Dissertação GOL E

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  • Universidade de Aveiro 2012

    Departamento de Electrnica, Telecomunicaes e Informtica Departamento de Lnguas e Culturas Seco Autnoma de Cincias da Sade

    Daniela Castanheira Ramos

    CARACTERIZAO DA LINGUAGEM ORAL EM CRIANAS COM IMPLANTE COCLEAR

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    Universidade de Aveiro 2012

    Departamento de Electrnica, Telecomunicaes e Informtica Departamento de Lnguas e Culturas Seco Autnoma de Cincias da Sade

    Daniela Castanheira Ramos

    CARACTERIZAO DA LINGUAGEM ORAL EM CRIANAS COM IMPLANTE COCLEAR

    Dissertao apresentada Universidade de Aveiro para cumprimento dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Cincias da Fala e da Audio, realizada sob a orientao cientfica do Doutor Antnio Joaquim da Silva Teixeira, Professor Auxiliar do Departamento de Electrnica,Telecomunicaes e Informtica da Universidade de Aveiro.

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    Dedico este trabalho aos meus pais pelo incansvel apoio.

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    o jri

    Presidente Doutora Rosa Ldia Torres do Couto Coimbra e Silva Professora Auxiliar da Universidade de Aveiro

    Vogais Doutor Joo Manuel Pires da Silva e Almeida Veloso

    Professor Auxiliar com Agregao da Faculdade de Letras da Universidade do Porto

    Doutor Antnio Joaquim da Silva Teixeira (Orientador) Professor Auxiliar da Universidade de Aveiro

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    Agradecimentos

    Ao Prof. Doutor Antnio Teixeira pela orientao, disponibilidade e forma paciente com que sempre me apoiou sem reservas. Ao Servio de Otorrinolaringologia (ORL) do Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra (CHUC) Hospital dos Coves. s terapeutas da fala Marisa Alves e Helena Alves e ao audiologista Jorge Humberto Martins pela valiosa colaborao. A todas as meninas e meninos que fizeram parte da amostra deste estudo, aos seus pais e/ou cuidadores. Aos meus amigos que nos momentos rduos, me impulsionaram a prosseguir, dando o necessrio incentivo para que este trabalho se tornasse hoje realidade. s minhas colegas de profisso e amigas Daniela Mota e Daniela Saraiva pela preciosa ajuda. Ao Xavier que o acaso ps no meu caminho e que se transformou numa forte presena na minha vida e numa alavanca para o retomar deste estudo. Ao Ricardo pelo apoio e compreenso nas vrias etapas deste trabalho. E a Deus A todos, o meu MUITO OBRIGADA!

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    palavras-chave

    Implante coclear, Linguagem oral, Fonologia, Morfossintaxe, Semntica.

    Resumo

    Objectivo/tema: A surdez neurossensorial severa a profunda a que provoca maior impacto na aquisio e desenvolvimento da linguagem oral, podendo comprometer, consequentemente, o desempenho lingustico das crianas. O implante coclear constitui-se como um elemento facilitador do desenvolvimento da linguagem em crianas com surdez severa a profunda cujo benefcio comprteses auditivas convencionais limitado. O desenvolvimento da linguagem oral das crianas utilizadoras de implante coclear apresenta diferenas comparativamente ao das crianas normo-ouvintes. O presente estudo teve como objectivos avaliar a linguagem oral em crianas com surdez congnita utilizadoras de implante coclear, comparar as suas capacidades lingusticas, ao nvel da semntica, morfo-sintaxe e fonologia com normo-ouvintes e analisar a influncia do gnero e da idade de implantao. Mtodo: Foram estudadas 30 crianas com surdez profunda bilateral congnita, entre os 8 anos e 01 ms e os 10 anos de idade e comparadas com valores de referncia de crianas normo-ouvintes dos 5 anos e 07 meses aos 7 anos tendo como base a mesma idade auditiva. Ambos os grupos foram avaliados com o instrumento de avaliao denominado Grelha de Observao da Linguagem nvel escolar. Resultados/Discusso: Os resultados do grupo dos 9 anos e 01 ms aos 10 anos, para a fonologia, semntica e a morfossintaxe, revelaram-se estatisticamente semelhantes aos valores de referncia das crianas normo-ouvintes. O grupo com idade entre os 8 anos e 01 ms e os 9 anos apresentou um menor desempenho a nvel da morfossintaxe que as crianas normo-ouvintes. Na semntica e na fonologia, a pontuao foi semelhante. As crianas implantadas mais cedo tiveram melhores resultados, mas a idade auditiva entre os grupos foi estatisticamente diferente. O gnero no influenciou significativamente o desempenho observado nas estruturas lingusticas estudadas. Concluso: O estudo revelou que, de uma forma geral, as crianas com surdez profunda utilizadoras de implante coclear estudadas apresentam competncias lingusticas semelhantes s normo-ouvintes com a mesma idade auditiva.

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    Keywords

    Cochlear implant, Spoken Language, Phonology, Morpho-syntax, Semantics.

    abstract

    Objective/theme: Severe to profound sensorineural hearing loss is the one that causes the greater impact on the acquisition and development of spoken language, which may compromise, therefore, the linguistic performance of children. The cochlear implant becomes a facilitator of language development in children with severe to profound sensorineural hearing loss who have limited benefit from conventional hearing aids. The development of spoken language in children who use cochlear implant presents differences when compared with that of normal hearing children. This study aims to: assess spoken language in children with congenital hearing loss who use cochlear implant, and to compare their language skills, at the level of semantics, morpho-syntax and phonology, with that of normal hearing children, and to analyze the influence of gender and age at implantation. Method: 30 children with bilateral congenital profound hearing loss, between 8 years and 01 month and 10 years of age, were studied and compared with reference values of normal hearing children from 5 years and 07 months to 7 years old based on the same hearing age. The both groups were evaluated with a Portuguese language assessment instrument which is the Observation Chart of Language School Level. Results/Discussion: The group aged from 9 years and 01 month to 10 years showed results statistically similar to the reference values of the normal hearing children for phonology, semantics and morpho-syntax. The group aged from 8 years and 01 month to 9 years old presented a lower performance in morpho-syntax when compared with normal hearing children. On semantics and phonology the score was similar. Children implanted at an earlier age showed better results, but the hearing age between groups was statistically different.Gender did not influence significantly the observed performance on the linguistic tasks studied. Conclusion: This work revealed that, in general, children with profound hearing loss who use cochlear implant studied have language skills similar to those of normal-hearing children with the same hearing age.

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    Esta Dissertao foi escrita ao abrigo do Acordo Ortogrfico de 1945.

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    ndice

    1 Introduo.............................................................................................................. 1

    1.1. Objectivos....................................................................................................... 2

    1.1.1. Objectivo geral ........................................................................................ 2

    1.1.2. Objectivos especficos ............................................................................. 2

    1.2. Estruturao da Dissertao ............................................................................ 3

    2 Implantes cocleares e desenvolvimento da linguagem ............................................ 4

    2.1. Implantes cocleares ......................................................................................... 4

    2.2. Linguagem nas crianas normo-ouvintes ......................................................... 5

    2.3. Linguagem em crianas com IC ...................................................................... 9

    2.4. Influncia da idade de implantao no desempenho lingustico das crianas com implante coclear ...................................................................................................... 12

    2.5. Avaliao da linguagem oral nas crianas com implante coclear ................... 14

    2.5.1. Instrumentos de avaliao ...................................................................... 14

    2.5.2. Protocolos de avaliao .......................................................................... 16

    3 Mtodo ................................................................................................................ 22

    3.1. Seleco da amostra ...................................................................................... 22

    3.2. Seleco do instrumento de avaliao ........................................................... 22

    3.3. Obteno de autorizaes .............................................................................. 23

    3.4. Realizao das avaliaes e organizao dos dados ....................................... 23

    3.5. Caracterizao da amostra ............................................................................. 24

    3.6. Anlise estatstica ......................................................................................... 24

    4 Resultados ........................................................................................................... 25

    4.1. Questo 1 H evidncias da influncia do gnero entre as crianas com IC nos ganhos das competncias lingusticas? ..................................................................... 25

    4.2. Questo 2 Em que competncias lingusticas as crianas implantadas apresentam maiores dificuldades? ............................................................................ 26

    4.3. Questo 3 Existem diferenas entre as competncias lingusticas do grupo da faixa etria de [8;01-9;00] e das crianas normo-ouvintes? ...................................... 26

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    4.4. Questo 4 Existem diferenas entre as competncias lingusticas do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e das crianas normo-ouvintes? .................................... 27

    4.5. Questo 5 Qual o desempenho das crianas implantadas nas diferentes provas das estruturas lingusticas em relao s crianas normo-ouvintes? .......................... 28

    4.6. Questo 6 H evidncias de que a idade da implantao exera influncia no desempenho ao nvel das competncias lingusticas? ............................................... 35

    4.7. Discusso ...................................................................................................... 37

    5 Concluses .......................................................................................................... 42

    5.1. Resumo do trabalho realizado ....................................................................... 42

    5.2. Principais resultados ..................................................................................... 42

    5.3. Trabalhos futuros .......................................................................................... 43

    6 Referncias bibliogrficas .................................................................................... 44

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    1 Introduo Os primeiros anos de vida representam uma importncia extrema no desenvolvimento lingustico da criana. A privao de experincias auditivas durante este perodo crtico pode influenciar directamente o desenvolvimento psico-motor, cognitivo e lingustico de uma criana (Kim et al., 2010). A surdez neurossensorial severa a profunda a que apresenta maior impacto na aquisio e desenvolvimento da linguagem oral, podendo comprometer, consequentemente, o desempenho lingustico e escolar das crianas portadoras deste tipo e grau(s) de surdez (Fortunato, Bevilacqua e Costa, 2009). O implante coclear (IC) definido como sendo um elemento facilitador do desenvolvimento da linguagem em crianas com surdez neurossensorial severa a profunda congnita, nas quais o benefcio da correco auditiva com prteses auditivas convencionais limitado. Vrias pesquisas tm sustentado cientificamente os efeitos deste mtodo de reabilitao na diminuio do impacto da surdez, no desempenho auditivo (melhor percepo dos sons e dos parmetros segmentais da fala) e, consequentemente, no desenvolvimento da linguagem oral em crianas que foram implantadas numa idade precoce (Anderson et al., 2004;Fortunato, Bevilacqua e Costa, 2009;Moret, Bevilacqua e Costa, 2007;Wolfgang et al., 2000). As crianas utilizadoras de IC podem adquirir vocabulrio e estruturas sintcticas necessrias para comunicar atravs da linguagem oral como uma criana normo-ouvinte (Ouellet, Le Normand e Cohen, 2001). De acordo com alguns investigadores, esperado que as crianas implantadas numa idade precoce possam atingir um desenvolvimento similar ao expectvel para a sua idade cronolgica (Fortunato, Bevilacqua e Costa, 2009). Um mtodo utilizado para investigar os benefcios na linguagem das crianas utilizadoras de IC consiste na utilizao de padres de comparao:

    a) confrontando o desempenho lingustico actual da criana utilizadora de IC com o seu desempenho lingustico obtido em fases anteriores;

    b) relacionando a linguagem da criana utilizadora de IC com a de outras crianas com surdez profunda no implantadas;

    c) comparando o desempenho lingustico de crianas utilizadoras de IC com o desempenho dos seus pares normo-ouvintes (Fortunato, Bevilacqua e Costa, 2009;Tsiakpini et al., 2003).

    O desenvolvimento da linguagem nas crianas utilizadoras de IC tem sido alvo de estudo pela literatura cientfica internacional. Na avaliao deste processo so utilizados vrios instrumentos de avaliao. Em Portugal, poucos so os estudos que se tm debruado sobre esta temtica, sendo escassa a informao sobre os resultados da avaliao das competncias lingusticas em crianas utilizadoras de IC em idade escolar. Apontam-se de seguida duas razes principais que justificam a escolha deste tema de investigao:

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    1- Trata-se de uma rea de estudo pouco explorada no mbito da investigao em Portugal, sendo imperativo o conhecimento das dificuldades, em termos de desempenho lingustico, das crianas com surdez congnita utilizadoras de IC, no sentido de contribuir para uma optimizao da interveno nas reas envolvidas.

    2- A (re)habilitao auditiva em crianas utilizadoras de IC tem sido objecto de trabalho e de interesse, enquanto terapeuta da fala, no servio de Otorrinolaringologia (ORL) do Centro Hospitalar Universitrio de Coimbra (CHUC) pelo que existe uma grande motivao de carcter pessoal e profissional na dedicao a esta rea de investigao.

    1.1. Objectivos

    1.1.1. Objectivo geral Numa perspectiva geral, pretende-se com a presente investigao avaliar algumas caractersticas da linguagem oral em crianas com surdez congnita utilizadoras de IC e em idade escolar. De forma a complementar o anteriormente referido, prope-se analisar e comparar as competncias lingusticas ao nvel da semntica, morfossintaxe e fonologia das crianas utilizadoras de IC com as crianas normo-ouvintes.

    1.1.2. Objectivos especficos

    Analisar a influncia do gnero das crianas utilizadoras de IC nas competncias lingusticas;

    Verificar em que estruturas lingusticas as crianas utilizadoras de IC revelam maiores dificuldades;

    Comparar os resultados obtidos na avaliao das caractersticas estruturais da linguagem oral das crianas de 8 anos e 01 ms aos 9 anos [8;01-9;00] com os valores normativos de crianas normo-ouvintes, tendo como base a mesma idade auditiva;

    Comparar os resultados obtidos na avaliao das estruturas da linguagem oral das crianas de 9 anos e 01 ms aos 10 anos [9;01-10;00] com os valores normativos de crianas normo-ouvintes, tendo como base a mesma idade auditiva;

    Analisar a influncia da idade de implantao cirrgica no desenvolvimento da linguagem entre crianas implantadas com idade igual ou inferior a 2 anos e meio e aps essa idade.

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    1.2. Estruturao da Dissertao A presente dissertao encontra-se organizada em 5 Captulos:

    O Captulo 1 ser composto pela introduo, na qual se ir referir a pertinncia do estudo, com base numa breve reviso terica e descrio das principais motivaes e objectivos do trabalho.

    O Captulo 2 iniciar-se- com um enquadramento terico, no qual se procurar abordar a temtica dos implantes cocleares. Adicionalmente, ir-se- evocar alguns apontamentos tericos acerca da aquisio e desenvolvimento da linguagem na criana normo-ouvinte e com IC e abordar alguns instrumentos de avaliao e protocolos (nacionais e internacionais) existentes para avaliao de crianas utilizadoras de IC. No final do captulo, ser efectuada referncia a estudos sobre a influncia da idade de implantao no desempenho lingustico das crianas implantadas.

    No Captulo 3 ser clarificada a metodologia que sustentou o presente estudo, recorrendo, para o efeito, descrio das suas etapas: seleco da amostra e do instrumento de avaliao; obteno das autorizaes; realizao das avaliaes e organizao dos dados; caracterizao da amostra e anlise estatstica.

    No Captulo 4 ser dado enfoque apresentao, anlise e discusso dos resultados, reflectindo sobre as questes basilares do presente trabalho. Neste captulo, ser ainda efectuada a comparao dos resultados obtidos com os de outros estudos considerados relevantes.

    No Captulo 5 sero enumeradas as concluses, tais como: resumo do estudo, principais resultados e propostas de trabalhos futuros, com o intuito de facultar orientaes precisas sobre possveis estudos a serem realizados, no seguimento do presente trabalho.

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    2 Implantes cocleares e desenvolvimento da linguagem

    2.1. Implantes cocleares Desde que, em 1978, o Professor australiano Graeme Clark e seus colegas fizeram o primeiro IC, descobriu-se que era possvel as pessoas que no ouviam virem a adquirir esta competncia (Hochmair-Desoyer et al., 1980;House e Berliner, 1982) e terem uma melhor qualidade de vida, integrao social, maior desenvolvimento cultural e lingustico (Harris et al., 2012;Spencer, Tomblin e Gantz, 2012) . Em Maro de 1992, realizou-se o primeiro IC para crianas, em Portugal. O Centro Hospitalar de Coimbra, Hospital dos Coves, foi o local onde tal feito marcou a histria da Medicina Portuguesa. At ao momento, j foram realizadas 398 cirurgias em crianas (392 implantes cocleares unilaterais e 6 implantes cocleares bilaterais), neste Centro Hospitalar. O IC descrito na literatura como sendo uma prtese computadorizada inserida cirurgicamente na cclea e que tem como funo a substituio parcial das funes do rgo espiral fornecendo impulsos elctricos que estimulam directamente as fibras neurais remanescentes da cclea (Ferreira, Befi-Lopes e Limongi, 2004). Este dispositivo electrnico constitudo por duas partes, uma parte interna e uma externa. A parte interna introduzida por um processo cirrgico no interior da cclea, sendo constituda por um feixe de elctrodos que enviam sinais eletroacsticos que estimulam directamente o nervo auditivo. A parte externa constituda por um microfone, que capta o som e o transmite a um processador da fala que descodifica e interpreta os estmulos auditivos recebidos, e um transmissor externo (bobina indutora) que os faz chegar parte interna do implante atravs de um man (Martn, 2005). Seguidamente so apresentadas imagens da parte interna e da parte externa do IC utilizado pelas crianas do estudo.

    Figura 2 Parte interna do IC

    Fonte: http://www.cochlear.com/sea/implant

    Figura 1- Parte externa do IC

    Fonte: http://www.cochlear.com/sea/processors

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    O IC considerado como a primeira escolha no tratamento da surdez sensorioneural severa a profunda bilateral, dadas as melhorias significativas na populao peditrica e o grande impacto na produo de fala e na percepo auditiva que este mtodo proporciona (Ertmer e Goffman, 2011;Lazaridis, Therres e Marsh, 2010). Este mtodo foi apresentado como um avano importante na habilitao de crianas com surdez pr-lingual, quando realizado nos primeiros anos de vida (Moret, Bevilacqua e Costa, 2007). A idade de implantao cirrgica apresenta, segundo vrios autores, repercusses benficas para a criana, quando reporta para os primeiros anos de vida (Harris et al., 2012). Cheng et al. (2012) e Clark, Wang e Riley (2012) verificaram nos seus estudos que crianas implantadas antes dos 18 meses de idade obtiveram ganhos mais significativos na aquisio do processo da linguagem oral. Segundo Tsiakpini et al. (2003), possvel comparar desempenhos de crianas normo-ouvintes e de crianas utilizadoras de IC pela idade auditiva, assumindo que o desenvolvimento auditivo das crianas implantadas semelhante, embora com atraso, em relao s crianas com audio normal. A idade auditiva definida como o perodo de tempo decorrido desde que feita a activao do processador da fala do IC, isto , desde que a criana implantada comeou a ter sensaes auditivas. Como exemplo, uma criana com surdez severa a profunda detectada aos 5 meses, realiza a cirurgia de implantao coclear aos 6 meses com activao do processador de fala aos 7 meses (a activao do processador da fala feita aproximadamente 4-6 semanas ps-cirurgia), aos 18 meses, considera-se que esta criana tem 11 meses de idade auditiva e o seu desenvolvimento auditivo e lingustico ser comparado com crianas normo-ouvintes com 11 meses. Nesta ptica, as investigaes com crianas implantadas mostram que a idade auditiva pode ser utilizada como idade comparativa para crianas utilizadoras de IC, para um conhecimento real do desenvolvimento das habilidades auditivas da criana.

    2.2. Linguagem nas crianas normo-ouvintes A linguagem constitui, na sua essncia, um sistema complexo de smbolos e regras de organizao e uso desses smbolos que permite aos seres humanos comunicarem entre si, organizarem o pensamento e armazenarem a informao (Sim-Sim, 1998). Este sistema apresenta trs componentes principais: a forma, o contedo e o uso. As regras referentes forma dizem respeito aos sons e respectivas combinaes (fonologia), formao e estrutura interna das palavras (morfologia) e organizao das palavras em frases (sintaxe). No que concerne s regras referentes ao contedo (semntica), estas servem o significado das palavras e a interpretao das mesmas. Finalmente, as regras de uso (pragmtica) visam a adequao ao contexto de comunicao (Sim-Sim, 1998). A linguagem assume um papel crucial na organizao perceptual, na recepo e estruturao das informaes, na aprendizagem e nas interaces sociais dos indivduos.

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    Em todo este processo, a audio constitui-se como um pr-requisito para a aquisio e o desenvolvimento da linguagem (Gatto e Tochetto, 2007). A percepo auditiva dos sons da fala um processo que envolve a deteco de sinais acsticos e o reconhecimento de determinadas caractersticas inerentes ao som, caracterizando-se como o primeiro passo na compreenso da linguagem oral. Todo este processo realizado atravs da audio normal, no qual as vibraes ou ondas sonoras so traduzidas em sequncias de sons, que chegam ao ouvinte como unidades de significado (Sim-Sim, 1998). Qualquer alterao na audio interfere negativamente com a compreenso verbal e, consequentemente, com a linguagem expressiva, afectando a comunicao verbal como um todo (Fortunato, Bevilacqua e Costa, 2009). No desenvolvimento da linguagem, o primeiro ano de vida de uma criana considerado um perodo de extrema importncia. Durante esse perodo, a criana comea a comunicar com os que a rodeiam por meio de vocalizaes e a diferenciar os sons da fala, passando inicialmente por uma fase de palreio, seguida de um perodo de lalao, da fase da holofrase, do discurso telegrfico, das estruturas simples, at desenvolver as estruturas complexas (Sim-Sim, 1998). De acordo com as suas caractersticas, a American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) distingue linguagem receptiva de linguagem expressiva. A primeiro diz respeito compreenso verbal enquanto a segunda est relacionada com a expresso oral e fala. A ASHA caracteriza o desenvolvimento da linguagem da criana em cinco etapas: nascimento-1ano; 1-2 anos; 2-3 anos; 3-4 anos; 4-5 anos (Andrade, 2008). Na tabela 1 apresentam-se algumas das caractersticas do desenvolvimento da linguagem receptiva nas crianas normo-ouvintes, onde se destacam algumas particularidades observadas em funo das diferentes idades, desde o nascimento at aos 5 anos de idade. Tabela 1 - Etapas do desenvolvimento da linguagem na criana: linguagem receptiva Fonte (Andrade, 2008)

    Linguagem receptiva

    Nascimento-1ano

    0-3 meses Reage aos sons

    Localiza a fonte sonora Acalma-se ou sorri quando ouve uma voz

    familiar Reconhece a voz dos pais

    4-6 meses Reage ao nome Reconhece os familiares Identifica brinquedos e objectos comuns Identifica o no Reage a diferentes entoaes Gosta de ouvir diferentes sons (brinquedos)

    7-12 meses Identifica familiares, comidas e animais

    Compreende ordens simples (ex. d; diz adeus) Compreende verbos de aces (ex: brincar,

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    comer, dormir, tomar banho) Identifica imagens e algumas partes do corpo

    1-2 anos Conhece a funo de objectos mais comuns Compreende perguntas simples (Tens fome?) Compreende ordens mais complexas (Chama o pap para comer!) Gosta de ouvir histrias, canes e rimas (ex: to balalo, cabea de

    co)

    2-3 anos Compreende ordens mais complexas (ex: Pega na bola e pe-na na caixa!)

    Identifica conceitos opostos (ex: frio/quente, dentro/fora, grande/pequeno)

    Identifica imagens de aces 3-4 anos Compreende perguntas com: onde?, quem?, o qu?

    Responde a perguntas sobre histrias simples

    4-5 anos Compreende ordens mais complexas (ex: Pega no lpis vermelho e pe dentro da caixa!)

    Gosta de ouvir histrias e responde a perguntas Compreende o discurso coloquial da famlia e do meio envolvente Adquiriu a noo de antnimo (ex: o contrrio de grande )

    Na tabela 2 figuram algumas das caractersticas do desenvolvimento da linguagem expressiva nas crianas normo-ouvintes, onde se destacam algumas particularidades observadas em funo das diferentes idades, desde o nascimento at aos 5 anos de idade. Tabela 2 - Etapas do desenvolvimento da linguagem na criana: linguagem expressiva Fonte (Andrade, 2008)

    Linguagem expressiva

    Nascimento-1ano

    0-3 meses Produz sons guturais e voclicos manifestando satisfao, palreio (accacc)

    Sorri ao ver o adulto Manifesta choro diferenciado para expressar

    necessidades Toma a sua vez, vocalizando em resposta ao

    estmulo do adulto 4-6 meses Emite sons consonnticos bilabiais e voclicos,

    sozinho ou em interaco (papapa, mamama, bobobo)- lalao

    Imita os sons que ouve Expressa alegria, tristeza ou impacincia nas

    suas produes 7-12 meses Vocaliza para chamar a ateno

    Repete sons, slabas e palavras Comea a surgir a ecollia

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    Surgem as primeiras palavras (mam, pap, papa, no, bo/ bola)

    1-2 anos Aumenta o seu vocabulrio activo (50 a 200 palavras) Utiliza a holofrase, mas podem surgir combinaes de 2 palavras

    (mais papa) Faz perguntas simples (pap rua?) Utiliza mais sons consonnticos Usa palavras que so mais correctas Imita os sons dos animais Acentua-se a ecollia

    2-3 anos Nomeia tudo o que pretende (exploso do vocabulrio activo) Usa frases com duas e trs palavras de contedo frases telegrficas Exibe uma expresso verbal oral compreensvel para os familiares

    Faz perguntas simples Podem surgir hesitaes nas palavras ou repeties de slabas

    3-4 anos Expresso verbal oral compreensvel fora do crculo familiar conta acontecimentos, usa frases mais complexas e correctas

    Sabe dizer o nome, a idade e a morada Usa os plurais, os pronomes (eu, tu, ele) e os verbos no passado Pode apresentar dificuldades na articulao de alguns fonemas

    4-5 anos Utiliza frases com 6 a 8 palavras, com detalhes e gramaticalmente correctas

    Conta histrias e acontecimentos, mantendo o tpico Pergunta o significado do vocabulrio desconhecido

    Define palavras e conhece alguns antnimos Articula correctamente os fonemas em geral (podendo surgir

    dificuldades nos fonemas [z], [v], [j], e [r] em grupo consonntico)

    De seguida ser realizada uma abordagem resumida das competncias lingusticas das crianas, nas estruturas da semntica, morfossintaxe e fonologia, dos 5 aos 7 anos de idade, uma vez que, no presente estudo, a comparao das crianas implantadas com crianas normo-ouvintes feita dentro desta faixa etria.

    Na estrutura da semntica, entre os 5 e os 6 anos, estima-se que a criana produza cerca de 2000 palavras. Nestas idades, as crianas conhecem os conceitos opostos e verifica-se um aumento na produo de advrbios (Rigolet, 2006) e dos adjectivos para descrever algo (Lanza e Flahive, 2008). O domnio destas noes pode ser observado de forma mais visvel na idade escolar, demonstrando uma reflexo sobre a palavra, o seu significado e as classes gramaticais a que pertence (McLaughlin, 1998) citado por Kay et al. (2003). Segundo Rebelo e Vital (2006) as crianas, entre os 5 e os 6 anos, adquirem as noes temporais. Scott (2004) refere que relativamente ao conhecimento de categorias semnticas, as crianas nomeiam categorias ou evocam elementos de uma determinada categoria a partir dos trs anos, porm h categorias cuja aquisio mais tardia (aos seis anos de idade), nomeadamente: moblia e vegetais.

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    No que concerne estrutura da morfossintaxe, segundo Sim-Sim (1998), o perodo que se alarga at aos sete anos de idade bastante rico na exploso e consolidao de conhecimento morfolgico. Em termos morfolgicos, constata-se um aumento significativo dos artigos indefinidos e preposies (Rigolet, 2006) e verifica-se a flexo de adjectivos no grau comparativo e superlativo, por volta dos seis anos de idade (Scott, 2004). Tambm se constata nesta faixa etria, o julgamento e correco da agramaticalidade (Sim-Sim, 1998), bem como um ligeiro aumento na extenso mdia dos enunciados, o que remete para uma complexificao da construo frsica (Rigolet, 2006). Entre os 4 e 5 anos de idade comeam a surgir combinaes de frases com recurso a conectores temporais e causais, no entanto, s por volta dos nove anos a compreenso de causalidade est totalmente solidificada (Sim-Sim, 1998). Por volta dos cinco anos de idade inicia-se a compreenso de frases na voz passiva, porm o seu domnio posterior a esta idade cronolgica (Sim-Sim, 1998). Na entrada para o 1. ano de escolaridade, as estruturas sintcticas bsicas e as regras essenciais de concordncia esto adquiridas, contudo, h diferenas no conhecimento lexical, compreenso e uso de estruturas sintcticas complexas resultantes das interaces lingusticas que a criana vivenciou (Sim-Sim, Silva e Nunes, 2008) Relativamente estrutura da fonologia, o processo de discriminao auditiva atingido rapidamente (por volta dos 36 meses de idade). Aps essa idade, entre os 4 e os 5 anos, surgem indicadores da capacidade de manipulao dos sons da lngua (indicadores de conscincia fonolgica, como jogos de rimas, palavras conscientemente inventadas e as actividades de reconstruo e segmentao silbica) (Sim-Sim, 1998). Tendo j adquirido na idade pr-escolar o seu sistema fonolgico, a criana ao entrar para a escola, dever ter uma boa capacidade de discriminao auditiva e domnio de alguns aspectos metalingusticos (Kay et al., 2003). A partir dos 6 anos de idade, as crianas tm um reconhecimento da estrutura segmental da lngua e as regras de combinao que a regem (identificao de palavras, slabas e fonemas) (Sim-Sim, 1998).

    2.3. Linguagem em crianas com IC Desde o nascimento que as crianas esto preparadas para adquirir e apropriar-se da fala e da linguagem, no meio em que esto inseridas. As interaces que se estabelecem numa fase precoce do desenvolvimento com o meio envolvente permitem processar os sons e maximizar a aquisio da linguagem e da produo de fala. A audio permite tornar concretizveis as interaces referidas, representando um alicerce para a compreenso da linguagem oral (Ouellet e Cohen, 1999), uma vez que permite formar conceitos e relacion-los entre si para que, posteriormente, possam ser transmitidos atravs da fala (Stuchi et al., 2007). A privao auditiva durante os chamados perodos crticos (perodos em que se desenvolvem as capacidades neurolgicas que permitem aprender a linguagem)

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    pode comprometer directamente o desenvolvimento psico-motor, cognitivo e lingustico de uma criana (Kim et al., 2010) e, consequentemente, afectar a comunicao verbal como um todo (Scaranello, 2005). Vrios estudos tm demonstrado que a implantao coclear em crianas com surdez pr-lingual promove um acesso mais efectivo linguagem oral, o que se traduz num desenvolvimento das capacidades auditivas e lingusticas e na compreenso de fala (Al-Muhaimeed, 2010;Houston et al., 2003;Kveton e Balkany, 1991). De acordo com Fortunato, Bevilacqua e Costa (2009), esperado que as crianas implantadas numa idade precoce, com o aumento do tempo de uso do IC, possam igualar o nvel de desenvolvimento da linguagem de uma criana normo-ouvinte da mesma idade cronolgica. A literatura destaca que as crianas implantadas aprendem a um ritmo igual ou superior aos seus pares normo-ouvintes, contudo pode verificar-se um atraso na aquisio das competncias lingusticas. Mediante o exposto, os estudos longitudinais assumem extrema importncia na investigao do desenvolvimento da linguagem das crianas implantadas. Na literatura internacional, vrios estudos apresentam a comparao entre a linguagem das crianas implantadas e a dos seus pares normo-ouvintes. De seguida, apresentada uma tabela onde se pretende sumariar os principais resultados e concluses de estudos referentes linguagem em crianas com IC e comparao com os seus pares normo-ouvintes, disponveis na literatura. Tabela 3 - Principais resultados e concluses de estudos inerentes linguagem em crianas com IC.

    Autores e ano

    de publicao

    Principais resultados e concluses

    Geers (2009) citado por Geers e Sedey (2010)

    29 a 47% das crianas estudadas alcanaram os seus pares normo-ouvintes na sintaxe e morfologia, o que indiciou que algumas reas lingusticas so mais complexas para as crianas com IC do que outras.

    (Geers et al., 2008)

    Percepo de fala e pontuaes mdias de linguagem significativamente melhores com o uso a longo prazo do IC. Resultados de leitura no chegaram a acompanhar o ritmo do desenvolvimento considerado normal (estudo com 85 adolescentes que receberam o IC durante os anos pr-escolares, avaliados na escola primria (com idades entre oito e os nove anos) e reavaliados no ensino mdio (idades 15-18 anos)).

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    Dettman et al (2007) citado por Houston e Miyamoto (2010)

    Desempenho mais favorvel na linguagem receptiva e expressiva nas crianas implantadas antes dos 12 meses, comparativamente a crianas implantadas entre os 12 e os 24 meses. Esta evidncia sugere a existncia de perodos crticos para o desenvolvimento da linguagem.

    (Nikolopoulos et al., 2004)

    A aquisio da morfossintaxe apresenta um atraso temporal relativamente aos pares normo-ouvintes, todavia h uma tendncia para o seu desenvolvimento aps a implantao coclear. Avanos mais significativos foram revelados pelas crianas que receberam o IC em idades mais precoces (estudo realizado a 82 crianas).

    (Szagun, 2004)

    A evoluo da estrutura da morfossintaxe nas crianas com IC ocorre mais lentamente que no grupo dos normo-ouvintes (estudo longitudinal com 22 crianas com IC e grupo de control de 22 crianas com audio normal).

    (Geers, 2004) Coeficientes de correlao entre idade de implantao e tempo de uso do IC no alcanaram significncia para nenhum dos resultados medidos (fala, linguagem e habilidades de leitura). No entanto, a maioria das crianas submetidas cirurgia de implantao aos 2 anos (43%) atingiram um discurso e competncias lingusticas similares aos seus pares normo-ouvintes da mesma faixa etria, o que no se constatou em crianas submetidas implantao aos 4 anos (estudo longitudinal com 181 crianas).

    (Geers, Nicholas e Sedey, 2003)

    Crianas utilizadoras de IC apresentam competncias lingusticas semelhantes aos seus pares normo-ouvintes com idades compreendidas entre os 8 e 9 anos, nas medidas de raciocnio verbal, capacidade narrativa, comprimento de palavra e diversidade lexical. Um foco educacional dirigido para a aprendizagem da oralidade proporciona uma vantagem significativa para a aquisio das capacidades lingusticas (estudo com 181 crianas dos 8 aos 9 anos de idade, que receberam IC at aos 5 anos).

    (Brackett e Zara, 1998)

    Rpido desenvolvimento na produo de fala e na aquisio da linguagem (vocabulrio e sintaxe) nas crianas implantadas entre os 2 e os 5 anos de idade (estudo longitudinal com 33 crianas).

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    Vrios factores determinam os benefcios da implantao coclear e permitem explicar a variabilidade do desempenho lingustico entre os sujeitos. Na literatura, a implantao cirrgica antes dos 24 meses e uma interveno educacional precoce reportam para factores que influenciam o desenvolvimento da linguagem (Moog e Geers, 2010). A estes factores possvel associar a durao do tempo da surdez, com resultados melhores associados a um curto perodo de privao auditiva; o nmero de elctrodos activados, o desempenho menos favorvel est associado a menos de 10 elctrodos activos; a integridade do nervo auditivo e a capacidade de resposta do sistema nervoso central (Houston e Miyamoto, 2010;Ouellet e Cohen, 1999).

    2.4. Influncia da idade de implantao no desempenho lingustico das crianas com implante coclear

    A idade de implantao cirrgica tem demonstrado alguma relevncia nos resultados obtidos pelas crianas com IC (Moret, Bevilacqua e Costa, 2007). Vrios estudos referidos na literatura internacional apontam a idade como um dos determinantes com maior ponderao no benefcio da implantao coclear em crianas com surdez pr-lingual (Clark, Wang e Riley, 2012;Fryauf-Bertschy et al., 1997;Kanda, Kumagami e Hara, 2012;May-Mederake, 2012;Rachael Frush Holt, 2004;Vlastarakos et al., 2010).

    Outros trabalhos na literatura internacional dedicam-se ao estudo da preponderncia da idade na implantao coclear peditrica. Baumgartner e colegas documentaram os progressos, benefcios e a importncia da idade de implantao cirrgica em 33 crianas com surdez pr-lingual em intervalos regulares de 36 meses aps a implantao. Este estudo permitiu constatar que as crianas implantadas antes dos 3 anos de idade obtiveram melhores resultados na percepo da fala, o que indicia o benefcio que advm de uma interveno precoce (Baumgartner et al., 2002). Geers et al. (2009) verificaram que as crianas implantadas entre 1 e 2 anos apresentam melhor desempenho lingustico, em relao s crianas implantadas com 3 e 4 anos comparativamente aos seus pares normo-ouvintes. Um dos aspectos intimamente relacionado com o desenvolvimento da linguagem oral a capacidade auditiva do indivduo. Govaerts, Schauwers e Gillis (2002) realizaram estudos longitudinais nos quais correlacionaram a idade de implantao coclear com a performance auditiva. Crianas implantadas depois dos 4 anos de idade alcanaram uma performance auditiva mdia com apenas 33% das crianas a serem capazes de ingressar no sistema educativo normal. Quando a implantao foi realizada entre os 2 e os 4 anos de idade, as crianas atingiram uma boa performance auditiva e quando realizada dos 12 aos 18 meses, as crianas atingiram uma performance auditiva elevada.

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    Connor et al. (2006) investigaram as curvas de evoluo das competncias lingusticas de 100 crianas que receberam o IC quando tinham entre 1 e 10 anos de idade, e que usavam a comunicao oral. Os resultados deste estudo sugerem um benefcio considervel no discurso e no vocabulrio quando as crianas recebem o seu implante antes dos 2 anos e meio de idade, exibindo resultados significativamente mais elevados em comparao com seus pares que receberam implante em idades posteriores. Ali e Oconnell (2007) analisaram um conjunto de estudos referentes influncia da idade de implantao no ganho precoce de competncias lingusticas, com o objectivo de determinar se a implantao coclear precoce seria vantajosa em relao a uma implantao mais tardia. Este resumo tcnico identificou 16 trabalhos que investigaram a eficcia do IC em crianas pequenas e bebs, em comparao com um grupo de idade mais avanada. Esses dados resultaram de levantamentos de seces transversais e estudos de coorte. As evidncias demonstraram que o IC antes dos 18 meses de idade promove resultados mais eficazes do que no grupo de idade de implantao mais avanada. Estudos de Kirk et al. (2002), Baumgartner et al. (2002) citado por Moret, Bevilacqua e Costa (2007), referem que as crianas implantadas antes dos trs anos de idade alcanaram resultados mais rpidos, comparativamente s crianas implantadas mais tardiamente. Outros estudos revelam que as crianas implantadas numa idade precoce, para alm de apresentarem uma melhor percepo auditiva dos sons da fala e acomodao da linguagem oral, apresentam uma melhor inteligibilidade da fala (Moret, Bevilacqua e Costa, 2007).

    Connor e colegas (2000) investigaram o impacto do modo de comunicao no desenvolvimento da linguagem e da produo de fala em utilizadores de IC, bem como a influncia da idade de implantao. Os resultados evidenciaram que crianas implantadas antes dos 5 anos tiveram uma melhor performance comparativamente s crianas que receberam IC depois dos 5 anos de idade. Noutro estudo mais recente, Connor e colegas (2006) compararam a fala e o desenvolvimento do vocabulrio em crianas implantadas entre 1 ano e 2.5 anos e crianas implantadas entre os 2.6 aos 3.5 anos; dos 3.6 aos 7 anos, e dos 7.1 aos 10 anos. Os investigadores concluram que crianas implantadas numa idade precoce tiveram um desenvolvimento mais rpido do vocabulrio receptivo ao longo dos primeiros 3 anos ps- IC, comparativamente com as crianas dos outros trs grupos (James et al., 2008). Nicholas e Geers (2008) investigaram as competncias lingusticas de 76 crianas implantadas antes dos 38 meses expostas a uma educao oral. Estes investigadores encontraram uma relao linear entre a idade de implantao e as pontuaes dos testes de discriminao auditiva, vocabulrio receptivo e linguagem expressiva (Johnson e Goswami, 2010).

  • 14

    2.5. Avaliao da linguagem oral nas crianas com implante coclear Para aferir as capacidades lingusticas de uma criana e avaliar a sua evoluo, importante realizarem-se avaliaes da linguagem. Este processo permite medir as competncias lingusticas que a criana j possui e compar-las ao longo do tempo, com ela prpria ou outras crianas. Pelas suas caractersticas e especificidades, os instrumentos de avaliao da linguagem existentes permitem avaliar diferentes partes da estrutura que compe a linguagem oral. Alguns avaliam uma componente particular da linguagem (receptiva ou expressiva) ou ambas e outros avaliam a sua estrutura (semntica, morfolgica, sintctica ou fonolgica).

    2.5.1. Instrumentos de avaliao Silva e colegas, num estudo publicado em 2011, procederam a uma reviso sistemtica dos instrumentos para avaliao da linguagem oral em crianas com IC. Estes investigadores verificaram que a maior parte dos instrumentos esto concentrados na avaliao da linguagem receptiva e expressiva. Para alm disso, constataram que as competncias lingusticas tais como, a morfologia, a sintaxe, a semntica e a pragmtica no esto a ser evidenciadas (Silva et al., 2011). Na tabela 4, apresentam-se os 5 instrumentos de avaliao que so referidos nesta reviso como sendo os mais utilizados internacionalmente. Em Portugal, os mais utilizados so o MCDI e a MUSS. Tabela 4 - Instrumentos mais utilizados na avaliao da linguagem oral das crianas com IC.

    PPVT

    Peabody Picture Vocabulary Test Teste que permite avaliar a linguagem receptiva.

    RDLS

    Reynell Developmental Language Scales Teste de avaliao da linguagem receptiva e expressiva.

    MCDI

    MacArthur Communicative Development Inventories

    Avalia o desenvolvimento lexical da criana.

    MUSS

    Meaningful Use of Speech Scale Questionrio que avalia o uso da linguagem oral em crianas com deficit auditivo.

    CELF

    Clinical Evaluation of Language Fundamentals

    Avalia a linguagem receptiva e expressiva.

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    Vlastarakos et al. (2010) investigaram os testes de avaliao utilizados em estudos que comparam os resultados entre crianas implantadas com menos de 1 ano e crianas implantadas entre 1 ano e 2 anos de idade e em estudos no comparativos que apresentam os resultados das crianas implantadas com menos de 1 ano. Os testes so os que se seguem:

    Mr. Potato Head task: Teste de tarefas open-set, que permite avaliar o reconhecimento de palavras-chave e frases;

    Rossetti Infant-Toddler Language Scales (RI-TLS): Escalas que permitem a avaliao das capacidades lingusticas desde o nascimento at aos 3 anos;

    Visual Habituation (VH): Avalia a capacidade de discriminao dos sons da fala; Meaningful Auditory Integration Scale (MAIS): Escala dirigida aos pais e

    concebida para avaliar as reaces espontneas da criana ao som no seu ambiente dirio;

    Meaningful Use of Speech Scale (MUSS): Escala dirigida aos pais e concebida para avaliar o uso da fala pela criana em situaes do dia-a-dia;

    Test of Auditory Perception of Speech for Children (TAPS): Avalia a percepo auditiva;

    Glendonald Auditory Screening Procedure (GASP): Avalia a capacidade de reconhecer perguntas familiares ou do quotidiano;

    Escalas de Desenvolvimento da Linguagem de Reynell: Escalas que avaliam o desenvolvimento da linguagem;

    McArthur Communicative Development inventories (MCDI): Inventrio facultado aos pais para verificar as capacidades lingusticas iniciais da criana;

    Preferential Looking Paradigm (PLP): Mede a capacidade de percepo da fala das crianas em associar estmulos sonoros a objectos;

    Maternal speech: Avalia as caractersticas da fala materna; Babbling onset: Avalia os mltiplos movimentos articulatrios; Babbling spurt: Avalia quando a frequncia do balbucio aumenta subitamente; Categories of Auditory Performance (CAP): Escala de 8 categorias de

    dificuldade crescente que se destina avaliao do desempenho auditivo; Auditory Speech Sound Evaluation: Avalia a deteco, a discriminao e a

    identificao auditiva; Infant-Toddler Meaningful Auditory Integration Scale (IT-MAIS):

    Instrumento que permite verificar as habilidades auditivas em crianas muito pequenas;

    Tait video-analysis: Instrumento que visa monitorizar o acompanhamento e desenvolvimento das capacidades comunicativas na criana com surdez.

    Common Phrases (CP): Avalia a compreenso de frases do quotidiano; Lexical Neighborhood Test (LNT): Avalia o reconhecimento de palavras em

    open-set.

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    Importa frisar que estes testes e escalas permitem avaliar diferentes aspectos da linguagem. Por vezes, necessrio conjugar alguns dos testes enumerados para aferir as diferentes componentes da linguagem nas crianas. Pelas suas caractersticas, em Portugal, os testes e escalas mais utilizados entre os supracitados so o MCDI, o CAP, a MAIS e a MUSS.

    2.5.2. Protocolos de avaliao A avaliao da linguagem oral em crianas deve adoptar uma perspectiva holstica e integrada, o que remete para a conjugao de testes especficos padronizados que se organizam nos denominados protocolos. Alguns investigadores procuram elaborar protocolos de acompanhamento como forma de auxiliar os profissionais na determinao das estratgias mais adequadas interveno (Moret, Bevilacqua e Costa, 2007) . Dos protocolos internacionais mais utilizados pelos mdicos otorrinolaringologistas, terapeutas da fala, audiologistas e psiclogos, para monitorizar a performance dos utilizadores de IC, destacam-se: o Nottingham Early Assessment Package (NEAP); o Evaluation of Auditory Responses to Speech (EARS) e o Protocolo da Clnica Universitria de Navarra. O NEAP, cujos testes esto apresentados na tabela 5, pode ser aplicado nos primeiros meses de vida e contribui com marcadores teis para a tomada de decises sobre a escolha da interveno mais apropriada. Este protocolo constitui-se como uma ferramenta de avaliao contnua e de monitorizao e recorre anlise de vdeo, observao de perfis, entrevistas e questionrios que permitem avaliar as seguintes reas: comunicao e desenvolvimento da linguagem, percepo auditiva e produo de fala (Nikolopoulos, Archbold e Gregory, 2005). Tabela 5 - Testes que integram o protocolo NEAP.

    Nottingham Early Assessment Package (NEAP)

    Comunicao e desenvolvimento da linguagem

    Teste/Escala Descrio

    Tait Video Analysis

    Avalia as capacidades de comunicao pr-verbal.

    Preschool Profile of early Communication Skills

    Avalia as capacidades pragmticas.

    Story/narrative Assessment Procedure Avalia o desenvolvimento narrativo. Profile of Actual Linguistic Skills Avalia o desenvolvimento da linguagem

    falada.

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    Preschool language Scale Avalia o desenvolvimento da linguagem.

    Percepo auditiva

    Listening Progress Profile (LIP) Avalia as habilidades de escuta.

    Categories of Auditory Performance (CAP)

    Avalia o desempenho auditivo em situaes do dia-a-dia.

    Meaningful Auditory Integration Scale (MAIS)

    Escala dirigida aos pais que avalia as reaces espontneas da criana ao som no seu ambiente dirio.

    Produo de fala

    Profile of Actual Speech Skills Anlise de vdeo da produo precoce da fala.

    Speech Intelligibility Rating (SIR) Escala que se destina avaliao da inteligibilidade do discurso.

    A EARS tem como objectivos principais: avaliar o desenvolvimento da percepo auditiva em crianas com surdez severa a profunda utilizadoras de IC, fornecer suporte na programao e na reabilitao da criana e fornecer um instrumento de avaliao a longo prazo para crianas utilizadoras de IC (Esser-Leyding e Anderson, 2012). Os testes de fala que integram este protocolo apresentam-se resumidamente na tabela seguinte (Gstoettner et al., 2000). Tabela 6 - Testes que integram o protocolo EARS.

    Evaluation of Auditory Responses to Speech (EARS) Testes de fala

    Teste Descrio

    Listening Progress Profile (LIP) Avalia as habilidades de escuta.

    Monosylable Trochee Polysyllable Test Avalia a capacidade de identificao de palavras monossilbicas, bissilbicas e polissilbicas.

    Closed- Set Monosyllabic Words Avalia a capacidade de identificar palavras monossilbicas com imagens.

    Sentence Level Test

    Avalia a capacidade de identificar palavras familiares em contexto de frases co-articuladas.

    Open-Set Monosyllabic Word Test Avalia a capacidade de repetio de palavras monossilbicas.

    Glendonald Auditory Screening Procedure (GASP)

    Avalia a capacidade de compreenso de perguntas simples.

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    Common Objects Token Test (COT) Avalia a capacidade de compreenso de frases.

    Escala de Integrao Auditiva (MAIS) de Robbins et al (1991)

    Escala dirigida aos pais e concebida para avaliar as reaces espontneas da criana ao som no seu ambiente dirio.

    Escala de Utilizao da Fala (MUSS) de Robbins et al (1990)

    Escala dirigida aos pais e concebida para avaliar o uso da fala pela criana em situaes do dia-a-dia.

    O Protocolo da Clnica Universitria de Navarra foi desenvolvido pela Universidade de Navarra e permite a avaliao do sujeito implantado, contemplando as peculiaridades prprias da lngua castelhana (Rodrguez e Irujo, 2002). Na tabela 7 esto descritos os testes que integram este protocolo. Tabela 7 - Testes que integram o protocolo da Clnica Universitria de Navarra.

    Protocolo da Clnica Universitria de Navarra

    Teste Descrio

    Teste de Identificao de vogais Constitudo por 50 palavras, consoante-vogal-consoante, que avalia a capacidade de identificao de vogais.

    Teste de Identificao de consoantes Utiliza 13 fonemas consonnticos mais frequentes na lngua castelhana para avaliar a capacidade de identificao de consoantes.

    Sries fechadas de palavras quotidianas Constitudo por 5 sries de palavras do quotidiano, compostas por 10 itens, cada uma delas, para avaliar a capacidade de identificao de palavras quotidianas.

    Teste de percepo precoce da palavra Constitudo por 3 grficos com 12 imagens cada, para avaliar a capacidade de percepo de palavras, identificao de disslabos e identificao de monosslabos.

    Teste de disslabos Teste de eleio aberta com palavras dissilbicas.

    Teste de eleio aberta de frases sem apoio

    Listas de frases para serem apresentadas sem apoio.

    Teste de leitura labial Repetio de frases com acesso leitura

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    labial.

    Categorias da Performance auditiva (CAP)

    Avalia o desempenho auditivo em situaes do dia-a-dia.

    Este protocolo, para alm dos testes acima descritos, integra tambm provas de audiometria tonal e limiar em campo livre. Os protocolos anteriormente descritos so os mais antigos e os mais usados internacionalmente. Tm tambm a particularidade de serem muito completos. A nvel nacional, utilizado pelo primeiro centro de implantao coclear, o Protocolo de Avaliao de Coimbra - Implantes Cocleares (PAC-IC). A sua elaborao resultou da necessidade de criar testes que se adequassem a crianas cuja lngua materna o portugus europeu. O Protocolo de Avaliao de Coimbra - Implantes cocleares (PAC-IC) constitudo por testes que permitem a avaliao da percepo auditiva, da linguagem, da fala e da voz (Martins et al., 2008). De seguida, apresentada uma tabela com os testes que permitem avaliar o desempenho das crianas com IC nas vrias reas. Tabela 8 - Testes que integram o protocolo PAC-IC.

    Protocolo de Avaliao de Coimbra - Implantes cocleares (PAC-IC)

    Percepo auditiva

    Teste/Escala Descrio

    Teste de Monosslabos Teste de eleio aberta composto por 3 listas de 20 monosslabos, apresentadas em funo da idade.

    Teste de Nmeros Teste de eleio aberta composto por 2 listas de nmeros, apresentadas em funo da idade.

    Teste de repetio de frases sem apoio Teste de eleio aberta composto por 3 listas de 20 frases que a criana deve repetir sem qualquer tipo de ajuda.

    Teste de repetio de frases ao telefone Teste de eleio aberta composto por 3 listas de 20 frases que a criana deve repetir ao telefone.

    Categorias da Performance Auditiva (CAP)

    Escala de 7 categorias que se destina avaliao do desempenho auditivo.

    Teste de vogais Teste de eleio fechada, com 30 estmulos (vogais /a/, /E/, /i/, /O/, /u/) que

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    devero ser repetidos. Teste de Percepo da Palavra Teste de eleio fechada com quatro

    verses, apresentadas em funo da idade. apresentado com apoio em objectos reais, imagens ou palavras escritas, utilizando palavras do quotidiano.

    Teste de 25 palavras Teste de eleio aberta que permite avaliar a capacidade de repetio de palavras.

    Teste de 100 palavras

    Teste de eleio aberta que avalia a percentagem de palavras correctamente repetidas.

    Teste de Consoantes

    Teste de eleio fechada em que se avalia a percepo dos sons consonnticos da Lngua Portuguesa.

    Teste de Discriminao de Pares Mnimos

    Avalia a capacidade de discriminao de palavras reais que diferem entre si apenas num trao distintivo (vozeamento, modo ou postura).

    Escala de Integrao Auditiva (MAIS) de Robbins et al (1991)

    Escala dirigida aos pais e concebida para avaliar as reaces espontneas da criana ao som no seu ambiente dirio.

    Linguagem e Comunicao

    Inventrio sobre o desenvolvimento da comunicao (MacArthur)

    Inventrio dirigido aos pais para verificar as capacidades lingusticas iniciais da criana.

    Teste de Avaliao da Linguagem na Criana (TALC) de Eileen Sua Kay e Maria Dulce Tavares (2006)

    Avalia as componentes de compreenso e expresso da linguagem nas reas da semntica, morfossintaxe e pragmtica. aplicado desde os 2 anos e meio aos 6 anos.

    Grelha de Observao da Linguagem -nvel escolar (GOL-E) de Eileen Sua Kay e Maria Emilia Santos (2003)

    Avalia as capacidades lingusticas ao nvel das estruturas, semntica, morfossintaxe e fonologia. aplicada a crianas desde os 5 anos e 07 meses aos 10 anos de idade.

    Teste de compreenso das estruturas complexas de Ins Sim-Sim (2001)

    Consiste em 32 estruturas complexas permitindo avaliar a capacidade da criana em dominar estruturas sintcticas complexas.

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    Fala e voz

    Escala de Utilizao da Fala (MUSS) de Robbins et al (1990)

    Escala dirigida aos pais e concebida para avaliar o uso da fala pela criana em situaes do dia-a-dia.

    Teste de Articulao Verbal, de Isabel Guimares e Margarida Grilo (2004)

    Avalia a percentagem de fonemas correctamente produzidos em 29 imagens (19 fonemas e 3 grupos consonnticos).

    Grelha de Avaliao das Caractersticas Vocais

    Avaliao subjectiva do avaliador, durante a conversao com o indivduo, dos parmetros de intensidade, altura tonal, ressonncia nasal, entoao e coordenao pneumofonoarticulatria.

    Rcio da Inteligibilidade do Discurso (SIR)

    Escala que se destina avaliao da inteligibilidade do discurso.

    Este protocolo contempla ainda provas de audiometria tonal e vocal e, mais recentemente, foram introduzidos testes de avaliao do processamento auditivo central. Devido multiplicidade de protocolos existentes a nvel mundial, a citao efectuada reporta-se essencialmente aos mais conhecidos em Portugal, na Europa e nos Estados Unidos da Amrica.

  • 22

    3 Mtodo

    3.1. Seleco da amostra Para o presente estudo, foram seleccionadas 30 crianas com surdez profunda neurossensorial bilateral congnita implantadas no Servio de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra. O mtodo de amostragem foi por convenincia, uma vez que se seleccionaram crianas seguidas no Hospital onde se realizou o estudo. Os critrios de incluso das crianas no presente estudo foram os seguintes:

    1) idade cronolgica entre os 8 anos e um ms e os 10 anos;

    2) diagnstico de surdez profunda bilateral congnita;

    3) implante coclear (IC) unilateral;

    4) ausncia de patologias neurolgicas ou do desenvolvimento associadas;

    5) frequncia no 1 ciclo de escolaridade;

    6) exposio a uma estimulao predominantemente oralista.

    3.2. Seleco do instrumento de avaliao Os dados utilizados foram recolhidos pelo instrumento de avaliao Grelha de Observao da Linguagem - nvel escolar (GOL-E). A escolha deste instrumento de avaliao pode ser justificada com base em trs factores:

    1) ser um instrumento de avaliao aferido para a populao portuguesa que permite avaliar a linguagem em crianas em idade escolar;

    2) permitir avaliar trs grandes estruturas lingusticas (semntica, morfossintaxe e fonologia);

    3) fazer parte do Protocolo de Avaliao de Crianas com IC de Coimbra.

    Esta grelha foi desenvolvida por Kay et al. (2003) e serve de instrumento de aferio da capacidade lingustica das crianas com idades entre os 5 anos e 07 meses e os 10 anos de idade. Cada estrutura do teste constituda por vrias provas diferentes entre si. A estrutura da semntica composta pelas provas:

    definio de palavras, nomeao de classes; opostos.

  • 23

    A pontuao total mxima nesta prova de 40 pontos. A estrutura da morfossintaxe avaliada pelas provas:

    reconhecimento de frase agramaticais; coordenao e subordinao de frases; ordem de palavras na frase; derivao de palavras.

    A pontuao mxima para esta prova de 50 pontos. A estrutura da fonologia constituda pelas provas:

    discriminao de palavras; discriminao de pseudo-palavras; identificao de palavras que rimam; segmentao silbica.

    O total mximo para esta estrutura de 40 pontos. Os valores de referncia utilizados, que serviram de base de comparao neste estudo, foram os valores padro definidos por Kay et al. (2003) uma vez que se trata de um padro definido para a populao portuguesa.

    3.3. Obteno de autorizaes Uma vez que a amostra constituda por crianas que so seguidas no Servio de Otorrinolaringologia do Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra (Hospital dos Coves), procedeu-se a um pedido de autorizao de utilizao dos dados ao Director de Servio e comisso de avaliao de propostas para trabalhos acadmicos do Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra.

    3.4. Realizao das avaliaes e organizao dos dados Para o presente estudo, foram utilizados dados j existentes e outros que foram recolhidos nas avaliaes peridicas das crianas na consulta de IC. Estes dados so referentes a avaliaes da linguagem realizadas entre Outubro de 2009 e Junho de 2012 pela equipa de terapia da fala do servio de ORL do CHUC Hospital dos Coves. Os dados foram organizados pela autora do presente estudo no ms de Julho de 2012.

  • 24

    3.5. Caracterizao da amostra A amostra do estudo inclui 30 crianas, 12 das quais do gnero feminino e 18 do gnero masculino, com idades compreendidas entre os 8 anos e um ms e os 10 anos. As crianas foram divididas em dois grupos de acordo com a sua idade cronolgica, grupo da faixa etria dos 8 anos e 01 ms aos 9 anos [8;01-9;00], constitudo por 4 crianas do gnero feminino e 8 crianas do gnero masculino, com a idade mdia de 8 anos e 05 meses; grupo da faixa etria dos 9 anos e 01 ms aos 10 anos [9;01-10;00], composto por 8 crianas do gnero feminino e 10 crianas do gnero masculino, com a idade mdia de 9 anos e 06 meses. A idade cronolgica mdia no momento da implantao cirrgica dos dois grupos foi de aproximadamente 3 anos. Neste estudo utilizou-se como referncia a idade auditiva das crianas utilizadoras de IC, para proceder anlise e comparao com as crianas normo-ouvintes. Assim, o grupo das crianas utilizadoras de IC dos [8;01-9;00] de idade foi comparado com os normo-ouvintes da faixa etria dos [5;07-6;00]. Neste grupo a mdia da idade auditiva foi de 5 anos e 09 meses, com idade mnima de 5 anos e 07 meses e a mxima de 6 anos. O grupo das crianas utilizadoras de IC da faixa etria dos [9;01-10;00] foi comparado com as crianas normo-ouvintes da faixa etria dos [6;01M-7;00]. A mdia da idade auditiva neste grupo foi de 6 anos e 05 meses, sendo a idade mnima de 6 anos e 01 ms e a mxima de 6 anos e 10 meses. Os valores de referncia so os utilizados por Kay et al. (2003) na GOL-E.

    3.6. Anlise estatstica Para a anlise estatstica da amostra foram usados os seguintes testes do programa SPSS 20: One Sample t test para comparao com os valores de referncia das crianas normo-ouvintes, o Teste Qui-quadrado (2) para verificar a uniformidade na distribuio do gnero entre os grupos das crianas implantadas e o Student t-test para comparao entre grupos da amostra. O nvel de significncia mnimo () foi de 0.05.

  • 25

    4 Resultados O instrumento de avaliao utilizado no estudo, GOL-E, foi aplicado na totalidade s 30 crianas, o que tornou possvel avaliar e analisar todas as variveis nele contidas e em todos os elementos da amostra. Os resultados obtidos foram analisados tendo em conta o desempenho das crianas nas vrias provas que compem a GOL-E e so apresentados em

    mdias ( X ) e respectivos desvios-padro (DP). Para uma melhor anlise dos resultados foram formuladas questes, que so apresentadas de seguida.

    4.1. Questo 1 H evidncias da influncia do gnero entre as crianas com IC nos ganhos das competncias lingusticas?

    A amostra das crianas foi constituda por 12 crianas do gnero feminino e 18 do gnero masculino. A idade mdia auditiva foi de 72 meses para o gnero feminino e de 72.7 meses para o gnero masculino. A diferena entre ambas no foi estatisticamente significativa, p=0.873.

    Nas trs estruturas estudadas, comparando os gneros, no se verificaram diferenas significativas. Na anlise das diferentes componentes de cada uma das estruturas, as diferenas encontradas tambm no foram significativas. Os resultados esto organizados na tabela 9. Tabela 9 Valores obtidos na estrutura semntica, morfossintaxe e fonologia, nas crianas utilizadoras de IC, distribudas de acordo com o gnero, avaliadas com a GOL-E.

    Crianas com IC

    GOL-E

    Gnero Feminino

    X D P

    Gnero Masculino

    X D P

    p-

    value

    Semntica 14.427.9 16.8910.7 0.50

    Morfossintaxe 13.7511.7 21.1112.8 0.12

    Fonologia 25.3311.7 26.8310.6 0.71

  • 26

    4.2. Questo 2 Em que competncias lingusticas as crianas implantadas apresentam maiores dificuldades?

    Os resultados gerais so apresentados de acordo com as trs competncias lingusticas estudadas. Primeiramente, feita a apresentao e anlise dos resultados gerais, obtidos na semntica, morfossintaxe e na fonologia, dos dois grupos etrios. Posteriormente, procede-se anlise, de forma isolada, dos parmetros que compem cada uma das estruturas estudadas, por grupo etrio. No final, feita uma observao da influncia da idade de implantao nos resultados lingusticos das crianas implantadas. Estrutura semntica, morfossintaxe e fonologia

    O grfico 1 representa a distribuio das pontuaes totais alcanadas nas trs estruturas lingusticas estudadas, nas 30 crianas includas no estudo. Esta representao esquemtica permite observar a disperso dos valores das crianas implantadas em cada uma das estruturas em relao mediana, sendo possvel verificar um melhor desempenho das crianas na estrutura da fonologia e pior na estrutura da semntica. Em nenhum dos casos se registaram outliers.

    Grfico 1 - Distribuio geral das pontuaes obtidas, mediana e interquartis, nas trs estruturas lingusticas que compem a GOL-E.

    4.3. Questo 3 Existem diferenas entre as competncias lingusticas do grupo da faixa etria de [8;01-9;00] e das crianas normo-ouvintes?

    De forma a responder a esta questo, foi realizada uma anlise geral das mdias e desvios-padro das trs estruturas da linguagem (semntica, morfossintaxe e fonologia) e compararam-se os valores obtidos com os valores de referncia das crianas normo-

    Total Morfossintaxe

    Total Fonologia

    Total Semntica

    Mdia 3 estruturas Gol-E

  • 27

    ouvintes da faixa etria [5;07-6;00]. Na anlise dos dados, constata-se que as crianas utilizadoras de IC alcanaram, na componente semntica, uma pontuao que representa 72.2% do valor mdio das crianas normo-ouvintes, cuja mdia de 16.35. A diferena no foi estatisticamente significativa, p=0.142. Em relao morfossintaxe, as crianas implantadas obtiveram uma pontuao que representa uma percentagem de 59.6% da pontuao das crianas normo-ouvintes. O p-value foi de 0.015, o que significa que as crianas com IC no alcanaram, neste domnio, competncias semelhantes s normo-ouvintes. No que concerne avaliao da fonologia, os dados revelaram valores muito semelhantes entre as crianas estudadas e as normo-ouvintes com uma pontuao que representa 79.3% da verificada nas crianas normo-ouvintes. Na tabela 10, que se apresenta abaixo, esto referidos os resultados, o p-value do grupo da faixa etria de [8;01-9;00] e os valores normativos das crianas normo-ouvintes da faixa etria de [5;07-6;00]. Tabela 10 Resultados do grupo [8;01-9;00] e os valores das crianas normo-ouvintes , nas trs estruturas lingusticas que compem a GOL-E.

    Crianas com IC Crianas normo-

    ouvintes

    GOL-E

    [8;01- 9;00]

    X DP

    [5;07-6;00]

    X DP

    p-

    value

    Semntica 11.819.6 16.356.91 0.142

    Morfossintaxe 12.5810.7 21.5512.69 0.015*

    Fonologia 21.4112.77 27.005.72 0.158

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    4.4. Questo 4 Existem diferenas entre as competncias lingusticas do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e das crianas normo-ouvintes?

    Os dados apresentados demonstram, de uma forma geral, que os valores registados no grupo da faixa etria de [9;01-10;00] apesar de inferiores esto muito prximos das mdias padronizadas. Particularmente, a pontuao mdia obtida na fonologia revelou-se praticamente igual ao valor de referncia das crianas normo-ouvintes, 29.448.4, vs 29.68, com p=0.91. Este

  • 28

    valor representa 99.1% do valor mdio das crianas normo-ouvintes. A pontuao obtida na estrutura semntica teve um valor estatisticamente semelhante ao padro 18.558.89 vs 19.204.85, p=0.76. As crianas utilizadoras de IC alcanaram uma percentagem, nesta estrutura, de 96.3% relativamente aos normo-ouvintes. A pontuao na morfossintaxe, por seu turno, apresentou valor mdio, 21.8912.85, relativamente menor do que os valores padro, para as crianas normo-ouvintes, 26.3510.36, com uma pontuao alcanada de 83.07% em relao a estas. Todavia, a diferena tambm no foi estatisticamente significativa, p=0.159. O grfico 2 prov-nos de uma ideia mais clara do desempenho nas diferentes estruturas lingusticas (mximo de pontuao possvel = 50) das crianas do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e das crianas normo-ouvintes da faixa etria de [6;01-7;00].

    Grfico 2 Comparao entre os resultados do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e os valores das crianas normo-ouvintes, nas trs estruturas que compem a GOL-E.

    4.5. Questo 5 Qual o desempenho das crianas implantadas nas diferentes provas das estruturas lingusticas em relao s crianas normo-ouvintes?

    Estrutura da semntica- Grupo da faixa etria de [8;01-9;00]

    Na anlise de cada uma das provas da estrutura semntica verificou-se que a maioria das crianas utilizadoras de IC demonstrou uma capacidade de definio das palavras menor

    0

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35

    Semntica Morfossintaxe Fonologia

    Implante coclear

    Normo-ouvintes

  • 29

    do que as crianas normo-ouvintes. O valor mdio registado nas crianas implantadas foi de 4.54.2, sendo a diferena em relao ao valor padro estatisticamente significativa, p=0.021. A prova de nomeao das classes foi o item em que as crianas com IC tiveram mais prximas do valor de referncia. Na anlise da capacidade de nomeao de conceitos opostos, registaram-se valores com uma semelhana significativa em relao ao padro para as crianas normo-ouvintes. Os resultados observados so apresentados na tabela 11.

    Tabela 11- Resultados do grupo da faixa etria de [8;01-9;00] e os valores das crianas normo-ouvintes , nos componentes da estrutura da semntica da GOL-E.

    Crianas com IC Crianas normo-

    ouvintes

    GOL-E

    [8;01-9;00]

    X D P

    [5;07-6;00]

    X D P

    p-

    value

    Definio das

    palavras

    4.54.2 7.703.21 0.021*

    Nomeao de

    classes

    3.73.1 4.351.84 0.47

    Opostos 3.753.4 4.303.31 0.58

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    Estrutura da semntica Grupo da faixa etria de [9;01-10;00]

    Nas crianas do grupo da faixa etria de [9;01-10;00], os valores registados, como se verificou na anlise geral dos dados, foram superiores aos constatados no grupo etrio anterior.

    Tanto na prova de definio de palavras, como na prova de nomeao de classes e opostos, as mdias registadas, das crianas implantadas, demonstraram que as diferenas no foram estatisticamente significativas, em relao aos valores de referncia, com p>0.05. O grfico 3 ilustra os valores mdios achados.

  • 30

    Grfico 3 Comparao entre os resultados do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e os valores das crianas normo-ouvintes,

    nos componentes da estrutura da semntica da GOL-E.

    Estrutura da morfossintaxe - Grupo da faixa etria de [8;01-9;00]

    A estrutura da morfossintaxe compe-se de 4 variveis diferentes, que foram tambm analisadas de forma isolada. O facto de no possurem pontuaes semelhantes, no permitiu reflectir sobre qual delas ter tido maior ponderao na pontuao da referida estrutura lingustica. Das variveis que compem a morfossintaxe, o reconhecimento das frases agramaticais apresentou-se muito pobre, quando comparado com os valores de referncia, a mdia foi de 3.73.69, com p

  • 31

    Tabela 12 Resultados do grupo da faixa etria de [8;01-9;00] e os valores das crianas normo-ouvintes, nos componentes da

    estrutura da morfossintaxe da GOL-E.

    Crianas com IC Crianas normo-

    ouvintes

    GOL-E

    [8;01-9;00]

    X D P

    [5;07-6;00]

    X D P

    p-

    value

    Reconhecimento

    de frases

    agramaticais

    3.73.69 11.306.41

  • 32

    Tabela 13 - Resultados do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e os valores das crianas normo-ouvintes, nos componentes da estrutura da morfossintaxe da GOL-E.

    Crianas com IC Crianas normo-

    ouvintes

    GOL-E

    [9;01-10;00]

    X D P

    [6;01-7;00]

    X D P

    p-

    value

    Reconhecimento

    de frases

    agramaticais

    9.66.0 12.434.73 0.065

    Coordenao e

    subordinao de

    frases

    3.82.7 3.533.11 0.63

    Ordem de palavras

    nas frases

    5.63.5 5.733.69 0.86

    Derivao das

    palavras

    2.832.81 4.651.64 0.014*

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    Estrutura da fonologia Grupo da faixa etria de [8;01-9;00]

    Nas provas fonolgicas analisadas, discriminao de pares de palavras e discriminao de pseudo-palavras, as crianas desta faixa etria registaram uma pontuao consideravelmente inferior das crianas normo-ouvintes. As pontuaes das tarefas de identificao de palavras que rimam e segmentao silbica foram similares aos valores de referncia. A tabela 14 confronta os valores obtidos pelas crianas implantadas nesta faixa etria e os valores de referncia das normo-ouvintes.

  • 33

    Tabela 14 - Resultados do grupo da faixa etria de [8;01-9;00] e os valores das crianas normo-ouvintes, nos componentes da

    estrutura da fonologia da GOL-E.

    Crianas com IC Crianas normo-

    ouvintes

    GOL-E

    [8;01-9;00]

    X D P

    [5;07-6;00]

    X D P

    p-

    value

    Discriminao de

    pares de palavras

    5.333.6 8.351.76 0.015*

    Discriminao de

    pseudo-palavras

    5.43.1 7.951.76 0.017*

    Identificao de

    palavras que rimam

    4.24.2 5.302.87 0.37

    Segmentao

    silbica

    6.53.3 5.402.23 0.28

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    Estrutura da fonologia Grupo da faixa etria de [9;01-10;00]

    De uma forma global, a pontuao atingida pelo grupo da faixa etria de [9;01-10;00] foi superior observada no grupo da faixa etria de [8;01-9;00]. A pontuao para a tarefa de discriminao de pares de palavras do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] quando comparada do grupo dos normo-ouvintes, foi estatisticamente semelhante. A capacidade das crianas utilizadoras de IC discriminarem pseudo-palavras foi baixa, ficando aqum dos valores de referncia. Na identificao de rimas, o grupo das crianas implantadas obteve uma prestao que se assemelhou estatisticamente ao grupo das crianas normo-ouvintes. A prova da segmentao silbica foi onde se verificou uma prestao mais elevada, sendo a mais relevante de todas as provas, cuja pontuao foi significativamente superior dos normo-ouvintes. A tabela 15 e o grfico 4, apresentados abaixo, ilustram estas concluses.

  • 34

    Tabela 15 - Resultados do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e os valores das crianas normo-ouvintes, nos componentes da

    estrutura da fonologia da GOL-E.

    Crianas com IC Crianas normo-

    ouvintes

    GOL-E

    [9;01-10;00]

    X D P

    [6;01-7;00]

    X D P

    p-

    value

    Discriminao de

    pares de palavras

    7.332.76 8.352.55 0.137

    Discriminao de

    pseudo-palavras

    6.62.8 8.372.32 0.023*

    Identificao de

    palavras que rimam

    6.73.7 7.052.30 0.712

    Segmentao

    silbica

    8.561.6 5.901.58 0.001*

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    No grfico seguinte possvel observar que na tarefa de segmentao silbica as crianas implantadas apresentam um valor superior ao das crianas normo-ouvintes.

    Grfico 4 Comparao entre os resultados do grupo da faixa etria de [9;01-10;00] e os valores das crianas normo-ouvintes,

    nos componentes da estrutura da fonologia da GOL-E.

    0

    1

    2

    3

    4

    5

    6

    7

    8

    9

    Disc pares

    palavras

    Disc Pseudo-

    palavras

    Rimas Segmentao

    silbica

    Implante

    coclear

  • 35

    4.6. Questo 6 H evidncias de que a idade da implantao exera influncia no desempenho ao nvel das competncias lingusticas?

    Para avaliar a influncia da idade da implantao cirrgica as crianas implantadas foram divididas em 2 grupos. O grupo A constitudo pelas crianas a quem o IC foi feito at aos 2 anos e seis meses e o grupo B, com crianas que receberam o IC aps os 2 anos e seis meses de idade cronolgica. Na anlise geral das caractersticas demogrficas de cada grupo, verificou-se que o grupo A era constitudo por 4 indivduos do gnero feminino e 7 do gnero masculino. O grupo B tinha 8 indivduos do gnero feminino e 11 do gnero masculino. A distribuio de gnero entre os grupos foi semelhante. Na anlise da idade auditiva, verificou-se que idades mdias foram 79.77.93 meses no grupo A e de 71.51.31 meses no grupo B. A diferena revelou-se muito significativa, com p2 anos e 6 meses

    X D P

    p-

    value

    Total Semntica 19.68.61 10.38.61 0.007*

    Total

    Morfossintaxe

    22.811.79 11.211.09 0.011*

    Total Fonologia 29.38.62 21.612.66 0.055

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    Na comparao das 3 variveis, verificou-se que, de uma forma geral, as crianas implantadas precocemente, grupo A, alcanaram melhor pontuao do que as implantadas numa fase posterior, grupo B. A diferena foi muito significativa nos domnios da semntica e da morfossintaxe. Na tabela que se segue, tabela 17, so apresentados os resultados da anlise dos componentes da estrutura semntica. Da observao da tabela, constata-se que as trs componentes desta estrutura lingustica tiveram uma pontuao significativamente superior no grupo A relativamente ao grupo B. A tarefa de definio de palavras merece particular realce, uma vez que a diferena foi muito significativa.

  • 36

    Tabela 17 - Resultados das crianas implantadas, nas componentes da estrutura da semntica da GOL-E, de acordo com a idade

    da implantao.

    GOL-E

    2 anos e 6 meses

    X D P

    >2 anos e 6 meses

    X D P

    p-

    value

    Definio das

    palavras

    7.724.16 3.503.14 0.006*

    Nomeao de

    classes

    6.062.18 3.422.96 0.02*

    Opostos 5.612.57 3.332.93 0.03*

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    A tabela 17, em baixo, apresenta os valores obtidos pelas crianas dos grupos A e B, nas tarefas da morfossintaxe. Verifica-se que a diferena foi muito significativa no reconhecimento de frases agramaticais e significativa na coordenao e subordinao de frases, e na derivao das palavras.

    Tabela 18 - Resultados das crianas implantadas, nas componentes da estrutura da morfossintaxe da GOL-E, de acordo com a

    idade da implantao.

    GOL-E

    2 anos e 6 meses

    X D P

    >2 anos e 6 meses

    X D P

    p-

    value

    Reconhecimento

    de frases

    agramaticais

    9.445.79 4.004.65 0.011*

    Coordenao e

    subordinao de

    frases

    4.222.90 1.922.23 0.027*

    Ordem de

    palavras nas

    frases

    5.783.26 3.923.94 0.170

    Derivao das

    palavras

    3.392.83 1.331.77 0.034*

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

  • 37

    Na comparao das 4 variveis que compem a estrutura fonolgica, verificou-se que, de uma forma geral, as crianas do grupo A obtiveram melhores pontuaes do que as do grupo B. Todavia, apenas na segmentao silbica a diferena foi estatisticamente significativa.

    Tabela 19 - Resultados das crianas implantadas, nas componentes da estrutura da fonologia da GOL-E, de acordo com a idade da implantao.

    GOL-E

    2 anos e 6 meses

    X D P

    >2 anos e 6 meses

    X D P

    p-

    value

    Discriminao de

    pares de palavras

    7.332.65 5.333.75 0.09

    Discriminao de

    pseudo-palavras

    6.722.32 5.333.75 0.21

    Identificao de

    palavras que rimam

    6.613.88 4.334.03 0.13

    Segmentao

    silbica

    8.501.62 6.583.31 0.046*

    * Estatisticamente significativo, para =0.05

    4.7. Discusso No presente trabalho, procurou-se caracterizar a linguagem oral das crianas com IC com base nas vrias competncias adquiridas. Os resultados do estudo permitem inferir a pertinncia desta investigao, uma vez que facultou informaes cruciais para a caracterizao das crianas implantadas, nas duas faixas etrias estudadas que foram alvo de anlise.

    A interpretao dos resultados de algumas variveis, como a idade da implantao, carece de uma reflexo cuidada e crtica. O facto de a idade auditiva ser significativamente diferente no permite, por si s, afirmar a solidez das evidncias constatadas. Esta foi uma das limitaes reconhecidas do presente estudo, bem como o reduzido nmero da amostra e de faixas etrias estudadas.

  • 38

    1-Anlise geral

    Na anlise geral dos resultados obtidos, verificou-se que os valores mdios das variveis estudadas estavam abaixo, ainda que na maioria dos casos, de forma no significativa, das mdias dos normo-ouvintes. Este facto referenciado por Fortunato, Bevilacqua e Costa (2009) e Stuchi et al. (2007). Estes investigadores consideram que, apesar dos ganhos efectivos, em termos de desenvolvimento de competncias lingusticas, as crianas com IC no alcanam, a priori, competncias inequivocamente iguais s das crianas normo-ouvintes. Todavia, tal diferena, parece tender a esbater-se com o aumento da idade auditiva e menor tempo de privao sensorial. Com efeito, verificou-se, ainda na anlise geral dos resultados, que as diferenas foram menores nas crianas entre os 9 anos e 01 ms e os 10 anos. 2-Efeito do gnero nas estruturas da linguagem das crianas com IC

    Ao verificar os resultados nas 3 diferentes estruturas lingusticas, em relao ao gnero, no se registaram diferenas significativas. Ozdemir et al. (2011) e Grard et al. (2010) tambm concluram que no havia diferenas significativas entre os gneros, suportando os resultados obtidos. Todavia, no presente estudo foi notrio que os valores das mdias, de uma forma geral, foram sempre ligeiramente superiores nos indivduos do gnero masculino.

    3-Estrutura da semntica, da morfossintaxe e da fonologia nas crianas com IC

    Ao estudar e comparar as caractersticas das variveis do grupo das crianas de [8;01-9;00], verificou-se que o desempenho nas diferentes estruturas lingusticas no foi uniforme neste grupo etrio. Os resultados na estrutura da morfossintaxe apresentaram-se significativamente mais baixos nas crianas utilizadoras de IC do que nas crianas normo-ouvintes com a mesma idade auditiva. Contrariamente, as aptides adquiridas pelas mesmas crianas nos domnios da semntica e da fonologia foram superiores, e muito semelhantes s das crianas normo-ouvintes. Os seus valores, apesar de ligeiramente inferiores em termos numricos aos das crianas normo-ouvintes, no se revelaram estatisticamente diferentes. Este facto merece uma anlise e ateno particulares. Uma reflexo sobre o mesmo feita por Young e Killen (2002), que avaliaram um grupo de sete crianas com idade entre os oito e os nove anos utilizadoras de IC h cinco anos. Estes investigadores relataram que a capacidade semntica apresentada por essas crianas foi melhor do que a sintctica e a morfolgica (Stuchi et al., 2007). As observaes presentes neste estudo esto concordantes com os resultados dos referidos investigadores.

    Ao analisar em pormenor as variveis que compem cada uma das estruturas lingusticas verificaram-se tambm alguns fenmenos de relevo. A maioria das crianas com IC

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    revelou grande dificuldade na tarefa de definio de palavras. Este item foi o nico em que a sua prestao foi significativamente inferior das crianas normo-ouvintes. Este facto tambm referido na literatura internacional no estudo de Stuchi e colegas, no qual as crianas apresentaram grande dificuldade para descrever o significado das palavras. (Stuchi et al., 2007) Por seu turno, a nomeao das classes foi o item em que as crianas obtiveram pontuaes que mais se assemelharam aos valores de referncia. Na capacidade de nomeao de opostos, registaram-se igualmente valores elevados.

    Ao reflectir sobre os resultados obtidos das crianas de [9;01-10;00], como j foi citado anteriormente, verifica-se, que nas trs componentes da estrutura lingustica estudadas, o grupo de crianas desta faixa etria teve uma prestao estatisticamente igual das crianas normo-ouvintes. Este facto, como tambm j foi citado consubstancia a ideia de que o aumento do tempo de uso do IC e, naturalmente da idade cronolgica, condiciona novos ganhos lingusticos nas crianas aps a implantao, como corroborado por Manrique et al. (2004) e Colletti et al. (2005). Apesar disso, observou-se, na comparao das mdias e nos valores de significncia, que a estrutura morfossintaxe foi aquela em que os valores mdios foram mais inferiores, comparativamente aos normo-ouvintes , para os quais o valor de p foi inferior. Este dado refora a ideia, antes cogitada, de este constituir o domnio em que as crianas com IC exibem maiores dificuldades.

    Ao verificar, em pormenor, as componentes das estruturas lingusticas estudadas, notou-se que na estrutura semntica as pontuaes obtidas pelas crianas implantadas na definio de palavras, na nomeao de classes e de opostos foram todas elevadas, muito prximas dos valores de referncia e que em nenhum caso a diferena das mdias foi significativa.

    No que concerne estrutura da morfossintaxe, no grupo das crianas de [8;01-9;00], os resultados das tarefas de reconhecimento das frases agramaticais e da derivao de palavras, contriburam de forma indiscutvel para a baixa performance destas crianas nesta competncia lingustica estudada. Nestes itens, as crianas utilizadoras de IC tiveram uma prestao que se revelou muito aqum dos valores de referncia. Todavia, diferente evidncia se apurou no estudo dos dois outros itens. As pontuaes atingidas pelas crianas utilizadoras de IC foram estatisticamente idnticas ao estandardizado, no que se refere coordenao e subordinao de frases e ordenao de palavras. No foram encontrados dados na literatura com referncias que pudessem servir de base comparativa a estes resultados.

    Nas crianas da faixa etria de [9;01-10;00], as componentes da morfologia e da sintaxe exibiram diferenas muito significativas em relao ao normal. A capacidade de derivao de palavras foi significativamente baixa. Este item revelou-se mesmo o mais baixo entre todos os estudados e em praticamente todas as crianas deste grupo. Este facto foi, em grande medida, semelhante ao observado nas crianas de [8;01-9;00] do presente estudo.

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    Os valores obtidos pelas crianas utilizadoras de IC na tarefa de reconhecimento de frases agramaticais foi outro item que se revelou aqum dos valores de referncia das crianas normo-ouvintes. Apesar disso, os seus valores no foram estatisticamente diferentes. J na coordenao e subordinao de frases, as crianas desta faixa etria tiveram uma prestao elevada e o valor mdio estimado revelou que esta competncia estava muito prxima do grupo das crianas com audio normal. As crianas deste grupo acusaram tambm uma boa capacidade de ordenar as palavras para formar frases. Esta competncia foi mesmo a mais desenvolvida em relao ao valor de referncia.

    Quanto fonologia, no grupo de [8;01-9;00], observou-se que as capacidades de identificao de palavras que rimam e de segmentao de palavras em slabas (com valores acima da mdia do padro) foram os dois aspectos que se realaram positivamente. O mesmo no sucedeu com a discriminao de pares de palavras e a discriminao de pseudo-palavras. Estes resultados esto de acordo com um estudo de Bouton, Col e Serniclaes (2012) realizado com 25 crianas (idades compreendidas entre os 7 anos e 11 meses e os 11 anos e 6 meses) no qual verificaram que tanto a discriminao de pares de palavras como de pseudo-palavras foi inferior das crianas normo-ouvintes com a mesma idade auditiva. Contudo, a tarefa de discriminao de palavras revelou