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Fabricio do Prado Nunes
A CONSULTA PRÉVIA COMO UMA DESCRIÇÃO DENSA DO PROCESSO
DEGESTÃO DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO BRASILEIRO:UMA ANÁLISE
GEORREFERENCIADA E CIRCUNSTANCIALIZADA NO PROJETO DA MICRO
CENTRALHIDRELÉTRICA DE TIRIYÓS-PA
Trabalho apresentado para a qualificação de
dissertação do curso de mestrado, Políticas
Públicas e Desenvolvimento Regional do
Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Direito (PPGD), sob orientação da Professora
Doutora Luciana Costa da Fonseca.
BELÉM - PA2014
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Fabricio do Prado Nunes
A CONSULTA PRÉVIA COMO UMA DESCRIÇÃO DENSA DO PROCESSO
DEGESTÃO DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO BRASILEIRO: UMA ANÁLISE
GEORREFERENCIADA E CIRCUNSTANCIALIZADA NO PROJETO DA MICRO
CENTRALHIDRELÉTRICA DE TIRIYÓS-PA
Trabalho apresentado para a qualificação de
dissertação do curso de mestrado, Políticas
Públicas e Desenvolvimento Regional do
Programa de Pós-graduação stricto sensu em
Direito (PPGD), sob orientação da Professora
Doutora Luciana Costa da Fonseca.
BELÉM - PA2014
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Fabricio do Prado Nunes
A CONSULTA PRÉVIA COMO UMA DESCRIÇÃO DENSA DO PROCESSO
DEGESTÃO DEMOCRÁTICA NO CONTEXTO BRASILEIRO:UMA ANÁLISE
GEORREFERENCIADA E CIRCUNSTANCIALIZADA NO PROJETO DA MICRO
CENTRALHIDRELÉTRICA DE TIRIYÓS-PA
Trabalho apresentado para a qualificação de
dissertação do curso de mestrado, Políticas
Públicas e Desenvolvimento Regional do
Programa de Pós-graduação stricto sensu emDireito (PPGD), sob orientação da Professora
Doutora Luciana Costa da Fonseca.
Aprovada em: _______/________/________
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________Profa. Dra. Luciana Costa da Fonseca
OrientadoraCentro Universitário do Pará - CESUPA
_________________________________________Profa. Dra. ElianeCristina Pinto Moreira
ExaminadoraCentro Universitário do Pará - CESUPA
_________________________________________Profa. Dra. Juliana Santilli
ExaminadoraCentro Universitário do Pará - CESUPA
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“Quando o governo federal vier fazer consulta na nossa aldeia [...]têm que ouvir a nossa conversa. [...] Se ele quer propor algo que vaiafetar nossas vidas, que ele venha até a nossa casa”.
Excerto do Protocolo de Consulta Munduruku.Terra Indígena Sai Cinza, oeste do Pará.
Jacareacanga, 12 e 13 de dezembro de 2014.
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A CONSULTA PRÉVIA COMO UMA DESCRIÇÃO DENSADO PROCESSO DE GESTÃO DEMOCRÁTICA NO
CONTEXTO BRASILEIRO: UMA ANÁLISEGEORREFERENCIADA E CIRCUNSTANCIALIZADA NO
PROJETO DA MICRO CENTRALHIDRELÉTRICA DETIRIYÓS-PA
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
1. CAPÍTULO I - A CONSULTA PRÉVIA NO CONTEXTO DA CONVENÇÃO169 DA OIT E SEU REFLEXO NO BRASIL..........................................................38
1. A METODOLOGIA E A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................38 2. A AGENDA DESENVOLVIMENTISTA E A CONSULTA PRÉVIA......................................50 3. A NATUREZA JURÍDICA E POLÍTICA DA CONSULTA PRÉVIA.......................................59 4.OS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA CONSULTA PRÉVIA..............................................73
4.1 UM DIREITO NUCLEAR,ESTRUTURANTE E BASILAR ......................................................73 4.2 UM CONCEITO BÁSICO DE INTERPRETAÇÃO E UM DIREITO IMPLICATIVO E OPERATIVO..76 4.3 UM CARÁTER PROCEDIMENTAL E PROCESSUAL E UM DIREITO CONTEXTUALIZADO E
FLEXIBILIZADO DE MATRIZ DEMOCRÁTICA.................................................................78 4.4 UM CARÁTER MEDIADOR E UMA NATUREZA ESTRUTURALMENTE DINÂMICA E
ADAPTÁVEL..............................................................................................................82 4.5 UM DIREITO ESSENCIALMENTE VOLTADO À PLURIETNICIDADE E À
SOCIOBIODIVERSIDADE .............................................................................................85 4.6 UM CARÁTER DIALOGAL E DE PACIFICAÇÃO SOCIAL..............................................90
5. AS BARREIRAS E ENTRAVES E O SIGNIFICADO SUBJACENTE À RESISTÊNCIA.. ..........95
2.
CAPÍTULO II - A CONSULTA PRÉVIA E O PROCESSO DE GESTÃODEMOCRÁTICA.....................................................................................................1061.A CONSULTA PRÉVIA E ONECESSÁRIO GEORREFERENCIAMENTO..........................106 2.A CONSULTA PRÉVIA COMO ARENA DE DISPUTA ENTRE INTERESSES NÃOCONVERGENTES NO PROCESSO DE GESTAO....................................................126 3. A CONSULTA PRÉVIA E SUA RELAÇÃO COM O PROCESSO DE GESTÃO
DEMOCRÁTICA.........................................................................................................132 4.DELIMITANDO O PERÍMETRO ANALÍTICO................................................................135
4.1 A ANÁLISE DO TRATAMENTO DISPENSADO PELO ESTADO NO PROCESSO DE
CONSULTA PRÉVIA..................................................................................................135 4.2 A IDENTIFICAÇÃO DAS RAZÕES JUSTIFICANTES POR MEIO DE UMA DESCRIÇÃO
DENSADASPRÁTICAS EMPREENDIDAS PELO ESTADO................................................1404.3A ELEIÇÃO DO CONTEXTO FÁTICO DE TIRIYÓS E O ESTUDO DAS PRÁTICAS
EMPREENDIDAS PELOESTADO COMO UM CAMPO RESPEITÁVEL DE PESQUISA............153 4.4 O ENFRENTAMENTO ENTRE AS RAZÕES JUSTIFICANTES E O CONTEÚDO DISCURSIVO
ADOTADOPELO ESTADO........................................................................................159 4.5O ESTUDO DA CONSULTA PRÉVIA EMPREENDIDA NO PROJETO MCH TIRIYÓS FRENTE À
PLURALIDADE ÉTNICA E À MULTICULTURALIDADE BRASILEIRA..............................164 4.6 A IMPORTÂNCIA DA IDENTIFICAÇÃO DOS ENTRAVES PARA A CONSOLIDAÇÃO DA
CONSULTA PRÉVIA................................................................................................176 5.A CONSOLIDAÇÃO DA CONSULTA PRÉVIA E A CONSEQUENTE SUPERAÇÃO
DOFORMALISMO E DO TECNICISMO NO PROCESSO DE GESTÃODEMOCRÁTICA...,,179 6. A EFICÁCIA DA CONSULTA PRÉVIA E O ACESSO ÀS INSTÂNCIAS E
MECANISMOSDE DECISÃO E PARTICIPAÇÃO DOS POVOS TRADICIONAIS..................180 7.O CARÁTER VERIFICADOR DA CONSULTA PRÉVIA........................................181
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3. CAPÍTULO III - A CONSULTA PRÉVIA E O GEORREFERENCIAMENTO DETIRIYÓS.........................................................................................................................186
1. A CORRELAÇÃO ENTRE CONSULTA PRÉVIA E OUTROS DIREITOS DEMOCRÁTICOS NAGOVERNAMENTALIDADE.......................................................................................186
2. AS IMPLICAÇÕES DO GEORREFERENCIAMENTO DE TIRIYÓS......................................194
3.
A TESE DA VISIBILIDADE ISOLANTE E DA INVISIBILIDADE E A TEORIA DOESTADO HOMOGENEIZANTEE UNITÁRIO....................................................................193 4. O SABER INSTITUCIONALIZADO PELO ESTADO E SEUS EFEITOS DE SABER E DE
PODER SOBRE O CONHECIMENTO TRADICIONAL........................................................199 5. O ESTADO E AS RELAÇÕES DE PODER EXISTENTES NO PROCESSO DE
GESTÃO DEMOCRÁTICA..............................................................................................200 6. A TESE DA DESCRIÇÃO DENSA COMO UM PADRÃO INTERPRETATIVO DOS MARCOS
DE SIGNIFICAÇÃO DO CONTEÚDO PRÁTICO...............................................................2027. O CAMPO CIENTÍFICO DE UMA ANÁLISE GEORREFERENCIADA
E A CIRCUNSTANCIALIDADE DA DESCRIÇÃO DENSA.................................................2068. A GOVERNAMENTALIDADE FRENTE ÀS ESTRUTURAS SOBREPOSTAS DE
INFERÊNCIAS E IMPLICAÇÕES E AS RAZÕES JUSTIFICANTES.....................................208 9. A TENDÊNCIA DA UNIVERALIZAÇÃO DOS CONCEITOS NO PROCESSO DE
GESTÃO DEMOCRÁTICA E SEU REFLEXO NA GOVERNAMENTALIDADE......................214
CONCLUSÃO.........................................................................................................223
REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS.................................................................260
ANEXOS (atas, documentos, registros, fotos, mapas e breve histórico).........267
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INTRODUÇÃO
A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos
Indígenas e Tribais, adotada na 76ª Conferência Internacional do Trabalho de 1989, em
substituição a Convenção nº 107, de 1950, que tinha um caráter excessivamente
integracionista e assimilatório, consolidou o reconhecimento da diversidade dos povos
indígenas e tribais atribuindo-lhes um conjunto de direitos que precisavam ser assegurados
como uma forma eficaz de justiça e equilíbrio nas relações de trabalho, dentre os quais
destaca-se o direito à Consulta Prévia.
Embora há muito se observasse que esses povos eram os mais afetados por relações
de trabalho degradantes e injustas, ao mesmo tempo em que não possuíam instrumentos
eficazes de reação e de autodefesa, a consolidação de direitos e o reconhecimento da
diversidade cultural desses povos precisou percorrer sessenta e oito anos de discussões e
embates dentro da OIT. Desde 1921 já havia o debate sobre a realidade de exploração e
desrespeito sofrido por esses povos e tribos e a necessidade do estabelecimento de medidas
eficazes de superação desse problema social. Mais de meio século de discussões sobre o
tema revela a complexidade e o grau de dificuldade de reconhecimento quer para a
declaração de direitos dos povos indígenas e tribais quer para sua efetiva concretização em
âmbito internacional.
A disposição de direitos preconizados internacionalmente pela Convenção não foi
suficiente para assegurar o pleno cumprimento nos ordenamentos jurídicos nacionais e no
Brasil não foi diferente. Foram necessários quinze anos para a promulgação da Convenção
169 da OIT: ratificada em 2002, aprovada em 2003 e promulgada somente em 2004. Sua
adesão formal, após mais de uma década e meia, e depois de transcorrido quase onze anos
de promulgação (2004-2015), revela não só a complexidade do tema para o Brasil como
expõe o elevado nível de resistência em solo pátrio para fins de reconhecimento dos direitos
dos povos tradicionais e para a sua efetivação.
A necessidade de superação do contexto de exploração a que estão submetidos estes
povos, associados à identificação dos povos tradicionais como verdadeira categoria jurídica,
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A contemplação da Consulta Prévia torna sólidas as estruturas de um Estado
pluriétnico e multicultural que pretende concretamente respeitar a gênese de seu povo ao
operacionalizar um processo de gestão democrática que inclua a participação das
comunidades tradicionais no processo decisório. Trata-se de seu reconhecimento identitário
e a inclusão de sua agenda na comunhão dos interesses comuns do país. Para isso, urge a
identificação e o real enfrentamento dos desafios, entraves e barreiras, quer políticas ou
jurídicas, que porventura tendem torná-la obsoleta e ineficaz.
Há uma íntima relação entre as relações de trabalho justas e o cabedal de direitos que
orbitam em torno dos direitos humanos e, por consequência, dos direitos dos povos
tradicionais. Ao analisar o tratamento dispensado pelo Estado à Consulta Prévia é possível
visualizar o grau de amplitude que tais direitos exercem sobre as comunidades tradicionais,
sobre os projetos e as políticas públicas em desenvolvimento e sobre as práticas da gestão
democrática adotada pelos países signatários da Convenção cujo dever está associado à ação
eficaz de concretização desses direitos, de efetivar as consultas e de promover um
desenvolvimento inclusivo da circunstancialidade dos povos tradicionais.
Seguramente, é o respeito à diversidade que legitima a inclusão da realidade singular
e específica dos povos tradicionais no procedimento da Consulta, proporcionando o
reconhecimento às suas organizações sociais e políticas e do direito a ser ouvido e
reconhecido mediante a diversidade cultural que comportam. A Consulta Prévia, juntamentecom os direitos à participação dos povos tradicionais e à decisão destes em relação às suas
prioridades de desenvolvimento face os projetos que lhes são submetidos, constitui o
conceito básico de interpretação da Convenção, uma vez que a Consulta e a participação
consolidam-se como os princípios fundamentais, nos governos de gestão democrática, do
desenvolvimento inclusivo das realidades multiculturais que caracterizam países como o
Brasil.
Diretamente associados, a participação, a Consulta Prévia e o consentimento prévio
possuem uma identidade orgânica nos processos de gestões democráticas que imprime um ar
de respeitabilidade e de coerência com os princípios democráticos dos regimes políticos dos
países signatários da Convenção 169. Precisamente, é essa intrínseca relação que permite
suspeitar de gestões que se autodenominam democráticas quando ignoram os mecanismos
que efetivam meios de participação e que instrumentalizam a Consulta Prévia em vista
apenas de um consentimento interessado na aprovação de projetos e programas propugnados
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em áreas territoriais e culturais das populações tradicionais sem o sobrepeso da posição bem
informada e qualificada das comunidades interessadas.
Por possuir um caráter nuclear, procedimental e processual a Consulta prévia não
pode ser reduzida a um evento, a uma circunstância, a uma atividade ou a uma reunião, nemo somatório destes, mas ampliada ao processo de uma caminhada que envolve uma série de
atividades e procedimentos concatenados em busca do acordo/consentimento e das relações
justas e equitativas no relacionamento entre consultado e consultante como uma base
necessária para o enfrentamento do tema do desenvolvimento nacional.
O espaço democrático para a discussão de projetos propugnados pelo Estado em
cenário tradicional, uma vez restrito a audiências públicas e às oitivas, vem contrapondo de
forma igualmente artificial os termos ‘desenvolvimento’ e o ‘respeito aos direitos’ dascomunidades tradicionais. Esta circunstância revela a dificuldade em promover o
desenvolvimento ao mesmo tempo em que desconsidera-se insistentemente as gravíssimas
desigualdades a que estão submetidos essas comunidades. Não há como desconectar o
processo de desenvolvimento das considerações econômicas, sociais e políticas que definem
o contexto fático vivido pelas comunidades tradicionais. Esta percepção comprova a
necessidade e a utilidade de uma análise georreferenciada da Consulta Prévia frente os
projetos, programas e políticas de desenvolvimento relacionando-os ao processo de gestão
democrática.
Por isso, o processo da Consulta Prévia não pode ser estanque e nem
descontextualizado. Ele precisa levar em conta o contexto real que define o perímetro social
e político experimentado pelas comunidades tradicionais; precisa ser articulado e
complementar, associando diversos elementos e atividades que crie condições paritárias de
diálogo e participação, levando em conta as circunstâncias sociais e políticas que permeiam
o cenário das comunidades tradicionais. Precisa, ainda, levar em consideração uma flagrante
realidade de exploração e desigualdades a que estão submetidos os povos tradicionais e
relacioná-la ao processo de gestão democrática empreendido no país.
A Consulta Prévia revela uma natureza estruturalmente dinâmica que exige
adaptabilidade ao contexto fático e cultural. Portanto, ela não é um direito cuja
procedimentalidade seja estática e descontextualizada da circunstancialidade que envolve os
projetos de desenvolvimento propugnados pelo Estado em áreas geográficas e culturais
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tradicionais. Este dado permitirá observar criticamente o aspecto formal da Consulta Prévia
e sua instrumentalização técnica pelo Estado no processo de gestão.
Os aspectos unilaterais e estritamente formais que reforçam aquela realidade de
exploração que o teor da Convenção procura superar revelam-se inapropriados, exigindouma abertura hermenêutica global e mais abrangente que supere o formalismo e o
tecnicismo alienante a fim de evitar uma governabilidade cujos mecanismos e processos são
assumidos mediante toda uma série de intervenções e controles reguladores traduzidos numa
burocracia letal que exclui os povos tradicionais da participação e do acesso aos mecanismos
de poderes e de decisão no processo da gestão democrática.
Uma vez que a própria recomendação da OIT acerca da interpretação dos termos
“tribal” e “povo indígena” sugere uma amplitude adaptada e flexibilizada a cada região e país, tendo em vista a variedade de comunidades e a sociobiodiversidade existente entre as
comunidades tradicionais, de maneira correlata, a estruturação formal da Consulta Prévia
deve revestir-se de semelhante flexibilidade e adaptabilidade.
Com efeito, a sociobiodiversidade brasileira impõe essa adaptabilidade na gestão da
Consulta Prévia por força de sua matriz cultural e tende a tornar mais complexo os
mecanismos de concretização desse direito em solo pátrio uma vez que o
autorreconhecimento do Brasil como um Estado pluriétnico e multicultural é tão recente na
lógica política, social e jurídica do país que a secular dinâmica homogeneizadora e
invisibilizante das diversidades identitárias parece reforçar a postura do imperialismo
cultural que marcou a gênese de nossa história nacional. Esta observação permite afirmar a
natural dificuldade do estabelecimento de mecanismos facilitadores da Consulta Prévia ou,
ainda, uma vez estabelecidos, a dificuldade em operacionalizá-los segundo teor da
Convenção em solo pátrio.
A exposição pontual neste trabalho das características da Consulta Prévia, da forma
como se pode conduzir o processo consultivo e da maneira como pode ocorrer o processo degestão democrática, permitirá identificar algumas barreiras e entraves na sua concretização.
Associadas e articuladas, as barreiras e os entraves compõem um movimento político e
jurídico que se opõe às conquistas elencadas na Convenção, ressignificando o aspecto
jurídico do direito tutelado e procurando firmar entendimentos e jurisprudências favoráveis a
essa ressignificação, permitindo a identificação de uma resistência propositiva à Convenção
e consequentemente à Consulta Prévia no Brasil.
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As barreiras e entraves, necessárias à própria natureza de gestões cujos regimes
políticos e jurídicos pretendem ser democráticos, cumprem uma função fundamental no
processo de gestão democrática. O problema reside no teor totalitário da oposição que
ignora o direito tutelado, desfigura o conteúdo jurídico consolidado, transformando as
barreiras e entraves em limites impeditivos absolutos, negando os meios de participação e de
contraposição aos interesses que justificam as barreiras e entraves no processo de gestão. É
nesse sentido que a governamentalidade deve gerir e garantir a participação das populações
hipossuficientes nos mecanismos de poder de decisão nos processos de gestão democrática.
As barreiras e entraves tornam-se perniciosas aos regimes políticos, sociais e
jurídicos das sociedades democráticas quando eliminam os mecanismos de participação ou
quando privatizam os meios de exercício dos poderes de decisão nos processos de gestão
impondo uma relação de supremacia absoluta. Assim, elas não podem ser compreendidasapenas numa relação de forças, pois, uma vez contextualizadas num processo de gestão
democrática, elas compõem apenas um aspecto instrumental na própria gestão em vista de
um diálogo qualificado entre as partes distintas e diversas e não em vista da eliminação do
diálogo e da participação de grupos e populações com interesses diferenciados.
Neste sentido, a identificação das barreiras e entraves no cenário consultivo visualiza
contextual e conjunturalmente não apenas os agentes ativos da oposição, o alcance e os
reflexos dessa resistência em operação no processo de Consulta e no processo de gestão,
como explicita o significado subjacente à própria resistência.
O teor dessa resistência é eminentemente político por oferecer marcos interpretativos
e ressignificantes que influenciam a hermenêutica jurídica. O problema está em que nem
sempre o teor destes marcos interpretativos e ressignificantes, subjacentes à articulação
política e jurídica dos grupos que exercem os poderes de decisão e ocupam as instâncias
decisórias, correspondem com o teor consolidado do direito tutelado pela Convenção 169. E
é isso que também objetiva-se explicitar.
Esta percepção justifica a relevância do estudo do tema da Consulta Prévia,
particularmente no Brasil, um país reconhecidamente marcado pela diversidade e
pluralidade cultural e pela multiplicidade de povos, comunidades e tribos tradicionais que
compõem a estrutura da identidade étnica e sócio-política do país, sugerindo a viabilidade de
uma análise georreferenciada da Consulta Prévia apesar da existência de um movimento
político e social oposicionista à Consulta e do país ainda não alcançar nem a melhor
legislação nem as melhores práticas na concretização dos direitos dos povos tradicionais.
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A inexistência de uma experiência real consolidada que atendesse a Consulta Prévia
nos moldes preconizados pela Convenção 169 e demais instrumentos normativos
internacionais que incorporaram tal direito em seus respectivos ordenamentos exige uma
melhor governamentalidade do processo de gestão consultivo.
Essa complexidade e pluralidade étnico-cultural do Brasil reforça a ideia da Consulta
Prévia como um processo de construção da decisão que requer atenção à realidade cultural,
política, religiosa e social de cada povo tradicional, exigindo grau de adaptabilidade na
condução do processo consultivo, ao mesmo tempo em que exige uma governamentalidade
voltada à gestão das intrincadas e complexas relações do cenário sócio-político do país em
exercício nos mecanismos de poderes presentes no processo de gestão democrática. O
sucesso desse processo de gestão da Consulta Prévia tem relação direta com a gestão
democrática empreendida no país.
Desta forma, por mais polêmico que seja o projeto, a política ou o programa
apresentado à comunidade tradicional, e por mais conflituosa a manifestação desta, a
Consulta Prévia dá ciência do que se pretende desenvolver, garantindo o direito de reação ao
projeto. Este é o entendimento da Convenção 169 da OIT, razão pela qual a
governamentalidade do Estado deve estar voltada para a gestão das relações de poder, de
conflito, de interesses presentes no processo de gestão da Consulta Prévia e não apenas
direcionada à procedimentalidade do processo consultivo.
A Consulta Prévia consagra-se num direito a ser respeitado independentemente do
seu resultado e seus objetivos. Trata-se de um direito essencial à identidade e
autodeterminação de um povo e à dignidade individual de seus membros, pois diretamente
relacionado ao projeto de vida peculiar de cada comunidade tradicional. Por tratar-se de um
processo dinâmico, flexibilizado e aberto às circunstâncias adaptativas – percepção derivada
da pluralidade cultural e étnica dos povos tradicionais – a Consulta Prévia não pode revestir-
se de uma formalidade genérica e imutável, como uma receita fechada a ser seguida pelos
países signatários da Convenção, sem a devida contextualização, sem umgeorreferenciamento e sem o necessário enfrentamento dos interesses que compõe o
perímetro do processo consultivo.
No caso do contexto brasileiro, o reconhecimento constitucional da pluralidade
étnica e multicultural do país registra a complexidade do desafio em efetivar e consolidar a
Consulta Prévia em nosso contexto político e jurídico. Realidades complexas e
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não encontrou incidência prática, face uma secular dinâmica homogeneizadora e
invisibilizante das diversidades identitárias, correspondendo a uma dinâmica que tem
influenciado a abordagem jurídica na análise e execução das políticas, programas e projetos
de desenvolvimento encaminhado pelo processo de gestão pátrio.
Em vez de efetivar a participação real dos povos tradicionais, estabelecendo
mecanismos de diálogo que harmonize os interesses e efetive a pacificação social por meio
da governamentalidade, a condução do processo de desenvolvimento pelo Estado brasileiro
tem afetado diretamente os povos tradicionais. Tende a se consolidar como um instrumento
de conflito e de instabilidade social em função das tensões provocadas pelas políticas
desenvolvimentistas e ambientais. Reforça esse entendimento, a tese de que o Estado é um
fator originário essencialmente importante de conflitos sociobioambientais em virtude da
geopolítica, políticas e programas de desenvolvimento, empreendidos em áreas culturais egeograficamente tradicionais, particularmente na região Amazônica.
Por isso, sem desconsiderar a importância do cabedal de informações conceituais que
informam a qualidade do direito à Consulta Prévia e sua relevância para a consolidação dos
direitos dos povos tradicionais e as teorias que povoam a correspondência entre Consulta
Prévia e a gestão democrática, importa olhar mais atentamente para a prática do Estado
quando da administração de projetos e programas de desenvolvimento relacionados aos
povos tradicionais, fixando uma análise georreferenciada e circunstancializada num contexto
fático, o reconhecimento de um conteúdo histórico ainda não institucionalizado.
Ao buscar compreender o que representa a análise da Consulta Prévia como forma de
garantia dos direitos dos povos tradicionais e como forma de consolidação dos valores
democráticos de participação e compartilhamento dos mecanismos de decisão na gestão
democrática, percebe-se que essa não é uma questão de método, de técnicas, mas de
reconhecimento do conhecimento tradicional, o saber das pessoas na terminologia
foucaultiniana e também de correspondência prática na acepção de Geertz.
Compreender o significado da Consulta Prévia num contexto de gestão democrática
como o brasileiro requer um tipo de esforço intelectual que atente para a realidade dos povos
tradicionais, para a qualidade da participação democrática promovido pelo Estado nacional e
para os resultados obtidos quando do desenvolvimento de projetos e políticas propugnados.
Requer ainda um esforço adicional, o enfrentamento de conceitos e ideias que se impõem
como uma matriz interpretativa inquestionável presentes no discurso democrático e que, por
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vezes, podem não ser favoráveis à Consulta Prévia nos termos propugnados pela Convenção
169 e em direta oposição à própria principiologia democrática.
O problema é que nem sempre as práticas aparentemente baseadas nos conceitos e
ideias democráticas parecem consolidar valores democráticos como o da participação,direito à informação e à Consulta, o diálogo e o reconhecimento da diversidade cultural, da
pluralidade étnica e do saber tradicional. Essa “não correspondência prática” entre a gestão
democrática e os valores que ela representa ou defende permite observar a existência de
estruturas superpostas de inferências e implicações nas práticas empreendidas pelo Estado.
Essas estruturas superpostas de inferências e implicações revelam-se como
mecanismos de dissuasão dos significados que sugerem as práticas, entrepondo-se entre as
práticas empreendidas e as razões justificantes destas práticas, gerando uma justificativa
discursal que direciona as inferências e as implicações de modo indireto, encortinando as
razões justificantes ou emprestando-lhes um significado sobreposto que ainda não é a razão
legitimante principal. São consideradas estruturas por que obedecem a articulações pré-
fixadas na construção da discursividade unitária do Estado em correspondência a uma
cientificidade institucionalmente oficializada em franco e proposital desconhecimento da
racionalidade dos saberes locais, portanto, da multiculturalidade e pluralidade étnica.
Isso justifica a necessidade e a importância de uma análise georreferenciada da
Consulta Prévia, aquela que situa o conteúdo substantivo do direito da Consulta Prévia emum contexto tradicional, singular, único e especificamente descrito com suas matrizes
culturais e cosmovisões, contexto sem o qual torna-se inaplicável a Consulta segundo o teor
da Convenção 169 já que ela não se limita à verificação de uma questão formal, se existem
leis ou procedimentos que amparam ou não a Consulta Prévia.
Importa verificar sua incidência prática na seara cultural das comunidades
tradicionais e no procedimento administrativo, político e jurídico do Estado por ocasião do
processo de gestão democrática empreendido em um cenário cultural e geográfico de
determinado povo tradicional. Neste sentido, a verificação dessa incidência somente pode se
dar por meio de uma “descrição densa” da realidade voltada para o significado subjacente
aos fatos e não apenas para uma descrição superficial do fato em si mesmo como um
historicismo alienante e discursivamente elaborado para a legitimação das práticas
empreendidas pelo Estado.
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substancial e qualitativo da Consulta Prévia, segundo o teor propositivo da Convenção 169
da OIT e a atuação do ente estatal presente na forma como o Estado brasileiro tem
conduzido determinado projeto em área pertencente aos povos tradicionais, configurando-se
num georreferenciamento capaz de oportunizar uma verificação e incidência prática das
observações teóricas acerca da Consulta Prévia.
O que se pretende enfocar com uma observação georreferenciada é que a análise da
Consulta Prévia, a partir do contexto democrático brasileiro, particularmente da gestão
democrática, pode ser encarada como uma descrição densa a partir da qual se torna possível
auferir a qualidade democrática empreendida pelo Estado na gestão do processo consultivo,
bem como observar se no contexto pátrio o real tratamento da Consulta Prévia, frente aos
projetos propugnados pelo país e com potencialidade de afetar os povos tradicionais,
encontra correspondência com o processo de gestão democrática e seus princípios ou, poroutro lado, se a prática estatal revela uma estrutura superposta de autoritarismo e de violação
dos próprios princípios democráticos.
Por isso, a escolha de um projeto determinado como a MCH de Tiriyós oportuniza
um georreferenciamento concreto, analítico e regionalizado em ambiente amazônico, como
um cenário circunstancializado e histórico dentro do qual as práticas estatais, as relações
travadas no interior desse cenário e os significados gerados a partir destas práticas, em
comparação com o teor da Consulta Prévia, conformam o perímetro analítico do projeto.
A preocupação, portanto, não é com o status ontológico da Consulta Prévia, até
porque julga-se estar este já consolidado pelo Direito, mas sim com sua importância: o que
está sendo transmitido, o significado e o significante, a partir de sua concretização ou não e
que reflexos isso possui na consolidação ou fragilização do processo de gestão democrática
brasileiro.
Para uma efetiva participação dos povos tradicionais nos processos de
desenvolvimento propugnados pelo Estado se faz necessário o seu reconhecimento como
sujeitos integrantes da vida social do país e não meramente assimilados por ela. A ideia de
assimilação dos povos tradicionais, particularmente os povos indígenas, é vista como um
processo natural e inevitável pela discursividade do Estado unitário e totalitário. Trata-se de
uma linha de pensamento do cientificismo moderno e positivista relevante, por exemplo, no
ambiente militar, onde os procedimentos particularizados e individuais tende a ceder espaço
para os aspectos coletivos e corporativos.
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O reconhecimento da pluralidade étnica e da diversidade cultural ainda é um desafio
não pacificado em virtude dessa matriz epistemológica e ontológica da cientificidade
positivista. Neste sentido, em contraposição a essa matriz, a democracia gestada por um
processo especificamente nacional não pode ser vista como um poder; antes, ela é um
contexto a partir do qual se exerce os mecanismos de poderes, algo dentro do qual os fatos e
as realidades podem ser descritas de maneira compreensível, como uma descrição densa que
proporciona compreender de forma inteligível o significado subjacente presente nas práticas
tidas como democráticas pelo discurso estatal quando relacionadas aos povos tradicionais,
exigindo o reconhecimento de outras linguagens e saberes com a mesma consideração
atribuída à cientificidade institucionalizada.
A descrição densa possibilitará vencer as resistências criadas pelas estruturas
superpostas e chegar ao conteúdo histórico dos saberes locais, por meio da qual será possívelidentificar as razões justificantes que norteiam as práticas estatais. Compreender os povos
tradicionais e o saber local em sua cultura requer acessar à sua normalidade e cotidianidade
sem reduzir suas particularidades ou diluí-las no discurso da “universalidade da cultura
nacional”, própria do discurso unitarista.
Por isso, a Consulta Prévia pode ser relacionada como um direito que possibilita
identificar, a partir da gestão democrática empreendida pelo ente estatal, elementos, razões
justificantes, que servem de instrumento preciso de aferição de como o Estado trata sua
matriz cultural e étnica.
No caso brasileiro, o não reconhecimento real dos povos tradicionais implicará a
desfiguração de sua matriz étnica e revelará, ainda, uma incapacidade de compreensão com
as diferenças, e de lidar com elas, uma incapacidade de situar-se entre esses povos. Situar-se
aqui consiste em reconhecê-los participantes e intimamente identificados com o destino
nacional. Isso também revelará que o perímetro da Consulta Prévia está envolvido por
questões diretamente ligadas pelo senso que se tem de cultura e de nação e por um tipo de
epistemologia que abrange e reconhece o conteúdo histórico do saber local ainda nãoinstitucionalizado.
O que na verdade se procurará observar, quando da descrição densa de uma prática
estatal, deverá ser mais do que uma percepção pessoal de interpretação; importará mais do
que um simples relato dos fatos uma vez que se busca a compreensão do significado gerado
a partir das práticas desenvolvidas pelo Estado. Muito mais do que simplesmente falar e
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que, a partir desse simples fato, pode-se chegar a complexidades enormes da experiência
evidenciada no processo de gestão democrática e social do país e dos significados oriundos
da descrição densa. Trata-se de uma fenomenologia prática que permitirá demonstrar no que
precisamente consiste uma interpretação a partir dessa descrição densa: a identificação do
significado subjacente às práticas do Estado em relação à Consulta Prévia, práticas estas a
delimitar o perímetro de uma experiência, cujo conteúdo fenomenológico pode ser revelado
pelas razões justificantes, e fixar essas práticas como “formas inspecionáveis e inteligíveis”,
possíveis epistemologicamente falando e ontologicamente relevantes.
Esta observação torna-se significativa na medida em que, o importante na análise da
descrição densa das práticas em torno da Consulta Prévia será o reconhecimento da
especificidade complexa que elas comportam, sua circunstancialidade. Deve-se ter em
mente que o material gerado a partir da análise de uma descrição densa, produzido a partirdos significados oriundos das práticas observadas, torna-se um campo de trabalho avaliativo
e interpretativo capaz de possibilitar uma avaliação não apenas realista e concreta sobre tais
práticas, mas traçar um prognóstico inteligível dos resultados e reflexos que elas podem
produzir no cenário político, social e cultural de um país.
Por estar intimamente relacionadas, a capacidade ou incapacidade da gestão em
operacionalizar a Consulta Prévia, segundo o teor preconizado pela Convenção, em relação
a determinado projeto propugnado em área tradicional específica, evidenciarão um dado
contextual, um fato histórico, que tornará objetivo a verificação, como um termômetro de
aferição, do processo de gestão democrática empreendida pelo Estado.
Os dados documentais e históricos do Projeto MCH Tiriyós, associados às práticas
registradas nas reuniões e sua descrição densa, permitirão muito mais do que uma postura
interpretativa do observador participante uma vez que as práticas e os fatos históricos
portam um significado objetivamente independente de uma postura meramente
descricionista e narrativa. O desafio estará em epistemologicamente reconhecer o conteúdo
desse significado gerado pelas práticas e dar voz aos seus significantes. Somente a partir daío conteúdo descortinado das razões legitimantes poderão ser comparados com o tratamento
dispensado à agenda dos povos tradicionais por ocasião do encaminhamento do processo de
Consulta Prévia.
A partir desse processo gradual de emergência do conteúdo histórico não
institucionalizado em referência à discursividade unitária do Estado, vê-se uma real
possibilidade de, a partir de uma análise densamente descrita e significativa das práticas
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estatais em área georreferenciada, verificar o grau do reconhecimento da diversidade cultural
e étnica pelo Estado, o seu real comprometimento ou não com a agenda dos povos
tradicionais, a identificação das forças em operação nos mecanismos de poder e a
articulação e interação dos diversos setores políticos e econômicos predominantes no
processo de gestão.
O estudo das práticas empreendidas pelo Estado no processo de gestão democrática,
visando identificar as razões justificantes por meio da descrição densa dos fatos históricos,
ainda não totalmente ressignificados pela discursividade oficializada da ciência positiva, não
poderá ser visto como uma recaída à metafísica ou à transcendentalidade do conhecimento
da realidade de uma forma pejorativa. Trata-se, na verdade, de reconhecer o conteúdo
histórico como uma fonte de experiência aproveitável e digna de análise, uma experiência da
força emancipadora da reflexão ao analisar nas práticas do Estado a coerência ou não com oconteúdo discursivo que ele implementa no processo de gestão democrática em relação à
Consulta Prévia.
O objeto de observação analítico será as práticas empreendidas pela administração
estatal proponente, representada no caso do Projeto MCH Tiriyós pela administração militar,
no processo de proposição da Micro Central Hidrelétrica na queda do Araku, ao norte do
Parque Tumucumaque, na fronteira com o Suriname. A análise das práticas empreendidas
envolverá também a produção documental, determinando um perímetro temporal entre 2010
e 2014. Neste perímetro importará definir que serão considerados apenas documentos
classificados como não sigilosos pela administração militar, relacionados com o processo de
proposição do projeto.
Desta forma, o perímetro de análise será delimitado em duas partes concomitantes: a
primeira relacionada à produção documental, abrangendo os documentos prévios
confeccionados até a Ata da II Reunião Técnica sobre a Construção da MCH Tiriyós/PA, de
10 e 11 de março de 2014, em comparação com o Anexo Único – Ata da I Consulta à Tribo
Tiriyós – 22 de março de 2014, ao Relatório da II visita à Tribo de Tiriyós – 22 a 24 demarço de 2014. A segunda estará relacionada às práticas empreendidas pela administração
pública (reuniões, visitas, mapeamentos) e pelas visitas realizadas pelo pesquisador 2 na área
2 O acesso do pesquisador à área indígena obedeceu duas ordens circunstanciais diferentes. A primeira pela suacondição de militar, percorrendo as áreas de patrulhamento com função estritamente militar. Essas ações estãodiretamente relacionadas à função militar do 1º PEF cujos deslocamentos não precisam de autorização dasautoridades indígenas para cada patrulhamento. Registre-se, ainda, o bom relacionamento dos militares do 1ºPEF com as aldeias e suas autoridades, uma relação estabelecida desde 1984. Neste sentido, o acesso militar à
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indígena, oportunidade me que foram elaborados o levantamento estratégico de área (LEA),
com a participação do pesquisador.
Neste cenário parecem igualmente importantes os procedimentos anteriores, prévios
à Consulta propriamente dita, por revelar as disposições motivadoras empreendidas na proposição do projeto MCH, cujo processo diferenciado em relação ao processo de Consulta
Prévia, permitirá visualizá-lo como um perímetro circundante cujas circunstâncias colaterais
possuem o condão de interferir ou influenciar o processo consultivo.
Precisamente nestas circunstâncias colaterais, quer à proposição e explanação do
projeto quer à Consulta Prévia, se notarão manifestadas “vontades”, “desejos”, que impõem
a força das cosmovisões convergentes e divergentes a influenciar os procedimentos antes e
durante o encaminhamento da proposição do projeto, uma atividade parcial do processo de
Consulta, expondo as disposições motivadoras em empreendimento. No entanto, é
necessário consignar que o intento do pesquisador não visará uma identificação da “intenção
do autor/Estado” em relação ao projeto propugnado.
Da mesma forma, o âmbito de análise desta pesquisa não será a definição conceitual
sobre a Consulta Prévia ou as disposições jurídicas e políticas da mencionada Convenção,
embora suas referências sejam necessárias. Tampouco, tratará de uma abordagem
hermeneuticamente interpretativa de suas disposições. A meta não será a descrição de um
projeto de empreendimento em área tradicional, nem o objetivo será discorrer sobre osalcances, benefícios ou malefícios desses empreendimentos.
A meta não será lançar um juízo de valor sobre o projeto MCH Tiriyós, mas de
observar, no tratamento estatal em relação à proposição apresentada, sem abdicar da
referência de como deveria ser realizada uma Consulta Prévia, os aspectos que permitirão
identificar as razões justificantes que embalam o processo consultivo quando da observância
das formalidades previstas no cânon da Convenção 169.
região entrou na normalidade e cotidianidade das aldeias. A segunda diz respeito ao acesso mais restrito àsaldeias como pesquisador observador do georreferenciamento indígena e das práticas empreendidas pelosresponsáveis pelo projeto MCH. Essas visitas ocorreram em momentos próprios para isso, com a permissão dasautoridades indígenas para o acesso às aldeias, aos caminhos, aos igarapés com o ânimo de catalogação, deregistro de informações, mapeamento das condições das comunidades, em função do projeto MCH e da pesquisa para este mestrado. A solicitação de acesso à área para este fim está consignado pela autorização deacesso às áreas indígenas pelo Vice-Cacique Geral Tito Meri Tiriyó, registrada na letra j, item 5, p. 7, da Atada I Consulta à Tribo Tiriyós, de 22 de março de 2014 (anexo I), oportunidade em que designou dois caciques para acompanhar as visitas. A ciência de solicitar autorização para entrar na área está consignada, também, naAta da II visita à Tribo Tiriyós, de 22 a 24 de março de 2014, número 3, letra c, p. 2 (anexo J).
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e o que efetivamente se cumpre, constitui uma barreira que precisará ser superada no
processo de gestão democrática.
Para perseguir a mesma dinâmica da Convenção, o desafio será consolidar de forma
mais robusta uma descrição do processo consultivo, designada como uma descrição densa,que possibilite identificar as razões justificantes como uma categoria interpretativa útil à
análise da Consulta Prévia a partir de eventos práticos e não hipotéticos. Dessa forma, tal
análise reclamará um contexto prático e real, georreferenciado, identificável, palpável e
localizável, como um campo científico delimitado, dentro do qual entram em operação as
relações que substanciam os fatos.
Essa análise voltada para fatos concretos, projetos específicos propostos aos cenários
regionalizados como perímetro analítico do tratamento dispensado pelo Estado na
operacionalização da Consulta Prévia, exigirá uma análise crítica assentada num cenário
local, permeado por saberes regionalizados, os quais necessitam, metodológica e
substancialmente, de reconhecimento.
A crítica local, situada e georreferenciada em Tiriyós-PA, requererá o
reconhecimento do saber local (tradicional) e de sua multiculturalidade nos mesmos termos
que são atribuídos contemporaneamente àquilo que se denominou de “conhecimento
científico”, cujos saberes institucionalizados obedecem à hierarquia de poderes
hegemônicos, embora se possa admitir que o saber tradicional, aquele ontologicamenteincapaz de oferecer a ideia de senso comum, de unanimidade ou de concordância com um
sistema comum global, possa significar em sua dinâmica interna um saber anticiência, ou
seja, entendida como uma proposta de saber diferenciada da ideia de cientificismo moderno.
A análise do tratamento dispensado pelo Estado em relação à Consulta Prévia neste
trabalho, assentada no caso específico da Missão Tiriyós, parece perfeitamente coerente por
dois motivos. Primeiro porque, um caso específico, um cenário tradicional georreferenciado,
coaduna-se com o objetivo ontológico da própria Consulta Prévia. Ela é aplicável a um caso
específico, a uma comunidade tradicional, um local regionalizado ao qual se propôs um
programa ou um projeto determinado de desenvolvimento. É para proteger esses povos
tradicionais e fazê-los participar do processo de gestão da Consulta que ao Estado incumbe
um dever de efetivar o direito à Consulta Prévia e não apenas uma proposição justificante de
um projeto.
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Segundo, por ser um direito basilar, a Consulta Prévia não se constitui como um
direito genérico e universal a todas as realidades e comunidades que compõe a complexa
sociedade brasileira. Trata-se de um direito dos povos tradicionais, direito ofertado e
operacionalizado pelo Estado, um direito aplicável a uma realidade específica, numa
conjuntura singular. Portanto, é coerente que seja analisada e verificada sua efetividade em
relação a casos específicos e não a casos genéricos e hipotéticos.
E, embora genericamente se possa afirmar ser ela um direito tutelável a todos os
povos e comunidades tradicionais, sejam indígenas, tribais, comunidades ribeirinhas e etc,
ela seria aplicável e verificável particularmente à determinada comunidade, e só poderia ser
aferida e analisada em relação àquela comunidade específica (nisto consiste parte do que
refere-se como georreferenciamento). É a ela que importa a eficácia da Consulta Prévia. É a
ela que importará se o Estado cumpre a agenda prometida ou não. Somente em relaçãoaquele cenário tradicional se poderá afirmar, com a generalidade de um todo, que tal direito
não foi concretizado, não foi respeitado, e naquele caso específico, com sabor totalitário,
como se em nenhum outro lugar fosse cumprido, se o Estado cumpriu ou não com seu dever.
Dado o aspecto pluriétnico e multicultural dos povos tradicionais não é de se
estranhar que a Consulta Prévia seja, neste sentido, particularmente voltada a realidades
singulares e em relação a esses cenários singulares seja analisada, razão pela qual será
necessário superar o paradoxo que separa os saberes cientificamente hierarquizados pelos
poderes hegemônicos daqueles saberes locais singulares de cada comunidade tradicional.
Esse é um dos motivos pelos quais a análise da Consulta Prévia deverá se dar em relação a
casos específicos, não só na observação e descrição de fatos, como na análise das relações
que se estabelecerão dentro de um cenário tradicional georreferenciado, local,
conjunturalmente específico e relacional, diante do qualse poderá identificar as razões
justificantes que qualificam as práticas empreendidas.
Por outro lado, será necessário frisar que a eleição dos fatos ocorridos dentro do
processo consultivo num cenário tradicional, como um campo científico de análise ondeocorrem as relações e as práticas empreendidas, não quer sugerir de modo algum a eleição
de um empirismo radical. Essa abordagem fática e o reconhecimento da “cientificidade do
conhecimento portado pelos povos tradicionais” requer um empreendedorismo capaz de
eleger na pesquisa realidades concretas que materializam saberes regionais até então
desprezados pelas teorias científicas totalitárias e hegemônicas na administração do processo
de gestão democrática.
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A identificação das razões justificantes a partir de uma descrição densa extraída da
observação do tratamento estatal dispensado em relação à Consulta Prévia em área cultural e
geograficamente tradicional será possivelmente verificável em relação aos projetos
específicos propugnados em áreas específicas, formando um campo científico de análise.
Na base dessa identificação está implícito o reconhecimento do valor analítico da
experiência e o aproveitamento do conteúdo histórico ainda não institucionalizado e não
reelaborado pela discursividade científica da universalização em oposição aos saberes locais.
Isso permitirá definir como um perímetro válido de análise o conteúdo histórico, portanto,
fático, oferecido pela experiência das comunidades tradicionais, um conteúdo oferecido pela
racionalidade do saber tradicional, aquele ainda não reestilizado pela pretensão totalitária de
poder, normalmente presente no discurso unitário da cientificidade institucionalizada.
Desta forma, reconhece-se nos fatos um conteúdo histórico não previsto, não
catalogado pelo discurso da cientificidade. O apoderamento desse conteúdo histórico
oferecido pela experiência do saber local como um objeto analítico cuja racionalidade não
seria absorvida nem diluída pela pretensão do discurso unitário permitirá identificar no
conteúdo histórico do saber tradicional uma resistência ao efeito inibidor próprio às teorias
totalitárias. Desta forma, restarão elucidados os porquês das dificuldades do Estado, fundado
em matrizes expansionistas, unitarista e cientificista, em aceitar os contra-argumentos
apresentados pela discursividade dos saberes locais.
Uma observação atenta aos significados gerados pelas práticas permitirá descrever
densamente as implicações geradas pelas práticas e não somente a descrição técnica das
práticas isoladamente observadas. Há um conteúdo significativo e significante justificando
essas práticas, seja ele favorável ou não a uma gestão democrática, um conteúdo nem
sempre evidente, por vezes ocultado pela descrição superficial dos fatos ou por seu
enquadramento ao conteúdo discursivo da cientificidade do saber institucionalizado que,
sistematicamente, ignora o saber histórico tradicional. Trata-se de um conteúdo cujo teor
não se confunde com a prática isoladamente considerada e descrita (com o fato), uma vezque esse conteúdo deriva das relações em operação nesta prática. Intimamente ligado ao
saber histórico gerado pelo fato em operação (prática), esse conteúdo é o portador das razões
justificantes.
Exatamente esse conteúdo, que abrange as razões justificantes, pode e deve ser
utilizado no discurso analítico e avaliativo da pesquisa, como uma teoria crítica, que
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desejará aferir o nível do comprometimento do Estado em garantir os direitos dos povos
tradicionais, como uma categoria analítica comprobatória e elucidante que, ao mesmo
tempo, servirá de termômetro de aferição do processo de gestão democrática empreendido
no país.
De fato, corresponde uma diferença pontual analisar o discurso que ampara os
procedimentos estatais adotados na condução do processo consultivo e verificar na prática,
ou a partir dos resultados práticos, do fato histórico, o real tratamento dispensado. Contudo,
não se trata de apenas constatar um possível descompasso entre o discurso e a prática. Trata-
se de identificar, no conteúdo histórico, explicitado pela prática estatal, as razões que
justificam não o discurso utilizado para a aprovação da implantação de um projeto, e sim o
conteúdo argumentativo (as razões) que realmente estarão a justificar a proposição do
projeto em determinado cenário tradicional.
Assim, além dos procedimentos, formas e técnicas empreendidas pelo Estado no
processo de Consulta Prévia, a análise deverá observar o tratamento prático dispensado pelo
Estado em relação a esse processo, cujos resultados em operação no andamento do processo
consultivo permitirão identificar as razões justificantes que amparam, senão o teor
discursivo, as práticas adotadas pelo Estado. Descortinam-se aqui as pretensões do Estado
na gestão democrática, pois elas tornam-se evidentes, objetivamente compreensíveis,
permitindo verificar o processo institucional e as condições de sua credibilidade perante a
sociedade civil, sem prejuízo de contribuições técnicas.
Essa abordagem será importante porque ela delimita o tratamento dispensado na
prática pelo Estado como um perímetro cujo conteúdo analítico torna-se observável como
um campo científico definido, e por meio do qual será possível extrair elementos e
categorias interpretativas úteis para a compreensão e a aferição do comprometimento Estatal
com a agenda dos povos tradicionais e para o salutar processo de gestão democrática.
Esse enfrentamento entre o conteúdo discursivo do Estado, articulado pelas
estruturas sobrepostas de inferência e implicações, com o conteúdo das razões justificantes,
revelado pela descrição densa, será necessário para a verificação do grau de coerência entre
o discurso empreendido no processo de gestão democrática e o conteúdo substantivo da
Consulta Prévia. Importará observar que a utilização recorrente de estruturas sobrepostas
prejudica a comunicação e a informação no processo consultivo, além de instrumentalizar o
discurso democrático para uma discursividade unitária e totalitária que crê ser suficiente
para o diálogo, por ocasião da Consulta, apenas o conteúdo estruturado pelas inferências
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permitirá questionar acerca da existência dos mecanismos eficientes de participação dos
povos tradicionais e a identificação dos grupos e tendências que exercem os mecanismos de
poder no processo da gestão democrática pátrio.
Embora não se possa reduzir a participação democrática ao tratamento dispensado àConsulta Prévia quando da relação entre Estado e povos tradicionais, até porque o espaço de
participação democrática num cenário nacional multicultural como o nosso não se limita
apenas à participação das comunidades tradicionais por envolver outros sujeitos da
heterogeneidade do Estado, será possível verificar, pelo tratamento referenciado à Consulta
Prévia, frente à hipossuficiência dessas comunidades, o grau de institucionalização
democrático empreendido pelo Estado na gestão do processo consultivo.
Como um termômetro sócio-político, e jurídico, a análise da Consulta Prévia exporá
o nível de refinamento da qualidade e da solidez da gestão de processos democráticos do
país e permitirá identificar se seu processo de governamentalidade é inclusivo.
Em que pese essa análise georreferenciada oferecer elementos analíticos
referencialmente aplicáveis similarmente a outras realidades tradicionais oferecendo
critérios comparativos, a Consulta Prévia destinada exclusivamente a um cenário tradicional
específico permitirá, pelo critério da especialidade e exclusividade, verificar naquele
contexto se o tratamento estatal dispensado ao processo consultivo possui caráter
evidentemente democrático, respeitoso, comprometido com a preservação da identidadeétnica e cultural daquele povo tradicional e se possui correspondência com o teor da
Convenção.
É neste sentido que se pode identificar a Consulta Prévia, de uma forma mais ampla,
como um termômetro sócio-político de aferição da densidade democrática da gestão pública,
de sua correspondência com as características do processo democrático e o grau de
comprometimento do Estado com o respeito à heterogeneidade étnica e cultural do país.
Para enfrentar esse itinerário de pesquisa a metodologia adotada será a abordagem
qualitativa enumerada por Silvio Luis Oliveira, elegendo a teoria do campo científico
defendida por Pierre Boudieu em comparação à tese do georreferenciamento
circunstancializado de Clifford Geertz, apropriando-se da tese da descrição densa de Gilbert
Ryle como forma de identificar as estruturas sobrepostas de inferências e implicações que se
sobrepõem às razões justificantes que legitimam as práticas empreendidas nos projetos de
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desenvolvimento propugnados pelo Estado em cenários geográficos e culturais dos povos
tradicionais.
Desta forma, a postura do pesquisador será a da observação participativa na ótica de
Licia Valladares em que o pesquisador, um elemento diferenciado do cenário étnicotradicional, não poderá e nem deverá se confundir com a realidade observada, pois pretende
compreender e externalizar indicadores que a comunidade local demonstra nas relações
implicadas no campo científico de análise, empreendendo uma verificação do discurso com
a conformidade real das práticas, oportunidade em que, seguindo a observação de Bourdieu,
identificará o conteúdo político e cognitivo que rege o trabalho de objetivação.
Neste sentido, a análise interpretativa do significado gerado pelos fatos e práticas no
perímetro georreferenciado e circunstancializado da Consulta Prévia, qualificará o
pesquisador como um sujeito objetivante que, embora distinto da realidade étnica e cultural
que avalia, toma por objeto de análise o mesmo campo que, mesmo indiretamente, estará
também inserido. Esta postura objetivante empreende uma análise a partir das práticas
estatais cujo funcionamento interno apreende a lógica significante das práticas rompendo
com a dinâmica das imagens antagônicas, descortinando tanto o que revelam tais práticas,
como o significado do discurso que as justificam. Ao mesmo tempo, permitirá apreender o
contraditório que tais práticas insinuam, bem como possibilitará objetivar a posição que
ocupam no campo os agentes estatais e os povos tradicionais, elucidando padrões
universalizantes que se autolegitimam, ou são legitimados por grupos hegemônicos, e que
precisarão ser analisados.
Por fim, para sistematizar o itinerário deste trabalho acadêmico será elencado no
primeiro capítulo a metodologia e a fundamentação teórica que embasará e justificará a
presente pesquisa, os principais aspectos da Consulta Prévia segundo o teor da Convenção
169 da OIT e seus reflexos no processo de gestão democrática do país.
Inserindo a Consulta Prévia no itinerário da macro geopolítica global e da agenda
desenvolvimentista tecnológica, identificar-se-á a natureza jurídica e política da Consulta,
discriminando seus traços característicos e a repercussão dessa ontologia consultiva para o
processo de gestão democrática pátrio. E ao comparar os aspectos identitários da Consulta
Prévia segundo disposição consolidada a assimilada ao direito nacional com a prática estatal
identificar-se-á as principais barreiras e entraves à eficácia da Consulta Prévia.
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No capítulo segundo, o itinerário propositivo será correlacionar a Consulta Prévia
com o processo de gestão democrática tendo como lastro analítico a metodologia e a
fundamentação teórica apresentada e os elementos identitários da Consulta elencados no
capítulo primeiro e a tese do georreferenciamento circunstancializado, delimitando o
perímetro analítico num cenário tradicional específico, objetivando no tratamento consultivo
dispensado pelo Estado ao projeto MCHTiriyós superar o descricionismo narrativo e acrítico
a fim de identificar as razões justificantes por meio de uma descrição densa das práticas e
dos fatos históricos e suas relações no interior do campo científico.
A eleição do contexto fático de Tiriyós, considerando amplamente sua
circunstancialidade, e o estudo das práticas empreendidas pelo Estado, em oposição ao
reducionismo de um empirismo radical e obtuso, visando superar os aspectos estritamente
formais e técnicos da Consulta no processo de gestão democrática em consonância com a pluralidade étnica e a multiculturalidade brasileira, objetivará consolidar a eficácia da
Consulta Prévia e a necessidade de ampliar o acesso às instâncias e mecanismos de decisão e
participação dos povos tradicionais, alçando o caráter verificador da Consulta Prévia como
termômetro de aferição do comprometimento do Estado com os aspectos fundantes da
gestão democrática, com a ontologia do Estado Democrático, com sua matriz identitária e
com a agenda das comunidades tradicionais para o cumprimento das disposições
programáticas constitucionalmente consolidadas de superação de todo o contexto de
exploração, miséria e exclusão.
No capítulo terceiro, serão correlacionados os elementos identitários, as teses
analíticas e os objetivos do primeiro e segundo capítulos com o tratamento georreferenciado
e circunstancializado da Consulta Prévia no projeto MCH Tiriyós. Ao correlacionar a
Consulta Prévia com outros direitos democráticos analisando a governamentalidade do
processo de gestão consultivo aplicar-se-á in locus as teses da visibilidade isolante e da
invisibilidade, da teoria do Estado homogeneizante e unitário, os reflexos da imposição do
saber institucionalizado e seus efeitos de poder sobre o saber e conhecimento tradicional, o
projeto genealógico de Michel Foucault, as teses da descrição densa, do campo científico de
análise georreferenciada, das razões justificantes e das estruturas sobrepostas de inferências
e implicações, em busca da identificação de um conjunto de inferências que permita
identificar no teor significativo e significante do conteúdo histórico analítico, presente na
circunstancialidade do Projeto MCH Tiriyós, os reflexos reais no processo de gestão
democrática empreendido no país.
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CAPÍTULO I –A CONSULTA PRÉVIA NO CONTEXTO DACONVENÇÃO 169 DA OIT E SEU REFLEXO NO BRASIL
1
A METODOLOGIA DE PESQUISA E A FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Importa salientar que uma análise georreferenciada da Consulta Prévia encontra
correspondência com a metodologia de pesquisa a ser empreendida neste trabalho. A
pesquisa propõe a análise do tratamento dispensado pelo Estado brasileiro em relação à
Consulta Prévia em área tradicional em um contexto operado por um processo de gestão
democrática.
Em virtude da imersão do pesquisador, no contexto atual da atuação do Estado em
relação ao tema, a forma adotada será a de uma análise qualitativa a partir da escolha de um
projeto específico de desenvolvimento (Projeto Micro Central Hidrelétrica de Tiriyós3)
propugnado pelo Estado e com o condão de afetar a cultura e a sobrevivência das
comunidades tradicionais4, configurando-se num georreferenciamento capaz de oportunizar
uma verificação e incidência prática das observações teóricas acerca da Consulta Prévia.
Segundo Oliveira, as pesquisas que adotam a abordagem qualitativa conseguem,mais facilmente,
descrever a complexidade de determinada hipótese [...], analisar a interaçãode certas variáveis, compreender e classificar processos dinâmicosexperimentados por grupos sociais [...] e permitir, em maior grau de profundidade, a interpretação das particularidades dos comportamentos oudas atitudes dos indivíduos5.
3 Projeto Micro Central Hidrelétrica da Missão Tiriyós - MCH Tiriyós – (anexo R, mapas F, J e L) é uma
proposição do Exército para consolidar a implantação do 1º Pelotão de Fronteira (anexo R, mapa N e anexo S,foto 25), localizado no Oeste do Rio Parú (anexo R, mapa B), dentro do Parque Nacional do Tumucumaque, nonorte do Estado do Pará (anexo R, mapa C), em área indígena homologada dos Tiriyós (anexo R, mapas D, F eH).4A atenção estará voltada, portanto, para as práticas do Estado na administração de um projeto dedesenvolvimento escolhido para a análise que envolva as comunidades tradicionais e para a observaçãodocumental produzida. Neste sentido, a presente pesquisa terá como arrimo a descrição do fenômeno existenteentre o conteúdo substancial e qualitativo da Consulta Prévia, segundo o teor propositivo da Convenção 169 daOIT, e a atuação do ente estatal presente na forma como o Estado brasileiro tem conduzido determinado projeto em área pertencente aos povos tradicionais. 5 OLIVEIRA, Silvio Luis de. Metodologia científica aplicada ao direito. São Paulo: Pioneira ThompsonLearning, 2002.
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A atenção voltada, portanto, para as práticas do Estado na administração do processo
de Consulta Prévia, em relação a um projeto de desenvolvimento propugnado em área de
comunidades tradicionais, permitirá que a presente pesquisa tenha como arrimo a descrição
do fenômeno existente entre o conteúdo substancial e qualitativo do processo consultivo,
segundo o teor propositivo da Convenção 169 da OIT, e a atuação do ente estatal presente na
forma como o Estado brasileiro tem conduzido o processo de gestão democrática no
procedimento da Consulta Prévia em um caso real e não hipotético.
Entende-se que todas as produções culturais, e aqui se incluem as práticas e
realizações humanas, seja por meio dos indivíduos seja por uma forma institucionalizada
chamada Estado, podem ser objetos de análise científica, podendo ser interpretadas com
uma objetividade que supera a busca das intencionalidades, ao mesmo tempo em que é
preciso superar o mero antagonismo entre as interpretações internalistas6 e externalistas7.
Segundo Bourdieu é necessário encarar a tradição que impõe ao processo científico
de conhecimento uma dinâmica de perpetuação da ciência como um tipo de partenogênese,
uma ciência girando em torno de si mesma e fora das intervenções sociais.
É para escapar a essa alternativa que elaborei a noção de campo. É umaideia extremamente simples, cuja função negativa é bastante evidente.Digo que para compreender uma produção cultural [...] não basta referir-seao conteúdo textual dessa produção, tampouco referir-se ao contexto socialcontentando-se em estabelecer uma relação direta entre o texto e o
contexto. O que chamo de “erro do curto-circuito8” [...]. Minha hipóteseconsiste em supor que, entre esses dois polos, muito distanciados, entre osquais se supõe, um pouco imprudentemente, que a ligação possa se fazer,existe um universo intermediário que o chamo de campo literário,artístico, jurídico ou científico, isto é, o universo no qual estão inseridos osagentes e as instituições que produzem, reproduzem ou difundem [...] aciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas queobedece a leis sociais mais ou menos específicas9.
A escolha de um projeto de desenvolvimento que exija a Consulta Prévia por
envolver um determinado povo tradicional, como o caso da Micro Central Hidrelétrica de
6Grossomodo, os internalistas sustentam que para compreender, por exemplo, a literatura e a filosofia, basta aleitura dos textos, sendo eles o alfa e o ômega e nada mais a ser conhecido, a não ser a letra do texto, ou o queele proporcionacaptar. Já os externalistas relacionam o texto ao contexto e propõe a interpretação das obras emrelação com o mundo social e econômico.7 BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:UNESP, 2004, p. 19.8 Entenda-se por “erro de curto-circuito” como uma forma de reducionismo que consiste em reduzir as leissegundo as quais um campo funciona pelas leis sociais exteriores. Por isso, Bourdieu entendeu que quantomais os campos científicos são autônomos, mas eles escapam às leis sociais externas (vide: BOURDIEU. Osusos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico, 2004, p. 30).9 BOURDIEU. Op. cit., p. 20.
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produção social, na qual as relações que se estabelecem por ocasião do processo consultivo
configuram os fatos segundo uma razão discursal adotada pelo ente estatal, coincidindo ou
não com as razões que justificam, legitimam, as práticas empreendidas pelo Estado.
A identificação dessas razões justificantes exige uma descrição dos fatos que supereuma dinâmica meramente descritiva e narrativa das formalidades e procedimentos adotados
pelo Estado, para buscar as razões que determinaram a configuração dos fatos da forma
como eles estão apresentados naquele contexto histórico. E é precisamente esta configuração
que acredita-se poder ser explicitada pelas razões justificantes. Elas determinarão as reais
motivações do Estado, nem sempre coincidentes com a razão discursal, que o ente estatal
adota para legitimar a proposição de um projeto em ambiente tradicional. E é justamente
este o resultado que uma descrição densa proporciona. Com efeito, uma descrição densa do
tratamento dispensado pelo Estado em relação à condução do processo de Consulta Prévia
oferece e explicita, para as comunidades tradicionais, o conteúdo das razões justificantes que
a razão discursal do Estado nem sempre revela.
Por exemplo, a razão discursal pode ao afirmar que o projeto MCH Tiriyós
proporcionará um avanço energético (luz) que a comunidade não possui e é carente. Pode
com isto sustentar que a implantação do projeto trará uma qualidade de vida e um progresso
muito bom para a comunidade indígena. Trata-se de uma razão discursal amparada numa
necessidade, já explicita pela comunidade e que encontra nela muita aceitação. Essa razãodiscursal encontra uma justificação prática, que poderá ser previamente vislumbrada,
quando de fato, no futuro, a luz estiver disponível para a aldeia, mesmo que de forma
limitada. Por isso, pleiteia o consentimento da comunidade para implantar o projeto da
forma que previamente vinha planejando, cujos termos até então não haviam sido discutidos
com a comunidade e decididos unilateralmente.
Sem entrar no mérito, se o projeto será bom ou não para as tradições da comunidade,
pode ocorrer que as razões justificantes sejam outras, que a implantação do projeto objetive
exclusivamente guarnecer e melhor vigiar a fronteira, impedindo o avanço e o trânsito de
fronteiriços e estrangeiros na área, o que pode ser encarado pela aldeia como algo benéfico,
uma vez que impediria a invasão no seu território.
Ocorre que, para guarnecer e melhor vigiar a área, numa racionalidade marcada pela
razão imperialista e unitária, é preciso militarizá-la (de fato, a proposição estatal neste caso
está representada por uma das suas instituições que é o Exército). Por isso, visa criar
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condições técnicas de permanência eficiente na região, aumentando e informatizando o
contingente populacional, o que imprime uma série de necessidades e demandas dada a
dificuldade de acesso à região.
O melhoramento energético criará condições para o estabelecimento de outrasinstituições, a necessidade de implantação de serviços, o que pode resultar numa emigração
populacional não desejada pela comunidade, por exemplo. Essas informações, se divulgadas
e explicitadas na razão discursal do Estado, pode criar condições para o veto das
comunidades tradicionais daquela região. Visando o consentimento, elas passam a não ser
explicitadas, configurando uma razão justificante não explicitada e não coincidente com a
razão discursal13.
No entanto, elas são identificadas por uma descrição densa do processo consultivo enão por uma descrição acerca do cumprimento ou não de formalidades que a Consulta
Prévia exige para validar a ação estatal naquela área. A descrição densa do tratamento
dispensado pelo Estado permite encontrar no contexto fático e, portanto, histórico, o
conteúdo das razões justificantes ainda não explicitado. E isso é de profundo interesse para a
comunidade tradicional.
Por exemplo, os encaminhamentos do processo de Consulta para a implantação do
projeto especifica tecnicamente uma potência energética capaz de gerar energia para parte
das comunidades e para o pelotão lá existente, uma energia necessária e suficiente para o
pelotão, consignando que em períodos de seca a energia não será suficiente para todos. Este
dado técnico não foi levado para a Consulta, estando apenas registrado nas reuniões técnicas
das quais a comunidade não participou. Verificar-se-á em capítulo posterior que não foi
amplamente divulgado que a meta principal é a total implantação do 1º PEF e que isto
resultaria em possível racionamento e direcionamento de energia ao pelotão. Contudo,
tecnicamente, o projeto cria as condições para a ampliação dessa potência, podendo
contemplar no futuro um grupo bem maior de pessoas (e talvez seja esta uma das intenções:
basta visualizar a construção de casas para famílias no perímetro do pelotão, anexo S, foto
número 20), inclusive prevendo um sistema que pode limitar o acesso energético às aldeias
para ampliar ainda mais as necessidades do pelotão e das futuras instituições em caso de
necessidade energética.
13 Consigna-se que as razões justificantes no caso do referido projeto insere-se num aspecto mais amplo que é oPlano Nacional de Defesa, configurando aspectos que não foram discriminados neste trabalho por nãoconfigurar o objeto desta pesquisa e por serem apenas exemplificativos.
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Precisamente essa especificação técnica revela uma postura, uma prática
materializando uma intenção do ente estatal não explicitada, mas que pode ser auferida pelos
fatos práticos, explicitado pela compra de equipamentos que tornam possível a limitação
energética da comunidade e a ampliação da capacidade energética do pelotão. Entretanto, a
explicitação das razões justificantes, mesmo não coincidentes com a razão discursal do
Estado, não inviabiliza, a princípio, o consentimento da comunidade tradicional. Pode
acontecer que, mesmo explicitadas tais razões justificantes, a comunidade decida apoiar a
implantação do projeto propugnado. Neste caso, o que se destaca é que tal consentimento
será ainda mais qualificado e, portanto, mais legitimada restará ação estatal naquela área,
razão pela qual é fundamental que as razões justificantes sejam explicitadas no processo de
Consulta Prévia.
Entre a descrição das práticas em relação à Consulta Prévia e a disposição
substantiva e qualitativa do que é a Consulta Prévia, há um espaço significativo, e
significante, que possibilita identificar os reflexos da realização ou não da Consulta em
ambiente democrático. Assim, a pesquisa está relacionada não à mera descrição de um
projeto escolhido, mas à descrição densa do significado que se pode extrair das práticas
estatais envolvendo a administração de determinado projeto, possibilitando a identificação
das razões justificantes em operação.
Neste cenário georreferenciado, caberá ao pesquisador:
a) solicitar o apoio do Exército para acessar a área pelo modal aéreo. Esta solicitação
e apoio foi confirmado e materializado pelas diversas viagens à região em aeronave militar
ou fretada pela administração militar e pela inclusão do pesquisador como auxiliar do
gerente do projeto, conforme consta do Anexo Único – Ata da I Consulta à Tribo dos
Tiriyós, de 22 de março de 2014, item 1, letra a, p. 1 (anexo I), o que permitiu o acesso à
região e a participação autorizada em reuniões com a FUNAI (anexos D e S, foto 18) e a
comunidade indígena (anexo S, fotos 01, 02, 08, 12, 13, 17 e 22).
b) solicitar a permissão da FUNAI para realizar esta pesquisa, aprovação e ciência
consignada pelo Termo de Autorização para Pesquisa Acadêmica (anexo Q) nas
comunidades indígenas da Missão Tiriyós Parque do Tumucumaque – Norte do Estado do
Pará (Fronteira com o Suriname), conforme anexo R, mapas A, G e R.
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c) solicitar à comunidade indígena a permissão para entrar nas suas áreas, observar os
costumes locais, participar das reuniões e da rotina das aldeias, a fim de compartilhar as
impressões e avaliações oriundas da análise do projeto propugnado pelo Estado e das
percepções gerais sobre a comunidade, conforme registro da autorização dada no Anexo
Único – Ata da I Consulta à Tribo dos Tiriyós, de 22 de março de 2014, item 2, letra j,
número 5, p. 7, e anexos I e S, fotos 01 a 27;
d) manifestar o compromisso de apresentar os resultados à comunidade científica e
indígena após observar e analisar o contexto em que está inserido o projeto para uma
compreensão mais ampla do cenário complexo dessas comunidades (compromisso assumido
em reunião com o Vice-Cacique Geral, anexo S, foto 23);
e) delimitar, a partir das práticas empreendidas pelo ente estatal quando da ConsultaPrévia, o perímetro para a análise e observar os efeitos decorrentes da forma de condução do
processo de Consulta pelo ente estatal, identificando os limites e entraves práticos
desenvolvidos no transcorrer da Consulta Prévia e a dinâmica adotada pelo ente estatal na
condução do projeto em proposição;
h) e, uma vez participando gradativamente da dinâmica social das aldeias, reuniões,
conselhos, em relação ao projeto de construção da MCH Tiriyós e buscando se familiarizar
com as lideranças das aldeias, numa constante construção de mútua confiança, e em contato
direto com a administração pública militar e a FUNAI, observar o diálogo e as práticas
empreendidas e relacioná-las com a Consulta Prévia segundo teor da Convenção 169 (anexo
S, fotos 01 a 27).
i) Por fim, por meio de uma valoração reflexiva, expor conclusões sobre a atuação
estatal e sobre as observações advindas da análise contextual, demonstrando os resultados
das práticas empreendidas pelo Estado e as consequências dessas práticas para a
consolidação dos direitos dos povos tradicionais e para o cenário democrático do país.
Desta forma, a postura adotada pelo pesquisador foi a de um observador participante
com a preocupação voltada para a construção de uma relação franca e sincera de
aproximação com o cenário indígena e com a proposição do Estado. Adotando a postura de
uma observação participante, o pesquisador vem desenvolvendo um processo de
aproximação lento e gradual, negociando sua entrada nas áreas indígenas e pedindo a
permissão a cada visita, realizando uma fase exploratória da região para uma profícua
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compreensão ulterior da realidade em comparação com o projeto proposto pela
administração pública (anexo S, fotos 03 a 09, 12, 13, 16, 17, 19, 21, 22, 24, 26 e 27 e
anexos O e P).
Estas questões vêm demandando tempo e recursos em vista da complexidade daregião e da realidade indígena e da dificuldade de acesso à área. Não se pode chegar de
barco, não há estradas, não há linhas aéreas comerciais. O acesso é por aeronave particular
ou da aeronáutica – sempre com a devida permissão do Primeiro Comando Aéreo Regional
(I COMAR) para pousos e decolagens, em uma pista controlada pela Aero