser por quem tenho repleto amor e afetividade singular.
Ao meu esposo, Paulo Ricardo Gonçalves Alves de Oliveira, a quem quero agradecer com um carinho especial por ter tido muita paciência comigo na concretização deste sonho.
Aos meus irmãos, Erivane Afonso, Eliane Afonso e Erivaldo Júnior, pelo companheirismo, amor e
paciência dedicada.
Aos meus avôs paternos e maternos que sempre acreditaram em mim, e, com certeza, onde estiverem sempre torceram pelo meu sucesso. (In memorian).
Gostaria de agradecer especialmente a minha orientadora Prof. Dra. Ivânia dos Santos Neves, por ser o meu grande guia, responsável direta pela missão que agora se cumpre. As indicações, as dicas, as
correções, e até mesmo alguns contra tempos que passaram por esta relação entre orientadora-orientando. Tudo isto compôs uma somatória fundamental não só para a construção do pensamento
que se traduz nas páginas deste longo texto hoje entregue, mas como para a maturidade de toda uma vida a seguir: antes de tudo, dedico a esta grande doutora com carinho. Um texto escrito a quatro
mãos.
Gostaria também de agradecer a banca examinadora desta pesquisa, o Prof. Dr. Claudio Roberto Rodrigues Cruz, pelas brilhantes considerações que guiaram a confecção final deste trabalho,
principalmente no momento em que fui bolsista do Projeto Observatório de Violência nas Escolas/UNAMA, e também a Prof. Dra. Maria do Rosário Gregolin/ UNESP cujas observações
durante a Banca de qualificação foram igualmente imprescindíveis e, se dispôs a estar aqui hoje com seu extraordinário conhecimento neste evento que conclui a grande jornada que é o Mestrado.
Gostaria também de agradecer aos professores do Mestrado (Turma 2010), todos aqueles os quais tive
a honra de poder compartilhar de seus conhecimentos, seja durante as disciplinas que cursei, os seminários e palestras que assisti ou mesmo nas conversas pelos corredores da UNAMA, em especial à
Prof. Dra. Ivânia Neves, a quem passei a admirar pela competência e sabedoria.
7
A equipe do projeto de Extensão Observatório de Violência nas Escolas, em especial aos Professores Reinaldo Pontes, Claudio Cruz, Jane Melo e Marly Sobral que sempre acreditaram no meu trabalho e
me proporcionaram momentos de grandes conhecimentos.
A todos os colegas do Mestrado (Turma 2010) que foram fundamentais para a elaboração desta pesquisa no convívio em sala de aula, nos grupos de estudo, nos debates, conversas e calorosas
discussões, em suma, dentro do cotidiano da vida acadêmica durante os dois anos em que estive frequentando esta instituição me proporcionando momentos inesquecíveis.
Ao meu primo e amigo Rodolfo de Sousa Afonso, uma pessoa muito especial que também me ajudou muito na realização deste sonho.
Aos meus amigos: Welton Lavareda, Hellen Monarcha, Sonia Maria Pereira do Amaral (que com sua inspiração construiu junto comigo e a Profª Ivânia o título desta Dissertação), Rubens Ferreira,
Juliana Farias, Danyel Ribeiro, Alessandro Coelho, Marly Sobral, Adelize Marques (grande incentivadora deste sonho), Francy (com sua fé e alegria me incentivaram a não desistir nunca), que
sempre estiveram comigo, direta ou indiretamente, torcendo pelo meu sucesso.
Aos amigos e funcionários da Universidade em geral, que estiveram sempre presentes nos diversos momentos acadêmicos nos quais estive envolvida.
Enfim, quero agradecer a todas as pessoas que se fizeram presentes, que se preocuparam, que foram solidárias, que torceram por mim, direta ou indiretamente.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO - “Deu no Jornal”: para começo de conversa ....... 12
Capítulo 1 - Procedimentos metodológicos ................................... 22
1.1. Aproximações ............................................................................. 22
1.2. Análise do Discurso .................................................................... 27
1.3. Sobre os discursos dos alunos no Observatório ........................ 30
1.3.1. De que lugar fala o aluno da escola pública? ......................... 31
1.3.2. “A primeira que saísse, elas iriam furar...” ................................ 33
1.4. Memória Discursiva ...................................................................... 36
Capítulo 2 - Discursos sobre a Violência ........................................ 40
2.1. A violência na escola e seu regime de verdade ......................... 41
2.2. Regras de vida da sociedade: os espetáculos da mídia acerca
da violência ..........................................................................................
45
2.3. A violência nas escolas .............................................................. 49
2.3.1. A violência na escola e seu novo sentido: o bullying .............. 53
Capítulo 3 - Análise do Discurso e Mídia: efeitos da história ao
vivo ...................................................................................................
60
3.1. Tragédias em ambientes escolares ........................................... 61
3.2. Os sentidos instituídos pela mídia impressa em Belém do Pará .. 65
3.2.1. Os dois maiores jornais impressos do Pará ............................ 69
Capítulo 4 - A espetacularização da violência na escola em
Belém do Pará ..................................................................................
75
4.1. Nas páginas de O Liberal ........................................................... 77
4.2. Nas páginas do Diário do Pará .................................................... 82
4.3. Ligando memórias ...................................................................... 88
4. 4. Docilização, ou o controle às avessas? ..................................... 92
Considerações Finais ....................................................................... 94
Referências ......................................................................................... 101
9
RESUMO
O estudo pretende realizar uma leitura crítica de como o tema da violência nas escolas de Belém é retratada por dois jornais paraenses de grande circulação local, Jornal O Liberal e Diário do Pará. Pretende-se verificar a contribuição dessas informações no incentivo do “pânico moral” e da desconstrução da imagem da instituição escolar como espaço seguro de convivência e aprendizagem para crianças e adolescentes durante reportagem acerca de um crime ocorrido em uma escola pública da cidade de Belém por uma adolescente de 18 anos dentro da sala de aula. O objetivo desta pesquisa é retratar a influência que a mídia exerce na difusão e composição do fenômeno “violência nas escolas” e sobre o quadro da realidade retratado pelos jornais. Não se trata de avaliar se a mídia é benéfica ou prejudicial na difusão da informação sobre a violência nas escolas, mas de compreender e avaliar sua função como produtora de uma realidade específica. A mídia local impressa tem se revelado porta-voz de uma pluralidade de discursos que mobiliza e materializa o enorme arquivo que vem sendo construído nas últimas décadas acerca de um tema que se constitui um grave problema social: violência nas escolas. Tudo o que já se fora colocado em circulação a cerca da violência nos espaços escolares através da mídia ou dos alunos está significando no texto. Disso decorre a ideia de que todos esses sentidos já-ditos por alguém sobre a temática, em algum lugar, em um momento distinto, têm efeito sobre o que está posto neste material discursivo, conforme verificaremos na análise das matérias de jornais. Palavras Chave: Violência nas Escolas. Análise do Discurso. Mídia Impressa. O Liberal. Diário do Pará.
10
ABSTRACT
The study intends to realize a critical reading of how the issue of violence in schools in Belém is described by the site of two vast circulation journal in Para, “O Liberal” and “Diário do Pará”. It intend to check the contribution of this information in incentive of the "moral panic" and defamation the image of the school as a safe space for living and learning for children and teenagers during a report about the crime occurred in a public school in the town of Belém for a teenager of 18 years in the classroom. The objective of this study is to demonstrate the influence that the media put in the divulgation and composition of the phenomenon "violence in schools” and about the reality picture described in the journals. This is not to evaluate if the media is beneficial or harmful in the dissemination of information on violence in schools, but to understand and analyze its function as a producer of a specific reality. The local journals has proved spokesman of a plurality of discourses that mobilizes and materializes the largest file that has been built in recent decades about a subject that is a serious social problem: violence in schools. Everything has already been put into circulation about violence in school spaces through the media or the student is meaning in the text. It follows the idea that all these senses has already told by someone about the issue, in somewhere, in a different moment, have an effect on what is put in this discursive material, as we shall find in the analysis of journals reports. Keywords: violence in schools. Analysis speech. Journals. “O liberal”. “Diário do Pará”.
11
Poderia enumerar muitos exemplos do que considero
ser a abjeção dos corpos. Podemos notá-la, por exemplo, na
matança de refugiados libaneses: o modo pelo qual aqueles
corpos, aquelas vidas, não são entendidos como vidas. Podem
ser contados, geralmente causam revolta, mas não há
especificidade. Posso verificar isso na imprensa alemã quando
refugiados turcos são mortos ou mutilados. Seguidamente
podemos obter os nomes dos alemães que cometem o crime
e suas complexas histórias familiares e psicológicas, mas
nenhum turco tem uma história familiar ou psicológica complexa
que o Die Zeit alguma vez mencione, ou pelo menos nenhuma
que eu tenha encontrado em minhas leituras desse material.
Assim, recebemos uma produção diferenciada, ou uma materialização
diferenciada, do humano. E também recebemos,
acho eu, uma produção do abjeto. Então, não é que o
impensável, que aquilo que não pode ser vivido ou
compreendido não tenha uma vida discursiva; ele certamente
a tem. Mas ele vive dentro do discurso como a figura
absolutamente não questionada, a figura indistinta e sem
conteúdo de algo que ainda não se tornou real. Mas seria um
grave erro pensar que a definição do abjeto se esgota nos
exemplos que dou. Gostaria de protelar qualquer solução fácil
até encontrar um aparato conceitual que proporcionasse à
operação da abjeção uma espécie de autonomia relativa,
de até mesmo um vazio, uma falta de conteúdo . Exatamente
para não poder ser captada através de seus exemplos, de
modo que seus exemplos não pudessem se tornar normativos
do que queremos significar por abjeto. O que seguidamente
acontece é que as pessoas apresentam teorias abstratas sobre
coisas do tipo da abjeção, depois dão os exemplos, e então
os exemplos se tornam normativos de todo o resto. O processo
se torna paradigmático e acaba por produzir suas próprias
exclusões. Torna-se fixo e normativo no sentido de rigidez
Judith Butler
12
INTRODUÇÃO
“Deu no Jornal”: para começo de conversa
Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que
Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.
Paulo Freire
Nas últimas décadas, a preservação da Amazônia passou a ser uma das
maiores preocupações ambientais do planeta. E, em função desta imensa
reserva florestal, ainda hoje, alimentam-se fantasias de que se trata de um
paraíso edênico, onde existem populações nativas isoladas dos problemas da
globalização da economia e dos processos de mediação. É como se nesta
região, não houvesse o movimento da história.
Também alimenta o imaginário internacional, um outro discurso sobre a
região, este mais especificamente relacionado à Amazônia Paraense, que está
profundamente atravessado pela violência. No Pará, houve o massacre de El
Dourado dos Carajás, quando 19 sem terra foram mortos pela polícia,
aconteceu o assassinato da missionária Doroty Stang e de um número
incontável de sindicalistas. Isso sem contar os líderes de trabalhadores rurais,
que neste momento, encontram-se jurados de morte. Por este cenário, o
sudeste do estado apresenta um nível de violência semelhante à Faixa de
Gasa. Neste sentido, o sudeste paraense seria o lugar da barbárie.
Em sua tese de doutorado, onde analisa os discursos que circulam
sobre o estado do Pará na Folha de São Paulo, Marcos da Cunha mostra como
as matérias deste jornal forjam uma realidade em que a violência passa a
caracterizar a identidade de todas as pessoas que moram na região, inclusive
13
aquelas que nunca estiveram envolvidas nas cenas de violência
disponibilizadas pela mídia.
A mídia produz uma realidade brasileira, constrói um modo de
dizer essa realidade. A enunciação do jornal materializa a
expressão de determinados sujeitos sócio-históricos. A palavra
da mídia se caracteriza pelo lugar a partir do qual ela estará
produzindo seu discurso.
As diferenças culturais produzidas historicamente entre regiões
e estados brasileiros tendem a produzir discursos etnocêntricos
por parte de sujeitos representativos dos lugares/espaços,
apontados e reconhecidos como “centro”, relativo àqueles
identificados como “margens”. A “voz” da mídia representativa
daqueles que estão no “centro” econômico e de produção
cultural do país, no caso, “São Paulo” e “Rio de Janeiro”, tende
a identificar o estado do Pará, por uma teia de sentidos
circulantes e sutis, com a “barbárie”. (CUNHA, 2011, p. 308)
Em Belém, os níveis de violência não são tão diferentes, nem menos
alarmantes que os do sudeste do estado. A capital do estado é uma típica
cidade latino-americana e exibe uma paisagem marcada pela desigualdade
social. As políticas públicas estabelecidas pelos governos estaduais ignoram as
estatísticas e não enfrentam sistematicamente a questão da violência no
estado. Não há projetos com investimentos significativos em educação e saúde
e só muito recentemente reforçaram o efetivo policial do estado. No cenário
atual, há uma defasagem de escolas e delegacias. E, apesar das classes
populares estarem menos protegidas pelo Estado, todos vivem dentro de uma
realidade que, de fato, é violenta.
Por outro lado, este cenário de violência no estado do Pará não deve
criar um discurso generalizante em relação à população. Assim como acontece
14
nos morros do Rio de Janeiro, nas favelas de São Paulo, nos subúrbios de
Buenos Aires, ou na Cidade do México, a violência advinda da desigualdade
econômica e do crime organizado não pode definir a identidade de pessoas,
que vivem nestas regiões violentas, mas que são trabalhadores e constroem
suas histórias, na medida do possível, paralelas a esta condição.
Outro aspecto que não pode ser ignorado, quando se fala em violência é
que não se deve supor que os atos de violência estão relacionados apenas às
questões econômicas. A violência não tem classe social, mas está submetida
às relações de poder que organizam a sociedade. Segundo Foucault (2006, p.
42):
Existe atualmente um grande desconhecido: quem exerce o
poder? Onde o exerce? Atualmente se sabe, mais ou menos,
quem explora, para onde vai o lucro, por que mãos ele passa e
onde ele se reinveste, mas o poder... Sabe−se muito bem que
não são os governantes que o detêm. Mas a noção de "classe
dirigente" nem é muito clara nem muito elaborada. "Dominar",
"dirigir”, ' "governar", "grupo no poder", "aparelho de Estado",
etc.. É todo um conjunto de noções que exige análise. Além
disso, seria necessário saber até onde se exerce o poder,
através de que revezamentos e até que instâncias,
frequentemente ínfimas, de controle, de vigilância, de
proibições, de coerções.
Como a violência não está restrita a classes sociais, ela acontece em
todos os espaços, quer seja num bairro de periferia, na escola de classe média
alta, ou mesmo no espaço doméstico, onde as famílias organizam suas
práticas cotidianas. A violência chega a estes menores lugares, onde os
micropoderes se estabelecem distantes das políticas do Estado, ainda que
bastante atravessados por elas. Ainda para Foucault (2006, p. 133):
15
o poder no Ocidente é o que mais se mostra, portanto o que
melhor se esconde: o que se chama a "vida política", a partir do
século XIX, é (um pouco como a Corte na época monárquica) a
maneira pela qual o poder se representa. Não é ai nem assim
que ele funciona. As relações de poder estão talvez entre as
coisas mais escondidas no corpo social.
A violência é um fenômeno multi-determinado e não pode ser
circunscrita a determinados segmentos sociais, já que atinge a sociedade como
um todo. Ela pode ser fomentada pela família desagregada, que está presente
em todas as classes sociais, pelo crescente processo de exclusão social e
econômica de grande parcela da população e, naturalmente, pelos discursos
colocados em circulação naquela que nas últimas seis décadas tem sido uma
das principais formadoras das verdades sociais: a mídia.
O discurso sobre a violência pode ser discutido a partir de múltiplas
variantes, que se materializam na violência doméstica ou na violência das
facções criminosas, por exemplo. Naturalmente, a escola também é um lugar
em que a violência se estabelece e nela, diferentes sujeitos podem ser
identificados ou não como pessoas violentas. E é justamente esta identidade,
que se constrói dentro escola, mas que está profundamente encadeada com os
discursos construídos pela mídia, o principal objeto de estudo desta
dissertação.
Muito embora já existam ações de prevenção aos conflitos, em
diferentes graus nas escolas, o índice de violência nas escolas recrudesce a
cada ano. Isso evidencia, entre outras coisas, que estamos diante de um
fenômeno sem precedentes, e para o qual podem estar contribuindo fatores
16
diversos, quer de ordem familiar, quer por inércia do poder público, ou mesmo
a quase indiferença da sociedade civil.
As estatísticas sobre a violência dentro dos espaços escolares estão
cada vez mais assustadoras e não são poucos os acontecimentos que
envolvem tanto alunos como professores em atos violentos. Este tipo de
violência já passou a fazer parte do cotidiano.
José Vicente Tavares dos Santos é um dos autores que mais tem
refletido sobre a questão teórica da violência. Para o pesquisador (1995), a
violência é reconhecida como um fenômeno complexo, multicausal e de difícil
definição. Ela deve ser tratada por profissionais que integram as diversas áreas
do conhecimento na procura de diferentes caminhos que viabilizem superar a
questão tanto no âmbito da sociedade como da escola.
Já Ana Paula Muller de Andrade (2001), que faz parte do grupo de
pesquisadores em Educação Ambiental que acredita na possibilidade da
inserção da Educação Ambiental nas escolas para superação da violência,
considera que a violência não deve interessar somente aos profissionais que
cuidam da área da segurança pública ou aos órgãos de justiça ou similares,
mas também àqueles profissionais que lidam diretamente com as
necessidades e motivações do ser humano, como os educadores, psicólogos,
além de médicos, enfermeiros, entre outros. O trabalho com o ser humano não
se restringe somente a estes profissionais e sim, diz respeito a todas as áreas
do conhecimento que, de forma multidisciplinar, devem compreendê-lo.
Nas duas últimas décadas, os índices de violência em ambientes
escolares aumentaram significativamente. Nos jornais de maior circulação na
cidade de Belém, na Amazônia, não é difícil encontrar notícias sobre alunos
17
que praticaram atos de violência e nestas matérias, há uma recorrência de
conflitos que acontecem em escolas públicas.
Aqui, nesta pesquisa, procurei destacar as condições de produção
históricas que constituem os discursos sobre a violência na escola pública e na
mídia impressa. Para Gregolin (2003):
O discurso é a materialização da linguagem e carrega consigo
as manifestações ideológicas de ordem sócio-histórica
enunciadas pelos sujeitos do discurso, por isso mesmo a AD se
situa em três regiões do saber cientifico: a Lingüística, para
explicar os processos de enunciação; o Materialismo Histórico
para explicar os fenômenos sociais e o assujeitamento do
sujeito pela ideologia e a Psicanálise que explica a
subjetividade e a relação do sujeito com o simbólico.
A base teórica principal foram as referências da análise do discurso,
mais especificamente as análises das relações de poder e identidade
estabelecidas por Michel Foucault e os estudos que aproximam a teoria do
discurso com os estudos midiáticos.
Atualmente, estes dois jornais institucionalizam um discurso que
estabelece, generalizadamente, a escola pública como um espaço violento.
Sem qualquer preocupação ética, os dois veículos divulgam fotos e manchetes
sensacionalistas que expõem estudantes de escola pública, às vezes até
menores de idade.
Esta dissertação realizou uma leitura crítica sobre a forma como o tema
da violência, nas escolas de Belém e entorno, apareceu retratado por estes
jornais, e, pode verificar a contribuição dessas informações no incentivo do
“pânico moral” causado aos moradores da cidade e da desconstrução da
18
imagem da instituição escolar como espaço seguro de convivência e
aprendizagem para crianças e adolescentes.
Analisei, especificamente, um acontecimento discursivo e sua
repercussão: um crime cometido por uma adolescente de 18 anos, em 2008,
ocorrido em uma escola pública da cidade de Belém, dentro da sala de aula. A
perplexidade social, diante do homicídio, e os interesses dos dois jornais gerou
uma série de reportagens sensacionalistas que, em parte, deixa ver o lugar de
onde os dois jornais falam.
O objetivo desta pesquisa foi analisar a influência que a mídia exerce na
difusão e composição do fenômeno “violência nas escolas”. Não se trata de
avaliar se a mídia é benéfica ou prejudicial na difusão da informação sobre a
violência nas escolas, mas de compreender e avaliar sua função como
produtora de identidades em relação à escola pública.
A maneira como as escolas são apresentadas, nestes jornais, revela as
condições precárias destes estabelecimentos e esta situação supostamente de
denúncia, poderia trazer algum benefício se houvesse algum retorno por parte
das políticas públicas no sentido de melhorar as escolas. Por outro lado, o
sensacionalismo apelativo das matérias apresentadas pelos dois jornais, de
certa forma, forja uma identidade generalizante sobre o aluno que estuda nesta
escola. Numa análise superficial destes jornais, constrói-se uma verdade
preconceituosa de que os alunos destas escolas são pessoas violentas.
Esse poder - contra o qual os sujeitos se digladiam em micro-
lutas cotidianas - classifica os indivíduos em categorias,
designa-os pela individualidade, liga-os a uma pretensa
identidade, impõe-lhes uma lei de verdade que é necessário
reconhecer e que os outros devem reconhecer neles. É uma
19
forma de poder que transforma os indivíduos em sujeitos.
(GREGOLIN, 2004, p. 16)
Procurei mostrar como a mídia, mais especificamente o funcionamento
dos dois jornais impressos de maior circulação local, por representar um
espaço social de fomento de discursos e falas e de promoção de significados,
participa do processo de construção da memória social. Nesta perspectiva,
foram abordados os mecanismos e as estratégias de construção da memória
discursiva da violência nos espaços escolares do Brasil a partir da sua
inscrição no discurso da imprensa escrita. Concebendo os jornais como lugares
de memória, tentamos entender o imaginário construído pela mídia jornalística
sobre a violência nos espaços escolares.
A mídia local impressa tem se revelado porta-voz de uma pluralidade de
discursos que mobiliza e materializa o enorme arquivo que vem sendo
construído nas últimas décadas acerca de um tema que se constitui um grave
problema social: violência nas escolas. Grande parte do que já se fora
colocado em circulação sobre violência nos espaços escolares, através da
mídia ou dos alunos entrevistados, ganhou sentidos nas análises. Disso
decorre a ideia de que todos estes sentidos já-ditos por alguém sobre a
temática, em algum lugar, em um momento distinto, têm efeito sobre o que está
posto neste material discursivo.
Muito além dos muros da escola, este complexo fenômeno social a que
se chama de violência, atinge índices alarmantes. São inúmeros os fatores que
podem levar uma criança ou um adolescente a um ato delitivo. Estudá-los é de
fundamental importância para desenvolver ações que vão prevenir e enfrentar
20
o fenômeno da violência na sociedade como um todo e na escola mais
especificamente.
No primeiro capítulo desta dissertação, apresento o caminho
metodológico que percorri. Como cheguei a este tema e a esta perspectiva
teórica. Mostro como aconteceu a escolha da Análise do Discurso fazendo uma
reflexão teórica sobre as ferramentas da teoria fundamentais para as análises
aqui propostas.
No segundo capítulo, abordo sobre os discursos da Violência. Narrativas
que dão conta de atos “violentos”. Discuto como os discursos sobre violência
estão materializados em diferentes realidades e se filiam a diversas redes de
memória. Num segundo momento, tratarei sobre como esses discursos podem
ser discutidos a partir de múltiplas variantes.
No terceiro Capítulo faço uma análise do discurso da Mídia. Como estes
discursos participam da constituição das representações sociais, produzindo
sentidos, esquecimentos e silenciamentos. Analiso como a violência na escola
é espetacularizada pela mídia, como as tragédias que acontecem no ambiente
escolar são uma recorrência em diversas partes do planeta. Analiso também as
condições de produção históricas dos dois jornais de maior circulação na
cidade de Belém. Procuro mostrar por que há tanto interesse em colocar em
circulação matérias sensacionalistas que evidenciam a violência nas escolas
públicas de Belém.
No quarto capítulo apresento a espetacularização da violência na escola
em Belém do Pará. Analiso a forma como os dois jornais, O Liberal e Diário do
Pará, jornais de maior circulação em Belém divulgaram o acontecimento de
uma tragédia ocorrida entre duas alunas em uma sala de aula de Escola
21
Pública de Belém no ano de 2008 causando um “pânico moral” na população
paraense. Apresento como o corpo, nos dois jornais em análise, considerado
como texto, proporciona uma série de significações e pode ser lido também a
fim de que se tenha maior conhecimento das características de determinada
situação.
No último capítulo, abordo a exposição do corpo cada vez mais em cena
nos espetáculos midiáticos da sociedade atual. Diante das matérias divulgadas
pelos dois jornais estabeleço enunciados que compõem o sistema para separar
agrupamentos e elementos que serão tratados como uma unidade para a
construção de significações a partir dos corpos impressos em folhas de jornais
impressos. Faço uma apresentação mais detida do que os veículos de
comunicação apresentaram acerca do acontecido no ambiente escolar, o
sensacionalismo em busca da consolidação como veículos populares.
22
Capítulo 1
Procedimentos metodológicos
É pelo estudo dos mecanismos que penetram nos corpos, nos gestos, nos
comportamentos, que é preciso construir a arqueologia das ciências
humanas.
Michel Foucault
Neste capítulo, apresento o percurso teórico-metodológico desta
dissertação. Procurei mostrar como cheguei ao tema violência na escola e ao
seu recorte nas reportagens relativas ao crime cometido por uma adolescente
de 18 anos, em 2008, na cidade de Belém.
Na segunda parte, tratei mais especificamente das categorias da análise
do discurso e sua aproximação com minha pesquisa inicial sobre violência na
escola, que de certa forma, traduz a perspectiva interdisciplinar do Programa
de Mestrado em Comunicação, Linguagens e Cultura da Unama.
1.1. Aproximações
Iniciei minha vida acadêmica na Universidade da Amazônia (UNAMA)
em 2006, no curso de graduação em Letras, com habilitação em Língua
Portuguesa. Como aluna na área de Letras, eu me dediquei ao máximo durante
a graduação ao aprofundamento teórico em meu campo de atuação
profissional. Meu desejo, no entanto, era ir além das discussões específicas do
curso, queria entrar em contato com outras teorias capazes de contribuir para
uma formação interdisciplinar e, sobretudo, participar da busca de
23
entendimento sobre problemas reais que ainda carecem de análises mais
aprofundadas.
Com o objetivo de ampliar minha formação acadêmica, ingressei, como
bolsista da área de Letras, no Programa “Observatório de Violência nas
Escolas” – Brasil / Núcleo Pará, mantido pela UNAMA. Este programa teve
início com um projeto de pesquisa-extensão criado em 2004, em cooperação
com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(UNESCO) que deu início a uma série de outros projetos voltados para a
violência na escola.
Participei durante dois anos consecutivos (2007-2008) dos trabalhos do
observatório e comecei a adquirir um repertório teórico e empírico sobre o tema
violência na escola. No período em que participei mais ativamente das
pesquisas, estive em uma escola particular de classe média alta e em uma
escola pública de Belém entrevistando professores, técnicos e alunos sobre o
manejo de conflitos diante de atos de violência na escola. Esta experiência
aumentou ainda mais meu interesse por pesquisas e ações voltadas para o
enfrentamento da violência junto às escolas.
Durante a graduação, para realizar minha pesquisa de conclusão de
curso, senti a necessidade de investigar, na condição de bolsista de extensão,
como jovens alunos, sujeitos da pesquisa “Manejo de Conflitos no espaço
escolar: Interface entre escola pública e privada” entendiam a violência na
escola, por meio da Análise do Discurso.
Nesta primeira aproximação com a Análise do Discurso, pude perceber a
importância deste tipo de análise e comecei a entender melhor o lugar de onde
falavam os alunos entrevistados. Como tive acesso às entrevistas que
24
aconteceram nas escolas púbicas e na particular, cheguei a algumas
conclusões iniciais sobre as condições de produção dos discursos que circulam
nestas duas escolas sobre a violência.
A escola pública estadual apresentava um ambiente em péssimo estado
de conservação, com salas pichadas, carteiras quebradas e riscadas, policiais
dentro da escola fazendo uma espécie de ronda, grades. A sensação era de
que os alunos não pertenciam àquele espaço, que por ser público, acabava
sendo de ninguém. Esta falta de identificação dos alunos com o ambiente
escolar, de certa forma, acaba se materializando nas próprias condições do
prédio.
Ao contrário da escola pública, a particular apresenta um ambiente em
ótimo estado de conservação, com salas climatizadas, carteiras pintadas, bem
conservadas. Nesta escola particular, os alunos se sentem parte do espaço,
como se não estivessem ali de passagem, à espera de um local melhor
(defendem o espaço, protegem). O que não significa que nunca danifiquem a
escola, mas, como se trata de uma escola particular, a manutenção não deixa
ver estas marcas.
Os alunos recebem tratamento de clientes: existe um cuidado dos
professores e da direção ao se referirem aos alunos e suas famílias, o que não
parece existir dentro da escola pública estadual. Estas diferenças atravessam
profundamente os discursos que os alunos colocam em circulação sobre a
violência na escola.
Na escola particular, em nenhum momento, durante as entrevistas, fala-
se sobre violência física de forma explícita. A violência que aparece nas falas
dos alunos vem profundamente marcada por um silenciamento: não se fala do
25
corpo e nem de agressões verbais mais sérias. Parece que os conflitos se
restringem à relação professor x aluno. Ficou a impressão de que nesta escola
os alunos nunca se desentendem de forma mais séria. Tudo é absolutamente
contornável pela equipe pedagógica, que tem muita intimidade com eles.
Pelos depoimentos recolhidos pelo Observatório, parecia que nesta
escola não havia filhos de famílias desestruturadas, que eles não participavam
de uma sociedade marcada pela desigualdade e que não estavam expostos
aos discursos violentos exibidos pela mídia.
Nesta primeira aproximação, durante a graduação e na condição de
bolsista do Observatório, pude perceber a importância dos lugares de fala
destes alunos e de seus professores. Não havia neutralidade em seus
discursos. Comecei a melhor ouvir e a criar mais condições para que a voz dos
alunos pesquisados, sobretudo os da escola pública, pudessem ganhar novos
sentidos.
Meu objetivo, no entanto, naquele momento, quando terminava a
graduação e ainda não dominava bem as categorias de analise, esteve limitado
ao estudo das marcas linguísticas dos alunos. O objetivo do trabalho de
conclusão de curso se restringiu a mostrar linhas ideológicas a partir de seus
depoimentos, com uma comparação dos discursos entre alunos da escola
pública e privada de Belém.
Estas primeiras análises sobre a violência na escola, de certa forma,
ficaram circunscritas ao ambiente escolar. E àquela altura, ainda não havia
uma disciplina específica de Análise do Discurso no curso de Letras da
Universidade da Amazônia. A disciplina só passou a ser ofertada para os
alunos que ingressaram a partir de 2008. Esta ausência dificultou bastante o
26
aprofundamento teórico nesta área. Nesta pesquisa inicial, as análises não
chegaram à perspectiva histórica que envolve os discursos sobre violência na
escola.
Em 2010, ingressei no Mestrado em Comunicação, Linguagens e
Cultura da Universidade da UNAMA. Este programa faz uma abordagem
interdisciplinar, a partir de três áreas de concentração: Letras, Artes e
Comunicação. Durante a realização das disciplinas, pela primeira vez entrei em
contato com a Análise do Discurso e com os estudos dos processos de
mediação, o que naturalmente delineou novas direções para minha pesquisa.
No Mestrado, ampliei bastante meu universo de pesquisa sobre a
violência. Vou além das falas dos alunos e passo a localizá-las no jogo da
história em que eles se instituem. Procurei entender as movimentações de
sentido em torno da violência na escola e como estes discursos apareciam na
literatura, na legislação, na história da educação no Brasil e, naturalmente,
revisitei o arquivo do Observatório da Violência.
No decorrer da pesquisa, em função das disciplinas que conduziam a
análises interdisciplinares, produzi alguns artigos que me levavam para as
exterioridades dos depoimentos recolhidos pelo observatório. Afinal, eles não
estavam imunes às relações de poder estabelecidas inclusive pela mídia.
Assim, cheguei até as reportagens dos dois maiores jornais impressos do
estado.
27
1.2. Análise do Discurso
Nesta minha segunda incursão pela Análise do Discurso, assumo novas
posições diante do problema da violência na escola e, quando revistei as
entrevistas analisadas no TCC, olhei para as exterioridades dos discursos
colocados em circulação pelas falas dos alunos entrevistados pelo
Observatório. “A análise do discurso é um campo de pesquisa cujo objetivo é
compreender a produção social de sentidos, realizada por sujeitos históricos,
por meio da materialidade das linguagens”. (GREGOLIN, 2007, p. 11).
O discurso deve ser tomado como ponto de articulação entre os
fenômenos linguísticos e os sócio-históricos. Para o Profº Cleudemar Alves
Fernandes (2005), coordenador do Grupo de Pesquisas em Análise do
Discurso da Universidade Federal de Uberlândia:
[...] o discurso não é a língua e nem a fala, mas, como uma
exterioridade, implica as duas para a sua existência material;
realiza-se, então, por meio de uma materialidade linguística,
cuja possibilidade firma-se em um, ou vários sistemas
(linguísticos e/ou semióticos) estruturalmente elaborados.
(FERNANDES, 2005, p. 24),
Estudar o discurso é caracterizar as inscrições ideológicas contraditórias
que coexistem nas diferenças sociais, inscritas na produção discursiva dos
sujeitos, na materialidade discursiva. A Análise do Discurso desenvolve seus
estudos sobre as visões de mundo inscritas no discurso, ou seja, a
identificação do sujeito a partir da sua história no lugar complexo de
determinações (não apenas econômica) em que atua.
28
Uma das primeiras coisas a compreender é que o poder não
está localizado no aparelho de Estado e que nada mudará na
sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora,
abaixo, ao lado dos aparelhos de Estado a um nível muito mais
elementar, quotidiano, não forem modificados. (FOUCAULT,
2006, p. 85)
Em Arqueologia do Saber, livro publicado em 1969 por Michael Foucault,
com ideias determinantes para a construção da análise do discurso, o autor
reflete sobre os seus trabalhos anteriores e sistematiza uma série de conceitos
determinantes para a abordagem do discurso. Para Foucault (2000, p. 136): “os
dizeres e fazeres inserem-se em formações discursivas, cujos elementos são
regidos por determinadas regras de formação”. Complementando suas
reflexões, Foucault nos diz que o “discurso é o espaço em que saber e poder
se articulam”.
Foucault estabelece explicitamente as relações entre os
dizeres e os fazeres, isto é, as práticas discursivas
materializam as ações dos sujeitos na história. A discursividade
tem, pois, uma espessura histórica, e analisar discursos
significa tentar compreender a maneira como as verdades são
produzidas e enunciadas. Assim, buscando as articulações
entre a materialidade e a historicidade dos enunciados, em vez
de sujeitos fundadores, continuidade, totalidade, buscam-se
efeitos discursivos. (GREGOLIN, 2007, p.15)
Assim, o estudo do discurso considera em suas análises não apenas o
que é dito, mas as relações que esse dito estabelece com o que já foi dito
antes e, até mesmo, com o não-dito, atentando, também, para a posição social
e histórica dos sujeitos e para as formações discursivas às quais se filiam os
discursos. Ou seja, em um momento histórico, há algumas ideias que devem
29
ser enunciadas e outras que precisam ser caladas. Segundo Gregolin (2007, p.
15) “silenciamento e exposição são duas estratégias que controlam os sentidos
e as verdades”.
Estas condições de possibilidade de discurso são formações discursivas
que sustentam os saberes em circulação numa determinada época. Por meio
da análise do discurso Foucaltiana, estabelecem-se as relações entre os
dizeres e os fazeres, isto é, as práticas discursivas materializam as ações dos
sujeitos na história. O discurso possui uma profundidade histórica, e realizar
suas análises significa tentar compreender a maneira como as verdades são
produzidas e enunciadas.
Compreender o discurso é passar para este “segundo nível”, ou seja, é
passar da funcionalidade da língua para a sua intencionalidade; é des-cobrir,
como na língua podem estar acumulados, ou traçados, significados e intenção
de outrem, e tentar delinear o discurso com outros significados que não
aqueles do seu enunciador; é despir a língua de um vestuário e lhe dar outro. É
praticamente fazer uma arqueologia do significado presente na língua.
O discurso vem a ser a função de uso da língua em determinado
contexto, materialmente relacionado às intenções dos falantes, por isso, a
intencionalidade não existe como uma condição “psicológica pura” para a
existência do discurso.
De acordo com Michel Pêcheux (1990, p. 53): “todo enunciado é
linguisticamente descritível como uma série de pontos de deriva possível
oferecendo lugar a interpretação [...] sempre suscetível de ser/tornar-se outro”.
Esse lugar a que Pêcheux refere-se é o do outro enunciado que dá lugar a
interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na produção dos
30
sentidos e na constituição dos sujeitos. Também para ele, não há sujeitos
individuais no discurso, há “formas-sujeito”, ou seja, um ajustamento do sujeito
à ideologia. Nos seus estudos sobre Pêcheux, Gregolin (2003, p. 27), afirma
que:
O sujeito não é considerado como um ser individual, que
produz discursos com liberdade: ele tem a ilusão de ser o dono
de seu discurso, mas é apenas um efeito do ajustamento
ideológico. O discurso é construído sobre um inasserido, um
pré-construído (um já-lá), que remete ao que todos sabem, aos
conteúdos já colocados para o sujeito universal, aos conteúdos
estabelecidos para a memória discursiva.
O individuo, ao produzir seu discurso, não expressa a sua consciência
livre de interferências. Ao contrário, aquilo que ele enuncia pode ser resultado
de memórias discursivas que lhe são anteriores e que foram por ele
internalizados em função da questão sócio-histórica a que estamos todos
submetidos, a partir da qual são constituídas nossas representações sobre o
mundo.
1.3. Sobre os discursos dos alunos no Observatório
Para finalizar este capítulo, vou tratar da questão do corpo como
materialidades do poder. Questiono a escola pública dos dias de hoje e retorno
ao depoimento de uma aluna da escola pública, recolhido no Observatório, em
2008 para mostrar como a vulnerabilidade do corpo se instituiu como um
discurso estabilizado nestas escolas.
31
1.3.1. De que lugar fala o aluno da escola pública? Até os anos de 1970, a sociedade brasileira dava outros sentidos para
as escolas públicas. As famílias mais abastadas mantinham seus filhos na rede
pública. Não se falava, por exemplo, em cotas nas universidades para seus
alunos, nem tampouco estas escolas eram concebidas genericamente como
espaços de insegurança.
É importante afirmar que, atualmente, há escolas modelos na rede
pública e uma infinidade de professores empenhados em ações pedagógicas
com resultados efetivos, apesar das dificuldades de infraestrutura. A imagem
que se tem sobre estas escolas, no entanto, está bem distante de ser o lugar
preferido em que as famílias gostariam de ter seus filhos estudando.
A escola pública dos dias de hoje precisa ser entendida em sua
heterogeneidade. De forma geral, reclama por mais investimentos, e precisa
ser reconhecida como o espaço que abriga a maioria das crianças e dos jovens
brasileiros. Segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios) de 2009, a cada dez alunos no ensino fundamental e médio no
Brasil, oito estudam em escola pública. São 40,6 milhões de crianças e jovens
(85% do total), o que representa a grande maioria dos estudantes brasileiros.
A matéria, a seguir, narra um acontecimento envolvendo um caso de
homofobia. Um dos desfechos da situação mostra como a sociedade brasileira
já “normalizou” a ineficiência da escola pública.
32
A solução encontrada para o problema marca o descrédito social e a
naturalidade com que se aceita a violência: “O adolescente agredido será
transferido para a rede particular de ensino”.
As reportagens exibidas pela mídia sobre violência na escola são
recebidas com certa “normalidade” pela sociedade brasileira, porque a própria
escola pública demandou novos efeitos de sentidos.
O conceito foucaultiano de formação discursiva transformou-se
em um operador fundamental do método proposto para a
análise dos discursos na medida em que instituiu o território da
História como o campo das produções de efeitos de sentido. A
partir desse conceito central, história e materialidade dos
enunciados se interpenetram para construir os sentidos.
(GREGOLIN, 2004. p. 05)
No próximo tópico, retomo uma entrevista realizada pelo Observatório
que também mostra o funcionamento desta aceitação da violência na rede
pública.
Aluno de 15 anos apanha em escola pública após assumir que é homossexual 20/03/2012 | 13h24min
Um estudante de 15 anos do Colégio Estadual Onofre Pires, em Santo Ângelo
(RS), está há uma semana sem ir às aulas após ser agredido por um colega de
turma. O caso foi registrado como lesão corporal na Delegacia de Polícia de Pronto
Atendimento (DPPA) da cidade gaúcha, na última terça-feira (13). De acordo com a
Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul (SERS), o aluno agressor está
suspenso pela direção da escola. O adolescente agredido será transferido para
a rede particular de ensino. Ambos são alunos do 1º ano do ensino médio. Na
tarde desta terça-feira (20), haverá uma reunião com representantes do colégio, do
Ministério Público, da Polícia Civil e do governo estadual.
Fonte: http://www.paraiba.com.br/2012/03/20/32767-aluno-de-15-anos-
apanha-em-escola-publica-apos-assumir-que-e-homossexual
33
1.3.2. “A primeira que saísse, elas iriam furar...”
As falas dos alunos da escola pública e da escola particular de classe
média alta, entrevistados pelo Observatório, colocam em circulação uma série
de discursos que deixam evidências sobre o lugar social de onde falam e sobre
suas práticas discursivas em relação à violência. É possível observar, a partir
destas falas, como o discurso sobre a violência na escola dialoga com a mídia,
atravessa os corpos destes alunos, perceber o que eles silenciam, quais são as
interdições sobre o tema e como funcionam as estratégias das escolas que
procuram, ou não, evitar as situações de violência, ou que atuam no sentido de
puni-las.
O corpo está centro das relações que envolvem o sujeito, o
discurso e as instituições, fazendo a história do cotidiano por
meio das posições que ocupa, dos desejos que suscita, do
imaginário que dá os contornos do homem de hoje em dia, seja
na rua, seja na escola, seja em casa, seja na mídia. (MILANEZ,
2006, 13)
O discurso é uma construção social de enunciados que caracterizam o
modo de agir ou de pensar de alguém ou de um grupo específico. Essa
construção, não individual, e que só pode ser analisada considerando seu
contexto histórico-social e suas condições de produção traduz a visão de
mundo do homem através de seu discurso, então, constituído por muitas falas
e muitos dizeres, que são determinados pelas regras sociais de comunicação,
pelas condições de produção históricas e por regras e convenções sociais.
A situação narrada por uma aluna da rede pública mostra de que lugar
social ela fala. A seleção dos acontecimentos, a seleção das palavras e até
mesmo a falta de interdição em relação ao corpo, que pode a qualquer
34
momento ser exposto à violência, aos poucos, vão revelando a forma como ela
se situa no mundo.
Uma vez, a gente jogou bola aqui no colégio de tarde. Era
apostando dinheiro, só que ninguém sabia, os diretores,
ninguém, era tudo escondido. Eram as meninas do colégio X
contra nós. Na hora de pagar, as meninas daqui perderam e
não quiseram pagar e começaram a dizer que não poderiam
pagar, porque não podia fazer jogo apostando dentro da
escola. Mas se elas ganhassem, elas iriam querer o dinheiro.
As meninas do colégio X ameaçaram furar a gente, elas
esperaram a gente aí fora. A primeira que saísse elas iriam
furar. A gente teve que ficar até a noite, o diretor chamou a
polícia e disse que a gente só deveria sair quando a polícia
chegasse. A gente falou que não ia ficar porque, eu pelo
menos, não tinha nada a ver com isso. Eu falei pra ele que eu
ia embora, porque o dinheiro da aposta estava todo na mão de
uma menina, essa menina pegou e foi embora escondido, foi
pra casa dela, ela quem puxou a briga e deixou a gente aí. A
gente foi lá pro campo, essas meninas começaram a falar que
elas iam furar a gente. Porque elas não eram molecas pra
gente fazer isso com elas. O diretor quis interferir, mas as
alunas não deixaram. Às vezes, eles tentam ajudar, mas a
gente não colabora.
Alunas de outras escolas estavam na quadra de esporte. O que significa
que o acesso às dependências da escola é livre. Era uma competição
esportiva, em que apostaram dinheiro e não havia um professor de educação
física, nem ninguém da equipe pedagógica da escola. Durante o jogo, alguma
situação mais violenta poderia tranquilamente virar uma tragédia. Nem mesmo
a presença do diretor, depois que aconteceu o conflito entre as alunas,
conseguiu contornar a situação. Foi necessário chamar a polícia e as alunas da
35
escola não obedeceram ao que ele estabeleceu. A situação que se seguiu ao
jogo poderia ter terminado em uma manchete de algum jornal sensacionalista.
O funcionamento de uma escola deveria ser regido por normas e regras
que valorizassem não apenas a interação de cada aluno na sala, mas também
a convivência social dele com as outras turmas e com a instituição como um
todo.
A situação relatada por esta aluna deixa ver que a escola não tem suas
próprias estratégias para estabelecer uma estrutura mínima de convivência em
seu espaço. Os indivíduos que transitam por lá, com seus corpos expostos à
violência, sem garantias, assumem a identidade de sujeitos violentos, afinal,
nada garante que a narradora e suas colegas não reagiriam aos anunciados
atos de violência. Neste sentido, todas as alunas envolvidas neste
acontecimento estavam passivas de “furar” ou ser “furada”.
A escola, onde aconteceram os fatos narrados, é uma das maiores
escolas públicas da cidade, funciona em três turnos: manhã, tarde e noite, com
mais de dois mil alunos regularmente matriculados. As salas iniciam o ano com
mais de 40 alunos. A maioria dos professores trabalha em mais de uma, de
duas ou até mesmo de três escolas da rede pública. Uma parte destes
professores possui contratos temporários e muitas vezes, não passam mais de
um ano letivo na escola. A equipe pedagógica, por sua vez, resume-se ao
diretor, a uma vice-diretora e a duas orientadoras educacionais.
Com este quadro tão reduzido, não se pode esperar uma escola
envolvida de perto com as práticas sociais dos alunos, nem mesmo com
aquelas que acontecem no espaço escolar. As iniciativas positivas, que
36
acontecem nesta escola, são em função de atitudes isoladas de professores,
que mesmo com um cenário tão desfavorável, resolvem fazer a diferença.
A escola é uma das mais importantes instituições sociais. Acredita-se
que, nela, os jovens viveriam em segurança. Os professores e a equipe
técnica, em tese, acompanhariam os principais movimentos dos alunos no
espaço escolar. Embora a narrativa da aluna materialize uma realidade
bastante inesperada, as expectativas sociais, em relação à escola, incluem
estratégias de controle dos acontecimentos em que os alunos estariam
envolvidos. O que aparece nos discursos dos alunos entrevistados revela como
esta escola está desestruturada para tratar do manejo de conflitos em seu
espaço.
1.4. Memória Discursiva
A fala da aluna, que relatou o episódio na quadra da escola, coloca em
circulação uma memória discursiva que retoma outros acontecimentos, como
por exemplo, as matérias dos jornais sobre violência, os noticiários da TV. Ela
constitui suas condições de produção na atualidade e mostram a que memórias
discursivas eles estão filiados.
É possível que o desconforto com relação à violência se dê pela
dificuldade das escolas, em geral públicas, em trabalhar com temas
relacionados ao medo e à agressividade no universo escolar. Mas as
estatísticas mostram que é cada vez urgente a escola sair desta “suposta
neutralidade”, já que seu silêncio, de certa forma, reforça a violência, e encarar
seu papel social, partindo para o enfrentamento desta situação
37
As condições de produção de um discurso da violência no ambiente
escolar levam em conta os sujeitos, a situação e a memória discursiva. É esta
última que torna possível toda formação discursiva fazer circular formulações
anteriores. Trata-se de um saber que torna possível todo o dizer e que retorna
como pré-construído, “já dito” noutro momento e lugar conferindo ao dizer a
sua sustentabilidade. Ou conforme nos diz Maingueneau (1998, p.96), celebre
linguista e proeminente estudioso no campo do discurso, que “o discurso é
recoberto pela memória de outros discursos” e se apóia em uma tradição, mas
cria pouco a pouco a sua tradição. Para Jean Jacques Courtine (1981, p. 72):
Toda produção discursiva se efetua em determinadas
condições conjunturais de produção e remete, põe em
movimento e faz circular formulações anteriormente já
enunciadas, como um efeito de memória na atualidade de um
acontecimento.
Courtine (1981) considera a memória e o esquecimento indissociáveis.
Pêcheux também contribui com seus estudos sobre memória e nos diz que a
memória é o lugar do conflito, da tensão, da retomada. Não há memória fixa.
Não há memória sem esquecimento, pois só retomamos o que perdemos.
Para Pêcheux (1990, p. 56):
Uma memória não poderia ser concebida como uma esfera
plena, cujas bordas seriam transcendentais históricos e cujo
conteúdo seria um sentido homogêneo, acumulado ao modo de
um reservatório: é necessariamente um espaço móvel de
divisões, de disjunções, de desdobramentos e de retomadas,
de conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos,
replicas, polêmicas, e contra-discursos.
38
O autor entende memória como um espaço móvel e não heterogêneo.
Ele também considera memória discursiva como “aquilo que, face a um texto
que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ [...] de
que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível”.
Contudo, a memória não seria este depósito de implícitos, pois o
acontecimento discursivo novo desloca e desgruda os implícitos. Pêcheux
postula uma espécie de jogo de força da memória entre a regularização
(estabilização parafrástica) e a desregulação da rede dos implícitos.
Janine Bendorovicz Trevisan (2000, p. 33), em seus estudos sobre as
formações imaginárias do sujeito italiano adverte que a “memória não é uma
simples lembrança de um passado”, o que considera uma concepção
imobilista. Na sua visão e na de Pêcheux o acontecimento do discurso é o
ponto de encontro entre uma memória e uma atualidade.
Em seus estudos sobre o efeito de memória, Courtine (1981, p. 53)
aborda a relação entre interdiscurso (tempo longo de uma memória) e
intradiscurso (tempo curto da atualidade de uma enunciação). Para o autor, a
“memória discursiva “relaciona a existência histórica do enunciado aos sentidos
das práticas discursivas reguladas pelos aparelhos ideológicos”.
Trevisan (2000, p. 35) nos diz que:
Em síntese, para se falar de memória discursiva, é necessário
falar do processo de construção de sentidos e do efeito de
realidade que eles produzem, é preciso buscar também pistas
ou marcas que indiquem a presença do interdiscurso no
intradiscurso, analisando a memória e sua relação com o
esquecimento.
39
Mas a memória discursiva não é um sistema fechado.
Só por sua existência todo discurso marca a possibilidade de
uma desestruturação-reestruturação dessas redes e trajetos:
todo discurso é um índice potencial de uma agitação nas
filiações sócio-históricas de identificação na medida em que ele
constitui ao mesmo tempo um efeito dessas filiações e um
trabalho (mais ou menos consciente, deliberado, construído ou
não, mas de todo modo atravessado pelas determinações do
inconsciente)... (PÊCHEUX ,1997, p. 56)
Hoje, reanalisando o episódio acontecido na quadra da escola,
compreendo que a fala da aluna é resultado de conjuntos discursivos que lhe
são anteriores e que foram, por ela, internalizados em função da questão sócio-
histórica a que todos estão submetidos. Filiam-se a uma memória discursiva.
Mas como estão inseridos no jogo da história, por mais austeras que sejam as
relações de poder em que estão envolvidos estes “alunos violentos”, a verdade
que a mídia e a própria realidade constrói sobre eles, sempre poderá ser
revista. As identidades são sempre provisórias.
40
Capítulo 2
Discursos sobre a Violência
A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota.
(Jean-Paul Sartre)
Desde os primeiros registros históricos do Ocidente, há narrativas que
dão conta de atos “violentos”. Os discursos sobre violência estão
materializados em diferentes realidades e se filiam a diversas redes de
memória. Eles se constituem entre a regularidade e a instabilidade dos
sentidos que lhes são dados pelas condições em que são produzidos. No
Império Romano, atirar pessoas às feras fazia parte do cotidiano e, nestas
circunstâncias, não eram considerados atos violentos. Em nossos dias, os cada
vez mais famosos embates de Vale Tudo, em que lutadores já saíram mortos
dos ringues, parecem desafiar os sentidos de violência no Ocidente.
Na escola, até os anos de 1970, mesmo nas grandes cidades, o uso da
palmatória não era considerado com ato violento. Há poucas décadas, educar
crianças era sinônimo de castigar, quando faziam alguma coisa errada. Não faz
muito tempo que a palmatória era usada nas escolas, ou então uma criança
41
mal comportada era colocada virada para a parede, usando um chapéu de
burro.
Dentro da tradição literária brasileira, há uma grande quantidade de
romances que tratam da realidade das escolas e revelam muitos
acontecimentos em que alunos e professores protagonizam situações de
violência no ambiente escolar. No romance “O Ateneu”, de Raul Pompéia, por
exemplo, trata-se de uma narrativa na primeira pessoa, em que o personagem
Sérgio, já adulto, conta sobre seu tempo de aluno interno no Colégio Ateneu. A
ação do livro transcorre no ambiente fechado e corrupto do internato, onde
convivem crianças, adolescentes, professores e empregados. Toda a trama se
organiza a partir de acontecimentos que envolvem o ambiente escolar.
Estes são apenas alguns exemplos de atos violentos que ilustram a
história da violência nos espaços escolares e eram usados com o objetivo de
“educar” as crianças. Neste capítulo, analiso como estes diferentes discursos
sobre a violência atravessam os estudos sobre violência na escola.
2.1. A violência na escola e seu regime de verdade
Nos dias de hoje, quando a sociedade brasileira deixou de acatar as
agressões físicas sofridas por crianças e jovens como procedimentos
educativos, depois da criação do ECA-Estatuto da Criança e do Adolescente,
as escolas tiveram que repensar seus métodos e a palmatória, assim como os
castigos corporais já não são mais aceitáveis.
O processo que conduziu a estas mudanças conceituais em relação à
violência na escola, entretanto, não ocorreu sem tensões. Durante
42
praticamente toda a segunda metade do século XIX e até na atualidade, são
intensos os debates sobre as formas de “punição” mais apropriadas. Há uma
longa discussão entre professores, educadores, pedagogos, sociólogos, pais
de alunos e outros profissionais do ensino.
O fenômeno da violência nas escolas tem assumido proporções tais, que
a escola, em várias situações, fica sem saber que medidas tomar. Todavia, tem
se tornado cada vez mais difícil compreender o espaço escolar como um
campo de reflexão e ação, voltada para a construção de uma cultura de paz e
cidadania nas escolas.
Segundo Márcio Ferrari e Cynthia Costa (2009), especialistas em
violência nas escolas, pesquisas do Instituto Cidadania e da Fundação Perseu
Abramo mostram que “a violência é o tema que mais preocupa os brasileiros
entre 15 e 24 anos (55% do total), à frente de emprego (52%) e da Educação
(17%)”. O que se percebe é que o fenômeno da violência está cada vez mais
presente no horizonte das novas e futuras gerações, porém as escolas ainda
não compreenderam que precisam realizar uma intervenção pedagógica.
Além da mudança de currículos, métodos de ensino e manuais didáticos,
há propostas pedagógicas que defendem a criação de novos regulamentos
escolares, de modo a instituir uma relação "civilizada" entre mestres,
funcionários e alunos.
Em termo de legislação, no Brasil, uma das primeiras regulamentações
sobre a violência escolar, instituída em 1854, abolia a prática dos castigos
corporais. A primeira lei geral de ensino do Império, de 1827, não estabelecia
os castigos corporais como uma prática aceita, mas também não os interditava.
Em função deste silêncio do Estado, sem infligir a lei, estes castigos eram
43
aplicados e dividiam as opiniões das famílias e dos educadores. O
Regulamento de 1854, que promoveu diversas mudanças nas regras
anteriores, estabelecia, no lugar dos castigos físicos, punições que iam da
repreensão e realização de tarefas fora do horário escolar à comunicação aos
pais para castigos maiores e expulsão da escola.
Segundo Luiz Fernando Conde Sangenis (2008, p. 1), estudioso em
Educação no Brasil:
Alguns pais, entretanto, tentavam burlar a lei que já não mais
mencionava os castigos físicos, chegando por vezes a
consenti-los por escrito. Não havia consenso entre educadores,
higienistas e pais e mesmo depois da lei de 1854, muitos
professores ainda recorriam aos castigos físicos, o que
causava conflitos com a Inspetoria e os delegados de
Instrução. Para implantar o novo modelo disciplinar baseado na
argumentação e em regras morais, o Estado passou a incluir o
tema na seleção e formação dos professores, além de punir os
que descumpriam a lei.
Apesar da nova orientação oficial implementada na época, os castigos
físicos ainda foram praticados por muito tempo, como pode ser constatado nos
periódicos da época, que também noticiavam acontecimentos relacionados à
violência praticada por professores e técnicos. O que pela lei deveria “ter se
encerrado em 1854 ou até mesmo em 1827, conviveu, ainda que relegada,
com as novas práticas”. (Sagenis, 2008, p. 1).
Outros atos, que hoje são considerados violência, mas que foram
instituídos pelo Estado, são os castigos psicológicos, que apareceram como
opção em detrimento ao físico. Esta modalidade, cuja ação se efetua de
44
maneira mais sutil, já que não deixa marcas explícitas no corpo, traz outros
efeitos ao indivíduo.
Segundo a ABRAPIA (Associação Brasileira Pais, Infância e
Adolescência), pode-se caracterizar violência psicológica como rejeição,
depreciação, discriminação, desrespeito, desqualificação, negligência, bullying
(intimidação, perseguição e isolamento da criança), omissão de
responsabilidades e punições exageradas. (ABRAPIA, 2005).
Por fim, as interdições sociais em relação à violência estão
profundamente relacionadas àquilo que Foucault (2007) analisa como verdade
social:
A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a
múltiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados de
poder. Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua
“política geral” de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela
acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e as
instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros
dos falsos, a maneira como se sanciona uns e outros; as
tendências e os procedimentos que são valorizados para a
obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo
de dizer o que funciona como verdadeiro. (FOUCAULT, 2007,
p. 05)
Atos de violência assumem traços particulares, principalmente em
lugares que predominam culturas heterogêneas e de organização social
complexa – como no caso do Brasil –, seja em suas formas materiais ou
simbólicas. A violência é um fenômeno que se faz presente em contextos
diversificados, inclusive no ambiente escolar, tal como os meios de
comunicação em geral estão a divulgar diariamente. Corroborando com
45
Foucault, os regimes de enunciação que são colocados em circulação servem
para estabelecer o nexo entre as pretensões mais gerais das autoridades e as
práticas cotidianas, “cada sociedade tem seu regime de verdade”.
2.2. Regras de vida da sociedade: os espetáculos da mídia acerca da
violência
Numa primeira leitura, as definições de violência são conflituosas entre
si, porque se propõem a estabelecer um sentido único para um fenômeno
multi-determinado, que para ser entendido necessita ser compreendido em
suas particularidades históricas e culturais. Segundo o Dicionário Houaiss
(2001), violência vem a ser a “ação ou efeito de violentar, de empregar força
física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato
violento, crueldade, força”. No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o
termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para
obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”.
No entanto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência
como “a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”
(Conselho Regional de Medicina, 1998). Mas estudiosos afirmam que a
definição é muito mais ampla e ambígua do que essa mera constatação de que
a violência é a imposição de dor, a agressão cometida por uma pessoa contra
outra; mesmo porque uma definição de dor também coloca em circulação uma
série de aspectos subjetivos difíceis de definir.
De acordo com Ana Carolina Machado Ferrari (2011, p. 01), especialista
em Educação Inclusiva e no fenômeno da violência:
46
Na comunidade internacional de direitos humanos, a violência
é compreendida como todas as violações dos direitos civis
(vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de
culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação
política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança);
econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e
manifestar sua própria cultura). As formas de violência, que são
definidas como violação da lei penal, como assassinato,
seqüestros, roubos e outros tipos de crime contra a pessoa ou
contra o patrimônio, formam um conjunto que se convencionou
chamar de violência urbana, porque se manifesta
principalmente no espaço das grandes cidades.
Corroborando com a autora, a violência urbana não compreende apenas
os crimes hediondos, mas todo e qualquer efeito que provoque sobre as
pessoas e as regras de convivência na sociedade. A violência urbana intervém
no tecido social e prejudica a qualidade das relações sociais, ou seja, a
qualidade de vida das pessoas. Observa-se que a cidade pode ser um local
onde se gera e também por onde se pode erradicar a violência, pois é nela que
estão englobadas as regras de vida da sociedade, e todo efeito que pode
provocar sobre seus indivíduos.
Marilena Chauí (2000, p. 337), filósofa e historiadora da filosofia
brasileira observa que:
Em nossa cultura, a violência é entendida como o uso da força
física e do constrangimento psíquico para obrigar alguém a agir
de modo contrário à sua natureza e ao seu ser. A violência é
violação da integridade física e psíquica, da dignidade humana
de alguém. Eis que o assassinato, a tortura, a injustiça, a
mentira, o estupro, a calúnia, a má-fé, o roubo são
considerados violência, imoralidade e crime.
47
De acordo com a autora (1999, p. 03), “a violência se opõe à ética,
porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade,
como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos, inertes ou
passivos”.
A antropóloga e coordenadora do Núcleo de Pesquisas das Violências
(NUPEVI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Alba Zaluar (2000),
observa ser próprio da violência perturbar acordos e regras que pautam as
relações, o que lhe confere uma carga negativa. Enfim, a violência gera
sofrimento, causa danos físicos e psicológicos, humilhação, desespero,
desamparo, desesperança e anuncia a barbárie onde todos podem ser vítimas.
A violência assume traços particulares, principalmente em lugares que
predominam culturas heterogêneas e de organização social complexa – como
no caso do Brasil –, seja em suas formas materiais ou simbólicas. Este é um
fenômeno que se faz presente em contextos diversificados, inclusive no
ambiente escolar, tal como os meios de comunicação em geral estão a divulgar
diariamente.
O discurso sobre a violência pode ser discutido a partir de múltiplas
variantes, que se materializam na violência contra a mulher, na violência das
facções criminosas, na violência familiar e até na violência escolar.
A violência, no Brasil, não é presente somente nas grandes cidades.
Hoje, a violência tem estado de forma muito presente no dia-a-dia da
população em geral, seja em noticiários veiculados pela mídia, em conversas
com amigos ou por alguém que sofreu algum tipo de violência. E como bem
apontam os dados de violência contra mulher, no Brasil, ela não é restrita a
uma classe social, embora circule na mídia e nas escolas um discurso
48
estabilizado sobre o perfil de pessoas violentas que está associado ao baixo
poder aquisitivo.
A dificuldade das instituições de segurança pública em conter o
fenômeno da violência contribui decisivamente para a degradação urbana, uma
vez que a pobreza, a desigualdade social e o decrescente acesso popular à
justiça e a impunidades dos mais ricos no sistema judiciário não são mais
problemas exclusivos das grandes metrópoles. As causas da violência têm
diferentes procedências e demandam diferentes atitudes do Estado e da
sociedade civil, como um todo, para serem superadas.
Estudiosos afirmam que a violência urbana pode ser evitada desde que
políticas de segurança públicas e sociais, que não traduzam as desigualdades
econômicas do país, sejam colocadas em ação. A compreensão de que a
violência é um problema da sociedade, não significa substituir as funções do
Estado, mas trabalhar em conjunto para diagnosticar, identificar as causas e os
motivos da violência.
Atualmente, a sociedade passa por sérios conflitos relativos aos valores
humanos e atitudes, tal como o culto ao consumismo, o individualismo, o que
dificulta a concretização de uma educação comprometida em formar cidadãos
que estabeleçam formas interativas mais harmônicas à comunidade onde
vivem. Em meio a esta crise, um importante elemento ganhou destaque na
formulação dos discursos sobre a violência e sobre os atos de violência, a
mídia. Kellner (2001), líder teórico da cultura da mídia em geral nos diz que:
Os espetáculos da mídia demonstram quem tem poder e quem
não tem, quem pode exercer força e violência e quem não.
Dramatizam e legitimam o poder das forças vigentes e mostram
aos não-poderosos que, se não se conformarem estarão
49
expostos ao risco de prisão ou morte. Para quem viveu imerso,
do nascimento à morte, numa sociedade de mídia e consumo,
é, pois, importante, aprender como entender, interpretar e
criticar seus significados e suas mensagens. (KELLNER, 2001,
p. 10)
Nos próximos capítulos, falarei mais especificamente sobre desta
relação da mídia com a violência escolar.
O espaço escolar, em que convivem diferentes sujeitos, tais como
estudantes, educadores, técnicos e outros segmentos com os quais nos
deparamos diante de narrativas acerca de ações violentas, e que são
estruturadas a partir de um indivíduo agressor (podendo ser reprodutor de
agressões sofridas anteriormente) e uma vítima, há que se observar que tais
discursos oferecem múltiplas possibilidades de análise no campo da educação
interdisciplinar, quer na perspectiva da responsabilidade social quer na forma
de controle e superação da violência no âmbito escolar.
2.3. A violência nas escolas
A dificuldade em definir um discurso homogêneo sobre a violência,
também é observada no âmbito da violência escolar. Para Reinaldo Pontes
(2007, p. 74), pesquisador do fenômeno da violência e criador do Observatório
da Violência na Escola no Pará: “a discussão acerca da problemática da
violência nas escolas, efetuadas por teóricos das diferentes áreas das Ciências
Sociais, é extremamente heterogênea e, em alguns casos, até conflitantes”.
Pontes (2007, p. 74-83) faz referência aos estudos realizados nos
Estados Unidos sobre violência na escola, em sua avaliação, “os tipos de
50
violências mais comumente trabalhados centram um olhar sobre o fenômeno
das gangues e da xenofobia”. Na literatura norte-americana, também temos
autores como Hayden (2002), Blaya e Debarbieux (2002) que utilizam termos
como delinqüência juvenil para caracterizar atos ilegais ou potencialmente
sujeitos a medidas penais. Flannery (1997) refere-se a termos como agressão,
conflitos e condutas.
Em relação à Inglaterra, nos estudos sobre a violência “há um
complicador adicional ao fato de que no dicionário, o vocábulo violência tem
como indicador apenas a violência física” (PONTES, 2007, p. 83). Neste
sentido, toda a violência psicológica sofrida por estudantes e por que não dizer
também professores e técnico estaria fora das análises sobre a violência na
escola.
Para Pontes (2007, p. 85), o estudioso Bernand Charlot (2002) é um dos
autores que aponta dificuldades em definir violência escolar. Para Charlot
(2002, p. 432), célebre professor filósofo francês dedicado aos estudos das
relações com o saber, principalmente a relação dos alunos de classes
populares com o saber escolar nos diz que a violência escolar se remete a
“fenômenos heterogêneos, difíceis de delimitar e ordenar”, mas também porque
desestrutura “as representações sociais que têm valor fundador: aquela da
infância (inocência), da escola (refúgio de paz) e da própria sociedade
(pacificadora no regime democrático”.
Charlot (2002, p. 434) amplia o conceito de violência escolar,
classificando-a em três níveis:
a. Violência: golpes, ferimentos, violência sexual, roubos,
crimes, vandalismos; b. Incivilidades: humilhações, palavras
51
grosseiras, falta de respeito; c. Violência simbólica ou
institucional: compreendida como a falta de sentido de
permanecer na escola por tantos anos; o ensino como um
desprazer, que obriga o jovem a aprender matérias e
conteúdos alheios aos seus interesses; as imposições de uma
sociedade que não sabe acolher os seus jovens no mercado de
trabalho; a violência das relações de poder entre professores e
alunos. Também o é a negação da identidade e da satisfação
profissional aos professores, a obrigação de suportar o
absenteísmo e a indiferença dos alunos.
Os estudos realizados por teóricos norte-americanos, franceses,
ingleses e brasileiros acerca da violência nas escolas procuram dar ênfase em
aspectos específicos de cada sociedade em questão.
Para Charlot (2002) é preciso, inicialmente compreender que existem
variações nesta relação entre escola e violência. Para eles existe a “violência
na escola, a “violência à escola” e a “violência da escola”:
A violência na escola é aquela que se produz dentro do espaço
escolar, sem estar ligada à natureza e às atividades da
instituição escolar: quando um bando entra na escola para
acertar contas das disputas que são as do bairro, a escola é
apenas o lugar de uma violência que teria podido acontecer em
qualquer outro local. Pode-se, contudo, perguntar-se por que a
escola, hoje, não está mais ao abrigo de violências que outrora
se detinham nas portas da escola.
A violência à escola está ligada à natureza e às atividades da
instituição escolar: quando os alunos provocam incêndios,
batem nos professores ou os insultam, eles se entregam a
violências que visam diretamente à instituição e aqueles que a
representam. Essa violência contra a escola deve ser analisada
junto com a violência da escola: uma violência institucional,
simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira
como a instituição e seus agentes os tratam (modos de
52
composição das classes, de atribuição de notas, de orientação,
palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos
alunos como injustos ou racistas...).
Esta distinção é necessária: se a escola é largamente (mas
não totalmente) impotente face a violência na escola, ela
dispõe (ainda de margens de ação face à violência à escola e
da escola.(CHARLOT, 2002, p. 434-435)
Por que se preocupar com tais distinções? Não podemos ignorar que
estas distinções orientam os professores e pesquisadores para pensarem a
relação efeito e causas da violência, e também os leva a pensar
preventivamente sobre o que fazer com cada situação. “Devemos perguntar
por que a escola, hoje, não está mais ao abrigo de violências que outrora eram
detidas em suas portas”, e o que “legalmente” pode a escola fazer face a essas
situações.
Contrariando a perspectiva histórica da construção social da violência,
muitos pesquisadores da área e a própria opinião pública pensam a violência
como um fenômeno novo, que teria surgido nos anos 1980 e se teria
desenvolvido nos anos 1990. Basta um olhar um pouco mais atento, no
entanto, para atestar que a violência na escola não é tão nova assim. Para
Charlot (2002, p. 432):
No “século XIX, houve, em certas escolas de 2º Grau, algumas
explosões violentas, sancionadas com prisão. Da mesma
forma, as relações entre alunos eram freqüentemente bastante
grosseiras nos estabelecimentos de ensino profissional dos
anos 50 ou 60.
Em todas as suas possíveis variações, a violência na escola não é um
fenômeno radicalmente novo. Basta lembrar os castigos duros a que eram
53
submetidos os alunos que descumpriam as regras. Por outro lado, não
podemos desconsiderar que a escola, embora possa representar um espaço
de mudanças, ela traduz as práticas culturais das sociedades.
Durante a última Ditadura Militar, no Brasil, que teve início em 1964, as
práticas de tortura foram instituídas pelo próprio Estado. Neste período, tanto
nas universidades, como nas escolas, as práticas de violência autorizadas
faziam parte de todas as instituições brasileiras.
O que podemos afirmar sobre a atualidade é que a violência na escola
ganhou novos formatos, que materializam o momento histórico em que
vivemos, porque a sociedade brasileira passou por muitas transformações.
2.3.1. A violência na escola e seu novo sentido: o bullying
Educar um aluno, no século XXI, tem se tornado algo muito complicado,
devido à ausência de modelos e de referenciais educacionais. Os pais
mostram-se cada vez mais atrapalhados na educação das crianças, estão
ocupados e focados com o mercado do trabalho e pouco tempo dispõem para
dedicarem-se aos filhos. Esta responsabilidade, por sua vez, é atribuída
exclusivamente à escola, aos psicólogos, ou, em caso de famílias de menor
poder aquisitivo, muitas vezes, os filhos são entregues à própria sorte.
O que se observa, atualmente, é que as famílias possuem grande
dificuldade de educar seus filhos emocionalmente e, tampouco, sentem-se
preparadas para resolver conflitos por meio do diálogo e da negociação de
regras. Muitas vezes dizem um “não” arbitrário ou um “sim” permissivo, sem
fundamentação, sem nem entender o que acontece na vida do filho. Tomam
54
decisões que não estão pautadas no diálogo, na compreensão, na tolerância,
no limite e no afeto.
As escolas também vêm se mostrando inabilitadas a trabalhar com a
afetividade. Os alunos mostram-se agressivos, reproduzindo muitas vezes a
educação familiar, seja por meio dos maus-tratos, do conformismo, da exclusão
ou da falta de limites revelados em suas relações interpessoais.
Os educadores não conseguem detectar os problemas, e muitas vezes,
também demonstram desgaste emocional com o resultado das várias situações
próprias do seu dia sobrecarregado de trabalhos e dos conflitos em seu
ambiente profissional e pessoal. Muitas vezes, devido a isso, alguns
professores contribuem com o agravamento do quadro, rotulando com apelidos
pejorativos ou reagindo de forma agressiva ao comportamento indisciplinado
de alguns alunos.
Não há uma receita de como educar os filhos, pois cada família é um
mundo particular com características peculiares. Mas, apesar dessa
constatação, não se pode ignorar o problema e deixar que acontecimentos
violentos aconteçam, sem que os educadores (um dos primeiros responsáveis
pela educação e orientação dos filhos e alunos) façam algo a respeito.
O número de conflitos relacionais nos espaços escolares é tão elevado,
que eles já são considerados um problema de saúde pública. É preciso
desenvolver um olhar mais observador tanto dos professores quanto dos
demais profissionais ligados ao espaço escolar. Se a escola estivesse
preparada para lidar com estas situações, poderia perceber os primeiros sinais
de violência, procurar neutralizar os agressores e transformar os espectadores
em principais aliados.
55
A Violência nas escolas diz respeito a todos os comportamentos
agressivos e antissociais, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao
patrimônio e atos criminosos, humilhações e demais abusos aos alunos. Logo,
o fenômeno se caracteriza por toda violência física ou não-física, desde os
simples insultos, a fazer piadas e gozar com as crianças, etc. Neste quesito, o
Bullying é uma forma de pressão social, que pode por muitas vezes, acarretar
traumas muito importantes na vida dos alunos que são sujeitos diariamente a
este tipo de maus-tratos.
São inúmeros os casos reais que a mídia tem revelado sobre agressões
sofridas por crianças dentro das escolas que acabaram em grandes tragédias.
Esses muitos casos de agressões e violências entre os alunos, já bastante
disseminados pela mídia, demonstram uma realidade assustadora que muitos
desconhecem, ou não percebem, trazendo à tona a discussão sobre o
fenômeno bullying, o grande vilão de toda essa história. Mas o que é? Quais as
causas? Como prevenir? Segundo Cléo Fante, (2005, p. 28), presidente do
Centro Multidisciplinar de Estudos e Orientação sobre o Bullying Escolar
(CEMEOBES):
Sem termo equivalente na língua portuguesa, define-se
universalmente como “um conjunto de atitudes agressivas,
intencionais e repetitivas, adotado por um ou mais alunos
contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento”. Insultos,
intimidações, apelidos cruéis e constrangedores, gozações que
magoam profundamente, acusações injustas, atuação de
grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de
outros alunos, levando-os à exclusão, além de danos físicos,
psíquicos, morais e materiais, são algumas das manifestações
do comportamento bullying.
56
A palavra bullying é derivada do verbo inglês bully, que significa usar a
superioridade física para intimidar alguém. Também toma aspecto de adjetivo,
referindo-se a “valentão”, “tirano”. Como verbo ou como adjetivo, a terminologia
bullying tem sido adotada em vários países como designação para explicar
todo tipo de comportamento agressivo, cruel, intencional e repetitivo inerente
às relações interpessoais. As vítimas são os indivíduos considerados mais
fracos e frágeis dessa relação, transformados em objeto de diversão e prazer
por meio de “brincadeiras” maldosas e intimidadoras.
Já disse, anteriormente, que o fenômeno da violência é polissêmico. Há
muitos significados ou várias formas de exercê-la, indo desde um olhar de
reprovação ou mais agressivo, de uma risada irônica a um golpe mortal.
Segundo Chalita (2008, p. 82), também pesquisador do fenômeno, o bullying é
um comportamento “ofensivo, aviltante, humilhante, que desmoraliza de
maneira repetida, com ataques violentos, cruéis e maliciosos, sejam físicos
sejam psicológicos”.
Para Chalita (2008, p.110), a escola, deve ser um “local de acolhimento
e de estímulo ao desenvolvimento e ao crescimento intelectual, sem desprezar
as necessidades pessoais, sociais e afetivas dos alunos”. Corroborando com o
autor, a escola, um espaço de desenvolvimento social e educacional,
infelizmente, tem se deparado com grandes modificações da sociedade e suas
diferentes formas de violência que prejudicam seu funcionamento, impedindo
que cumpra sua função institucional, que é ensinar.
Além de comprometer a identidade da escola, a violência destrói o
direito dos indivíduos de se tornarem cidadãos. Beatriz Oliveira Pereira (2002),
57
pesquisadora do Núcleo de Estudos em Violência e Ansiedade Social da
Universidade Federal de Juiz de Fora em seus estudos alerta para o papel
educacional e cultural da escola. Ela afirma que:
A educação e a cultura deveriam tender a eliminar as formas
agressivas de resolução de tensões que provocam as
diferenças individuais. A educação deveria valorizar e
promover os comportamentos de empatia, a negociação verbal,
o intercâmbio de ideias, a cedência de ambas as partes na
procura da justiça, no direito à igualdade de oportunidades para
todos e no direito à diferença de cada um. Educar para a
liberdade com igualdade de direitos e obrigações em que os
direitos de um terminam onde começam os direitos dos outros.
(PEREIRA, 2002, p.11).
O bullying pode variar em intensidade, magnitude, permanência,
gravidade e prejudicar o direito de todos, dependendo do contexto escolar em
que se instala. Instituições escolares sem conhecimento sobre o fenômeno ou
omissas, que admitem comportamentos preconceituosos e discriminatórios,
são o alicerce para que essa forma de violência atinja todos os níveis de
estágio. O contexto escolar abriga o maior índice desses abusos, pois o
preconceito precede as agressões. Palco do desenvolvimento humano desde a
infância, a escola, entrelaça seu objetivo sócio-educacional a atitudes
antissociais ocultas, desencadeadas pelo fenômeno.
Nos últimos anos, na mídia, o bullying passou a ser a explicação para
diversos tipos de violência nos espaços escolares. A mídia tem levado o
bullying para a sociedade com bastante intensidade e esta divulgação é
fundamental para que as escolas sejam levadas a realmente se informarem
sobre o assunto e se responsabilizarem pela prevenção, antes de tudo, e pelo
58
combate ao bullying. Por outro lado, é importante analisar a forma e o conteúdo
de exposição dos vários tipos de violência pela mídia.
Estudos indicam que as simples “brincadeirinhas de mau-gosto” de
antigamente, hoje denominadas bullying, podem revelar-se em uma ação muito
séria. Causam desde simples problemas de aprendizagem até sérios
transtornos de comportamento responsáveis por índices de suicídios e
homicídios entre estudantes.
Mesmo sendo um fenômeno antigo, mantém ainda hoje um caráter
oculto, pelo fato de as vítimas não terem coragem suficiente para uma possível
denúncia. Isso contribui com o desconhecimento e a indiferença sobre o
assunto por parte dos profissionais ligados à educação. Pode ser manifestado
em qualquer lugar onde existam relações interpessoais.
No capítulo 04, quando analiso a morte de uma aluna em uma escola
pública, um dos argumentos da aluna agressora faz referência ao bullying. Em
sua defesa, para tentar amenizar suas atitudes violentas que culminaram com
a morte da colega de turma, ela alega que há muito tempo era alvos de
chacotas e piadas dentro de sala de aula.
A repercussão da violência na mídia, de forma irresponsável, pode
causar danos irreparáveis a uma comunidade. Por exemplo, o simples fato de
se noticiar uma tragédia em uma escola pública, baseando-se no depoimento
de pessoas do entorno da escola, sem verificar com mais acuidade a situação,
pode acarretar: diminuição no preço dos imóveis naquele local; deterioração da
qualidade de vida da população em virtude do medo e do aumento da
percepção da violência local; fragilização da instituição escolar e das relações
sociais, entre outras questões. Por outro lado, sonegar, omitir ou maquiar
59
informações sobre crimes pode significar efeitos tão perversos ou até piores do
que os citados acima, incluindo riscos objetivos para a vida das pessoas.
Portanto, ao revelar dados, noticiar eventos criminais e abordar
determinados assuntos envolvendo violência e criminalidade, é preciso pensar
nas conseqüências desse tipo de informação.
A violência nas escolas do Brasil preocupa cada vez mais alunos, pais e
professores. Quem estuda nos colégios particulares parece ser protegido por
um esquema onde se incluem câmeras, crachás eletrônicos e vigias
disfarçados. Nas escolas públicas, é a polícia que garante a segurança dos
alunos, mas apenas do lado de fora. Só que as ameaças, há muito tempo, já
ultrapassaram os muros.
Dependendo dos traços de personalidade e das experiências cotidianas,
a violência na mídia satisfaz diferentes necessidades: "compensa" frustrações
e carências em meio a ambientes problemáticos, ao mesmo tempo em que
oferece "emoção" às pessoas que vivem em áreas menos problemáticas.
Apesar das inúmeras diferenças culturais, os padrões básicos das
implicações ligadas à violência na mídia são semelhantes em todas as partes
do mundo. As "características de recompensa" da agressividade pela mídia são
mais sistematicamente incentivadas do que as formas não agressivas de lidar
com a própria vida, fazendo prevalecer, dessa forma, o risco da violência na
mídia.
60
Capítulo 3
Análise do Discurso e Mídia: efeitos da história ao vivo
Há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e
espetáculos ajuda a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o
tempo do lazer, modelando opiniões políticas e contextos sociais e
fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O
rádio, a televisão, o cinema e outros produtos da indústria cultural
fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher,
bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente.
Douglas Kellner
Os discursos da mídia, de forma geral, participam da constituição das
representações sociais, produzindo sentidos, esquecimentos e silenciamentos.
Assim, estes discursos tem fundamental papel no fomento de memórias,
especialmente de memórias institucionais e/ou coletivas. A mídia participa do
processo de produção de sentidos dos fatos, tanto fortalecendo memórias do
passado, como construindo memórias do futuro e, portanto, contribuindo na
constituição do imaginário social.
Com relação a essa movimentação de sentidos que a mídia acaba
instituindo, Gregolin (2007, p. 16) nos diz que:
Esse efeito de “história ao vivo” é produzido pela
instantaneidade da mídia, que interpela incessantemente o
leitor através de textos verbais e não-verbais, compondo o
movimento da história presente por meio da ressignificação de
imagens e palavras enraizadas no passado. Rememoração e
esquecimento fazem derivar do passado a interpretação
contemporânea, pois determinadas figuras estão
constantemente sendo recolocadas em circulação e permitem
os movimentos interpretativos, as retomadas de sentidos e
seus deslocamentos. Os efeitos identitários
61
Neste capítulo, analiso como a violência na escola é espetacularizada
pela mídia. Mostro como as tragédias que acontecem no ambiente escolar são
uma recorrência em diversas partes do planeta e começo a analisar as
condições de produção históricas dos dois jornais de maior circulação na
cidade de Belém. Procurei mostrar por que há tanto interesse em colocar em
circulação matérias sensacionalistas que evidenciam a violência nas escolas
públicas de Belém.
3.1. Tragédias em ambientes escolares
O que nos parece bastante grave, além da violência em si, é o fato de que as
várias formas de violência, produzidas no cotidiano da sociedade, parecem não
mais indignar à população brasileira. É como se ela fosse "aceita" por todos, a
ponto de a população conviver com esta realidade sem maiores traumas, ou
seja, a própria vida parece não ter maior significado, chegando a ser banalizada.
Matar ou morrer não faz maior diferença
Aida Silva
No início do ano de 2011, um acontecimento discursivo, a tragédia na
escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na cidade do Rio de Janeiro,
deixou a sociedade brasileira profundamente pesarosa. Wellington Menezes de
Oliveira, ex-aluno, sem nenhuma dificuldade, entrou na escola, atingiu
mortalmente 12 crianças e depois de suicidou.
62
A fotografia abaixo mostra os momentos que se seguiram à tragédia e o
desespero dos familiares, que desejavam saber notícias sobre as crianças. A
presença do carro dos bombeiros e as fitas de isolamento revelam a tristeza do
acontecimento, sem que para isso haja a exposição dos corpos dilacerados
das crianças assassinadas.
Em outros sites, ou mesmo nos cadernos de polícia dos jornais
impressos, neste momento, era possível encontrar fotografias e até filmes que
mostravam o cenário sangrento em que se transformou a escola. Certamente,
estas fotos com os corpos das crianças mortas, ainda que a lei proíba sua
exibição, tem um público consumidor significativo. Muitas pessoas compram os
jornais impressos por causa dos cadernos de polícia.
No dia da tragédia, em Mendoza, na Argentina, estava acontecendo o
Congresso Mundial sobre Violência Escolar e o Congresso Ibero-Americano
sobre Violências nas Escolas que reunia especialistas no fenômeno da
Violência do mundo inteiro e eu estava presente no Evento. Lamentavelmente,
Figura 01:Tragédia em uma escola pública em Realengo
Luiz Gomes/Futura Press
63
apenas alguns minutos após a abertura do evento, a mídia começou a
transmitir notícias sobre a tragédia da escola de Realengo.
Em numerosas entrevistas a jornais e redes de rádio e televisão, os
pesquisadores especialistas do mundo inteiro frisaram os sutis indícios de
vitimação de alunos pelo bullying, que requerem ação imediata dos
educadores, como parte da missão escolar de ensinar/aprender a conviver. Da
mesma forma que colegas latino-americanos destacaram também a
necessidade do controle das armas de fogo. Na oportunidade, o Congresso
inteiro reuniu-se com os Observatórios de Violências para avaliação de seus
trabalhos e estabelecimento de novas metas.
Tragédias como a de Realengo, no Rio de Janeiro, sempre provocaram
grande comoção pública, indignação e obviamente, tristeza pelas muitas
crianças perdidas no atentado. Além desses sentimentos, tais fatos provocam
também uma grande cascata de “especialistas”, mobilizados em velocidade
estonteante pela mídia, para dar laudos e explicações quase matemáticas
sobre as motivações do assassino e a exposição sensacionalista dos fatos.
A cultura contemporânea da mídia cria formas de dominação
ideológica que ajudam a reiterar as relações vigentes de poder,
ao mesmo tempo em que fornece instrumental para a
construção de identidades e fortalecimento, resistência e luta.
Afirmamos que a cultura da mídia é um terreno de disputa no
qual grupos sociais importantes e ideologias políticas rivais
lutam pelo domínio, e que os indivíduos vivenciam essas lutas
através de imagens, discursos, mitos e espetáculos veiculados
pela mídia. (KELLNER, 2001, p. 10-11)
Na outra ponta desta história, existem as pessoas que produzem as
diferentes materialidades da mídia. Diante desta situação e dos objetivos da
64
minha pesquisa, faço duas perguntas: a) qual é a mídia que expõe corpos
dilacerados? e b) quais os corpos que podem ser expostos pela mídia?
No Brasil e no mundo, os casos de violência na escola sempre
ganharam muito destaque na mídia. A tragédia de Realengo, como ficou
conhecido este acontecimento, provocou uma série de discussões sobre as
condições de segurança nas escolas públicas. E, por mais que especialistas se
empenhem em demonstrar os problemas psiquiátricos do assassino, não há
uma explicação plausível que justifique a morte de alunos em sala de aula.
Este tipo de tragédia acontece em diversas partes do mundo. Nos
Estados Unidos, a recorrência destes assassinatos em ambientes escolares
desafia uma sociedade com mecanismos de controles de violência muitos mais
efetivos que os sistemas de segurança no Brasil. A crueldade deliberada
direcionada aos outros gera e alimenta a violência, como podemos observar
pelos massacres em escolas de toda parte do mundo, noticiados pela mídia.
Fante (2005) faz um histórico dos assassinatos ocorridos em escolas
internacionais, de 1997 a 2002:
Em 1997, na cidade de West Paducah, Kentucky, um
adolescente de 14 anos matou a tiros três companheiros de
escola, após a oração matinal, deixando mais cinco feridos. Em
1998, em Jonesboro, Arkansas, dois estudantes, de 11 e 13
anos, atiraram contra a sua escola, matando quatro meninas e
uma professora. Também em 1998, em Springfield, Oregon,
um adolescente de 17 anos matou a tiros dois colegas e feriu
mais vinte. Em 1999, dois adolescentes, de 17 e 18 anos,
provocaram a tragédia de Columbine, em Littleton, Colorado.
Com explosivos e armas de fogo, assassinaram 12
companheiros, um professor e deixaram dezenas de feridos.
Em seguida, suicidaram-se. Ainda em 1999, uma semana após
o massacre de Columbine, em Taber, Canadá, um adolescente
65
de 14 anos disparou ao seu redor, matando um colega de
escola. Outros massacres ainda foram noticiados na década de
1990, na Escócia, no Japão e em vários países africanos. Em
novembro de 1999, na Alemanha, um estudante de 15 anos
matou a facadas uma professora. Em março de 2000, um aluno
de 16 anos matou a tiros o diretor da escola e depois tentou o
suicídio. Em fevereiro de 2001, um jovem de 22 anos matou a
tiros o chefe de sua empresa; depois se dirigiu à sua ex-escola,
matou o diretor e suicidou-se com explosivos. Na Alemanha,
em abril de 2002, na cidade de Erfurt, um jovem de 19 anos
chacinou 16 pessoas: duas garotas, 13 professores, uma
secretária e um policial que atendeu ao chamado de
emergência; em seguida, suicidou-se. (FANTE, 2005, p. 21-
22).
Estas situações mobilizam a opinião pública no mundo inteiro. E, sem
dúvida, cabe à mídia divulgá-las, mas, a exposição sensacionalista das vítimas,
ou a falta de ética com que estes assuntos são tratados variam de acordo com
os interesses de quem dá a notícia.
3.2. Os sentidos instituídos pela mídia impressa em Belém do Pará
Belém, capital do estado do Pará, considerada como a “Metrópole da
Amazônia” possui uma população de 1 392 031 habitantes (IBGE/2010),
aproximadamente segundo dados do Wikipédia (2010) e está situada às
margens da Baía de Guajará, o principal portão de entrada da bacia
Amazônica.
A capital segundo dados do Wikipédia (2010) está entre as dez cidades
mais movimentadas e atraentes do Brasil. Tem a agitação das grandes
66
cidades, mas, por sua geografia privilegiada, cercada por rios e baía, ainda
guarda uma intensa relação com as paisagens naturais da região. A população
da cidade é bastante heterogênea, formada, principalmente, por descendentes
de portugueses, africanos e dos índios Tupinambás, nativos habitantes da
região à época da fundação.
No cenário da comunicação, a cidade conta hoje com 06 grandes
emissoras de televisão, três grandes jornais impressos, emissoras de rádio FM
e AM e dois provedores de banda larga, que já levaram a internet a cabo para
todas as regiões da cidade. As redes sociais já começam a demarcar um
espaço considerável, principalmente entre os jovens e já não se pode
estabelecer uma diferença de acesso em função de classes sociais, pois, nas
áreas de periferia da cidade, os jovens acessam de espaços públicos, quer
sejam as salas de internet nas escolas, quer sejam nas lan houses espalhadas
por todos os bairros da cidade.
A Grande Belém configura-se, hoje, como o maior aglomerado urbano
da região, visto que sua expansão urbana gerou um crescimento geográfico
vertiginoso, atingindo uma população de 2,1 milhões de habitantes (estimativa
IBGE/2008). Belém possui o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humana)
entre as capitais nortistas. Segundo o oficial de coordenação da ONU no Brasil,
Jean Bernardini em entrevista ao Portal CT, o IDH é “a contrapartida do
desenvolvimento para além do PIB [produto interno bruto]”. Com este índice, a
ONU analisa não somente o crescimento econômico de uma cidade, estado ou
região, mas a qualidade de vida que esses locais apresentam.
As principais atividades econômicas da cidade estão voltadas para o
setor de serviços. Há quatro grandes universidades na cidade e três grandes
67
shoppings centers que movimentam intensamente o comércio na região. A
produção industrial é quase inexistente e não há nos espaços da cidade
atividade agrícola consistente. O que significa que o mercado de trabalho
também é bem restrito. De forma geral, a oportunidade de empregos para os
jovens é bastante escassa.
Segundo estudos para a Cartografia de homicídios na cidade de Belém,
Jorge Wilson Pinheiro de Araujo (2008) profere que:
Na última década, a Cidade de Belém, com mais de 2.116
milhões de habitantes (IBGE, 1990), concentrava quase 900
mil pessoas abaixo da linha de pobreza, o que correspondia
43,96% da população, ou seja, quase um milhão de pessoas
sobreviviam com o equivalente hoje a R$ 175,00 (cento e
setenta e cinco reais) por mês. Entre 2004 e 2005, o aumento
do contingente populacional abaixo da linha da pobreza foi de
12,56% no Estado do Pará e de 4,84% na Cidade de Belém.
Ainda em 2005, nada menos que 48% da população ocupada
no Estado do Pará estavam no mercado informal, quer dizer,
haviam mais de 1,5 milhão de pessoas nessa condição. Pior,
mais de um terço da população ocupada, que é de 3,1 milhões,
ganha no máximo um salário mínimo por mês. Na Cidade de
Belém, em 2005, cerca de 400 mil pessoas, ou metade da
população ocupada, estavam no mercado informal. Além disso,
havia quase 130 mil “desocupados”, o que equivalia a mais de
12% da PEA (População Economicamente Ativa). Isso significa
que mais da metade dos trabalhadores da Cidade de Belém,
ocupados ou desocupados, sobreviviam em condições
precárias, sem quaisquer direitos sociais ou trabalhistas.
Nos últimos 20 anos, as políticas públicas não enfrentaram esta situação
e houve pouco investimento na educação e na segurança pública. Tampouco
se criaram estratégias para fomentar a criação de novos mercados de trabalho
68
na cidade. Diante deste cenário, os índices de violência alcançaram níveis
alarmantes, a falta de perspectiva e a impunidade criaram na cidade uma
grande sensação de insegurança. A desigualdade social parece dividir a
cidade: existe uma Belém que vive os benefícios tecnológicos do início do
século XXI, com seus computadores sofisticados, seus carros confortáveis,
seus apartamentos de luxo e uma outra em que boa parte da população não
tem direito a nada.
A questão da violência urbana não pode mais deixar de ser observada
somente do ponto de vista policial, pois não se podem responsabilizar os
órgãos de segurança pública e simplesmente lamentar o número de vítimas. O
problema afeta a sociedade como um todo, portanto a insegurança é uma
questão social.
Belém é uma cidade da América Latina, de fortes contrastes econômicos
e sociais, apresentando grandes disparidades entre ricos e pobres, uma cidade
híbrida. Naturalmente, todos estes elementos constitutivos também se
traduzem na realidade das escolas da cidade.
69
3.2.1. Os dois maiores jornais impressos do Pará
Quanto à quarta regra, a da exterioridade: não passar do discurso
para o seu núcleo interior e escondido, para o âmago de um
pensamento ou de uma significação que se manifestariam nele; mas,
a partir do próprio discurso, de sua aparição e de sua regularidade,
passar às suas condições externas de possibilidades, àquilo que dá
lugar à serie aleatória desses acontecimentos e fixa suas fronteiras.
Michel Foucault
O jornal Diário do Pará foi fundado em 1982, pelo jornalista Laércio
Barbalho, pai de um dos políticos paraenses de maior destaque na mídia
nacional, Jáder Barbalho. Ex-governador, ex-deputado, atualmente senador
pelo estado Pará, Jáder responde a uma série de processos de corrupção, já
pediu afastamento do Senado pra não ser caçado e nas últimas eleições,
quando novamente foi eleito com senador, a princípio, foi impedido de tomar
posse, em função da Lei da Ficha Limpa, mas conseguiu reverter na Justiça
esta decisão.
Um dos principais objetivos deste jornal, na época de sua fundação era
levar para as ruas um periódico que desafiasse as dificuldades impostas pelo
regime militar existente na época e ajudar na primeira candidatura de Jáder
Barbalho ao governo. A primeira edição do jornal foi às ruas no dia 22 de
agosto de 1982 e surgia fazendo parte de um cenário político conturbado. A
eleição de Jader Barbalho naquela época para o governo do estado
representava a abertura política e surgia como uma reação contra a ditadura
militar.
Desde sua fundação, O Diário do Pará procurou atingir ao maior número
possível de eleitores. O preço mais barato que os outros jornais e a exploração
de cenas de violência são características deste jornal.
70
Em 2012, o Diário do Pará completa 28 anos e há 14 anos está sob o
comando de Jader Barbalho Filho. Ele ressalta que um dos maiores desafios
do jornal foi melhorar a relação com sua origem política e emplacá-lo como um
meio de comunicação pluralizado.
Não temos porque negar que três sócios do Diário são
políticos, mas não há mal em ter sócios políticos desde que
tenhamos a pluralidade como meta. O leitor não quer saber
quem é o dono se o produto final for bom, representando todas
as nuances da sociedade. Não adianta se gabar de não ter
político como sócio e vetar A, vetar B, vetar C e se comportar
de forma parcial, defendendo interesses políticos de grupos
partidários e de forma incondicional determinados governos.
(Diário do Pará, 2009)
“A pluralidade como meta” evoca uma neutralidade que contradiz a
história do jornal e, principalmente o apelo sensacionalista das manchetes que
tem por objetivo atingir o maior número possível de eleitores.
O jornal O Liberal, também nasceu de interesse políticos-eleitorais. O
periódico surgiu a partir da iniciativa do ex-militar do exército, Magalhães
Barata, outra grande referência da política local, que durante mais de 20 anos
foi a principal liderança política do estado. Criado em 1946 para dar uma
sustentação ao Partido Liberal (como era chamado o Partido Social
Democrático) e para apoiar a candidatura de Moura de Carvalho ao governo do
estado, o jornal foi criado para neutralizar com os ataques vindos do extinto
jornal Folha do Norte, que lhe fazia oposição.
Em 1966, o empresário Rômulo Maiorana comprou o periódico, que
promoveu grandes transformações na estrutura de O Liberal. Em seis anos nas
mãos dos novos proprietários, em plena Ditadura Militar, assume a posição de
71
jornal mais lido da região norte e passa a ser distribuído em todos os
municípios do estado e também no eixo Rio-São Paulo. Com os avanços
tecnológicos e a linha editorial mais avançada em relação aos demais jornais,
O Liberal transformou-se em um dos maiores jornais produzidos no Brasil.
Após a morte do empresário, em 1986, o jornal ficou sob o comando do filho
mais novo, Rômulo Maiorana Júnior.
Os dois jornais estão envolvidos com questões políticas, apesar de
terem sido criados em épocas diferentes e também serem voltados para
públicos diferentes. O Diário do Pará carrega um discurso popular e procura
atingir todas as classes sociais, meta que está sendo alcançada e em pouco
tempo se transformou no segundo jornal mais lido da região. No ano de 2000,
para deter o crescimento do Diário do Pará, as Organizações Rômulo Maiorana
- ORM criaram o Amazônia Jornal, com um formato diferente, que a princípio
se propunha a trabalhar com uma linguagem mais popular que O Liberal. Em
2007, no entanto, os dois jornais das ORM unificaram suas redações e
passaram a publicar matérias muito semelhantes.
Hoje, no estado do Pará, a oposição entre os grupos políticos
proprietários dos dois jornais de maior circulação é bastante evidente para a
população. Ao longo destes 20 anos de existência desta concorrência, em
muitas ocasiões, eles polarizaram as discussões e trocaram agressões em
suas editorias e suas reportagens. A disputa eleitoral desenfreada promovida
pelos dois jornais não interdita matérias sensacionalistas que possam alcançar
o maior número possível de leitores.
Na sociedade contemporânea, a mídia pode ser entendida como um
poderoso dispositivo de produção de identidades. As matérias veiculadas são
72
suportes de leitura que tem como efeito a produção de subjetividades à medida
que apresenta estilos de existência díspares. As páginas destes dois jornais
funcionam como um dispositivo de constituição de identidades.
Em sua tese de doutorado, em que analisa os sentidos do corpo nas
páginas impressas da revista Superinteressante, Niton Milanez (2006, p. 47)
afirma que a experiência da leitura de produtos da mídia “caracteriza uma
experiência da alteridade para os leitores na medida em que se inscrevem num
campo de saberes e códigos preestabelecidos que o atravessam e constituem
sua percepção da “realidade”“.
Segundo Pierre Bourdieu (1997, p. 22), importante sociólogo francês, a
mídia exerce uma forma particular de violência simbólica. Para este sociólogo,
cujas contribuições alcançam as mais variadas áreas do conhecimento
humano, inclusive educação, cultura e mídia, a violência simbólica é uma
violência que se realiza com a cumplicidade dos que a sofrem e dos que a
exercem, uma vez que nesse processo "uns e outros são inconscientes de
exercê-la ou de sofrê-la" Para Bourdieu (1997, p. 141), a guerra de audiência
e a busca insensata pelo furo jornalístico, submetidos à lógica comercial,
produzem "uma representação do mundo prenhe de uma filosofia da história
com sucessão absurda de desastres sobre os quais não se compreende nada
e sobre os quais não se pode nada". O autor considera que existe um
“comportamento cínico na imprensa” e que seu maior efeito se dá na falta de
interesse do público por uma moral. Os meios de comunicação, de modo geral,
colocam para o público determinados temas de seu interesse, como a questão
da violência. As pessoas têm grande parte da realidade social que lhes é
fornecida pela mídia, por empréstimo. A mídia posteriormente apresenta ao
73
público uma lista daquilo que elege como necessário para opinar, discutir e
comercializar.
A questão da violência é parte dessa lógica jornalística, constituindo o
foco privilegiado da mídia, tanto do ponto de vista do evento em si quanto dos
seus atores e das políticas públicas de contenção da criminalidade.
No próximo capítulo, analiso as matérias que estes dois jornais
veicularam, no dia 18 de junho de 2008, sobre a morte da estudante Soraya de
15 anos, na sala de aula de uma escola pública em Belém do Pará.
74
O mundo se tornou imagem e as imagens se tornaram
hoje, definitivamente, um ato de mostrar e, portanto, de
demonstração, que se organizam primeiro em torno
das imagens que se dão a ver. Dessa maneira,
constitui-se o cenário do espetáculo midiático, « uma
nova dimensão da realidade se lê através da
universalidade do espetáculo e o homem se faz
essencialmente olhar, em detrimento dos outros
sentidos. » (LE BRETON, 1985, p.203). Isso faz com
que a distância se instale como acontecimento, nesse
caso, infinitamente menos distanciado, fazendo da
imagem um choque ou um jamais-vu, possibilitando a
exploração do horror, nos limites extremos que o ‘ver’
pode proporcionar enquanto realidade dada em seu
aspecto bruto e sua brutalidade.
Nilton Milanez
75
Capítulo 4
A espetacularização da violência na escola em Belém do Pará
No dia 17 de junho de 2008, dentro de uma sala de aula da Escola
Estadual Renato Conduru, na cidade de Belém, as desavenças entre duas
estudantes culminaram com a morte da adolescente Soraya Marinho, de 15
anos. Eis aí um acontecimento que imediatamente se discursivisou na mídia
local e nacional.
É preciso renunciar a todos estes temas que têm por função
garantir a infinita continuidade do discurso e sua secreta
presença no jogo de uma ausência sempre reconduzida. É
preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso
em sua irrupção de acontecimentos, nessa pontualidade em
que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite ser
repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado, até nos
menores traços, escondido bem longe de todos os olhares, na
poeira dos livros. Não é preciso remeter o discurso à longínqua
presença de sua origem; é preciso tratá-lo no jogo de sua
instância. (FOUCAULT, 2000, p. 28)
Ao longo de toda esta dissertação, apresentei uma série de outros
acontecimentos relacionados à violência na escola e procurei mostrar como a
própria definição de violência oscilou de acordo com as transformações por que
foi passando a sociedade brasileira. Os acontecimentos que envolveram as
estudantes Soraya Barbosa Marinho e Edilene dos Santos Gonçalves na
escola estadual Renato Conduru fazem parte de um contexto maior
relacionado à violência na escola.
76
Retomando as definições de Charlot (2002, p. 434-435) de “violência na
escola”, a “violência à escola” e “violência da escola”, a partir deste
acontecimento, a repercussão na mídia e a posição do poder público, é
possível afirmar que os alunos, suas famílias e os professores envolvidos neste
tipo de situação estão expostos a estas três formas de violência.
A forma como os dois jornais de maior circulação na cidade divulgaram
este acontecimento, somada aos mais altos índices de assaltos e homicídios
registrados na área metropolitana de Belém, naquele ano, causou um “pânico
moral” na população paraense.
Jornal O Liberal, Caderno Polícia, 18.06.2012
O acontecimento
A estudante Soraya Barbosa Marinho, de 15 anos, foi assassinada ontem com duas
facadas dentro da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Renato Pinheiro
Conduru, localizada no bairro de Val-de-Cães, em Belém. A agressora é uma colega de
classe de Soraya. Edilene dos Santos Gonçalves, de 18 anos, foi encaminhada para a
Seccional Urbana da Sacramenta, onde foi autuada em flagrante pelo crime de homicídio
qualificado.
O crime ocorreu por volta das 16h30, dentro da sala 802 da escola. Soraya e Edilene
cursavam a 8ª Série, na turma 8R01. Há algum tempo, elas vinham discutindo por motivos
banais, segundo colegas de classe. Ontem, um alisante de cabelo teria sido o motivo de
mais uma briga que terminou em tragédia. Soraya foi atingida com dois golpes de faca de
cozinha (faquinha de serra), sendo que um dos golpes atingiu a área do pescoço.
O crime ocorreu no horário de aula, e foi o professor quem tentou socorrer a estudante,
mas não houve tempo. Familiares da vítima ficaram indignados e acreditam que o colégio
tenha culpa, já que Edilene saiu da escola no horário do recreio e retornou algum tempo
depois, com a faca. A acusada confessou que não se dava muito bem com Soraya.
Entretanto, ela disse à delegada Ana Rita Reis que não queria matar a adolescente. 'Ela
disse que ouvia uma voz dizendo ‘vai lá e mata’. Mas a intenção, segundo ela, era dar um
susto e fazer com que Soraya a respeitasse', relatou a delegada.
77
Neste capítulo, analiso como as folhas impressas destes dois jornais
materializaram com palavras e imagens esta tragédia. Não me preocupei em
analisar os mínimos detalhes estruturais dos jornais. Fixei meus olhos nas
fotografias e nos enunciados verbais que mostram como a espetacularização
do corpo da estudante Soraya funcionou como um dispositivo discursivo que
ajuda a forjar uma identidade para o aluno da escola pública na cidade de
Belém.
4.1. Nas páginas de O Liberal
Dividindo espaço com uma fotografia de um momento afetivo entre dois
famosos humoristas da televisão brasileira (Renato Aragão e Dedé Santana),
com uma referência ao Anuário do Pará, uma fotografia do então técnico da
seleção brasileira de futebol e bem ao lado da manchete “Alimentação
consome mais de um mínimo”, a capa do jornal O Liberal, de 18 de junho de
Jornal Diário do Pará – 18.06.2008 – Caderno Polícia
No intervalo da aula, Edilene foi até sua casa pegar um livro de Estudos Amazônicos e
acabou pegando uma pequena faca de serra e a enfiou na “jugular” da vítima. “Tava
com muita raiva, ela me ofendeu, estou muito arrependida, não queria fazer isso, ela
ficou gritando na sala que eu era puta e uma qualquer, fiquei com raiva”, defendeu-se.
As adolescentes estudavam juntas desde o inicio do ano na escola, que fica no meio de
um centro de tensão social (...) O professor Augusto, que estava na sala de aula no
momento do crime afirmou que iniciava a aula, quando percebeu Edilene já indo para
cima da Soraia. “Pensei que fosse algo nas costas, não vi que era uma faca, ainda
segurei a Edilene”, frisou.
78
2008 trouxe, aos leitores, a imagem de uma estudante, menor de idade, 15
anos, assassinada por uma colega de sala durante a aula em uma escola da
rede pública de ensino de Belém, Renato Pinheiro Conduru.
Em meio a estas imagens e textos que apresentam a crônica do
cotidiano, a morte da estudante ganha cores de naturalidade. Ao mesmo tempo
em que espetaculariza a violência, a mídia também a banaliza. Os efeitos de
sentidos produzidos por esta capa de jornal remontam a uma memória cada
vez mais institucionalizada sobre a violência na escola pública.
Devemos olhar essas materialidades como um nó em uma
rede, que faz da leitura um campo complexo de discursos, de
vidas passadas e contos que ainda estão por vir, num
entrecruzamento de tempo presente, passado e futuro. Mas
para que assim o seja, a obra não pode ser considerada como
uma unidade imediata nem como unidade certa ou
homogênea. (MILANEZ, 2006, p. 22)
Figura 1 – Capa completa do Jornal O Liberal 18/06/2008
79
A análise da imagem da capa do Jornal confere à adolescente Soraya,
de 15 anos, uma representação hostil. Mostrar um sujeito debruçado ao chão,
ensanguentado, trajando a farda da escola e umas listras (efeito de sombra)
que implicitamente remetem a presença ambígua das grades, que
supostamente representariam a preocupação com a segurança do espaço
escolar. Assim como também remete a um lugar inseguro, em que se faz
necessário a presença de grades. Alunos reféns da violência. Na manchete, há
muito mais uma intenção de sensacionalismo do que o estímulo ao debate e à
discussão.
A importância do acontecimento é revelada na reportagem com a
utilização do destaque na Capa, com fontes em tamanhos grandes e em
negrito “Estudante mata colega durante aula”. Realizando uma análise mais
detalhada, verifica-se que a palavra “durante” foi para marcar que o crime foi
realizado não somente nas dependências da escola, mas dentro de uma sala
de aula, com a presença de um professor.
A seleção dos acontecimentos, a seleção das palavras e até mesmo a
falta de interdição em relação ao corpo, que foi exposto à violência, aos
poucos, vão revelando a forma como o jornal situa o corpo de uma estudante
da escola pública, no mundo.
Na chamada da capa para a matéria completa, no caderno de polícia, há
mais um elemento que reforça este efeito de sentido pautado na banalidade da
violência na escola pública. No mesmo enunciado em que aparece a morte de
Soraya, há também chamada para uma situação de tortura numa penitenciária
no município de Bragança. É como se fossem dois acontecimentos da mesma
ordem, embora um tenha acontecido na escola, supostamente um lugar de
80
educação e outro na penitenciária, espaço de punição, para onde vão os
criminosos.
Ainda nesta chamada, há outra informação que merece destaque, a
suposta causa do crime, “um alisante de cabelo motivou a nova briga”. Para
aquele tipo de leitor que se limita em ler apenas a capa do jornal, tudo estaria
explicado e as razões seriam internas. O crime foi cometido por um
desentendimento entre duas alunas de escola pública, portanto, “pessoas
violentas”, capazes de se agredir por um alisante de cabelo. A falta de
infraestrutura da escola e a omissão do Estado não participariam das tensões
que culminaram com esta tragédia.
Na matéria do caderno de polícia, a fala do comandante da polícia
reafirma a identidade dos estudantes das escolas públicas, quando aceita a
existência de “escolas violentas”. Trata-se, portanto, de uma identidade
institucionalizada, que não está restrita à mídia, embora os enunciados dos
jornais muita antes de questionar a naturalidade da situação, reforcem este
discurso.
Chamada da capa de O Liberal de 18/06/2008. As duas já não se davam bem há tempos, dizem alunos da Escola Estadual
Renato Pinheiro Cunduru. Ontem, um alisante de cabelo motivou nova briga.
Soraya foi atingida com uma faca de cozinha. Em Bragança, há tortura na cadeia,
denuncia promotora.
(Caderno de Polícia 1,2 e 4.)
81
No texto, não há qualquer referência ao significativo número de escolas
violentas, 60. A possível estranheza desta informação reside no fato da escola
Renato Conduru não figurar nesta relação. Para Foucault (2004, p. 17-19):
Ora, essa vontade de verdade, como os outros sistemas de
exclusão, apóia-se sobre um suporte institucional: é ao mesmo
tempo reforçada e reconduzida por todo um compacto conjunto
de práticas como a pedagogia, é claro, como sistemas dos
livros, da edição, das bibliotecas, como as sociedades de
sábios outrora, os laboratórios de hoje. Mas ela é também
reconduzida, mais profundamente, sem dúvida, pelo modo
como o saber é aplicado em uma sociedade, como é
valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído.
Nas reportagens da página 03, do Jornal O Liberal do dia 18 de junho
apresenta-se o título “Assassina diz que não era respeitada”, como pode ser
observado na manchete abaixo. O título é expansivo. Usa-se a palavra
“assassina” ao invés de “suspeita” ou “acusada”, já que Edilene ainda não teria
sido julgada para ser considerada, de fato, assassina.
Escolas Violentas
O comandante da Companhia Independente de Policiamento Escolar (Cipoe) da Polícia
Militar, major Janderson Viana, disse ontem que não havia policiamento na Escola Renato
Conduru no momento em que ocorreu o assassinato da jovem Soraya Barbosa Marinho,
de 15 anos. De acordo com ele, a escola não consta da lista de escolas violentas (60)
que o órgão atende.
(Jornal O Liberal, Caderno Polícia, 18.06.2012)
82
De que lugar fala este jornal que aceita com naturalidade uma relação
com 60 escolas consideradas violentas e estampa uma manchete chamando
uma estudante de assassina? Ao invés de aparecerem enunciados que
questionem a relação de 60 escolas, o que aparece são argumentos que
procuram responsabilizar apenas os alunos pela questão da violência. Como já
dito, no primeiro capítulo, são estes conjuntos de enunciados que compõe um
discurso (FOUCAULT, 2000).
4.2. Nas páginas do Diário do Pará
De acordo com Danilo Angrimi (1994, p. 16) em seu livro “Espreme que
sai sangue: Um estudo do sensacionalismo na imprensa” onde retrata como
jornais sensacionalistas fazem para conseguir o maior número de vendas, a
“manchete deve provocar comoção, chocar, despertar a carga pulsional dos
Figura 02 - Página 03/ Jornal O Liberal
83
leitores”. Percebe-se que as notícias violentas, geralmente oriundas dos
cadernos de polícia são as que mais fitam o leitor. Observemos a capa do
Diário Polícia do Jornal Diário do Pará e a capa do Jornal O Liberal, ambos do
dia 18 de junho de 2008:
A manchete em caixa alta e negrito Estudante mata colega durante
aula, assim como acontece no primeiro jornal, não esboça qualquer
preocupação ética em expor as duas estudantes. A imagem, sem créditos do
fotógrafo, valoriza o uniforme da escola. Se Edilene estudasse em uma escola
particular, anunciante do jornal, seria que sua imagem seria exposta com o
uniforme da escola, na capa do jornal?
Como já foi dito no capítulo anterior, este jornal é de propriedade da
família do senador Jáder Barbalho. Se, neste momento, ele fosse o governador
Figura 03 - Capa do Diário do Pará,18/06/2008
84
do estado, será que o uniforme da escola pública seria interditado na capa, ou
a identidade destes alunos não afeta quem está à frente nem do governo
estadual?
O corpo, nos dois jornais em análise, considerado como texto, apresenta
uma série de significações e pode ser lido também a fim de que se tenha maior
conhecimento das características de determinada situação, pois, a partir da
alteração das relações sociais, as representações dos corpos também são
alteradas.
A capa também mostra a faca, objeto do crime utilizado pela estudante
Edilene contra a estudante Soraia Marinho. No título “Estudante mata colega
em sala de aula”, no jornal Diário do Pará não deixa explícito se há ou não a
presença do professor. A manchete apenas afirma que uma estudante matou
outra colega em uma sala de aula.
Na chamada da capa para a matéria do caderno de polícia, aparece uma
referência ao motivo do crime, que não fala no “alisante de cabelo”, mas a
forma como será descrito este acontecimento no caderno de polícia ganha uma
conotação que é bem mais sensacionalista do que a relação que o primeiro
jornal faz das razões da estudante Soraya.
Os cadernos policiais noticiam a violência sim, mas fazem isso com
estardalhaço, com sensacionalismo. Os jornais não se limitam a noticiar o que
Chamada da capa do Diário Polícia do Diário do Pará de 18/06/2008.
Soraia foi morta com duas facadas no pescoço no início de uma aula. A
assassina, uma colega de classe, matou porque a vítima teria zombado dela.
O crime revoltou o bairro de Val-de-Cans.
Páginas 6 e 7.
85
está acontecendo com o cuidado na apuração das informações. A notícia da
tragédia ocorrida na escola estadual Renato Conduru fala por si só. A notícia é
chocante e forte em sua essência. Não é necessário realçar tanto isso com
exposição de imagens sensacionalistas.
O Caderno de Polícia é o carro chefe deste periódico. No município de
Ananindeua, Grande Belém, este encarte do jornal, com uma linguagem muito
sensacionalista, é vendido à parte. Não se deve, no entanto, supor que esta
violência é consumida apenas pela população
mais pobre da cidade, pois o jornal é lido pelos
mais diferentes segmento da população.
A capa do Caderno de Polícia de 18 de
junho de 2008 (Figura 04) expõe o corpo
ensanguentado da estudante Soraya Barbosa
Marinho. Corpos ensanguentados são
recorrentes nas capas deste encarte e mesmo
que se trate de uma adolescente de 15 anos, dentro de uma sala de aula, não
existe qualquer interdição por parte dos editores do jornal. Muito pelo contrário,
a espetacularização da morte ganha mais audiência em meio a este contexto
escolar.
Esta imagem da estudante, que esteve presente nos dois jornais, retoma
uma memória discursiva que vai além da violência na escola. De forma geral, o
sangue estampada nos cadernos de polícia, retomam imagens de guerra. O
mais grave é que tão recorrentes na mídia, cenas como estas, de extrema
violência, são recebidas já com naturalidade por grande parte da população.
Figura 04 - Capa do caderno de polícia do Diário do Pará
86
Nas páginas do caderno de polícia não se deve o jornal interessar-se
somente atender a morbidez do leitor por sangue e tragédia, o que impulsiona
o jornal a sua comercialização. O noticiário policial deveria ter compromissos
éticos. Se fosse uma estudante de classe média alta, será que o editor exporia
seu corpo desta forma?
As fontes da reportagem do dia 18 de junho de 2008 do Caderno Diário
Polícia do Jornal Diário do Pará foram especificamente: o colega de turma,
Edilene Gonçalves, Breno Oliveira, a diretora, funcionários da escola, o
professor Augusto e a adolescente Adma Drielly, amiga da vítima. Este jornal
faz a auscultação de testemunhas do acontecimento, com os colegas de classe
e o professor que estavam presentes na sala de aula, conforme trechos do
jornal:
Outro agravante a ser percebido, na reportagem do Jornal Diário do
Pará, são adjetivos depreciativos como “puta” e “uma qualquer”, impressos na
reportagem, demonstrando uma postura mais agressiva e exagerada que o
primeiro jornal. O uso excessivo destes adjetivos funciona como uma
O colega de turma, Breno Oliveira, disse que a vítima era uma pessoa calma e tranqüila,
que a assassina sempre a provocava e já tinha discutido duas vezes com Soraia. “Nós
estávamos terminando o segundo horário de aula, para ir ao intervalo, quando Edilene
falou para Soraia que ia comprar um alisante para o cabelo da vítima, mas a Soraia nem
respondeu, depois saímos para o intervalo, quando voltamos, a Edilene golpeou minha
amiga que morreu na hora”, contou.
No intervalo da aula, Edilene foi até sua casa pegar um livro de Estudos Amazônicos e
acabou pegando uma pequena faca de serra e a enfiou na “jugular” da vítima. “Tava com
muita raiva, ela me ofendeu, estou muito arrependia, não queria fazer isso, ela ficou
gritando na sala que eu era puta e uma qualquer, fiquei com raiva”, defendeu-se.
(Jornal Diário do Pará – 18.06.2008 – Caderno Polícia)
87
significativa estratégia para construir estereótipos, que reforçam a identidade
violenta destes alunos. Este estereótipos, de certa forma, justifica o tratamento
que a mídia lhes dá, como são violentos, não “merecem” ser poupados das
manchetes sensacionalistas.
Os relatos dos alunos que conheciam as duas alunas, a família de
Soraya, a diretora da escola e o comandante da polícia responsável pela
segurança nas escolas corroboram com este funcionamento dos jornais.
Segundo Gregolin (2007 p.17-18):
Os discursos veiculados pela mídia, baseados em técnicas
como a confissão (reportagens, entrevistas, depoimentos,
cartas, relatórios, descrições pedagógicas, pesquisas de
mercado), operam um jogo no qual se constituem identidades
baseadas na regulamentação de saberes sobre o uso que as
pessoas devem fazer de seu corpo, de sua alma, de sua vida.
Apesar dos dois jornais estabelecerem uma relação de proximidade
entre as histórias contadas aos seus leitores, tais artifícios colaboram com a
estigmatização dos alunos da escola pública, caracterizados como violentos,
agressivos, com um vocabulário “pobre”.
O Diário do Pará de 18 de
junho de 2008 estampou também na
página 06 as imagens da revolta
popular que sucedeu durante a
aparição da agressora Edilene
escoltada pela Polícia com o rosto
coberto por uma túnica branca
durante a saída da escola para a Delegacia (Figura 05). Alunos e funcionários
Figura 05 - A saída de Edilene da escola/ Diário do Pará
88
aproveitaram a repercussão e a revolta por conta do crime para realizar outras
denúncias. Assim como em “O Liberal” alunos e funcionários reclamaram
principalmente sobre as condições físicas da escola, o policiamento escolar e o
policiamento da área, onde é comum acontecerem assaltos.
Esta imagem (Figura 05) retoma uma cena bastante recorrente, quando
bandidos, em sua maioria pessoas pobres, são capturados pela polícia. A
estudante se preocupa em esconder o rosto.
4.3. Ligando memórias
Esta ordem, que expõe a violência dos alunos da escola pública faz
parte de uma teia de sentidos. A mídia impressa denuncia ou reforça os estes
discursos? A maioria dos jornais noticia a violência nas escolas, apenas
quando acontecem as tragédias, sem a preocupação em fazer matérias de
alerta, de prevenção, de orientação para que essa violência não aconteça.
No período em que fui bolsista no Observatório da Violência da Escola,
na Unama, os pesquisadores só eram chamados pela imprensa, quando
acontecia alguma situação trágica. O cotidiano das atividades do Observatório
não estava presente na mídia com a intenção de prevenção e as próprias
escolas, especialmente as particulares, resitiam muito às pesquisa que
investigam a violência no ambiente escolar.
Os casos de violência nas escolas são retratados de forma isolada, sem
levar em conta o histórico político e social dos alunos e professores, assim
como as condições em que a escola os abriga.
89
No primeiro capítulo, quando retomei a fala de alunos entrevistados pelo
projeto Observatório, um acontecimento chamou bastante atenção. Numa
situação de desentendimento, depois de um jogo, as alunas ficaram na
eminência de um conflito, que poderia ter culminado também em tragédia. Da
mesma forma como o jornal enuncia a morte com duas facadas, as meninas
daquela escola falavam na possibilidade de serem “furadas” pelas adversárias,
que também eram alunas de escolas públicas.
Em momentos diferentes, com desfechos absolutamente diversos, tanto
nos enunciados dos jornais, como nas falas das alunas podemos observar o
funcionamento de práticas discursivas que se movimentam a partir da
aceitação de que os alunos das escolas públicas são violentos e que seus
corpos estão expostos aos atos de violência. A ameaça das alunas e a morte
de Soraya são acontecimentos que acionam uma memória discursiva, isto é,
eles se repetem e se dispersam em suas irrupções. Guardam suas
regularidades, mas são “nós em uma rede” discursiva.
A densidade histórica em que estes acontecimentos estão envolvidos
remete à condição da escola pública no Brasil de hoje. A aceitação desta
impossibilidade de administração destas escolas em relação à violência se
materializa nas folhas impressas e nas falas dos envolvidos nestes
acontecimentos. Não há interdição em falar sobre este corpo sujeito à
violência, nem de mostrá-lo ensanguentado.
A cultura da mídia também fornece o material com que muitas pessoas constroem o seu senso de classe, de etnia e raça, de nacionalidade, de sexualidade, de “nós” e “eles”. Ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e os valores mais profundos. Define o que é considerado bom ou mal, positivo ou
90
negativo, moral ou imoral. As narrativas pela mídia fornecem os mitos, os símbolos, os recursos que ajudam a construir uma cultura comum para a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporâneas produzindo uma nova cultura global. (KELLNER, 2001, p. 09)
Em relação às razões que levaram a estudante Edilene a cometer o
crime, nos dois jornais falam que Soraya a provoca constantemente, durante as
aulas. O que, novamente nos levar a atribuir ao bullyng a responsabilidade pelo
acontecido. No capítulo dois, procurei mostrar como esta “violência simbólica”
atravessa uma série de tragédias em ambientes escolares. Com este
acontecimento na escola pública Renato Conduru não é diferente. Mais uma
vez, podemos observar que as causas se restringem a aspectos internos dos
próprios estudantes e a sociedade não é convidada a se interrogar sobre suas
estruturas, nem a rever a importância da escola pública, que abriga 85% dos
estudantes brasileiros.
Ainda no início do primeiro capítulo desta dissertação, um acontecimento
envolvendo práticas de homofobia, numa escola do Rio Grande do Sul, teve
como desfecho principal, a transferência do aluno agredido para a rede
particular de ensino. Diante da morte de Soraya, a fala da mãe de uma aluna
da escola Renato Conduru retoma este discurso:
91
A presença da imprensa abre um espaço para que a comunidade faça
denúncias sobre as condições da escola. Mas, assim como aconteceu no Rio
Grande do Sul, ainda que os atos de violência tenham chegado até a mídia, há
um total descrédito em relação à escola pública e até mesmo com a denúncia.
Em suas análises sobre a administração das identidades pela mídia,
afirma Gregolin (2007, p.17-18):
Esses modelos de identidades são socialmente úteis, pois
estabelecem paradigmas, estereótipos, maneiras de agir e
pensar que simbolicamente inserem o sujeito na “comunidade
imaginada”. A sofisticação técnica produz uma verdadeira
saturação identitária pela circulação incessante de imagens
que têm o objetivo de generalizar os modelos. A profusão
dessas imagens age como um dispositivo de etiquetagem e de
disciplinamento do corpo social.
A repercussão na comunidade
Alunos e funcionários da escola aproveitaram o assassinato de Soraya para fazer muitas
denúncias. Uma estudante afirmou que a escola tem muitos alunos envolvidos em
confusão. ‘Aqui no colégio tem briga quase todos os dias, como gangues que não podem se
encontrar. E a diretoria nunca faz nada’, disse a estudante, que preferiu não se identificar.
Segundo ela, a escola está em péssimas condições. ‘A água é muito suja, já vimos até
cobra no banheiro’, denunciou.
Mães de alunos foram para frente da escola e reclamaram também da violência da área.
‘Praticamente todos os dias alunos são assaltados nesta área escolar, que tem três
colégios. É um absurdo. Quando nossos filhos saem para a aula, nós ficamos rezando em
casa, pedindo que nada de mal aconteça’, disse Maria de Nazaré Freitas, mãe de dois
alunos do colégio Renato Pinheiro Conduru.
Chorando, a mãe de outra aluna disse que irá trocar a filha de escola. ‘Já sofremos com
esta violência da rua, e agora ainda acontece um crime dentro da sala de aula. Não
sei mais onde podemos estar seguros, pois no local onde é dada a educação, alguém
é assassinado. Vou mudar de bairro e tirar minha filha dessa escola’, disse uma mãe.
(Jornal O Liberal, Caderno Polícia, 18.06.2012)
92
O Estado não se pronuncia, nem com promessas de que a situação,
pelo menos naquela escola em que aconteceu a violência, vai mudar. As
autoridades se comprometem apenas em apurar os fatos e punir Edilena, a
aluna agressora. Os pais, por sua vez, não cobram uma atitude do poder
público, assumem a responsabilidade pela situação e resolvem mudar seus
filhos de escola. São situações diferentes, com direcionamentos muito
semelhantes.
4. 4. Docilização, ou o controle às avessas?
Em Vigiar e Punir (2009), Michel Foucault faz uma dura crítica às
escolas francesas autoritárias, analisando aquilo que ele chama de “docilização
dos corpos”. Regras muito austeras e, por vezes, extremamente autoritárias,
fizeram parte do cotidiano escolar por muitos séculos, tanto na Europa, como
no Brasil. Os mecanismos de controle eram bastante opressores e os de
punição extremamente violentos, que iam desde violência verbal, até os
castigos físicos.
Foucault chamava as escolas — assim como os hospitais, as prisões, os
asilos e as fábricas — de “instituições de seqüestro” (Foucault, 2009, p.114).
Para ele, as escolas tinham como finalidade não excluir, mas, ao contrário, fixar
os indivíduos em um grupo, e tinham como prioridade implicar o controle e a
responsabilidade sobre a totalidade ou a quase totalidade do tempo dos
indivíduos. As indústrias os ligavam, por exemplo, a um aparelho de produção
e a escola a um aparelho de transmissão do saber. Essas instituições tinham
basicamente três funções: a primeira era fixar os indivíduos em um aparelho de
93
normalização dos homens; a segunda, controlar os corpos desses indivíduos,
transformando-os em força de trabalho; e a terceira função consistia na
produção de um poder que mantivesse a ordem social.
Com relação à questão do controle disciplinar desempenhado nas
escolas, Foucault (2009, p. 121-127) apresenta a arte das distribuições para o
controle disciplinar, demonstrando como diferentes técnicas eram, em épocas
passadas, utilizadas também na escola para vigiar e punir os alunos:
A primeira técnica é a da cerca, na qual a idéia do
enclausuramento de si próprio, dentro de uma organização
física, demonstrava a disciplina da instituição; uma outra arte
de controle era a da localização imediata, com cada indivíduo
em seu lugar e, em cada lugar, um indivíduo; para finalizar a
questão do controle, cito a organização seqüencial das
carteiras nas salas de aula. Essa organização fez com que o
espaço escolar funcionasse como uma máquina de ensinar e
também de vigiar, de hierarquizar e de recompensar.
Baseados nestas críticas de Foucault (2009), uma série de trabalhos na
educação seguiram criticando sistemas educacionais repressores, que não
permitiam a criatividade de professores e alunos. O que se observa hoje, no
entanto, é que em algumas situações, parece que a escola migrou para o lado
oposto deste cenário. Há, hoje, uma outra ordem do discurso.
A situação exposta pelo jornal O Liberal deixa ver que, se por um lado a
escola não impôs regras de condutas rígidas que impedissem o ato de
violência entre as alunas, por outro, não tem suas próprias estratégias para
estabelecer uma estrutura mínima de convivência em seu espaço. Não há um
cerceamento austero da conduta dos alunos, nem tampouco normas flexíveis.
94
Considerações Finais
Nas duas últimas décadas, os índices de violência em ambientes
escolares aumentaram significativamente. Nos jornais de maior circulação no
estado do Pará, não é difícil encontrar notícias sobre alunos que praticaram
atos de violência e, nestas matérias, há uma recorrência de conflitos em
escolas públicas, o que levaria equivocadamente a acreditar que a violência é
uma característica das escolas voltadas à população mais pobre.
O fenômeno da violência, no entanto, como as pesquisas já
exaustivamente demonstraram, não é restrito a nenhuma classe social e atinge
a sociedade como um todo. Conhecer os manejos desses conflitos é um
desafio pedagógico que vai além da dimensão ensino-aprendizagem. Lidar
com conflitos no espaço escolar deveria compor as competências e habilidades
na formação de gestores e professores.
É urgente o redimensionamento de uma política de formação de
docentes e gestores, e na qualificação de ações sócio-pedagógicas do espaço
escolar. Todos estes atores, que compõem o universo escolar, deveriam ter
uma estrutura propícia para poderem desenvolver estas competências e
habilidades.
As matérias sensacionalistas, que, sem nenhum pudor, exploram a
violência impressa nos corpos de alunos das escolas públicas, reforçam o
discurso de que a escola pública e seus alunos são violentos. Segundo a
linguista Simone Hashiguti (2008, p. 71):
O corpo, em sua visibilidade, posiciona discursivamente o
sujeito, sobrederminando seu dizer, direcionando os sentidos e
determinando as formas de relação inter-pessoal.
95
Compreendido como espessura material significante, “o corpo
é a forma, o espaço e o texto nos quais o sujeito se simboliza,
se representa e é representado, é a linguagem em toda sua
força constitutiva no sujeito”, em seus aspectos de opacidade,
de contradição, de equivocidade.
A exposição do corpo está cada vez mais em cena no espetáculo
midiático da sociedade atual. Não há como adivinhar limites para o corpo que
encena com destaque e provoca perplexidade no pensamento atual. A
associação entre a produção de imagens corporais pela mídia e a percepção
dos corpos/construção de autoimagem, por parte dos sujeitos, é imediata.
Nenhuma outra sociedade na história produziu e disseminou tal volume de
imagens do corpo humano através da mídia como a nossa. Analisar o sentido
que o discurso sobre o corpo adquire na sociedade contemporânea requer,
cada vez mais, um olhar atento sobre as interpelações a respeito do
sensacionalismo ao consumo midiático.
Diante das matérias divulgadas pelos dois jornais sobre a morte de
Soraia, procurei estabelecer os enunciados que compunham um sistema para
separar agrupamentos e elementos que serão tratados como uma unidade
para a construção de significações a partir dos corpos impressos em folhas de
jornais impressos.
Não me propus a realizar um estudo da história da produção editorial
dos dois jornais, não objetivei compará-la com outros jornais do mesmo ou
diferentes gêneros, nem procurei fazer uma investigação mais detalhada no
Portal ORM, a que está associado o jornal O Liberal, nem ao Diário online. Não
intencionava fazer um levantamento exaustivo da história dos dois jornais. Meu
96
objetivo era observar como eles ajudavam a reafirmar uma identidade de
sujeitos violentos para os alunos das escolas públicas da cidade de Belém.
Eu me voltei para uma prática de uma leitura que constitui a história de
lutas atuais que rondam em torno de uma questão fundamental a este tipo de
pesquisa: Quem é este sujeito que pratica atos violentos dentro do ambiente
escolar. Portanto, meu objetivo foi investigar as estratégias discursivas que
constitui esse “sujeito violento” que nos aparece, sem nenhum pudor, com seu
corpo exposto, de forma tão evidente nos discursos da mídia.
É notório em Belém que, em termos gerais, há uma variação de
intensidade do sensacionalismo nos jornais analisados acerca da matéria em
questão. Dessa forma, esses jornais demonstram, por um lado, postura mais
agressiva e exagerada, e, por outro, repetem fórmulas consagradas por outros
jornais referências em sensacionalismo na medida em que se dispõem a
estampar imagens carregadas de sangue.
O palco da tragédia entre Soraia e Edilene aconteceu dentro da sala de
aula, um lugar onde se busca conhecimento, esperança. Uma ação rápida. Um
professor em sala de aula que somente depois de alguns minutos entendeu o
que estava acontecendo, conseguiu separar as alunas.
Os dois jornais analisados constroem uma imagem muito negativa da
estudante Edilene. Não se falou somente em furadas, falou-se em rixas,
desavenças. Será que o crime foi premeditado? Ela foi a sua casa, com a
desculpa de pegar um livro e retornou com uma faca, aparentemente indefesa,
que só serviria para cortar um pão, como foi mencionado pelos jornais.
Entre o caminho da casa e o retono da escola o ela teria pensado? Em
matar, humilhar e mostrar para todos os seus colegas de classe do que era
97
capaz, em se vingar de Soraya por conta de uma rixa antiga, da vida que
levava, da situação em que se encontrava? Mas qual era esta situação?
Alguém se interessou em saber as condições psicológicas dela, ou as
condições econômicas em que vivia? São muitas perguntas. As respostas
dadas pela mídia impressa local, através dos dois jornais analisados, ficam
restritas a aspectos internos da situação.
O crime aconteceu. Soraya foi morta de forma cruel e sem direito à
defesa e dezenas de testemunhas presenciaram sua morte, seu desespero. O
jornal O liberal do dia 18 de junho informa que segundo a tia de Soraia,
Rosilene, a mãe já havia participado a escola do problema entre as duas. Será
que se Soraya tivesse mudado de turno estaria viva? Quem responderá por
essa omissão?
E Edilene? Sua vida também terminou? Acredito ser pouco provável
uma recuperação em uma penitenciária, de onde todos os dias os jornais
estampam em suas manchetes detentos querendo fugir, reivindicando
melhores condições e tratamento digno de seres humanos.
Edilene, como sabemos, não terá um tratamento adequado, educação,
saúde. Talvez não tivesse isso de forma eficiente nem fora do presídio. Na
penitenciária, viverá outra realidade, onde as presas fazem suas próprias
regras. Irá conviver com assassinas que têm vários crimes, com extensas
fichas, com mulheres que estão presas por roubo, por tráfico, por aliciamento,
que não são primárias.
É importante observar que os veículos de comunicação colocaram em
circulação informações não comprovadas, mas que levavam a acreditar que a
98
menina que cometeu o crime e a escola eram “perigosas”. Segundo o Jornal O
Liberal de 18 de junho de 2008:
Segundo informações apuradas pela reportagem e ainda não
confirmadas, Edilene (a aluna agressora) já teve passagens
pela polícia quando era menor de idade. Também surgiu a
informação que há traficantes na família da acusada, mas isto
ainda não foi confirmado.
Na penitenciária, Edilene viverá outra realidade. Uma realidade onde
presas fazem suas próprias regras. Irá conviver com assassinas que têm vários
crimes, com extensas fichas, com mulheres que estão presas por roubo, por
tráfico, por aliciamento. A aluna era uma ré primária, apesar do jornal O Liberal
também ter veiculado “segundo informações apuradas pela reportagem e ainda
não confirmadas” que Edilene teria passagem pela polícia.
A conclusão desta situação é que a escola embora até soubesse da
situação entre as duas alunas, não agiu, não estabeleceu medidas disciplinares
que coibissem este tipo de atitude. Esta ineficiência da escola, que pode ser
explicada por muitas razões, que vão do salário do professor, passando pelo
número insuficiente de orientadores escolares, pela precária infraestrutura, e
principalmente, pela aceitação social desta condição de espaço violento.
No ambiente escolar, local onde, supostamente, os alunos deveriam
desenvolver a sua autonomia, senso critico e liberdade de expressão, isto não
acontece. Muitas vezes, a escola torna-se um espaço limitado, padronizado por
um certo processo de desenvolvimento, que acaba transformando-a em uma
instituição apenas reprodutora das desigualdades sociais do país.
99
Como será que Edilene está sobrevivendo dentro da penitenciária? Será
que terá uma nova chance um dia ou durante esses anos que já se passaram
está alimentada somente pela violência estampado nas matérias dos jornais
em referência no dia 18 de junho de 2011? E a família de Edilene e Soraia?
Como sobreviveram à perda das filhas? Edilene saiu do “quase nada” para
entrar em lugar que não terá nada. Soraia se foi, ficou apenas a imagem de
uma querida aluna, de uma filha, de uma mulher que perdeu sua vida, de forma
covarde, cruel e sem direito à defesa.
Socialmente, os alunos de escola pública passam a carregar sentidos
bastante negativos e já começam a ser aceitos como “violentos”. É, sem
dúvida, um grande desafio para a escola pública conseguir administrar esta
situação, que por vezes, ela mesma acaba reforçando, quando não consegue
evitar as situações de violência, nem tampouco proteger seus alunos da
exposição impiedosa da mídia.
Segundo a socióloga Maria Cecília de Souza Minayo (1999), dados da
pesquisa Juventude, Violência e Cidadania no município do Rio de Janeiro
mostram que, na opinião dos jovens de 14 a 20 anos, a mídia distorce as
informações sobre violência, ora exagerando, ora omitindo determinados
aspectos essenciais para a compreensão do evento em si. A maioria desses
jovens considera que a mídia mostra somente o que acontece nas favelas e
periferias da cidade, reforçando a discriminação e exclusão vivenciadas pelos
moradores dessas comunidades
A mídia expõe diversos casos de violência nas escolas. Em geral, a
cobertura da mídia, sobre violência na escola, tem foco principalmente nas
escolas públicas e cria uma fantasia em relação às escolas privadas. Este
100
silenciamento fabrica uma ficção, pois leva a supor que a violência não existe
nas escolas particulares que abrigam alunos de classes sociais mais
privilegiadas. Entretanto, imaginar a violência como decorrente apenas das
classes sociais mais baixas significa uma grande incoerência, já que,
infelizmente, hoje a violência está presente em todos os segmentos e camadas
da sociedade, seja em escolas públicas ou particulares, seja entre pobres ou
ricos.
Existe um discurso já construído e constituído, e a mídia tem um papel
fundamental nisso, de que a violência é coisa de pobre, de negro, de favelado,
de escolas de periferia e públicas. Não é. A violência é um fenômeno que
atravessa todas as classes sociais de modo indistinto. Se uma escola está
inserida em uma região de risco social, não necessariamente ela é violenta
A responsabilidade da mídia não se restringe somente à veiculação de
fatos que incidem numa mudança de percepção da realidade. A mídia relata os
fatos, mas não contribui com soluções, porque está distanciada da realidade,
comprometida com uma "pauta velha" que se dedica a competir com outros
veículos.
101
Referências
ANDRADE, A. P. M.: A Percepção Docente sobre a Violência na Escola e a Educação Ambiental como possibilidade para sua superação. 2001. 122 p. Dissertação Mestrado – Fundação Universidade Federal de Rio Grande, Rio Grande.
ANGRIMANI, Danilo. Espreme que sai sangue - um estudo do sensacionalismo na imprensa, São Paulo, Summus, 1994. ARAÚJO. Jorge Wilson Pinheiro de. A Cartografia de Homicídios na Cidade de Belém: Bairros do Guamá, Terra Firme e Universitário. 2008. Disponível em <http://www.segurancacidada.org.br/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=71&limit=10&limitstart=0&order=hits&dir=ASC&Itemid=293>, acessado em 03 fev. 2011.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA MULTIPROFISSIONAL DE PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À ADOLESCÊNCIA - ABRAPIA. Tipos de violência. Rio de Janeiro: ABRAPIA, 2005.
BOURDIEU, P. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
CASTRO, Leonardo. Governo de Magalhães Barata no Pará (1930-1950) Disponível em <http://parahistorico.blogspot.com.br/2009/02/governo-de-magalhaes-barata-no-
para.html>, acessado em 15/12/2011 às 17h.
CHALITA, Gabriel. Pedagogia da amizade – Bullying: o sofrimento das vítimas e dos agressores. São Paulo: Gente, 2008. CHARLOT, Bernard. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Tradução de Sônia Taborda. Sociologias, Porto Alegre, ano 4, nº 8, jul/dez. 2002, p 432-443. CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 7. ed. São Paulo: Ática, 2000. _____________. Uma ideologia perversa. Folha de S. Paulo, Caderno Mais, 14 mar. 1999. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. Associação Paulista de Medicina. Sindicatos Médicos. A epidemia da violência. São Paulo, 1998. COURTINE, J.J. Analyse du Discurs Politique. Languages 62, 1981.
102
CUNHA. Marcos André Dantas da. TÃO LONGE, TÃO PERTO: As identidades paraenses construídas no discurso do jornal Folha de S.Paulo. Tese de Doutorado. Araraquara. São Paulo. 2011. DIÁRIO DO PARÁ, Jornal. DIÁRIO: liderança alcançada com muito trabalho. 2009. Disponível em <http://diariodopara.diarioonline.com.br/impressao.php?idnot=57567>, acessado em 08 mar. 2011.
FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: Como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. 2005.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2009.
_______________. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 2006; 2007. _______________. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola. 2004. _______________. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz F. B. Neves. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. 2. ed. São Carlos: Claraluz, 2005. FERRARI, Márcio; COSTA, Cynthia. Violência é assunto da escola, sim!. Revista Educar para crescer. Editora Abril. Disponível em: < http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/violencia-nas-escolas-426392.shtml>. Acesso em: 22 nov.2009
G1. Atirador entra em escola em Realengo, mata alunos e se suicida – notícias em tragédia em Realengo. Disponível em <http://g1.globo.com/Tragedia-em-Realengo/noticia/2011/04/atirador-entra-em-escola-em-realengo-mata-alunos-e-se-suicida.html> Acesso em: novembro de 2011
GREGOLIN, Maria do Rosário V. Análise do discurso e mídia: a (re)produção de identidades. Revista Comunicação, mídia e consumo. Vol. 4. São Paulo. 2007. Disponível em <http://revistacmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/viewFile/117/118 - pag. 15>. Acesso em 16 out. 2011.
103
_________________________. Discurso, história e a produção de identidades na mídia. XIX ENANPOLL. UNESP, Araraquara, SP. 2004. Disponível em < www.geocities.ws/gt_ad/mariadorosariogregolin.doc> _________________________. Olhares oblíquos sobre o sentido no discurso. In: GREGOLIN, M. R & BARONAS, R. Análise do discurso: as materialidades do sentido. São Paulo, SP: Claraluz. 2003.
_________________________. Análise do discurso: lugar de enfrentamentos teóricos. In: TEORIAS LINGUÍSTICAS: problemáticas contemporâneas. Uberlândia, MG: EDUFU, 2003. HASHIGUTI, Simone. Corpo de Memória. Tese de Doutorado. Campinas: Unicamp, 2008.
HOUAISS, Antonio e VILLAR, Mauro dos Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda, 2001.
IBGE. Síntese de Indicadores 2009. 2009. Disponível em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2009/>
KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru: EDUSC, 2001.454p. MAINGUENEAU, Dominique. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. MILANEZ. Nilton, A. AS AVENTURAS DO CORPO dos modos de subjetivação às memórias de si em revista impressa. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Pós graduação em Lingüística e Língua Portuguesa da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. 2006. Disponível em < http://www.athena.biblioteca.unesp.br/exlibris/bd/bar/33004030009P4/2006/milanez_n_dr_arafcl.pdf> MINAYO M, Assis SG, Souza ER, Njaine K, Deslandes SF, Silva CMFP, et al. Fala galera. Juventude, violência e cidadania na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Garamond; 1999. NEVES, Ivânia. A invenção do índio e as narrativas orais tupi. Tese de doutorado. Campinas: Unicamp, 2009.
O LIBERAL, Jornal. Caderno Polícia. 18 de junho de 2008.
104
PARAIBA.COM.BR. Aluno de 15 anos apanha em escola pública após assumir que é homossexual. 2012. Disponível em <http://www.paraiba.com.br/2012/03/20/32767-aluno-de-15-anos-apanha-em-escola-publica-apos-assumir-que-e-homossexual>
PÊCHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes, 1990. ___________. A Análise de Discurso: três épocas (1983). In: GADET, F.; HACK, T. (org). Por uma análise automática do discurso. Uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Ed. Unicamp, 1997. PEREIRA, Beatriz Oliveira. Para Escola sem violência: estudo e prevenção das práticas agressivas entre crianças. Fundação Calouste Gulbenkiam, 2002. POMPÉIA, Raul. O Ateneu. 16ª ed., São Paulo: Ática, 1996.
PONTES, Reinaldo Nobre (Org.). CRUZ, Claudio. MELO, Jane. Relações sociais e violência nas escolas. Belém. UNAMA. 2007.
PORTAL CT. Qualidade de vida: Palmas é a 2ª do norte e 13ª do Brasil. Disponível em <http://www.portalct.com.br/n/c2636bba1d32002e5d80a2171188f002/qualidade-de-vida-palmas-ea-2-do-norte-e-13-do-br/>, acesso em fev. 2011.
PRINS, Baukje et MEIJER, Irene Costera. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. Revista Estudos Feministas, vol 1, 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11634.pdf>, acessado em 12/03/2012, às 10h. SANTOS, J. V. T. A violência como dispositivo de excesso de poder. Sociedade & Estado. Departamento de Sociologia – UnB, v10, n. 2, Jul-Dez, 1995. SANGENIS, A. L. C. C., SANGENIS, L. F. C. Instrução pública, disciplina e controle escolar: notas à margem das Conferências Pedagógicas do Rio de Janeiro.Porto: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação (Universidade do Porto, 2008. Disponível em: <http://web.letras.up.pt/7clbheporto/trabalhos_finais/eixo1/IA1849.pdf>, acesso em mai 2009.
105
TREVISAN, Janine Bendorovicz. As formações imaginárias do sujeito italiano: uma abordagem discursiva acerca das imagens de si e do outro na definição das identidades. Dissertação (Mestrado em Letras (Lingüística Aplicada)) - Faculdade de Letras, PUCRS, Porto Alegre, 2000.
ZALUAR, A. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. Rev. São Paulo em Perspectiva. São Paulo, v. 3, n. 13, p.03-17, 2000.