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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO ROBERSON HENRIQUE POZZOBON UMA TRAVESSIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOB AS LENTES DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: DA AUTO-CONTENÇÃO AO ATIVISMO CURITIBA 2010

Disserta o - ROBERSON HENRIQUE POZZOBON · Suprema Corte sobre: a viabilidade das pesquisas com células-tronco embrionárias (ADI 3.510/DF); a viabilidade de restrição legal de

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

ROBERSON HENRIQUE POZZOBON

UMA TRAVESSIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOB AS LE NTES DA

JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: DA AUTO-CONTENÇÃO AO AT IVISMO

CURITIBA

2010

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ROBERSON HENRIQUE POZZOBON

UMA TRAVESSIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOB AS LE NTES DA

JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: DA AUTO-CONTENÇÃO AO AT IVISMO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Claudia Maria Barbosa

CURITIBA

2010

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ROBERSON HENRIQUE POZZOBON

UMA TRAVESSIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOB AS LE NTES DA

JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA: DA AUTO-CONTENÇÃO AO AT IVISMO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado em Direito Econômico e Socioambiental, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa. Dra. Claudia Maria Barbosa

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________________

Professora Doutora Claudia Maria Barbosa Pontifícia Universidade Católica do Paraná

______________________________________________

Professora Doutor Vladimir Passos de Freitas Pontifícia Universidade Católica do Paraná

______________________________________________

Professora Claudia Rosana Roesler

Universidade de Brasília

Curitiba, 29 de Março de 2010.

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Este trabalho é dedicado aos meus avós Ana

e Silvino, Dora e Ilson, com os quais tenho a

imensa honra de apreender valiosas lições de

vida que não são ensinadas em livros ou

salas de aula.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar, e sobre todas as coisas, à Deus a quem eu rogo com

toda a devoção para que contine a me acompanhar por toda a minha vida, imbuindo-

me, tal como o fez no período em que estive dedicado ao presente estudo, das

forças necessárias para superar os desafios de cada.

À professora Claudia Maria Barbosa, meus sinceros votos de agradecimento pela

oportunidade de trabalho em conjunto e pela compreensão das dificuldades pelas

quais passei na conciliação entre a vida acadêmica e os afazeres profissionais de

uma nova carreira.

Ao professor Vladimir Passos de Freitas, agradeço imensamente pelas constantes

palavras de incentivo que me direcionaram ao longo de toda esta jornada, dos

tempos da graduação à fase de conclusão do presente trabalho.

Aos professores Alexandre Ditzel Faraco, Carlos Frederico Marés de Souza Filho,

Flavia Cristina Piovesan, Francisco Carlos Duarte, Katya Kozicki, Luiz Edson Fachin,

pelas inúmeras lições dentro e fora das salas de aula.

À Eva e Izabel, solícitas funcionárias do Programa de Pós-Graduação em Direito da

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, agradeço pela ajuda durante o todo

curso.

Aos amigos do mestrado, especialmente Dennis Otte, Ellen Mosquetti, Fabiano

Baracat, José Guido Teixeira, Sergio Fernando, Tallita Toledo, agradeço pelo

companheirismo durante todo este percuso em busca do conhecimento.

Aos meus queridos pais, pelo apoio constante e inúmeras palavras de incentivo, por

inexistirem palavras que expressem o imenso amor e gratidão que sinto por vocês,

deixo no presente momento registrada uma singela frase com amplo significado: eu

amo vocês!

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Às minhas irmãs, agradeço pelo carinho e compreensão constantes e espero que

esta etapa de aprimoramento intelectual e profissional de seu irmão sirva de

estímulo para as jornadas acadêmicas que estão iniciando em suas vidas.

À Amanda Benvenutti, grande amor que tive a feliz oportunidade de conhecer

enquanto desenvolvia o presente trabalho, agradeço por sua reconfortante

companhia e imensa atenção neste atribulado período de nossas vidas, momento no

qual até mesmo o tempo em que passavamos juntos declarou em silêncio o nosso

imenso amor.

À Daniel Jimenez Ormianin, irmão e companheiro em todas as horas, agradeço por

estar sempre presente e tornar este caminhar mais leve.

À Ricardo Massuchin e Deltan Martinazzo Dallagnol, pela grande amizade e

conselhos sempre essenciais.

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RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo estudar a nova postura assumida pelo Supremo Tribunal Federal no contexto da judicialização da política. Para tanto serão inicialmente traçados comentários acerca da transição de um paradigma centrado no legalismo jurídico para um novo modelo de interpretação e aplicação do direito no qual a Constituição é deslocada para o centro do ordenamento jurídico. Ao longo do estudo serão abordadas algumas das causas da expansão do poder judicial, dentre as quais a constitucionalização do Direito, a ampliação da discricionariedade judicial decorrente da inserção de normas abertas na Constituição e o surgimento das Cortes Constitucionais. Em seguida serão delineadas as dimensões da judicialização da política e do ativismo judicial, para então ser traçado um paralelo entre tais fenômenos. Será comentada a forma como a judicialização da política se desenvolveu no contexto brasileiro, especialmente após as mudanças realizadas pela Constituição de 1988. Após a fixação destas premissas teórico-abstratas serão analisados alguns dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal que nortearam a alteração do entendimento desta Corte sobre temas como: mandado de injunção, prisão civil do depositário infiel e infidelidade partidária. A análise destes casos tem por finalidade evidenciar uma travessia da Corte Suprema de um período de auto-contenção para um período de ativismo. Logo após serão comentadas algumas das possíveis repercussões deste novo posicionamento da Suprema Corte. Verificar-se-á se tal modificação se mostra oportuna para a concretização de direitos e garantias fundamentais, e, nesta medida, de acordo com o novo paradigma socioambiental demandado pela Constituição da República.

PALAVRAS-CHAVE : Supremo Tribunal Federal. Constitucionalização do Direito. Judicialização da Política. Ativismo Judicial.

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ABSTRACT

This work aims to study the new stance taken by the brazilian Supreme Court in the context of judicialization of politics. To this aim will be initially drawn comments about the transition from a paradigm based in legalism for a new model of interpretation and application of law, where the Constitution is shifted to the center of the legal system. Throughout the study will be commented some of the causes of the expansion of judicial power, including: the constitutionalization of the law, the expansion of judicial discretion by the integration of open standards in the Constitution and the emergence of the Constitutional Courts. Then it will be outlined the dimensions of the judicialization of politics and judicial activism, to then be drawn a parallel between both. Will be discussed how the legalization of politics has developed in the brazilian context, especially after the changes promoted by the Constitution of 1988. After setting these abstract theoretical assumptions will be analyzed some of the judgments of the Supreme Court that guided the change of your understanding such as: writ of injunction, civil prison of the unfaithful trustee and party loyalty. The analysis of these cases aims to show a crossing of the Supreme Court from a period of self-restraint to a period of judicial activism. Then will be commented some of the possible repercussions of this new positioning of the Supreme Court. It will be checked, in this manner, if such a change would seem appropriate for the realization of fundamental rights, and therefore, to the new environmental paradigm demanded by the Constitution.

KEYWORDS: Supreme Court. Constitutionalization of the law. Judicialization of Politics. Judicial Activism.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade

ADPF - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

CF - Constituição Federal

DL - Decreto-Lei

EC - Emenda Constitucional

HC - Habeas Corpus

MI - Mandado de Injunção

Min. - Ministro

MS - Mandado de Segurança

RE - Recurso Extraordinário

RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TSE - Tribunal Superior Eleitoral

TST - Tribunal Superior do Trabalho

v.g. - verbi gratia

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ___________________________________________________11

2 O PERCURSO ENTRE O LEGALISMO JURÍDICO E A NOVA HE RMENÊUTICA

CONSTITUCIONAL _________________________________________________14

2.1 PODER JUDICIÁRIO: DO LEGALISMO À CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

DIREITO ________________________________________________________14

2.2 DISPOSITIVOS NORMATIVOS ABERTOS E DISCRICIONARIEDADE

JUDICIAL _______________________________________________________22

2.3 DOS PRESSUPOSTOS PARA A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA EM UM

CONTEXTO DE ABERTURA DO TEXTO CONSTITUCIONAL E AMPLA

LIBERDADE DE SEUS INTÉRPRETES________________________________29

3 DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA PO LÍTICA E

ATIVISMO JUDICIÁRIO ________________________________ _____________32

3.1 DIMENSÕES DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA____________________32

3.2 DIMENSÕES DO ATIVISMO JUDICIAL_____________________________37

3.3 ATIVISMO JUDICIAL X JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA_______________41

4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTEXTO DE JUDICIA LIZAÇÃO DA

POLÍTICA NACIONAL: ATIVISMO OU AUTO-CONTENÇÃO ______ __________45

4.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

E JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA ___________________________________45

4.2 ANÁLISE DE CASOS ___________________________________________52

4.2.1 Mandado de injunção__________________________ _________________52

4.2.1.1 Traços gerais___________________________________________52

4.2.1.2 Julgamentos importantes__________________________________55

4.2.1.2.1 MI 107/DF __________________________________________55

4.2.1.2.2. MI 721 ____________________________________________59

4.2.1.2.3 MI 670/DF, MI 708/DF e MI 712/PA ______________________63

4.2.1.3 Comentários ___________________________________________65

4.2.2 Prisão civil do depositário infiel___________ _______________________68

4.2.2.1 Traços Gerais __________________________________________68

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4.2.2.2 Precedentes____________________________________________70

4.2.2.2.1 HC 72.131/RJ _______________________________________70

4.2.2.2.2 RE 206.482/SP ______________________________________79

4.2.2.2.3 RE 466.343/SP e RE 349.703___________________________80

4.2.2.3 Comentários ___________________________________________86

4.2.3 Fidelidade partidária________________________ ___________________ 89

4.2.3.1 Traços gerais___________________________________________89

4.2.3.2 Do julgamento __________________________________________91

4.2.3.3 Comentários __________________________________________101

4.3 REPERCUSSÕES DA NOVA POSTURA ASSUMIDA PELO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL ____________________________________________106

5 CONCLUSÃO ___________________________________________________117

REFERÊNCIAS ___________________________________________________121

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1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, mostra-se de difícil cogitação alguma questão política, moral,

ambiental ou socialmente relevante que, analisada sob o prisma do Direito

Constitucional, não possa ser submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal.

A guisa de exemplificação podem ser mencionados recentes julgamentos da

Suprema Corte sobre: a viabilidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

(ADI 3.510/DF); a viabilidade de restrição legal de compra e venda de armas de fogo

por meio do Estatuto do Desarmamento (ADI 3112/DF); a possibilidade de prisão

civil do depositário infiel (HC 87.585/TO, HC 92.566/SP, RE 349.703/RS e RE

466.343/SP); a demarcação de terras indígenas na região conhecida como Raposa

do Sol (PET 3388/RR); a possibilidade de restrição do uso de algemas (HC

91.952/SP); a liberdade de informação jornalística (ADPF 130/DF); a perda do

mandato parlamentar decorrente da infidelidade partidária (MS 26602/DF, 26603/DF,

MS 26604/DF e ADI 3999/DF).

Verifica-se, destarte, a progressiva judicialização não só da política nacional,

como da própria vida pública brasileira. Questões políticas que antes eram

deliberadas e decididas exclusivamente no âmbito dos poderes Legislativo e

Executivo passam hoje a ser amplamente influenciadas por decisões judiciais.

Mais do que a submissão de matérias relevantes como estas à apreciação do

Supremo Tribunal Federal, fato este que, por si só, já serve para ilustrar o processo

de judicialização da política no país, muitas das decisões que têm sido recentemente

exaradas por esta Corte têm revelado uma postura ativista por parte dos ministros

que a compõem.

Neste novo cenário jurídico-político o Poder Judiciário, e especialmente o

Supremo Tribunal Federal, que por muitos anos buscou se posicionar de forma

neutra perante a sociedade brasileira, mantendo-se, na medida do possível, distante

ou alheio aos anseios sociais, passou a se apresentar como uma instituição central

para o regime democrático nacional.

O novo padrão decisório verificado nestas recentes decisões da Suprema

Corte evidencia o seu protagonismo político na conjuntura nacional. Neste contexto

é que se situa o principal objeto de estudo do presente trabalho, qual seja, a análise

do papel do Supremo Tribunal Federal neste cenário de crescente judicialização da

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política brasileira.

Vale ressaltar que para tal desiderato, buscar-se-á, preliminarmente,

evidenciar a transição entre dois paradigmas jurídicos, especialmente no que tange

as diferentes formas de interpretação e aplicação do Direito que lhes caracterizam.

Inicialmente serão delineados comentários acerca do primeiro destes

paradigmas: o legalismo jurídico. Ele se assentava sobre a pretensão de construir

um sistema jurídico fechado e completo, e para concretizar tal desiderato impunha

que a interpretação jurídica se limitasse a realização de um simples raciocínio

lógico-silogístico.

Comentar-se-á, em seguida, de que modo este modelo legalista de

interpretação cedeu lugar a uma hermenêutica mais aberta e atenta para realidade

social, principalmente em decorrência da catastrófica repercussão dos regimes

totalitaristas que tomaram conta do continente europeu na primeira metade do

século XX; regimes estes que estiveram assentados, conforme a história mundial

pôde comprovar, no “estrito cumprimento de leis injustas”.

Neste momento é que a Constituição deixou de ser vista como simples

referencial político desprovido de normatividade e paulatinamente passou a assumir

uma posição central no ordenamento jurídico. Neste diapasão, serão traçados

breves comentários acerca do desenvolvimento do Direito Constitucional, dos

mecanismos de controle de constitucionalidade e da própria Jurisdição

Constitucional.

Ato contínuo comentar-se-á a inserção de dispositivos normativos abertos, ou

normas gerais, nos textos constitucionais e demais diplomas normativos

infraconstitucionais, fato este que impulsionou a criatividade judicial e motivou os

juízes a se preocuparem de modo mais incisivo com a realidade social onde estão

inseridos.

Serão delineadas, em seguida, as principais diferenças entre a interpretação

de dispositivos normativos fechados e abertos, evidenciando-se uma nova postura,

mais ativa e criativa, que passa a ser exigida dos intérpretes e operadores do direito.

Em seguida, serão traçados comentários acerca das peculiaridades do

sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, das competências da Suprema

Corte brasileira e da forma como ela tem exercido a sua missão no contexto de

judicialização da política brasileira.

Após, de modo a ilustrar os estudos já feitos sob o prisma abstrato-teórico,

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serão analisados julgamentos do Supremo Tribunal Federal sobre assuntos de

ampla repercussão no cenário jurídico-político brasileiro, quais sejam: a

possibilidade de prisão civil do depositário infiel, a perda do mandato do parlamentar

em decorrência da infidelidade partidária e a atribuição de efeitos concretos as

decisões dos Mandados de Injunção.

A análise destes julgados, e especialmente dos argumentos utilizados pelos

magistrados para embasar seus votos, servirá de base para verificar se o Supremo

Tribunal Federal efetivamente efetuou uma travessia da auto-contenção para o

ativismo, modificando a forma como tradicionalmente vinha funcionando no jogo

democrático brasileiro e ampliando seu espaço de atuação frente aos demais

Poderes.

A exposição da argumentação deduzida em tais julgamentos também será

fundamental para averiguar as causas da revisão ou alteração de entendimentos

antigos do Supremo Tribunal.

Interessante destacar, neste ponto, que não será somente abordada a forma

como o Supremo Tribunal atualmente tem decidido as questões com repercussões

políticas que lhe são submetidas, mas também o modo como as decidia antes,

quando ainda revelava certa timidez, ou auto-contenção, no exercício de suas

prerrogativas.

Buscar-se-á, desta forma, traçar um comparativo entre a argumentação que

vinha sendo deduzida pelos ministros do pretório excelso em uma fase de auto-

contenção e o embasamento decisório que vem sendo por eles apresentado

hodiernamente, em uma fase ana qual esta Corte se torna importante arena de

deliberação política na democracia constitucional brasileira.

Finalmente serão comentadas algumas das principais repercussões desta

nova postura assumida pelo Supremo Tribunal no Estado Democrático de Direito

brasileiro.

Ressalte-se, finalmente, que em última análise este trabalho foi desenvolvido

com a finalidade de verificar se este novo atuar do Judiciário – e principalmente do

Supremo Tribunal Federal – está direcionado à promoção da dignidade da pessoa

humana, à concretização dos direitos constitucionais e à obtenção do bem-estar

social por meio da construção de uma sociedade brasileira mais digna, justa e

solidária.

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2 O PERCURSO ENTRE O LEGALISMO JURÍDICO E A NOVA HE RMENÊUTICA

CONSTITUCIONAL

2.1 PODER JUDICIÁRIO: DO LEGALISMO À CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO

DIREITO

A função de julgar é tão antiga quanto à própria sociedade, mas por um longo

período foi exercida juntamente com a função executiva, sendo relativamente

recente o seu exercício por um órgão independente.

A constituição do Judiciário como um Poder estatal ocorreu no período

moderno, especialmente a partir do século XIX, e se baseou na teoria de tripartição

dos poderes, atribuída a Montesquieu, mas previamente concebida pelo teórico

inglês John Locke1. Tais autores foram os responsáveis, portanto, por conceber a

teoria da tripartição dos poderes como princípio de organização do Estado

Constitucional.

John Locke (1632-1704) foi o teórico que delineou os traços basais desta

Teoria tripartite. Ele propôs a divisão do poder estatal em três ramos: Legislativo,

Executivo e Federativo. Enquanto o Legislativo ficaria incumbido da edição e

aprovação da legislação estatal, o Executivo e o Federativo seriam os responsáveis

pela execução destas leis no plano prático, o primeiro circunscrito à execução de tal

tarefa no prisma interno e o segundo frente aos Estados estrangeiros.

Alguns anos depois, em 1748, o magistrado e filósofo francês Charles de

Secondat, também conhecido como Barão de Montesquieu, aperfeiçoou a teoria de

Locke, imprimindo-lhe uma configuração que muito se aproxima da atual.

Montesquieu, observando a realidade constitucional inglesa, teorizou que o

Estado deveria separar o exercício de suas funções em três diferentes ramos

independentes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Segundo ele tais poderes

deveriam estar separados entre si e controlados uns pelos outros, de acordo com a

idéia de que o poder detém o poder2.

_______________ 1 BARBOSA, Claudia Maria. Crise de função e legitimidade do poder judiciário brasileiro . Tese

(professor titular) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2004. p. 3. 2 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social . 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

45.

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15

A idéia central de Montesquieu, portanto, é a de que o homem tende a abusar

do poder que detém, motivo pelo qual é necessário impor limites a uma atuação

abusiva. Propõe então tal teórico que a sociedade seja organizada de tal modo que

o poder político seja exercido por órgãos diferentes que se limitem mutuamente.

O que há de mais importante na Teoria de Montesquieu, conforme ressaltado

por Bonavides, é que nela a divisão dos poderes não apresenta caráter meramente

teórico, como em Locke, mas “corresponde a uma distribuição efetiva e prática do

poder entre titulares que não se confundem”3.

A partir da Teoria de Montesquieu, portanto, passou-se a efetivamente

vislumbrar a função judicial como uma atividade independente, exercida por órgãos

diversos daqueles cuja função primordial é a executiva ou a legislativa.

A teoria da tripartição dos poderes alcançou grande repercussão nos estados

europeus no início do séc. XVII em virtude da conjuntura social da época, marcada

pelo surgimento da burguesia, nova classe social que emergiu rapidamente nos

Estados capitalistas em desenvolvimento e espargia com vigor seus anseios por

maior segurança e previsibilidade nos negócios jurídicos.

O modelo jurídico que se construía, neste contexto, visava à formação de um

cenário propício ao desenvolvimento burguês e se assentava fundamentalmente em

três pilares: liberdade (para negociar), igualdade (perante a lei) e segurança

(previsibilidade). Enquanto a garantia dos dois primeiros direitos permitiria aos

burgueses negociar livremente e enriquecer, o último evitaria que sofressem

indesejáveis surpresas em seus empreendimentos.

Verifica-se, desta feita, que a inauguração desse paradigma jurídico legalista

não ocorreu por acaso, mas foi fruto de uma série de acontecimentos políticos e

sociais que tornaram insustentável a manutenção do ciclo medievo.

Com efeito, salientamos causas e fatos objetivos determinantes do fim desse período. Elencados, sem a pretensão de sermos taxativos, os seguintes fatos: a invenção da imprensa que proporcionou o espraiar das novas idéias; os descobrimentos, que colocaram o homem em contato com outros povos; e o natural desenvolvimento comercial4.

_______________ 3 BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social . 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p.

49. 4 MELGARÉ, Plínio. A jus-humanização das relações privadas : para além da

constitucionalização do direito privado. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/1934>. Acesso em: 08 jun. 2007. p. 34.

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O homem passava, neste período, a ser o senhor do seu destino. A moral, a

política e o Direito afastavam-se da idéia de Deus e se aproximavam do intelecto

humano.

O séc. XVIII torna-se, então, palco de um momento histórico de valorização

da ordem legal-racional, perfeitamente amoldada à teoria de tripartição dos poderes.

Ao Judiciário era atribuído, dentro desta teoria, um papel neutro e

praticamente invisível, perfeitamente sintetizado na célebre frase de Montesquieu

segundo a qual o juiz não deveria ser mais do que “a boca que pronuncia as

palavras da lei”.

A interpretação uniforme e previsível da lei mostrava-se fundamental para a

garantia de segurança, pois a partir dela minimizavam-se as surpresas indesejadas

no âmbito dos negócios privados. Afastava-se de plano, nesta conjectura, a

faculdade de os magistrados realizarem juízos de valor no exercício da interpretação

dos textos legais; os pronunciamentos judiciais deveriam ser fixos e previsíveis,

jamais indo além do que a lei previa expressamente.

Realizavam-se as recomendações de Montesquieu, o qual argumentava que:

[...] se os Tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo, a tal ponto que nunca sejam mais do que um texto exato da lei. Se fossem uma opinião particular do juiz, viver-se-ia na sociedade sem saber precisamente os compromissos que nela são assinados5.

Com feições estritamente legalistas o Direito não representava, para essa

escola jurídica, mais do que uma ordem expressa do Poder Legislativo6. Buscava-se

com veemência extirpar dos códigos quaisquer dispositivos que dependessem da

criatividade judicial para serem aplicados.

Tal escola hermenêutica expressava, em síntese, a solução encontrada à

época pelo capitalismo para sedimentar a derrocada do modelo medieval absolutista

que por um longo tempo lhe havia sufocado.

Uma vez fixada a intenção de se construir um sistema jurídico racional e

_______________ 5 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Coleção Os Pensadores, v. XXI, São Paulo: Abril, 1973. p.

158. 6 MATTIUZO JR, Alcides; GAGLIARDI, Maria Aparecida. A constitucionalização do direito civil e

a nova teoria contratual . Anais do XIV encontro preparatório para o XIV congresso nacional do CONPEDI. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2005. p. 791.

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logicamente coerente, entendeu-se que a melhor forma para fazê-lo seria lançando

mão ao raciocínio lógico utilizado pelas ciências naturais em cadeiras meramente

dedutivas.

Em decorrência desta necessidade o Direito passou a utilizar, mesmo que de

modo forçoso, um método que muito se assemelhava aquele utilizado pelas ciências

naturais.

Quase como um cálculo ou uma pesagem buscava-se a partir desta

metodologia uma tranqüilizadora exatidão que afastasse os cidadãos dos abusos

cometidos pela justiça corrompida do antigo regime7.

Plínio Margaré destaca, acerca dessa tendência, que:

a ciência jurídica integrou-se ao universo das matérias alheias à experiência, vinculando-se àquelas dependentes de definições. O direito não dependeria dos fatos, mas de provas e demonstrações racionais. Acreditava-se que, permeado por postulados últimos da razão, fosse possível edificar sistemas prontos, acabados, para qualquer campo do saber humano [...] Exsurge um sistema jurídico marcadamente axiomático, racional, pleno. E o modo invocado pelo pensar estrutura-se em um silogismo formal, onde a lei passa a ser a premissa maior, o fato a premissa menor, alcançando-se, dedutivamente, a sentença. É o processo de aplicação subsuntiva da lei a imperar e coordenar o raciocínio jurídico, acarretando um racionalismo divorciado completamente das questões práticas. Criava-se, prévia e especulativamente, um sistema para, em um segundo momento, ser aplicado na resolução dos concretos casos que emergiam da vida quotidiana8.

As leis deveriam ser claras, seguras e sistematicamente dispostas em

códigos, e que, por conseqüência, permitia que os juristas lançassem mão a uma

interpretação estritamente estática, linear e previsível, tão segura como as demais

regras do jogo.

Em busca de segurança jurídica e previsibilidade, buscava-se erigir um

sistema jurídico fechado e pretensamente completo, simplesmente alheio às

ingerências de valores externos.

Karl Engish assevera, nesse sentido, que:

houve um tempo em que tranquilamente se assentou na idéia de que deveria ser possível estabelecer uma clareza e segurança jurídicas

_______________ 7 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica . São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 33. 8 MELGARÉ, Plínio. A jus-humanização das relações privadas : para além da

constitucionalização do direito privado. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/1934>. Acesso em: 08 jun. 2007. p 39.

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absolutas através de normas rigorosamente elaboradas, e especialmente garantir uma absoluta univocidade a todas as decisões judiciais e a todos os actos administrativos. Esse tempo foi o Iluminismo9.

A lei, além de formalmente aprovada pelo Poder Legislativo, deveria ser

suficientemente clara, completa e abstrata, de forma a não exigir do juiz mais do que

um mero raciocínio silogístico. Desta feita, em prol de uma propagada segurança

jurídica extirpava-se do mundo jurídico toda a sua dimensão criadora.

Chaïm Perelman ressalta, inclusive, que nesse período os integrantes da

Corte de Cassação desempenhavam o papel de verdadeiros inspetores da justiça. O

tribunal era responsável por fiscalizar as decisões dos juízes, certificar que eles não

deturpariam a “vontade da Lei”10.

O princípio da separação dos poderes vigorava neste contexto em sua forma

clássica, revelando um contexto no qual o papel do judiciário limitava-se a

estritamente aplicar o direito, jamais participando do processo de sua elaboração.

Tal Poder deveria, em suma, se limitar “ao estabelecimento dos fatos e à sua

subsunção sob os termos da lei”11.

Não obstante tenha sido a busca por segurança e previsibilidade o mote para

a instauração do modelo jurídico legalista, foi justamente a insegurança gerada pela

aplicação irrestrita deste modelo que ocasionou, décadas mais tarde, a sua

derrocada.

Conforme ressaltado por Celso Fernandes Campilongo:

na geometria da tripartição dos poderes, o juiz submete-se ao império da lei. A submissão é compensada pela independência do magistrado perante os outros fatores do processo decisório. Isso caracteriza a atuação do Judiciário no estado de direito. A simplicidade harmônica do modelo esbarra numa única dificuldade: o mundo real. A avaliação feita pelo magistrado no momento de aplicar a lei não está submetida apenas à observância estrita da letra da norma jurídica. A tarefa do julgador não é meramente técnica. Ao contrário, é social e politicamente determinada12.

_______________ 9 ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

1996. p. 206. 10 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica . São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 53. 11 PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica . São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 35. 12 CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Judiciário e a democracia no Brasil. Revista USP , n. 21, São

Paulo: 1994. p. 118.

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19

Esta descoberta fez com que a rígida interpretação da teoria de tripartição dos

poderes se enfraquecesse. Contatou-se que a função jurisdicional não poderia ser

restringida a simples atividade mecânica, carente de adaptações e evoluções.

Abandonou-se também a idéia de que a lei apresentava um significado unívoco e

apenas uma interpretação aceitável. Percebeu-se que, em virtude da grande

complexidade inerente à aplicação do direito, diversas são as possibilidades

interpretativas que se abrem ao magistrado em um mesmo caso concreto, motivo

pelo qual a criatividade é inarredável de seu labor.

A crise do modelo legalista se concretizou logo após o final da Segunda

Guerra Mundial, em decorrência das trágicas experiências dos governos tirânicos e

totalitários que dominaram o continente europeu no início do século XX. Tais

regimes se desenvolveram assentados na aplicação plena e irrestrita de suas leis

internas, as quais, contudo, não obstante formalmente aprovadas pelo Poder

Legislativo, apresentavam conteúdo que flagrantemente ofendia os direitos humanos

e fundamentais.

Redescobriu-se, nesse período, a noção de Constituição e a necessidade de

protegê-la, mormente contra a ação dos poderes políticos, passando-se a serem

criados mecanismos de defesa da Constituição e serem desenvolvidos sistemas de

controle de constitucionalidade13.

Conforme apontado por René David, o desenvolvimento de mecanismos para

a proteção e valorização da Constituição foi a alternativa encontrada neste contexto

de superação dos regimes jurídicos legalistas para a persecução dos direitos

humanos e do regime democrático. O autor ressalta, inclusive, que os maiores

avanços nesse sentido foram percebidos na Alemanha Federal e na Itália, países

nos quais a necessidade de restabelecimento dos princípios da democracia e dos

direitos humanos se mostrava uma prioridade absoluta14.

Desta feita, é possível apontar a desastrosa repercussão dos regimes

totalitaristas, em meados do século XX, como o estopim para o desenvolvimento da

Justiça Constitucional e substituição do modelo de Estado Liberal, no qual a lei

simplesmente servia de parâmetro para a resolução de conflitos intersubjetivos, pelo _______________ 13 VELLOSO, Carlos Mário. O Supremo Tribunal Federal, Corte Constitucional : uma proposta que

visa a tornar efetiva a sua missão precípua de guarda da constituição. Revista de informação legislativa, v.30, nº 120, out./dez., 1993. p. 7.

14 DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo . São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 54.

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Estado Social, no qual a lei também passa a assumir o papel de instrumento político

de governo.

Por um longo período as Constituições não representaram mais do que um

estado ideal, um referencial meramente formal desprovido de normatividade acerca

das características e direitos fundamentais de uma determinada sociedade. Luis

Roberto Barroso afirma, inclusive, que a tradição européia da primeira metade do

séc. XX “via a Lei Fundamental como mera ordenação de programas de ação,

convocações ao legislador ordinário e aos poderes públicos em geral”15.

Verifica-se, destarte, que o desenvolvimento desta nova hermenêutica

constitucional – a partir da qual a Constituição vem a ocupar um lugar central no

Ordenamento Jurídico e os seus princípios, regras e valores passam a ser aplicados

diretamente aos casos concretos – é um fenômeno relativamente recente no mundo

e, principalmente, no Brasil.

Com a exceção dos Estados Unidos da América, que desde 1803 – por

ocasião da célebre decisão do caso “Marbury x Madison” – já reconhecia a

possibilidade de controle de constitucionalidade pelo Judiciário, os demais países só

vieram a afirmar o poder normativo de suas Constituições em meados do séc. XX.

No caso brasileiro este novo paradigma hermenêutico só encontrou respaldo

normativo para ser efetivado após a promulgação da Constituição de 1988. Nesse

sentido verberou Luís Roberto Barroso que:

a experiência política e constitucional do Brasil, da independência até 1988, é a melancólica história do desencontro de um país com sua gente e com seu destino. Quase dois séculos de ilegitimidade renitente do poder, de falta de efetividade das múltiplas Constituições e de uma infindável sucessão de violações da legalidade constitucional. Um acúmulo de gerações perdidas. A ilegitimidade ancestral materializou-se na dominação de uma elite de visão estreita, patrimonialista, que jamais teve um projeto de país para toda a gente. Viciada pelos privilégios e pela apropriação privada do espaço público, produziu uma sociedade com ‘deficit’ de educação, de saúde, de saneamento, de habitação, de oportunidades de vida digna. Uma legião imensa de pessoas sem acesso à alimentação adequada, ao consumo e à civilização, em um país rico, uma das maiores economias do mundo16.

_______________ 15 BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista de Direito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro . Disponível em <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc-2003 /arti_histdirbras.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2007. p. 2.

16 BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista de Direito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro . Disponível em

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Até então, conforme já mencionado, a ordem jurídica estava pautava sobre

um modelo legalista, no qual eram as leis, ao invés da Constituição, que serviam de

principal ponto de referência para a interpretação do ordenamento e atividade dos

operadores do direito.

Nesse contexto, raras eram as situações em que os aplicadores do direito

lançavam mão a dispositivos constitucionais para disciplinar as relações privadas ou

nortear a interpretação e aplicação dos dispositivos normativos infraconstitucionais.

Faltava, nessa época, vontade política para dar ao texto constitucional aplicabilidade

direta e imediata.

A partir de 1988, contudo, uma vasta gama de princípios fundamentais passa

a ser elevada ao plano constitucional, os quais, tendo sua normatividade

reconhecida no texto constitucional, passam a condicionar a aplicação da legislação

infraconstitucional por meio de mecanismos formais de controle de

constitucionalidade.

Como afirma Luis Roberto Barroso:

constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas17.

A constitucionalização do direito é responsável por tornar a Constituição um

verdadeiro instrumento jurídico-político de atuação material da sociedade e

referencial de todo o ordenamento jurídico18.

_______________ <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc-2003 /arti_histdirbras.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2007. p. 1 e 2.

17 BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista de Direito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro . Disponível em <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc-2003 /arti_histdirbras.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2007. p. 4.

18 RODRIGUES, Nina T. Disconzi. O controle de constitucionalidade no direito brasileira e as Leis 9.868/99 e 9882/99. Revista de Informação Legislativa , v.38, nº 149, p. 111-124, jan./mar. de 2001. p. 112.

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Interessante notar, neste ponto, que o reconhecimento da normatividade das

normas constitucionais, que ensejou uma reviravolta na forma de interpretação da

Constituição, evidenciou a constatação de que as normas jurídicas não trazem

sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as

quais incidem, cabendo ao intérprete, mais do que uma mera revelação do conteúdo

nela pré-existente, desempenhar um papel criativo para a sua concretização19.

2.2 DISPOSITIVOS NORMATIVOS ABERTOS E DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL

A possibilidade de comunicação de padrões gerais de condutas é um

pressuposto para a existência do Direito e para o desenvolvimento da sociedade

civilizada. É a partir da difusão de padrões gerais de comportamento que as pessoas

tomam consciência do que podem, do que não podem e do que devem fazer.

Assim, a categorização de atos como permitidos, proibidos ou obrigatórios é

fundamental para que as relações sociais não se tornem, ao longo do tempo, palco

de infindáveis séries de conflitos.

No sistema jurídico brasileiro há o primado da lei escrita, de modo que a

comunicação de padrões gerais de conduta ocorre, via de regra, por meio da

positivação de “fórmulas lingüísticas”20. Desta feita, é por intermédio da interpretação

destes conjuntos de palavras que se definem as condutas a serem exigidas dos

jurisdicionados.

Dentro desta sistemática, para que o legislador – seja ele constituinte ou

ordinário – atinja os fins a que se propõe é importante que, ao redigir as normas,

opte pela melhor técnica e pela linguagem mais adequada. Ele deve pensar nos

comportamentos que pretende obter dos destinatários da norma. Somente mediante

a plena consciência de onde quer chegar é que ele pode corretamente escolher de

onde deve partir.

_______________ 19 BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista de Direito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro . Disponível em <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc-2003 /arti_histdirbras.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2007. p. 5.

20 HART, Hebert Lionel Adolphus. O conceito de direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. p. 138.

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Quando procura regulamentar de forma clara e antecipada um determinado

fato social, o legislador fatalmente se depara com algumas dificuldades, as quais,

em última análise, refletem as próprias limitações da natureza humana em antever o

futuro.

Conforme mencionado por Herbert Hart:

se o mundo em que vivemos fosse caracterizado só por um número finito de aspectos e estes, conjuntamente com todos os modos por que se podiam combinar, fossem por nós conhecidos, então poderia estatuir-se antecipadamente para cada possibilidade. Poderíamos fazer regras cuja aplicação a casos concretos nunca implicasse uma outra escolha. Tudo poderia ser conhecido e, uma vez que poderia ser conhecido, poder-se-ia, relativamente a tudo, fazer algo e especificá-lo antecipadamente através de uma regra21.

Um cenário como este descrito por Hart, contudo, em que tudo se pode

antever e antecipar, está muito distante das limitadas capacidades humanas. Por

mais competente que o legislador seja, jamais será capaz de prever todas as

inúmeras combinações de fatores que o futuro abriga.

Deste modo, em face das inarredáveis incertezas que o futuro apresenta,

surgem ao legislador duas possibilidades, pode:

a) ignorar ou subestimar as incertezas e resolver criar uma norma que seja

direcionada à disciplina somente da realidade que pode prever;

b) reconhecer sua incapacidade de prever todas as nuances que um

determinado assunto apresentará no futuro e, a partir de então, elaborar

uma norma cuja “tessitura” seja de tal modo aberta que possa

eventualmente se amoldar às surpresas que surgirão após a sua

positivação.

A primeira postura foi amplamente utilizada pelos sistemas jurídicos

formalistas no despertar da modernidade. Em tais sistemas entendia-se, conforme

anteriormente comentado, que a melhor alternativa para proporcionar segurança

jurídica aos jurisdicionados seria minimizar, tanto quanto possível, a margem de

atuação judicial por meio da elaboração de normas cujas hipóteses de incidência

também fossem tão fechadas quanto possível.

Para que se evitassem futuras complementações judiciais ao sentido da _______________ 21 HART, Hebert Lionel Adolphus. O conceito de direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

p. 141.

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norma, partia-se do pressuposto de que a compreensão do caso simples (modelo

cogitado pelo legislador) seria suficiente para orientar a disciplina de todos os casos

futuros, inclusive os casos complexos e fronteiriços.

A adoção de tal postura, contudo, implicou em pura e simples

desconsideração das particularidades inerentes aos casos complexos e fronteiriços.

Supervalorizava-se a segurança jurídica em detrimento da efetividade e atualidade

da norma jurídica ao longo do tempo.

Fazer isto, conforme destacado por Hebert Hart:

é conseguir uma medida de certeza ou previsibilidade à custa de considerar, de forma cega e preconceituada, o que deve-se fazer-se numa série de casos futuros, sobre cuja composição nos encontramos em estado de ignorância. Assim, conseguiremos na verdade resolver antecipadamente, mas também sem uma visão clara, questões que só podem ser razoavelmente resolvidas quando surjam e sejam identificadas22.

A tendência contemporânea no cenário jurídico-normativo brasileiro, contudo,

já superou este posicionamento formalista. Com vistas à evolução contínua do

ordenamento jurídico pátrio, o qual deve estar sempre apto para acompanhar a

sociedade (ora contendo os seus impulsos, ora alavancando-os), optou-se pela

fixação de hipóteses legais abertas na Constituição e nas leis ordinárias.

Luis Roberto Barroso destaca, nesse sentido, que:

[...] as cláusulas constitucionais, por seu conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, não se prestam ao sentido unívoco e objetivo que uma certa tradição exegética lhes pretende dar. O relato da norma, muitas vezes, demarca apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas. À vista dos elementos do caso concreto, dos princípios a serem preservados e dos fins a serem realizados é que será determinado o sentido da norma, com vistas à produção da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido23.

A presença de tais normas abertas permite ao Direito acompanhar a evolução

da sociedade. Isto porque os significantes destas normas são de tal modo vagos e _______________ 22 HART, Hebert Lionel Adolphus. O conceito de direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

p. 141 e 142. 23 BARROSO, Luis Roberto; BARCELLOS, Ana Paula. O começo da história. A nova interpretação

constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro. Revista de Direito da Câmara Municipal do Rio de Janeiro . Disponível em <http://www.camara.rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc-2003 /arti_histdirbras.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2007. p. 5.

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abrangentes que os seus significados podem ser facilmente alterados ao longo do

tempo, evitando-se, assim, que elas se tornem anacrônicas e precisem ser

reformadas.

O ordenamento jurídico brasileiro contemporaneamente tem sido delineado,

desta feita, de modo a ensejar a formação de um sistema jurídico aberto. Neste

sistema tanto os casos simples quanto os casos complexos e fronteiriços podem ser

resolvidos sem que suas particularidades tenham que ser desconsideradas ou

subestimadas pelo aplicador da norma.

A Constituição de 1988 ilustra esta nova realidade; ao mesmo tempo em que

é composta por normas densas também é integrada por normas abertas – como os

princípios jurídicos. Enquanto as normas abertas impelem os magistrados ao

desempenho de uma atividade criativa, as normas mais densas outorgam ao

sistema jurídico a segurança de que carece.

Gisele Cittadino menciona, neste sentido, que:

não se pode negar que as Constituições das democracias contemporâneas exigem uma interpretação construtiva das normas e dos princípios que as integram, e, neste sentido, as decisões dos tribunais – especialmente em face de conflitos entre direitos fundamentais – Têm necessariamente o caráter de "decisões de princípio". No entanto, a despeito do fato da dimensão inevitavelmente "criativa" da interpretação constitucional – dimensão presente em qualquer processo hermenêutico, o que, por isso mesmo, não coloca em risco, a lógica da separação dos poderes -, os tribunais constitucionais, ainda que recorram a argumentos que ultrapassem o direito escrito, devem proferir "decisões corretas" e não se envolver na tarefa de "criação do direito", a partir de valores preferencialmente aceitos24.

Merecem ser reproduzidas, neste ponto, as observações feitas pelo ministro

Carlos Britto, em voto proferido no julgamento dos Mandados de Segurança de

números 26602, 26603 e 26604, no dia 04 de outubro de 2007:

nesse modelo de ciência jurídica ou ciência do Direito, que é o pós-positivismo, os princípio são normas. (…) O pós-positivismo, mais do que afirmar o caráter normativo dos princípios, atesta que eles são supernormas, as normas mais importantes do direito positivo, notadamente da Constituição, de modo que os princípios, hoje, enquanto normas de proa, de primeira grandeza, ocupam uma posição de centralidade, a partir da Constituição, vale dizer, os princípios que, na nossa Constituição, se dotam dessas virtudes da onivalência, da auto-referência e da auto-aplicabilidade

_______________ 24 CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, Ativismo Judiciário e Democracia. Alceu , v.05, n.09, p.105-

113, dez. 2004. p. 108.

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em muitas situações, são aptos a resolver casos concretos. É possível extrair deles as normas de que os operadores do Direito precisam para solucionar as controvérsias. (…) Além do mais, os princípios são os que mais conferem unidade material à Constituição, cong ruência à Constituição, que não faria do Direito um sistema, um ordenamento se ela própria, Constituição, não fosse um sistema, um ordenamento, além de os princípios dotares a Constituição de uma espécie de jogo de cintura, de uma versatilidade para acompanhar as mutações do cotidiano impedindo, muitas vezes, pela sua aplicab ilidade, que se precise do recurso a uma reforma oficial, a uma eme nda constituciona 25 (grifo do autor).

A inserção destas normas jurídica abertas no sistema jurídico possibilita que

os juízes se atentem mais para o presente e futuro do que para o passado. Eles

deixam de estar cingidos a realidade do momento em que a lei foi editada para

poderem, também, dentro de uma nova dimensão normativa, realizarem conexões

com o momento histórico e a realidade política e social em que estão inseridos.

Nelson Nery Jr. comenta, nesse sentido, que:

em pleno século XXI não seria mais admissível legislar-se por normas que definissem precisamente certos pressupostos e indicassem, também de forma precisa, suas conseqüências, formando uma espécie de sistema fechado. A técnica legislativa moderna se faz por meio de conceitos legais indeterminados e cláusulas gerais, que dão mobilidade ao sistema, flexibilizando a rigidez dos institutos jurídicos e dos regramentos do direito positivo26.

Uma das principais características destas normas abertas ou gerais reside,

portanto, na generalidade de seus enunciados normativos. As hipóteses legais

dessas normas são formuladas de modo a poderem abarcar temas de grande

generalidade, e, por conseqüência, regulamentar um amplo domínio de casos.

Elas se diferenciam amplamente, portanto, das normas legisladas mediante a

técnica casuística, típicas do período dogmático legalista, as quais se limitavam à

regulamentar um delimitado e particular grupo de casos

Outra característica fundamental das normas abertas reside na prévia e

proposital indeterminação de seus significados. Elas não pretendem prever, de

_______________ 25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00294 e 00295.

26 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante . 3. ed., rev., atual. e ampl. da 2. ed. do Código Civil Anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 156.

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antemão, todas as particularidades dos casos que serão por elas disciplinados ou

mesmo a forma pela qual serão eles disciplinados.

O que se busca por meio da positivação de normas gerais, ao contrário, é

justamente viabilizar que as respostas a tais perguntas sejam progressivamente

construídas ao longo do tempo, por meio de um exercício atual de interpretação e

aplicação do Direito.

Por serem compostas com hipóteses legais de significação vaga e fluída,

estas normas abertas oportunizam ao juiz, diante da realidade cambiante da vida

social, a criação, complementação e/ou desenvolvimento de soluções inovadoras

por ocasião da prestação jurisdicional.

As expressões lingüísticas que as compõem, cujos significados são “fluidos”,

“vagos”, “a serem definidos”, dá-se o nome de conceitos indeterminados ou

conceitos vagos. Por meio deles se torna possível que as normas abertas regulem

coerentemente situações extemporâneas ao momento em que foram editadas.

Desta feita, pode-se dizer que as normas abertas visam não só a permitir que

a realidade social seja compreendida ao seu tempo, como também, e, sobretudo, a

possibilitar que o Direito acompanhe, seja influenciado e influencie as

transformações sociais que se mostram latentes no seio da sociedade.

Em suma, as normas gerais impedem o engessamento do sistema jurídico e

possibilitam a modificação do “mundo dos fatos” a partir de um processo constante

de readaptação do “mundo do direito”.

Luiz Edson Fachin afirma, nesse sentido, que:

integra a porosidade do jurídico a reconstrução contínua de conceitos e definições. A própria noção de sistema aplicada ao Direito Civil não gera, por si só, compreensão semântica que afaste a dúvida, cuja presença pode enriquecer o debate27.

A indeterminação dos termos que compõem os enunciados normativos destas

normas gerais não deve ser entendida, desta feita, como uma falha, mas como uma

opção legislativa.

Tereza Arruda Alvim Wambier destaca, neste sentido, que:

_______________ 27 FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil: à luz do novo código civil brasileiro. 2. ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 177.

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a 'vaguedad’ ou a indeterminação de um conceito costuma erradamente ser apontada como uma imperfeição das línguas. Entretanto, às vezes se atinge maior perfeição e requinte com conceitos vagos do que com conceitos precisos. A indeterminação dos conceitos não é, pois, um defeito da linguagem, mas uma característica que tem funções positivas nitidamente ligadas às necessidades das sociedades dos nossos dias28.

A evolução do sentido das normas, que outrora esteve limitada à paulatina

intervenção legislativa, ao mesmo tempo pontual e provisória, passa a ser obtida por

intermédio da inserção de normas abertas ou gerais nos corpos legislativos da

contemporaneidade.

Gustavo Tepedino alerta, inclusive, que:

nos dias de hoje, a necessidade de se dar efetividade plena às cláusulas gerais faz-se tanto mais urgente na medida em que se afigura praticamente impossível ao direito regular o conjunto de situações negociais que floresce na vida contemporânea cujos avanços tecnológicos surpreendem até mesmo o legislador mais frenético e obcecado pela atualidade. [...] Dito diversamente, incapaz de disciplinar todas as inúmeras situações jurídicas que florescem na esteira dos avanços tecnológicos, o legislador vale-se da técnica das cláusulas gerais29.

De um lado se tem, portanto, hipóteses legais cunhadas segundo a técnica

casuística de legislar, as quais são compostas por antecedentes e conseqüentes

meticulosamente pormenorizados e pretendem que o intérprete faça, por ocasião da

aplicação da norma, uma estrita correlação entre “o mundo dos fatos” e a descrição

legal nelas prevista (subsunção).

Do outro lado se tem a hipótese legal de uma norma geral que,

intencionalmente composta por termos cujos significados são imprecisos e

maleáveis (conceitos jurídicos indeterminados), impele o intérprete a ultrapassar o

mero raciocínio silogístico e a criar a solução mais adequada para o caso que lhe foi

imposto30.

Verifica-se, desta feita, que por serem compostas por uma série de

dispositivos abertos, cujas estruturas normativas apresentam amplo grau de

_______________ 28 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Uma reflexão sobre as cláusulas gerais do código ci vil de

2002: a função social do contrato. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 831, jan. 2005. p. 61. 29 TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do direito civil.

In Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 206 e 207. 30 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um sistema em construção : as cláusulas

gerais no projeto do código civil brasileiro. Brasília: Revista de Informação Legislativa, a. 35, n. 139, jul./set. de 1998, p. 7.

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generalidade e abstração, as Constituições outorgam aos juízes um elevado grau de

discricionariedade por ocasião de sua aplicação, principalmente por ocasião do

exercício da Jurisdição Constitucional.

Conforme mencionado por João Maurício Adeodato:

Pela função que exerce no sistema democrático, servindo de base argumentativa para uma imensa gama de casos, o texto constitucional quase sempre aparece mais geral e daí mais vago e ambíguo do que outros textos jurídicos, ainda que todos, em alguma medida, guardem essas características. Observa-se nas Constituições escritas contemporâneas, a freqüente ocorrência das chamadas “normas” (mais precisamente são textos) programáticas, aquelas que fixam metas e norteiam os princípios éticos e políticos do sistema, ao lado de normas que dependem de outras para produzirem efeitos, como as de “princípio institutivo”, além daquelas que, sobretudo nos países subdesenvolvidos, têm a função simbólica e estratégica de fazer os destinatários acreditarem que estão efetivamente positivadas31.

2.3 DOS PRESSUPOSTOS PARA A JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA EM UM

CONTEXTO DE ABERTURA DO TEXTO CONSTITUCIONAL E AMPLA

LIBERDADE DE SEUS INTÉRPRETES

Conforme mencionado anteriormente, pretendia-se, no cenário positivista-

legalista, que o juiz se restringisse a revelar normas jurídicas pré-existentes editadas

formalmente pelo Poder Legislativo. Não se admitia que o juiz atuasse de modo

criativo por ocasião da interpretação dos enunciados legais, pois estes eram

considerados de plano perfeitos, prontos e acabados. A aplicação do direito deveria

ser feita única e exclusivamente a partir do desenvolvimento de processos

silogísticos formais por parte dos magistrados.

A criatividade judicial era rechaçada veementemente, vigorando uma

verdadeira superioridade da legislação ante a jurisdição. Em conseqüência disto o

Judiciário possuía um limitado âmbito de atuação, na maioria das vezes circunscrito

a resolução de conflitos privados.

Com o passar dos anos, contudo, ocorreu a superação deste paradigma

mediante o reconhecimento de que a criatividade judicial é indissociável da

_______________ 31 ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situações e limites. In: Direito

constitucional em evolução : perspectivas, Paulo Gomes Pimentel Júnior (Coord.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 110.

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30

interpretação dos preceitos normativos.

Percebeu-se que o texto legal é diferente da norma, ou seja, que seus

enunciados servem unicamente de base para a interpretação jurídica e muitas vezes

admitem, inclusive, mais de uma possibilidade semântica.

Diferenciou-se, então, enunciado e norma; o primeiro como sendo o texto

legal escrito e a segunda como o dispositivo elaborado pelo operador do direito a

partir da interpretação de um ou vários enunciados.

Verificou-se, desta feita, que, apesar de não caber ao Judiciário a construção

de enunciados – tarefa, esta, típica do Legislativo – fatalmente constrói, no exercício

de suas prerrogativas, normas jurídicas.

André Ramos Tavares afirma, nesse sentido, que:

regra geral, os enunciados constituem verdadeiras barreiras interpretativas para o operador do Direito e, em particular, para o Tribunal Constitucional, em sua atividade de elucidação da norma vigente. Assim, devem ser analisados (…) como limites à interpretação da Constituição32

Constatou-se, em suma, que há, também, participação do juiz no processo de

construção da norma, a qual não pode ser simplesmente extraída do texto legal

como uma obra pronta e finalizada. O enunciado normativo, o texto previamente

elaborado pelo legislador (ordinário ou constituinte), apenas fornece um ponto de

partida para a construção da norma no caso concreto.

Tal processo de reconhecimento da criatividade judicial foi altamente

influenciado, conforme mencionado acima, pela inserção de normas gerais ou

abertas nas Constituições e demais diplomas normativos.

Afirma-se, nesta medida, que:

a consagração de normas constitucionais de caráter aberto (princípios) limita a atuação da lei e demanda um processo de preenchimento, a ser implementado pelo órgão incumbido de zelar pela guarda da Constituição33.

Eis que se avoluma a importância dos membros do Poder Judiciário na

definição ou padronização da interpretação das normas constitucionais,

_______________ 32 TAVARES, André Ramos. Justiça Constitucional e suas fundamentais funções. In: Revista de

Informação Legislativa , v.43, n. 171, p. 19-47, jul./set. 2006. p. 29. 33 TAVARES, André Ramos. Justiça Constitucional e suas fundamentais funções. Revista de

Informação Legislativa , v.43, n. 171, p. 19-47, jul./set. 2006. p. 29.

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31

especialmente daqueles que ocupam cadeiras junto ao Supremo Tribunal Federal:

Conforme destacado por João Maurício Adeodato:

o último plano para fixar o conteúdo da específico do texto constitucional e, por extensão, de qualquer texto normativo, transformando-os em norma jurídica, é do tribunal, dos juízes, pois são eles que eliminam a discutibilidade do conflito ao fazerem a coisa julgada34.

Nesse cenário, o Judiciário, que por muitos anos se viu compelido a se

posicionar de forma neutra perante a sociedade, mantendo-se, na medida do

possível, distante ou alheio aos anseios sociais, passa a se apresentar como uma

instituição central nas democracias contemporâneas.

Conforme mencionado por Cappelletti, a necessidade de outorgar maior

liberdade aos juízes, em decorrência da mutação do papel do Estado no séc. XX

com o advento do Estado do Bem-Estar, ou Welfare State, fez com que o Judiciário

assumisse uma postura ativa frente à sociedade, muito diferente daquela que até

então vinha apresentando no paradigma jurídico legalista35.

As questões políticas, que até então eram deliberadas e decididas

exclusivamente no âmbito dos poderes Legislativo e Executivo começam a ser

amplamente influenciadas por decisões judiciais, e são alçadas à esfera do poder

Judiciário.

A ampliação da discricionariedade judicial por ocasião da interpretação dos

textos legais, especialmente por ocasião da prestação da jurisdição constitucional,

acabou por transformar o processo judicial em uma importante arena de deliberação

política.

A evolução desta nova forma de aplicar o Direito culminou, no final do séc.

XX, no surgimento de um cenário ideal para a manifestação de um fenômeno que

mais tarde passou a ser chamado de “judicialização da política”, o qual será

estudado no capítulo vindouro.

_______________ 34 ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situações e limites. In: Direito

constitucional em evolução : perspectivas, Paulo Gomes Pimentel Júnior (Coord.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 110.

35 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? . Porto Alegre: S. A. Fabris, 1993. p. 34.

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32

3 DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO DA PO LÍTICA E

ATIVISMO JUDICIÁRIO

3.1 DIMENSÕES DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

A expressão judicialização da política foi inserida no debate jurídico e político

na década de 90, a partir da obra de Neal Tate e Torbjörn Vallinder, intitulada “The

Global Expansion of Judicial Power”. Tais autores observaram, ao longo dos anos

que antecederam o novo milênio, que a recorrência de escândalos envolvendo os

representantes dos poderes Executivo e Legislativo afetou consideravelmente a

confiança da população em seus membros.

De acordo com Tate e Vallinder, a população passou a identificar o Judiciário

como um poder que, se não integralmente probo, ao menos mais confiável que os

demais poderes. Em nítida remissão à obra de George Orwel eles mencionaram: “all

the three branches may be regarded as corrupt, but some are more corrupt than

others”36.

Na medida em que o Judiciário recebeu a confiança da população, tornou-se,

um porto seguro para os cidadãos contra os abusos praticados nas tradicionais

arenas de deliberação política.

Os anseios da população passaram, assim, a serem depositados sobre o

Judiciário em um contexto no qual o Executivo mostrava-se impotente para gerir

com um mínimo de eficácia toda a sua burocracia e o Legislativo passou a ser

acusado de ser fisiológico e demagogo37.

Seja pela maior crença nos integrantes do Poder Judiciário ou na forma

segundo a qual ele opera, em tese orientada segundo a lógica da “melhor

argumentação” e não de acordo com os jogos de interesses e barganhas políticas, o

fato é que se verificou a expansão do Judiciário – e de seu modo de decidir – sobre

a esfera de atuação dos demais poderes, fenômeno este que passou a ser

designado como judicialização da política.

_______________ 36 TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjorn. The global expansion of judicial power . New York: New

York University Press, 1995. p. 3. 37 CAMPILONGO, Celso Fernandes. O Judiciário e a democracia no Brasil. Revista USP , n. 21, São

Paulo: 1994. p. 120.

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33

Pioneiros no estudo deste fenômeno, Tate e Vallinder, apontam a sua

materialização sobre duas diferentes frentes:

a) por meio de uma submissão mais recorrente de questões políticas à

apreciação do Judiciário, fato este que acaba por torná-lo um participante

ativo do jogo político estatal;

b) através da adoção de procedimentos judiciais de decisão nas arenas

políticas tradicionais, ou seja, do Legislativo e Executivo

Nesse sentido oportuno trazer a baila os comentários de tais autores:

thus the judicialization of politics should normally mean either: (1) the expansion of the province of the courts ou the judges at the expense of the politicians and/or the administrators, that is, the transfer or decision making rights from the legislature, the cabinet, or the civil service to the courts or, at lest, (2) the spread of judicial decision-making methods outside the judicial province proper. In summing up we might say that judicialization essentially involves turning something into a form of judicial process38.

O fenômeno da judicialização da política apresenta, desta feita, dois

contextos. O primeiro diz respeito à expansão das áreas de atuação dos tribunais

por intermédio da revisão judicial de ações legislativas e executivas, o segundo,

mais difuso, diz respeito à introdução ou expansão dos procedimentos judiciais junto

aos demais poderes: Executivo e Legislativo39.

No presente estudo focalizar-se-á a análise do primeiro contexto, referente ao

processo de transferência para o Judiciário de atribuições tradicionalmente afeitas

aos Poderes Executivo e Legislativo, fato este que implica, em última análise, em

uma revisão do jogo democrático.

Luis Roberto Barroso afirma, nesta toada, que:

judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da

_______________ 38 TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjorn. The global expansion of judicial power . New York: New

York University Press, 1995. p. 13. 39 MACIEL, Débora Alves; KOERNER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises.

Lua Nova , São Paulo, n. 57, 2002. p. 114.

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34

sociedade40.

Ernani Carvalho verbera que são múltiplas as causas e condições para o

desencadeamento do processo de judicialização da política, sendo que as primeiras,

segundo ele, demandam uma análise contextualizada.

Carvalho menciona, nesse sentido, que para os países desenvolvidos a

judicialização da política foi causada pela queda do comunismo e o fim da União

Soviética – fatores que implicaram na hegemonia do capitalismo e na difusão do

modelo norte-americano de Judiciário forte – e do surgimento dos tribunais

constitucionais. Nos países subdesenvolvidos, ao seu turno, Ernani menciona que a

principal causa foi a busca de um judiciário forte e independente para assegurar o

respeito às regras do jogo Capitalista atendendo aos interesses econômicos globais.

Finalmente, no que diz respeito à realidade européia, afirma o autor que as

principais causas teriam sido a crise do positivismo jurídico, o aperfeiçoamento das

instituições judiciárias e a constitucionalização dos direitos fundamentais41.

No que se refere ao contexto brasileiro, verifica-se que dentre os fatores que

ensejaram a expansão do Poder Judiciário e, nesta toada, impulsionaram a

Judicialização da Política, podem ser citados a redemocratização do país e a

promulgação da Constituição de 1988, farta na previsão de direitos e garantias

fundamentais.

Tais fatores, somados a tomada de consciência por parte da população em

geral com relação aos seus direitos que, não obstante prometidos pelo Estado

Social brasileiro não foram implementados por intermédio de políticas públicas

estatais, implicaram no acréscimo da demanda judicial, tendo em vista que os

cidadãos passaram a buscar no Judiciário a obtenção dos direitos proclamados pela

Constituição.

Conforme mencionado por Amandino Teixeira Nunes Machado, o fenômeno

da judicialização da justiça revela que:

os cidadãos buscam limitar a atuação dos governantes, valendo-se dos instrumentos constitucionais postos à sua disposição e socorrendo-se do

_______________ 40 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática .

Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 3.

41 CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia Política , n. 23, Curitiba, 2004. p. 116 e 117.

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35

Poder Judiciário, dentro do quadro político-institucional das democracias contemporâneas. A ampliação do número de ações judiciais contra os atos do Poder Público integra o jogo democrático das sociedades atuais42.

Verifica-se, nesta toada, que a nova leitura dada as Constituições e as novas

feições por elas assumidas ao longo do séc. XX foram essenciais para que o

Judiciário se libertasse das amarras do modelo legalista de Direito e assumisse uma

postura mais ativa frente à interpretação do Direito, desencadeando o fenômeno da

judicialização da política.

O reconhecimento da normatividade dos princípios, direitos e garantias

previstos e inseridos nos textos constitucionais mostrou-se fundamental para esta

mudança estrutural da ciência jurídica contemporânea.

Conforme ressaltado por Amandino Teixeira Nunes Junior, a expansão do

controle judicial sobre os demais poderes reflete, em grande parte,

“o fato de que as técnicas de controle de constitucionalidade desenvolvidas pelos

tribunais nas democracias contemporâneas têm ampliado seu domínio sobre os

resultados dos processos legislativos e das políticas públicas”43.

Por ser composta por diversos dispositivos abertos, cujas estruturas

normativas apresentam amplo grau de generalidade e abstração, a Constituição

outorga aos juízes um elevado grau de discricionariedade por ocasião de sua

aplicação.

A consagração de normas constitucionais de caráter aberto (princípios) limita a atuação da lei e demanda um processo de preenchimento, a ser implementado pelo órgão incumbido de zelar pela guarda da Constituição44.

No que concerne à realidade nacional é de se ver que a Constituição da

República de 1988, também chamada de Constituição Cidadã, representou um

importante marco para que o Poder Judiciário assumisse um novo e importante

papel na democracia brasileira, pois previu uma série de novos direitos e garantias

fundamentais em seu texto e, ainda, trouxe diversas inovações na seara do controle

_______________ 42 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A constituição de 1988 e a judicialização da política no

Brasil. Revista de informação legislativa , v. 45, n. 178, abr./jun. 2008. p. 178. 43 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A constituição de 1988 e a judicialização da política no

Brasil. Revista de informação legislativa , v. 45, n. 178, abr./jun. 2008. p. 160. 44 TAVARES, André Ramos. Justiça Constitucional e suas fundamentais funções. Revista de

Informação Legislativa , v.43, n. 171, p. 19-47, jul./set. 2006. p. 29.

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36

judicial de constitucionalidade.

Dentre as inovações da Carta Magna de 1988 é possível citar a criação da

ação direita de inconstitucionalidade por omissão, a ampliação do rol de legitimados

a proposição da ação direta de inconstitucionalidade, a criação do mandado de

injunção para viabilizar o exercício de direitos em face da ausência de norma

regulamentadora e a criação da ação declaratória de constitucionalidade.

Todas estas alterações do novo texto constitucional impulsionaram o

Judiciário a atuar como um poder político junto à sociedade brasileira. Questões

políticas, que até então eram deliberadas e decididas exclusivamente no âmbito dos

poderes Legislativo e Executivo passaram, dentro desta nova conjuntura, a também

sofrer ingerências do Poder Judiciário.

Gisele Cittadino bem observa, nesse sentido, que:

a ampliação do controle normativo do Poder Judiciário no âmbito das democracias contemporâneas é tema central de muitas das discussões que hoje se processam na ciência política, na sociologia jurídica e na filosofia do direito. O protagonismo recente dos tribunais constitucionais e cortes supremas não apenas transforma em questões problemáticas os princípios da separação dos poderes e da neutralidade política do Poder Judiciário, como inaugura um tipo inédito de espaço público, desvinculado das clássicas instituições político-representativas45.

De acordo com Ernani Rodrigues de Carvalho a Constituição de 1988 foi

fundamental para o desencadeamento do fenômeno de judicialização da política no

país. Isto porque, segundo ele, a partir dela é que se passou a verificar a

redemocratização do país, uma efetiva separação entre os poderes e o

reconhecimento formal e material dos direitos políticos pela Constituição46.

Além disso a Carta de 1988 foi responsável por criar novos direitos, prever

novas garantias fundamentais e instituir instrumentos inéditos para garantir que tais

direitos pudessem ser exercidos na prática. A partir dela também foram alçados ao

âmbito constitucional uma série de assuntos que antes estavam sendo disciplinados

exclusivamente no âmbito infraconstitucional.

A par disso, também se verifica uma tendência contemporânea de utilização

_______________ 45 CITTADINO, Gisele. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de

Poderes. In A Democracia e os Três Poderes no Brasil . LUIZ WERNECK VIANNA, Organizador. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002. p. 17.

46 CARVALHO, Ernani Rodrigues de. Em busca da judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista de Sociologia Política , n. 23, Curitiba, 2004. p. 117-120.

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37

dos tribunais por grupos de interesse ou partidos de oposição. Estes passaram a

enxergar o Judiciário como um atalho ou uma instância recursal para a consecução

de objetivos seus que tradicionalmente vinham sendo deliberados nas instâncias

políticas tradicionais.

Mencione-se, nesse sentido, a partir da Constituição de 1988 ocorreu a

ampliação do rol de legitimados a propor ações diretas de controle de

constitucionalidade categoria na qual foram inseridos os partidos com representação

no Congresso Nacional.

Indubitavelmente a inclusão de partidos políticos dentre o rol de legitimados a

propor a ação direta de inconstitucionalidade, se mostra de grande valia na medida

em que proporciona as minorias parlamentares, a efetiva possibilidade oposição aos

grupos partidários hegemônicos no Congresso Nacional. Conforme destacado por

Clèmerson Merlin Clève:

[...] a legitimidade ativa dos partidos vem contribuir para o aprimoramento do Estado Democrático de Direito, uma vez que fortalece o direito de oposição. Ora, a maioria não é todo o Parlamento. Há as minorias ali representadas que, devidamente articuladas, formam o bloco de oposição. Cabe a esta, a oposição, propor modelos políticos alternativos e, mais do que isso, provocar a ação fiscalizadora do Parlamento. Sabe-se dos efeitos que essas atuações produzem, mormente no contexto de uma sociedade plural que admite, sem maiores restrições, a liberdade de imprensa. A Constituição de 1988 preocupou-se com o direito de oposição, a começar quando inscreve entre os fundamentos da república o pluralismo político (art. 1º da CF)47.

É de se ver, contudo, que tal faculdade acaba sendo por vezes utilizada

abusivamente pelos partidos políticos de oposição, os quais, ao invés de utilizarem

tais faculdades para a consecução de seus programas e metas acabam lançando

mão ao ajuizamento de ações diretas de constitucionalidade para tentar atravancar

os programas de governo de seus adversários políticos.

3.2 DIMENSÕES DO ATIVISMO JUDICIAL

_______________ 47 CLÈVE, Cleverson Merlin. A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no D ireito

Brasileiro . 2ª ed. São Paulo: RT, 2000. p. 171-172.

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38

O ativismo político é o segundo fenômeno que merece ser analisado para que

o protagonismo do Supremo Tribunal Federal possa ser compreendido de modo

integral. O ativismo judicial, da mesma forma que a Judicialização da Política,

também é um fenômeno complexo e multifacetado.

Assim como a judicialização da política, a expressão ativismo judicial também

apresenta diferentes significações. Do ponto de vista tradicional ativismo político

pode ser considerado como um compromisso assumido pelos juízes e tribunais no

sentido de atuarem de forma pró-ativa no exercício da Jurisdição, reconhecendo,

protegendo e concretizando direitos fundamentais.

Ativismo também pode, por outro lado, ser empregado de modo pejorativo,

fazendo menção a um aspecto comportamental dos magistrados no sentido de dar

prevalência as suas visões pessoais por ocasião da interpretação das normas

jurídicas.

Independentemente da conotação empregada verifica-se que, em regra, o

ativismo judicial está relacionado com práticas como as de:

a) desafiar os atos dos demais poderes que sejam de constitucionalidade

defensável;

b) resolver “legislar” no exercício de suas funções jurisdicionais;

c) julgar com a finalidade de alcançar um resultado pré-determinado;

Luis Roberto Barroso cita, no mesmo sentido, três exemplos de condutas

reveladoras do ativismo judicial:

(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas48.

Uma das principais frentes a partir da qual o ativismo judicial se revela

decorre da ampla e variável significação que pode ser atribuída aos dispositivos

normativos abertos que estão inseridos no texto constitucional.

Explica-se: ao resolver regulamentar um dispositivo constitucional aberto _______________ 48 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática .

Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 6.

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39

como este, o Legislador se vê compelido a realizar uma opção política por um dos

diferentes significados que lhe poderiam ser atribuídos.

Feita esta opção política pelo legislador, o Judiciário poderá ser instado a

sobre ela se manifestar, ocasião na qual poderá assumir duas posturas

diametralmente opostas.

De um lado poderá adotar uma postura de auto-limitação, respeitando a

decisão efetuada pelo Legislador, que simplesmente optou por uma das diferentes

interpretações possíveis a partir do dispositivo aberto. De outro, contudo, poderá

optar por invalidar a escolha política do legislador, atribuindo outra interpretação

plausível ao dispositivo aberto.

Caso opte pela segunda via, declarando a inconstitucionalidade de leis de

constitucionalidade defensável ou plausível, estará revelando, em suma, pouca

deferência às atividades desempenhadas pelos demais Poderes, fato este que

poderá ensejar, inclusive, uma ofensa ao princípio da separação dos poderes.

O ativismo judicial também se mostra presente quando os juízes, ao invés de

se restringirem a revelar o sentido implícito do texto normativo, buscam lhe dar

conotação diversa da pretendida. Consubstancia-se, neste caso, o desrespeito aos

limites impostos pelo texto normativo, seja pela deturpação de seu significado ou

pela imposição de limites que nele não implícitos.

Verifica-se, neste sentido, que tanto é considerado ativista o magistrado ou

tribunal que freqüentemente invalida as ações normativas dos demais Poderes

estatais, quando aquele que se põe a suprir as omissões destes Poderes por

intermédio do exercício da Jurisdição.

Sob prisma jurisdicional o ativismo se revela, portanto, através da ampliação

da competência do Judiciário por meio de suas próprias decisões. Nesse sentido é

que se proclama o ativismo do Supremo Tribunal, o qual está, principalmente após a

Constituição de 1988, redefinindo os limites de sua própria competência.

É importante mencionar, entretanto, que a expansão da atuação do Judiciário

não é um fato novo no contexto mundial. Conforme destacado por Oscar Vilhena

Vieira:

a expansão da autoridade judicial começou a ser detectada, já no início do século passado, pelos realistas nos Estados Unidos, a partir de uma série de decisões liberais da Suprema Corte, no que se convencionou chamar de era Lochner. Nesse período, a Corte passou a tomar decisões que

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40

substituíam a vontade do legislador, por intermédio da doutrina do devido processo legal substantivo. Por essa doutrina, a Corte não apenas se limita a verificar a constitucionalidade formal de um ato normativo, mas também a sua razoabilidade face aos princípios da constituição. No caso Lochner, a Corte invalida legislação de cunho social, produzida pelo Estado de Nova York, em face de princípios implícitos pretensamente na Constituição49.

Destaque-se, além disso, que a expansão da atuação judicial nos países

adotantes da common law apresenta causas diferentes da expansão verificada nos

países seguidores da civil law.

Nos países adotantes da civil law o direito é identificado com a lei, ao passo

que nos adotantes da commom law a lei é considerada como uma mera fonte

subsidiária frente ao direito criado pelos próprios juízes.

Enquanto na commom law, portanto, os magistrados são impulsionados a

esclarecer, orientar e modernizar o direito a partir de suas decisões, as quais

vinculam os demais juízes em face do princípio do stare decisis, nos países

adotantes da civil law, a criação judicial é viabilizada a partir da incorporação de

normas abertas nos textos constitucionais e pelas subseqüentes interpretações

construtivistas que sobre elas são feitas.

Gisele Cittadino menciona, nesse sentido, que:

expansão da ação judicial é marca fundamental das sociedades democráticas contemporâneas. O protagonismo do Poder Judiciário pode ser observado tanto nos Estados Unidos como na Europa, ainda que nos países da common law esse ativismo judicial seja mais favorecido pelo processo de criação jurisprudencial do direito. De qualquer forma, mesmo nos países de sistema continental, os textos constitucionais, ao incorporar princípios, viabilizam o espaço necessário para interpretações construtivistas, especialmente por parte da jurisdição constitucional, já sendo até mesmo possível falar em um ‘direito judicial’50.

Oportuno mencionar, neste ponto, conforme explicitado por Cappelletti, que,

em virtude da inevitável intensificação da criatividade da função judiciária em nossa

época, está ocorrendo uma aproximação entre as duas grandes famílias jurídicas:

_______________ 49 VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremocracia. Revista Direito GV . São Paulo, jul./dez. de 2008.

Disponível em: <http://www.direitogv.com.br/subportais/publica%C3%A7%C3%B5e/RD08_6_441_464_Supremocracia _Oscar%20Vilhena%20Vieira.pdf >. Acesso em: 03 de setembro de 2009. p.443

50 CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, Ativismo Judiciário e Democracia. Alceu , v.05, n.09, p.105-113, dez. 2004. p. 105.

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41

civil law e commom law51.

Por implicarem em uma maior discricionariedade dos juízes por ocasião da

prestação da atividade jurisdicional, a inserção de normas gerais nos diplomas

normativos contemporâneos está amplamente relacionada com o seu eventual

ativismo.

3.3 ATIVISMO JUDICIAL X JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

Importante destacar, neste ponto, que não obstante muito semelhantes,

ativismo judicial e judicialização da política são fenômenos diversos. Em que pese

possam caminhar lado a lado possuem causas e, sobretudo, implicações muito

diferentes.

A judicialização da política decorre de uma estruturação política, jurídica e

institucional que implica na transferência de competências do âmbito de atuação dos

Poderes Legislativo e Executivo para o Judiciário.

O Ativismo judicial, por sua vez, decorre do comportamento dos juízes e

tribunais que resolvem se imiscuir na esfera de competência dos demais Poderes.

Com isso não quer afirmar que a judicialização e ativismo sejam fenômenos

contrapostos. O oposto do ativismo judicial, em verdade, é a auto-contenção judicial.

A auto-contenção mostra-se presente quando os juízes e tribunais restringem

algumas potencialidades hermenêuticas constitucionais em respeito à esfera de

atuação das instâncias políticas tradicionais. Já o ativismo, do outro lado, implica no

aproveitamento das diferentes possibilidades de interpretação da norma sem que se

passe a percorrer o caminho da livre criação do Direito52.

A inserção do magistrado em um contexto de judicialização da política não

implica na necessidade de ele atuar de forma ativista. Judicilização e ativismo

apresentam características semelhantes mas diferentes causas e implicações.

Luis Roberto Barroso afirma, nesse sentido, que:

_______________ 51 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? . Porto Alegre: S. A. Fabris, 1993. p. 116. 52 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática .

Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 7.

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a judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. [...] Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva53.

O mesmo autor faz a ressalva, contudo, de que, no contexto brasileiro, a

judicialização não é uma opção ideológica do Poder Judiciário, mas uma decorrência

lógica dos preceitos da própria Constituição. A Carta Política de 1988 é composta

por inúmeros preceitos normativos abertos e por conceitos jurídicos indeterminados,

os quais, em última análise, possuem diversas interpretações possíveis. Deste

modo, em sendo o Judiciário e especificamente no caso da Constituição o Supremo

Tribunal Federal, o responsável pela escolha de uma destas interpretações

admissíveis, é impossível que tal função seja desempenhada de forma minimalista.

No mesmo sentido se manifestou Maria Celina B. Moraes, para a qual:

no Estado Democrático de Direito, delineado pela Constituição de 1988, que tem entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, o antagonismo público-privado perdeu definitivamente o sentido. Os objetivos constitucionais de construção de uma sociedade livre, justa e solidária e de erradicação da pobreza colocaram a pessoa humana – isto é, os valores existenciais – no vértice do ordenamento jurídico brasileiro, de modo que tal é o valor que conforma todos os ramos do Direito54.

A constituição da República é manifesta em sua intenção de promover a

concretização da dignidade da pessoa humana, elencando-a, inclusive, em seu Art.

1º, III, como um dos fundamentos do Estado Brasileiro. No mesmo sentido a Carta

Magna é incisiva ao proclamar a necessidade de construção de uma sociedade

_______________ 53 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática .

Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 6.

54 TEPEDINO, Maria Celina B. Moraes. A Caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista Estado, Direito e Sociedade . Disponível em: <www.idcivil.com.br/pdf/biblioteca4.pdf>. Acesso em 12/08/2007. p. 6.

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digna, justa e solidária, visto que tal estado ideal é considerado em seu art. 3º, I

como sendo um dos objetivos fundamentais da República. Ressalte-se, ainda, que

em seus artigos 170 e 193 a Constituição também previu, respectivamente, que a

ordem econômica deve estar configurada de modo a assegurar existência digna

para todos e que o bem-estar e a justiça social são objetivos da ordem social55.

A promoção da dignidade humana deve ser vista, neste diapasão, mais do

que um objetivo, um verdadeiro pressuposto para a atuação dos Poderes estatais.

Ao Judiciário, portanto, e especificamente ao STF – ao qual foi incumbida a missão

de precipuamente guardar a Constituição –, não existe a faculdade de não

concretizá-la.

Tal como evidenciado por Claudia Maria Barbosa:

o desenvolvimento em sua acepção mais ampla e a dignidade humana são objetivos prioritários da sociedade brasileira, e nesta condição devem ser perseguidos pelas ações governamentais, pela sociedade civil, e também pelo Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo respeito e, por conseqüência, pela observância das normas constitucionais. Lutar por eles não é, ou não deveria ser, uma opção política, mas uma obrigação constitucional. É nesse contexto que o papel do sistema de justiça, e do Poder Judiciário especificamente, torna-se essencial na realização do chamado Estado Democrático de Direito56.

Em decorrência da assunção desta nova perspectiva promocional, orientada

para a concretização e efetiva fruição de direitos, a linha de atuação do Judiciário

brasileiro, que até o advento da Constituição de 1988 era inequivocamente no

sentido da auto-contenção, passou, a partir de então, a exibir um viés claramente

ativista.

O próximo capítulo será dedicado a ilustração e análise desta modificação

paradigmática verificada no Judiciário brasileiro. Para tal desiderato optou-se por

eleger alguns casos de ampla repercussão junto ao órgão de cúpula do Judiciário

nacional e principal responsável pelo exercício do controle de constitucionalidade: o

Supremo Tribunal Federal.

Importante mencionar, neste ponto, que a opção pela análise de julgamentos

deste Tribunal se deu pelo fato de que a judicialização da política e o ativismo

_______________ 55 BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um judiciário socioambientalmente responsável.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR , Curitiba, n.48, p.107-120, 2008. p 110. 56 BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um judiciário socioambientalmente responsável.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR , Curitiba, n.48, p.107-120, 2008. p. 111.

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judicial se revelam de modo mais contundente nesta Corte, por ocasião do exercício

da jurisdição constitucional.

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4 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO CONTEXTO DE JUDICIA LIZAÇÃO DA

POLÍTICA NACIONAL: ATIVISMO OU AUTO-CONTENÇÃO

4.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E

JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA

A denominação “Supremo Tribunal Federal” foi utilizada pela primeira vez na

Constituição Provisória publicada pelo Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890,

sendo que a Constituição promulgada em 1891 passou a dispor sobre esta Corte

nos artigos 55 e 59.

Ressalte-se, todavia, que desde 25 de março de 1824 já existia no Brasil o

Supremo Tribunal de Justiça, antecessor do Supremo Tribunal Federal e então

órgão de cúpula do Judiciário nacional.

Foi por ocasião da proclamação da República, em 15 de novembro de 1889,

que se possibilitou o surgimento do Supremo Tribunal Federal como órgão de cúpula

do Poder Judiciário. Importante destacar, na esteira dos ensinamentos de Carlos

Mario Velloso, que a Carta política de 1891 adotou o modelo norte-americano de

Tribunal Constitucional, segundo o qual a Suprema Corte não é somente um órgão

de cúpula do Judiciário, mas também, e na medida em que realiza o controle de

constitucionalidade das leis, o vértice de um Poder político estatal57.

O controle de constitucionalidade das leis decorre do princípio da supremacia

da Constituição. De acordo com este princípio nos casos onde houver conflito entre

normas constitucionais e normas infraconstitucionais, aquelas deverão prevalecer

sobre destas.

Na medida em que no sistema jurídico brasileiro cabe ao Poder Judiciário – e

ao Supremo Tribunal Federal, no caso do controle direto – a realização deste

controle, vigora o controle jurisdicional de constitucionalidade. Ele se diferencia do

controle político de constitucionalidade, pois neste o conflito é analisado por um

órgão de natureza política. Na Inglaterra, por exemplo, tal controle é realizado pelo

parlamento, e, na França, pelo Conselho Constitucional.

_______________ 57 VELLOSO, Carlos Mário. O Supremo Tribunal Federal, Corte Constitucional : uma proposta que

visa a tornar efetiva a sua missão precípua de guarda da constituição. Revista de informação legislativa, v.30, nº 120, out./dez., 1993. p. 7.

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Em sendo o Judiciário responsável por exercer o controle de

constitucionalidade das leis e atos normativos dos demais poderes, ele também

acaba por exercer uma importante participação no jogo político estatal.

O controle jurisdicional de constitucionalidade pode ocorrer de forma difusa ou

concentrada. O controle difuso de constitucionalidade ocorre por via incidental e

pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal. No controle difuso a declaração de

inconstitucionalidade ocorre no interesse de uma determinada causa ou caso

concreto, sendo que os efeitos da decisão repercutem apenas entre as partes do

processo. O controle concentrado de constitucionalidade, por outro lado, é realizado

apenas pela via direta e junto ao órgão de cúpula do Judiciário; no caso brasileiro, o

Supremo Tribunal Federal. Nesta forma de controle o objeto de discussão é a

própria lei ou norma que se pretende declarar constitucional ou inconstitucional,

sendo que a decisão produz efeitos erga omnes, ou seja, perante todos.

As ações diretas de constitucionalidades se desenvolvem em processos

objetivos, desprovidos de partes, e possuem como único desiderato a proteção da

ordem jurídica mediante a declaração de conformidade ou não de leis ou atos

normativos com a Constituição.

O controle difuso, conforme menciona Velloso, surgiu nos Estados Unidos da

América, por ocasião do célebre julgamento do caso Marbury versus Madison, em

1803. No Brasil tal forma de controle foi instituída por ocasião do Decreto n. 848 de

1890, ratificado no ano seguinte pela Constituição de 189158.

O sistema concentrado de controle de constitucionalidade, por outro lado, foi

introduzido na ordem jurídica brasileira por intermédio da Constituição de 1934,

momento a partir do qual foi criada a ação direta interventiva, de competência do

Supremo Tribunal Federal.

A inauguração do controle de constitucionalidade concentrado em abstrato,

por outro lado, somente se deu com a Constituição de 1965, que instituiu a ação

direta genérica, de competência do STF, cujos objetos eram as leis ou atos

normativos federais ou estaduais.

Foi por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, entretanto, que

ocorreram as principais inovações no sistema brasileiro de controle de _______________ 58 VELLOSO, Carlos Mário. O Supremo Tribunal Federal, Corte Constitucional : uma proposta que

visa a tornar efetiva a sua missão precípua de guarda da constituição. Revista de informação legislativa, v.30, nº 120, out./dez., 1993. p. 21.

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constitucionalidade. Esta Carta não só foi responsável por ampliar substancialmente

o rol de legitimados a proporem a ação direta de inconstitucionalidade, como

também por criar a ação direta de constitucionalidade por omissão e a argüição de

descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição.

Em face de todas essas inovações o atual sistema brasileiro de controle de

constitucionalidade é considerado como um dos mais completos e abrangentes

sistemas de controle jurisdicional de constitucionalidade do mundo, na medida em

que admite tanto o controle difuso de constitucionalidade (modelo americano) quanto

o controle concentrado de constitucionalidade (modelo europeu).

Esta peculiaridade do Estado brasileiro possibilita que praticamente qualquer

questão moral ou politicamente relevante possa ser submetida ao crivo do Judiciário

em sede de controle de constitucionalidade.

Neste contexto, não obstante sejam feitas críticas no que tange a

impossibilidade de a iniciativa popular dar azo ao controle de constitucionalidade

brasileiro, percebe-se que, em decorrência dele, o Judiciário brasileiro passou a

assumir a feição de verdadeiro canal de consenso na sociedade, expandindo-se

frente aos demais poderes.

Conforme destacado por Gisele Cittadino:

a ampliação do controle normativo do Poder Judiciário no âmbito das democracias contemporâneas é tema central de muitas das discussões que hoje se processam na ciência política, na sociologia jurídica e na filosofia do direito. O protagonismo recente dos tribunais constitucionais e cortes supremas não apenas transforma em questões problemáticas os princípios da separação dos poderes e da neutralidade política do Poder Judiciário, como inaugura um tipo inédito de espaço público, desvinculado das clássicas instituições político-representativas59.

Ademais, na medida em que a Constituição de 1988 imbuiu o Supremo

Tribunal Federal da realização do controle concentrado de constitucionalidade e

ainda lhe atribuiu, por meio da competência recursal, a tarefa de rever as decisões

finais proferidas pelos demais juízes e tribunais em sede de controle difuso de

constitucionalidade, esta Corte superior ocupa uma posição de destaque neste

_______________ 59 CITTADINO, Gisele. Judicialização da Política, Constitucionalismo Democrático e Separação de

Poderes. In A Democracia e os Três Poderes no Brasil . LUIZ WERNECK VIANNA, Organizador. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ/FAPERJ, 2002. p. 17.

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contexto de judicialização da política brasileira60.

Mencione-se, ainda, que a grande extensão do sistema brasileiro de controle

direto de constitucionalidade não é somente revelada sob o prisma teórico-abstrato,

mas também na prática.

A partir de dados coletados no Portal de Informações Gerenciais do STF

verifica-se que no período compreendido entre a promulgação da Constituição, em

1988, e agosto de 2009, foram ajuizadas 4.287 Ações Diretas de

Constitucionalidade.

Dentre essas 4.287 Ações Diretas de Constitucionalidade 2.830 ações já

foram julgadas definitivamente, das quais 689 foram julgadas procedentes, 174

foram julgadas parcialmente procedentes, 171 foram julgadas improcedentes e

1.796 não foram conhecidas.

Trata-se, indubitavelmente, de um grande número de ações diretas de

inconstitucionalidade para um sistema jurídico no qual se presume a

constitucionalidade das leis.

Este elevado índice de ações de inconstitucionalidade ajuizadas desde a

promulgação da Constituição de 1988 vai de encontro à própria presunção de

constitucionalidade das leis. Estes números parecem sugerir, ao contrário, a

existência de um terceiro estágio para a entrada em vigor de uma lei no

ordenamento jurídico nacional. Primeiro ela deveria ser aprovada nas duas casas do

Congresso Nacional, depois deveria ser sancionada pelo presidente da república e

finalmente, praticamente como uma condição resolutiva para ser considerada válida,

deveria ser declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

A Constituição de 1988 foi determinante para a delineação deste cenário,

tendo em vista que alavancou a transformação do STF em um verdadeiro Tribunal

Constitucional, não só prevendo novas espécies de ações para tal desiderato, como

também, e talvez principalmente, porque ampliou o número de legitimados para

propô-las.

A utilização da ação de controle direito de constitucionalidade antes da

Constituição de 1988 era muito restrita, pois o único legitimado para propô-la era o

Procurador-Geral da República.

_______________ 60 NUNES JUNIOR, Amandino Teixeira. A constituição de 1988 e a judicialização da política no

Brasil. Revista de informação legislativa , v. 45, n. 178, abr./jun. 2008. p. 166.

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Nina Rodrigues afirma, nesse sentido, que o Procurador-Geral da República,

além de ser único detentor da faculdade de provocar o Supremo para a apreciação

da inconstitucionalidade de uma lei em sede de controle direto de

constitucionalidade, era “demissível ad nutum, portanto, funcionário de confiança do

Presidente da República. Assim, era o Executivo quem, de fato, tinha a faculdade de

questionar a constitucionalidade de uma lei em tese”61.

A par disso a Carta de 1988 também alargou as hipóteses ou temas sobre os

quais as ações diretas podem ser propostas, visto que foi responsável por

constitucionalizar inúmeras matérias que antes estavam circunscritas a

regulamentação por meio de leis infra-constitucionais. Trata-se do fenômeno

designado por Luis Roberto Barroso como “constitucionalização abrangente”.

Quando a Constituição passa a disciplinar em seu texto um determinado

assunto com conotações políticas está, em última análise, possibilitando que os

debates políticos sobre esta matéria sejam alçados à esfera de atuação do

Judiciário, sob a forma de uma demanda judicial.

Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas62.

Em sendo o STF o órgão máximo da jurisdição constitucional no país, é nele

que se define a forma como a Constituição deve ser interpretada. Ocorre, contudo,

que ao desempenhar tal papel, o STF, além diretamente explicitar a forma como a

Constituição deve ser aplicada, também acaba por – mesmo que de forma indireta –

definir o âmbito de atuação dos demais poderes. Verifica-se, neste diapasão, que é

no âmbito da jurisdição constitucional que o fenômeno da judicialização da política

se mostra de forma mais evidente.

_______________ 61 RODRIGUES, Nina T. Disconzi. O controle de constitucionalidade no direito brasileira e as Leis

9.868/99 e 9882/99. Revista de Informação Legislativa , v.38, nº 149, p. 111-124, jan./mar. de 2001. p. 116.

62 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática . Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 4.

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No mesmo sentido proclama Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para o qual,

neste período:

[...] o papel do Judiciário torna-se acentuadamente de caráter político. No caso do controle de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade, que se generaliza, e a ação direta de constitucionalidade fazem dele um legislador negativo, enquanto a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção o impelem de tornar-se um legislador ativo63.

Não se pode considerar, contudo que a ampla utilização das ações de

controle de constitucionalidade ilustra um aspecto negativo para a democracia

brasileira. Ao contrário, a utilização das ações de controle de constitucionalidade é,

em regra, diretamente proporcional a maturidade democrática da sociedade na qual

elas estão sendo utilizadas.

Anderson Lobato afirma nesse sentido que:

o grau de engajamento do Judiciário depende diretamente de um espaço democrático, de modo que, nos períodos de constitucionalismo autoritário, o controle de constitucionalidade e a proteção de Direitos de cidadania tornam-se tímidos e excessivamente formalistas64.

Destarte, o processo de judicialização da política é um fenômeno que tende a

se manifestar nas democracias consolidadas, nas quais há a possibilidade de

controle das ações do Executivo e Legislativo mediante o ajuizamento de ações de

controle de constitucionalidade.

Ante ao exposto verifica-se que, não obstante também se mostre presente por

ocasião do exercício da jurisdição ordinária, o caráter político das decisões judiciais

se manifesta de modo ainda mais explícito e recorrente por ocasião do exercício da

Jurisdição Constitucional.

Trata-se, em verdade, de uma conseqüência natural do fato de que a própria

Constituição da República, em sua essência, é uma Carta Política. Assim sendo, os

juízos de valor acerca da conformidade ou não de leis ordinárias com a Constituição

_______________ 63 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Poder judiciário na Constituição de 1988: judicialização da

política e politização da justiça. Revista de Direito Administrativo , Rio de Janeiro, v. 198, out./dez. 1994. p. 11.

64 LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante. Política, Constituição e Justiça: os desafios para a consolidação das instituições democráticas. Revista de Sociologia e Política , n. 17, Nov/2001. p. 48.

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(inconstitucionalidade ou constitucionalidade) muitas vezes estão imiscuídos em

questões de natureza política e social.

Luis Roberto Barroso destaca, nesse sentido, que:

desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes65.

O Supremo Tribunal Federal exerce, pois, dois papéis de extrema

importância: ao mesmo tempo em que resolve litígios judiciais, voltados para as

partes e para o passado, também complementa e desenvolve o direito positivado, o

qual está voltado para a coletividade e para o futuro66.

Esta segunda faceta do Supremo Tribunal Federal, que não se limita a

simplesmente defender, mas também visa a promover os direitos assegurados na

Constituição, ilustra a superação da função judicial em sua concepção clássica de

legislador negativo, e será explicitada a seguir a partir de análise de julgados de

ampla repercussão desta Corte.67

Verificar-se-á que, ao interpretar a Constituição, a Corte Suprema

constantemente redefine o seu sentido e o sentido das leis constitucionais, motivo

pelo qual não se pode concluir que os preceitos normativos possuem um caráter fixo

e imutável.

Conforme se verá, contudo, a modificação da interpretação destes

_______________ 65 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática .

Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 2.

66 VIEIRA, José Ribas; BRASIL, Deilton Ribeiro. O efeito vinculante como ferramenta do ativismo judicial do STF. Revista de Informação Legislativa , v. 45, nº 178, p. 131-139, abr./jun. de 2008. p. 131.

67 VIEIRA, José Ribas; BRASIL, Deilton Ribeiro. O efeito vinculante como ferramenta do ativismo judicial do STF. Revista de Informação Legislativa , v. 45, nº 178, p. 131-139, abr./jun. de 2008. p. 133.

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dispositivos normativos, que sempre deverá ser feita de forma motivada, nem

sempre revela os critérios de conveniência e oportunidade que a balizaram, os

quais, antes de serem jurídicos, muitas vezes também se mostram políticos e

sociais.

4.2 ANÁLISE DE CASOS

Diversos são os julgamentos que o Supremo Tribunal Federal tem realizado

hodiernamente sobre assuntos de ampla repercussão no cenário jurídico-político

brasileiro. Optou-se no presente trabalho, contudo, pela análise de temas sobre os

quais se operou a modificação do entendimento desta Corte. Isto porque tais

julgamentos permitem seja analisada a argumentação que vinha sendo utilizada pelo

Supremo em uma fase de auto-contenção e a argumentação que passou a ser

deduzida neste Tribunal em um contexto de judicialização da política.

Foram eleitos, neste diapasão, os seguintes temas para análise: os efeitos

das decisões em sede de Mandados de Injunção, a possibilidade de prisão civil do

depositário infiel, e possibilidade de perda de mandato parlamentar em decorrência

da infidelidade partidária.

4.2.1 Mandado de injunção

4.2.1.1 Traços gerais

O instituto do Mandado de Injunção foi inserido no sistema jurídico brasileiro

por meio da Constituição de 1988, conforme a previsão de seu art. 5º, LXXI:

Art. 5: (…) LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

O Mandado de Injunção foi concebido para ser um instituto processual

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constitucional destinado a proporcionar o exercício de direitos e liberdades

constitucionais bem como de prerrogativas referentes à nacionalidade, soberania e

cidadania, quando o exercício destes direitos estiver inviabilizado, em virtude da

inexistência da respectiva norma regulamentadora. Presta-se, portanto, para dar

concretude as normas constitucionais de eficácia limitada, conforme tradicional

classificação do jurista José Afonso da Silva.

A simples leitura do dispositivo constitucional supramencionado já permite

extrair os requisitos ou pressupostos para a sua impetração, quais sejam: i) a

existência de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucional e ii) que este

direito, liberdade ou prerrogativa não possa ser exercido em virtude da ausência de

uma norma regulamentadora.

No que tange as partes de um mandado de injunção verifica-se que a

legitimidade ativa será do titular do direito constitucionalmente assegurado e a

legitimidade passiva será do órgão que, não obstante competente, se manteve

omisso na elaboração da norma regulamentadora necessária ao exercício do direito

constitucional em questão.

Ainda não foi editada uma lei específica para regulamentar a utilização do

Mandado de Injunção, mas a Lei 8.038/90, que define o rito procedimental do

Mandado de Segurança, dispõe em seu art. 24 que, “no mandado de injunção, serão

observadas, no que couber, as normas do mandado de segurança, enquanto não

editada legislação específica”.

Tendo em vista que nem a Constituição ou a legislação ordinária dispuseram

acerca dos efeitos das decisões dos mandados de injunção, desenvolveram-se três

correntes jurisprudenciais a respeito. A primeira corrente, chamada de não-

concretista, defende que nas decisões de Mandados de Injunção cabe ao Judiciário

apenas fazer o reconhecimento formal da inércia legislativa e, em seguida,

comunicar o órgão legislativo competente acerca da necessidade de elaboração da

norma regulamentadora do direito constitucional que não pode ser exercido.

Tal corrente entende que qualquer atitude pró-ativa do Judiciário no sentido

de viabilizar o exercício do direito constitucional configura uma flagrante ofensa ao

princípio da separação dos poderes.

A segunda corrente, chamada de concretista individual, defende que não

basta ao Judiciário simplesmente reconhecer a ausência de norma regulamentadora

na decisão do mandado de injunção, devendo também suprir a lacuna legislativa na

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54

sentença e regulamentar o exercício de tal direito ao impetrante. De acordo com

esta corrente o Judiciário deve, portanto, criar a regulamentação necessária para o

exercício do direito do impetrante no caso específico por ele relatado.

A terceira e última corrente, intitulada concretista geral, é muito similar a

anterior, dela se diferenciando unicamente no que se refere ao alcance dos efeitos

da regulamentação dos direitos na sentença judicial. Enquanto na teoria concretista

individual a decisão viabiliza o exercício do direito somente ao impetrado, na teoria

concretista geral viabiliza-se o exercício do direito para todos, em caráter geral.

De acordo com esta última teoria, portanto, a sentença judicial deve

proporcionar o exercício de um direito constitucional inviabilizado pela ausência de

uma norma regulamentadora não somente ao impetrante do mandado de injunção,

mas a todos aqueles que se encontrarem em idêntica situação.

Pelo fato de que nem a Constituição, tampouco a legislação ordinária optou

por uma destas três correntes, coube ao Supremo Tribunal Federal, definir, desde

1988, os efeitos de suas decisões em sede de mandados de injunção.

Foi no ano de 1989, por ocasião do julgamento de uma questão de ordem

suscitada no Mandado de Injunção n. 107-03 que o pleno do Supremo Tribunal

Federal se pronunciou pela primeira vez acerca da auto-aplicabilidade do Mandado

de Injunção e dos efeitos de sua decisão.

Decidiu-se nesta ocasião que este writ serve apenas para que o Judiciário

declare a mora do órgão legislativo competente em editar a norma regulamentadora

de direitos constitucionalmente assegurados.

Este posicionamento perdurou por um longo tempo, desde a promulgação da

Constituição Federal de 1988 e criação do instituto até o ano de 2006. Neste período

o STF adotou exclusivamente a corrente não-concretista acerca dos efeitos da

decisão no mandado de injunção.

Entendia-se, portanto, que o Mandado de Injunção era uma ação por meio da

qual tão somente se reconheceria a mora do Legislativo em regulamentar uma

determinada norma constitucional.

A partir do final do ano de 2006, contudo, o Supremo passou a rever este

posicionamento não-concretista e a adotar também, em determinados julgamentos,

as teorias concretistas individual e geral.

Como exemplo desta modificação de entendimento é possível mencionar as

decisões prolatadas nos Mandados de Injunção n. 670, 708 e 712, nas quais se

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adotou a teoria concretista geral, e no Mandado de Injunção n. 721, na qual foi

adotada a teoria concretista individual. Tais decisões serão brevemente comentadas

nas próximas linhas.

Esta guinada jurisprudencial, a partir da qual o Supremo passou a adotar uma

postura ativa, muito diferente daquela que vinha até então sendo por ele adotada,

dota a análise do tema de especial relevância para o presente estudo.

4.2.1.2 Julgamentos importantes

4.2.1.2.1 MI 107/DF

Conforme mencionado acima foi por ocasião do Mandado de Injunção n. 107-

03 que o pleno do Supremo Tribunal Federal se pronunciou pela primeira vez acerca

dos efeitos das decisões dos mandados de injunção. O julgamento desta ação

ocorreu no dia 23 de novembro de 1989, ocasião na qual o pleno do STF decidiu,

em questão de ordem suscitada pelo Min. Relator Moreira Alves, acerca da auto-

aplicabilidade do mandado de injunção e definiu os seus efeitos, em conforme

ementa abaixo:

MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. EM FACE DOS TEXTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DE DIREITO, GARANTIA OU PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ARTIGO 5., LXXI, DOS QUAIS O EXERCÍCIO ESTA INVIABILIZADO PELA FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER JUDICIARIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA OMISSAO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA EM REGULAMENTAR POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DE CIENCIA DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDENCIAS NECESSARIAS, A SEMELHANCA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO (ARTIGO 103, PAR-2., DA CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL OPONIVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE A OMISSAO INCONSTITUCIONAL. - ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE MANDADO, E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE - QUE ESTA DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ARTIGO 102, I, 'Q' -, AUTO-EXECUTAVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE

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DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO PROCEDIMENTO, APLICAVEL QUE LHE E ANALOGICAMENTE O PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR68.

Em seu voto o Ministro Relator Moreira Alves foi taxativo em dizer que em

sede de mandado de injunção não cabe ao Supremo Tribunal Federal suprir a

omissão legislativa mediante a edição de regulamentação própria, devendo apenas

assinar prazo para que o órgão omisso do Poder competente a edite.

Ele afirmou, neste sentido, que “em face dos textos da Constituição Federal

relativos ao mandado de injunção, é ele ação outorgada ao titular de direito, garantia

ou prerrogativa a que alude o artigo 5º, LXXI, dos quais o exercício está inviabilizado

pela falta de norma regulamentadora, e ação que visa a obter do Poder Judiciário a

declaração de inconstitucionalidade dessa omissão se estiver caracterizada a mora

em regulamentar por parte do Poder, órgão, entidade ou autoridade de que ela

dependa, com a finalidade de que se lhe dê ciência dessa declaração, para que

adote as providências necessárias, à semelhança do que ocorre com a ação direta

de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §2º, da Carta Magna), com a

determinação, se for o caso, da suspensão de processos judiciais ou

administrativos”69.

O Ministro Relator ainda destacou que a Constituição de 1988, atenta ao

princípio democrático, “estabeleceu um processo legislativo em que o Poder

Judiciário só tem iniciativa legislativa nos casos expressos na própria Constituição e

com relação a matérias a ele estritamente vinculadas, sendo que as decisões

políticas de que afinal resultam os textos legais se subordinam a um sistema de

freios e contra-freios de que participam exclusivamente os Poderes Legislativo e

Executivo, eleitos diretamente pelo povo”70.

_______________ 68 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00001.

69 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00047.

70 MI BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em:

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Resta evidenciado nestes trechos da decisão do Min. Moreira Alves a sua

opinião de que o Supremo não deve se imiscuir na competência dos demais

poderes, mesmo diante da omissão destes, não obstante seja este, em última

análise, o próprio objeto do mandado de injunção.

Digno de nota, ainda, o fato de que, em seu próprio voto Moreira Alves

mencionou a dificuldade existente na adoção da corrente não-concretista acerca dos

efeitos da decisão nos mandados de segurança. Reconheceu o Ministro que, na

prática, a decisão decorrente do Mandado de Injunção poderá não ser cumprida,

tendo em vista “a impossibilidade do Supremo Tribunal atuar coercitivamente contra

os Poderes de Estado omissos”71.

Argumentou ele, todavia, que tal objeção também existe em relação a ação

direta de inconstitucionalidade por omissão, sendo que em ambos os casos não se

está dito na Constituição que “caberá ao Poder Judiciário, substituindo-se ao Poder

competente, fazer essa regulamentação, restrita ao caso concreto, ou extensível a

todos os casos análogos”72.

Alegou, ademais, o Ministro Relator que: “a Constituição partiu da premissa

de que, com a procedência da ação direta ou do mandado de injunção, o Poder

competente, declarada a inconstitucionalidade de sua omissão, não persistirá em

sua atitude omissa. E, bem ou mal, contentou-se com essa eficácia. Ao Supremo

Tribunal Federal, a que precipuamente incumbe a guarda dessa Constituição, não é

dado, sem qualquer apoio em elementos interpretativos sólidos, desconsiderar essa

eficácia, para, com base nessa desconsideração, ter como inócuo o mandado de

injunção, e atribuir-lhe efeitos que, como se demonstrou, não se coadunam com o

sistema dessa mesma Constituição”73.

_______________ <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00041.

71 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00045.

72 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00046.

73 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00046.

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Celso de Mello, segundo Ministro a votar, reconheceu que “o desprestígio da

Constituição – por inércia de órgãos meramente constituídos – representa um dos

mais graves aspectos da patologia constitucional, além de evidenciar o inaceitável

desprezo das liberdades públicas pelos poderes de Estado”74, mas ainda assim

optou por decidir no sentido de que “o mandado de injunção não se destina a

constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de

funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas. O mandado de

injunção não é o sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas

aos órgãos estatais inadimplentes. Não legitima, por isso mesmo, a veiculação de

provimentos normativos que se destinem a substituir a faltante norma

regulamentadora sujeita a competência, não exercida, dos órgãos públicos. O

Supremo Tribunal Federal não se substitui ao legislador ou ao administrador que se

hajam abstido de exercer a sua competência normatizadora. A própria

excepcionalidade desse novo instrumento jurídico impõe ao Judiciário o dever de

estrita observância do princípio constitucional da divisão funcional do Poder”75.

Sepúlveda Pertence, ao seu turno, adiantou já nas primeiras palavras de seu

voto, que acompanharia o voto do Ministro Relator Moreira Alves, mas ainda assim

fez algumas interessantes observações acerca do Mandado de Injunção que

merecem ser reproduzidas.

Ressaltou ele que ao longo de toda a deliberação da Assembléia Constituinte

prevaleceu o entendimento de que o mandado de injunção serviria como um veículo

processual por meio do qual o Judiciário construiria a solução do caso singular e

viabilizaria, ao impetrante, o exercício do direito constitucional incapaz de ser

exercido em face da ausência de uma norma infraconstitucional regulamentadora.

Disse ele que “ao passo que a ação direta de inconstitucionalidade por omissão

visava, sim, nos sucessivos anteprojetos e projetos da Assembléia, à induzir à

colmatação da lacuna regulamentar da Constituição, o mandado de injunção foi

_______________ 74 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00057.

75 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00058 e 00059.

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pensado, repito, para construir a solução integradora, no caso concreto”76.

Segundo o Pertence, contudo, tal linha de interpretação sofreu, “na undécima

hora do processo constituinte, uma ruptura ainda inexplicada (…): a do sistema de

competência”. Segundo ele tal alteração foi radical porque “alterando o regime de

competência, induziu o intérprete – e esta Casa o consuma nesta tarde – a mudar o

entendimento sobre a própria natureza do instituto ou a finalidade institucional com

que foi pensada inicialmente a garantia”77.

Ato contínuo, baseando-se na suposta inviabilidade prática da utilização do

Mandado de Injunção conforme a sua vocação originária, Pertence optou por adotar

a corrente não- concretista.

Tal posicionamento do Ministro Pertence fica evidenciado no seguinte ponto

de seu voto: “ora, Sr. Presidente, o primeiro requisito da interpretação de um instituto

destinado a dar efetividade à Constituição è a viabilidade prática de sua utilização. E

estou convencido de que a solução constitucional afinal imposta na Constituição

para o sistema de competência jurisdicional do mandado de injunção inviabilizaria a

sua prática, se entendido o instituto como via processual de suprimento inter partes

da omissão legislativa”78.

Os demais Ministros presentes no julgamento do Mandado de Injunção n.

107-3, quais sejam: Paulo Brossard, Célio Borja, Carlos Madeira, Octavio Gallotti,

Sydney Sanches, Aldir Passarinho e Néri da Silveira, também acompanharam o voto

do Ministro Relator, de modo que a adoção da corrente não-concretista se deu por

unanimidade.

4.2.1.2.2. MI 721

_______________ 76 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00065 e 00066.

77 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00066.

78 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 107/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1989, publicado no DJ de 21/09/1990, p. 09782. Ement. 1627-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=107&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00068.

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Trata-se de Mandado de Injunção impetrado por servidora do Ministério da

Saúde, auxiliar de enfermagem, perante o Supremo Tribunal Federal contra o

Presidente da República. Pleiteou-se neste mandado que fosse suprida a falta da

norma regulamentadora a que se refere o art. 40, § 4º da Constituição. Visa,

portanto, a viabilizar o exercício do direito à aposentadoria especial decorrente do

exercício de atividade considerada como insalubre.

Marco Aurélio, Ministro relator do referido Mandado de Injunção, julgou

parcialmente procedente o pedido formulado para, de forma mandamental,

determinar que fosse adotado o sistema do regime geral de previdência social

previsto na Lei 8.213/91 e assegurar o direito da impetrante à aposentadoria

especial de que trata o § 4º do art. 40 da CF.

Ressaltou o ministro que a medida se mostrava adequada visto que, com o

advento da EC 20/98, deixaram de pairar dúvidas acerca da existência do direito

constitucional à adoção de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria

daqueles que tenham trabalhado sob condições especiais que prejudiquem a saúde

ou a integridade física. Mencionou, nesse sentido, que ficou suplantada a

jurisprudência do Tribunal que afirmava se tratar de uma mera faculdade do

legislador o estabelecimento por meio de lei complementar das exceções relativas a

essa aposentadoria.

Ato contínuo, afirmou Marco Aurélio que o Mandado de Injunção possui

caráter mandamental e não simplesmente declaratório, de modo que cabe ao

Judiciário, por força do disposto no art. 5º, LXXI e seu § 1º, da CF, não apenas emitir

certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito, mas viabilizar,

no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as conseqüências da inércia

do legislador. Eis o ponto de interesse do referido precedente para o presente

estudo, conforme se extrai da ementa abaixo.

MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impe tração, mas premissa da ordem a ser formalizada . MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da

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aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91 (grifo do autor)79.

O julgamento do Mandado de Injunção n. 721 se mostra de fundamental

importância para o presente estudo, pois foi a partir dele que o Supremo Tribunal

Federal começou a rever o seu posicionamento não-concretista acerca dos efeitos

da decisão em mandados injuncionais. Tal transição restou muito bem evidenciada

no voto do ministro Marco Aurélio, o qual, inclusive, asseverou a necessidade de

mudança do entendimento do STF acerca do tema.

Disse o relator que: “é tempo de refletir sobre a timidez inicial Supremo

quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a

separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de perceber a frustração gerada

pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente

declaratória do ato omissivo, resultado em algo que não interessa em si, no tocante

à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição

Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se

simples certidão da omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a

liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e

à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei

Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas conseqüências da

inércia do legislador. Conclamo, por isso o Supremo, na composição atual, a rever a

óptica inicialmente formalizada [...]. Está-se diante de situação concreta em que o

Diploma Maior recepciona, mesmo assim de forma mitigada, em se tratando apenas

do caso vertente, a separação dos Poderes que nos vem de Montesquieu. Tenha-se

presente a frustração gerada pelo alcance emprestado pelo Supremo ao mandado

de injunção. Embora sejam tantos os preceitos da Constituição de 1988, apesar de

passados dezesseis anos, ainda na dependência de regulamentação, mesmo assim

não se chegou à casa do milhar na impetração dos mandados de injunção”80.

Ressalte-se, ademais, que o próprio Ministro Relator fez questão de _______________ 79 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em:

30/08/2007, publicado no DJ de 30/11/2007, p. 00029. Ement. 2301-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 134-142.

80 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em: 30/08/2007, publicado no DJ de 30/11/2007, p. 00029. Ement. 2301-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00009 e 00010.

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mencionar que a atividade do Supremo que dá concretude aos efeitos do mandado

de injunção não pode ser confundida com a atividade legislativa.

Disse ele que, “ao agir, o Judiciário não lança, na ordem jurídica, preceito

abstrato. Não, o que se tem, em termos de prestação jurisdicional, é a viabilização

no caso concreto, do exercício do direito, do exercício da liberdade constitucional,

das prerrogativas ligadas a nacionalidade, soberania e cidadania. O pronunciamento

judicial faz lei entre as partes, como qualquer pronunciamento em processo

subjetivo, ficando, até mesmo, sujeito a uma condição resolutiva, ou seja, ao

suprimento da lacuna regulamentadora por quem de direito, Poder Legislativo”81.

Após o voto do Ministro Relator, o Eros Grau pediu vista dos autos. Em sua

decisão ele fez remissão à falta de eficácia da simples declaração de mora do

Legislativo para questionar se o STF se presta, por ocasião da decisão de

mandados de injunção, a simplesmente emitir decisões desnutridas de eficácia.

Para responder a esta pergunta Eros Grau lançou mão aos ensinamentos do

professor Botelho de Mesquita, para o qual: “o Mandado de Injunção destina-se,

apenas, à remoção do obstáculo criado pela omissão do poder competente para a

norma regulamentadora. A remoção desse obstáculo se realiza mediante a

formação supletiva da norma regulamentadora faltante. É esse o resultado prático

que se pode esperar do julgamento do mandado de injunção”82.

Ao trilhar este caminho o Ministro Eros Grau proclamou a insubsistência da

opinião segundo a qual o STF se poria a legislar por ocasião da adoção da teoria

concretista.

O ministro Carlos Britto também acompanhou o voto do relator e disse que,

tendo em vista que o mandado de injunção se destina a dar efetividade a normas

constitucionais de eficácia limitada, não haveria sentido em se proferir uma decisão

judicial também de eficácia limitada. Segundo ele “a decisão judicial há de ser

plenoperante, marcada pela sua carga de concretude, ou seja, tem de ser

_______________ 81 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em:

30/08/2007, publicado no DJ de 30/11/2007, p. 00029. Ement. 2301-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00009.

82 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em: 30/08/2007, publicado no DJ de 30/11/2007, p. 00029. Ement. 2301-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00020 e 00021.

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63

mandamental, como é da natureza da ação constitucional agora sob julgamento”83.

Após a dedução de todos estes argumentos, todos os Ministros presentes na

sessão plenária do STF decidiram, por unanimidade, seguir o voto do Relator e

impor, em face da inexistência de disciplina específica acerca da aposentadoria

especial do servidor, a adoção do regime próprio dos trabalhadores em geral,

previsto no artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91.

4.2.1.2.3 MI 670/DF, MI 708/DF e MI 712/PA

Foi a partir da decisão dos Mandados de Injunção de n. 670, 708 e 712,

julgados conjuntamente no dia 25 de outubro de 2007, que o Supremo sedimentou a

mudança de seu entendimento acerca dos efeitos das decisões em mandados de

injunção.

Nessa decisão novamente se afirmou a alteração do posicionamento desta

Corte frente a inércia dos órgãos legislativos na regulamentação de direitos

assegurados constitucionalmente.

Desde o surgimento do Mandado de Injunção, com a Constituição de 1988, o

instituto foi utilizado por diversas vezes com a finalidade de buscar proporcionar o

gozo do direito de greve aos servidores públicos.

Ao longo de quase vinte anos, contudo, até o julgamento dos Mandados de

Injunção de n. 670, 708 e 712, o Supremo se limitou a reconhecer que o direito de

greve dos servidores públicos deveria ser regulamentado, comunicando tal decisão

ao Legislativo.

Ocorre, contudo, não obstante todas as vezes84 em que o Supremo decretou

a mora do Legislativo na edição da norma referente ao art. 37, VII da Constituição,

este Poder se manteve inerte e o direito de greve do servidor público continuou sem

regulamentação.

Foi por ocasião do julgamento dos Mandados de Injunção de n. 670, 708 e

_______________ 83 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em:

30/08/2007, publicado no DJ de 30/11/2007, p. 00029. Ement. 2301-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00033.

84 Cite-se, por exemplo, os seguintes Mandados de Injunção: MI 585, MI 485, MI 438 e MI 20.

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712, que o Supremo reconheceu a falta de eficácia de suas decisões que se

limitavam a decretar a mora do Legislativo e resolveu suprir a longa omissão deste

Poder. Determinou, então, que fosse aplicada aos servidores públicos a legislação

referente a greve dos servidores particulares, até ulterior regulamentação legislativa

do tema.

A Corte Constitucional conheceu, portanto, dos Mandados de Injunção

supramencionados para no mérito determinar a aplicação das Leis nos 7.701/1988 e

7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito

de greve dos servidores públicos civis.

Não se mostra pertinente no presente caso reproduzir integralmente a

extensa ementa do julgamento dos MI 670/DF, 708 e 712, motivo pelo qual se

passará a colacionar, nas próximas linhas, os trechos da ementa que possuem

especial importância para a compreensão do tema ora estudado.

1.2. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial [referente ao posicionamento consolidado no julgamento do MI no 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.9.1990], o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções "normativas" para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5o, XXXV); [...] 3.3. Tendo em vista as imperiosas balizas jurídico-políticas que demandam a concretização do direito de greve a todos os trabalhadores, o STF não pode se abster de reconhecer que, assim como o controle judicial deve incidir sobre a atividade do legislador, é possível que a Corte Constitucional atue também nos casos de inatividade ou omissão do Legislativo. 3.4. A mora legislativa em questão já foi, por diversas vezes, declarada na ordem constitucional brasileira. Por esse motivo, a permanência dessa situação de ausência de regulamentação do direito de greve dos servidores públicos civis passa a invocar, para si, os riscos de consolidação de uma típica omissão judicial. [...] 4.1. [...] Considerada a evolução jurisprudencial do tema perante o STF, em sede do mandado de injunção, não se pode atribuir amplamente ao legislador a última palavra acerca da concessão, ou não, do direito de greve dos servidores públicos civis, sob pena de se esvaziar direito fundamental positivado. Tal premissa, contudo, não impede que, futuramente, o legislador infraconstitucional confira novos contornos acerca da adequada configuração da disciplina desse direito constitucional. 4.2 Considerada a omissão legislativa alegada na espécie, seria o caso de se acolher a pretensão, tão-somente no sentido de que se aplique a Lei no 7.783/1989 enquanto a omissão não for devidamente regulamentada por lei específica para os servidores públicos civis (CF, art. 37, VII)85.

_______________ 85 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 670/DF. Relator: Min. Maurício Corrêa; Relator p/ Acórdão:

Min. Gilmar Mendes. Julgamento em: 25/10/2007, publicado no DJe em 31/10/2008. Ement. 2339-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso

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4.2.1.3 Comentários

A partir da análise destas decisões do Supremo em mandados de injunção,

constata-se que por um longo período esta Corte optou pela adoção de uma postura

mais legalista por ocasião da interpretação da Constituição, na medida em que,

mesmo quando podia antever a pouca eficácia da simples comunicação de mora

aos órgãos legislativos, preferia não se imiscuir na esfera de atuação dos demais

Poderes por meio da atribuição de efeitos concretos às suas decisões.

Mediante tal postura, durante o longo período em que defendeu a aplicação

da teoria não-concretista e optou por dar prevalência à interpretação estrita do

princípio da separação dos poderes, o STF acabou esvaziando o Mandado de

Injunção de sua vocação originária, tornando-o um instrumento inócuo na medida

em que por meio dele não era propiciado ao impetrante o exercício do direito

constitucional inviabilizado pela falta de regulamentação infraconstitucional.

Esta postura inicialmente contida do Supremo na atribuição dos efeitos as

decisões dos mandados de injunção, parcialmente se justifica em face da ausência

de parâmetros prévios para interpretar o instituto.

Isto porque a Constituição de 1988 não foi somente responsável por inaugurar

o instituto do Mandado de Injunção no Brasil, mas em todo o mundo. O mandado de

injunção se trata, em verdade, conforme ressaltado por Alexandre de Moraes, de

uma inovação do constitucionalismo brasileiro86.

Por se tratar de um instituto inovador na ordem jurídica nacional e

internacional, a interpretação que lhe foi dada pelo Supremo partiu do zero, não

podendo se espelhar em precedentes jurisprudenciais ou no direito comparado.

A partir dos anos de 2006 e 2007, contudo, conforme analise realizada acima,

é que se verificou uma substancial mudança do entendimento da Corte Suprema

acerca dos efeitos das decisões em mandados de injunção.

Neste momento a Corte passou a adotar a posição concretista, segundo a

_______________ em: 24 fev. 2010. p. 00001

86 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional , 12ª Ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2002. p. 178.

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qual, na falta de norma regulamentadora para o exercício de direitos constitucionais

cabe ao Judiciário regulamentar o exercício de direitos e liberdades constitucionais

bem como as prerrogativas referentes à nacionalidade, soberania e cidadania.

A partir desta mudança o Supremo revelou para a toda a comunidade jurídica

que pretendia expandir seu âmbito de atuação, passando também a exercer uma

função que, embora não se confunda, em muito se aproxima daquela

tradicionalmente atribuída ao Poder Legislativo.

Imperioso ressaltar, entretanto, que não foi o Supremo Tribunal Federal que

arbitrariamente decidiu ser competente a regulamentar o exercício de direitos e

garantias constitucionais incapacitados de serem exercidos. Ao contrário, foi a

própria Constituição que impôs tal dever na medida em que previu, em seu art. 5º,

LXXI, a possibilidade de impetração de Mandado de Injunção para remediar o

exercício de direitos e liberdades constitucionais impedidos de serem exercidos em

virtude da ausência normas regulamentadoras.

Desde a criação do instituto do mandado de injunção até os dias de hoje,

verificou-se, portanto, o amadurecimento da Corte Superior do Judiciário brasileiro,

na proteção aos direitos e garantias fundamentais. A modificação jurisprudencial por

ela revelada denotou, em suma, a assunção de um protagonismo político pelo

Supremo que outrora sequer cogitado.

Destarte, conclui-se que a modificação do entendimento da Corte

Constitucional sobre o tema ilustra um considerável avanço na proteção dos direitos

e garantias constitucionais, os quais passaram a efetivamente contar, a partir desde

momento, com um instrumento processual para que viabilizar a fruição de direitos.

Além disso, é importante observar que nas argumentações deduzidas pelos

Ministros do Pretório Excelso, mesmo daqueles que votaram a favor da atribuição de

efeitos concretos às decisões nos Mandados de Injunção, sempre esteve presente a

preocupação com a eventual afronta ao princípio da tripartição dos poderes.

Tal preocupação, contudo, se revelou secundária ao longo do tempo, quando

foi sopesada com o nobre objetivo do mandado de injunção e da própria Corte

Constitucional, qual seja o de possibilitar o pleno exercício dos direitos e liberdades

constitucionais.

É de se ver, ainda, conforme o próprio amadurecimento da Corte pode

revelar, que a adoção da corrente concretista acerca dos efeitos das decisões em

mandados de injunção não ofende a teoria da tripartição dos poderes da forma como

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ela é interpretada nos dias de hoje.

Eros Grau, por exemplo, afirmou em seu voto que:

não há que falar em agressão à “separação dos poderes”, mesmo porque é a Constituição que instituiu o mandado de injunção e não existe uma assim chamada “separação dos poderes” provinda do direito natural. Ela existe, na Constituição do Brasil, tal como nela definida. Nada mais. No Brasil vale, em matéria de independência e harmonia entre os poderes e de “separação de poderes”, o que está escrito na Constituição, não esta ou aquela doutrina em geral mal digerida por quem não leu Montesquieu no original87.

O Ministro Ricardo Lewandoski também afirmou, no julgamento do Mandado

de Injunção 712-8/PA, que:

é preciso superar uma visão estática, tradicional, do princípio da separação dos poderes, reconhecendo-se que as funções que a Constituição atribui a cada um deles, na complexa dinâmica governamental do Estado contemporâneo, podem ser desempenhadas de forma compartilhada sem que isso implique a superação da tese original de Montesquieu88.

O conceito clássico de separação de Poderes assentava-se sobre uma rígida

divisão de atribuições estatais que possivelmente não admitiria o exercício de uma

função atípica como a ora aventada pelo Judiciário. Hoje, contudo, a teoria de

tripartição dos poderes estatais teve a sua rigidez abrandada pela inclusão de uma

série de hipóteses nas quais se admite o exercício atípico de funções pelos Poderes

estatais.

A Constituição de 1988, por exemplo, na contramão de uma rígida divisão dos

Poderes, autorizou que Senado julgasse o Presidente e o Vice-Presidente da

República nos crimes de responsabilidade, autorizou que o Presidente da República

editasse medidas provisórias com força de lei e, também autorizou que o Judiciário,

por intermédio da prestação jurisdicional em sede de mandado de injunção,

proporcionasse o exercício de direitos e liberdades constitucionais bem como das

prerrogativas referentes à nacionalidade, soberania e cidadania, quando o exercício

_______________ 87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 721/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em:

30/08/2007, publicado no DJ de 30/11/2007, p. 00029. Ement. 2301-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=721&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00029.

88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 712/PA. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 25/10/2007, publicado no DJe em 31/10/2008. Ement. 2339-3. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=712&classe=MI >. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00478.

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destes direitos estivesse inviabilizado em virtude da inexistência da norma

regulamentadora.

Importante destacar, ainda, que em recente julgado, no MI 788/DF de 15 de

abril de 2009, o Supremo Tribunal Federal manteve sua posição concretista e

determinou fosse aplicada a legislação ordinária existente que se viabilizasse o

exercício de direito constitucionalmente garantido, conforme se depreende da

ementa abaixo:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE INJUNÇÃO. SERVIDORA PÚBLICA. ATIVIDADES EXERCIDAS EM CONDIÇÕES DE RISCO OU INSALUBRES. APOSENTADORIA ESPECIAL. § 4º DO ART. 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. MORA LEGISLATIVA. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. Ante a prolongada mora legislativa, no tocante à edição da lei complementar reclamada pela parte final do § 4º do art. 40 da Magna Carta, impõe-se ao caso a aplicação das normas correlatas previstas no art. 57 da Lei nº 8.213/91, em sede de processo administrativo. 2. Precedente: MI 721, da relatoria do ministro Marco Aurélio. 3. Mandado de injunção deferido nesses termos89.

A adoção do viés não-concretista acerca dos efeitos das decisões dos

mandados de injunção mostrava-se mais adequada, portanto, ao paradigma

legalista de interpretação e aplicação do Direito, ao passo que o viés concretista se

mostra mais adequado ao intérprete inserido dentro da nova hermenêutica

constitucional.

A partir da nova interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal ao

mandado de injunção tal instituto passou a efetivamente cumprir com a missão para

o qual foi concebido, qual seja, a de servir instrumento para a defensa e

concretização dos dispositivos constitucionais.

4.2.2 Prisão civil do depositário infiel

4.2.2.1 Traços Gerais

_______________ 89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MI 788/DF. Relator: Min. Carlos Britto. Julgamento em:

15/04/2009, publicado no DJe em 08/05/2009. Ement. 2359-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=788&classe=MI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00013.

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O presente estudo de caso se direciona a análise da evolução do

entendimento da Corte Suprema do Judiciário brasileiro acerca da possibilidade de

prisão civil do depositário infiel, mais especificamente daquele equiparado ao

depositário infiel em decorrência do inadimplemento da obrigação de pagar em

contrato de alienação fiduciária.

O debate acerca deste tema se mostra amplamente complexo tendo em vista

as diferentes espécies normativas que o tratam, desde a Constituição Federal,

passando por um Tratado Internacional recepcionado na ordem jurídica brasileira,

até a legislação ordinária pátria.

A Constituição da República de 1988 dispõe em seu art. 5°, LXVII que "não

haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário

e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

A regra, portanto, é a de que a prisão civil não será aceita no Estado

brasileiro, ressalvando-se apenas duas exceções: i) a decorrente do inadimplemento

inescusável de obrigações alimentares e ii) a do depositário infiel.

É de se ver, ainda, que tal disposição normativa está inserida no Título II da

Constituição, que trata sobre os direitos e garantias fundamentais, de modo que é

possível concluir que a proibição de prisão civil por dívidas representa um verdadeiro

direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro.

Além desta disposição constitucional verifica-se que o Brasil também é

signatário do Pacto de São José da Costa Rica, também conhecido como

Convenção Americana de Direitos Humanos, o qual também versa em seu bojo

sobre a proibição da prisão civil.

De fato, este tratado dispõe em seu art. 7º que “ninguém será detido por

dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente

expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar".

Este Pacto de São José da Costa Rica, o qual dispõe que a prisão civil

somente poderá ser imposta em decorrência do inadimplemento de obrigação

alimentar, foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro no ano de 1995, sendo

que o seu valor normativo é controverso na ordem jurídica brasileira, conforme

adiante se verá, principalmente em decorrência do que dispõe o art. 5º, §§ 2º e 3º da

Constituição da República.

Além disso, verifica-se que o direito ordinário interno também dispõe sobre a

prisão civil por dívidas. De acordo, por exemplo, com o disposto no art. 66 da Lei nº

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4.728/65, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto Lei nº 911/69:

a alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direito e depositário de acordo com a lei civil e penal.

4.2.2.2 Precedentes

4.2.2.2.1 HC 72.131/RJ

A análise do julgamento do HC 72.131/RJ se mostra muito importante porque

foi o primeiro caso acerca da possibilidade da prisão civil do depositário infiel em

contrato de alienação fiduciária em garantia após a incorporação da Convenção

Americana sobre Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) pelo Direito

brasileiro a ser decidido pelo pleno do STF.

Participaram do julgamento os Ministros Maurício Correa, Moreira Alves, Ilmar

Galvão, Celso de Mello, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Marco

Aurélio, Francisco Rezek, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence.

O julgamento ocorreu em 23/11/1995, sendo que por maioria de votos – 7

votos contra 4 – o Supremo optou por indeferir o pedido de habeas corpus e cassar

a medida liminar concedida, decidindo, desta forma, pela possibilidade de prisão civil

do equiparado a depositário infiel em decorrência do inadimplemento da obrigação

de pagar decorrente de contrato de alienação fiduciária, conforme se extrai da

ementa do julgamento abaixo colacionada:

EMENTA: "Habeas corpus". Alienação fiduciária em garantia. Prisão civil do devedor como depositário infiel. - Sendo o devedor, na alienação fiduciária em garantia, depositário necessário por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização, sua prisão civil, em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988. - Nada interfere na questão do depositário infiel em matéria de alienação fiduciária o disposto no § 7º do artigo 7º da Convenção de San José da Costa Rica. "Habeas corpus" indeferido, cassada a liminar concedida90.

_______________ 90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso

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O ministro Relator, Marco Aurélio, votou no sentido da impossibilidade de

prisão civil do depositário infiel em contrato de alienação fiduciária em garantia. Para

embasar o seu entendimento ele desenvolveu duas linhas de raciocínio

independentes.

A primeira linha de raciocínio assentou-se na descaracterização do status de

“depositário” daquele que adquire bem por intermédio de contrato de alienação

judiciária em garantia. Para tal desiderato ele analisa o alcance da expressão

“depositário infiel” prevista na constituição. Diz ele que no contrato de depósito firma-

se um ajuste “no sentido de que a obrigação precípua de uma das partes seja não a

de pagar, por um bem, certo preço em prestações sucessivas, mas de devolvê-lo a

quem de direito, ou seja, o detentor do domínio”91.

Destarte, a disposição do Decreto Lei 911/69, que equipara o alienante

fiduciário ao depositário em caso de inadimplemento, não teria sido, segundo ele,

recepcionada pela CF/88, que, em seu art. 5º, inciso LXVII, previu que a prisão civil

por dívidas não será admitida no ordenamento jurídico brasileiro, salvo nos casos de

descumprimento de obrigação alimentícia ou do depositário infiel.

Marco Aurélio propugnou que tais hipóteses excepcionais não são passíveis

de elastecimento pelo legislador ordinário. Segundo ele “a exceção contemplada

constitucionalmente é imune a enfoques que acabem por nela agasalhar contratos

voltados a garantia de dívida, como é o caso da alienação fiduciária, e que distante,

muito distante ficam do contrato de depósito”92.

A segunda linha de raciocínio do Min. Marco Aurélio estava assentada na

análise do conflito de leis no tempo, referente à incorporação da Convenção

Americana sobre Direito Humanos, ou Pacto de São José da Costa Rica, no

ordenamento jurídico brasileiro, fato este que se deu em 06/11/1992 mediante o

Decreto nº 678.

_______________ em: 24 fev. 2010. p. 08650.

91 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08655.

92 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08658.

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72

Marco Aurélio afirma nesse sentido, que de acordo com o que dispõe o §2º do

art. 5º da CF, tal Convenção teria sido recepcionada no direito brasileiro como uma

lei ordinária.

Desta feita, na medida em que o Pacto de São José da Costa Rica somente

admite a prisão civil em caso de descumprimento de obrigação alimentar, teria

derrogado as disposições do Decreto Lei 911/69 que admitem a possibilidade de

prisão civil do inadimplente em alienação fiduciária. Trata-se, segundo ele, de um

simples conflito de leis no tempo no qual a lei posterior derroga a lei anterior.

O ministro Maurício Correa, segundo a votar, decidiu a favor da prisão do

depositário infiel. Para tal baseou-se nos argumentos de que o Decreto Lei 911/69

foi recepcionado pela CF/88. Afirmou ele, inclusive, que se tal recepção não tivesse

ocorrido o instituto da alienação fiduciária cairia por terra. Isto porque, segundo ele,

“a segurança das vendas que se processam com essa garantia está exatamente na

possibilidade da decretação da prisão civil, após a ação de depósito, provado que o

adquirente alienou o bem e/ou não pagou as prestações em atraso”93.

O ministro argumenta, ainda, que a jurisprudência do STF é mansa e pacífica

no sentido de admitir a prisão civil nos contratos de alienação fiduciária.

Neste diapasão verifica-se que o Ministro Correa optou antes por uma

argumentação teleológica do que jurídica, sequer tendo levado em consideração

para o seu voto a inovação trazida ao tema em decorrência da recepção pelo Direito

brasileiro do Pacto de São José da Costa Rica.

Frise-se, ademais, que argumentação trazida por Correa de que o instituto da

alienação fiduciária perderia seu sentido ante a impossibilidade de decretação de

prisão do inadimplente baseou-se no senso comum ao invés de fatos concretos.

Uma profunda análise econômica dos impactos da abolição da possibilidade de

prisão nos casos de alienação fiduciária seria necessária para que este argumento

pudesse ser utilizado de forma mais sólida.

O ministro Moreira Alves, decidiu a favor da prisão, mencionando já no inicio

de seu voto, inclusive, que já havia escrito livro sobre o tema. Segundo ele o

depósito necessário em que o depositário é o devedor do financiamento garantido

_______________ 93 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08667.

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73

pela propriedade fiduciária se enquadra na exceção “depositário infiel” prevista no

art. 5º, LXVII da CF.

Para Moreira Alves os tratados internacionais firmados pelo Brasil têm sua

normatividade equiparada, no ordenamento jurídico brasileiro, às leis ordinárias.

Segundo ele “os tratados internacionais ingressam no ordenamento jurídico

brasileiro tão somente com força de lei ordinária, [...] não se lhes aplicando, quando

tendo eles integrado nossa ordem jurídica posteriormente a Constituição de 1988, o

disposto no art. 5º, §2º, pela singela razão de que não se admite emenda

constitucional realizada por meio de ratificação de tratado”94.

Conclui, finalmente, o Ministro Moreira Alves que o art. 7º, §7º do Pacto de

São José da Costa Rica, o qual dispõe que a prisão civil somente poderá ser

imposta em decorrência do inadimplemento alimentar, não restringe o alcance das

exceções previstas no art. 5º, LXVII da Constituição Federal.

De acordo com Moreira Alves as exceções do art. 5º, LXVII “se sobrepõem ao

direito fundamental do devedor em não ser suscetível de prisão civil, o que implica

em verdadeiro direito fundamental dos credores de dívida alimentar e de depósito

convencional ou necessário”95.

Ademais, não obstante Moreira Alves tenha equiparado o Pacto de São José

da Costa Rica a uma lei ordinária, concluiu ele que, na medida em que o art. 7º, §7º

dessa convenção é uma norma de caráter geral, não poderia revogar o disposto na

legislação especial sobre alienação fiduciária, ou seja, Decreto Lei 911/69.

Francisco Rezek, ao seu turno, votou contra a possibilidade de prisão, mas

revelou em seu voto a grande relutância dos Ministros em alterar um entendimento

consolidado da Corte.

Disse ele, em manifesto desabafo: “Bendita Convenção que nos abre a

oportunidade de rever algo, que, penso como o Ministro Relator, foi um dia mal

assentado. Já me era insuportável conviver em boa fé com a idéia de que o

_______________ 94 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08686.

95 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08686.

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comprador fiduciário, nessas hipóteses, é de fato um depositário infiel”96, para então

concluir que “a Convenção de São José da Costa Rica abre oportunidade ao

Tribunal de, sem autopenitência maior, fazer aquilo que, de outro modo, significaria

não mais de uma volta atrás, desaconselhável em nome da estabilidade das

relações jurídicas, e da conveniência de que prevaleça a idéia de constância da

corte na interpretação do direito positivo”97.

Esses dois trechos do voto do Ministro Rezek revelam de modo cristalino a

sua preocupação em superar a dificuldade do Supremo em alterar seu próprio

entendimento.

Elaborou então o ministro uma linha argumentativa que não obstante

culminasse na alteração do entendimento da Corte Maior acerca do tema, não partia

do simples reconhecimento de que o entendimento antigo estava errado, mas de

fatos novos (a recepção do Pacto de São José da Costa Rica).

Para tal argumentou o Ministro Rezek que não obstante os tratados

internacionais não tenham a mesma força de uma emenda constitucional, não há

conflito entre o art. 7º, §7º da convenção e o art. 5º, LXVII da CF. Isto porque a

Constituição não está a obrigar a prisão civil do depositário infiel, mas tão somente a

autorizar que o legislador ordinário, caso assim o queira, faça-o. Segundo ele o

legislador ordinário já havia feito isso a partir do Decreto Lei 911/69, recepcionado

pela Constituição de 1988. Em 1992, contudo, tal possibilidade teria sido derrogada

em decorrência da incorporação da Convenção Americana sobre Direito Humanos

(Pacto de São José da Costa Rica) ao ordenamento jurídico brasileiro, motivo pelo

qual a prisão civil do depositário infiel teria deixado de ser admitida no Direito

brasileiro.

O Ministro Ilmar Galvão, também votou no sentido de permitir a prisão do

equiparado a depositário fiel em contrato de alienação fiduciária. Segundo ele “a

alienação fiduciária em garantia é um contrato misto, que reúne, de forma

indissolúvel, pelo menos duas figuras contratuais típicas: uma compra e venda de

_______________ 96 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08697.

97 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08698.

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bem imóvel, sob condição resolutiva, e um depósito”98. Esta peculiaridade, de

acordo com Galvão, não é suficiente para desfigurar a natureza do depósito e, por

conseqüência, não impede a prisão civil do depositário que não restitui o bem

depositado.

Da mesma forma que Maurício Correa, afirmou Galvão que o contrato de

depósito perderia a sua importância sem o efeito coercitivo da prisão civil.

A par disto, também argumentou que o caso analisado não se refere em

verdade a uma prisão civil por dívida. Segundo ele “a resistência a restituição é que

pode acarretar a prisão, não a inadimplência. Não há que se falar, portanto, em

prisão por dívida”99.

Com base neste argumento, de que não se trata de uma prisão civil por

dívida, o Min. Ilmar Galvão busca afastar a aplicabilidade do Pacto de São José de

Costa Rica. Ele verbera que esta Convenção Internacional, “ao proibir a prisão por

dívida, salvo nos os casos de dívida resultante de obrigação alimentar,

desenganadamente, ao meu ver, não proibiu a prisão pelo inadimplemento da

obrigação de restituir o bem depositado, que não pode ser considerada dívida no

sentido estrito acima referido”100.

O ministro seguinte a votar, Carlos Velloso, decidiu pela impossibilidade de

prisão civil do depositário no caso em análise. Segundo ele a equiparação do

alienante fiduciário ao depositário é uma mera ficção jurídica. O credor na alienação

fiduciária não é proprietário nem antes nem depois do inadimplemento do devedor

(ele sequer pode ficar com a coisa, mas apenas com o produto de sua venda,

deduzindo o montante já pago pelo devedor). O alienante possui segundo ele,

somente, a posse indireta do bem, a qual é outra ficção jurídica.

Aduziu, ainda, o Ministro Velloso, que a única prisão civil de depositário infiel

permitida pela Constituição Federal é aquela decorrente do contrato de depósito _______________ 98 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08701.

99 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08702.

100 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08703.

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previsto no Código Civil Brasileiro.

Nesse sentido ele afirmou que “as normas infraconstitucionais interpretam-se

no rumo da Constituição. No caso, permitir a prisão do alienante fiduciário,

equiparado ao depositário infiel, é interpretar a Constituição no rumo da norma

infraconstitucional”101.

Ademais, é de se ver que Velloso foi o primeiro Ministro a considerar os

dispositivos da Convenção de São José da Costa Rica como fonte de direitos

fundamentais.

Afirmou ele que “a Convenção de São José da Costa Rica, no ponto, é

vertente de direito fundamental. É dizer, o direito assegurado no art. 7º, item 7, da

citada Convenção, é um direito fundamental, em pé de igualdade com os direitos

fundamentais expressos na Constituição”102, e, com base nisto concluiu que todas

as equiparações com a finalidade de autorizar a prisão de devedores inadimplentes

estariam revogadas do ordenamento jurídico pátrio por ocasião da recepção da

Convenção de São José da Costa Rica.

O Ministro Celso de Mello, também decidiu, no julgamento sob análise, pela

possibilidade de prisão do depositário infiel, posição esta que mais tarde foi por ele

reavaliada, como adiante se verá.

Para fundamentar tal decisão Celso de Mello argumentou que a

normatividade dos tratados internacionais incorporados ao direito brasileiro se

equipara a das leis ordinárias, mas jamais poderiam ir de encontro ao que está

estabelecido pela Constituição Federal.

Além disso o Ministro Mello afirmou que “como as exceções derrogatórias ao

postulado fundamental que veda a prisão civil por dívida possuem inquestionável

matriz constitucional, torna-se evidente que a legitimidade jurídica da prisão civil do

depositário infiel tem, na própria Constituição – e não em outros instrumentos

normativos de inferior qualificação hierárquica -, o fundamento de sua autoridade e o

_______________ 101 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08718.

102 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08720.

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suporte direto de sua validade e eficácia”103.

Celso de Mello, no HC 72.131/RJ, no sentido de inexistir qualquer primazia

hierárquico-normativa dos tratados ou convenções internacionais sobre o direito

positivo interno, sobretudo sobre a Constituição da República.

Os Ministros Octavio Gallotti, Sydney Sanches e Néri da Silveira também

votaram no sentido de autorizar a prisão civil do depositário infiel em contrato de

alienação fiduciária. Não deduziram, contudo, nenhum argumento novo para

embasar tal entendimento. Os Ministros Sydney Sanches e Nery da Silveira

destacaram, inclusive, que de longa data adotam o entendimento no sentido da

possibilidade de prisão civil do alienante fiduciário, mas não chegaram a ponderar,

por ocasião da análise do HC 72.131/RJ, o fato de ter sido incorporado ao

ordenamento jurídico brasileiro, no ano de 1992, o Pacto de São José da Costa

Rica, que dispõe em sentido contrário.

O Ministro Sepúlveda Pertence, presidente do STF nesta ocasião, votou

contra a possibilidade de prisão. Pertence foi mais um Ministro, contudo, que não

abordou, na fundamentação de seu voto, a discussão acerca da incorporação do

Pacto de São José da Costa Rica ao ordenamento jurídico pátrio. Segundo ele tal

questão não seria tratada porque se mostrava desnecessária para o embasamento

de seu voto.

De acordo com o Min. Presidente a exceção prevista na Constituição Federal

que possibilita a prisão civil do depositário infiel “não é cheque em branco passado

ao legislador ordinário”104, motivo pelo qual se mostram inconstitucionais, segundo

ele, as normas do Decreto Lei 911 que atribuem as responsabilidades de depositário

ao devedor inadimplente em contrato de alienação fiduciária.

Ao final de seu voto, assim como o Min. Francisco Rezek, o ministro

Presidente Sepúlveda Pertence, expôs as dificuldades inerentes a mutação

constitucional, ou seja, a modificação de um entendimento pacificado no Supremo

Tribunal.

_______________ 103 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08731 e 008732.

104 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08745.

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Disse ele: “Vários dos eminentes colegas recordaram, e ouvi com o maior

respeito, a sua convicção de décadas, tão logo promulgado o Decreto-lei n. 911,

pela constitucionalidade do edito. Minha convicção é tão antiga quanto a de S.

Excelências. A diferença é que ao tempo não tinha honra de ser Juiz. Feito Juiz

deste Tribunal, não posso deixar de manifestá-la num tema de tão grande relevo

constitucional. Com isso, não estou dizendo que o Supremo Tribunal, até aqui,

violou a Constituição. A jurisprudência constitucional por sua própria natureza, sobre

os temas recorrentes da vivência da Constituição, é sujeita a mutações e evoluções.

E a mudança de uma jurisprudência constitucional jamais pode ser interpretada com

injúria à jurisprudência passada, muito menos aos que a formaram. Mas, por ora,

dada a maioria formada está mantida a jurisprudência”105.

A partir de todo o exposto, das opiniões e argumentos trazidos por todos os

ministros que integraram o pleno do STF por ocasião do julgamento do HC

72.131/RJ no ano de 1995 é possível tomar algumas conclusões.

A modificação de um entendimento pacificado no STF mostrava-se muito

difícil, mesmo diante do surgimento de novos argumentos.

Não obstante por ocasião do julgamento do HC 72.131/RJ tenha sido

oportunizado ao pleno do STF, pela primeira vez após a incorporação da Convenção

Americana sobre Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a

possibilidade de decretar a inconstitucionalidade da prisão do equiparado a

depositário infiel em decorrência de contrato de alienação fiduciária, 5 (cinco) dos 11

(onze) ministros sequer consideraram a incorporação desta Convenção em seus

votos (Maurício Corrêa, Octavio Gallotti, Sydney Sanches, Néri da Silveira e

Sepúlveda Pertence).

A par disto, verifica-se que dos 6 (seis) ministros que abordaram a questão

em seus votos, apenas um deles (Carlos Velloso) considerou que as normas

relativas a direitos humanos veiculadas pelo Tratado Internacional seriam

incorporadas ao direito brasileiro como direitos fundamentais. Todos os demais

ministros, não obstante a literalidade do disposto no art. 5º, §2º da Constituição da

República, consideraram que a recepção do tratado se daria como lei ordinária.

_______________ 105 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 72131/RJ. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

23/11/1995, publicado no DJ em 01/08/2003. p. 103. Ement. 2117-40. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=72131&classe=HC>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 08747.

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Evidenciou-se muito bem, além disso, principalmente diante do que foi

deduzido pelos Ministros Francisco Rezek e Sepúlveda Pertence, a dificuldade

inerente a modificação de um entendimento jurisprudencial antigo do STF. Estes

Ministros se mostraram muito preocupados em trazer novos argumentos para tornar

a modificação do antigo entendimento mais “confortável”, ou seja, para que se

facilitasse a modificação da forma como até então vinha sendo decidida a questão

em análise.

4.2.2.2.2 RE 206.482/SP

Foi por ocasião do julgamento do RE 206.482/SP, em 27/05/1998, que o

pleno do STF se pronunciou pela segunda vez, após a incorporação da Convenção

Americana sobre Direito Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), acerca da

possibilidade de prisão civil do depositário infiel em contrato de alienação fiduciária

em garantia.

A questão apreciada no HC 72.131/RJ é idêntica a questão que foi analisada

por ocasião do julgamento do HC 72.131/RJ, conforme se verifica a partir da ementa

abaixo colacionada:

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECRETO-LEI 911/69. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PARA RECORRER DA DECISÃO QUE CONCEDE HABEAS-CORPUS. 1. Habeas-corpus. Concessão. Ministério Público. Legitimidade para recorrer da decisão. Precedente. 2. O Decreto-lei 911/69 foi recebido pela nova ordem constitucional e a equiparação do devedor fiduciante ao depositário infiel não afronta a Carta da República, sendo legítima a prisão civil daquele que descumpre, sem justificativa, ordem judicial para entregar a coisa ou seu equivalente em dinheiro, nas hipóteses autorizadas por lei. Recurso extraordinário conhecido e provido106.

Além das questões analisadas no RE 206.482/SP serem idênticas às

analisadas no HC 72.131/RJ, também foram os mesmos julgadores, com exceção

_______________ 106 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 206482/SP. Relator: Min. Maurício Corrêa. Julgamento

em: 27/05/1998, publicado no DJ em 05/09/2003. Ement. 2122-4. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=206482&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00661.

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80

do Ministro Francisco Rezek, o qual foi substituído pelo Ministro Nelson Jobim.

Cumpre observar que nenhum dos ministros mudou seu entendimento, sendo

que a única modificação no julgamento adveio do voto do ministro Nelson Jobim,

que decidiu em sentido contrário ao que vinha sendo decidido por Francisco Rezek,

optando por acompanhar o voto do relator a favor da prisão do depositário infiel.

4.2.2.2.3 RE 466.343/SP e RE 349.703

Os Recursos Extraordinários nº. 466.343 e 349.703 foram interpostos,

respectivamente, pelo Banco Bradesco S.A. e Banco Itaú S.A., contra acórdãos

proferidos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Os acórdãos questionados

estabeleceram que os contratos de alienação fiduciária de bens, em garantia de

empréstimo não se equiparam ao contrato de depósito de bem alheio, para efeito de

aplicação da prisão civil, autorizada no inciso LXVII do artigo 5° da Constituição

Federal. Os bancos alegam que a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça de

São Paulo fere, entre outras normas, o disposto no art. 66 da Lei nº 4.728/65, com a

redação dada pelo artigo 1º do Decreto-lei nº 911/69. Segundo eles a Constituição

de 1988 teria recepcionado esta norma e, desta forma, seria admitida a prisão civil

no caso concreto.

O julgamento destes Recursos Extraordinários ocorreu perante o pleno do

Supremo Tribunal Federal, no dia 03/12/08, ocasião na qual os Ministros reunidos,

sob a presidência do Min. Gilmar Mendes, resolveram, por unanimidade, negar o

provimento ao recurso nos termos do voto do relator, conforme se extrai da ementa

abaixo.

EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito107.

_______________ 107 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em:

03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em:

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Após o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Relator), que negava

provimento ao recurso, no que foi acompanhado pelo Senhor Ministro Gilmar

Mendes, pela Senhora Ministra Cármen Lúcia e pelos Senhores Ministros Ricardo

Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Britto e Marco Aurélio, pediu vista dos autos

o Ministro Celso de Mello.

Cezar Peluso, Relator, votou contra a prisão e fundamentando tal

posicionamento sob o argumento de que o contrato de alienação fiduciária não pode

ser equiparado ao contrato de depósito.

Segundo ele, enquanto o contrato de depósito se caracteriza pela obrigação

de guardar a coisa para depois restituí-la, a contratação de abertura de crédito com

garantia de alienação fiduciária revela a intenção de angariar recursos para

aquisição de bens duráveis.

Para negar provimento ao Recurso Extraordinário o Ministro Peluso, baseou-

se unicamente na inconstitucionalidade do Decreto-Lei 911/69, afirmando que “para

dar pela ilegitimidade da prisão civil neste caso, não é preciso ir ao pacto de São

José de Costa Rica”.108

O ministro Gilmar Mendes, ao seu turno, também votou contra a possibilidade

de prisão do equiparado a depositário infiel em contrato de alienação fiduciária, mas,

ao contrário do Min. Relator, não se limitou a analisar a questão exclusivamente sob

o prisma do direito interno.

Para fundamentar sua decisão Gilmar Mendes argumentou que os tratados

de direitos humanos recepcionados pelo Estado brasileiro assumem perante o

ordenamento jurídico pátrio o caráter de norma supra-legal.

Entendeu ele, nesse sentido, que “desde a ratificação, pelo Brasil, sem

qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos — Pacto de San José da Costa Rica

(art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do

depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre

_______________ <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01106.

108 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em: 03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01131.

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direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando

abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo

supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil,

dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante,

seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. Assim ocorreu com o art. 1.287

do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/ 69, assim como em relação ao

art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002)” 109.

Verifica-se, portanto, que as conseqüências imediatas da adoção da tese de

supralegalidade exposta pelo Ministro Gilmar Mendes, ultrapassam a questão da

prisão civil do depositário infiel em contrato de alienação fiduciária para alcançar

qualquer tipo de prisão de depositário infiel, inclusive do contrato de depósito

propriamente dito, disciplinado pelo Código Civil.

Isto porque o Pacto de San José da Costa Rica não admite prisão civil que

não seja a decorrente do inadimplemento inescusável de prestação alimentícia. Em

sendo assim, não obstante a Convenção não tenha força suficiente para revogar o

disposto no art. 5º, LXVII da Constituição Federal, tem poder suficiente para revogar

o disposto no art. 66 da Lei nº 4.728/65, com a redação dada pelo artigo 1º do

Decreto-lei nº 911/69, e, ainda, o art. 652 do novo Código Civil, que regulamentam a

prisão civil do depositário infiel.

Desta feita, na medida em que o disposto no art. 5º, LXVII da Constituição fica

sem regulamentação, a prisão deixa de poder ser aplicada, transformando-se em

previsão constitucional morta.

Cármen Lúcia, Ministra seguinte a votar, reconheceu a maestria dos votos de

seus colegas Cezar Peluso e Gilmar Mendes, pontuando trecho dos votos destes

Ministros para embasar o seu voto que acompanhou o relator. Disse ela que o tema

se revelado muitíssimo tormentoso na jurisprudência, principalmente as diferentes

decisões que sobre ele tem sido prolatadas.

Por fim, reconheceu a Ministra, nos termos do que foi exposto por Gilmar

Mendes, que já não existe aplicação para a parte final do artigo 5º, LXVII da

_______________ 109 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em:

03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01191.

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Constituição de 88110.

O Ministro Ricardo Lewandowski, também se mostrou impressionado com os

amplos argumentos trazidos pelos ministros que já haviam votado. Considerou que a

decisão que estava sendo tomada representava um verdadeiro avanço em relação

ao tema, além de representar um marco na interpretação dos inúmeros direitos

fundamentais inseridos na Constituição de 88.

Reconheceu Lewandowski, ainda, a necessidade de o STF assumir uma

postura ativa para concretizar os direitos e garantias constitucionais. A par de

reconhecer o argumento deduzido por Peluso no sentido de que as restrições aos

direitos fundamentais devem ser sempre interpretadas restritivamente, o Ministro

Lewandowski, afirmou que: “muito mais que uma interpretação restritiva com relação

às restrições que se colocam aos direitos e liberdades fundamentais. Penso que se

deve dar uma interpretação proativa, no sentido de se fazer com que os direitos e

garantias expressos na Constituição possam se concretizar efetivamente”111.

O ministro Joaquim Barbosa também acompanhou o voto do relator negando

provimento ao Recurso Extraordinário. Justificou tal posicionamento sobre o fato de

que a Constituição da República não incluiu expressamente a alienação fiduciária

em garantia como uma das exceções ao princípio constitucional que proíbe a prisão

civil por dívida no território nacional. Tal, segundo foi por ele argumentado, impediria

que o Legislador Ordinário criasse uma nova exceção não prevista na Constituição.

Reconheceu o Ministro Barbosa, ainda, que a integração do Pacto de São

José da Costa Rica tornou ainda mais insustentável a possibilidade de tal prisão, na

medida em que proíbe taxativamente a prisão civil por dividas em seu artigo 7º.

Afirmou ele, por derradeiro, que “o essencial é que a primazia conferida em

nosso sistema constitucional à proteção à dignidade da pessoa humana faz com

que, na hipótese de eventual conflito entre regras domésticas e normas emergentes

de tratados internacionais, a prevalência, sem sombra de dúvidas, há de ser

_______________ 110 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em:

03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01195.

111 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em: 03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01197.

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outorgada à norma mais favorável ao indivíduo”112.

No tocante ao voto do Ministro Carlos Britto, imperioso ressaltar o seguinte

fragmento: “o Ministro Cezar Peluso deixou claríssimo que o contrato de alienação

fiduciária em garantia não se confunde, não pode se confundir com o contrato de

depósito, nem pode ser também a ele equiparado, sobretudo se tiver o propósito de

artificializar ou forçar a incidência daquela segunda ressalva de que trata o inciso

LXVII do artigo 5º da Constituição Federal. Demonstrou o Ministro Cezar Peluso que

forçar a incidência dessa ressalva seria ficcionar a realidade para além, muito além

da mais generosa tolerância da Constituição Federal, notadamente por se tratar de

proteção a direito humano fundamental”113.

Extrai-se deste trecho do voto do Ministro Carlos Britto sua preocupação em

não possibilitar que a interpretação constitucional deturpe o conteúdo ou as

finalidades da Carta Maior, dentre as quais, a mais importante é a proteção do ser

humano.

Marco Aurélio acompanha o relator e destaca que por ocasião deste

julgamento o “Tribunal revê a própria jurisprudência; e o faz ante não só a

modificação sofrida pelo Colegiado diante dos novos membros que vieram a integrá-

lo como também diante da própria dinâmica da vida, da dinâmica da

jurisprudência”114.

Destaca, ainda, que de longa data vinha sustentando perante a Suprema

Corte o entendimento, embora vencido, da impossibilidade de prisão civil do

depositário infiel.

Neste momento o Ministro Celso de Mello interrompe o voto de seu colega

para acentuar a grande importância que assumem os votos vencidos na

jurisprudência dos Tribunais em geral e, especialmente, do Supremo. Ato contínuo o

Ministro Mello pediu vista dos autos. _______________ 112 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em:

03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01201.

113 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em: 03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01203.

114 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em: 03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01207.

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85

Celso de Mello inicia seu voto destacando que o motivo pelo qual pediu vista

dos autos se deve à alta relevância da matéria sob debate, fato este que, segundo

ele decorre, da modificação das relações entre o direito positivo interno do Brasil e o

direito internacional dos direitos humanos em face da introdução do § 3º do art. 5º na

Constituição da República pela EC nº 45/2004.

O Ministro Mello ressaltou, ainda, o importante papel a ser desempenhado

pelo Poder Judiciário nesta nova realidade, como “instrumento concretizador das

liberdades civis, das franquias constitucionais e dos direitos fundamentais

assegurados pelos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil”115.

Reconhecendo a necessidade de rever o seu entendimento anterior acerca da

posição jurídica a ser atribuída aos tratados internacionais sobre direitos humanos, o

Celso de Mello afirmou que “após longa reflexão sobre o tema em, Senhora

Presidente – notadamente a partir da decisão plenária desta causa Corte na ADI

1.480-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 179/493-496) -, julguei necessário

reavaliar certas formulações e premissas teóricas que me conduziram, então,

naquela oportunidade, a conferir, aos tratados internacionais em geral (qualquer que

fosse a matéria neles veiculada), posição juridicamente equivalente à das leis

ordinárias”116.

Para justificar esta mudança de entendimento Celso de Mello lançar

mão à doutrina de juristas como Celso Lafer, Antônio Augusto Cançado Trindade,

Flávia Piovesan e Valério De Oliveira Mazzuoli, e passa a distinguir três diferentes

enquadramentos para os tratados internacionais de direito humanos, conforme o

momento em que foram recepcionados na ordem jurídica interna: i) os tratados que

foram recepcionados anteriormente a promulgação da Constituição de 1988,

revestem-se, segundo ele, de índole constitucional, porque formalmente recebidas,

nessa condição, pelo § 2º do art. 5º da Constituição; ii) os tratados que porventura

sejam celebrados pelo Brasil após a nº 45/2004, deverão observar o “iter”

procedimental estabelecido pelo § 3º do art. 5º da Constituição para terem sua

_______________ 115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em:

03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01216 e 01217.

116 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em: 03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01229.

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normatividade com natureza constitucional; e iii) os tratados celebrados entre a

promulgação da Constituição de 1988 e a superveniência da EC nº 45/2004,

assumem caráter materialmente constitucional, pois são incluídos no bloco de

constitucionalidade, que é o conjunto daquilo que se soma a Constituição em

decorrência dos valores e princípios por ela consagrados.

Finalmente o Ministro, reconhece para toda a comunidade jurídica, em

flagrante lição de humildade, que “após detida reflexão em torno dos fundamentos e

critérios que me orientaram em julgamentos anteriores (RTJ 179/493-496, v.g.),

evoluo, Senhora Presidente, no sentido de atribuir, aos tratados internacionais em

matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da generalidade das leis

internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais, nos

termos que venho de expor, qualificação constitucional”117.

O Ministro Menezes Direito também pediu vista dos autos e acabou por

reproduzir nele, posteriormente, o voto-vista por ele proferido no HC n. 87.585/TO,

acolhendo, portanto, o voto do Ministro Relator e confirmando a esperada

unanimidade do julgado.

4.2.2.3 Comentários

Ante ao exposto questiona-se se a mudança de entendimento do STF acerca

da possibilidade de prisão civil em alienação fiduciária decorreu da modificação do

pensamento dos ministros ou da simples renovação da Corte.

Não obstante Marco Aurélio tenha afirmado em seu voto que a revisão da

jurisprudência do Supremo, no presente caso não tenha decorrido somente da

modificação sofrida pelo Colegiado diante dos novos membros que vieram a integrá-

lo mas também diante da própria dinâmica da vida e da jurisprudência, parece que a

alteração da composição deste Tribunal foi determinante para tal desiderato.

De modo a demonstrar tal argumento mostra-se salutar trazer à baila, em

quadro ilustrativo, as alterações ocorridas na composição do Supremo Tribunal _______________ 117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 466343/SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento em:

03/12/2008, publicado no DJe em 04/06/2009. Ement. 2363-6. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=466343&classe=RE>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 01254 e 01255.

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desde o julgamento do HC 72.131, passando pelo RE 206.482/SP até o julgamento

do RE 466.343/SP, bem como uma identificação dos votos (contra ou a favor da

prisão) de todos os ministros que compuseram a Suprema Corte em tais

julgamentos:

Quadro 1 – Composição do Supremo Tribunal Federal

COMPOSIÇÃO ATUAL ANTECESSORES CÁRMEN LUCIA

21/06/06 NELSON JOBIN

15/04/97 - 29/03/06 FRANCISCO REZEK 21/05/92 – 05/02/97

DIAS TOFFOLI 23/10/09

MENEZES DIREITO 05/09/07 – 01/09/09

SEPULVEDA PERTENCE 17/05/89 – 17-08-07

EROS GRAU 30/06/04

MAURICIO CORREA 15/12/94 – 08/05/04

GILMAR MENDES 20/06/02

NERI DA SILVEIRA 01/09/81 – 24/04/02

AYRES BRITO 25/06/03

ILMAR GALVÃO 26-06-91 – 03/05/03

RICARDO LEWANDOWSKI 16/03/06

CARLOS VELLOSO 13/06/90 – 19/01/06

JOAQUIM BARBOSA 25/06/03

MOREIRA ALVES 20/06/75 – 20/04/03

CEZAR PELUSO 25/06/03

SYDNEY SANCHES 31/08/84 – 27/04/03

ELLEN GRACIE 14/12/00

OCTAVIO GALLOTTI 20/11/84 – 28/10/00

CELSO DE MELLO 17/08/89

MARCO AURÉLIO 13/06/90

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Quadro 2 – Resumo dos Julgamentos

A partir dos quadros acima é possível constatar os seguintes fatos: i) Celso de

Mello mudou o seu entendimento (no HC 72.131 e no RE 206.482/SP-3 havia

votado a favor da prisão), ii) Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Cezar

Peluso e Ellen Gracie, ao votarem contra a prisão, modificaram o entendimento de

seus antecessores (Ilmar Galvão, Moreira Alves, Néri da Silveira e Sidney Sanches);

iii) Ricardo Lewandowski e Menezes Direito mantiveram o entendimento de seus

antecessores, Carlos Velloso e Sepúlveda Pertence, contra a prisão; iv) Carmen

Lúcia votando contra a prisão modificou o entendimento de seu antecessor (Min.

Nelson Jobin – RE 206.482/SP), que por sua vez já havia modificado o

entendimento de seu antecessor, originalmente contra a prisão (Min. Francisco

Rezek – HC HC 72131/RJ).

Destarte é possível concluir que a modificação do STF sobre a possibilidade

de prisão do depositário infiel em decorrência de contrato de alienação fiduciária só

foi viabilizada em decorrência da alteração de sua composição.

Tendo em vista que Celso de Mello foi o único Ministro a alterar o seu próprio

HC 72.131 (23/11/1995) RE 206.482/SP (27/05/98) RE 466.343/SP (03/12/08)

CONTRA A PRISÃO

A FAVOR DA PRISÃO

CONTRA A PRISÃO

A FAVOR DA PRISÃO

CONTRA A PRISÃO

A FAVOR DA PRISÃO

Marco Aurélio,

Francisco

Rezek,

Carlos Velloso,

Sepúlveda

Pertence.

Maurício

Correa,

Moreira Alves,

Ilmar Galvão,

Celso de Mello,

Octavio Gallotti,

Sydney

Sanches,

Néri da Silveira.

Marco Aurélio,

Carlos Velloso,

Sepúlveda

Pertence.

Maurício

Correa,

Moreira Alves,

Ilmar Galvão,

Celso de Mello,

Octavio Gallotti,

Sydney

Sanches,

Néri da Silveira,

Nelson Jobim.

Cezar Peluso,

Gilmar Mendes,

Cármen Lúcia,

Ricardo

Lewandowski,

Joaquim

Barbosa,

Carlos Britto,

Marco Aurélio,

Celso de Mello,

Ellen Gracie,

Eros Grau,

Menezes Direito

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89

entendimento acerca do assunto, evidencia-se a grande importância da alteração

periódica da composição dos ministros da Suprema Corte.

A “ciranda de cadeiras” permitiu que o Supremo Tribunal passasse a ser

composto por Ministros com maior convivência democrática. A inserção de tais

Ministros em um contexto de judicialização da política, constitucionalização do

Direito e ampla presença de dispositivos normativos abertos no texto constitucional,

possibilitou a prática uma nova hermenêutica constitucional e a travessia da Corte

Suprema de uma postura de auto-contenção para uma postura mais ativista.

Outro interessante ponto que merece ser comentado em relação ao caso sob

análise diz respeito à necessidade de harmonização entre o direito clássico liberal e

a teria constitucional contemporânea.

O instituto da prisão civil por dívidas do equiparado a depositário infiel em

contrato de alienação fiduciária decorria de uma equiparação prevista no art. 66 da

Lei nº 4.728/65, com a redação dada pelo artigo 1º do Decreto Lei nº 911/69.

O conteúdo deste dispositivo legal, ou melhor, a equiparação por ele trazida,

revelava finalidades intrinsecamente relacionadas com a proteção do patrimônio,

relegando ao segundo plano, portanto, a preocupação com um dos bens maiores do

ser humano que é a sua liberdade de ir e vir.

Na medida, contudo, em que foi promulgada a Constituição de 1988, com

nítido propósito de promover a dignidade da pessoa humana, e recepcionado o

Pacto de São José da Costa Rica, o Direito brasileiro assumiu uma nova conotação,

incompatível, com o instituto da prisão civil do depositário infiel.

Coube ao STF, neste contexto, realizar a necessária harmonização entre

todos estes dispositivos, proclamando a prevalência da dignidade da pessoa em

detrimento da proteção do capital.

4.2.3 Fidelidade partidária

4.2.3.1 Traços gerais

No início do mês de março de 2007 o partido político Partido da Frente

Liberal – atual Democratas – protocolou junto ao TSE uma consulta eleitoral

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90

questionando se os mandatos dos políticos eleitos em eleições proporcionais

(deputados estaduais e federais e vereadores) pertencem aos partidos ou aos

políticos eleitos.

Em 27 de março de 2007 o TSE se pronunciou acerca desta consulta

manifestando-se no sentido de que os mandatos pertencem aos partidos e não aos

políticos eleitos. Justificou tal decisão com o argumento de que nas eleições

proporcionais utiliza-se o quociente eleitoral118, o qual leva em consideração a soma

de todos os votos do partido e não somente os votos deste ou daquele político.

Após esta manifestação do TSE, os partidos Partido Popular Socialista,

Partido da Social Democracia Brasileira e Democratas requereram junto ao

presidente da Câmara dos Deputados a vacância de 23 deputados que haviam

mudado de partido após a eleição de 2006, para que então pudessem assumir os

seus suplentes.

Tendo em vista, entretanto, a negativa dos pedidos pela presidência da

Câmara dos Deputados, os referidos partidos recorreram ao STF por meio da

impetração dos mandados de segurança de números 26602, 26603 e 26604.

Em 04 de outubro de 2007 tais mandados de segurança foram julgados pelo

pleno do STF, sendo que a decisão final desta Corte Suprema acompanhou o

entendimento do TSE e afirmou que os mandatos referentes aos cargos eleitos em

eleições proporcionais pertencem aos partidos políticos. Proclamou-se, contudo, que

a fidelidade partidária somente deveria ser aplicada aos políticos que houvessem se

mudado de legenda após 27 de março de 2007.

Os ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa foram os

únicos a decidir no sentido de que a Constituição não contempla a troca de legenda

como causa de perda de mandato. Eros Grau, por exemplo, afirmou: "(…) não

encontro na Constituição nenhum preceito para o presidente da Câmara declarar a

vacância e convocar o suplente sem a prévia manifestação da mesa e do plenário,

com exercício de ampla defesa dos deputados".

Os ministros Celso de Mello, Carmem Lúcia, Carlos Alberto Direito, Carlos

Aires Britto, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio de Mello e Ellen Gracie,

ao seu turno, votaram no sentido de que o mandato pertence ao partido, defendendo _______________ 118 Para efeito de cálculo do quociente eleitoral considera-se a soma de todos os votos válidos

(excluindo-se os votos em branco e nulos) referente ao cargo e divide-se pelo número total de cadeiras em disputa.

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que o político eleito não poderia mudar de partido e continuar no mandato.

Ato contínuo, em 25 de outubro de 2007, por sugestão do STF exarada na

decisão dos mandados de segurança 26602, 26603 e 26604, o TST editou a

Resolução n. 22.610, a qual, alterada pela Resolução n. 22.733 de 11/03/08, passou

a disciplinar o procedimento de perda de cargo eletivo por infidelidade partidária.

De acordo com o que dispõe esta Resolução o partido político interessado

poderá pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em

decorrência de desfiliação partidária sem justa causa. Segundo o disposto na

Resolução poderão formular o pedido de decretação de perda do cargo eletivo o

partido interessado, o Ministério Público Eleitoral e aqueles que tiverem interesse

jurídico.

No tocante a competência para processar e julgar o pedido de perda de cargo

eletivo dispõe a Resolução n. 22.610 que será o TST nos pedidos relativos a

mandato federal, e, nos demais casos, o Tribunal Eleitoral do respectivo Estado.

Contra esta Resolução 22.610/07 do Tribunal Superior Eleitoral foram

propostas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s 3999 e 4086), as

quais foram relatadas pelo ministro Joaquim Barbosa.

Os argumentos utilizados pelo Partido Social Cristão (proponente da ADI

3999/DF) e pela Procuradoria Geral da República (proponente da ADI 4086) foram

basicamente os mesmos, quais sejam: i) que o TSE teria invadido a competência

privativa da União para legislar sobre direito eleitoral e processual e ii) que existe

reserva de lei complementar para dispor sobre a competência dos tribunais

eleitorais.

Em 17 de abril de 2009 foi publicada a decisão do STF de 12 de novembro de

2008 sobre estas ADI’s (3999 e 4086), por meio da qual julgou-se improcedente as

ações diretas e declarou-se a constitucionalidade da resolução impugnada. O STF

reconheceu mais uma vez, portanto, a existência do dever constitucional de

observância do princípio da fidelidade partidária.

4.2.3.2 Do julgamento

Os Mandados de Segurança de números 26602, 26603 e 26604 foram

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julgados no dia 04 de outubro de 2007 e publicados no Diário Oficial no dia 16 de

outubro de 2008. O Supremo Tribunal Federal decidiu, por oito votos contra três, que

os mandatos políticos pertencem aos partidos políticos, e não aos eleitos.

Os Ministros Celso de Mello (relator do Mandado de Segurança 26603 – do

PSDB), Carmem Lúcia (relatora do mandado de segurança 26604 – do DEM),

Carlos Alberto Direito, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Marco Aurélio Mello, Ellen

Gracie e Gilmar Mendes decidiram no sentido de que o mandato do político eleito

em eleições proporcionais pertence ao partido político. Os demais Ministros Eros

Grau (Relator do Mandado de Segurança 26602 – do PPS), Ricardo Lewandowski e

Joaquim Barbosa, votaram contra a fidelidade partidária.

Nesse sentido veja-se, por exemplo, a ementa do acórdão do julgamento do

Mandado de Segurança n. 26602:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. DESFILIAÇÃO. PERDA DE MANDATO. ARTS. 14, § 3º, V E 55, I A VI DA CONSTITUIÇÃO. CONHECIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, RESSALVADO ENTENDIMENTO DO RELATOR. SUBSTITUIÇÃO DO DEPUTADO FEDERAL QUE MUDA DE PARTIDO PELO SUPLENTE DA LEGENDA ANTERIOR. ATO DO PRESIDENTE DA CÂMARA QUE NEGOU POSSE AOS SUPLENTES. CONSULTA, AO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, QUE DECIDIU PELA MANUTENÇÃO DAS VAGAS OBTIDAS PELO SISTEMA PROPORCIONAL EM FAVOR DOS PARTIDOS POLÍTICOS E COLIGAÇÕES. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL . MARCO TEMPORAL A PARTIR DO QUAL A FIDELIDADE PARTIDÁRIA DEVE SER OBSERVADA [27.3.07]. EXCEÇÕES DEFINIDAS E EXAMINADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. DESFILIAÇÃO OCORRIDA ANTES DA RESPOSTA À CONSULTA AO TSE. ORDEM DENEGADA. 1. Mandado de segurança conhecido, ressalvado entendimento do Relator, no sentido de que as hipóteses de perda de mandato parlamentar, taxativamente previstas no texto constitucional, reclamam decisão do Plenário ou da Mesa Diretora, não do Presidente da Casa, isoladamente e com fundamento em decisão do Tribunal Superior Eleitoral. 2. A permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescin dível para a manutenção da representatividade partidária do próp rio mandato. Daí a alteração da jurisprudência do Tribunal, a fim de q ue a fidelidade do parlamentar perdure após a posse no cargo eletivo . 3. O instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007. 4. O abandono de legenda enseja a extinção do mandato do parlamentar, ressalvadas sit uações específicas, tais como mudanças na ideologia do par tido ou perseguições políticas, a serem definidas e aprecia das caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral . 5. Os parlamentares litisconsortes passivos no presente mandado de segurança mudaram de partido antes da resposta do Tribunal Superior Eleitoral. Ordem denegada (grifo do autor)119.

_______________ 119 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

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93

A partir de agora serão colacionados os argumentos utilizados pelos Ministros

do STF nestes julgamentos.

O Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradoria Geral da

República, opinou contra a fidelidade partidária. Ressaltou, inclusive, no MS

26602/DF que a “eventual mudança de regime e status parlamentar no sentido de

qualificar-se tal conduta como suscetível de perda do mandato dependerá do juízo

de conveniência e oportunidade do constituinte derivado, pois a matéria se acha

submetida à reserva da Constituição”120.

Nesta mesma esteira de raciocínio manifestou-se o Ministro Relator do

Mandado de Segurança 26602, Eros Grau, o qual concluiu que a impetração do

Mandado de Segurança em tela só seria possível caso fosse operada uma mutação

constitucional que admitisse uma nova hipótese de perda de mandato, visto que a

possibilidade de perda do mandato por infidelidade partidária não está contemplada

no texto constitucional, ao menos na forma como ele se apresenta atualmente121.

Destaque-se o fato de que, no decorrer dos debates do julgamento ocorridos

no julgamento do Mandado de Segurança n. 26602, o Min. Eros Grau

desafiadoramente questiona os demais Ministros acerca do dispositivo onde estaria

escrito, na Constituição ou em qualquer outra lei, que a transferência do candidato

eleito para outra legenda consubstanciaria renúncia tácita122.

Em resposta o Ministro Marco Aurélio cita o art. 26 da Lei 9.096/95, o qual

dispõe que “perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva

Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o

_______________ 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 02337-02 PP-00190

120 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 02337-02 PP-00200.

121 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00203.

122 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00226.

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partido sob cuja legenda tenha sido eleito”.

Marco Aurélio postula que a expressão “função ou cargo que exerça” se

refere ao próprio mandato do político. Eros Grau, ao seu turno, propugnou que tal

expressão não se refere à perda do mandato, mas a eventuais cargos de

coordenação/direção junto as casas legislativas, pois segundo ele a Constituição

poderia criar uma hipótese de perda do mandato.

Revela-se aqui, em face da indeterminação da expressão “função ou cargo

que exerça”, a dificuldade da interpretação do direito, que ultrapassa a simples

análise técnica-jurídica e também pode assumir conotações políticas. Caso o juiz

resolva, como o fez Marco Aurélio, decidir a favor da fidelidade partidária, deve

interpretar tal expressão de um modo; caso resolva decidir contra tal instituto, deve

interpretá-lo como o fez o Ministro Eros Grau.

Eros Grau optou por uma interpretação menos elastecida da Constituição. Ele

mesmo destacou em seu voto esta sua intenção quando pediu a venia para “para

negar e ser coerente e manter o meu critério ortodoxo e conservador de

interpretação da Constituição”.

Ao contrário de Eros Grau, o Ministro Celso de Mello, relator do MS 26603,

criticou as inúmeras trocas partidárias que comumente têm sido assistidas no

cenário político brasileiro para construir a interpretação da Constituição segundo a

qual o mandato proporcional pertence ao partido e não ao político eleito.

Celso de Mello, que proferiu o voto que conduziu a decisão da Corte,

argumentou no sentido da essencialidade dos partidos políticos para o regime

democrático, e disse que o sistema proporcional é eminentemente partidário.

Disse ele que se o mandato pertence ao partido, a controvérsia acerca dos

efeitos da infidelidade partidária não está na perda ou não do mandato do político,

mas na declaração de vacância do respectivo cargo.

Concluiu ele, nessa linha de raciocínio, que o mandato representativo

contempla uma relação tripartite entre eleitor, partido e detentor do cargo, sendo que

a infidelidade partidária acaba por vulnerar tal vínculo e desequilibrar a

proporcionalidade da representação estabelecida nas urnas.

Segundo Celso de Mello, "as migrações não só surpreendem o cidadão e os

partidos de origem, mas geram um desequilíbrio de forças no Parlamento, uma

fraude à vontade popular e uma transgressão ao sistema eleitoral".

Disse o Ministro que há possibilidade de troca de legenda pelo político só se

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faz presente quando constatada perseguição política ou mudanças no partido.

No que diz respeito aos efeitos da decisão no tempo e à segurança jurídica,

entendeu Celso de Mello que os partidos somente poderiam reaver os mandatos

perdidos nos casos em que a migração de seus membros tivesse ocorrido

posteriormente à resposta do TSE à Consulta nº 1.398/DF, cuja interpretação foi

favorável à fidelidade partidária.

Cármen Lúcia, Ministra relatora do mandado de segurança n. 26604 do DEM,

seguiu o posicionamento de Celso de Mello e votou a favor do instituto da fidelidade

partidária, considerando-o operante somente a partir da decisão do TSE.

O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, na mesma esteira do pensamento

de Celso de Mello e Cármen Lúcia, decidiu favoravelmente a perda do mandato do

político que houvesse trocado de legenda após a decisão do TSE.

Para tal desiderato ele, ao contrário de Eros Grau, deixou bem evidenciado

em seu voto a intenção de interpretar o texto constitucional de forma mais criativa.

Mencione-se, nesse diapasão, a citação de Henry Campbell Black por ele

colacionada: “a Constituição não deve ser interpretada de modo estreito ou com

princípios técnicos, mas liberalmente, em linhas mais gerais, de modo a que possa

alcançar os objetivos para os quais foi feita e levar adiante os grandes princípios de

governo123.

Menezes Direito propugnou que a perda do mandato em decorrência da

infidelidade partidária pode ser deduzida do texto constitucional não obstante a

ausência de previsão expressa nesse sentido.

Para justificar tal opinião ele afirma que “a Suprema Corte, quando interpreta

a Constituição não fica subordinada ao argumento de direito constitucional estrito,

sob pena de ofuscar a perspectiva contemporânea do sistema de valores e

princípios que estão subjacentes na unidade representativa do texto

constitucional”124.

A construção de seu raciocínio ficou bem explicitada no seguinte trecho de

_______________ 123 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00235.

124 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00242.

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seu voto: “assim, para a interpretação constitucional, se a soberania é exercida por

meio do sufrágio universal, se a representação popular é feita por meio da eleição,

se para ser elegível é obrigatória a filiação partidária, os mandatos parlamentares

necessariamente vinculam os eleitos aos partidos, não subsistindo a representação

se houver o cancelamento da filiação ao partido pelo qual foi o parlamentar eleito”125.

Ricardo Lewandowski, ao seu turno, optou por indeferir os três mandados de

segurança. Justificou tal decisão sob a necessidade de respeitar a segurança

jurídica e proteger a confiança dos jurisdicionados.

Ele reconheceu a importância dos partidos políticos no processo democrático

contemporâneo, pois são entidades responsáveis por expressar a multiplicidade de

interesses e aspirações de grupos sociais bem distintos. Afirmou, inclusive, que com

a advento da democracia participativa, a fidelidade partidária se afigura muito

importante para que “representação popular tenha um mínimo de autenticidade, ou

seja, para que reflita um ideário comum aos eleitores e candidatos”126.

Não obstante este reconhecimento, Lewandowski proclamou que o princípio

da segurança jurídica possui especial importância no Estado Democrático brasileiro,

afigurando-se, inclusive como direito fundamental e cláusula pétrea.

Ressaltou também o Ministro Lewandowski a importância de não ferir a

confiança que se deposita no Direito e na interpretação do Direito dada pela

Suprema Corte.

Disse ele que: “os parlamentares que trocaram de partido fizeram-no não

apenas confiando no ordenamento legal vigente, como também na interpretação que

a mais alta Corte de Justiça do País lhe conferia, bem assim no entendimento dos

maiores expoentes da doutrina constitucional pátria”127.

Lewandowski concluiu, então, em por não ter advindo modificação no

_______________ 125 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00244.

126 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00256.

127 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00260 e 00261.

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contexto fático ou mudança legislativa, mas somente uma modificação do

entendimento do TSE sobre o assunto, mostra-se mais conveniente se evitar um

“câmbio abrupto de rumos que acarrete prejuízos aos parlamentares que pautaram

suas ações pelo entendimento acadêmico e pretoriano até agora dominante”128.

Joaquim Barbosa foi o terceiro e último Ministro a votar em sentido contrário

da fidelidade partidária.

Primeiramente ele constrói uma argumentação no sentido de afirmar, ao

contrário do que foi dito pelo TSE, que não é o partido político o elemento central de

toda a nossa organização política, mas o povo, este sim fonte de onde emana todo o

poder de nossa organização político-constitucional.

Posteriormente, acolhendo o posicionamento exarado nos autor pelo

Procurador-Geral da República, entendeu que a Constituição de 1988 não prevê a

perda do mandato político como conseqüência da mudança do partido.

Barbosa afirmou não lhe parecer adequado solver a controvérsia sob análise

à luz de princípios supostamente implícitos da Constituição. Isto porque, segundo

ele, a Constituinte de 1988 conscientemente optou por abandonar o regime de

fidelidade partidária que vigorava no sistema constitucional anterior, o qual previa a

perda do mandato como conseqüência. Segundo o Ministro Joaquim Barbosa o

constituinte optou por prever de maneira exaustiva nos artigos 55 e 56 as únicas

hipóteses de perda de mandato do parlamentar eleito pelo voto popular, não

prevendo dentre estas hipóteses as infidelidade partidária.

Barbosa reconheceu, por fim, que comungava dos anseios generalizados em

prol de uma moralização da vida político-partidária do país, mas por outro lado

verberou que não poderia fazê-lo mediante uma interpretação forçada da

Constituição em prol da fidelidade partidária.

O Ministro Carlos Ayres Britto, ao seu turno, deferiu os três mandados de

segurança, votando a favor, portanto, da fidelidade partidária.

Para tal desiderato Britto argumentou que o parlamentar, ao abandonar o

partido pelo qual se elegeu, está renunciando tacitamente ao seu cargo.

Para nutrir tal posição o Ministro constrói uma espécie de argumentação

_______________ 128 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00269.

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inversa a partir do texto constitucional. A constituição prevê em seu art. 55 hipóteses

de perda do mandato dos Deputados e Senadores e prevê em seu art. 56 hipóteses

nas quais os Deputados e Senadores não perdem os seus mandatos. A partir da

análise destes dois artigos Britto argumentou que, da mesma forma pela qual o

Texto Constitucional não previu a hipótese de troca de partido em seu art. 55 como

causa para perda do mandato pelo parlamentar, também não a previu, em seu art.

56, como hipótese de manutenção neste.

Segundo ele, portanto, não se poderia invocar a omissão do texto normativo

constitucional como argumento para defender a manutenção do mandato.

Ocorre, contudo, que todas as hipóteses previstas nos artigos 55 e 56 tratam-

se apenas de exceções, sendo que a regra geral é a de que o político se manterá

em seu cargo. Desta feita, considerando que são exceções a uma regra geral, o

entendimento mais natural seria no sentido de o rol de hipóteses do art. 55 é taxativo

e o rol de hipótese do art. 56 é apenas exemplificativo.

Essa, contudo, não foi a interpretação dada pelo Ministro Britto, conforme se

extrai do seguinte trecho de seu voto: “verdade – não se nega – que o nosso Magno

Texto Federal se fez silente quanto a essa modalidade de renúncia tácita. Não

menos verdadeiro, porém, que ele também silenciou quanto a qualquer tipo de

vacância que não a resultante da infringência a determinadas proibições, ou do

cometimento de certos ilícitos, de pronto listados (art. 55). Somente falou de

renúncia a cargo de parlamentar em uma única oportunidade (§4º. do art. 55), mas

justamente para impedir a consumação dos seus efeitos, quando já em curso

processo tendente à perda do mandato do renunciante. A sinalizar que o problema

não se resolve com a invocação do puro silêncio normativo na matéria, porem a falta

de inclusão do tema nas hipóteses em que ela, Constituição, ressalvou as situações

de mantença do mandato. Refiro-me ao art. 56, percebe-se, que não incluiu a

desfiliação partidária do parlamentar eleito como causa de excepcional continuidade

no exercício da representação político-eletiva”129.

O ministro Cezar Peluso, defendeu em seu voto a opinião de que os partidos

políticos desempenham o papel de verdadeiros “corpos intermediários” do regime

_______________ 129 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00296 e 00297.

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democrático. Para ele “na chamada democracia partidária, a representação popular

não se dá sem a mediação do partido, enquanto elemento agregador e expressivo

do espectro dos ideários políticos dos cidadãos”130.

Prossegue, ainda, Peluso com a seguinte argumentação: “nessa moldura

sistêmica, não parece, destarte, concebível que um candidato, para cuja eleição e

posse não apenas concorreram, senão que até podem ter sido decisivos, os

recursos do partido, e recursos não apenas financeiros e materiais doutra ordem,

mas também de todos aqueles compreendidos no conceito mesmo de patrimônio

partidário de votos, abandone os quadros do partido após repartição das vagas

conforme a ordem nominal de votação. (..) Não há como admitir-se, perante tal

ordem, que representante eleito sob suas condições possa mudar de partido

levando consigo o cargo, até porque, se tivesse concorrido por outro partido, poderia

nem sequer ter sido eleito, o que mostra desde logo que o patrimônio dos votos

deve entender-se, na lógica do método proporcional, como atributo do partido, e

não, de cada candidato”131.

O Ministro Peluso ainda conclui que a interpretação do ordenamento jurídico

não deve se restringir ao que a lei diz de forma clara e unívoca, mas também o que

ela supostamente deixou de dizer quando deveria ter dito. Revela explicitamente,

portanto, a sua opinião acerca do papel ativo que deve ser desempenhado pelo

Judiciário e, mais especificamente no caso em análise, pelo STF.

O seguinte trecho de seu voto ilustra bem tal opinião: “estou convencido de

que, por força de imposição sistêmica do mecanismo constitucional da

representação proporcional, as vagas obtidas por intermédio do quociente partidário

pertencem ao partido. Daí, aliás, a irrelevância absoluta da circunstância de já não

constar, do ordenamento vigente, nenhum texto expresso a respeito. Ninguém

ignora que a revelação ou, rectius, a reconstrução da norma jurídica nem sempre, ou

quase nunca, é o resultado do processo interpretativo do texto isolado, nem sequer

de enunciados textuais com sentido claro ou único, que reservaria ao intérprete a

_______________ 130 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00314 e 00315.

131 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00317 e 00318.

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tarefa pobre de descobrir como dado objetivo e imutável oculto sob as palavras”132.

O ministro Gilmar Mendes também se posicionou de modo favorável ao

princípio da filiação partidária. Segundo ele a exigência de filiação partidária como

condição de elegibilidade e a participação do voto de legenda na eleição do

parlamentar, implicam que a manutenção do seu mandato só se dará se ele

permanecer no partido pelo qual foi eleito. De acordo com Mendes, “essa

interpretação decorre da própria realidade partidária observada no Brasil após a

Constituição de 1988”133.

O Ministro Marco Aurélio também vota a favor da fidelidade partidária. Para

justificar este voto ele aponta diversos dispositivos normativos constitucionais que

ressaltar o papel dos partidos políticos na democracia brasileira, os quais, segundo

ele, indicam a vinculação inafastável do candidato ao partido. Segundo ele a eleição

é norteada pelos votos do partido e não pelos votos individuais de cada parlamentar

eleito.

A presidente do STF, Ministra Ellen Gracie, última a votar, decidiu

favoravelmente aos mandados de segurança, alegando que fidelidade partidária se

faz presente, pois a vinculação entre candidato e partido se prolonga após a eleição,

“sendo de todo inadequada a desenfreada transmigração partidária que coincide, via

de regra, com necessidades circunstanciais de formação de maioria”134.

Após estas decisões do STF, exaradas nos mandados de segurança 26602,

26603 e 26604, e por recomendação desta Corte, o TST editou a Resolução n.

22.610, a qual passou a disciplinar pormenorizadamente o procedimento de perda

de cargo eletivo por infidelidade partidária.

Insatisfeitos com a Resolução 22.610/07 editada pelo Tribunal Superior

Eleitoral foram propostas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 3999 e 4086,

as quais foram relatadas pelo ministro Joaquim Barbosa. _______________ 132 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00332.

133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00371.

134 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em: 04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00402.

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A análise mais detida dos julgamentos das ADI’s 3999 e 4086 não se mostra

necessária tendo em vista que os argumentos utilizados nas respectivas decisões

foram muito semelhantes àqueles empregados nos Mandados de Segurança 26602,

26603 e 26604, conforme se nota a partir da ementa abaixo.

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL 22.610/2007 e 22.733/2008. DISCIPLINA DOS PROCEDIMENTOS DE JUSTIFICAÇÃO DA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA E DA PERDA DO CARGO ELETIVO. FIDELIDADE PARTIDÁRIA. 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008, que disciplinam a perda do cargo eletivo e o processo de justificação da desfiliação partidária. 2. Síntese das violações constitucionais argüidas [...] 3. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos Mandados de Segurança 26.602, 26.603 e 26.604 reconheceu a existência do dever constitucional de observância do princípio da fidel idade partidária . Ressalva do entendimento então manifestado pelo ministro-relator. 4. Não faria sentido a Corte reconhecer a existência de um direito constitucional sem prever um instrumento para asseg urá-lo . 5. As resoluções impugnadas surgem em contexto excepciona l e transitório, tão-somente como mecanismos para salvaguardar a obs ervância da fidelidade partidária enquanto o Poder Legislativo, órgão legitimado para resolver as tensões típicas da matéria, não se pronunciar . 6. São constitucionais as Resoluções 22.610/2007 e 22.733/2008 do Tribunal Superior Eleitoral. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente (grifo do autor) 135.

4.2.3.3 Comentários

Neste momento, considerando os argumentos utilizados pelo STF nas

decisões analisadas acima, é natural seja feita a seguinte pergunta: terá o Supremo

cumprido estritamente com sua missão constitucional ou será que assumiu uma

postura ativista e optou por realizar um interpretação extensiva da Constituição,

expandindo – ou mesmo contrariando – seu sentido e alcance sobre tema?

As fundamentações deduzidas pelos ministros do Supremo nas decisões

relativas à fidelidade partidária indicam que o principal argumento utilizado para

justificar a adoção deste instituto foi o da sua conveniência para moralizar o cenário

político brasileiro.

_______________ 135 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 3999/DF. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Julgamento

em: 12/11/2008, publicado no DJe em 16/04/2009, ement. 2356-1. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=3999&classe=ADI>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00099.

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Argumentou-se que o sistema representativo brasileiro é proporcional, e que a

Constituição da República prevê a filiação partidária como condição necessária para

a elegibilidade, para que fosse demonstrada a grande importância dos partidos para

a democracia nacional.

A partir destes argumentos, contudo, não é possível concluir que a

Constituição da República, em sua atual conformação, autoriza a perda de mandato

parlamentar em decorrência de ato de infidelidade partidária.

Isto porque, a interpretação dada pelos ministros do pretório excelso foi além

do que o texto constitucional diz, ou mesmo poderia sugerir.

Sem adentrar no mérito da conveniência ou não de tal omissão, o fato é que a

Constituição da República de 1988 não prevê qualquer disposição que autorize a

perda de mandato político em virtude de infidelidade partidária. Ao contrário, uma

interpretação mais detida dos dispositivos constitucionais parece sugerir justamente

o contrário.

A Constituição da República prevê expressamente em seu Art. 17, §1º que

cabe a cada partido político normatizar em seus estatutos a questão da fidelidade

partidária. A redação destes dispositivo constitucional é clara nesse sentido: "é

assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna,

organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de

suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas

em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos

estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária".

Além disto, a própria Constituição prevê, em seu artigo 55, as hipóteses de

perda de mandato eletivo pelos Deputados e Senadores, dentre as quais não está

incluída a hipótese de infidelidade partidária.

Nos termos do art. 55, I a IV da Constituição Federal, só é possível a perda do

mandato do deputado ou senador que:

I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior; II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar; III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada; IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos; V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição; VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

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103

Já o artigo 54 dispõe que:

Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior; II - desde a posse: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades referidas no inciso I, "a"; c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, "a"; d) ser titulares de mais de um cargo ou mandato público eletivo.

Ora, se a própria Constituição previu em seu art. 55 um rol exaustivo de

hipóteses de perda de mandato eletivo, foi justamente para impedir que uma

interpretação extensiva de seu conteúdo implicasse em outras possibilidades de

perda.

O próprio Ministro Relator do Mandado de Segurança n. 26602, Eros Grau,

afirmou na sessão plenária: “resulta bem nítido, aliás, o desígnio nutrido pelo

impetrante, no sentido de que o Supremo Tribunal Federal crie, por via oblíqua,

hipótese de perda de mandato parlamentar não prevista no texto constitucional.

Pretende transformar este Tribunal em legislador, trilhando a estreita via do

mandado de segurança”136.

Este raciocínio, que prevaleceu como o entendimento dominante do STF até

o julgamento dos Mandados de Segurança de números 26602, 26603 e 26604, foi

explicitado pormenorizadamente pelo Ministro Moreira Alves em seu voto no

Mandado de Segurança n. 20927, julgado em 11/10/1989 pelo pleno do Supremo,

conforme ementa abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. FIDELIDADE PARTIDARIA. SUPLENTE DE DEPUTADO FEDERAL. - EM QUE PESE O PRINCÍPIO DA REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL E A REPRESENTAÇÃO

_______________ 136 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00204 e 000205.

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104

PARLAMENTAR FEDERAL POR INTERMEDIO DOS PARTIDOS POLITICOS, NÃO PERDE A CONDIÇÃO DE SUPLENTE O CANDIDATO DIPLOMADO PELA JUSTIÇA ELEITORAL QUE, POSTERIORMENTE, SE DESVINCULA DO PARTIDO OU ALIANCA PARTIDARIA PELO QUAL SE ELEGEU. - A INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FIDELIDADE PARTIDARIA AOS PARLAMENTARES EMPOSSADOS SE ESTENDE, NO SILENCIO DA CONSTITUIÇÃO E DA LEI, AOS RESPECTIVOS SUPLENTES. - MANDADO DE SEGURANÇA INDEFERIDO137.

Relembrou o Min. Moreira Alves que a Emenda n. 1 de 1969 estabelecia

expressamente em seu texto o princípio da fidelidade partidária, o qual impunha a

perda do mandato do parlamentar que abandonasse o partido pelo qual fora eleito.

Afirmou, contudo, desde a emenda constitucional n. 25 de 1985 (fato este repetido

na Constituição de 1988), a fidelidade partidária deixou de estar prevista

constitucionalmente, de modo que desde este momento deixou de ser possível a

imputação da perda do mandato ao político que mudasse de partido.

Disse o Min. Moreira Alves que: "(…) se a própria Constituição não estabelece

a perda de mandato para o Deputado que, eleito pelo sistema de representação

proporcional, muda de Partido e, com isso, diminui a representação parlamentar do

Partido porque se elegeu (e se elegeu muitas vezes graças ao voto de legenda),

quer isso dizer que, apesar da Carta Magna dar acentuado valor à representação

partidária (artigos 5º, LXX, 'a'; 58, § 1°; 58, § 4 °; 103, VIII), não quis preservá-la com

a adoção de sanção jurídica da perda de mandato, para impedir a redução da

representação de um partido no Parlamento. Se o quisesse, bastaria ter colocado

essa hipótese entre as causas de perda de mandato, a que alude o artigo 55"138.

Afirmou ainda o referido Ministro que “em nosso sistema constitucional atual,

apesar da valorização dada à representação parlamentar federal dos Partidos, não

se exige qualquer modalidade de fidelidade partidária para os eleitos, após a

diplomação, ainda quando se tenham empossado como deputados”139.

_______________ 137 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 20927/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em:

11/10/1989, publicado no DJ em 15/04/1994. Ement. 1740-01. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=20927&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00130.

138 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 20927/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 11/10/1989, publicado no DJ em 15/04/1994. Ement. 1740-01. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=20927&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00143.

139 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 20927/DF. Relator: Min. Moreira Alves. Julgamento em: 11/10/1989, publicado no DJ em 15/04/1994. Ement. 1740-01. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=20927&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00144.

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105

Constata-se, portanto, especificamente nestas decisões acerca da fidelidade

partidária, que a razão pela qual se buscou interpretar a Constituição foi antes

política do que técnico-jurídica. Isto porque se intenção fosse simplesmente aplicar o

que a Constituição disse de forma clara, não se teria permitido a perda do mandato

do parlamentar em virtude da troca de legenda política.

Com isto, não se está proclamando que o STF atuou de forma ilegítima ou

inconstitucional, visto que a interpretação da Constituição é algo que não deve ser

feito de forma estanque, tampouco deve espelhar a vontade da sociedade do

momento em que ela foi promulgada. É necessário sim que a interpretação

constitucional evolua com a sociedade e acompanhe os seus anseios e

expectativas, contando que as decisões que motivem tal evolução sejam

amplamente fundamentadas tais como o foram as relativas a fidelidade partidária.

O próprio Ministro Carlos Britto pontuou nesta decisão que Judiciário

desempenha uma função política, cuja legitimação decorre da necessária

fundamentação jurídica de seus atos. Disse ele que: “a legitimidade dos

representantes do povo – dos parlamentares e das chefias executivas – é

quadrienal, temporária, advinda de cada processo eleitoral renovado. É uma

legitimidade popular. A legitimidade do Judiciário – e, mais de perto, a do Supremo

Tribunal – deflui da Constituição. O guardião da Constituição é também legítimo,

porque defende uma vontade normativa nacional, depositada no Texto Magno, que é

permanente e transgeracional desde o nascedouro. São duas democracias, duas

legitimidades. A nossa não é eletiva. Não fomos eleitos, mas somos os supremos

guardiões da Constituição. Dessa guarda maior retiramos a nossa legitimidade.

Desse modo, interpretar e aplicar a Constituição, inclusive na perspectiva da

demarcação dos espaços de legítima atuação dos Poderes, não é usurpação, é isso

que nos cabe fazer. E nessa medida, conforme Lourival Vilanova, cumprimos uma

função política, porém com necessária fundamentação técnica ou jurídica”140.

Esta modificação do entendimento do Supremo acerca do tema da fidelidade

partidária serve, em suma, para revelar o amadurecimento do Judiciário no estado

democrático de direito brasileiro.

_______________ 140 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS 26602/DF. Relator: Min. Eros Grau. Julgamento em:

04/10/2007, publicado no DJe em 16/10/2008. Ement. 2337-2. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/obterInteiroTeor.asp?numero=26602&classe=MS>. Acesso em: 24 fev. 2010. p. 00296 e 00297.

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Nos primeiros anos que sucederam a promulgação da Constituição o

Judiciário, e especificamente o Supremo Tribunal Federal, se comportou de forma

menos libertária com relação à interpretação e aplicação do Direito, pois se tratava

de um período de maturação democrática. Neste momento se mostrava muito

arriscado aos juízes dar toda vazão a discricionariedade judiciária que a Constituição

permitia, ou mesmo exigia, sob pena se estar arriscando o próprio desenvolvimento

do novo Estado que se erguia.

4.3 REPERCUSSÕES DA NOVA POSTURA ASSUMIDA PELO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL

A partir do embasamento teórico feito nos dois primeiros capítulos deste

trabalho e da análise de decisões do Supremo Tribunal Federal realizada no

presente capítulo, foi possível traçar algumas conclusões acerca da nova atuação

desta Corte no Estado brasileiro contemporâneo, sendo necessário agora trazer

baila algumas de suas possíveis repercussões.

Imperioso ressaltar, preliminarmente, que esta nova feição assumida pelo

Supremo não é vista com bons olhos por todos operadores e estudiosos do Direito.

Marcela Castro de Cifuentes, por exemplo, afirma que sob pena de serem

concretizados abusos das faculdades constitucionais, algumas instituições do

clássico direito privado não podem ser harmonizadas ao novo Estado Social de

Direito a partir do simples labor hermenêutico de juízes e tribunais.

De acordo com esta autora por vezes caberá ao Judiciário simplesmente

aguardar a elaboração ou atualização dos diplomas normativos pelo Poder

Legislativo, para que só então passar a realizar as promessas e os direitos

assegurados constitucionalmente141.

Para embasar tal posicionamento Cifuentes lança mão a dois argumentos

principais: i) a necessidade de alguma certeza (previsibilidade) quanto à forma pela

qual os códigos privados oitocentistas serão aplicados na nova ordem constitucional

e ii) a necessidade de impedir uma desvirtuação da clássica tripartição dos poderes,

_______________ 141 CIFUENTES, Marcela Castro de. Constitución y Derecho Privado. Revista de Derecho Privado

da Facultad de Derecho de Universidad de Los Andes , n.º 19, volume X, junho de 1996.

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seja por meio do abuso da faculdade jurisdicional do Judiciário ao aplicar

diretamente a Constituição nos casos que lhe forem submetidos ou pelo

esvaziamento do campo de atuação do Legislativo, que neste contexto se tornaria

prescindível em face da postura ativista judicial.

A grande preocupação da autora, portanto, diz respeito à segurança jurídica.

O ideal de segurança jurídica é ao mesmo tempo uma premissa e um dos principais

objetivos do direito, mas também é necessário ponderar que tal ideal mantém uma

relação dialógica com os ideais de progresso e desenvolvimento social.

A delimitação da linha de equilíbrio entre segurança jurídica, de um lado, e

mobilidade e atualização do Direito, do outro, afigura-se como uma das maiores

dificuldades existentes na ciência jurídica.

Enquanto a segurança jurídica depende da vinculação de juízes e tribunais a

parâmetros legais claros, a mobilidade do Direito está umbilicalmente ligada à

criatividade jurisprudencial.

No cenário jurídico-político brasileiro contemporâneo, conforme se depreende

dos julgados analisados, optou-se por atribuir ao Judiciário, e especialmente ao

Supremo Tribunal, uma ampla margem de discricionariedade no processo de

interpretação e aplicação do Direito.

Por dispor de inúmeros dispositivos normativos abertos, a Constituição da

República atribui aos magistrados o poder-dever de construir as normas nos casos

concretos, sendo que muitas vezes as balizas para a realização desta tarefa são tão

abrangentes que a discricionariedade judicial chega a ser comparada com a do

Legislativo.

Verifica-se, ainda, que a Constituição Brasileira em vigor apresenta diversos

dispositivos normativos prospectivos. Cite-se, por exemplo, os objetivos de reduzir

as desigualdades sociais, proporcionar o bem comum e perseguir a justiça social.

Neste contexto, o ideal de segurança jurídica não pode ser vislumbrado de forma

isolada, como se fosse o único ou mais importante objetivo a ser atingido a partir do

ordenamento jurídico pátrio.

Na mesma medida em que se busca segurança jurídica deve ser almejado o

desenvolvimento social, sendo que este demanda ações afirmativas do Executivo,

Legislativo e do Judiciário.

Neste diapasão, não se pode pretender, tal como o fez Cifuentes, que o

Judiciário se mantenha inerte, esperando que normas infraconstitucionais sejam

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elaboradas ou adaptadas pelo Legislativo, para, somente então, se por a concretizar

direitos, princípios e valores expressos na Carta Maior.

A modificação do entendimento da Suprema Corte acerca dos efeitos das

decisões nos Mandados de Injunção demonstra que o Judiciário tomou consciência

desta impossibilidade.

Quando o Supremo Tribunal Federal verificou a ineficiência do modo como

vinha exarando suas decisões em mandados de injunção, limitando-se a

simplesmente cientificar o Poder omisso, e começou a atribuir efeitos concretos as

suas decisões, não ofendeu a Constituição ou a tripartição dos Poderes, tampouco

passou a atuar de forma política. Isto porque a concretização de direitos sociais

constitucionalmente garantidos, tais como o de aposentadoria especial do servidor

público sujeito a condições insalubres ou o direito de greve dos servidores públicos,

não é uma simples faculdade deste Poder, mas seu dever constitucional.

Mencione-se, nesse sentido, que:

a própria Constituição já fixou os objetivos e metas para a sociedade brasileira, e esses são os pontos que devem nortear o planejamento e as ações para a efetiva reforma do Judiciário. Por determinação constitucional, o Brasil é um Estado Democrático, fundado na dignidade da pessoa humana, que objetiva a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em um ambiente ecologicamente equilibrado, preservado para as presentes e futuras gerações. A concretização deste modelo deve orientar o comportamento do poder público e dos particulares142.

Destarte, mostra-se mais adequado e legítimo que o Judiciário se

contraponha à inércia do Legislativo, que deveria confeccionar os diplomas

normativos regulamentadores de tais direitos, do que se some a ele.

Se por um lado, entretanto, esta nova postura do Supremo Tribunal se mostra

adequada e legítima sob o prisma Constitucional, visto que direcionada a realização

de direitos e garantias fundamentais, por outro não se mostra isenta de riscos.

É preciso que se tenha muito cuidado com a forma como são exploradas as

potencialidades de interpretação dos dispositivos normativos abertos da

Constituição.

Conforme aduzido por João Maurício Adeodato,

_______________ 142 BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um judiciário socioambientalmente responsável.

Revista da Faculdade de Direito - UFPR , Curitiba, n.48, p.107-120, 2008. p. 116.

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Dentro desse debate sobre os limites à criatividade do Judiciário, pode-se considerar a preponderância da atividade judicante na concretização, sobretudo por parte das cortes mais altas, como uma realidade prejudicial ao Estado democrático de direito, pois o Judiciário passa a ser o guardião do conteúdo moral do direito e, ao invés de a moral limitar o direito, como parece ser a intenção de jusfilósofos como Ronald Dworkin, pode acontecer justamente o contrário: a inserção direta de princípios morais nas questões jurídicas, através de uma ‘moral do Judiciário’, faz com que as fronteiras do que é jurídico e coercitivo se ampliem a níveis preocupantes no contexto democrático143.

Não se pode aceitar que este apanágio das normas gerais sirva de

justificativa para interpretações pessoais ou decisões proféticas dos magistrados. A

subjetividade dos juízes, especialmente daqueles que compõem a Suprema Corte

brasileira, não deve prevalecer sobre a correta e adequada interpretação da

Constituição.

Diversos autores contemporâneos, dentre os quais Dworkin, Habbermas,

Alexy e Zagrebelski, partindo do pressuposto de que esta discricionariedade judicial

é simplesmente indissociável do Direito, apresentam a necessidade de construção

de mecanismos para imposição de limites a subjetividade dos magistrados e demais

intérpretes do Direito, como uma das preocupações centrais de seus estudos.

Independentemente da teoria adotada ou da forma pela qual tal controle pode

ser buscado, jamais se mostrará legitima uma decisão judicial que, sob a pretensão

de alcançar um suposto “estado ideal” cogitado pelo intérprete, é travestida de

argumentações que deturpam o espírito da Constituição por meio da aplicação de

princípios ou normas supostamente implícitos em seu texto.

Não se pode, neste contexto, “autorizar os tribunais, especialmente as cortes

supremas, a atuar como profetas ou deuses do direito, consolidando aquilo que já é

designado como ‘teologia constitucional’”144.

Verifique-se, neste diapasão, que os resultados obtidos a partir da

interpretação e aplicação das normas constitucionais abertas podem ser

enquadrados em três zonas hermenêuticas: em uma zona de certeza positiva, em

uma zona de certeza negativa ou em uma região de penumbra.

_______________ 143 ADEODATO, João Maurício. Jurisdição constitucional à brasileira: situações e limites. In: Direito

constitucional em evolução : perspectivas, Paulo Gomes Pimentel Júnior (Coord.). Curitiba: Juruá, 2007. p. 116.

144 CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, Ativismo Judiciário e Democracia. Alceu , v.05, n.09, p.105-113, dez. 2004. p. 108.

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As interpretações inseridas na zona de certeza positiva são aquelas que se

mostram necessárias e indissociáveis do enunciado normativo interpretado. As

interpretações inseridas na zona de certeza negativa, por outro lado, são aquelas

que se mostram impossíveis de serem extraídas do dispositivo legal. Finalmente, as

interpretações contidas na intitulada zona de penumbra, dizem respeito àquelas

sobre as quais pendem dúvidas ou incertezas; são interpretações possíveis, mas

não necessárias.

Em outros termos, não obstante as normas constitucionais abertas possam

ser aplicadas em múltiplas e diferentes situações práticas e admitam uma vasta

gama de interpretações possíveis, também possuem uma série de interpretações lhe

são impossíveis, ou seja, interpretações que não poderiam ser extraídas dos termos

que as compõem145.

Conclui-se, nesse sentido, que tais normas constitucionais gerais ou abertas

não se transmudam em “cheques em branco” assinados pelo legislador para serem

posteriormente preenchidos pelos magistrados por ocasião da prestação da

atividade jurisdicional.

Nenhum dos extremos deve ser perseguido. Da mesma forma como não se

mostra pertinente a busca de uma verdade jurídica única por ocasião da

interpretação da Constituição, também não se mostra justificado o casuísmo

irracionalista, por meio do qual o juiz se põe a livremente criar o direito a partir de um

texto muito, mas não tudo, pode significar.

Neste ponto, considerando a intrínseca maleabilidade das normas gerais, é

natural seja questionada a postura que deve ser assumida pelos juízes por ocasião

da aplicação destes dispositivos abertos, de modo que interpretações

descontextualizadas não venham a ofender a segurança jurídica.

A resposta para tal pergunta encontra-se na fundamentação racional dos atos

jurisdicionais. A responsabilidade do juiz por sua decisão é diretamente proporcional

a sua discricionariedade decisória, ou seja, a extensão de sua liberdade por ocasião

da decisão.

O maior espaço de atuação conferido ao juiz por meio da formulação de

normas gerais ou abertas jamais representará, destarte, uma via permissiva para

_______________ 145 MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana : principio constitucional

fundamental. Curitiba: Juruá Editora, 2003, p. 101.

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atos arbitrários; entendendo-se estes como sendo as “irregularidades caprichosas”

do poder público, mandatos jurídicos por ele emanados que, possuindo força

impositiva, regulamentam um determinado caso concreto sem responder a qualquer

regra de caráter geral previamente estabelecida 146.

Não se pode confundir, neste ponto, atos discricionários com atos arbitrários.

Enquanto o ato arbitrário é mero capricho, inobservância de qualquer regra ou

princípio de direito, o poder discricionário se refere às situações em que os

aplicadores do direito (juiz, administrador, etc.) se submetem a uma norma que não

apresenta um conteúdo taxativamente determinado.

Luis Recasens Siches afirma, nesse sentido, que algumas leis, em virtude da

ampla complexidade dos fatos por ela regulados, ao invés de serem formuladas de

modo a prever taxativa e minuciosamente em seus dispositivos uma solução

pormenorizada a ser aplicada pelo intérprete, são formuladas genericamente de

modo a confiar a eles à missão de, no caso concreto, dar concretude aos seus

preceitos e obter a solução adequada. Assim, prossegue o autor, tais normas

genéricas imbuem o intérprete a determinar o preceito mais justo e adequado para

cada caso concreto que seja submetido, fato este que jamais deverá ser feito

conforme seus caprichos pessoais, mas de acordo com diretrizes e critérios

objetivos, os quais, inclusive, poderão ser eventualmente aplicados em casos

semelhantes futuros147.

Jamais, nesse sentido, a faculdade de interpretar e aplicar normas que

outorgam maior “discricionariedade” ao juiz, tal como ocorre com as normas abertas,

poderá ser exercida conforme os caprichos pessoais do magistrado, mas em

consonância com os valores informadores do sistema e as necessidades da

sociedade em que está inserido.

Ruy Rosado de Aguiar Jr. destaca, inclusive, que na interpretação e aplicação

destas normas abertas que:

[...] o juiz deve, mais do que em outras ocasiões, fundamentar as suas decisões, porque ele deve explicar às partes e à comunidade jurídica como e por que tais condutas foram consideradas as devidas na situação do

_______________ 146 SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho 7. ed. Mexico: Porrua, 1981,

p. 213-216. 147 SICHES, Luis Recasens. Tratado general de filosofia del derecho 7. ed. Mexico: Porrua, 1981.

p. 216-217.

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112

processo, pois foi nessa norma de dever (criada por ele para o caso) que alicerçou a solução da causa148.

Considerando que a legitimidade das decisões não depende única e

exclusivamente da remissão à dispositivos normativos, verifica-se que uma

interessante forma de respaldar o exercício da jurisdição constitucional é garantir

que as suas decisões sejam compreendidas pela opinião pública, aceitas pelos

demais poderes, consoantes com a realidade do momento em que forem prolatadas

e, principalmente, amplamente fundamentadas.

Conforme menciona Alexandre Moraes:

a verdadeira, duradoura e incontrastável legitimidade da Justiça constitucional será concedida pela opinião pública, pois somente ela é que, em definitivo, consagrará ou rejeitará essa instituição, analisando-a em virtude de sua jurisprudência e de sua atuação perante o Estado. 149.

No mesmo sentido proclama Mendonça, para o qual:

Ao contrário do apego excessivo ao princípio da legalidade, característico do Estado liberal, prevalece hoje uma tendência para a associação entre as justificativas das decisões, referenciadas no direito positivo e os valores socialmente consagrados. Não há que se pensar na existência de sociedades democráticas, sem que se observe a um mínimo de integração entre o oficialismo estatal, representado pelo direito positivo e as demandas sociais, que a todo momento pressionam os tribunais150.

Oportuno mencionar, neste diapasão, que o método político tradicional e o

método judicial não são diferentes entre si despropositadamente, mas porque se

destinam à análise de questões e a solução de problemas que clamam por

diferentes abordagens. Até mesmo os valores que norteiam e fundamentam a

tomada das decisões em tais arenas são diferentes.

O método judicial se caracteriza por ser travado em uma arena na qual

figuram como partes um demandante, um demandado e um terceiro imparcial

(magistrado); as regras de como devem ser procedidos os debates entre as partes

_______________ 148 AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. O Poder Judiciário e a concretização das cláusulas gerais.

Revista de Direito Renovar , n. 18, p. 11-19, set./dez. 2000. Disponível em <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/470 >. Acesso em: 10 jun 2009. p. 11.

149 MORAES, Alexandre de. Legitimidade da justiça constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 159, p. 47-59, jul./set. 2003. p. 55.

150 MENDONÇA, Paulo Roberto Soares. A argumentação nas decisões judiciais . Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p.20.

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113

estão definidas previamente; a decisão deve ser tomada por um juiz imparcial com

base no que foi argumentado e comprovado pelas partes; e o juiz deve se basear

em regras objetivas para tomar a sua decisão, sendo que o deverá fazê-lo de modo

fundamentado.

O método político tradicional, por outro lado, caracteriza-se essencialmente

por ser baseado no princípio majoritário. Além disso, o método político tradicional se

distingue do método judicial por nele figuram múltiplos atores e por que nele são

admitidas barganhas, negociações sob portas fechadas, compromissos entre as

partes envolvidas, etc.151.

Oportuno mencionar, neste ponto, até mesmo para fazer frente aos

constantes questionamentos que têm sido feitos acerca da legitimidade democrática

do Judiciário – e principalmente do Supremo Tribunal Federal – na análise das

questões políticas que lhes têm sido submetidas, que a distinção entre o método

político e o método judicial implica, também, em diferentes formas de legitimação.

Tais questionamentos, que se mostram ainda mais freqüentes quando as

decisões judiciais vão de encontro ao que foi previamente decidido pelos

“representantes do povo” eleitos por intermédio do sufrágio universal, estão

assentados, na maioria das vezes, na simples alegação de que a opinião da maioria

legislativa, expressada por intermédio da regular aprovação de um ato normativo

pelo Congresso Nacional, não poderia ser repelida pelo Judiciário por ocasião do

exercício da jurisdição constitucional.

Tal ponderação, entretanto, revela-se de plano equivocada. Isto porque, a

idéia de democracia nos dias de hoje é indissociável do respeito ao estatuto jurídico

de direitos e garantias constitucionais.

Enquanto a Democracia se revela por intermédio do governo da maioria,

assentado na soberania popular, o Estado de Direito só se mostra presente por

ocasião da consagração da supremacia das normas constitucionais, do respeito aos

direitos fundamentais e do controle jurisdicional do Poder Estatal152.

Alexandre de Moraes clama, nesse sentido, pela necessidade de conjugar e

compatibilizar

_______________ 151 TATE, C. Neal; VALLINDER, Torbjorn. The global expansion of judicial power . New York: New

York University Press, 1995. p. 14. 152 MORAES, Alexandre de. Legitimidade da justiça constitucional. Revista de Informação

Legislativa. Brasília, n. 159, p. 47-59, jul./set. 2003. p. 49.

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as idéias de Democracia, que se manifesta basicamente pela forma representativa, por meio dos Parlamentos, e de Estado de Direito, que se manifesta pela consagração da supremacia constitucional e o respeito aos direitos fundamentais153.

Do ponto de vista normativo não existe nenhum óbice para tal atuação; ao

contrário, é a própria Constituição Brasileira que expressamente atribui ao Judiciário

o poder/dever de agir desta forma.

Luis Roberto Barroso ressalva, inclusive, que:

A maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados não têm vontade política própria. Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica. Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do Direito154.

Tal atuação também se mostra justificada quando analisada sob o prisma da

filosofia constitucional e dos pressupostos de um Estado Democrático de Direito,

quais sejam: o constitucionalismo e a democracia.

Para que possa se instalar um regime democrático de direito é necessário

que o exercício do poder seja limitado por um conjunto de regras que disciplinem a

forma como o próprio poder será exercido e os limites para o seu exercício, ou seja,

os direitos fundamentais.

Por outro lado, para que este regime possa ser considerado democrático,

também é necessário que seja respeitada a soberania popular.

Algumas vezes, entretanto, poderá se revelar um conflito (mesmo que

aparente) entre a vontade do povo e o respeito aos direitos fundamentais. Neste

momento é que o Judiciário, e principalmente o STF – na condição de guardião do _______________ 153 MORAES, Alexandre de. Legitimidade da justiça constitucional. Revista de Informação

Legislativa. Brasília, n. 159, p. 47-59, jul./set. 2003. p. 48. 154 BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade de mocrática .

Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 03 nov. 2009. p. 11.

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regime democrático e dos direitos fundamentais –, deverá fazer prevalecer em suas

decisões a vontade expressa da Constituição, mesmo que ela seja contra-

majoritária.

Trata-se, em verdade, de uma decorrência natural da adoção de um regime

democrático de Direito, o qual não depende unicamente da manifestação da opinião

da maioria, mas também do respeito, proteção e realização dos direitos das

minorias.

Fabio Comparato afirma, inclusive, que “a soberania do povo, não dirigida à

realização dos direitos humanos, conduz necessariamente ao arbítrio da maioria”155.

Verifica-se, neste contexto, a crise do modelo de democracia representativa

em sua forma clássica, de modo que deixa de se fazer presente no ideário de

juristas e operadores do direito contemporâneos a idéia de que a lei – simplesmente

por que foi emanada das deliberações de representantes do povo – representa a

vontade democrática da nação.

A Jurisdição Constitucional se revela formalmente legitima, pelo texto

constitucional, e materialmente legitima, na medida em que se faz necessária para a

proteção do Estado de Direito e dos direitos e garantias fundamentais.

Conforme afirmado por Alexandre Moraes:

a legitimidade da Justiça constitucional consubstancia-se, portanto, na necessidade de exigir-se que poder público, em todas as suas áreas, seja na distribuição da Justiça, seja na atuação do Parlamento ou na gerência da res pública, paute-se pelo respeito aos princípios, objetivos e direitos fundamentais consagrados em um texto constitucional, sob pena de flagrante inconstitucionalidade de suas condutas e perda da própria legitimidade popular de seus cargos e mandatos políticos pelo ferimento ao Estado de Direito156.

A legitimidade do Judiciário está assentada na realização dos objetivos da

Democracia, dentre eles a busca pela proteção e fruição dos direitos fundamentais.

Fundamenta-se, também, a partir da participação direta dos cidadãos no Poder

Judiciário, o qual se transforma em um espaço político no qual todos podem

_______________ 155 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder Judiciário no regime democrático. Estudos Avançados ,

São Paulo, v. 18, n. 51, Ago. 2004 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000200008&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 26 Fev. 2010.. p. 151.

156 MORAES, Alexandre de. Legitimidade da justiça constitucional. Revista de Informação Legislativa. Brasília, n. 159, p. 47-59, jul./set. 2003. p. 53 e 54.

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participar, desde que respeitando as regras do discurso racional.

Luana Paixão Dantas Rosário afirma, neste diapasão, que é imperiosa a

necessidade de desconstruir a idéia de déficit democrático do Poder Judiciário,

primeiro, pela realização jurisdicional dos Direitos Fundamentais, valores axiológicos e normativos das Democracias Constitucionais, emanados do Poder Constituinte, numa legitimação teleológica e discursiva. Segundo, pela demonstração de participação democrática do cidadão no âmbito deste poder, pelo debate, diálogo e abertura do processo, constituindo o Judiciário espaço dialético, seja por meio das máximas garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório ou dos novos institutos processuais157.

Na medida em que o Judiciário viabiliza a construção de um espaço legítimo

para a participação do cidadão na construção do direito, está possibilitando que ele

tome iniciativas que refletirão direta ou indiretamente na condução da política

estatal.

Ante ao exposto verifica-se que a inércia dos demais poderes, o processo de

constitucionalização do Direito, a inserção de normas gerais nos diplomas

normativos e as demais particularidades do fenômeno de judicialização da política

são fatores que ampliam as margens de atuação dos magistrados e autorizam – ou

ao menos tornam aceitável – o ativismo judicial. Não obstante tal fato, o ativismo

judicial não pode ser considerado como um elixir milagroso ou a solução para todos

os problemas que obstam o desenvolvimento nacional, uma vez que ele próprio,

quando desmesurado, pode vir a comprometer tal desiderato.

Se de um lado o ativismo judicial pode instrumentalizar a busca por efetivação

e concretização de direitos e garantias constitucionais, do outro, conforme visto,

pode vir a concretizar uma flagrante ofensa aos objetivos expressos na Constituição.

De qualquer modo, por um ou por outro lado, constata-se que hodiernamente não se

mostra necessário que sejam enveredados os caminhos do direito alternativo para

que um magistrado se mostre ativista, bastando que ele proponha trilhar o percurso

da nova hermenêutica constitucional.

_______________ 157 ROSARIO, Luana Paixão Dantas. Politização e legitimidade discursiva do judiciário na

democracia constitucional . Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF nos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008. p. 825.

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5 CONCLUSÃO

O estudo realizado no presente trabalho, primeiramente sob um prisma

teórico-abstrato e posteriormente ilustrado por intermédio da análise da modificação

da jurisprudência da Suprema Corte sobre temas de ampla repercussão perante a

sociedade brasileira, serviu para aclarar a travessia de um paradigma jurídico

centrado no legalismo jurídico para um novo paradigma, assentado em torno da

idéia de um Estado constitucional de Direito.

O modelo jurídico legalista cedeu espaço, neste contexto, para um novo

modelo hermenêutico no qual a interpretação jurídica se mostra ativa, aberta e,

sobretudo, preocupada com a realização dos direitos e garantias fundamentais.

A evolução do entendimento do órgão de cúpula do Judiciário brasileiro

acerca dos efeitos de suas decisões por ocasião do julgamento de mandados de

injunção revelou a superação de uma interpretação rígida do princípio da separação

dos Poderes

A decisão do Supremo Tribunal no Mandado de Injunção n. 107-3, por

exemplo, ilustrou o fato de que os Ministros que compuseram este tribunal nos anos

que se seguiram a promulgação da Constituição de 1988 estavam mais

preocupados em não se imiscuírem na esfera de atuação dos demais Poderes, do

que em viabilizar a realização das promessas da nova Carta Constitucional.

A modificação deste entendimento a partir do Mandado de Injunção n.

721/DF, por outro lado, ilustrou a superação pela Suprema Corte das restrições

implícitas ao paradigma legalista. Esta Corte, ao abdicar a interpretação estrita da

teoria de tripartição dos poderes, reconheceu a necessidade de exercer sua missão

de modo mais ativo junto à sociedade brasileira, dando concretude aos direitos e

garantias constitucionais e, por conseqüência, maior efetividade as suas decisões.

Esta modificação do entendimento acerca dos efeitos dos mandados de

injunção também serviu para ilustrar o fato de que o Supremo Tribunal Federal, na

mesma medida em que se encontra hodiernamente mais exposto aos seus

jurisdicionados, também se encontra mais atento a repercussão social de seus

provimentos junto à comunidade jurídica e à população em geral.

Por um longo tempo as decisões desta Corte em sede de mandados de

injunção tiveram a sua utilidade questionada pela comunidade jurídica. A ineficácia

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da antiga interpretação dada pelo Supremo as suas decisões em sede de mandado

de injunção foi de tal modo criticada que se em um determinado momento até

mesmo a sua própria autoridade passou a ser posta à prova. E foi neste momento

que o órgão de cúpula do judiciário brasileiro resolveu agir, abrindo mão de uma

postura de auto-contenção para adotar uma postura ativista. Tal perspectiva ficou

muito clara por ocasião da análise da argumentação deduzida pelos ministros que

decidiram pela atribuição efeitos concretos aos mandados de injunção.

Análise da modificação do Supremo acerca do mandado de injunção também

serviu para demonstrar que uma das principais causas pelas quais seus ministros

abandonaram a postura de auto-contenção que vinha sendo apresentada pelos seus

predecessores para adotar uma postura mais ativista no exercício de suas

prerrogativas, decorreu da longa inércia das tradicionais arenas de deliberação

majoritária.

A profunda alteração dos rumos da jurisprudência do Supremo Tribunal

Federal, ocorrida especialmente a partir da Emenda Constitucional de n. 45/04,

ilustra, neste diapasão, a abdicação de uma postura de auto-contenção em prol de

um inédito período de ativismo ou protagonismo político junto à sociedade brasileira.

Imperioso destacar, neste ponto, que a concretização desta transição

somente foi possível no Estado brasileiro a partir da promulgação da Constituição de

1988, a qual, ao consagrar inúmeros novos direitos na ordem jurídica brasileira e

prever diferentes mecanismos processuais para torná-los efetivos, resultou uma

revisão das funções tradicionalmente acometidas ao Poder Judiciário, passando a

imbuí-lo de um amplo protagonismo junto à sociedade brasileira.

Esta nova postura do Supremo Tribunal brasileiro – por meio da qual se

busca a realização de direitos e garantias fundamentais, e, nesta medida, a

promoção da dignidade da pessoa humana – recebe suporte da Constituição.

O mesmo, contudo, não pode ser dito, com relação a postura assumida por

esta Corte por ocasião do julgamento das ações relativas à possibilidade de perda

do mandato do parlamentar em decorrência da infidelidade partidária.

Conforme analisado ao longo do estudo, o instituto da infidelidade partidária

não foi previsto expressa ou implicitamente pela Constituição da República de 1988.

Não obstante a inexistência de qualquer norma constitucional que explicitamente

determine a perda do mandato parlamentar em decorrência da mudança de legenda

partidária, o STF lançou mão a uma construção hermenêutica extensiva de

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princípios e regras constitucionais para “criar uma regra” neste sentido.

Nestes julgamentos, portanto, a Corte Máxima do Judiciário brasileiro revelou

a intenção de, ao interpretar a Constituição, ir além do que os dispositivos

constitucionais expressamente dizem ou parecem sugerir.

É de se ver, neste sentido, que a maioria dos argumentos deduzidos neste

julgamento pelos ministros do Pretório Excelso para fundamentar a decisão no

sentido da perda do mandato parlamentar em decorrência da infidelidade partidária

estiveram mais propriamente direcionados a comprovar a conveniência política ou

social do instituto – no sentido de buscar moralizar o cenário político brasileiro – do

que a realizar uma análise técnico-jurídica do texto constitucional.

Verificou-se neste caso, portanto, que o Judiciário retirou da pauta do

Legislativo o tema da fidelidade partidária para, mediante uma interpretação

extensiva de princípios constitucionais, balizá-lo segundo seu próprio entendimento.

Eis o grande perigo do ativismo judicial; se decisões como estas continuarem

a ser tomadas pela Suprema Corte possivelmente será delineado um cenário de

crescente conflito institucional entre o Judiciário e os demais Poderes.

O fato de o Judiciário ter se libertado definitivamente das amarras do regime

militar para assumir uma nova dimensão, pró-ativa, no exercício de suas

prerrogativas junto à sociedade brasileira, representa, indubitavelmente, um grande

avanço para a democracia brasileira. Avanço este, contudo, que jamais deverá ser

confundido com uma via permissiva para atos arbitrários.

Do ativismo judicial tanto podem advir conseqüências benéficas quanto

desastrosas. Para que se evitem estas últimas é necessário que o Supremo Tribunal

Federal seja constantemente confrontado com os seus objetivos: está aproveitando

o contexto de judicialização da política brasileira para buscar a concretização de

direitos fundamentais e a realização das promessas constitucionais ou simplesmente

para dilatar os limites de sua própria atuação e majorar seu poder frente aos demais

Poderes.

Ante todo o exposto verifica-se que a ocorrência de um esvaziamento das

competências do Legislativo. Funções que supostamente deveriam ser

desempenhadas dentro de um cenário de relativo consenso social ou de posições

majoritárias estão não só sendo deslocadas para o Judiciário, por ocasião da

judicialização da política e do ativismo judicial, como também para o Executivo, em

decorrência dos inúmeros dispositivos constitucionais que possibilitam – e até

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impulsionam – a sua função atipicamente legislativa.

Neste contexto resta de tal modo abalado o equilíbrio entre os Poderes

supostamente promovido pela teoria da tripartite que não se mostra todo descabido

questionar o futuro do Legislativo e, nessa esteira, da própria democracia

representativa.

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