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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ Harmonização Tributária No Processo de Integração: Uma Visão do Mercosul LIANA FERNANDES DE JESUS Rio de Janeiro 2007.1

Dissertação - Harmonização Tributária No Processo de ... · NAFTA North American Free Trade ... 7 O FUTURO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL ... O presente estudo não tem como objetivo

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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Harmonização Tributária No Processo de Integração:

Uma Visão do Mercosul

LIANA FERNANDES DE JESUS

Rio de Janeiro

2007.1

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LIANA FERNANDES DE JESUS

Harmonização Tributária No Processo de Integração:

Uma Visão do Mercosul

Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito para obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Theophilo de Azeredo Santos

Rio de Janeiro

2007.1

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LIANA FERNANDES DE JESUS

Harmonização Tributária No Processo de Integração:

Uma Visão do Mercosul

Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito para obtenção do grau de Mestre em Direito.

Aprovada em _____ de ______________________ de _______.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________________

Prof. Dr. Theophilo de Azeredo Santos Presidente

Universidade Estácio de Sá

______________________________________________________________

Prof. Dr. Universidade Estácio de Sá

_______________________________________________________________

Prof. Dr. Adilson Rodrigues Pires Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Ao Professor Adilson Rodrigues Pires, pela

dedicação e amizade dedicada aos seus muitos

alunos.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais por caminharem sempre ao meu lado na busca dos meus sonhos mais altos.

Ao Igor Trabuco Bandeira que vivenciou cada passo e cada página da minha longa

caminhada.

Ao meu orientador Professor Theophilo de Azeredo Santos, pelo carinho, paciência e

dedicação.

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"O novo mundo deve estar constituído por nações livres e independentes, unidas entre si por um corpo de leis em comum que regulem seus relacionamentos externos"

Simón Bolívar

“É surpreendente ver como o problema dos espaços levou tanto tempo para aparecer como problema histórico-político: ou o espaço era remetido à natureza, à geografia física, ou era concebido como o local de residência ou de expansão de um povo(...), o que importava era o substrato ou as fronteiras. Seria preciso fazer a história, os espaços – que seria ao mesmo tempo uma história dos poderes ali exercidos – que estudasse desde as grandes estratégias da geopolítica até as pequenas táticas do habitat.”

Michel Foucault

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R E S U M O

O presente trabalho tem por objetivo apresentar e analisar a questão da harmonização

da legislação tributária no âmbito do Mercosul. Para alcançar tal projeto, fez-se necessário um

estudo que não apenas englobasse os aspectos tributários dos Estados-membros do bloco

regional em vias de consolidação, como também, em última análise, conseguisse demonstrar a

inserção do Mercado Comum do Sul no cenário mundial contemporâneo, evidenciando suas

vantagens e seus desafios. Logo, buscou-se enfatizar que o processo de integração impõe um

severo desafio para os países sul-americanos. Com perspectivas que ultrapassam a mera união

limítrofe, a harmonização dos regramentos, em especial no campo do direito tributário,

aparece como fator intrigante e essencial na busca de um razoável equilíbrio regional.

Harmonização essa, que ainda se mostra distante do objetivado quando da assinatura do

Tratado de Assunção, mas que se acredita de possível concretização, como será demonstrado.

PALAVRAS-CHAVE: Mercosul; harmonização tributária; direito tributário.

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ABSTRACT

The present reference work endeavors both to portray and to scrutinize the tax

legislation synchronization’s issue in the MERCOSUR scope. In order to achieve the target it

is vital to draw a survey, which could concern not only the regional trade bloc member

countries tax aspects (that are about to be consolidated) plus and as an ultimate consideration

a meticulous inquiry capable of put on show the Southern Common Market (MERCOSUR)

incorporation in the current worldwide outlook, what would demonstrate its advantages as

well as its challenges. Therefore this paper mostly seeks to emphasize that the integration

procedure imposes a sharp defy to South America countries. Coveting approaches that

overtake the mere limitrophe association, the harmonization policy particularly in Tax Law

field, emerges as a fascinating and necessary aspect in the search of a reasonable local

steadiness. Nevertheless the so-called harmonization is still far away from what was

deliberated when the former member states signed the Treaty of Asunción although it is

completely possible to trust in its perfect accomplishment, as it will be carefully validated in

this study.

KEY WORDS: MERCOSUR; taxable harmonization; tax Law.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACE Acordo de Complementação Econômica

ANFAVEA Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores

ALADI Associação Latino-Americana de Integração

ALCA Área de Livre Comércio das Américas

BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

CCM Comissão de Comércio do Mercosul

CMC Conselho Mercado Comum

GAAT Acordo Geral sobre tarifas Aduaneiras e Comércio

GMC Grupo Mercado Comum

Mercosul Mercado Comum do Sul

NAFTA North American Free Trade Agreement

OMC Organização Mundial do Comércio

ONU Organização das Nações Unidas

OCTA Organização para Cooperação do Tratado Amazônico

PAC Política Agrícola Comum

PIB Produto Interno Bruto

SH Sistema harmonizado

TEC Tarifa Externa Comum

UE União Européia

ZLC Zona de Livre Comércio

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................13

2 MERCOSUL: A HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA COMO EXIGÊNCIA

MUNDIAL ............................................................................................................18

2.1 DIREITO COMUNITÁRIO ............................................................................19

2.2 HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA ............................................................ 23

2.3 ALGUNS CENÁRIOS PARA O MERCOSUL ............................................. 26

3 O PANORAMA DO MERCOSUL .................................................................... 32

3.1 O MERCOSUL JURÍDICO ........................................................................... 38

3.2 O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL ... 40

3.2.1 Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul ................... 42

3.3 OS ÓRGÃOS DO MERCOSUL: A AUSÊNCIA DE UMA ESTRUTURA

SUPRAESTATAL .................................................................................................... 45

4 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ..................... 50

4.1 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA ARGENTINA ....................... 55

4.2 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO PARAGUAI ......................... 57

4.3 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA VENEZUELA ...................... 57

4.4 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO URUGUAI ............................ 59

4.5 INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL ................................ 60

4.5.1 Tratados em Matéria Tributária no Direito Brasileiro .................... 62

5 A RELEVÂNCIA DA QUESTÃO TRIBUTÁRIA NO MERCOSUL ............ 67

5.1 PRINCIPAIS ASPECTOS DO TRATADO DE ASSUNÇÃO ...................... 75

5.2 CÓDIGO ADUANEIRO DO MERCOSUL .................................................. 76

5.2.1 Conceito de Reciprocidade .................................................................. 76

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5.2.2 Cláusula da Nação Mais Favorecida .................................................. 77

5.2.3 Programa de Liberação Comercial ................................................... 77

5.2.4 Regime de Origem dos Produtos ........................................................ 77

5.2.5 Cláusulas de Salvaguarda ................................................................... 79

5.3 O SISTEMA TRIBUTÁRIO DOS ESTADOS-MEMBROS DO MERCOSUL

................................................................................................................................... 80

5.3.1 O Sistema Tributário Argentino ........................................................ 80

5.3.2 O Sistema Tributário Brasileiro ......................................................... 81

5.3.3 O Sistema Tributário Paraguaio ........................................................ 82

5.3.4 O Sistema Tributário Uruguaio ......................................................... 83

5.3.5 O Sistema Tributário Venezuelano .................................................... 84

5.3.6 O Sistema Tributário nos Países Associados .................................... 86

6 HARMONIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO MERCOSUL ......... 87

6.1 PERSPECTIVAS DE HARMONIZAÇÃO ................................................... 91

6.2 PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA ........... 94

6.3 HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS ADUANEIROS ............................... 95

6.4 HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE PATRIMÔNIO E

RENDA ..................................................................................................................... 99

6.5 HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE CIRCULAÇÃO E

CONSUMO ............................................................................................................ 101

6.6 HARMONIZAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS .................................... 104

7 O FUTURO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL – DO FENÔMENO AO

RISCO ................................................................................................................ 106

7.1 O COMÉRCIO INTERNACIONAL MULTILATERAL ............................ 107

7.2 A QUESTÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA ............................. 111

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7.3 A POLÍTICA VENEZUELANA .................................................................. 114

7.4 A NOVA ORDEM EMPRESARIAL ........................................................... 119

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 121

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 127

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1. INTRODUÇÃO

O Mercado Comum do Sul, mais conhecido pela sigla Mercosul, guardadas as

diferenças de escala, reflete, em linhas gerais, os acontecimentos e as tendências presentes no

contexto internacional.

Tamanho projeto esbarra em inúmeros desafios dentre os quais cabe verificar se certos

movimentos de regionalização funcionam como estratégias defensivas de determinados

grupos de países que buscam, além de um melhor posicionamento, se “abrigar” das

intempéries prevalecentes na atual situação financeira mundial ou simplesmente uma maior

competitividade no cenário internacional resguardando e desenvolvendo as economias

internas.

O presente estudo não tem como objetivo apresentar as vantagens e desvantagens de

um bloco econômico, nem tão pouco delinear um painel de perspectivas de desenvolvimento.

A proposta é, antes de qualquer outra situação de relevância, trazer à tona uma série de

discussões acerca da necessidade de harmonização da legislação, especificamente tributária,

entre os países integrantes do Mercosul, bem como, em última instância, apontar para um

fortalecimento das relações internas do bloco, solidificando, conseqüentemente, sua postura

no cenário internacional, tornando-o competitivo sem, contudo, ameaçar os sistemas

econômicos dos países membros.

Certo, portanto, é que a integração está longe de configurar um fim em si mesma. Ela

é um instrumento de política comercial e de desenvolvimento para se alcançar objetivos cada

vez maiores. A integração, no cenário do Mercosul, não é a fusão de entidades nacionais em

nome do bem comum, mas sim a soma de forças voltadas para o fortalecimento da região no

mercado internacional.

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Logo, é imprescindível perceber que para o incremento e a efetividade do processo de

integração do Mercosul necessita-se da vontade política acompanhada da harmonização em

matéria tributária, elemento este estabelecido no próprio Tratado de Assunção como meio de

alcançar seu fim maior: a constituição de um mercado comum, conforme será apresentado no

capítulo primeiro.

O capítulo seguinte deste ensaio tem a responsabilidade de introduzir os problemas e

dificuldades encontradas na implantação do Mercado Comum. Neste ponto, serão

apresentados os primeiros questionamentos sobre matéria tributária, demonstrando um quadro

da realidade fática e jurídica na qual encontramos o Mercosul nos dias atuais, e ainda, das

questões que tangenciam, no plano mundial, os principais aspectos do tema harmonização

tributária.

Necessário, conquanto, apresentar, ainda que de forma superficial, alguns contornos

do Mercosul, seus pontos fortes e contrastantes, situá-lo em seu contexto histórico,

distinguindo os momentos relevantes de seu desenvolvimento, e para tal tarefa é dedicado o

terceiro capítulo. Ressalta-se que no citado tópico, ainda que em linhas gerais, merece ser

contextualizada a nova ordem internacional econômica na qual se inclui o bloco mercosulista,

inserindo-se, assim, o pano de fundo necessário nas abordagens que serão empreendidas ao

longo do trabalho.

Os principais obstáculos ao sucesso da empreitada mercosulista, as diferenças

econômicas e estruturais de cada Estado-membro e a relevância da concepção de uma

legislação interna harmonizada serão discutidos no capítulo quatro. Por meio de um estudo

sobre a internalização dos tratados internacionais nos países membros, que a este ponto já será

suficiente para ajudar a traçar uma linha de raciocínio para compreender a “grande teia” que

forma a América Latina, serão destacadas distinções histórico-culturais que acirram e

dificultam um pouco mais a almejada integração.

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Objetiva-se, assim, demonstrar que as vantagens de se participar de um processo de

integração como o Mercosul são evidentes para os países integrantes, pois a partir deste ponto

será fomentada a dinamização econômica, a consolidação do processo de liberalização

comercial e a atração de investimentos.

Antes de qualquer outra possível vantagem, afirma-se que o Mercosul é um

extraordinário fator de estreitamento da relação da região com o resto do mundo. Todavia,

para que todo esse processo colha frutos, precisamos de alguns ajustes, ajustes estes que

permeiam o campo do direito tributário e conseqüentemente a harmonização da legislação

específica por nós aqui proposta.

No quinto capítulo, a relevância da questão tributária passa ao centro do estudo. Serão

traçados os aspectos que aproximam e ao mesmo tempo afastam o sonho de fortalecimento do

bloco e que através de constantes alterações chamam a atenção de estudiosos para a

complexidade da realidade do cone sul.

O capítulo seis é dedicado exclusivamente ao tema da harmonização da legislação

tributária abordando e estabelecendo os diferentes ramos da tributação. Para isso, ressalta-se

que o Tratado de Assunção não cria um sistema tributário para o Mercosul, nem mesmo trata

da matéria de forma específica, mas aponta-o como meio, como uma alavanca impulsionadora

à consecução de objetivos diversos, dentre eles o mercado comum, devido à sua importância

estratégica.

O termo harmonização corresponde à aproximação entre as diversas legislações dos

países integrantes, eliminando gradativamente as diferenças substanciais para a concretização

de um mercado comum. Isto não quer dizer que todo e qualquer assunto deva ser

harmonizado, mas somente aqueles que configurem obstáculos ao processo de integração dos

membros.

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Neste sentido, será demonstrado ao longo do trabalho, através de um apanhado sucinto

das legislações constitucionais tributárias dos países membros do Mercosul, que a tarefa de

aproximação é facilitada por semelhanças legislativas, entretanto, é bastante dificultada por

uma ausência de efetiva vontade política.

Por último e não menos importante, partindo-se de uma concretização do Mercado

Comum do Sul, serão estabelecidos critérios mínimos que possibilitem questionar os riscos

futuros advindos naturalmente de um processo de fortalecimento dos blocos regionais, onde

torna-se possível encontrar Estados atuando em conjunto no cenário internacional e não mais

individualmente, uma vez que estarão pensando e representando-se de forma coletiva.

A relevância do tema e sua justificativa para embasar um estudo acadêmico têm como

alicerce a contemporaneidade do assunto abordado, não apenas no panorama sul-americano,

mas principalmente quando se observa que as relações entre blocos econômicos ganham

maiores dimensões (econômicas e políticas) ao longo do tempo, tanto no âmbito regional

quanto no mundial.

Tomando como pontos de partida fundamentos teóricos e tratamentos doutrinários,

nem sempre convergentes, a questão da harmonização tributária no âmbito de uma América

Latina, a cada dia mais próxima e ao mesmo tempo mais tensa politicamente, acaba por

ganhar contornos apaixonantes que não mais questionam a viabilidade ou não do bloco

formado por países do cone sul, mas que, em última instância, acabam por traçar o perfil de

parcela de um continente que tenta sobreviver em um mundo dominado por verdadeiros

gigantes.

O presente trabalho, dentro da área de concentração Direito Público e Evolução Social,

na linha de pesquisa da relação jurídico-tributária, pretende encontrar mais que respostas aos

problemas que giram ao redor do tema Mercosul. Objetiva alcançar visões que levem o jurista

ao próprio questionamento do projeto de integração da América Latina nos moldes até então

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desenvolvidos, e que se possa, ao menos, caminhar na direção de um futuro viável para o

Mercado Comum do Sul.

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2. MERCOSUL: A HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA

COMO EXIGÊNCIA MUNDIAL

Os últimos quinze anos têm simbolizado um momento especial para as relações

econômicas da América Latina. Nesse período ocorreram mudanças substantivas nos

conceitos e nas práticas de integração, com papel crescente atribuído aos processos sub-

regionais.

A criação do Mercado Comum do Sul objetivou fortalecer os países da região frente

aos países economicamente mais desenvolvidos, bem como aos outros blocos econômicos em

consolidação, partindo do pressuposto de que a capacidade negocial no cenário internacional é

sempre maior quando os Estados se unem.

Nesse contexto o Mercosul ocupa uma posição relevante no cenário internacional. A

constante busca pela consolidação formal e produtiva desse bloco permitiu o início de uma

série de negociações no plano externo, ultrapassando as fronteiras da América Latina, bem

como estabelecendo contatos com o restante dos países do hemisfério e com outras regiões e

países do mundo.

O projeto do Mercosul desenvolve-se, portanto, numa situação de crescente

participação de seus países integrantes nos fluxos comerciais mundiais. Sobretudo neste

ponto, verifica-se uma significativa tendência expansionista do comércio preferencial dos

Estados-membros e associados com países e blocos ocupantes de posições economicamente

mais relevantes.

O bloco, neste aspecto, é um novo centro institucional. Constitui uma solução, uma

estratégia razoável e eqüitativa para enfrentar problemas comuns que assombram a América

Latina do pós-guerra.

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Embora seja merecedor de contornos mais rígidos, pode-se afirmar, quanto aos

aspectos institucionais, que o processo de integração se põe, ainda que lentamente, a

caminhar.

É possível afirmar, sem elencar muitos dados, que no contexto da Organização

Mundial do Comércio (OMC), tanto o Brasil como a Argentina são considerados global

traders (mercadores globais). Nesse sentido, o Mercosul representa uma estratégia conjunta

para ampliar a presença destes países no plano internacional.

2.1. DIREITO COMUNITÁRIO

As relações do bloco regional se caracterizam a partir da criação de uma unidade

comum, um mesmo centro de referência, o que implica na organização de interesses

compartilhados, figurando cada Estado como parte de um todo, como um organismo na busca

de um objetivo maior.

A existência de um direito comunitário como objeto da ciência do direito só foi

possível a partir do momento em que foram atribuídas competências próprias dos Estados

Nacionais às instituições supraestatais, gerando, por conseqüência, uma delimitação de

competência no plano interno e externo.

Os Estados, desta forma, independentemente da atribuição de parte de suas

competências a organismos supraestatais, permanecem soberanos e participam do poder de

decisão das organizações comunitárias1, onde exercem conjuntamente atribuições e

responsabilidades, as quais não teriam se, de outro modo, atuassem unicamente em escala

nacional.

1 Conforme faremos referência ao longo do trabalho, a integração gera organizações supraestatais em relação aos Estados-membros, podendo estas terem personalidade jurídica de direito internacional ou não.

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Podemos, sob esta ótica, afirmar que Comunidade é uma organização interestatal

autônoma, que pressupõe um ordenamento jurídico próprio a favor dos quais os Estados-

membros terão renunciado parte de sua soberania2. Não é, portanto, um poder estrangeiro aos

países membros, mas o exercício comum de certas atribuições que lhes são próprias. É um

direito nascido de fontes comunitárias, instrumento do interesse comum de todos os seus

integrantes.

Como nos diz Jorge Castro, é certo que os principais fatores de produção e

intercâmbio são facilmente transferidos através das fronteiras, dando a impressão que os

Estados-membros têm menos poder para regular tais trocas: “o declínio da soberania dos

Estados-Nação não significa que a soberania tenha desaparecido. A soberania tem uma nova

forma, composta de uma série de organismos nacionais e supranacionais, unidos sob uma

nova e única lógica”3.

O direito comunitário, partindo da ótica de que se trata de um direito comum a uma

Comunidade de Estados, apresenta, assim, caracteres que garantem sua aplicação na ordem

interna dos Estados-membros, sem que tal aplicabilidade represente, em última instância, uma

agressão ao exercício do poder soberano.

Trata-se, portanto, de um direito autônomo, quer pela sua ordem supraestatal, quer

pela sua finalidade na congruência de interesses comuns, que se insere como tal nas ordens

jurídicas internas, podendo até mesmo ser aplicado diretamente de acordo com as disposições

constitucionais de cada Estado-membro, exigindo uma aplicação uniforme em todo o espaço

da Comunidade de forma a facilitar a coesão e a segurança jurídica na concretização dos

objetivos ali almejados. 2 A questão da soberania, seu novo conceito e estrutura do poder de forma distinta daquela que nos impõem a geografia ou a forma de organização do Poder do Estado, conjuga princípios e normas que passam a valorizar o bem-estar da humanidade e do meio ambiente quando impostas e adotadas internacionalmente, inclusive indo de encontro às legislações internas de cada Estado, e nos remete a um ideário democrático que transborda o chamado Poder Soberano uno e indivisível, consagrado pela doutrina clássica. 3 CASTRO, Jorge. A política econômica nos processos de integração: globalização, integração e uma nova concepção de soberania. In: BENECKE, Dieter; NASCIMENTO, Renata; FENDT, Roberto (Org.). Brasil na arquitetura comercial global. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer, 2003, p. 173-182.

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Assim, dentre os principais pressupostos do direito comunitário, é possível destacar

dois que possuem maior relevância e destaque quando do estudo do processo de integração,

adequando-se bem ao objetivo maior deste ensaio: a necessidade de harmonização legislativa,

mais especificamente da legislação tributária.

O primeiro pressuposto, de ordem política, é a democracia. Nesse sentido não há

direito comunitário autocrático, porque a organização comunitária exige participação e

representação por meio de organismos supraestatais criados à imagem e semelhança da

estrutura interna de cada Estado-membro. A ausência de tal pressuposto, em última instância,

acaba por impossibilitar a própria tomada de decisões comunitárias, à medida que se afasta o

ideário comum.

O segundo pressuposto, já anteriormente mencionado, é a própria ordem institucional

da Comunidade, e refere-se, portanto, à existência de organismos supraestatais que atuem por

meio da delegação de poderes dos Estados-membros.

Os princípios, em sua essência, representam o fundamento do direito comunitário.

Dessa forma, destacam-se os princípios da progressividade, da igualdade e da solidariedade.

O princípio da progressividade visa garantir uma integração gradual, por meio do

respeito mútuo das diferenças políticas e econômicas existentes entre os Estados-membros.

Evita-se, assim, criar determinados choques que acabem por inviabilizar o sucesso da

empreitada comunitária.

Já o princípio da igualdade visa assegurar a paridade de um Estado com o outro

quando no âmbito da Comunidade. Preza-se, em última análise, a própria guarda da soberania

nacional de cada Estado-membro, fazendo, por exemplo, prevalecer o interesse comunitário

em relação ao interesse particular.

O princípio da solidariedade dirige-se aos planos jurídico, econômico e social. Tem

plena aplicação em diversos domínios e circunstâncias, e mais expressamente no âmbito de

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financiamento das despesas comunitárias, na medida em que as receitas do orçamento da

comunidade são geradas nos quadros de produção e consumo desenvolvidos nos territórios

dos Estados-membros. Assim contribuem em conjunto para suportar os custos de todas as

ações comunitárias, independente dos benefícios conquistados.

Diante do acima mencionado, uma das indagações que envolve maior preocupação,

quando do estudo do Mercosul, é justamente a configuração ou não de um direito

comunitário.

Assim, para o momento, está descartada a possível aceitação de um regime de “Direito Comunitário”, pois o Protocolo de Ouro Preto não previu órgãos supranacionais, nos moldes dos existentes da União Européia. O funcionamento eficaz de um mercado comum implica a adoção, por parte das autoridades comunitárias, de decisões que a Constituição atribuiu privativamente aos órgãos nacionais, no sistema vigente, nos países-membros do Tratado de Assunção, aos Poderes Legislativo e Judiciário. Será necessário, então, prever a possibilidade de atribuir esses poderes ao conselho ou a outro órgão comunitário, reformulando-se, também, as Constituições dos Estados-parte para o atendimento às necessidades de harmonizar as legislações internas às peculiaridades do mercado comum4.

No mesmo sentido, André Lupi afirma ser o direito comunitário uma espécie existente

apenas na União Européia, sendo nesse aspecto dotado de superioridade hierárquica e auto-

aplicabilidade. Já no caso do Mercosul, as normas criadas para a sua regulamentação só valem

quando inseridas nos ordenamentos jurídicos internos, que, em se tratando de Brasil, como

será visto, tem processo legislativo bastante complexo5.

A ausência de características como a especificidade, a primazia da ordem jurídica

comunitária, bem como de uma estrutura supraestatal e da aplicabilidade direta das

disposições comunitárias, acaba por ser um fator que agrava e dificulta o processo integratório

e, por conseqüência, a concretização de uma prática jurídica harmonizada.

4 FIGUEIRAS, Marco Simão. Mercosul no contexto latino-americano. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1996, p. 119. 5 LUPI, André Lipp Pinto Bastos. Soberania, OMC e Mercosul. São Paulo: Aduaneiras, 2001, p.224-225.

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2.2. HARMONIZAÇÃO LEGISLATIVA

A integração comunitária supõe que os Estados-membros realizem, em seus

ordenamentos internos, a harmonização e a necessária compatibilização das normas jurídicas

para fazer com que o processo de integração seja verdadeiramente efetivado, tal como prevê o

artigo 1º. do Tratado de Assunção6.

O Tratado de Assunção refere-se, apenas, à coordenação e harmonização, não fazendo

qualquer referência à uniformização.

No cenário da integração, a coordenação envolve mais as negociações e o

comprometimento em tratar determinado assunto, do que efetivamente trabalhar direcionada à

realização de transformações próprias do processo de integração. Nesse sentido, significa

eliminar contrastes existentes entre os ordenamentos jurídicos internos dos Estados-membros

sem, no entanto, comportar alteração de conteúdo.

A harmonização é mais profunda. Sua utilização leva, em última instância, à

aproximação das diferentes legislações, podendo no futuro chegar-se à uniformização. Assim,

quando da harmonização de duas ou mais normas, procura-se eliminar tudo o que se opõe,

para que as mesmas produzam efeitos similares quando da sua aplicação. Tal aproximação

não ocorre em caráter geral, devendo ser efetivada nos setores fundamentais ao sucesso do

processo integratório.

6 Tratado de Assunção, Artigo 1º. – Os Estados-partes decidem constituir um Mercado Comum, que deverá estar estabelecido a 31 de dezembro de 1994, e que se denominará “Mercado Comum do Sul” (MERCOSUL). Este Mercado Comum implica: A livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países, através, entre outros, da eliminação dos direitos alfandegários e restrições não-tarifárias à circulação de mercado de qualquer outra medida de efeito equivalente; O estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos de Estados e à coordenação de posições em foros econômico-comerciais regionais e internacionais; A coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-partes – de comércio exterior, agrícola, industrial, fiscal, monetário, cambial e de capitais, de serviços, alfandegária, de transportes e comunicações e outras que se acordem –, a fim de assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados-partes; e o compromisso dos Estados-partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo de integração.

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Com o decorrer do tempo e acertada vontade política pode a harmonização dar ensejo

à uniformização, porém tal hipótese ainda encontra-se em um futuro bastante distante, sendo

certo que tal metodologia não é a mais adequada quando da implementação da integração,

pois acaba por desconsiderar aspectos econômicos e culturais dos países-membros dos

organismos em formação.

Em virtude do caráter intergovernamental dos órgãos do Mercosul, conforme será

demonstrado ao longo do trabalho, dotados de capacidade decisória, a harmonização das

legislações fica restrita às decisões do Conselho do Mercado Comum e à convenção dos

Estados-membros.

Neste mesmo sentido, de acordo com o artigo 14, inciso II do Protocolo de Ouro

Preto7, o Grupo Mercado Comum tem a possibilidade de tomar a iniciativa de propor ao

Conselho projetos de decisão em matéria de harmonização das legislações. Ressalta-se, no

entanto, que a este órgão não é reservado nenhum tipo de iniciativa para a celebração de

convenções.

Existem duas razões para que o Conselho do Mercosul seja considerado o órgão

competente para promover a harmonização entre as legislações dos Estados-membros. A

primeira razão deriva do próprio artigo 1º. do Tratado de Assunção, que considera a

harmonização o instrumento para a constituição do mercado comum. A segunda, e não menos

importante, encontra-se no artigo 8º., inciso II do Protocolo de Ouro Preto8, o qual inclui,

entre as funções daquele órgão, a promoção das ações destinadas à conformação do mercado

comum.

7 Protocolo de Ouro Preto, Artigo 14 – São funções e atribuições do Grupo Mercado Comum: II. Propor projetos de Decisão ao Conselho do Mercado Comum; 8 Protocolo de Ouro Preto, Artigo 8º. – São funções e atribuições do Conselho do Mercado Comum: II. Formular políticas e promover as ações necessárias à conformação do mercado comum.

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O Protocolo de Ouro Preto, em seu artigo 259, confere à Comissão Parlamentar

Conjunta do Mercosul a função de participar, como coadjuvante, na harmonização de

legislações.

Logo, no âmbito do Mercosul, existem dois métodos possíveis para se efetuar o

procedimento de harmonização das legislações: podem ser feitos por meio da celebração de

convenções entre os Estados-membros ou por meio das decisões do Conselho do Mercado

Comum.

Certo é que no cenário do Mercosul encerra, independentemente do procedimento

escolhido, inúmeros riscos que comprometem todo o sonho da integração.

Em relação à harmonização por meio de celebração de convenções, ressalta-se a

constante instabilidade política da América Latina. Nesse sentido, ao longo de nossa história,

nota-se que, quando parece oportuno, facilmente se rompem ou se prorrogam as negociações,

impedindo, assim, o caminhar do Mercosul.

No que tange às decisões do Conselho do Mercosul, faz-se importante evidenciar que

estas não são prontamente aplicáveis aos Estados-membros, necessitando, por isso, que cada

um deles adote um procedimento interno para a incorporação da decisão ao ordenamento

jurídico interno, o que mais uma vez esbarra na vontade e no interesse político do momento

vivenciado.

Harmonizar não significa, portanto, unificar legislações, mas criar condições para

reduzir os abismos existentes na capacidade competitiva e, principalmente, no fluxo de bens e

capitais em um mesmo processo de integração.

9 Protocolo de Ouro Preto, Artigo 25 – A Comissão Parlamentar Conjunta procurará acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados-partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2º. deste Protocolo. Da mesma forma, coadjuvará na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração. Quando necessário, o Conselho do Mercado Comum solicitará à Comissão Parlamentar Conjunta o exame de temas prioritários.

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2.3. ALGUNS CENÁRIOS PARA O MERCOSUL

A participação dos países em processos regionais capacita e estimula os governos a

buscarem instrumentos que permitam a efetivação desta responsabilidade também no plano

mundial.

Sendo assim, a atuação conjunta em plano internacional ocorre de forma mais

eficiente, uma vez que reforça o poder de negociação de cada Estado-membro. Também está

correta a percepção de que os contatos entre diferentes sistemas de integração tendem a ser

mais fluidos do que entre países tomados individualmente, pois apresentam maior troca de

negociações10.

A significação internacional do Mercosul depende, por um lado, da medida em que

logre formular uma política externa comum e satisfatoriamente implementá-la e, por outro,

essa significação dependerá da alternativa de ordem mundial que venha a prevalecer.

No campo político, o Mercosul aparece como um extraordinário fator de estabilidade.

O Mercosul contribuiu de forma bastante eficaz para a consolidação do regime democrático

nos países-membros. A intensidade e a fluência dos contatos entre os cinco Estados-membros

pressupõem e reforçam, no plano interno, a convivência democrática. Dessa maneira, os

processos de integração internos e externos se formam a partir de um mesmo conjunto de

valores.

Nas condições internacionais discutidas no presente estudo, uma política externa

comum, por parte do Mercosul, se bem orientada, tenderia a acarretar ao menos dois grandes

benefícios, isto é, contribuir, relevantemente, para a constituição de uma ordem mundial

multipolar, bem como proporcionar aos países do Mercosul importantes benefícios

10 Nesse mesmo sentido, “La creación de vínculos entre los diferentes procesos de integracíon favorece la estabilidad de la economía mundial. Todos aquellos aspectos de la economía que se fueron globalizando solos, y sin ningún control, tienden a ser trabajados nuevamente con una perspectiva reguladora en el contexto de las negociones entre grupos de integracíon.” FLORÊNCIO, Sergio Abreu e Lima; ARAÚJO, Ernesto. Mercosur, proyecto, realidad y perspectivas. Brasília: Vest-con, 1997, p. 82.

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econômicos e políticos, tanto no curso do processo de formação deste sistema como no

âmbito do sistema multipolar que venha a se constituir.

O primeiro grande embate do Mercosul se fará ao nível da consolidação da Área de

Livre Comércio das Américas (ALCA).

A estratégia mercosulista de política internacional atua em duas frentes, a saber: a)

rápida aproximação com a União Européia, estabelecendo uma Zona de Livre Comércio

capaz de minimizar a hegemonia norte-americana na região; b) avanço nas negociações com

o Pacto Andino, no sentido de ampliar a força dos países sul-americanos nas negociações da

ALCA.

Para o neoprotecionismo, ou regionalismo aberto, que ao buscar assegurar condições

capazes de elevar a competitividade de setores que, protegidos por certo tempo e

modernizados, podem adquirir uma competitividade futura, o cenário da multipolaridade

torna-se cada vez mais atrativo ao Mercosul. Assim, a integração deixa de ser apenas um

sistema a proporcionar mercado ampliado a seus sócios, para tornar-se um instrumento

fundamental de política externa.

Em 1992, o Conselho do Mercado Comum do Sul firmou com a Comissão das

Comunidades Européias um acordo interinstitucional, que abriu novas perspectivas de

aproximação no campo da cooperação técnica, bem como criou um mecanismo de diálogo e

de exploração das possibilidades de cooperação interinstitucional.

Tamanho interesse continuou a crescer, até que em dezembro do ano de 1995, o

Mercosul e a União Européia assinaram o “Acordo-Quadro Inter-regional de Cooperação”,

instrumento de transição para uma futura “Associação Inter-regional” entre os dois

agrupamentos regionais, cujo pilar básico seria a implementação de um programa de

liberalização progressiva dos fluxos comerciais recíprocos, tendo como natureza ampla

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contemplar os objetivos de aproximação e cooperação nas mais variadas áreas (comércio,

meio ambiente, transportes, ciência e tecnologia e combate ao narcotráfico, entre outros).

Com base em inúmeros encontros entre os dois blocos, a Comissão Européia adotou,

em julho de 1998, recomendação ao Conselho de Cooperação (órgão político que

supervisiona o acordo) para a obtenção de mandato, a fim de negociar uma associação inter-

regional com o Mercosul. O projeto aprovado contemplava o desenvolvimento de uma

parceria política, o reforço de atividades de cooperação e a criação de uma zona de livre

comércio que deveria considerar a sensibilidade de certos produtos e respeitar as regras da

OMC.

O debate em torno da recomendação gerou controvérsias na UE, verificando-se

oposição, sobretudo da França, que apresentou restrições relacionadas a uma eventual

abertura do mercado agrícola europeu a produtos do Mercosul. Alegou, igualmente,

problemas de estratégia geral das negociações da União Européia, que incluíam as futuras

negociações na OMC e a revisão de políticas comuns – entre as quais a Política Agrícola

Comum (PAC).

Embora a União Européia tenha sido a inspiradora do Mercosul, cabe reconhecer a

existência de profundas diferenças entre as duas organizações. O Mercosul preconiza a

instituição de um mercado comum, através de uma união aduaneira e da livre circulação dos

bens e das pessoas, enquanto a União Européia preconiza uma união econômica e monetária,

além da concretização da integração econômica e política.

São muito diferentes também os fatores que levaram à associação: na Europa, a

conjuntura do pós-guerra; no Cone Sul, a conjuntura da globalização e interdependência. Na

Europa, razões de ordem político-militar (controle do uso do carvão e do aço) e de ordem

econômica e social (pobreza e carência de produtos alimentares); na América do Sul, razões

de ordem essencialmente econômicas. Há ainda diferenças estruturais e orgânicas: o Mercosul

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assenta-se no princípio da intergovernabilidade e da igualdade jurídica e funcional dos

Estados integrantes, enquanto a União Européia assenta-se no institucionalismo e no princípio

da proporcionalidade e da desigualdade funcional dos Estados-membros, com órgãos

representativos dos governos e órgãos próprios da organização.

A realidade geopolítica do mundo atual faz realçar os dois blocos regionais que

exibem maior extensão e profundidade no processo de integração – a União Européia já

consolidada, reforçada com a incorporação dos países do Leste Europeu, e o Mercosul, em

marcha acelerada para tornar-se irreversível, fortalecendo-se com o apoio do Chile e da

Bolívia, adotando, a partir de 1996, uma política de regionalismo aberto.

Outra ordem de benefícios decorrerá de uma mais estreita articulação do Mercosul

com a União Européia. A curto e médio prazos, atendendo a um nível médio de

competitividade européia que se aproxima daquele do Mercosul – as vantagens de certos

setores produtivos do Mercosul compensando as dos europeus em outros setores –, o

estreitamento, cada vez maior, da cooperação econômica entre os dois sistemas será

extremamente benéfico para ambos. Se pensarmos em longo prazo, a contribuição do

Mercosul para tal resultado terá gerado condições que assegurarão a relevância da

participação do Mercado Comum do Sul no cenário mundial, constituindo-se uma ordenação

multipolar do mundo.

Pelo lado empresarial, o fenômeno da globalização avança firmemente na medida em

que se ampliam os meios de comunicação e se generaliza o uso da informatização, levando as

relações comerciais e financeiras a não respeitarem fronteiras, nem barreiras, na realização de

negócios, acontecendo onde se apresentem as oportunidades. As negociações comerciais do

Mercosul com a União Européia dependem, essencialmente, das tratativas para acesso ao

mercado no setor agropecuário. A questão fundamental é a redução do protecionismo e da

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questão dos subsídios concedidos pelos países desenvolvidos à produção e à exportação de

produtos agrícolas e pecuários.

Em 1996, Bolívia e Chile assinaram com o Mercosul acordos com o intuito de

estabelecer o arcabouço jurídico e institucional de cooperação e integração econômica e

física, que contribua para a criação de um espaço econômico ampliado, que tenda a facilitar a

livre circulação de bens e serviços e a plena utilização dos fatores produtivos. Isto formaria

uma área de livre comércio entre os Estados contratantes, expandindo e diversificando o

intercâmbio comercial mediante a eliminação das restrições tarifárias e não-tarifárias que

possam comprometer o comércio recíproco.

As negociações relativas ao Acordo de Livre Comércio entre o Mercosul e o Peru têm

como marco inicial o ano de 1995. No entanto, apenas em agosto de 2003, quando da visita

do Presidente do Brasil à Lima, o Acordo de Complementação Econômica entre o Mercosul e

o Peru (ACE-58) foi assinado. Assim, adquiriu o país a condição de Estado Associado,

podendo participar de reuniões da estrutura institucional do bloco, com vistas a promover o

aprofundamento da integração econômica.

Já em 18 de outubro de 2004, foi assinado o Acordo de Complementação Econômica

entre o Mercosul, Colômbia, Equador e Venezuela que estabelece os mecanismos para a

liberalização dos fluxos de comércio entre as partes.

As cláusulas de assimetria dos acordos referidos favorecem os países associados

porque permitem a redução gradual e progressiva das tarifas, dando oportunidade para o país

reformar seu sistema de produção, a fim de adaptá-lo às exigências das futuras negociações

com o Mercosul, fortalecendo a integração latino-americana.

Destacam-se nesse novo cenário mundial as relações entre o Mercosul e Cuba que

assinaram, em 21 de julho de 2006, acordo de complementação comercial pelo qual se

outorgam preferências tarifárias mútuas com o objetivo de aumentar o volume comercial. O

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texto do acordo indica que seu objetivo é impulsionar o intercâmbio comercial das partes

através da redução ou eliminação dos encargos e demais restrições aplicadas à importação dos

produtos negociados. Na realidade, o pacto consolidará as preferências tarifárias previstas nos

quatro acordos de complementação econômica que Cuba já havia assinado, separadamente,

com cada um dos membros do Mercosul.

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3. O PANORAMA DO MERCOSUL

As constantes transformações da economia mundial enfatizam a necessidade da

integração regional, da formação de blocos econômicos destinados a diminuir a concorrência

entre Estados e incrementar a concorrência entre as mais diversas regiões. A afirmativa de que

juntos somos mais competitivos fez com que o homem, ao longo da história, aprendesse a

viver em sociedade, e, hoje, em uma perspectiva um pouco mais moderna, trazemos à tona os

mecanismos de regionalização.

A iniciativa de integração latino-americana decorre de uma constante necessidade de

sobrevivência frente aos mercados externos, é a tentativa de equilíbrio, de fortalecimento

externo do âmbito interno dos países aí localizados. Nesse sentido, facilmente, se compreende

a histórica caminhada rumo à integração da América Latina11. Do ponto de vista do Mercosul,

afirmamos que iniciativas recentes, como a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e

a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), resultaram em um bom aprendizado

em direção ao passo mais largo: MERCOSUL.

Existem diversas formas de promover a integração regional. A mais simples delas é a

criação de uma Zona de Livre Comércio (ZLC), área em que as barreiras comerciais são

abolidas para a maior parte dos produtos. De qualquer modo, a ZLC é a maneira menos

profunda de se promover um processo integratório, uma vez que a integração se dá pela

economia sem ter uma contrapartida política. O exemplo aqui, por excelência, é o North

American Free Trade Agreement (NAFTA), ainda que este apresente algumas

particularidades em relação ao modelo clássico, como acordos especiais no que se refere às

11 Nesse sentido, ao tratar das perspectivas de integração da América Latina, ressalta Ricado Zuccehrino que Bolívar, na sua Carta de Jamaica (1815), já imaginava a formação de uma só nação latino-americana, com um só vínculo que ligasse os Estados-partes entre si e com o todo. ZUCCHERINO, Ricardo. Historia generale Del pensamiento filosófico-político. Buenos Aires: Depalma, 1993, p. 343.

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relações trabalhistas e ao meio ambiente, em geral por conta da pressão imposta por sindicatos

e empresas americanas.

O Tratado de Assunção, firmado entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai em 26 de

março de 1991, é o instrumento jurídico fundamental do Mercosul. Como resultado da

utilização dos instrumentos previstos no Tratado, cerca de 95% do comércio intra-Mercosul

realiza-se atualmente livre de barreiras tarifárias.

A Tarifa Externa Comum (TEC) encontra-se definida para praticamente todo o

universo tarifário do Mercosul, tendo sido implementada em grande parte a partir de 1º de

janeiro de 1995. Até o final do ano de 2006, tempo previsto para o término do período de

convergência ascendente ou descendente das tarifas nacionais que ainda se encontram em

regime de exceção, espera-se que a TEC esteja implementada para a totalidade do universo

tarifário.

A TEC supre a dificuldade de serem os espaços regionais criados sem igualdade de

condições anteriores, o que torna necessário o estabelecimento de um regime de exceções

para que as economias, situadas em diferentes estágios de desenvolvimento, consigam achar

um ponto de equilíbrio, podendo adaptar-se, então, ao novo regime de circulação de bens e

serviços.

O Mercosul adotou o modelo europeu da união aduaneira, que envolve um grau maior

de coordenação política. Esse modelo inclui uma ZLC, mas vai além, adotando uma tarifa

externa comum ao bloco. Isso significa que, nos produtos originados fora do bloco regional,

incide uma única tarifa de importação, uma tarifa comum a todos os países-membros. Esta

norma é importante porque começa a criar um nível de articulação entre a política de

comércio exterior e a política interna, em um pequeno passo rumo a uma integração política

maior. Então, quando o Mercosul optou por formar uma união aduaneira, ele já apontava de

maneira muito clara para um objetivo político mais amplo.

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A criação do Mercosul surgiu, inicialmente, como zona de livre comércio, estimulada

pela liberalização tarifária gradual, linear e automática, acordada por seus Estados-partes

(Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, até aquela data). O segundo passo foi estabelecer os

primeiros contornos da União Aduaneira, com a entrada em vigor em 1º de janeiro de 1995 da

TEC. O rápido progresso obtido pelos países do Mercosul não se resume apenas a seus

associados e, nesse sentido, deve ser interpretado à luz do princípio de regionalismo aberto

defendido por seus fundadores. A integração regional do Mercosul não representa uma ação

diplomática isolada, visto que pretende constituir-se como resultado natural e necessário de

um longo processo de aproximação entre os países da América do Sul.

A criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALAC), em 1960, sua

sucessão pela ALADI, em 1980, e o processo de integração entre Brasil e Argentina, iniciado

com a assinatura da Ata para a Integração Argentino-Brasileira, em 1986, constituem

antecedentes relevantes ao processo de implementação do bloco.

A configuração atual do Mercosul encontra seu marco institucional no Protocolo de

Ouro Preto, assinado pelos quatro países em dezembro de 1994. O Protocolo reconhece a

personalidade jurídica de direito internacional do bloco, atribuindo-lhe, assim, competência

para negociar, em nome próprio, acordos com terceiros países, grupos de países e organismos

internacionais. Hoje, a compatibilidade jurídica do Mercosul com a ALADI, o êxito comercial

da integração e o fato de ser uma entidade dotada de personalidade jurídica garantem a sua

condição de parceiro econômico relevante no plano internacional.

Configura o Mercosul um dos principais pólos de atração de investimentos do mundo.

As razões para este sucesso não são poucas: o Mercosul é ao mesmo tempo a quarta economia

mundial e a principal reserva de recursos naturais do planeta. Suas reservas de energia estão

entre as mais importantes, em especial as de minério e as hidroelétricas. Sua rede de

comunicações é desenvolvida e passa por constante processo de renovação. Mais de dois

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milhões de quilômetros de estradas unem nossas principais cidades e nossas populações

viajam através de mais de seis mil aeroportos. As perspectivas futuras do setor das

comunicações são extremamente promissoras, pois, com a privatização das principais

empresas do ramo, abrem-se possibilidades de exploração de um mercado inúmeras vezes

maior.

O Mercosul é hoje um global trader12 e, como tal, tem todo o interesse em manter um

relacionamento externo amplo e variado. Seus países-membros têm se preocupado

constantemente em manter uma inserção comercial global, sem privilegiar um ou outro país, a

fim de garantir um escopo maior de atuação na cena internacional. Suas importações e

exportações distribuem-se, de forma equilibrada, entre as diversas economias do mundo.

Nesse sentido, é natural que o Mercosul pratique e respeite os princípios do regionalismo

aberto, na medida em que foi originalmente concebido, precisamente para aumentar e

melhorar a participação de suas quatro economias no mercado mundial.

A integração em curso dá cumprimento a um dispositivo incorporado no artigo 4º.,

parágrafo único da Constituição Brasileira13. É, portanto, ferramenta valiosa para a inserção

mais competitiva das economias latino-americanas no mercado internacional, em um quadro

em que se destacam a formação de grandes blocos econômicos atuando em todo o cenário

mundial.

Constituindo-se na mais ampla experiência de integração da América do Sul, o

Mercosul é, sem dúvida, uma das mais bem-sucedidas iniciativas diplomáticas na história

deste continente. Sua evolução positiva é um dos elementos centrais do quadro político de

entendimento e cooperação entre os países do Cone Sul. A expansão dos fluxos de comércio e

investimento intra-regionais passou a constituir importante instrumento para a promoção do

12 LAFER, Celso. Mercosul: desafios a vencer. São Paulo: CBRI, 1994, p. 9. 13 Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, Art. 4º. – A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: Parágrafo único – A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

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desenvolvimento dos países-membros. No plano internacional, o Mercosul afirmou-se como

um exemplo de cooperação entre nações de uma mesma região.

A questão da integração regional se insere na busca de respostas continentais para a

defesa dos interesses dos países latino-americanos, prejudicados historicamente pelas

condições de intercâmbio no mercado internacional.

Entretanto, com todos os problemas, existe um período conhecido como “Fase de

Ouro” do Mercosul, que vai de 1991, quando da formação do bloco, até 1998. Essa fase é

marcada por um aumento muito expressivo do comércio entre os países-membros, além de

uma melhora considerável no nível de articulação internacional desses países, que chegaram a

negociar junto a ALCA. No auge, em torno de 1998, as exportações do Brasil para o Mercosul

totalizam valores que beiram 20% do comércio exterior brasileiro.

Todavia, inseridos na globalização, a chamada “fase de ouro” foi interrompida por

uma sucessão de crises financeiras internacionais, que começaram no leste da Ásia, se

espalharam pela Rússia, chegando à América Latina, principalmente Brasil e Argentina, que

atrelavam suas moedas ao dólar.

Desde 1991, um novo cenário se criou. O plano anteriormente traçado necessitou de

inúmeras reformas, a força político-econômica do bloco também ganhou destaque. Com isso,

nada mais justo do que a inclusão de novos signatários, transformando o Mercosul em um

agente de grande competitividade no mercado internacional.

Chile e Bolívia tiveram suas adesões formalizadas em 1996. Em 18 de outubro de

2004, foi assinado um acordo de Complementação Econômica entre o Mercosul, Colômbia,

Equador e Venezuela que estabeleceu os mecanismos para a liberalização dos fluxos de

comércio entre os Estados-membros. Em agosto de 2003, foi assinado o Acordo de

Complementação Econômica entre o Mercosul e o Peru. Em termos bastante semelhantes aos

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acordos anteriormente estabelecidos, este prevê a conformação de uma zona de livre comércio

entre as partes signatárias.

Nesse contexto mutável e associativo latino-americano, foi a Venezuela o primeiro

país a incorporar-se definitivamente ao Mercosul, em 4 de julho de 2006. Segundo dados

colhidos junto ao Itamaraty, o bloco passará a ter 250 milhões de habitantes, área de 12,7

milhões de quilômetros quadrados e um Produto Interno Bruto (PIB) de US$1 trilhão, 76% do

total da América do Sul.

Visando uma integração homogênea e paulatina, o cronograma oficial do Mercosul

prevê a abertura plena da economia brasileira para a Venezuela até 2010. Já a Venezuela

abrirá seus mercados aos brasileiros em janeiro de 2012. Para os dois países, entretanto,

“produtos sensíveis” poderão ser integrados à economia de livre comércio só em janeiro de

2014.

Entretanto, ainda que haja muitos atritos na relação Brasil-Argentina, a integração do

continente tem perspectivas maiores e os últimos anos têm sido marcados por uma série de

iniciativas brasileiras nessa área. A mais importante delas, e que vem acontecendo nos últimos

dez anos, é uma aproximação do Mercosul com a Comunidade Andina. A maior parte dos

membros da Comunidade Andina é também membro associado do Mercosul e goza de tarifas

preferenciais ao negociar com o Mercosul (benefício dos membros associados que não fazem

parte da TEC e nem das decisões políticas do bloco).

Ponto que deve ser ressaltado é a proximidade do México com o bloco mercosulista.

Depois que a Venezuela iniciou seu processo de adesão ao Mercosul como membro pleno, o

México voltou a consultar o bloco sobre a possibilidade de entrar para o Mercosul antes de

avançar no acordo de livre comércio. No entanto, resta realizar um calendário de redução das

tarifas de comércio entre o México e o Mercosul.

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Certo é que para passar da condição de membro associado (com participação nas

reuniões políticas e com acordos de preferência comercial) para a de membro pleno (com

adesão à Tarifa Externa Comum), a Venezuela deixou de participar da Comunidade Andina e

assinou acordos com todos os países do bloco conjuntamente. No caso do México, a situação

é um pouco mais complicada, visto que o país assinou acordos de preferência comercial com

Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai separadamente e nenhum acordo foi assinado com a

Venezuela.

Outra iniciativa bastante relevante é a Organização para Cooperação do Tratado

Amazônico (OCTA). O Brasil participa deste Tratado de Cooperação Amazônica desde o

final dos anos 70, embora a Organização em si tenha sido constituída em 2004, pois amarra

um lado mais esquecido na integração regional latino-americana, que são o meio ambiente e a

saúde pública.

O progresso do Mercosul vive um impasse. Existe certo consenso de que o avanço do

Mercado Comum do Sul passa por uma coordenação política maior da economia: coordenar a

política cambial, a de combate à inflação, a de negociação da dívida externa. Só que isso não

é uma solução simples de ser implementada. A dúvida é se Brasil e Argentina seriam capazes

de chegar a esse nível de integração e vontade política.

3.1. O MERCOSUL JURÍDICO

A estrutura institucional do Mercado Comum do Sul foi definida, de forma transitória,

pelo Tratado de Assunção e, de forma permanente, a partir da assinatura do Protocolo de Ouro

Preto.

Essa estrutura orgânica possui características originais, que a diferenciam da de outros

modelos de integração, como, por exemplo, a União Européia. Em primeiro lugar, ela é

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intergovernamental, o que significa que são sempre os governos que negociam entre si, não

existindo órgãos supraestatais. Por outro lado, as decisões no Mercosul são sempre tomadas

por consenso, não existindo a possibilidade de veto.

Os países do Mercosul, devido à tradição dos regimes políticos aqui implantados,

optaram pela instituição intergovernamental, ignorando a supraestatalidade. A diferença entre

um e outro instituto é substancial: nesta existe a conjugação de interesses comuns e uma

estrutura institucional autônoma e independente; por sua vez, na intergovernabilidade temos a

conjugação de interesses comuns e uma estrutura institucional não-dotada de autonomia e

independência, acarretando, desta forma, a ausência de defesa dos interesses comunitários,

por meio, principalmente, de um Tribunal de Justiça Supranacional. Resta esclarecer que o

fundamento maior da opção pela intergovernabilidade é político, isto é, uma opção para não

compartilhar a soberania.

Essas características têm significados e conseqüências importantes para o Mercosul.

Elas definem, por um lado, a natureza flexível e gradual do processo, que não se encontra

preso à rigidez de estruturas decisórias alheias à vontade ou à capacidade de compromisso dos

governos envolvidos. Uma decisão adotada pelo Mercosul, na medida em que é consensual,

reflete a disposição dos governos de todos os sócios em sua plena aplicação. No plano

jurídico, essa sistemática cria a necessidade de adotar procedimentos nacionais para

incorporação da norma acordada ao ordenamento jurídico nacional de cada Estado-parte,

conforme veremos mais adiante.

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40

3.2. O SISTEMA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NO MERCOSUL

O Tratado de Assunção de 1991 é um “acordo-quadro”, na medida em que não cria um

Mercado Comum, nem a conformação definitiva de sua estrutura institucional, mas apenas

define os objetivos do processo de integração e os mecanismos para alcançá-lo. O Mercosul é,

portanto, um processo que evolui em etapas conforme as necessidades que vão surgindo e as

situações específicas pelas quais passam seus Estados-membros.

Da natureza intergovernamental, como citada no tópico anterior, concluímos que as

normas elaboradas pelos órgãos do Mercosul não possuem validade nem aplicação automática

nos Estados-partes, carecendo, para tanto, de sua incorporação aos ordenamentos jurídicos

nacionais, por instrumentos e procedimentos traçados no âmbito interno, logo, com diferenças

substanciais entre os países-membros. Dessa maneira, torna-se extremamente relevante

mencionar que as normas do Mercosul, ao serem incorporadas ao ordenamento jurídico

interno de cada país, podem ser objeto de ações junto aos órgãos de cada Poder Judiciário

nacional.

Já para a solução de conflitos entre os Estados-partes, o Protocolo de Brasília criou

três fases de solução de conflitos: a negociação, a conciliação e a arbitragem. Os Estados-

partes devem procurar resolver suas diferenças, antes de tudo, mediante negociações diretas.

Caso as negociações não obtenham êxito, qualquer dos Estados-partes na controvérsia poderá

submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum (GMC).

Se, ainda assim, a intervenção do GMC não for suficiente para dirimir a diferença, as

partes poderão recorrer ao Procedimento Arbitral, o qual tramitará ante um Tribunal Arbitral

Ad Hoc composto por três árbitros, designados a partir de listas depositadas previamente na

Secretaria Administrativa do Mercosul, localizada em Montevidéu. Este tribunal fixará sua

sede em algum dos Estados-partes e adotará suas próprias regras de procedimento, observadas

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a garantia do contraditório e a celeridade processual. O Tribunal poderá julgar conforme o

direito (Tratado de Assunção, acordos derivados, decisões do Conselho do Mercado Comum,

resoluções do Grupo Mercado Comum, diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e

disposições do Direito Internacional) ou, se solicitado pelas partes, poderá decidir pela

eqüidade.

Da decisão arbitral não cabe recurso e, caso não seja cumprido pelo Estado-membro

no prazo máximo estipulado pelos árbitros, acarretará a adoção de medidas compensatórias

temporárias, tais como a suspensão de concessões ou equivalentes.

As duas primeiras etapas desse procedimento revestem-se de caráter

intergovernamental: as próprias partes, primeiramente sozinhas e depois assistidas pelo Grupo

Mercado Comum, poderão chegar à solução amigável da questão. Já a solução arbitral não se

dará por consenso, mas estará a cargo de terceiros independentes, mediante laudo, que por ser

inapelável e obrigatório para os Estados-partes, tem força de coisa julgada. Diante disso, o

sistema de solução de controvérsias do Protocolo de Brasília aceita, de certo modo, a

supranacionalidade da sentença arbitral.

No que diz respeito a reclamações de particulares, o procedimento também foi

previsto no Protocolo de Brasília, reconhecendo que o objetivo visado pelo Tratado de

Assunção não será alcançado somente com a participação dos Estados, mas pressupõe a

participação dos operadores econômicos e investidores intra e extra-bloco, bem como dos

cidadãos dos Estados-membros.

Pelo disposto nesse capítulo, as pessoas físicas ou jurídicas que se sentirem afetadas

por uma sanção ou aplicação, por qualquer um dos Estados-partes, de medidas legais ou

administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, deverão

iniciar o procedimento formalizando suas reclamações ante a Seção Nacional do Grupo

Mercado Comum do Estado-parte onde tenham residência habitual ou sede de negócios.

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42

Ainda de acordo com o Protocolo de Brasília, se a Seção Nacional decidir patrocinar a

reclamação do particular, optará entre a negociação direta com a Seção Nacional do Grupo

Mercado Comum do Estado-parte ao qual se atribui a violação ou levará o caso, sem mais

consultas, diretamente a este, que poderá denegar a reclamação, se carecer dos requisitos

necessários, ou receber a reclamação, convocando a seguir grupo de especialistas para emitir

parecer sobre sua procedência. Comprovada a procedência, qualquer outro Estado-parte

poderá requerer a adoção de medidas corretivas ou a anulação das medidas questionadas.

Caso o requerimento não prospere, o Estado-parte poderá recorrer ao procedimento arbitral já

descrito nos parágrafos anteriores.

3.2.1. Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul

Partindo-se do sistema de solução de controvérsias instituído sob o Protocolo de

Brasília, faz-se necessário realizar uma análise deste mesmo mecanismo pautando-se em um

novo sistema intrabloco. Nesse sentido, com a entrada em vigor em 2004 do Protocolo de

Olivos, estabeleceu-se no Mercado Comum do Sul o Tribunal Arbitral Permanente de

Revisão do Mercosul, com sede na cidade de Assunção. Com o objetivo de minimizar uma

das fontes de insegurança jurídica no grupo que era a falta de um tribunal permanente para

resolver questões práticas de maneira rápida e objetiva.

Destaca-se que a partir do citado protocolo as partes que compõem o Mercosul

poderão escolher livremente o foro a ser adotado: o regional ou o multilateral (OMC). No

entanto, ao optarem pelo foro regional este deverá ser a última decisão, não podendo a causa

ser levada posteriormente à OMC. Ressalta-se, no entanto, que a mencionada opção será

fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo Conselho Mercado Comum, em caráter

abstrato, não concreto.

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Mantendo-se intacto o primeiro estágio do mecanismo de solução de controvérsias do

Protocolo de Brasília, conforme o art. 4º do novo diploma, as partes, obrigatoriamente,

tentarão a via direta de negociação de conflitos14. Esta negociação, contudo, poderá ser

complementada por Comissões Técnicas Especializadas15 que prestarão conhecimento técnico

já na primeira fase do litígio, encaminhando-se os resultados ao Grupo Mercado Comum, por

meio da Secretaria Administrativa do Mercosul.

Na segunda fase, por outro lado, encontram-se as primeiras alterações advindas do

Protocolo de Olivos. Diferentemente do procedimento explicitado anteriormente, que previa a

negociação coletiva por via do GMC, este estágio será possível de ser suprimido, podendo as

partes por esta via ou recorrer a Procedimento Arbitral.

Se houver preferência pela assistência do GMC, a lide será discutida pelas partes com

o auxílio de especialistas, sendo as custas repartidas pelas partes envolvidas em igual

proporção16.

Se um terceiro Estado, também membro do Mercosul, no entanto, realizar solicitação

de recurso ao Grupo Mercado Comum quando do término da negociação direta, desde que

devidamente fundamentada, deverá a mesma ser respeitada, sob pena de fundamentar-se

desequilíbrio nas relações internas. Em sentido contrário, se o procedimento arbitral já tiver

14 Protocolo de Olivos - Artigo 4º - Negociações - Os Estados partes numa controvérsia procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas 15 Protocolo de Olivos – Artigo 2º - Estabelecimento dos mecanismos - 1.Quando se considere necessário, poderão ser estabelecidos mecanismos expeditos para resolver divergências entre Estados partes sobre aspectos técnicos regulados em instrumentos de políticas comerciais comuns. 2. As regras de funcionamento, o alcance desses mecanismos e a natureza dos pronunciamentos a serem emitidos nos mesmos serão definidos e aprovados por Decisão do Conselho do Mercado Comum. 16 Protocolo de Olivos - artigo 6º - Procedimento opcional ante o GMC - 1. Se mediante as negociações diretas não se alcançar um acordo ou se a controvérsia for solucionada apenas parcialmente, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá iniciar diretamente o procedimento arbitral previsto no Capítulo VI. 2. Sem prejuízo do estabelecido no numeral anterior, os Estados partes na controvérsia poderão, de comum acordo, submetê-la à consideração do Grupo Mercado Comum. i) Nesse caso, o Grupo Mercado Comum avaliará a situação, dando oportunidade às partes na controvérsia para que exponham suas respectivas posições, requerendo, quando considere necessário, o assessoramento de especialistas selecionados da lista referida no artigo 43 do presente Protocolo. ii) Os gastos relativos a esse assessoramento serão custeados em montantes iguais pelos Estados partes na controvérsia ou na proporção que determine o Grupo Mercado Comum.

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sido iniciado, só poderá ocorrer interrupção mediante o estabelecimento de acordo entre as

partes demandadas e o Estado solicitante.

Do GMC, serão emanadas dois tipos de decisão: as coercitivas dirigidas às partes

envolvidas no conflito; e as consultivas, para os Estados-membros que solicitem

posteriormente sua tutela sobre o caso litigado. O que, mais uma vez, aponta para a busca de

uma maior estabilidade nas relações intrabloco.

Na fase do Procedimento arbitral, propriamente dito, é possível perceber as

modificações realmente ocorridas a partir do Protocolo de Olivos. A grande diferença está no

fato de que o Mercosul estará recebendo não apenas um grau de solução de controvérsias,

como ocorria com o Tribunal Arbitral, mas sim, uma instância de recursos, qual seja o

Tribunal Permanente de Recursos, sendo este localizado em Assunção, capital paraguaia.

A primeira instância, que continuará ocorrendo no Tribunal Ad Hoc, será acionada

por requisição junto à Secretaria Administrativa do Mercosul, que notificará todas as partes

envolvidas. O número de árbitros também continuará o mesmo: serão indicados três árbitros

escolhidos de uma lista prévia, e ainda um suplente para o árbitro titular, também escolhido da

lista. Em comum acordo, será designado um árbitro terceiro para que presida o Tribunal.

Ressalta-se que uma vez recebida a Inicial, o Tribunal Arbitral, existindo grande

indício de existência de direito à parte, poderá proferir Medidas Provisórias com o intuito de

assegurar o direito ameaçado.

O Tribunal Arbitral de Recursos encontra-se previsto a partir do artigo 17 do

Protocolo de Olivos, podendo todos os Estados-membros do Mercosul ter acesso à sua

jurisdição, sendo esta uma possibilidade de revisão do laudo arbitral proferido em caráter Ad

Hoc.

O citado tribunal será composto por cinco árbitros, escolhidos por cada membro do

Mercosul para um mandato de dois anos, e um suplente para este. Logo, se no futuro novos

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Estados vierem a aderir ao Mercado Comum do Sul, a composição do TPR será acrescida em

número. Esses árbitros podem ter seus mandatos renovados por duas vezes.

Vale mencionar que, em sua manifestação, o Tribunal Permanente de Recursos poderá

confirmar, modificar ou revogar completamente o laudo arbitral inicial. Frisa-se, também, que

tal manifestação terá vigência absoluta e fará Coisa Julgada material, sem possibilidade de

recurso.

Visando garantir o efetivo cumprimento dos Laudos Arbitrais, o Protocolo de Olivos

prevê medidas compensatórias que abrangeriam as sanções cabíveis aos ilícitos regionais.

Portanto, quando do descumprido de algum laudo, estas poderão ser invocadas pelo Estado

prejudicado independentemente de novo recurso aos tribunais. Vale ressaltar, por outro lado,

que, inicialmente, as sanções residirão no setor objeto da lide, porém, se estas forem

ineficazes, poderá a sanção abranger outros setores comerciais.

O Protocolo de Olivos prevê ainda, nos moldes já anteriormente mencionados em

conformidade com o previsto no Protocolo de Brasília, procedimento de tutela aos interesses

privados, provenientes de pessoas físicas ou jurídicas pertencentes ao Mercosul.

3.3. OS ÓRGÃOS DO MERCOSUL: A AUSÊNCIA DE UMA ESTRUTURA

SUPRAESTATAL

Como demonstrado nos tópicos anteriores, o Mercosul optou por uma estrutura

institucional intergovernamental que conta com os seguintes órgãos:

a. Conselho do Mercado Comum – é o órgão superior do Mercosul e tem como

incumbência a condução política do processo de integração. É composto pelos

Ministros das Relações Exteriores e pelos Ministros da Economia. Ressalva-se

que sua presidência é rotativa entre os Estados-partes.

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b. Grupo do Mercado Comum – é o órgão de execução do Mercosul. Tem como

atribuição zelar pelo cumprimento do Tratado de Assunção e dos acordos

estabelecidos pelo bloco. É integrado por quatro membros titulares e quatro

membros rotativos de cada país, sempre designados pelos respectivos

governos.

c. Comissão de Comércio do Mercosul – é o órgão auxiliar do Grupo Mercado

Comum. Tem competência para acompanhar e revisar os temas relacionados à

política comercial, velando pela aplicação dos tratados e acordos sobre a

matéria. É coordenado pelos Ministérios das Relações Exteriores.

d. Comissão Parlamentar Conjunta – é o órgão representativo dos parlamentos de

cada Estado-parte na esfera do Mercosul. Tem como principal função atuar no

âmbito interno de forma a concretizar as normas emanadas pelo grupo.

e. Foro Consultivo Econômico-Social – é o órgão representativo dos setores

econômicos e sociais dos Estados-partes. Tem função consultiva, atuando em

paralelo com o Grupo Mercado Comum.

f. Secretaria Administrativa do Mercosul – é o órgão de apoio operacional,

responsável pelas publicações e divulgações das decisões tomadas no âmbito

do bloco, bem como pela guarda da documentação do Mercosul.

g. Tribunal Arbitral Permanente de Revisão do Mercosul – é o órgão que visa

minimizar uma das fontes de insegurança jurídica no grupo que era a falta de

um tribunal permanente para resolver questões práticas de maneira rápida e

objetiva.

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Nenhum dos seis órgãos tem caráter supraestatal. A própria Comissão Parlamentar

Conjunta é apenas um órgão representativo dos parlamentos nacionais nos domínios do

Mercosul.

Conforme leciona Ginesta, diante do quadro apresentado percebe-se a fragilidade da

estrutura do Mercado Comum do Sul, facilitando com isso a constante ingerência da vontade

política dos Estados-membros na manutenção do histórico protecionismo econômico existente

na América Latina em detrimento dos interesses globais do bloco, desgastando as relações no

âmbito interno e comprometendo sua imagem no âmbito externo17.

Até que ponto se faz necessária a presença de uma estrutura supraestatal para diminuir

as constantes crises e consolidar o Mercosul? Até que ponto podemos nos apropriar e adaptar

a estrutura criada pela União Européia à realidade do Mercosul?

Traçar tais limites é o objetivo deste tópico.

Podemos afirmar que a União Européia não é uma federação, tampouco uma mera

organização de cooperação entre governos. Os países que pertencem à União Européia, assim

como aqueles pertencentes ao Mercosul, continuam a ser soberanos e independentes. No

entanto, congregaram suas soberanias para juntos conquistarem áreas impossíveis de serem

mantidas isoladamente.

Diferentemente do definido no Tratado de Assunção para o Mercosul, a União

Européia preocupou-se com mecanismos passíveis de assegurar que os assuntos de interesse

comum pudessem ser decididos democraticamente ao nível europeu, razão pela qual foi

adotado o modelo supraestatal de tomada de decisões, envolvendo, em especial, três

instituições:

17 Segundo Jacques Ginesta, “em primer lugar, el sistema carece de toda base de supranacinalidad, es decir de algún mecanismo por el cual puede imponerse al conjunto una decisión mayoritaria, conta la voluntad de alguns de sus miembros. Los organismos intergubernamentales adoptan el esquema en los cuáles las decisiones pueden ser bloqueadas por cualquiera de las partes; no habiendo forma de levantar ese veto, ma allá de la simple negociación.” GINESTA, Jacques. El mercosur y su contexto regional e internacional:una introducción. Porto Alegre: UFRGS, 1999, p. 129.

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a. Parlamento Europeu – diretamente eleito pelos cidadãos da União Européia

para representar os seus interesses no bloco regional. Exprime, portanto, a

vontade democrática dos cidadãos dos países que compõem a União e

representa os seus interesses nas discussões com as outras instituições.

b. Conselho da União Européia – O Conselho é o principal órgão de tomada de

decisões da UE. Representa os Estados-membros e, em suas reuniões, participa

um ministro do governo nacional de cada um dos países da União Européia.

Cada ministro que participa num Conselho tem competência para vincular o

seu governo. Em outras palavras, a assinatura do ministro obriga todo o seu

governo a cumprir o acordado. Além disso, cada ministro que participa no

Conselho é responsável perante o seu Parlamento nacional e perante os

cidadãos que esse Parlamento representa. Está assim assegurada a legitimidade

democrática das decisões do Conselho.

c. Comissão Européia – A Comissão é independente dos governos nacionais.

Tem por missão representar e defender os interesses da União Européia no seu

todo. Elabora novas propostas de legislação européia, que apresenta ao

Parlamento Europeu e ao Conselho. É também o braço executivo da União

Européia.

No modelo criado pela União Européia, duas outras instituições desempenham um

papel fundamental: o Tribunal de Justiça18, cuja função é assegurar o cumprimento da

legislação européia, e o Tribunal de Contas, que fiscaliza o financiamento das atividades da

União. 18 Segundo José Mota de Campos e João Luiz Mota de Campos, em Manual de Direito Comunitário (Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2004, p. 185), “o Tribunal de Luxemburgo é um verdadeiro tribunal – órgão inteiramente independente das restantes instituições comunitárias e dos governos dos Estados-membros, com jurisdição própria e competência exclusiva em determinadas matérias que aprecia com rigorosa conformidade do direito comunitário. Para poder exercer plenamente e com a necessária independência o seu poder jurisdicional, o Tribunal intervém a requerimento de qualquer das partes interessadas no litígio, julga sem recurso, algumas das decisões têm força executória nos territórios dos Estados-membros, funciona com caráter de permanência e a nacionalidade dos juízes do Tribunal de Justiça nada tem a ver com o exercício independente de suas funções”.

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Resta esclarecer que os poderes e as responsabilidades destas instituições foram

estabelecidos pelos Tratados, que constituem a base para a atuação da União Européia

estando, também, consagradas as regras e os procedimentos que tais instituições devem

seguir.

Em relação à eficácia dos atos desses órgãos, a superioridade do modelo europeu

frente ao estabelecido no Tratado de Assunção, manifesta-se na supremacia das normas de

direito comunitário e na sua aplicabilidade direta nos Estados-membros da União Européia.

As normas de origem comunitária prevalecem sobre todas as normas internas contrárias,

inclusive constitucionais, diminuindo, assim, os riscos decorrentes das eternas mudanças

políticas desenvolvidas no modelo institucional do Mercosul.

Diante das constantes e recentes crises vividas pelo Mercosul, apropriar-se da estrutura

aplicada ao modelo europeu para modificar a estrutura institucional do Mercosul representa,

hoje, uma das possibilidades de manutenção do sonho de integração da América Latina.

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4. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS

A inserção, bem como a posição hierárquica das normas de direito internacional,

suscita inúmeras dificuldades e discussões. A aplicação, pelos órgãos nacionais, das normas

internacionais de origem convencional é questão que, como será visto, prescinde de exame

das relações entre a ordem jurídica interna e internacional de cada um dos Estados que

compõem o bloco mercosulista.

Ressalta-se que de acordo com a Convenção de Viena19 sobre direito dos tratados há

prevalência dos tratados no âmbito internacional, sendo este o principal meio de se

desenvolver a cooperação pacífica entre os Estados-nacionais.

As transformações mundiais recentes, o processo de globalização de países em blocos,

ao mesmo tempo em que elevam a importância do direito internacional, questionam o

conceito do exercício da soberania.

Na definição de Kelsen, o Direito Internacional é um complexo de normas que

regulam a conduta recíproca dos Estados, sujeitos específicos do Direito Internacional. O

Direito Tributário Internacional compreende o complexo das normas tributárias de conflitos,

quer sejam reveladas por fontes internas, quer por fontes internacionais20.

Têm-se distinguido o Direito Internacional Tributário e o Direito Tributário

Internacional, atendendo à origem e ao objeto dos seus preceitos: enquanto o primeiro seria

constituído por normas de origem internacional e tendesse a regular as relações entre Estados

em matéria tributária, o segundo seria constituído por normas internas, tendo como objetivo

disciplinar questões conexas por qualquer de seus elementos com mais de uma ordem

tributária.

19 A Convenção foi aberta à assinatura em Viena, em maio de 1969, entrando em vigor internacionalmente em 27 de janeiro de 1980. 20 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. portuguesa de Dr. João Baptista Machado. 6.ed. Coimbra: Armênio Amado, 1984, p. 427.

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Nas palavras de Alberto Xavier, é possível afirmar que o direito tributário

internacional tem por objeto situações internacionais, ou seja, situações da vida que têm

contato, por qualquer dos seus elementos, com mais de uma ordem jurídica21. A natureza da

situação, assim, decorre de sua conexão com mais de um ordenamento jurídico, configurando

uma situação de vida plurilocalizada.

Diante da distinção apresentada, é certo que o direito internacional tributário moderno

admite soluções liberais que não são aceitáveis no direito tributário internacional, como, por

exemplo, a solução de conflitos de leis por meio de remissão para leis estrangeiras, aplicáveis

e executáveis, como tal, em paridade com as leis do foro e o reconhecimento automático de

sentenças estrangeiras.

Por outro lado, em se tratando de hipótese de direito tributário internacional, nunca

será um concurso de normas tributárias resolvido pela remissão para uma lei estrangeira

competente, suscetível de aplicação pelos órgãos nacionais, uma vez que não admite o

reconhecimento automático de sentença estrangeira para o efeito de execução de créditos

tributários estrangeiros por tribunais nacionais.

Conforme Alberto Xavier ressalva ainda, a diferença entre as soluções aplicáveis aos

dois ramos do direito, aqui apresentados, deve ser mitigada. Sendo assim, por exemplo, para

aplicação das convenções contra a dupla tributação pelo país de foro, torna-se necessário

aplicar as leis estrangeiras que regulam os pressupostos de aplicação da norma convencional.

Em sentido oposto, reconhecendo tal distinção entre os direitos para fins meramente

didáticos, Heleno Torres22 afirma ser útil estabelecer tais parâmetros de interpretação e

aplicação das respectivas normas, quando do estudo do Direito Tributário na integração

regional, devendo ambos serem entendidos como especialidades da ciência do direito

tributário interno, autônomos didaticamente à medida em que não constituem um sistema de 21 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 3. 22 TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais , 2001, p. 53.

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normas organizado estruturalmente com função em princípios próprios que os definam como

objetos de estudo.

No que tange a soberania anteriormente mencionada, no direito internacional tributário

inexiste, em princípio, limites para o exercício de sua soberania fiscal. O poder de tributar

seria, então, recusado quando forem ultrapassados os limites de conexão, territorial ou

pessoal, entre o fato tributável e o Estado tributante. Perfeitamente plausível a definição de

que a residência da pessoa no território de um Estado legitima o poder tributário deste, no

mesmo sentido, quando da localização da fonte de produção ou de pagamento, bem como que

a soberania pessoal legitima ordens dadas em território nacional a nacionais de um país, ainda

que residentes em território estrangeiro.

É pertinente mencionar no panorama de distinção entre Direito Tributário

Internacional e Direito Internacional Tributário a questão da dupla tributação.

Dupla tributação é a tradução para o campo do direito tributário do chamado concurso

de normas, constituindo duas obrigações tributárias distintas em razão da identidade do fato

(mesmo objeto, sujeito, imposto, período tributário – para impostos periódicos) e da

pluralidade de normas pertencentes a ordenamentos distintos.

Sob este enfoque, contextualizando o acima narrado para o âmbito da formação do

Mercado Comum do Sul, é possível afirmar que as constituições dos Estados-membros do

Mercosul instituem os tratados de integração como uma verdadeira “Constituição Política da

Comunidade”23. Ressalta-se, no entanto, que a forma pela qual as convenções se inserem nas

ordens jurídicas nacionais é matéria cuja disciplina é objeto do direito constitucional de cada

país, conforme leciona Tércio Sampaio Ferraz24, onde, ao fazer referência à crescente

importância das relações internacionais, ressalta que para se definir o papel do tratado

23 Esse é o sentido enfatizado por Roberto Dromi (coord.) em Derecho Comunitario: regimen del Mercosur. Buenos Aires, 1996, p. 41. 24 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2.ed. São Paulo: Atlas, 1994, p.239-240.

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internacional na ordem interna dos países-membros deve ser consultado o sistema

constitucional adotada por cada Estado.

Podemos afirmar que não existem regras de direito internacional que instituam como

incorporar uma norma internacional em cada Estado, ainda que existam compromissos

internacionais que vislumbrem a incorporação25.

Diante deste quadro, é possível distinguir três sistemas básicos nos quais se

classificam as formas de inserção dos tratados internacionais nos ordenamentos jurídicos

internos. São os sistemas de recepção automática plena, transformação e recepção

semiplena26.

Segundo o sistema da recepção automática plena, bastaria que o tratado entrasse em

vigor na ordem internacional para que gerasse efeitos internos, necessitando-se apenas de

publicação oficial para que o mesmo viesse a atingir seus destinatários.

Já no sistema da transformação faz-se necessário que um ato legislativo incorpore a

norma de direito internacional ao ordenamento jurídico interno, separando-se nitidamente a

25 Protocolo de Ouro Preto de 17 de dezembro de 1994 – Capítulo IV – Aplicação Interna das Normas Emanadas dos Órgãos do Mercosul Artigo 38 – Os Estados-partes comprometem-se a adotar todas as medidas necessárias para assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no artigo 2º. deste Protocolo. Parágrafo único – Os Estados-partes informarão à Secretaria Administrativa do Mercosul as medidas adotadas para esse fim. Artigo 39 – Serão publicados no Boletim Oficial do Mercosul, em sua íntegra, nos idiomas espanhol e português, o teor das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul e dos Laudos Arbitrais de solução de controvérsias, bem como de quaisquer atos aos quais o Conselho do Mercado Comum ou o Grupo Mercado Comum entendam necessário atribuir publicidade oficial. Artigo 40 – A fim de garantir a vigência simultânea nos Estados-partes das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no Artigo 2º. deste Protocolo, deverá ser observado o seguinte procedimento: i) Uma vez aprovada a norma, os Estados-partes adotarão as medidas necessárias para a sua incorporação ao ordenamento jurídico nacional e comunicarão as mesmas à Secretaria Administrativa do Mercosul; ii) Quando todos os Estados-partes tiverem informado sua incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos, a Secretaria Administrativa do Mercosul comunicará o fato a cada Estado-parte; iii) As normas entrarão em vigor simultaneamente nos Estados-partes 30 dias após a data da comunicação efetuada pela Secretaria Administrativa do Mercosul, nos termos do item anterior. Com esse objetivo, os Estados-partes, dentro do prazo acima, darão publicidade do início da vigência das referidas normas por intermédio de seus respectivos diários oficiais. 26 RAMOS, Rui Moura. A Convenção Européia do Direito dos Tratados. In: Revista de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República Portuguesa, Boletim do Ministério da Justiça n.º 5. Lisboa, 1981, p. 111-6.

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vigência internacional da vigência interna. Tal sistema, em última análise, aponta para uma

total independência dos planos jurídicos nacional e internacional. Ausente o ato legislativo ou

executivo que represente a transformação do tratado, é automaticamente afastada sua vigência

no plano interno.

Logo, é possível identificar, quanto ao relacionamento entre os tratados internacionais

e a legislação interna, duas correntes doutrinárias, de um lado o monismo e do outro o

dualismo.

O preceito dualista está na origem desta distinção. Com efeito, à luz desta visão, as

normas de direito internacional nunca regulariam como tal as questões tributárias

internacionais, independentemente, portanto, da sua transformação em direito interno,

limitando a sua eficácia a disciplinar relações interestatais.

Para os dualistas não existe conflito entre a ordem internacional e a ordem interna.

São esferas distintas. As normas de direito internacional disciplinam as relações entre os

Estados. O direito interno rege as relações intraestatais sem conexão com elementos externos.

Dessa forma, um ato internacional somente terá força normativa em um Estado se for

referendado por ele.

No centro da concepção dualista podemos destacar a doutrina de Heleno Tôrres e

Paulo de Barros Carvalho, uma vez que tais juristas consideraram que o conteúdo de um

tratado internacional, qualquer que seja a matéria nele versada, apenas pode entrar em vigor

na ordem interna com a aprovação do Congresso Nacional, por meio de um decreto

legislativo27.

Os monistas, por sua vez, afirmam que o direito constitui uma unidade, um sistema, e

tanto o direito internacional quanto o direito interno integram este sistema. Nesse sentido, o

27 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 15.ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 73; TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 569.

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direito internacional e o direito interno têm raízes na mesma ordem jurídica, baseada em uma

norma fundamental que daria origem a ambos.

Poderá ocorrer, ainda, que em um ordenamento jurídico interno não se verifique a

existência de cláusula geral de recepção, aplicável igualmente a todas as normas de direito

convencional. Por outro lado, no entanto, pode-se verificar a presença de normas que tratem

do fenômeno da recepção para uma ou outra matéria escolhida, caracterizando assim o

sistema de recepção semiplena.

Nessa linha de raciocínio, compreender a forma de incorporação dos tratados em

relação aos ordenamentos jurídicos internos de cada país membro é, em última instância, mais

uma vez, apontar para a plausibilidade, ou não, de se construir uma legislação harmonizada,

principalmente no que tange ao aspecto tributário, tema deste ensaio.

Em outras palavras, levando-se em consideração, principalmente o caso do Brasil,

como veremos a seguir, o pacto do Mercosul pode vir a repousar em terreno de constante

insegurança e perplexidade, vindo, inclusive, a desintegrar-se por falta de simetria entre as

Constituições dos países que o compõem.

4.1. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA ARGENTINA

Antes mesmo da reforma constitucional Argentina, em 1994, a Suprema Corte de

Justiça deste país já previa a primazia dos tratados ante o eventual conflito com qualquer

norma interna. Assinalava, ainda, que a violação de um tratado poderia ocorrer tanto pela

edição de uma norma interna em sentido contrário, quanto pela omissão, ao não se estabelecer

uma disposição legislativa que tornasse possível o cumprimento da norma internacionalmente

fixada.

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A Constituição Argentina permite a integração, o regionalismo e o comunitarismo,

sendo, portanto, tratados de integração os instrumentos indispensáveis para a concretização

destes elos. Nesse sentido, o seu artigo 75, inciso 2428, prevê expressamente a aprovação de

tratados de integração que deleguem competência de jurisdição a organizações supraestatais

em condições de reciprocidade e igualdade e que respeitem a ordem democrática e os direitos

humanos29.

Ressalta-se, no que tange aos tratados que tratam de direitos humanos30, que a

Constituição Argentina foi mais além, ao prever que estes possuem hierarquia de norma

constitucional, bem como que, submetidos a uma votação de 2/3 das casas legislativas, os

demais tratados podem também gozar de tal atributo.

28 Constituição da Argentina de 1994, Artigo 75 – Corresponde al Congreso: 24. Aprobar tratados de integración que deleguen competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales en condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos humanos. Las normas dictadas en su consecuencia tienen jerarquía superior a las leyes. La aprobación de estos tratados con Estados de Latinoamérica requerirá la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. En el caso de tratados con otros Estados, el Congreso de la Nación, con la mayoría absoluta de los miembros presentes de cada Cámara, declarará la conveniencia de la aprobación del tratado y sólo podrá ser aprobado con el voto de la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara, después de ciento veinte días del acto declarativo.La denuncia de los tratados referidos a este inciso, exigirá la previa aprobación de la mayoría absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara. 29 La doctrina de la Corte es incorporada a la Constitución Nacional. En tal sentido, nuestra Ley Fundamental dispone: los tratados tienen jerarquía superior las leyes; los tratados de derechos humanos están por encima de las leyes y a la par de la Constitución; el Poder Ejecutivo no puede denunciar tales tratados sin la previa aprobación del Congresso, con igual mayoría a la exigida para su constitucionalización; el Congresso puede aprobar tratados de integración que delegem competencias y jurisdicción a organizaciones supraestatales, en condiciones de reciprocidad e igualdad u respetando el orden democrático y los derechos humanos; las normas dictadas por estas organizaciones tienn jerarquía superior a las leyes; la denuncia de estos tratados de integración requiere mayoría especial de cada Cámara del Congresso. Idem, p. 42-3. 30 Constituição da Argentina de 1994, Artigo 75 – Corresponde al Congreso: 22. Aprobar o desechar tratados concluidos con las demás naciones y con las organizaciones internacionales y los concordatos con la Santa Sede. Los tratados y concordatos tienen jerarquía superior a las leyes. La Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Económicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocidio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Niño; en las condiciones de su vigencia, tienen jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantías por ella reconocidos. Sólo podrán ser denunciados, en su caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congreso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional.

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4.2. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO PARAGUAI

Da mesma forma como ocorre na Argentina, a Constituição Paraguaia apresenta de

forma bem definida as questões relacionadas à submissão de uma ordem jurídica

supranacional e à hierarquia constitucional dos tratados.

Assim, conforme o previsto no artigo 14531 da Constituição Paraguaia, admite-se a

existência de uma ordem jurídica supranacional, desde que mantida as igualdades de

condições entre os Estados-partes.

No que se refere à supremacia dos tratados internacionais sobre o ordenamento

interno, a Constituição Paraguaia também tratou de disciplinar de forma expressa a matéria.

Assim, nos artigos 137 e 14132, não há dúvidas quanto à opção do constituinte pela hierarquia

dos tratados em relação às normas ditadas internamente, apontando para uma maior

estabilidade jurídica no plano do Mercosul, aqui estudado.

4.3. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NA VENEZUELA

31 Constituição do Paraguai de 1992, Artículo 145 – DEL ORDEN JURIDICO SUPRANACIONAL – La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarrollo, en lo político, económico, social y cultural. Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoría absoluta de cada Cámara del Congreso. 32 Constituição do Paraguai de 1992, Artículo 137 – DE LA SUPREMACIA DE LA CONSTITUCION – La ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congreso y otras disposiciones jurídicas de inferior jerarquía, sancionadas en consecuencia, integran el derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado. Quienquiera que intente cambiar dicho orden, al margen de los procedimientos previstos en esta Constitución, incurrirá en los delitos que se tipificarán y penarán en la ley. Esta Constitución no perderá su vigencia ni dejará de observarse por actos de fuerza o fuera derogada por cualquier otro medio distinto del que ella dispone. Carecen de validez todas las disposiciones o actos de autoridad opuestos a lo establecido en esta Constitución. Constituição do Paraguai de 1992, Artículo 141 – DE LOS TRATADOS INTERNACIONALES – Los tratados internacionales validamente celebrados, aprobados por ley del Congreso, y cuyos instrumentos de ratificación fueran canjeados o depositados, forman parte del ordenamiento legal interno con la jerarquía que determina el artículo 137.

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Tal como ocorre nas Constituições Paraguaia e Argentina, a Constituição da

Venezuela, em seus artigos 152 e 15333, prevê que as relações internacionais pautadas na

igualdade e cooperação entre os Estados reflitam o exercício da soberania e do interesse

popular, privilegiando a integração latino-americana, inclusive mediante a criação de

organizações supranacionais.

Quanto à supremacia dos tratados internacionais sobre o ordenamento jurídico interno,

a Constituição Venezuelana é, da mesma forma que as anteriormente apresentadas, expressa

ao prever sua aplicação direta e imediata, bem como preferente ao ornamento jurídico interno.

No entanto, é omissa quanto à possibilidade de controle de constitucionalidade das citadas

normas, não fazendo, assim, referência quanto à posição dos tratados internacionais em

relação à norma constitucional34.

33 Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 152 – Las relaciones internacionales de la República responden a los fines del Estado en función del ejercicio de la soberanía y de los intereses del pueblo; ellas se rigen por los principios de independencia, igualdad entre los Estados, libre determinación y no intervención en sus asuntos internos, solución pacífica de los conflictos internacionales, cooperación, respeto de los derechos humanos y solidaridad entre los pueblos en la lucha por su emancipación y el bienestar de la humanidad. La República mantendrá la más firme y decidida defensa de estos principios y de la práctica democrática en todos los organismos e instituciones internacionales. Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 153 – La República promoverá y favorecerá la integración latinoamericana y caribeña, en aras de avanzar hacia la creación de una comunidad de naciones, defendiendo los intereses económicos, sociales, culturales, políticos y ambientales de la región. La República podrá suscribir tratados internacionales que conjuguen y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuestras naciones, y que garanticen el bienestar de los pueblos y la seguridad colectiva de sus habitantes. Para estos fines, la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales, mediante tratados, el ejercicio de las competencias necesarias para llevar a cabo estos procesos de integración. Dentro de las políticas de integración y unión con Latinoamérica y el Caribe, la República privilegiará relaciones con Iberoamérica, procurando sea una política común de toda nuestra América Latina. Las normas que se adopten en el marco de los acuerdos de integración serán consideradas parte integrante del ordenamiento legal vigente y de aplicación directa y preferente a la legislación interna. 34 Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 333 – Esta Constitución no perderá su vigencia si dejare de observarse por acto de fuerza o porque fuere derogada por cualquier otro medio distinto al previsto en ella. En tal eventualidad, todo ciudadano investido o ciudadana investida o no de autoridad, tendrá el deber de colaborar en el restablecimiento de su efectiva vigencia. Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 334 – Todos los jueces o juezas de la República, en el ámbito de sus competencias y conforme a lo previsto en esta Constitución y en la ley, están en la obligación de asegurar la integridad de estaa Constitución. En caso de incompatibilidad entre esta Constitución y una ley u otra norma jurídica, se aplicarán las disposiciones constitucionales, correspondiendo a los tribunales en cualquier causa, aún de oficio, decidir lo conducente. Corresponde exclusivamente a la Sala Constitucional del Tribunal Supremo de Justicia como jurisdicción constitucional, declarar la nulidad de las leyes y demás actos de los órganos que ejercen el Poder Público dictados en ejecución directa e inmediata de la Constitución o que tengan rango de ley, cuando colidan con aquella. Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 335 – El Tribunal Supremo de Justicia garantizará la supremacía y efectividad de las normas y principios constitucionales; será el máximo y último intérprete de la Constitución y velará por su uniforme interpretación y aplicación. Las interpretaciones que establezca la Sala Constitucional

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4.4. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO URUGUAI

O panorama constitucional do Uruguai sofre da mesma falta de definição no que tange

à possibilidade da submissão do ordenamento interno a uma ordem jurídica supranacional,

bem como com relação à hierarquia constitucional dos tratados internacionais.

O preceito constante do Artigo 6º.35 da Constituição Uruguaia, quanto à questão da

submissão jurídica a uma ordem supranacional, não se refere se quer à possibilidade de

formação de uma comunidade latino-americana. É, portanto, neste aspecto, ainda mais

obscura que a Constituição Brasileira em seu artigo 4º.

No que tange à hierarquia dos tratados no ordenamento jurídico interno, observamos

os artigos 83, 85, VII, e 25636 da Constituição da República Oriental do Uruguai. Logo, à

medida que a aprovação e incorporação dos tratados se perfazem com a edição de uma lei e

que esta lei está sujeita ao controle de constitucionalidade, pode-se afirmar a supremacia da

norma constitucional.

Neste diapasão, afere-se que a participação do Uruguai no Mercosul é passível de

sofrer as mesmas críticas que serão dirigidas ao Brasil, gerando insegurança quando da

primazia do direito constitucional em face do direito internacional.

sobre el contenido o alcance de las normas y principios constitucionales son vinculantes para las otras Salas del Tribunal Supremo de Justicia y demás tribunales de la República. 35 Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 6º. – En los tratados internacionales que celebren la República propondrá la cláusula de que todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitraje u otros medios pacíficos. La República procurará la integración social y económica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere a la defensa común de sus productos y materias primas. Asimismo, propenderá a la efectiva complementación de sus servicios públicos. 36 Constituição da Venezuela de 2000, Artículo 83 – El Poder Legislativo será ejercido por la Asamblea General. Artículo 85 – A la Asamblea General compete: 7º.) Decretar la guerra y aprobar o reprobar por mayoría absoluta de votos del total de componentes de cada Cámara, los tratados de paz, alianza, comercio y las convenciones o contratos de cualquier naturaleza que celebre el Poder Ejecutivo con potencias extranjeras.; Artículo 256 – Las leyes podrán ser declaradas inconstitucionales por razón de forma o de contenido, de acuerdo con lo que se establece en los artículos siguientes.

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4.5. INTERNALIZAÇÃO DOS TRATADOS NO BRASIL

No Brasil, diferentemente do previsto na Constituição da Argentina e do Paraguai,

adota-se a teoria dualista, que encontra apoio em parte da doutrina e na jurisprudência do

Supremo Tribunal Federal, tribunal este que tem como incumbência constitucional a guarda

da Constituição (CF, art. 102, caput), o qual sustenta que as normas estrangeiras ingressam

em nosso ordenamento como normas infraconstitucionais ordinárias. Isto equivale a dizer que,

para essa linha de pensamento, os tratados internacionais têm status equiparado aos das leis

ordinárias federais37.

37 Nesse sentido, já decidiu o STF: Cr-Agr 8279 / at – Argentina – Ag.Reg.na Carta Rogatória; Relator(a): Min. Celso de Mello – 17/06/1998 Órgão julgador: Tribunal Pleno – Publicação: DJ 10-08-2000 – Ementa: Mercosul – carta rogatória passiva – denegação de exequatur – protocolo de medidas cautelares (Ouro Preto/MG) – inaplicabilidade, por razões de ordem circunstancial – ato internacional cujo ciclo de incorporação, ao direito interno do Brasil, ainda não se achava concluído à data da decisão denegatória do exequatur, proferida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal – relações entre o direito internacional, o direito comunitário e o direito nacional do Brasil – princípios do efeito direto e da aplicabilidade imediata – ausência de sua previsão no sistema constitucional brasileiro – inexistência de cláusula geral de recepção plena e automática de atos internacionais, mesmo daqueles fundados em tratados de integração – recurso de agravo improvido. A recepção dos tratados ou convenções internacionais em geral e dos acordos celebrados no âmbito do Mercosul está sujeita à disciplina fixada na Constituição da República – a recepção de acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul está sujeita à mesma disciplina constitucional que rege o processo de incorporação, à ordem positiva interna brasileira, dos tratados ou convenções internacionais em geral. É, pois, na Constituição da República, e não em instrumentos normativos de caráter internacional, que reside a definição do item procedimental pertinente à transposição, para o plano do direito positivo interno do Brasil, dos tratados, convenções ou acordos – inclusive daqueles celebrados no contexto regional do Mercosul – concluídos pelo Estado Brasileiro. Procedimento constitucional de incorporação de convenções internacionais em geral e de tratados de integração (Mercosul) – a recepção dos tratados internacionais em geral e dos acordos celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul depende, para efeito de sua ulterior execução no plano interno, de uma sucessão causal e ordenada de atos revestidos de caráter político-jurídico, assim definidos: (a) aprovação, pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, de tais convenções; (b) ratificação desses atos internacionais, pelo chefe de Estado, mediante depósito do respectivo instrumento; (c) promulgação de tais acordos ou tratados, pelo Presidente da República, mediante decreto, em ordem a viabilizar a produção dos seguintes efeitos básicos, essenciais à sua vigência doméstica: (1) publicação oficial do texto do tratado e (2) executoriedade do ato de direito internacional público, que passa, então – e somente então – a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. O princípio do efeito direto (aptidão de a norma internacional repercutir, desde logo, em matéria de direitos e obrigações, na esfera jurídica dos particulares) e o postulado da aplicabilidade imediata (que diz respeito à vigência automática da norma internacional na ordem jurídica interna) traduzem diretrizes que não se acham consagradas e nem positivadas no texto da Constituição da República, motivo pelo qual tais princípios não podem ser invocados para legitimar a incidência, no plano do ordenamento doméstico brasileiro, de qualquer convenção internacional, ainda que se cuide de tratado de integração, enquanto não se concluírem os diversos ciclos que compõem o seu processo de incorporação ao sistema de direito interno do Brasil. Magistério da doutrina – sob a égide do modelo constitucional brasileiro, mesmo cuidando-se de tratados de integração, ainda subsistem os clássicos mecanismos institucionais de recepção das convenções internacionais em geral, não bastando, para afastá-los, a existência da norma inscrita no art. 4º., parágrafo único, da Constituição da República, que possui conteúdo meramente programático e cujo sentido não torna dispensável a atuação dos instrumentos constitucionais de transposição, para a ordem jurídica doméstica, dos acordos, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul.

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Além disso, argumentam que um tratado internacional, referendado que é por decreto

legislativo aprovado por maioria simples, não pode se equiparar, nem muito menos revogar

uma norma constitucional, a qual exige maioria qualificada de 3/5 (três quintos) para ser

modificada (CF, art. 60, §2º.). O que acabaria por proporcionar, segundo esses, um abalo na

rigidez da Constituição, ou seja, uma via transversa para a modificação do texto constitucional

que exige procedimento especial.

Relevante ainda se faz mencionar que, ao se adotar a concepção dualista, podemos

trabalhar com a possibilidade de considerar os tratados internacionais passivos de controle de

constitucionalidade, seja quanto ao seu sentido expresso, seja quanto ao seu significado

material38.

Neste mesmo sentido, afirma-se que a concepção dualista tem como fundamento o

fato de que as normas estrangeiras não podem ser equiparadas às normas constitucionais, pois

tal procedimento afrontaria, em última análise, a soberania nacional – questão essa de

tamanha importância e já discutida nos capítulos antecedentes – e, em última hipótese,

acabaria por afrontar a ordem pública.

Por força desse entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal, a emenda

45/2004, intitulada reforma do judiciário, acrescentou o §3º. ao art. 5º. da CF, com a seguinte

redação: “§3º. – Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem

aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos

dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Ressalta-se que não é condição indispensável à aprovação pelo quorum qualificado,

mas requisito para que esses tratados ou convenções sobre direitos humanos possam ingressar

no ordenamento jurídico em posição hierárquica semelhante a das emendas constitucionais.

38 Constituição Brasileira de 1988, Artigo 102, inciso III, alínea b – Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: II – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal.

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Assim, caso não seja obtida a votação em dois turnos em cada casa por três quintos de seus

membros, o tratado poderá ser aprovado, porém sem a prerrogativa da natureza constitucional

de suas disposições, consistindo, nessa circunstância, em emanação do poder constituinte

derivado.

Perante o quadro aqui apresentado, verifica-se que a participação do Brasil no

Mercosul carece ainda de definição constitucional em dois aspectos: a prevalência ou

primazia dos tratados internacionais, inclusive o próprio Tratado de Assunção, sobre o direito

federal infraconstitucional, em razão da ausência de uma norma capaz de solucionar o

conflito; e a possibilidade de o país submeter-se a uma ordem jurídica supranacional, em

razão da expressa submissão do tratado internacional em relação ao controle de

constitucionalidade.

4.5.1. Tratados em Matéria Tributária no Direito Brasileiro

No direito tributário brasileiro temos como peculiaridade o artigo 98 do CTN, que

estabelece que entre o Tratado Internacional, em matéria Tributária, e a lei interna haja uma

hierarquia. Há a hierarquia do tratado sobre a lei interna, ou seja, o tratado revoga, mas não é

revogado. Aqui se percebe uma controvérsia, muitos sustentam que o CTN não poderia conter

normas sobre recepção de normas internacionais, pois as validades das normas jurídicas

devem estar estabelecidas na Constituição Federal e não na lei de normas gerais. Logo, não

haveria hierarquia entre o tratado e a lei interna.

Certo, portanto, é afirmar que a mera circunstância da existência de um tratado

internacional que disponha sobre matéria tributária, já regulamentada no ordenamento interno

por si só, nos coloca diante de um conflito aparente de normas.

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Quando diante de duas normas antinômicas, os critérios para a resolução da

contradição são:

- hierarquia: norma superior prevalece sobre norma inferior;

- especialidade: norma especial prevalece sobre norma geral;

- cronologia: norma posterior prevalece sobre norma anterior.

Se há hierarquia, para aqueles que entendem que o art. 98 do CTN pode estabelecer

essa hierarquia, não há controvérsias, pois prevalecerá sempre o tratado. Essa é a doutrina

majoritária.

Nesse sentido, o fato de a Constituição Federal trazer a regra geral quanto à inserção e

à hierarquia de tratados internacionais no sistema jurídico brasileiro não exclui a possibilidade

de que outro diploma legal trate a matéria de forma específica. O escalonamento legislativo

brasileiro, disposto no artigo 59 da Constituição Federal, mais especificamente em seu inciso

II, concretiza tal possibilidade.

Mas há outra corrente que nega esta hierarquia e que tenta resolver o problema pela

questão da especialidade, ou seja, o tratado geralmente é especial em relação à lei interna. Isto

porque a lei interna é a lei de incidência e o tratado geralmente é uma lei de isenção. Sendo

assim, prevalecerá, não por hierarquia, mas por especialidade, o tratado sobre a lei interna.

Problema efetivamente haverá se a norma interna conflitar com o preceito

anteriormente estabelecido no tratado, sendo, neste sentido, impossível a convivência de

ambos, ou seja, caso a lei interna previna comando diverso do fixado no tratado para situações

idênticas.

Resta esclarecer que, a eficácia dos tratados e sua inserção no ordenamento jurídico

pátrio são questões de natureza constitucional. Logo, não é um preceito infraconstitucional,

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nos moldes do já citado artigo 98 do CTN, que irá ou não afirmar a primazia dos tratados

frente à ordem interna39.

Em sentido oposto, Alberto Xavier ressalta que o artigo 98 do CTN não menciona uma

supremacia do tratado em relação à legislação interna. Reflete, no entanto, um caso de

especialização, tal qual ocorre na relação estabelecida entre norma geral e norma especial

oriundas do ordenamento interno40.

O problema assume outro nível de discussão quando examinamos a eficácia dos

tratados no campo dos tributos estaduais e municipais. Discute-se na doutrina se o tratado

pode ou não dispor sobre isenções de tributos destes entes políticos, em face do que dispõe o

artigo 151, III, da Constituição Federal, que proíbe a União de tratar da matéria. A discussão,

na verdade, é ainda mais ampla, pois o que precisa ser realmente indagado é se os tratados

firmados pelo Brasil podem ou não interferir na incidência dos tributos estaduais e

municipais.

Não existe a figura da União na ordem internacional, a União é pessoa jurídica de

direito público interno, assim como os Estados e Municípios. A República Federativa do

Brasil é que existe na ordem internacional e é composta pelas vontades da União, Estados e

Municípios. Não se pode dizer que um país que adote o sistema federativo não pode acordar

matérias com outros países que, dentro do âmbito interno, sejam matérias dos Estados e

Municípios. Isto seria isolar os regimes federativos no âmbito da ordem internacional, pois

para formar o Mercosul, por exemplo, teríamos que convocar todos os prefeitos, governadores

e Presidente do Brasil, o que seria absurdo. Os Estados não aparecem na ordem internacional.

Eles possuem autonomia e não soberania41.

39 Para Carraza, em seu Curso de Direito Constitucional Tributário (São Paulo: Malheiros, 1997, p. 157), a supremacia do direito internacional sobre o direito interno é inconcebível, afirmando ser inconstitucional o artigo 98 do CTN. 40 XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 123. 41 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 178.

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No regime presidencialista, o Presidente da República não é só o chefe do Poder

Executivo da União, ele é também chefe do Estado Federal, logo, advém da própria

organização do Estado brasileiro a possibilidade do tratado internacional conceder isenção de

tributo estadual e municipal, conforme entendimento pacificado no Superior Tribunal de

Justiça42.

Resumidamente, o fundamento da prevalência da norma dos tratados sobre a lei

interna estadual ou municipal não é a primazia dos tratados internacionais, mas a eficácia

tradicional dos tratados enquanto único modelo legislativo capaz de firmar normas de conduta

entre o Estado brasileiro e outros Estados soberanos.

As disposições adotadas pelos órgãos do Mercosul, cuja capacidade foi delineada

pelos próprios Estados-membros, não são diretamente aplicáveis no âmbito interno de cada

ente, necessitando de medidas de incorporação nos seus ordenamentos jurídicos, de acordo

com a legislação de cada um, o que por si só afasta sua efetividade e, mais uma vez, aponta

para a necessidade de harmonização de legislações.

42 Nesse sentido já decidiu o STJ: Resp 480563/RS; Recurso Especial 2002/0146332-5 – Relator(a) Min. Luiz Fux – Órgão Julgador: Primeira Turma – 06/09/2005 – DJ 03.10.2005 – Tributário. ICMS. Isenção. Importação de leite de país membro de tratado firmado com o Mercosul. Possibilidade. Lei estadual isencional: 1. Pacto de tratamento paritário de produto oriundo do país alienígena em confronto com o produto nacional, com “isenção de impostos, taxas e outros gravames internos” (art. 7º., do Decreto nº. 350/91, que deu validade ao Tratado do Mercosul). 2. Pretensão de isenção de ICMS concedida ao leite pelo Estado com competência tributária para fazê-la. 3. A exegese do tratado, considerado lei interna, à luz do art. 98, do CTN, ao estabelecer que a isenção deve ser obedecida quanto aos gravames internos, confirma a jurisprudência do E. STJ, no sentido de que “Embora o ICMS seja tributo de competência dos Estados e do Distrito Federal, é lícito à União, por tratado ou convenção internacional, garantir que o produto estrangeiro tenha a mesma tributação do similar nacional. Como os tratados internacionais têm força de lei federal, nem os regulamentos do ICMS nem os convênios interestaduais têm poder para revogá-los. Colocadas essas premissas, verifica-se que a Súmula 575 do Supremo Tribunal Federal, bem como as Súmulas 20 e 71 do Superior Tribunal de Justiça continuam com plena força” (AgRg no AG n.º 438.449/RJ, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ de 07.04.2003). 4. O Tratado do Mercosul, consoante o disposto no art. 7º., do Decreto nº. 350/91, estabelece o mesmo tratamento tributário quanto aos produtos oriundos dos Estados-membros em matéria tributária e não limita que referido tratamento igualitário ocorra somente quanto aos impostos federais, de competência da União. 5. Deveras, a Súmula nº. 71/STJ (“O bacalhau importado de país signatário do GATT é isento do ICMS”) confirma a possibilidade de, em sede de tratado internacional, operar-se o benefício fiscal concedido por qualquer Estado da federação, desde que ocorrente o fato isentivo em unidade federada na qual se encarte a hipótese prevista no diploma multinacional. 6. A Lei nº. 8.820/89, do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação conferida pela Lei nº. 10.908/96, isenta do ICMS o leite fluido, pasteurizado ou não, esterelizado ou reidratado, por isso que se estende o mesmo benefício ao leite importado do Uruguai e comercializado nesta unidade da federação. 7. Decisão em consonância com a doutrina do tema encontradiça in “Tributação no Mercosul”, RT, p. 67-9. 8. Recurso Especial provido.

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Diante do sucintamente apresentado, afirmamos que, se o Mercosul ambiciona atingir

grau de integração próprio de um mercado comum, imprescindível será que passemos a

pensar não mais no direito interno como o foro capaz de disciplinar a inserção e a hierarquia

das normas originadas no processo de integração. Os modelos clássicos de recepção deverão

ser substituídos por modelos regionais que efetivem a proposta de integração, harmonizando,

e esta é mais uma vez a nossa proposta, as ordens jurídicas dos Estados-partes.

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5. A RELEVÂNCIA DA QUESTÃO TRIBUTÁRIA NO MERCOSUL

O poder de tributar é uma das manifestações concretas acerca da soberania dos

Estados. A formação de espaços regionais, através de acordos que vão além dos limites da

regulamentação aduaneira ou dos tratados de bi-tributação, acaba por considerar a questão

tributária como um dos campos prioritários no momento da construção de um bloco

integrado.

Neste sentido, convém ressaltar que a formação de blocos econômicos entre Estados,

em última instância, condiciona os Estados-membros ao exercício de uma soberania

compartilhada. Esta situação faz com que se acredite na possibilidade de cessão de parcelas de

soberania dos Estados aos órgãos comunitários supraestatais, em prol de um bem maior: a

flexibilização dos movimentos de mercadorias, capitais e pessoas e, conseqüentemente, uma

maior atuação no mundo globalizado.

Podemos afirmar que o conceito de soberania vem sendo transformado ao longo das

últimas décadas devido ao fato de, atualmente, serem os Estados interdependentes, ainda que

soberanos, constituindo uma soberania diferenciada daquela anteriormente pautada,

caracterizada como “absoluta, ilimitada e indivisível”. Logo, a interpretação do conceito de

soberania deve sofrer uma flexibilização para viabilizar o movimento integracionista,

afirmando-se que as definições clássicas de soberania já não prevalecem no Estado de Direito

imposto pela nova ordem mundial.

Ives Gandra da Silva Martins, em livro de sua coordenação, também aponta para uma

mudança no perfil do Estado:

(...) o Estado Moderno está, em sua formulação clássica de soberania absoluta, falido, devendo ceder campo a um Estado diferente no futuro. (...) na União Européia, o Direito comunitário prevalece sobre o Direito local e os poderes comunitários (Tribunal de Luxemburgo, Parlamento Europeu) têm mais força que os poderes locais. Embora no exercício da soberania, as nações aderiram a tal espaço plurinacional, mas, ao fazê-lo, abriram mão de sua soberania ampla para submeterem-se a regras e comandos normativos da comunidade. Perderam, de rigor, sua soberania para manter uma autonomia maior do que nas Federações clássicas,

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criando uma autêntica Federação de países. Nada obstante as dificuldades, é o primeiro passo para a universalização do Estado, que deve ser “Mínimo e Universal”. (...) a universalização do Estado, em nível de poderes decisórios, seria compatível com a autonomia dos Estados locais, aceitando-se a Federação Universal de países e eliminando-se a Federação de cada país, que cria um poder intermediário que, muitas vezes, se torna pesado e inútil43.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho44, ao afirmar que uma real soberania em favor dos

Estados-Nação é, hoje, inviável, uma vez que soberania significa um poder que não reconhece

outro a ele superior, seja no plano interestatal (independência), seja no plano interno

(supremacia), também defende a idéia da superação do Estado-Nação, com a conseqüente

necessidade de associação entre os Estados, e a necessidade de uma revisão da idéia de

soberania.

Nesse sentido, se esta supremacia interna é conservada pelos Estados-Nação, no plano

externo ela desapareceu, salvo, quiçá, para os Estados Unidos da América. Assim, o

imperativo de segurança obriga os Estados-membros a agregarem-se em unidades maiores,

mais fortes, inclusive para assegurarem a própria sobrevivência, novamente surgindo como

exemplo disto os Estados europeus. Por tudo isto, parece previsível a superação dos Estados-

Nação, sendo certo que estes não desaparecerão, mas virão a associar-se (ou integrar-se),

formando um ente novo.

Na opinião de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, esse “ente novo” será uma

“Comunidade de Estados”, de caráter federalista, que terá como lei suprema não uma

Constituição, mas um Tratado, o qual será adotado de acordo com as regras do direito

internacional e somente alterável de conformidade com estas.

Portanto, a soberania dos outros Estados e dos novos entes deve ser também um fator

de limitação da soberania individual, ou seja, o direito internacional deve tornar, de certo

modo, a soberania de cada Estado ainda mais relativa.

43 MARTINS, Ives Gandra. O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998, p.102-15. 44 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. In: MARTINS, Ives Gandra. O Estado do Futuro. São Paulo: Pioneira, 1998, p.102-13.

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A vida da comunidade internacional termina por exigir que o Estado se acomode aos

supremos interesses da coletividade internacional, vendo-se obrigado, muitas vezes, em nome

da paz e do bem comum, a modificar até mesmo sua própria legislação constitucional. O

Estado não pode renegar sua qualidade de participante da atual comunidade de Estados, da

mesma forma como a comunidade internacional deve respeitar os direitos dos Estados

componentes.

Celso Ribeiro Bastos, nesse mesmo sentido, preconiza que:

O princípio da soberania é fortemente corroído pelo avanço da ordem jurídica internacional. A todo instante reproduzem-se tratados, conferências, convenções, que procuram traçar as diretrizes para uma convivência pacífica e para uma colaboração permanente entre os Estados. Os múltiplos problemas do mundo moderno, alimentação, energia, poluição, guerra nuclear, repressão ao crime organizado, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhe, desde logo, uma interdependência de fato. À pergunta de que se o termo soberania ainda é útil para qualificar o poder ilimitado do Estado, deve ser dada uma resposta condicionada. Estará caduco o conceito se por ele entendermos uma quantidade certa de poder que não possa sofrer contraste ou restrição. Será termo atual se com ele estivermos significando uma qualidade ou atributo da ordem jurídica estatal. Neste sentido, ela – a ordem interna – ainda é soberana, porque, embora exercida com limitações, não foi igualada por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma outra externa45.

Com efeito, a integração e, conseqüentemente, a proposta de harmonização da

legislação tributária, afeta a soberania dos Estados-membros, pois o sistema tributário, tal

como será demonstrado neste capítulo, não só constitui a fonte de recursos públicos, como

também é instrumento contemporâneo de política econômico-social.

Logo, a incidência tributária é uma das principais questões a ser solucionada pela

política econômica no comércio internacional. Nesse sentido, procura-se que cada produto

seja tributado de acordo com a proteção ou a arrecadação necessária para atingir os efeitos do

nível de integração que se deseja obter.

Ao se falar em processo de integração, podemos destacar vários caminhos para se

exteriorizar a vontade dos Estados-membros, deixando claro que os efeitos são distintos com

a adoção de um ou outro. As espécies abaixo relacionadas ficam destinadas a livre escolha

45 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Teoria do Estado e Ciência Política. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2004, p. 106.

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dos pactuantes, podendo as mesmas, de acordo com uma maior perspectiva de integração,

serem alteradas ao longo de todo o processo46.

A Zona de Livre Comércio envolve a eliminação e/ou redução das taxas em relação ao

comércio de bens entre os países-membros, como é o exemplo do Nafta. Constitui, assim, o

primeiro estágio no caminho para o estabelecimento de uma união aduaneira, onde certamente

serão mantidas as tarifas e regras comerciais para com os países não integrantes do bloco.

A União Aduaneira corresponde ao somatório do livre comércio e ao estabelecimento

de uma Tarifa Externa Comum (TEC) quando da relação dos Estados-membros com terceiros,

assim como ocorre na atual fase do Mercosul, sendo que, para este, a união aduaneira é

incompleta, pois apresenta lista de exceções à TEC.

Deve ser ressaltado que os países que compõem uma união aduaneira apresentam-se

no cenário internacional como uma unidade econômica. Dessa forma, a partir da adoção de

uma política comercial comum, a questão do desvio de comércio é solucionada, pois bens e

serviços importados para a região encontram condições idênticas de entrada, seja qual for o

país pelo qual estes venham a ingressar na área.

Já o Mercado Comum compreende uma intercessão dos dois conceitos anteriormente

apresentados, isto é, ocorre a unificação de políticas macroeconômicas com a finalidade de

estabelecer uma zona de livre concorrência e de pleno exercício da empresa. Os Estados-

membros ajustam suas diretrizes fiscais e comerciais, os parâmetros para taxas de juros e

câmbio, assim como outros tantos mecanismos necessários à consolidação do sistema de

integração.

De outra forma, além do mercado comum, somam-se à união econômica e política o

sistema monetário, a política externa e de defesa unificadas, modelo que vem sendo

46 CAMARGO, Cláudio Antonio de Paula. Fundamentos da harmonização tributária entre os Estados unitários e os Estados federais do bloco mercosulista. In: Revista de Direito Tributário e de Finanças Públicas, nº. 53, p. 9-28. São Paulo: Revista dos Tribunais, nov-dez 2003, p. 241-2.

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perseguido pela União Européia, a partir do estabelecimento de uma política macroeconômica

única.

Já a Confederação, grau de integração ainda não alcançado, é dificultada pela

necessidade da união econômica e política anterior e, ainda, da unificação de todos os direitos

existentes, além de se efetuar uma revisão dos sistemas governamentais. O que, no caso da

América Latina, parece ainda mais distante.

No que tange as etapas do processo de integração, vale ressaltar as palavras de

Lipovetzky47:

El establecimiento de un acuerdo para liberalizar ciertas ramas de mercancías,capital y movimietos migratorios; El establecimiento de una Zona de Libre Comercio que elimine barreras comerciales formales, pero excluyendo cualquier forma de institución supranacional. Dentro de la misma cada miembro mantiene su propia política comercial respecto de los Estados no miembros; estatuyéndose apenas alguns servicios mínimos destinados a facilitar el intercambio; Ciertos tipos de Uníon Aduaneira, cuya característica consiste em el trabajo conjunto de las adminsitraciones de Aduanas, que establecen equipos comunes para negociar terceros Estados o bloques; y niveles de consulta y procedimientos también comunes para reglar il intercambio; y El Mercado Común, que es un nivel que si bien acumula los anteriores; también los supera, añadiendo mercados de capital y fuerza de trabajo, lo que exige mayor complementación em cuanto a organización; porque se incluyen aspectos como las condiciones de trabajo, el adiestramiento, los sistemas de seguridad social; y las políticas macroeconómicas comunes como el manejo de la propridad privada (privatizaciones y explotaciones), del sistema financiero y las inversiones extranjeras, afectando aspectos primordiales de cada sociedad, como los referidos a los sistemas educativos, de seguridad social etc.

O Mercosul encontra-se, nos dias de hoje, em uma união aduaneira imperfeita. Tal

classificação se justifica pelo fato de existirem brechas na TEC, conforme anteriormente

mencionado, correspondendo esta a um elemento essencial para a concretização da união

aduaneira.

As distinções na TEC ocorrem por diversas razões, entre elas o acordo entre os sócios

– lista de exceções à TEC – visando um lapso temporal para que determinado segmento

econômico não seja inviabilizado, os quais, ainda, possuem limite ao benefício concedido. Por

47 LIPOVETZKY, Jaime César. Mercosur – estratégias para la integración – Mercado Común o Zona de Libre Comercio?. Buenos Aires: Depalma, 1995, p. 50.

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outras vezes, essas perfurações acabam por decorrer do protecionismo unilateral, dificuldade

comumente enfrentada nos casos de integração, afastando a visão unificada do atuar em

bloco.

Certo, no entanto, que a TEC, ainda que com as devidas críticas, acaba por tornar-se

um meio que, em longo prazo, é capaz de solucionar o principal obstáculo à concretização da

integração econômica, que são as assimetrias econômicas. A questão fica ainda mais

complexa quando, e este é o objetivo do presente ensaio, nos deparamos com as assimetrias

tributárias, não bastando para corroborar tal afirmativa fazer uma análise superficial dos

sistemas tributários dos países-membros, mas sim um estudo da possibilidade de

harmonização dos mesmos, amenizando disparidades que acabam por impedir a concretização

da integração econômica.

Outro problema a ser ressaltado em relação à TEC é a exigência da utilização dos

certificados de origem. A motivação do citado mecanismo é a de salvaguarda, pois impede

que terceiros países se beneficiem de políticas destinadas apenas aos Estados-membros do

bloco.

Dessa maneira, por uma questão meramente burocrática e que se distancia da dinâmica

exigida no processo integracionista, caso não ocorra a comprovação da TEC de uma

mercadoria que entre, por exemplo, pelo Uruguai destinada à Argentina, incidirá a dupla

tributação, um grave problema a ser enfrentado cada vez mais diretamente pelos países do

Mercosul48.

Fragilidade que merece também ser destacada em relação à TEC é a sua dupla

cobrança quando o bem é importado de um terceiro país. Dessa forma, o bem é tributado

quando do ingresso na área econômica integrada e novamente ao deslocar-se intrabloco, como

ainda ocorre na União Européia. 48 A lista de exceções à TEC refere-se a produtos comercializados com terceiros países. São produtos que ao ingressarem no Mercosul não se submetem à incidência normativa da TEC, mas à tarifa aduaneira nacional, interna de cada Estado-membro onde ingressou.

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Vale neste aspecto ressaltar que com relação à dupla imposição da TEC, o Brasil

está disposto a dar concessões unilaterais aos sócios menores, Paraguai e Uruguai. Assim,

consiste a proposta brasileira na flexibilização das importações de insumos sem a aplicação da

dupla incidência da TEC, pensa-se, também, em reduzir o percentual de 60%, hoje

determinado como patamar mínimo de utilização de insumos originados nos países-membros

do bloco, para o percentual de 30% para o Uruguai e 25% para o Paraguai. 49

No entanto, o que o Paraguai e o Uruguai buscam é, certamente, muito mais

profundo: inclui uma postura mais efetiva na diminuição das assimetrias regionais, a prática

de políticas públicas voltadas à integração, a coordenação macroeconômica e o acesso aos

mercados em igualdade de condições com os países maiores, Brasil e Argentina, em especial.

Na prática, a integração entre Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela

avançou rapidamente nas relações comerciais, no primeiro período do bloco. Nos últimos

tempos, o aprofundamento ficou mais difícil. A integração do setor de serviços não progride.

Também não há mecanismos e, conseqüentemente, agilidade na solução de controvérsias. O

grande empenho é pela organização de um sistema arbitral, realmente neutro, capaz de

solucionar entraves, evitando que os avanços dependam apenas do diálogo político, como tem

sido até hoje.

A soberania fiscal é uma das facetas da soberania do Estado que, como mencionamos

no capítulo 2, acaba por sofrer limitações quando inserida em um processo de integração.

Evitar maiores agressões à soberania é um dos veículos que movem a harmonização das

legislações tributárias.

Nesse sentido, vale mencionar as palavras de Paulo Borba Casella:

Colocada a viabilidade da concepção da soberania como um conceito jurídico passível de limitação, onde as regras modificando seu exercício poderiam ultrapassar limites anteriormente colocados, sem extinguir o conceito, em termos gerais e

49 A postura brasileira citada traz consigo a necessidade de se compartilhar a receita aduaneira com os sócios de menor desenvolvimento econômico, no entanto, ainda que se vise a criação de um mercado comum dotado de certa homogeneidade, não encontra tal medida apoio político argentino e venezuelano.

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abstratos, tais exigências se fazem tanto mais presentes e precisas em razão do nível de cooperação econômica, harmonização jurídico-institucional e coordenação de políticas, indispensáveis em contexto integrado, podendo-se conceber sem restrições intelectuais, a mutação do conceito de Soberania do Estado e a adaptação desta às necessidades de espaço supranacional, economicamente homogêneo e juridicamente integrado. 50

Conforme leciona Hugo Gonzalez Cano51, “os processos de integração econômica

requerem certo grau de harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de

integração e etapa do processo vigente em cada caso”. Nesse sentido, verifica-se que a

questão da harmonização tributária não está restrita ao âmbito das relações internacionais

travadas pelo bloco em formação. Harmonizar implica, primordialmente, alterações no âmbito

interno de cada Estado-membro, com repercussão na organização do sistema tributário e na

divisão de receitas de cada país envolvido.

É evidente que as assimetrias tributárias existentes entre os países-membros do

Mercosul atribuem importância fundamental ao planejamento de investimentos e operações

que, por exemplo, empresas consideram quando da sua instalação em qualquer dos países

integrantes do bloco. Conforme veremos no capítulo seguinte, este fato é facilmente

percebido quando se verifica que nos países em desenvolvimento há uma forte tendência na

predominância dos impostos indiretos e regressivos (IVA, ICMS), o que acaba por contribuir

na manutenção de um processo inflacionário, à medida que a carga tributária passa a ser

suportada por aquele que consome bens e serviços, gerando distorções relativas às condições

de capacidade concorrencial e às condições de localização52.

Nesse sentido merecem destaque as palavras de Miguel Ángel Asensio:53

Si en general la armonizacíon debe apuntar a la supresión de las distorsiones que impidem la liberación interregional de las corrientes de comercio, la misma que abarcará el campo de los impuestos internos aplicados en los países miembros, pero también otros campos como el de los incentivos tributarios a las exportaciones y a las

50 CASELLA, Pedro Borba. Mercosul: exigências e perspectivas. São Paulo: LTr, 1996, p. 227. 51 CANO, Hugo González. La armonización tributaria y la integración económica. Buenos Aires: Interoceánicas, 1994, p. 885. 52 BORDIN, Luis Carlos Vitali; LAGEMANN, Eugenio. Tributação no Mercosul. In: Tributação em Revista, ano 5, nº. 20 – abril/junho de 1997. São Paulo: Unafisco Sindical, 1997, p. 26. 53 ASENSIO, Miguel Ángel. Descentralización y Federalismo Fiscal: En la Unión Europea y El Mercosur. Santa Fé: UNL, 2003, p. 45.

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inversiones. Con referencia al primer campo, la diversidad de criterios y niveles de tributación interna suele producir dos tipos de distorciones: i) en las condiciones normales de competencia entre los productores ya establecidos

en la subregión; ii) en las condiciones para la localización de nuevas inversiones propiciadas por la

ampliación del mercado, al nivel subregional. La primeira distorción surge principalmente por la diversidad de impuestos internos sobre bienes y servicios La segunda está más estrechamente relacionada con las utilidades de los capitales extranjeros. Pero si a más largo plazo este impuesto se trasladara a los precios, su efecto sería similar al de los impuestos sobre bienes y servicios, y también afectaría las condiciones de competencia en el mercado subregional.

Ainda citando Bordin e Lagemann, considerando que os impostos sobre consumo

recaem sobre os preços dos bens e serviços disponibilizados, é possível que se alterem os

fluxos comerciais dentro da região em integração. Fato é que tal prática vai de encontro ao

estabelecido no artigo 7º. do Tratado de Assunção, que estabelece entre os Estados-membros

o princípio da não-discriminação, podendo tal prática resultar, em última análise, em um

favorecimento de determinados setores e no enfraquecimento de outros, tendo em vista que o

tratamento nem sempre, diante dos conflitos políticos intra-bloco, aparece de forma

isonômica.

5.1. PRINCIPAIS ASPECTOS DO TRATADO DE ASSUNÇÃO

Resumidamente, os objetivos do Tratado de Assunção são os seguintes:

a inserção competitiva dos quatro países num mundo caracterizado pela

consolidação de blocos regionais de comércio e no qual a capacitação

tecnológica é item cada vez mais importante para o progresso econômico e

social;

a viabilização de economias de produção, permitindo a cada um dos países-

membros ganhos de produtividade;

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a ampliação dos fluxos de comércio e de investimento com o resto do mundo,

bem como a promoção da abertura econômica regional, favorecendo o livre

comércio;

a melhoria das condições de vida dos habitantes da região.

Com a análise dos objetivos acima elencados, perceberemos que o Tratado de

Assunção se enquadra claramente como um tratado de integração econômica. No entanto,

devemos ressaltar que o Mercosul tem perspectivas que ultrapassam o projeto de integração

econômica, pois em última instância é concebido através da necessidade de uma valoração da

democracia e da constante busca pela justiça social.

Entre os objetivos podemos mencionar, ainda, a ampliação dos mercados através da

integração como condição fundamental para se acelerar o desenvolvimento econômico com a

manutenção de um meio ambiente equilibrado; a adequada inserção internacional; a

integração da América Latina; a ampliação da oferta e qualidade dos bens e serviços; e a

melhoria das condições de vida dos habitantes da região.

5.2. CÓDIGO ADUANEIRO DO MERCOSUL

5.2.1. Conceito de Reciprocidade

O Tratado de Assunção estabeleceu que o mercado comum deverá estar fundado na

reciprocidade de direitos e obrigações entre os Estados-membros. Tal cláusula significa dizer

que se reconhece a equivalência de direitos e deveres de todos os participantes.

Nesse sentido, os Estados signatários reconheceram as diferenças pontuais de ritmo

para o Uruguai e o Paraguai, daí a afirmar que os direitos e obrigações são equivalentes e não

necessariamente iguais, consolidando a chamada isonomia material.

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5.2.2. Cláusula da Nação Mais Favorecida

Compromete-se a estender automaticamente aos demais Estados do Tratado qualquer

vantagem, favor, franquia, imunidade ou privilégio, que conceda a um produto originário ou

que seja destinado a terceiros países não-membros da ALADI. Sua finalidade é evitar

qualquer discriminação ou desvantagem entre os Estados-membros.

5.2.3. Programa de Liberação Comercial

Tem como regime geral o acordo anterior entre o Brasil e a Argentina, o qual

estabelecia um processo de crescimento da preferência alfandegária do tipo progressivo,

linear e automático, até chegar a uma situação de “tarifa zero” em dezembro de 1994 para os

dois países e em dezembro de 1995 para o Paraguai e o Uruguai. Este regime geral,

entretanto, admite uma lista de exceções de produtos considerados “sensíveis” pelos

respectivos países.

Os produtos incluídos nessas listas estão sendo negociados caso a caso, fora do regime

geral de preferências, devendo desaparecer tais exceções ao término do prazo de transição

estabelecido. Podemos citar, entre outros, produtos advindos da indústria têxtil e confecções,

açúcar e derivados, legumes e hortaliças, frutas frescas e em conserva, leite e cereais, bem

como os da indústria automotiva.

5.2.4. Regime de Origem dos Produtos

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O Anexo II do Tratado de Assunção define, fundamentalmente, quais as condições

para que os produtos sejam considerados originários ou não de um dos países participantes.

Entre outras, podemos citar as seguintes condições:

a) os produtos elaborados integralmente no território de qualquer um deles,

quando em sua elaboração forem utilizados exclusivamente materiais

originários dos Estados-membros;

b) os produtos em cuja elaboração se utilizem materiais não-originários dos

Estados integrantes, quando resultem de um processo de transformação

realizado no território de algum deles que lhes confira uma nova

individualidade, caracterizada pelo fato de estarem classificados na

Nomenclatura Aduaneira da Associação Latino-Americana de Integração em

posição diferente à dos mencionados materiais, exceto nos casos em que tais

Estados determinem que, ademais, se cumpra com o requisito previsto no

Artigo 2°. deste Anexo.

De acordo ainda com o mesmo artigo, serão considerados produzidos no território de

um Estado-membro:

- os produtos dos reinos mineral, vegetal ou animal, incluindo os de caça e

pesca, extraídos, colhidos ou apanhados, nascidos e criados em seu território

ou em suas águas territoriais ou zona econômica exclusiva;

- os produtos do mar extraídos fora de suas águas territoriais e zona econômica

exclusiva por barcos de sua bandeira ou arrendados por empresas estabelecidas

em seu território;

- os produtos que resultem de operações ou processos efetuados em seu território

pelos quais adquiram a forma final em que serão comercializados.

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Para que a importação dos produtos originários destes Estados possa beneficiar-se das

reduções de gravames e restrições outorgadas entre elas, na documentação correspondente às

exportações de tais produtos, deverá constar uma declaração que certifique o cumprimento

dos requisitos de origem estabelecidos.

5.2.5. Cláusulas de Salvaguarda

As cláusulas de salvaguarda para o Mercosul são estabelecidas quando a importação

de determinado produto causar dano ou ameaça de dano ao mercado de qualquer dos Estados-

membros.

Por outro lado, a determinação do dano ou ameaça de dano deverá ser analisada,

considerando os vários aspectos em conjunto, tais como o nível de produção e capacidade

utilizada, o nível de emprego e participação no mercado, não se constituindo nenhum dos

fatores, por si só, um critério decisivo para a determinação do dano.

Devido à profundidade no grau de integração pretendido pelo Mercosul e a brevidade

dos prazos previstos para sua concretização, são imprescindíveis a vontade política e a

cooperação das sociedades envolvidas, com a participação de todos os setores interessados no

processo.

Verifica-se, portanto, que, para que o Mercosul atue de forma plena, faz-se necessário

o desenvolvimento de uma política comercial, conjuntamente desenvolvida no âmbito externo

e interno.

Nesse sentido, a política tributária ocupa posição de destaque quando da

implementação de um Mercado Comum. A harmonização da política fiscal, levando-se em

conta a instabilidade cambial da região, é tema que gera profundas modificações

imediatamente percebidas no âmbito das relações comerciais.

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5.3. O SISTEMA TRIBUTÁRIO DOS ESTADOS-MEMBROS DO MERCOSUL

Antes de ser iniciada a abordagem propriamente dita da harmonização tributária no

âmbito do Mercosul, faz-se necessário apresentar, de forma ainda que sucinta, o cenário

tributário dos países que integram o bloco econômico.

5.3.1. O Sistema Tributário Argentino

A Constituição Argentina, diferentemente da brasileira, não sistematizou o direito

tributário, tendo, no que tange esta matéria, além da divisão de competência, caráter

principiológico, não esgotando o tema em sua rigidez. O Sistema Tributário Argentino é

composto por três classes de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria. A

Constituinte Argentina não dedicou nenhum capítulo ao Sistema Tributário, delegando ao

legislador ordinário a competência impositiva.

O artigo 7554 da Constituição Argentina classifica os tributos em diretos e indiretos e

de acordo com esta classificação distribui as competências tributárias.

Conforme o texto Constitucional, verifica-se que os impostos indiretos são de

competência concorrente entre as províncias e o Estado Federal, excetuando-se desta

distribuição somente impostos aduaneiros, que são de competência exclusiva do Estado

Federal. Entretanto, respeitando a competência tributária do Estado Federal e das províncias

com relação aos impostos indiretos, verificamos que o principal imposto sobre o consumo

argentino (IVA) é arrecadado pelo Estado Federal, o qual acabou por gerar uma assimetria a

54 Artículo 75 – Corresponde el Congresso [...]2. Imponer contribuiciones indirectas como facultad concurrente com las provincias. Imponer contribuciones directas, por tiempo determinado, proporcionalmente iguales em todo el território de la Nación, siempre que la defensa, seguridad comum y bien general del Estado lo exijan. Las contribuciones previstas em este inciso, com excepción de la parte o el total de lás que tengan asignación especifica, son coparticipables.

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partir do momento em que a arrecadação é distribuída entre o ente federal e as Províncias,

conforme será abordado no próximo capítulo.

Por outro lado, assim como o Brasil, possui inúmeros tributos, fato este que também é

explicado pela extensão territorial. Todavia, é o país pioneiro no estabelecimento do Imposto

Sobre Valor Agregado (IVA), possuindo também imposto específico sobre determinados

produtos.

5.3.2. O Sistema Tributário Brasileiro

O Brasil, no rol dos países sul-americanos, é aquele que trata exaustivamente de toda a

matéria tributária em sua Constituição, bem como aquele que possui a maior carga tributária

do grupo.

O sistema tributário brasileiro, apresentado inicialmente pela Constituição Federal de

1988, engloba cinco espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições sociais, contribuições

de melhoria e empréstimo compulsório55. O sistema traçado na Carta Magna é

complementado pelo Código Tributário Nacional e pela legislação ordinária dos entes

federados, União, Estados e Municípios.

Assim, a atribuição constitucional da competência em matéria tributária compreende a

competência legislativa plena, ou seja, têm os entes federativos competência para determinar

as hipóteses de incidência, base de cálculo, alíquota, sujeito passivo e todos os outros

mecanismos que envolvem os procedimentos tributários, desde seu lançamento até a

fiscalização.

Ressalta-se, no entanto, que a Constituição prevê no seu artigo 154, I56, a competência

residual da União Federal para instituir outros impostos, desde que sejam não-cumulativos e

55 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 321. 56 Artigo 154, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988 - A União poderá instituir:

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não possuam fato gerador ou bases de cálculo iguais àqueles previstos na Constituição

Federal.

O que mais chama a atenção no sistema brasileiro é a grande quantidade de tributos, o

grau de complexidade em que o sistema tributário encontra-se organizado e a forma de

distribuição da competência do imposto sobre consumo, ou seja, nas três esferas políticas,

onde encontramos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) com a União Federal, o

Imposto sobre o Consumo de Mercadorias e Serviços (ICMS) com os Estados da Federação e

o Imposto sobre Serviços (ISS) com os Municípios.

Tal divisão vem, como será demonstrado no tópico pertinente, dentro do processo de

consolidação do Mercosul, causando inúmeros transtornos e dificultando, ainda mais, o

projeto de reforma tributária interno, pois corresponde ao maior acesso orçamentário dos

entes da federação, resultando em cifras tão altas que acabam por corresponder, muitas vezes,

pela quase totalidade do orçamento destinado a determinados municípios. Vale ressaltar que

este também se configura como o principal obstáculo a ser superado para que a reforma

tributária interna ocorra.

5.3.3. O Sistema Tributário Paraguaio

A Constituição Paraguaia, tal como a Argentina, é bastante sucinta em se tratando de

competência, princípios e isenções. Possui, portanto, um sistema tributário bastante

simplificado, tributando, assim como o Brasil, o consumo.

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição.

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O Estado Paraguaio é unitário57, sendo o seu território dividido em Departamentos,

Municípios e Distritos, os quais dentro dos limites da legislação ordinária e da Constituição

gozam de autonomia política, administrativa e normativa para tratar de assuntos referentes a

seus interesses58.

A Constituição Paraguaia não apresenta especificamente nenhum capítulo destinado

ao sistema tributário. Nesse sentido, aborda em linhas gerais somente alguns princípios

tributários, tais como: o princípio da legalidade59, da igualdade60, da vedação ao confisco e da

capacidade contributiva61.

A Reforma do Sistema Tributário Paraguaio ocorreu a partir da década de 90 com a

promulgação da Constituição de 1992 e com a edição da Lei nº. 125/91. Foi instituído, então,

o IVA, em substituição ao Imposto sobre as Vendas de Mercadorias. O imposto é não-

cumulativo, sendo liquidado mensalmente computando-se a diferença entre os débitos e os

créditos fiscais, estando as exportações desoneradas, sendo permitido aos exportadores, ao

final, recuperar o crédito que esteja afetado direta ou indiretamente às operações fiscais que

realizam.

5.3.4. O Sistema Tributário Uruguaio

57 Artículo 1º. – La República del Paraguay es para siempre libre e independiente. Se constituye en Estado social de derecho, unitario, indivisible y descentralizado en la forma que se establecen esta Constitución y las leyes. 58 Artículo 156. 59 Artículo 44 – Nadie estará obligado al pago de tributos ni a la prestación de servicios personales que no hayan sido establecidos pó la ley. No se exigirán fianzas excesivas ni se impondrán multas desmedidas. Artículo 179 – Todo tributo, cualquiera sea su naturaleza o denominacíon, será establecido exclusivamente por la ley, respondiendo a princípios económicos y sociales justos, así como a políticas favorables al desarrollo nacional. es tambíén ptivativo de la ley determinar la mátria imponible, los sujeitos obligados y el caráter del sistema tributário. 60 Artículo 46 – Todos los habitantes de la república son iguales em dignidad y derechos. No se admiten discriminaciones. El estado removerá los obstáculos e impdirá los factores que lás mantegnam o lás propicien. 61 Artículo 181 – La igualdad es la base del tributo. Ningún impuesto tendrá caráter confiscatório. Su creación y su vigência atendrán a la capacidad contributiva de los habitantes y lás condiciones generales de la economia del país.

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O Uruguai, diferentemente do Brasil, possui poucos impostos. Como a Argentina,

adotou o IVA sobre o consumo, não-cumulativo, que possui como fatos geradores a

circulação e importação de bens e a prestação de serviços.

O Estado Uruguaio é unitário, e dividido para fins administrativos em departamentos.

A Constituição Uruguaia, datada de 1967, assim como as Constituições da Argentina e do

Paraguai, não destinou um capítulo para tratar do Sistema Tributário, abordando tão somente

princípios limitativos ao poder de tributar62.

A estrutura do Sistema Tributário Uruguaio, assim como a do Paraguai anteriormente

apresentada, é bastante simples, existindo três impostos gerais: imposto societário, imposto

sobre o valor agregado e imposto sobre o capital.

Com a reforma realizada a partir da década de 70, o Uruguai modificou seu Sistema

Tributário objetivando modernizá-lo e, conseqüentemente, adequá-lo às transformações

geradas pelo processo de globalização, substituindo uma série de impostos específicos e

outros sobre vendas pelo IVA.

Assim como o modelo paraguaio, o sistema adotado pelo Uruguai é bastante simples,

mas ao adotar o IVA fica mais próximo do ideal de harmonização necessário à consolidação

do Mercosul.

5.3.5. O Sistema Tributário Venezuelano

62 Artículo 298 – La ley, que requerirá la inicitiva del Poder Ejecutivo y por el voto de la maioria absoluta del total de componentes de cada Câmara, podrá: Sin incurrir em superposiciones impositivas, extender la esfera de aplicación de los tributos departamentales, asi como ampliar las fuentes sobre las cuales éstos podrán recaer. Destinar al desarrollo del interior del país y a la ejecución de las políticas de desentralización, uma alicuota de los tributos nacionales recaudados fuera del departamento de Montevideo. Exonerar temporariamente de tributos nacionales, asi como rebajar sus alícuotas, a las empresas que se instalaren em el interior del país.

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Historicamente a Venezuela tinha sua principal fonte tributária concentrada nos

derivados de petróleo e hidrocarbonetos, não apresentando, devido à simplicidade do sistema

e à escassez de fontes, maturidade no campo da tributação.

A Constituição Venezuelana, em seus artigos 316 e 31763, estabelece que toda pessoa

deve contribuir com os gastos públicos por meio do pagamento de tributos, impostos, taxas e

contribuições, respeitando sempre a capacidade econômica do sujeito passivo, visando, assim,

que o Estado possa cumprir com sua obrigação de proteger a economia nacional e estabelecer

um nível de vida adequado ao povo.

As mudanças ocorridas nos últimos anos no cenário mundial e na América Latina

exigiram da Venezuela uma gama de transformações que fossem capazes de alcançar,

efetivamente, o objetivo constitucional. Assim ocorreu com a propositura do IVA em 1989,

que paulatinamente foi se sobrepondo aos outros tributos que compunham o sistema

venezuelano.

Adotou-se, também, um sistema de contribuições especiais com o intuito de atender e

controlar os contribuintes de maior significação fiscal.

O ápice das transformações tributárias vivenciadas pela Venezuela ocorreu com a

promulgação da Constituição de 1999, que passou a ocupar posição considerável na estrutura

do país.

63 Artículo 316 – El sistema tributario procurará la justa distribución de las cargas publicas según la capacidad económica del o la contribuyente, atendiendo al principio de progresividad, así como la protección de la economía nacional y la elevación del nivel de vida de la población; para ello se sustentará en un sistema eficiente para la recaudación de los tributos. Artículo 317 – No podrá cobrarse impuestos, tasas, ni contribuciones que no estén establecidos en la ley, ni concederse exenciones y rebajas, ni otras formas de incentivos fiscales, sino en los casos previstos por las leyes. Ningún tributo puede tener efecto confiscatorio. No podrán establecerse obligaciones tributarias pagaderas en servicios personales. La evasión fiscal, sin perjuicio de otras sanciones establecidas por la ley, podrá ser castigada penalmente. En el caso de los funcionarios públicos o funcionarias públicas se establecerá el doble de la pena. Toda ley tributaria fijará su lapso de entrada en vigencia. En ausencia del mismo se entenderá fijado en sesenta días continuos. Esta disposición no limita las facultades extraordinarias que acuerde el Ejecutivo Nacional en los casos previstos por esta Constitución. La administración tributaria nacional gozará de autonomía técnica, funcional y financiera de acuerdo con lo aprobado por la Asamblea Nacional y su máxima autoridad será designada por el Presidente o Presidenta de la República, de conformidad con las normas previstas en la ley.

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5.3.6. O Sistema Tributário nos Países Associados

Com sistemas tributários simplificados, os países associados ao Mercosul: Bolívia,

Chile, Equador, Peru e Colômbia, adotam o sistema do IVA, Imposto sobre Valor Agregado,

o que por si só já facilita alguns ajustes que tendem a consolidar a perspectiva, aqui

defendida, de harmonização da legislação tributária no bloco regional.

Vale ressaltar que tais países disciplinam em suas constituições nacionais, assim como

ocorre no caso paraguaio e uruguaio em especial, somente regramentos gerais sobre

tributação, apresentando características de cunho principiológico, que visam resguardar a

segurança jurídica e a questão da capacidade contributiva, bem como regramentos que tratam

da competência em matéria tributária.

Dessa forma, em legislações específicas, tributam algumas atividades econômicas,

pautando-se suas alíquotas de acordo com sua importância no cenário interno de ente, bem

como algumas atividades específicas como as ligadas ao tabaco e aos combustíveis.

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6. HARMONIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO NO MERCOSUL

Segundo Leonardo Correia Lima Macedo, diante da constante necessidade de tributar

mercadorias transacionadas no comércio internacional, surgiu uma tendência mundial para o

estabelecimento de acordos e convenções destinados a padronizar e uniformizar a

identificação da mercadoria, a origem e a base de cálculo. Assim, o núcleo central da

perspectiva de harmonização da tributação no comércio internacional e mais especificamente

no Mercosul, tem por base os seguintes acordos internacionais: OMA – Convenção do

Sistema Harmonizado de Designação e de Codificação de Mercadorias; OMC – Acordo Sobre

a Implementação do Artigo VII do GATT, 1994 (Acordo de Valoração Aduaneira); OMC –

Acordo Sobre Regras de Origem; ALADI – Acordo de Complementação Econômica n.º18

(ACE18- Mercosul); Mercosul – Decisão do CMC n.º1/2004 – Regras de Origem.64

Harmonizar implica efetuar certas forças nos ordenamentos nacionais visando à

criação de semelhanças entre os países envolvidos, com o objetivo de obter os resultados

perseguidos. Perspectiva diferente adota-se ao tratar da uniformização, a qual tem como

objetivo tornar idênticos os ordenamentos dos Estados comprometidos com o processo de

integração.

Logo, em última instância, significa, na ótica pretendida pelo presente ensaio, criar

semelhanças entre as normas dos Estados-membros, de modo a facilitar a livre circulação de

bens, pessoas e fatores produtivos.

O processo de globalização, acelerado a partir dos anos 90, vem transformando

decisivamente a economia mundial. Tal globalização tem sido comumente associada a um

processo positivo de integração das economias mundiais, relacionado à flexibilização dos

movimentos de mercadorias, capitais e pessoas entre países.

64 MACEDO, Leonardo Correia Lima. Direito Tributário no Comércio Internacional. São Paulo: Lex Editora, 2005, p.48.

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A obtenção de um mercado comum no Mercosul, livre das barreiras alfandegárias,

onde a mobilidade dos fatores e a informação possuam agilidade e baixo custo de transação,

tem como objetivo o aumento do bem-estar social e a melhor alocação dos recursos

econômicos.

A harmonização do direito tributário torna-se, desta forma, o processo mediante o qual

os governos dos países afetados por essas distorções buscarão acordar sobre a estrutura e o

nível de coerção de seus sistemas tributários, minimizando os efeitos da tributação sobre as

decisões de consumo e produção, independentemente da localização geográfica e da

nacionalidade.

Vale ressaltar, mais uma vez, que harmonização tributária não significa igualar

totalmente alíquotas e/ou bases tributárias em vários países e em todos os tributos. O que se

pretende é obter um mercado globalizado que seja consistente com o menor grau possível de

distorções. Nesse sentido, há necessidade de aproximar a legislação tributária pertinente entre

todos os países membros do Mercosul, devendo merecer maior destaque o estudo sobre os

aspectos constitucionais, guardadas as peculiaridades da estrutura política e administrativa de

cada Estado-membro.

Fabio Ulhoa Coelho, em seu Curso de Direito Comercial, afirma que:

Alguns autores consideram que a harmonização das legislações dos países integrantes do mercado comum deve alcançar um arco bastante largo de regimes jurídicos (...). No meu modo de entender a questão da harmonização pressuposta do desenvolvimento do processo de integração refere-se a um capo normativo bem restrito e delimitável. A construção do mercado comum, em suma, depende fundamentalmente de um “direito-custo harmonizado”. Isto é, a integração legislativa diz respeito às normas jurídicas que interferem direta ou indiretamente nos custos da produção e demais atividades econômicas65.

A harmonização fiscal, em um contexto de integração, é uma das opções que de algum

modo minimizam distorções políticas, econômicas e tributárias para a concretização de um

mercado comum e, em última instância, de uma autêntica união econômica. Nesse sentido,

vale delimitar o alcance do termo distorção para englobar a existência de discriminação de 65 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 61.

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origem fiscal que altera as condições de concorrência em um mercado integrado, de tal sorte

que provoque modificações apreciadas nas relações comerciais.

A atividade de harmonização tributária implica a participação comunitária no

exercício do poder de tributar nos territórios dos Estados-membros. Afirma-se, assim, que a

harmonização é a adoção em nível comunitário de regras que tendem a assegurar o bom

funcionamento do mercado comum e que devem ser adaptadas às legislações nacionais por

meio de dois mecanismos principais: a adoção de uma norma comunitária de aplicação

obrigatória para os Estados-membros e a adaptação das normas internas ao direito

comunitário, evitando, sob este aspecto, a criação de novas distorções.

No mesmo sentido, Heleno Torres66 afirma que:

Funcionalmente falando, a harmonização se constitui num procedimento, numa técnica jurídica voltada para a eliminação das disparidades existentes, que se caracteriza pelo entrechoque de regras no pluralismo das ordens normativas insertas e coordenadas no mesmo espaço territorial, o espaço de integração, com o fim de estabelecer uma disciplina legislativa comum sobre matérias tributárias específicas, para possibilitar a redução dos obstáculos e distorções econômicas não-passíveis de imediata uniformização. Tudo isso confluindo na definição de critérios para o regime impositivo e para a coordenação dos procedimentos administrativos de arrecadação e de fiscalização, destinados a assegurar uma aplicação uniforme dos impostos e a manter os níveis de arrecadação nos períodos seguintes.

Tal fato implica em afirmar que a titularidade do poder normativo, aqui especificado

em relação à matéria tributária, não pode mais anunciar uma expressão unilateral do Estado-

membro. Ela deve expressar a vontade compartilhada entre os Estados e a Comunidade em

formação.

Conforme será observado nos tópicos seguintes, o setor que se projeta prioritariamente

à atividade de harmonização fiscal é aquele abrangido pelos impostos indiretos. Tal afirmativa

se dá justamente pelo fato de que estes têm uma maior incidência nas trocas internacionais e

são quantificados com facilidade. Nesse sentido estabeleceremos nossa posição em relação ao

Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

66 TORRES, Heleno. Mercosul e o conceito de harmonização na tributação das rendas das empresas. In: Revistas dos Tribunais, ano 6, nº. 22, jan./mar. 1998. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1998, p. 261.

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Adilson Rodrigues Pires, no sentido apresentado ao longo do presente ensaio, se alinha

ao afirmar que a harmonização:

(...) consiste em trabalho mais abrangente, envolvendo todas as pessoas afetadas pelo mercado comunitário, quais sejam empresários, autoridades e, em sentido ainda mais amplo, os juristas e doutrinadores, visto que a tarefa envolve interesses corporativos e experiência e técnica. A regra hoje deve ser superada pelo sistema. A unificação resultaria numa espécie de camisa de força, na qual não caberia a complexidade da vida econômica atual, enredada no processo de globalização, que interliga capital e interesses de várias matizes em uma aplicada malha pela prevalência de normas comunitárias67.

Ressalta-se que a harmonização fiscal é um processo lento e contínuo, capaz de

respeitar as estruturas dos Estados-membros para obter um real funcionamento e

concretização dos objetivos perseguidos pelo mercado comum. É também um meio eficaz de

organizar a coexistência da diversidade de legislações existentes em um bloco integrado e,

neste sentido, mais uma vez merecem destaque as palavras do Professor Fabio Ulhoa Coelho

ao afirmar que a harmonização, ainda que levada a cabo por todos aqueles envolvidos no

processo de integração, deve limitar-se a um campo restrito e necessário ao funcionamento do

bloco.

Logo, no âmbito do Direito Internacional Público, a competência tributária dos

Estados-membros para o bom funcionamento e consolidação do bloco que visam integrar,

deve cingir-se às pessoas que com eles se relacionem. Para tanto, vale lembrar que se faz

necessária a adoção de regras de delimitação das potestades fiscais no plano internacional,

regras estas que podem sofrer variações de acordo com o imposto cuja harmonização é

objetivada68.

67 PIRES, Adilson Rodrigues. Harmonização tributária em processos de integração. In: Estudos de Direito Tributário em Homenagem à Memória de Gilberto Ulhôa Canto. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 9. 68 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Os impostos sobre o consumo no Mercosul. In: Revista dos Tribunais, ano 2, nº. 5, out./dez. 1993. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1993, p. 89.

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6.1. PERSPECTIVAS DE HARMONIZAÇÃO

Inicialmente devem ser ressaltados os motivos pelos quais se faz necessária a

harmonização tributária.

É importante frisar que com a harmonização procura-se, de maneira geral,

compatibilizar os sistemas tributários, efetuando modificações na legislação e nas práticas

pertinentes à matéria, com a finalidade de eliminar distorções, respeitando-se as identidades

nacionais, os valores éticos e a diversidade cultural e sócio-econômica dos povos, que

determinam, em grande parte, diferenças nos sistemas tributários.

Cabe destacar, então, que o principal objetivo da harmonização é chegar a sistemas

nacionais que permitam, ao mesmo tempo, conciliar os objetivos de integração econômica

com o respeito às identidades nacionais, não afetando a “intocada” soberania dos Estados-

membros.

Fato é que o sistema tributário pode se tornar um fator limitativo à integração

econômica. Como todo processo de integração econômica, ele requer certo grau de

harmonização tributária, cuja intensidade se vincula com o tipo de integração pretendida.

Nesse caso, quanto mais o processo se desenvolve, mais se deve avançar em termos de

harmonização tributária.

Na Comunidade Européia, os esforços no sentido da harmonização tributária após

1985 propiciaram a superação de uma fase de estagnação do processo de integração

econômica e o início de uma nova etapa, na qual se constituiu, em oito anos, o mercado único

sem fronteiras, com circulação livre de bens, serviços e fatores. Isto só foi possível porque os

avanços em termos de harmonização dos sistemas tributários evitaram que surgissem

distorções capazes de tornar politicamente insustentável o processo de integração em

desenvolvimento.

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Para que se possa cumprir com o organograma estabelecido pelo Tratado de Assunção,

a realização de uma política tributária coordenada se faz extremamente necessária. Teríamos,

assim, subido o primeiro degrau em direção à harmonização.

Afirma-se, em acordo com a realidade em que se encontram os países mercosulistas,

que a harmonização está longe de ser uma tarefa fácil, dependendo, antes de qualquer coisa,

da vontade política dos governantes dos países-membros. As mesmas razões que a fazem

inerente ao sucesso do processo de integração fazem dela um campo de batalhas, traduzidas

em constantes negativas envolvidas com noção tão próxima quanto a de soberania ou ainda

relacionada à possível diminuição do produto da arrecadação interna.

Ao traçar, em linhas gerais, os objetivos do Mercosul, destacamos que este é gradual e

flexível, o mesmo pode ser dito em relação à necessidade de se implementar a harmonização

tributária.

Todos os projetos de coordenação política têm como custo alguma limitação da

soberania das partes envolvidas, devendo-se levar em conta as vantagens frente aos prejuízos

da citada perda. Essa limitação de soberania, que no campo do direito tributário pode ser

definida como perda parcial dos poderes tributários, pode ser sentida no âmbito interno e

externo.

No caso do Mercado Comum do Sul, tal obstáculo é potencializado, pois os dois

países de maior força econômica – Brasil e Argentina – somam às complexidades próprias da

harmonização os diferentes graus de compromisso com o processo de integração, pois, como

é sabido, os objetivos conflitantes são inúmeros.

Destaca-se, neste quadro, que, em última instância, a grande dificuldade para

viabilizar a harmonização tributária no Mercosul se encontra no Brasil, primeiro porque o

sistema tributário brasileiro está, em sua totalidade, previsto na Constituição e segundo por

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sua tamanha complexidade, possuindo, inclusive, três níveis de competência para o imposto

sobre consumo, conforme será observado no momento pertinente.

Nesse sentido, vale ressaltar que o sucesso da integração é contabilizado pela

capacidade dos Estados-membros em superarem seus interesses nacionais em prol dos

interesses regionais, o que em outros campos, que não o tributário, vem sendo bastante

proveitoso.

Visando obter uma visão mais clara sobre o tema, destacamos alguns aspectos que

devem ser considerados quando do exame da importância de se estabelecer a harmonização

do sistema tributário dos Estados integrantes do Mercosul:

Evitar a dupla tributação, o que possivelmente só irá ocorrer no momento em

que houver a utilização de normas tributárias de diferentes países sem qualquer

restrição;

Evitar possíveis alterações nos mecanismos de concorrência que regem as

relações econômicas dentro do próprio bloco;

Evitar a não-tributação, pelas mesmas razões que se explicam a possibilidade

de dupla tributação;

Solidificar o mercado intra-regional, o que, mesmo com um volume não muito

expressivo, permite aos países integrantes do Mercosul uma maior liberdade

comercial e das conseqüentes vantagens;

Ampliar a capacidade de negociação do Mercosul, como bloco, com outras

regiões do globo69.

69 NOGUEIRA, Alberto. Mercosul, harmonização tributária e comércio intra-regional: raízes e perspectivas (globalização e tributação). In: Revista de Ciências Sociais, v. 4, nº. 1, p. 7-37. Rio de Janeiro: UGF, junho de 1998, p. 30.

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6.2. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

A criação de um mercado comum integrado, à medida que supõe e impõe uma

limitação ao poder de tributar e ao próprio exercício do poder financeiro, incide no

ordenamento interno dos Estados-membros. Nesse aspecto, imprescindível tratar, quando do

tema harmonização tributária, sobre os princípios que irão nortear os caminhos percorridos

pela aproximação das legislações pertinentes.

Assim, a nova concepção do conceito de soberania estatal supera os princípios

clássicos de inalienabilidade e indelegabilidade, possibilitando quando em um “mundo

integrado” o exercício conjunto de uma das facetas que estruturam o poder estatal. No

entanto, o ingresso de um Estado em um processo de integração não significa por si só uma

restrição ao exercício de sua soberania, mas, em última análise, este ingresso é em si mesmo a

expressão livre de uma vontade soberana.

A transferência de competências para o exercício compartilhado do poder de tributar

não implica, necessariamente, em uma limitação ou delegação da soberania estatal, mas sim,

por razões políticas e econômicas, em uma nova maneira de exercê-la.

Afirma-se, assim, que a Comunidade contém uma nova autonomia de poder e ação em

virtude de uma vontade comum dos Estados-membros.

Em se tratando de Mercosul, o princípio mais importante está consagrado no artigo 2º.

do Tratado de Assunção, in verbis: “O Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de

direitos e obrigações entre os Estados”.

Tal dispositivo representa, em nível comunitário, a consagração do princípio da

isonomia, devendo, respeitadas as diferenças, serem os Estados-membros tratados no cenário

intra e extra bloco da mesma forma, sem quaisquer benefícios ou restrições que alterem sua

posição na Comunidade.

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O artigo 7º. do Tratado de Assunção consagra o princípio da não-discriminação ao

dispor que: “Em matéria de impostos, taxas e outros gravames internos, os produtos

originados do território de um Estado-parte gozarão, nos outros Estados-partes, do mesmo

tratamento que se aplique ao produto nacional”.

A adoção da TEC, conforme mencionado nos capítulos anteriores, ao respeitar as

diferenças econômicas dos Estados-membros, nivelando e distribuindo de forma igualitária os

direitos próprios da inserção em um bloco como o Mercosul, consagra o princípio da nação

mais favorecida.

Ao optar pela adoção do princípio da nação mais favorecida, o Mercosul,

conseqüentemente, traz à tona o ideal de harmonização, reconhecendo que o bom

funcionamento de um bloco econômico somente se fará se houver respeito às particularidades

de cada país-membro ao atingir um tratamento fiscal semelhante, assim como é demonstrado

pela Lista de Exceção Tarifária.

6.3. HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS ADUANEIROS

Em se tratando de um projeto que visa à constituição de um mercado comum, a

harmonização dos tributos aduaneiros é a primeira etapa para a concretização da integração.

Nesse sentido, o objetivo concentra-se justamente na eliminação de barreiras alfandegárias

quando da realização de comércio intrabloco, por meio essencialmente do estabelecimento de

uma TEC.

A TEC, com base na harmonização dos tributos aduaneiros, essencialmente tributos

sobre importação, deve fixar todos os elementos hábeis da obrigação tributária,

harmonizando, desta forma, a política tarifária do bloco em formação.

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Os objetivos pretendidos com a harmonização dos tributos aduaneiros se coadunam

com o previsto no artigo 5º. do Tratado de Assunção e no 19º. do Protocolo de Ouro Preto,

isto é:

Artigo 5º. – Durante o período de transição, os principais instrumentos para a constituição do Mercado Comum são: c – Uma tarifa externa comum, que incentiva a competitividade externa dos Estados-Partes. Artigo 19 – São funções e atribuições da Comissão de Comércio do Mercosul: II. Considerar e pronunciar-se sobre as solicitações apresentadas pelos Estados-Partes com respeito à aplicação e ao cumprimento da tarifa externa comum e dos demais instrumentos de política comercial comum; V. Tomar as decisões vinculadas à administração e à aplicação da tarifa externa comum e dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-Partes; VII. Propor ao Grupo Mercado Comum novas normas ou modificações às normas existentes referentes à matéria comercial e aduaneira do Mercosul; VIII. Propor a revisão das alíquotas tarifárias de itens específicos da tarifa externa comum, inclusive para contemplar casos referentes a novas atividades produtivas no âmbito do Mercosul.

Afirma-se, portanto, que com relação ao Imposto de Importação, é necessário

estabelecer um tributo sobre a importação comum a todos os Estados-membros. Logo,

ressalvada a lista de exceções à TEC, é defeso aos países integrantes do Mercosul a incidência

de direitos aduaneiros no ingresso de mercadorias originárias do bloco, assim como deverão

estabelecer a mesma tributação para a manutenção de relações comerciais com terceiros

países.

Dessa maneira, com o intuito de evitar contradições e distorções no regime tributário

harmonizado, a Tarifa Externa Comum deve conter a nomenclatura das mercadorias

estabelecidas pelo bloco, as nomenclaturas dos Estados-partes, que serão subdivisões

daquelas anteriormente citadas, as alíquotas que incidirão sobre cada uma das mercadorias,

bem como aquelas aplicáveis às relações comerciais com países não integrantes do Mercosul

e as hipóteses em que serão aplicadas medidas de tributação preferencial ou incentivos fiscais.

Convém, por outro ângulo, ressaltar que, no tangente ao Imposto de Exportação, na

saída de mercadorias para um dos países parceiros, a forma como será realizada a

harmonização tributária não está tão clara.

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Certo que o artigo 5º. do Tratado de Assunção não versou acerca da disciplina

aplicável ao Imposto de Exportação, ficando tal incumbência com o CMC, que estabeleceu na

Decisão nº. 10/1994 – harmonização para a aplicação e utilização de incentivos às

exportações pelos países do Mercosul – os seguintes termos:

Artículo 3º. – Los Estados-partes se abstedrán de utilizar incentivos de tipo cambiario que impliquen el otorgamiento de subsidios, entendiéndose como ales, sistemas de tipo de cambio múltiples u otros que discriminen en favor de operaciones de exportación o importación o de determinados productos de exportación o importación. Artículo 4º. – Los Estados-partes podrán conceder créditos de fomentos y financiamiento a sus exportaciones cuando los mismos sean otorgados en condiciones, de plazos y tasas de interés, compatibles con las aceptadas internacionalmente en operaciones equivalentes. Articulo 5º. – Los Estados-partes podrán reintegrar, total o parcialmente, los impuestos indirectos pagados por los exportadores o acumulados a lo largo de las etapas anteriores de producción de los bienes exportados, conforme a las disposiciones del Acuerdo General de Aranceles y Comercio (GATT). El nivel del reintegro no excederá la incidencia de los impuestos indirectos sobre las ventas o sobre el consumo efectivamente pagados por los exportadores o acumulados en las etapas anteriores de producción. Articulo 6º. – Los Estados Partes podrán eximir del pago de tributos internos indirectos a los bienes destinados a la exportación. Articulo 12º - Los incentivos a las exportaciones no serán aplicables al comercio intrazona, con las excepciones enunciadas seguidamente: a) financiamiento a las exportaciones de bienes de capital a largo plazo: podrá

otogarse bajo las condiciones expuestas en el Artículo 4º. b) devolución o exención de impuestos indirectos: podrán reintegrarse o eximirse

en las condiciones previstas en los Arts. 50 y 60, hasta tanto queden armonizadas las condiciones que garanticen un tratamiento tributario en forma igualitaria a las producciones localizadas en el ámbito del Mercosur.

c) regímenes aduaneros especiales: podrán ser concedidos bajo las condiciones establecidas en los Artículos 9, 10 y 11, para los insumos, partes o piezas utilizados en la elaboración de bienes sujetos a las disposiciones de los párrafos primero y segundo del Articulo 2 referido al Ámbito de Aplicación delRégimen de Origen MERCOSUR. La Comisión de Comercio del MERCOSUR analizará los alcances y limitaciones de la utilización de estos regímenes en el comercio intraregional y propondrá los ajustes que resultaren necesarios para preservar la protección derivada del Arancel Externo Común.

Em se tratando de Impostos Aduaneiros, os critérios são o do país de origem e do país

de destino. Pelo primeiro critério, a tributação é realizada no país onde são produzidas as

mercadorias. Pelo segundo, o do país de destino, a tributação é realizada no país em que as

mercadorias são consumidas. Neste último critério, não há, desde que inexistente barreiras

fiscais, interferência da tributação nos fluxos comerciais, pois independe da carga tributária

dos países em negociação.

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Logo, a partir de uma análise simples da Decisão 10/94 do CMC, tal qual acontece na

União Européia, é mantido o regime de tributação no destino do comércio intrabloco, o que

implica em dizer que a carga tributária pode ser transferida para o local de consumo do bem

exportado.

Pelo que foi exposto até aqui, percebe-se que ao priorizar, em um primeiro momento,

a harmonização dos tributos aduaneiros, objetiva-se o próprio funcionamento do bloco

econômico em constituição, bem como a consagração do princípio da não-discriminação, já

anteriormente mencionado.

Ainda com relação à harmonização dos tributos aduaneiros, ressalta-se a importância

do Certificado de Origem, o que naturalmente aponta para a necessidade de comprovação da

origem de mercadorias comercializadas no Mercosul para a adoção de tratamento tarifário

preferencial.

Nesse sentido, de grande valia a lição de Edson Fernandes:

Mediante a comprovação da origem comunitária do produto ou mercadoria é que se consumam os benefícios dados pelo estabelecimento de uma União Aduaneira. Por isso nas transações comunitárias, para que não haja a incidência de gravames aduaneiros, é preciso que seja demonstrado mediante documentação comprobatória, que a origem assim definida na legislação comunitária, é de um dos cinco (alteração nossa) membros do Mercosul70.

No entanto, convém ainda mencionar que, embora o Mercosul esteja caminhando no

sentido da harmonização tributária, hipóteses de bi-tributação continuam a enfraquecer as

relações mantidas no plano interno e externo do bloco econômico, o mesmo afirma-se em

relação às inúmeras ocorrências de evasão fiscal.

70 FERNANDES, Edison Carlos. Normas Tributárias do Mercosul. In: Direito Tributário do Mercosul. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 151.

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6.4. HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE PATRIMÔNIO E RENDA

Diferentemente do que ocorre com os tributos aduaneiros, a harmonização dos tributos

sobre patrimônio e renda configuram a última etapa do processo de integração no campo da

tributação.

No que tange a esta espécie tributária, os critérios mais adotados são o da residência e

o da fonte. O primeiro, da residência, objetiva tributar a totalidade das rendas e bens no

território do Estado tributado, independentemente da nacionalidade do sujeito passivo, bem

como de sua renda ou da localização dos seus bens. Já o segundo critério, da fonte, consiste

em tributar bens e rendas cujas localizações e fontes se encontrem no território do Estado

tributante, sem considerar o local de residência e a nacionalidade dos sujeitos passivos da

obrigação tributária.

Verifica-se que o critério da residência tende a predominar por satisfazer, em maior

escala, o princípio da igualdade, sendo adotado no modelo europeu de integração. Por outro

lado, no caso dos países em desenvolvimento, há preferência para a adoção do critério de

tributação na fonte.

Conforme mencionado, o critério de tributação na residência satisfaz, em maior grau,

o princípio da igualdade, porque alcança a totalidade dos bens e rendas do sujeito passivo.

Satisfaz, ainda no mesmo sentido, o princípio da neutralidade fiscal, uma vertente do

princípio da igualdade, ao anular os incentivos fiscais dos países que são importadores de

capitais e investimentos, o que implica, necessariamente, na diminuição do nível de evasão

fiscal.

É facilmente perceptível que a tributação do patrimônio e da renda possuiu papel

delicado quando inserido na ótica da formação de um Mercado Comum. Fato é que tais

espécies representam a principal fonte de recursos financeiros dos Estados-membros, o que,

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por si só, dificulta o longo caminho para a harmonização. Nesse sentido, basta imaginar que,

se no Mercosul é possível apontar para a falta de vontade política na concretização dos

objetivos do Tratado de Assunção quando se enfoca questões sem cunho essencialmente

econômicos, mais árduo ainda é o percurso no campo da tributação sobre o patrimônio e a

renda.

Como objetivo de fazer prevalecer a igualdade de tratamento entre os Estados-

membros, a harmonização dos tributos sobre patrimônio e renda garante, em relação às

pessoas jurídicas, a distribuição dos investimentos empresariais, evitando, assim, a

concentração de riquezas em um ou outro país que tribute o lucro ou o patrimônio com cargas

mais baixas71.

Com relação às pessoas físicas, esta hipótese de harmonização tributária garante a

diminuição dos níveis de evasão fiscal, ou mesmo a transferência ou concentração de divisas

nos chamados paraísos fiscais.

No âmbito do Mercosul, no que tange ao processo de eliminação da bi-tributação, são

os Estados-membros livres para aplicarem as medidas que acharem convenientes. Nesse

sentido, não traz o Tratado de Assunção, até por consagrar o caráter intergovernamental do

bloco, medidas que priorizem a eliminação da pluritributação por medidas unilaterias

(isenções, deduções e etc.) ou multilaterais por meio da utilização de instrumentos próprios do

Direito Internacional (tratados), o que mais uma vez aponta para a necessidade de vontade

política.

Resta esclarecer, no que tange à harmonização dos tributos sobre patrimônio e renda,

ainda que de menor relevância no início do percurso que leva à concretização de um mercado

71 Heleno Torres, neste sentido, afirma: “A manutenção de divergências entre as legislações ficais, de certa forma, mas não de modo decisivo, condiciona manobras empresariais para a alocação dos investimentos. Em face desse inconveniente a neutralidade fiscal deve ser implementada de tal modo a impedir que as empresas, para decidir sobre a melhor foma de organização (comercial), procurem tomar em consideração aspectos ficais, prioritariamente, em particular o nível de pressão fiscal do país de interesse. TORRES, Heleno. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 264.

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comum, que não basta, no episódio concreto, a mera aproximação ou unificação de

legislações. Faz-se necessário, neste caso, a elaboração de uma política coordenada de

fiscalização.

6.5. HARMONIZAÇÃO DOS TRIBUTOS SOBRE CIRCULAÇÃO E CONSUMO

A tributação no perímetro interno dos Estados-membros possui ampla relevância em

um cenário de integração econômica, sendo certo que a incidência tributária determina o custo

do bem e estabelece a relação entre os produtos nacionais e importados, ainda que somente no

cenário intrabloco, o que já representa parcela considerável da arrecadação estatal.

No âmbito mundial e no Mercosul, em se tratando de tributos sobre circulação, o

Imposto sobre Valor Agregado (IVA) aparece como fator principal no cenário da tributação

indireta. Por conseguinte, iremos, então, realizar algumas considerações a respeito do citado

tributo.

O IVA, assim como todos os tributos aduaneiros, pode adotar o princípio da

arrecadação na origem ou da arrecadação no destino, sendo este último mais difusamente

aplicado.

De grande utilização no mundo todo, o IVA com base no princípio da imposição

exclusiva no país de destino, da mesma forma como acontece na União Européia, em que se

agravam as importações e se desagravam as exportações, finda por facilitar a harmonização

das legislações tributárias. Dessa maneira, o Imposto sobre Valor Agregado é considerado o

melhor tributo para fins de harmonização tributária em relação aos países-membros do grupo

em formação.

Nesse sentido, vale citar Enrique Jorge Reig:

El camino para esta armonización está iluminado por as pautas claras que ha dado el Mercado Común Europeo y qye han sido adoptadas, seguiendo sus normas, em numerosos otros acuerdos. Ellas se refieren a la unificacíon del tratamiento de bienes

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y servicios importados com los similares nacionales, la eliminacíon de los impuestos interiores que pesen sobre el valor de los bienes y servicios exportados y el perfeccionamiento de los esquemas de impuestos para facilitar tales propósitos y, adémas, para evitar el uso de impuestos que producen una traslación acumulativa que impide medir com precisión la carga de impuestos a reitegrar em el momento de exportación, así como el evitar en el IVA, por defectos de estruturación, la possibilidad de tal traslación72.

A mais importante característica do sistema do IVA é a sua forma de cobrança não-

cumulativa, abatendo-se em cada operação pela qual circula a mercadoria, o valor do imposto

suportado na etapa anterior. Proporciona-se, assim, uma igualdade de tributação incidindo em

cada etapa da produção somente o valor a esta agregado.

Visto por esse ângulo, é um sistema de imposição tributária sobre o valor agregado

geral e uniforme que, muito embora possua peculiaridades e distinções em cada um dos

países-membros, quando da tributação indireta, apresenta como característica comum a

incidência em cada etapa dos processos industriais, produtivos e de comercialização de forma

não-cumulativa, sendo, portanto, deduzido do débito fiscal o crédito tributário obtido com o

pagamento na etapa anterior.

Ressalta-se, além disso, conforme a visão de Heron Arzua73, que, devido ao mesmo

sistema não-cumulativo, o Imposto sobre Valor Agregado termina por incentivar a

especialização empresarial, na medida em que as indústrias procuram concentrar-se numa

gama menor de produtos, uma vez que não conseguem mais perceber grandes vantagens no

processo de produção vertical.

Caminhando neste mesmo sentido e seguindo as lições de José Ricardo Meirelles74,

verificamos, pelas características até agora mencionadas, que o IVA proporciona inúmeras

vantagens, dentre as quais podemos citar: a neutralidade com relação à organização

empresarial, o controle recíproco no interior de um mecanismo privilegiado contra a evasão

72 REIG, Enrique Jorge. Armonizacion tributaria dentro del Mercosur. In: Revista del Colégio de Abogados de Buenos Aires, Tomo 52, nº. 3, dec./1992, p. 51. 73 ARZUA, Heron. Mercosul e a uniformização dos impostos sobre circulação de mercadorias. In: Revista Dialética de Direito Tributário, nº. 56, maio/2000, p. 64. 74 MEIRELLES, José Ricardo. Impostos Indiretos no Mercosul e Integração. São Paulo: LTR, 2000, p.35.

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fiscal e a redução das distorções fiscais relativas aos bens internacionalmente

comercializados.

No Mercosul vigora, em relação aos tributos sobre circulação e consumo, o regime do

Imposto sobre Valor Agregado, restando apenas o Brasil como exceção ao modelo adotado

pela Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. No entanto, as diferenças das alíquotas nos

países que aditam o modelo de harmonização aqui proposto, faz com que as desigualdades no

tratamento tributário cresçam paulatinamente.

No caso do Brasil a tributação sobre circulação e consumo se dá em três diferentes

esferas de organização política, compreendendo o IPI no âmbito federal, o ICMS no âmbito

estadual e o ISS no plano municipal.

Vale mencionar, a título de ilustração, que mesmo que o Imposto sobre Valor

Agregado não seja adotado no Brasil, os impostos indiretos brasileiros apresentam

características semelhantes, ainda que os tributos sejam incidentes em três esferas políticas

diferenciadas.

Quanto ao aspecto espacial da hipótese de incidência tributária, em regra, é adotado o

critério de destino, ou seja, fica valendo aquele local onde é efetivada a venda do produto, a

realização da obra ou a prestação do serviço. No que tange ao aspecto temporal, que indica o

momento em que ocorreu o fato gerador da obrigação tributária, aponta-se para o momento

em que se realizou a negociação jurídica que importe a circulação do bem ou a prestação do

serviço.

Com relação ao sujeito passivo, os impostos indiretos possuem características bastante

peculiares. Nesse tipo de tributo, a carga impositiva é repassada no preço de venda do produto

ou serviço ao consumidor, em regra. Percebe-se, desta forma, que o contribuinte é, em

princípio, pessoa intimamente ligada ao aspecto material da hipótese de incidência,

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contribuinte de direito, mas que a exação ao ser incluída no preço é transferida ao

consumidor, contribuinte de fato.

Nesse sentido, a simplicidade do IVA seria o primeiro grande passo na concretização

de uma política tributária harmonizada. Além disso, pode ser deduzido nas exportações e

necessita de uma fiscalização menos complexa para fins de diminuição dos casos de evasão

fiscal.

6.6. HARMONIZAÇÃO DOS INCENTIVOS FISCAIS

Harmonizar os incentivos fiscais concedidos por cada Estado-membro é tarefa árdua

no campo do estabelecimento de normas comunitárias. Tal afirmativa é pautada, mais uma

vez, no estabelecimento de políticas e medidas que, em princípio, podem parecer ir de

encontro à soberania nacional. Assim, a grande questão que aqui se faz presente é saber

justamente qual o limite de atuação do Estado sem comprometimento da constituição do

mercado comum.

Certamente, ao se falar em limitação da soberania estatal, no que se refere à concessão

de benefícios e incentivos fiscais, deve ser ressaltado que nem tudo é vedado, devendo

restringir-se a práticas que beneficiem determinados setores econômicos ou regiões em

detrimento de outras, talvez até de maior relevância para o fortalecimento do mercado

comum.

No Mercosul, a harmonização dos incentivos fiscais é bastante incipiente. As normas

que prevêem algum tipo de limitação à concessão de subsídios encontram-se dispersas na

legislação e tratados que formam o Mercosul. Não há assim, como ocorre na União Européia,

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um órgão com poder para fiscalizar tais práticas e assegurar a imparcialidade na concorrência

intrabloco75.

75 Tratado de Roma, de 25 de março de 1957. Artigo 92º. 1. Salvo disposição em contrário do presente Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afetem as trocas comerciais entre os Estados-membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. 2. São compatíveis com o mercado comum: a) Os auxílios de natureza social atribuídos a consumidores individuais com a condição de serem concedidos sem qualquer discriminação relacionada com a origem dos produtos; b) Os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários; e c) Os auxílios atribuídos à economia de certas regiões da República Federal da Alemanha afetadas pela divisão da Alemanha, desde que sejam necessários para compensar as desvantagens econômicas causadas por esta divisão. 3. Podem ser considerados compatíveis com o mercado comum: a) Os auxílios destinados a promover o desenvolvimento econômico de regiões em que o nível de vida seja anormalmente baixo ou em que exista grave situação de sub-emprego; b) Os auxílios destinados a fomentar a realização de um projeto importante de interesse europeu comum, ou a sanar uma perturbação grave da economia de um Estado-membro; c) Os auxílios destinados a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões econômicas, quando não alterem as condições das trocas comerciais de maneira que contrariem o interesse comum. Todavia, os auxílios à construção naval existentes em 1º. de Janeiro de 1957, na medida em que apenas sirvam de compensação à ausência de proteção aduaneira, serão progressivamente reduzidos nas mesmas condições que as aplicáveis à eliminação dos direitos aduaneiros, sem prejuízo do disposto no presente Tratado no que respeita à política comercial comum em relação a países terceiros; d) Os auxílios destinados a promover a cultura e a conservação do patrimônio, quando não alterem as condições das trocas comerciais e da concorrência na comunidade num sentido contrário ao interesse comum; e e) As outras categorias de auxílio determinadas por decisão do Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão. Artigo 93º. 1. A Comissão procederá, em cooperação com os Estados-membros, ao exame permanente dos regimes de auxílios existentes nesses Estados. A Comissão proporá também aos Estados-membros as medidas adequadas que sejam exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado comum. 2. Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, verificar que um auxílio concedido por um estado ou proveniente de recursos estatais não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92º., ou que esse auxílio está a ser aplicado de forma abusiva, decidirá que o estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo que ela fixar. Se o estado em causa não der cumprimento a esta decisão no prazo fixado, a Comissão ou qualquer outro estado interessado podem recorrer diretamente ao Tribunal de Justiça, em derrogação do disposto nos artigos 169º. e 170º. A pedido de qualquer Estado-membro, o Conselho, deliberando por unanimidade, pode decidir que um auxílio, instituído ou a instituir por esse Estado, deve considerar-se compatível com o mercado comum, em derrogação do disposto no artigo 92º., ou nos regulamentos previstos no artigo 94º., se circunstâncias excepcionais justificarem tal decisão. Se, em relação e este auxílio, a Comissão tiver dado início ao procedimento previsto no primeiro parágrafo deste número, o pedido do estado interessado dirigido ao Conselho terá por efeito suspender o referido procedimento até que o Conselho se pronuncie sobre a questão. Todavia, se o Conselho não se pronunciar no prazo de três meses a contar da data do pedido, a Comissão decidirá. 3. Para que possa apresentar as suas observações, deve a Comissão ser informada atempadamente dos projetos relativos à instituição ou alteração de quaisquer auxílios. Se a Comissão considerar que determinado projeto de auxílio não é compatível com o mercado comum nos termos do artigo 92º., deve sem demora dar início ao procedimento previsto no número anterior. O Estado-membro em causa não pode pôr em execução as medidas projetadas antes de tal procedimento haver sido objeto de uma decisão final.

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7. O FUTURO DA INTEGRAÇÃO REGIONAL – DO FENÔMENO AO RISCO

No cenário de integração econômica no qual se encontra inserido o Mercosul,

privilegiando-se a cooperação internacional, apresenta-se de forma fundamental a reativação

dos fluxos internacionais de comércio.

O tema apresentado neste capítulo é, então, voltado a uma análise do futuro da

integração regional, que começa a ganhar forma a partir do momento em que se verifica que

os novos atores internacionais passam a atuar, no cenário econômico e comercial mundial,

não mais como uma unidade estatal, mas por meio da representação de uma vontade coletiva,

ou, como já afirmado nos capítulos anteriores, na busca de um bem maior: sua sobrevivência

no mercado internacional.

De tal modo, fatores tais como o impacto do fortalecimento dos blocos regionais frente

ao comércio multilateral estabelecido pela Organização Mundial de Comércio76, a questão das

indústrias automotivas no Brasil e na Argentina, a atual política venezuelana e a necessidade

de adaptação das empresas nacionais com vistas ao enfrentamento da nova ordem

internacional, ganham lugar de destaque quando da efetivação de uma política tributária

harmonizada.

Artigo 94º. O Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão, e após consulta do Parlamento Europeu, pode adotar todos os regulamentos adequados à execução dos artigos 92º. e 93º. e fixar, designadamente, as condições de aplicação do nº. 3 do artigo 93º. e as categorias de auxílios que ficam dispensadas desse procedimento. 76 Segundo Minoru Nakada, as regras comerciais exclusivas existentes no comércio intra-regional irão, cada vez mais, influenciar no relacionamento do comércio internacional. Desta forma, a análise legal do relacionamento entre o regionalismo e o sistema multilateral de comércio se torna um tema fundamental para a construção de uma ordem econômica mundial estável no futuro. NAKADA, Minuro. A OMC e o regionalismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 17.

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7.1. O COMÉRCIO INTERNACIONAL MULTILATERAL

Após o término da Segunda Guerra Mundial, o fluxo de discussões a respeito das

relações comerciais internacionais ganhou enfoque multilateral, tomando corpo na Carta de

Havana, a qual instituiu a Organização Internacional do Comércio (OIC) e que jamais entrou

em vigor. Diante de tal fracasso, somente o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT),

de objetivos centrados basicamente na redução progressiva das tarifas alfandegárias, ainda

que por meio de um Protocolo de Aplicação Provisória (PAD), obteve sucesso e passou a ser

adotado.

Apesar de o GATT não apresentar a estrutura de uma organização internacional

formal, tal como se propunha a OIC, este acabou, por fim, se tornando o alicerce de tratativas

mais amplas que culminaram com a formação da Organização Mundial do Comércio (OMC),

em 1994.

As relações entre as disposições estabelecidas pelo GATT e pela OMC com aquelas

que estabelecem o Mercado Comum do Sul vêm sendo estudadas de forma mais profunda a

partir do momento em que é possível verificar, mais especificamente no campo do direito

tributário, os primeiros conflitos em matéria de regulamentação de um conjunto de regras

regionalizadas com um direito de cunho internacional.

Pensando de forma bastante simplória, é fato que é encontrado nos atos constitutivos

dos blocos econômicos, Mercosul e UE, para citar exemplos, disposições que vão de encontro

a regras e princípios anteriormente firmados nos acordos internacionais de cooperação

econômica, tal qual a OMC. Nesse sentido, o fortalecimento destes novos agentes

internacionais passa, em última instância, a comprometer o mecanismo político-econômico já

existente.

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Com a progressiva consolidação da experiência comunitária, e, conseqüentemente, de

um exercício legislativo, ainda que insipiente no caso do Mercosul, aponta-se para o fato de

que a comunidade tende a proteger sua economia em crescimento, principalmente em

momentos de crise, mediante a adoção de regramentos que, eventualmente, colidem com os

princípios estabelecidos pelos organismos internacionais de regulamentação do comércio

internacional.

Fato é que os países integrantes de blocos econômicos regionalizados têm total

consciência de que, para alcançarem o objetivo do fortalecimento comercial no cenário

mundial, precisam resguardar-se de determinadas regras estabelecidas e já consagradas junto

ao GATT ou a OMC, o que, como fato isolado, gera conflitos no tratamento multilateral de

comércio.

É incontestável a afirmativa de que as negociações iniciadas sob a égide do GATT e

desenvolvidas após a criação da OMC obtiveram êxito. No entanto, limitações são

encontradas ainda hoje – tais como a necessidade de consenso para a tomada de decisões,

salvo exceções expressamente identificadas – e acabam por engessar, por uso de uma simples

vontade política, projetos que em prol de uns, a exemplo das nações menos favorecidas,

prejudicariam, em determinados aspectos, nações mais volumosas economicamente, como

aconteceu no ano de 2006 com a Rodada de Doha.

Assim, o fracasso de Doha acirra o ideário de uma política comercial multilateral em

clima de incerteza para os países agrícolas latino-americanos, e, aqui, com maior destaque

aqueles integrantes do Mercosul, que continuam sem poder contar com o acesso preferencial a

grandes mercados. Ressalta-se que um acordo nestes moldes, além de estimular o crescimento

econômico global, ajudaria a diminuir os índices de pobreza na periferia mundial e

beneficiaria o centro, na medida em que possibilitaria um maior fluxo de vendas de bens e

serviços.

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Diante de tal cenário, percebe-se, na perspectiva da América Latina, que o fracasso das

últimas tratativas comerciais junto à OMC, pode ocasionar um acirramento das disputas

comerciais dentro do próprio órgão internacional. De fácil compreensão será, portanto, a

análise de uma postura futura do Mercosul em dar maior ênfase à cooperação econômica

bilateral com países em desenvolvimento, tais como Índia, China e os Estados africanos,

priorizando os esforços de cooperação sul-sul.

Com princípios que tangenciam a cláusula da nação mais favorecida, a obrigatoriedade

do limite tarifário e a eliminação das restrições quantitativas, admite, a Organização Mundial

de Comércio, exceções às regras que prevêem o livre comércio como, por exemplo (e este é o

maior interesse do tópico aqui desenvolvido) o fato de os acordos regionais poderem utilizar-

se de regras preferenciais intra-bloco, desde que respeitadas algumas condições, tal qual a de

que terceiros estados não tenham sua situação agravada em relação aos direitos de que

dispunham antes da formação do bloco, conforme consta do Artigo XXIV da Carta de

Havana.

Com efeito, visando minimizar as questões até aqui citadas, a partir da Rodada de

Tóquio (1973-1979), os países signatários do GATT adotaram a “cláusula de habilitação”,

que serve aos Estados em desenvolvimento, permitindo a estes que usufruam de sistemas

preferenciais para comércio estabelecidos entre si ou para si por Estados considerados

desenvolvidos.

Segundo Minoru Nakada77, em obra dedicada ao estudo da relação estabelecida entre a

OMC e os movimentos de integração regional:

A questão mais importante sob o ponto de vista do regionalismo é a de que o Art. XXIV permite a formação da União Aduaneira e Área de Livre Comércio. (...) Entretanto, o Art. XXIV é a chave que influenciará no se multilateralismo e o regionalismo serão rivais e complementares. Mas, apesar do Art. XXIV ser a parte que compõe a raiz desse sistema de comércio internacional, enfrenta, com o crescimento do regionalismo na atualidade, o perigo de não poder prevenir o seu abuso e, conseqüentemente, cria a possibilidade de estar enfraquecendo a eficácia do acordo da OMC. Isto significa que as regras comerciais exclusivas existentes no

77 NAKADA, Minoru. A OMC e o Regionalismo. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 17.

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comércio intra-regional irão, cada vez mais, influenciar no relacionamento do comércio internacional.

Faz-se necessário ressaltar que somente as zonas de livre comércio e as uniões

aduaneiras foram contempladas pelo GATT, Artigo XXIV, e pelo “Entendimento sobre a

Interpretação do Artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio 1994”, inserido no

Anexo 1º. do Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio (Decreto nº. 1.355,

de 30 de dezembro de 1994).

Mais uma vez, tendo como pano de fundo o cenário até aqui apresentado, parece que

outra possibilidade no horizonte do Mercosul é avançar nas negociações com a União

Européia. Percebe-se, nas recentes reuniões entre os negociadores dos dois blocos, que o

acordo de livre comércio entre europeus e sul-americanos tem margem para avançar

significativamente.

Por outro lado, os posicionamentos políticos do governo venezuelano, somado aos

problemas internos vividos por alguns dos países-membros, são fontes de preocupação para o

bloco europeu, que, certamente, tenderá a priorizar o estabelecimento de relações comerciais

com Estados que procurem resguardar o exercício direto da democracia e a estabilidade

política.

Tais afirmativas têm por base o fato de que, em março de 2006, o Mercosul enviou à

União Européia um documento contendo as propostas sul-americanas para o fechamento de

um possível acordo: cota livre de tarifas de 300 mil toneladas de carne bovina e de 250 mil

toneladas de carne de frango. Os montantes representam, respectivamente, o dobro e a mesma

quantidade do que os europeus ofereceram no âmbito da fracassada Rodada Doha. A resposta

européia veio em abril, com pedidos de abertura do setor de serviços e do mercado sul-

americano para 353 produtos industriais prioritários dos exportadores do Velho Continente, o

que por sua vez pode levar à análise do já comentado enfraquecimento do comércio mundial

multilateral empreendido pela OMC.

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Visto por este ângulo, o fenômeno aqui denominado regionalismo aponta para a

formação de opiniões variadas. Desta forma, em localidades onde não exista, em sentido

estrito, a ocorrência de progressos na liberalização do comércio internacional mundial, mas

sim o fortalecimento do comércio regional, será possível, por meio do incremento deste,

estabelecer um crescimento econômico regional e, conseqüentemente, complementar o

regramento da OMC. Em sentido oposto, se o já citado regionalismo ganhar ares

protecionistas em relação a terceiros países, os Estados então prejudicados poderão, a partir de

políticas também protecionistas, gerar conflitos que comprometam a ordem mundial

estabelecida.

Portanto, a grande questão da coexistência do Mercosul com o padrão normativo

estabelecido pela OMC exige a fixação conjunta de alíquotas dos impostos de importação aos

bens originários de terceiros países ou, ainda, dos tributos sobre circulação de bens e serviços

e dos incentivos fiscais.

Coordenar vontades políticas nem sempre convergentes é, hoje, o grande desafio da

OMC ao olhar para a existência de um mundo não apenas globalizado, mas, e a cada dia em

maior grau, um mundo regionalizado. Busca-se, assim, refletir sobre as relações entre o

direito dito comunitário e o direito internacional.

7.2. A QUESTÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA

O estímulo à indústria de automóveis parecia ser uma boa idéia para incentivar o

crescimento econômico e para levar à criação de novos empregos.

Com este propósito, o governo brasileiro instituiu, por meio das medidas provisórias

nº. 1.024/95 e nº. 1.532/97 convertidas nas leis, respectivamente, nº. 9.449/97 e 9.440/97, o

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regime automotivo específico para as regiões menos desenvolvidas e o regime automotivo

geral, que atinge praticamente apenas o sul e sudeste do país.

A ANFAVEA, associação que congrega as indústrias automobilísticas internacionais

atuantes no Brasil, foi sempre uma das poucas associações empresariais realmente eficientes

no país. Diante da postura do governo brasileiro em abrir o mercado doméstico para a

importação de automóveis, a ANFAVEA propôs abrir o mercado apenas para aquelas

montadoras que também estavam produzindo no Brasil, brecando a primeira iniciativa

governamental.

O incentivo às instalações de grandes complexos industriais para a fabricação de

automóveis e autopeças é concebido com uso de uma política de renúncia fiscal de tributos da

União, dentre os quais se destacam o Imposto sobre Produtos Industrializados, o Imposto de

Importação e o Imposto de Renda.

Assim, taxas de importação reduzidas foram o principal instrumento do governo

brasileiro no contexto do regime automotivo. De fato, tal política comercial criou uma

situação delicada frente ao governo argentino, que foi o primeiro a permitir um regime

especial para a indústria automotiva, tentando atrair o maior número possível de empresas que

quisessem montar fábricas no cenário do Mercosul.

Perante esta postura, acirrando ainda mais a questão da adoção de uma política

econômica integrada no Mercado Comum do Sul, o governo argentino reagiu rapidamente,

lançando um severo protesto contra as medidas brasileiras. Contudo, as montadoras

compreenderam a mensagem, a saber, que seria de bom alvitre não dirigir para a Argentina

mais do que uma fração razoável de seus investimentos. Constitui-se, desde então, a

negociação do regime político automotivo comum, um dos principais entraves ao processo

integracionista.

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Vale ressaltar que, mesmo diante deste quadro de profunda incerteza no campo da

indústria automotiva, criado após a adoção de regramentos intra-Mercosul para a liberalização

do comércio, bem como da isenção tributária nas operações da Argentina para o Brasil e da

transferência de parcela das linhas de produção para aquele país, aumentou-se o volume de

exportação para o território brasileiro, chegando a atingir-se o patamar de metade da

produção.

A resolução insatisfatória da questão Brasil – Argentina acabou por acarretar um

maior protecionismo da indústria automobilística brasileira e, paralelamente, um grau ainda

mais elevado de incentivos fiscais, culminando com um aumento da TEC para o percentual de

35%.

Deve-se ainda ser mencionado que o Conselho do Mercado Comum criou, por meio da

Decisão de nº. 29/94, um Comitê Técnico Ad Hoc para elaborar o tão esperado regime

automotivo comum do Mercosul. Com pontos que disciplinam o livre comércio intra-zona, a

ausência de incentivos nacionais que impliquem em distorções na competitividade regional, o

regime de importação de veículos e o regime de transição dos regimes nacionais para o

comum mediante a harmonização de políticas econômicas e tributárias. A citada decisão, que

tinha o dia 1º de janeiro de 2000 para a sua entrada em vigor, permanece esquecida pelos

negociadores do bloco.

A questão da TEC delimitada em 35% vem sendo aceita e ajustada de acordo com os

interesses brasileiros e argentinos. Por outro lado, isto torna preocupante a situação do

Uruguai, Paraguai e Venezuela em relação ao cumprimento de tal patamar, sendo certo que

estes países não possuem produção suficiente nem sequer para o abastecimento de seus

mercados internos.

Entretanto, o exposto representa apenas uma parte do problema.

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Tendo em foco a perspectiva de uma série de investimentos de grande visibilidade, os

governos estaduais e municipais brasileiros passaram a vivenciar a chamada “Guerra Fiscal”.

Através de uma série de concessões de incentivos fiscais, com o objetivo de atrair indústrias

automobilísticas, as empresas passaram a fazer jus a um pacote de vantagens que incluíam,

além da redução da carga tributária, a entrega de um grande terreno com uma localização

conveniente e até mesmo uma proposta de compra de ações pelos governos locais. A

concessão de tantos benefícios orientou, mais uma vez, as reclamações por parte dos

argentinos.

No que tange ao regramento da OMC, verifica-se que o regime automotivo brasileiro,

adotado após o ano de 1994, é incompatível com as regras da organização internacional, já

havendo manifestações contrárias de parcela dos países-membros, tais como o Japão e a

própria União Européia, junto ao órgão de Solução de Controvérsias, baseando-se as citadas

reclamações basicamente no Acordo sobre Medidas de Investimentos Relacionadas ao

Comércio e ao Acordo de Subsídios, ambos anexados ao anteriormente mencionado Acordo

Geral do GATT.

No entanto, é válido mencionar que o Uruguai, Paraguai e Venezuela possuem no

setor automotivo um parque industrial bastante insipiente, sendo a maior parte da sua

produção voltada para a exportação.

7.3. A POLÍTICA VENEZUELANA

A América do Sul vive um período recorde de regimes que se apóiam no ideário

democrático chegando ao poder. Entretanto, movimenta-se, inequivocamente, para uma

postura de esquerda, nem sempre pautada em princípios tão essencialmente democráticos.

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Não raro esses movimentos concentram-se muito mais em personalidades do que em

estruturas partidárias.

O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, é o que mais se aproxima de uma liderança

populista tradicional: tem apoio dos movimentos sociais, uma liderança carismática e base

militar. Evo Morales, da Bolívia, emergiu de movimentos sociais e construiu sua vitória à

margem dos partidos tradicionais. No Paraguai, o principal candidato contra o Partido

Colorado, que domina o poder há mais de 60 anos, é o bispo Fernando Lugo, filho da

Teologia da Libertação, que concorrerá por fora do sistema partidário consolidado com o seu

“Movimento de Resistência Cidadã”. Já no Brasil, Uruguai, Chile, Argentina e Equador, a

opção de esquerda passou por partidos que emergiram no cenário político após a

redemocratização.

Em seu discurso de posse, o presente da Venezuela Hugo Chávez anunciou uma nova

denominação para o Estado venezuelano, o qual agora deve ser chamado de República

Socialista da Venezuela. Inspirado nos ensinamentos de Marx, existe a intenção de

nacionalizar, de imediato, toda a economia, principalmente os setores estratégicos das

telecomunicações e da eletricidade, bem como avançar rumo a um controle efetivo do Banco

Central.

Paralelamente, ficou clara sua intenção de lançar-se numa ofensiva diplomática que

vai aumentar a sua influência em toda a região. Prometeu ajuda econômica à Nicarágua, agora

presidida pelo ex-líder sandinista Daniel Ortega. Apóia as posições políticas do Equador, face

à sua vizinha Colômbia.

A necessidade de se coordenar o discurso radical do governo venezuelano junto ao

projeto mercosulista de integração é também um dos grandes desafios a serem enfrentados

nos próximos anos.

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Nesse sentido, merecem destaque as palavras de Dromi, Ekmekdjian e Rivera em obra

coletiva de Direito Comunitário, ao afirmarem que: 78

El sistema de Derecho Comunitário tiene como pressupuesto político la democracia. Para que exista la Comunidad, se requiere um condicionamiento político que está dado, precisamente, por la existencia de Estados nacionales soberanos con voluntad de integrarse en una comunidad supranacional. Pero no cualquier Estado nacional logra integrarse en una organización supranacional; solo es posible cuando los Estados nacionales son essencialmente democráticos. No hay derecho comunitario autocrático porque la organización comunitaria exige participación y representación, com estructuras supraestatales nacidas a imagen y semejanza de la democracia interior de casa Estado miembro. Si no hay democracia en el gobierno de lãs partes, no la habrá en el todo, habrá associación, fusión, federación, pero no integración.

Diante de tamanha ameaça, ao pensarmos especificamente no caso brasileiro, tem-se a

estranha sensação de que “ruim com ele, pior sem ele”. Isto porque, apesar do efeito instigado

por Chávez já ter começado a provocar, na percepção de investidores em relação à América

Latina, certo aumento da instabilidade econômica e política da região, no que diz respeito ao

cumprimento de regras e contratos, a Venezuela é uma nação considerada como

extremamente estratégica pelo governo Lula, especialmente sob o ponto de vista do comércio

e da integração física. Sendo assim, neste aspecto, nada melhor que seja um sócio pleno do

Mercosul.

Ressalta-se, ainda, que para manter-se no bloco, tal e qual foi verificado ao longo do

trabalho, é necessário que sejam seguidas, pelos países-membros, certas normas previstas no

Tratado de Assunção e seus protocolos adicionais e, principalmente, a chamada cláusula

democrática, que prevê a expulsão do membro que vier a romper com os princípios

democráticos. Sendo assim, a melhor posição dos países-membros do Mercosul em relação à

nacionalização anunciada por Hugo Chávez é a de cautela; de esperar o desdobramento dos

acontecimentos, sem qualquer manifestação oficial, até mesmo porque se trata de um governo

legitimado por uma eleição.

78 DROMI, Roberto; EKMEKDJIAN, Miguel A.; RIVERA, Julio C. Derecho Comunitario: Regimen Del Mercosur. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1996, p. 49.

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No entanto, a visão aqui defendida é de que a situação é preocupante e envolve não

apenas petróleo e gás, mas também investimentos em infra-estrutura. Partindo deste princípio,

teme-se que, com essa experiência socialista exótica, Chávez tente retardar a economia e o

crescimento venezuelano, levando, por conseqüência, a um maior engessamento do caminhar

do Mercado Comum do Sul.

Sendo assim, seria interessante que o Mercosul previsse a expulsão do país que romper

unilateralmente contratos, pois, desta forma, compromete-se toda a política externa do bloco

em formação, fazendo com que a imagem do Mercosul, em última instância, possa ser abalada

por conta de rumores que inflamem uma maior instabilidade política e econômica da região.

São de conhecimento público os caminhos pelos quais Hugo Chávez conseguiu chegar

ao poder na Venezuela, e está cada vez mais evidente onde ele realmente quer chegar: a uma

“república socialista”, com fechamento econômico e endurecimento político. Chávez combina

o fim da autonomia do Banco Central, reestatização e nacionalização de empresas, não-

renovação da concessão da RCTV (importante rede de televisão de oposição) e a perturbadora

perspectiva de reeleições ilimitadas para ele mesmo. Resultado: as Bolsas despencaram e os

investidores externos devem aguardar as formas pelas quais serão trilhados os novos rumos

governamentais, ainda mais, diante dos cenários da América Latina.

Enfatiza-se a apreensão com o atual contexto venezuelano o fato de Hugo Chávez ter

pedido ao Congresso Nacional plenos poderes para governar por decreto, afastando, assim, o

Poder Legislativo e, por fim, a própria Constituição, o que mais uma vez compromete a

cláusula democrática prevista no Protocolo de Ushuaia (1998), elaborado após tentativa de

Golpe no Paraguai.

Ainda que a Venezuela não esteja totalmente integrada ao Mercado Comum do Sul

como membro pleno, pois depende de prazo para se adequar às normas do bloco, bem como à

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TEC, tem direito de voz dentro do grupo e no cenário internacional se posiciona como

membro efetivo, o que por si só aumenta a preocupação com a questão democrática.

No atual cenário latino americano, as negociações com a Bolívia e o Equador, bem

como a instabilidade política dos dois países face às recentes declarações de seus presidentes,

respectivamente, Evo Morales e Rafael Correa, tendentes à nacionalização econômica e com

propostas de reformas às constituições, os problemas do bloco se proliferam. Soma-se a tal

fato, o litígio criado entre o Uruguai e a Argentina, por causa das fábricas de celulose que

estão sendo instaladas em território uruguaio.79

Outros membros do bloco também possuem suas rusgas com países associados. Tais

quais as reticências provocadas na Bolívia diante da intenção do Brasil em construir duas

represas no Rio Madeira e, posteriormente, duas empresas hidroelétricas, pautando-se mais

uma vez na questão de possível desequilíbrio ambiental e prejuízos em relação à atividade

pesqueira, que é a base da economia na região.

O Equador, a seu tempo, denunciou as borrifadas aéreas com herbicida que a

Colômbia realiza em regiões fronteiriças para erradicar o cultivo de coca, afirmando que tal

conduta, ainda que eficaz no combate à plantação da coca, afeta também, em última análise, a

saúde dos cidadãos equatorianos, do gado e dos cultivos legalmente estabelecidos na

localidade.

79 Vale ressaltar que o Tribunal Arbitral do Mercosul acolheu a pretensão Uruguaia em demanda suscitada em face da Argentina em razão dos cortes de rotas comerciais que garantiam a livre circulação de bens e serviços, realizados em oposição à instalação de duas fábricas de celulose em território uruguaio. Os argentinos são contra a construção das plantas da empresa finlandesa Botnia e a espanhola Ence nas mediações da cidade uruguaia de Fray Bentos, localizada na ribeira do rio Uruguai, fronteira natural de ambos países por entender que tal projeto constitui uma violação ao tratado do Rio Uruguai, que desde de 1975 rege a questão compartilhada deste recurso natural. Para eles as indústrias de celulose são um motivo de contaminação de suas águas. Os representantes do Uruguai e das citadas empresas, por outro lado, asseguram que não existe nenhum perigo ambiental e que as fábricas significam uma importante fonte de trabalho para os uruguaios. Esta decisão é a segunda sentença judicial nesse conflito. Anteriormente, a Corte Internacional de Justiça da Haia negou, em julho de 2006, uma petição argentina para suspender a construção das empresas. Ressaltando-se que o governo argentino até o presente momento não tomou as medidas impostas pelo Tribunal Arbitral do Mercosul. Parece que o conflito ainda está longe de ser efetivamente solucionado.

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A Argentina protesta, ainda, em face das salvaguardas impostas pelo Chile às

importações de leite e derivados para proteger sua indústria nacional, o que por sua vez

prejudica as exportações das indústrias argentinas.

Ou seja, o que o Mercosul pode vir a ganhar no comércio intra-regional com a

Venezuela, pode perder em investimentos do resto do mundo, no rastro das restrições ao

continente em razão do caminho político seguido pelo citado país.

7.4. A NOVA ORDEM EMPRESARIAL

O fortalecimento de um mercado regional advindo das relações intra-bloco, tal e qual

ocorre no Mercosul e na União Européia, bem como a liberação da circulação de mercadorias,

serviços e pessoas, indicam a necessidade de paulatina, mas não menos urgente, adaptação

das empresas localizadas na região, perfazendo regramentos que beiram suas organizações,

estruturas e capacidade produtiva.

Fato é que os sistemas de integração regional devem estabelecer metas para o

crescimento harmonioso das atividades econômicas envolvidas no processo de regionalização.

É este o aspecto, aqui, relevante. Ora, as empresas, agentes econômicos e motores dos

Estados-membros do bloco em formação, cujas dimensões anteriormente eram voltadas para o

mercado nacional, deverão adaptar-se a um mercado cada vez mais exigente e de consumo em

maior escala de crescimento.

Necessário se faz, portanto, que a partir do momento em que seja estabelecida uma

legislação tributária harmonizada para a região em desenvolvimento, ocorra imediatamente a

criação de instrumentos jurídicos aptos a fortalecer as empresas intra-bloco. Permitir a

combinação e a concentração de capital por meio de uma maior disponibilidade de benefícios

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econômicos e da redução dos custos é um dos grandes desafios para o avanço negocial do

Mercosul.

Preocupante, neste quadro de integração, é a posição das pequenas e médias empresas.

Essas convivem na disputa de um mesmo setor econômico com empresas de elevada

produtividade, como aquelas vinculadas aos recursos naturais e a alguns insumos de uso

difundido, com outras que, de modo geral, se encontram longe da fronteira de eficiência

internacional exigida por um mercado comum em formação. Olhando na mesma direção, é

possível constatar uma maior concentração do volume de exportação em poucos agentes, o

que acaba por afirmar a existência de uma pequena presença exportadora entre as pequenas e

médias empresas (PMEs).

Nesse contexto, a adequação das pequenas e médias empresas a um padrão de

internacionalização se apresenta como uma parte importante do desafio de competitividade

que enfrentam hoje os países do bloco mercosulista, especialmente se olharmos sob o enfoque

dos casos de Brasil e Argentina, países onde tal desigualdade de perfil é de observação

facilitada.

Percebe-se, assim, que os obstáculos mais freqüentemente detectados são aqueles que

apontam para as restrições de financiamento de grande monta, a falta de informação e de

estrutura para estudar e se preparar para os mercados externos, bem como a dificuldade de,

com uma carga tributária excessiva, conseguir estabilidade suficiente para ganhar a confiança

do mercado cada vez mais exigente.

Diante dos graves problemas que são verificados na estrutura do Mercado Comum do

Sul, baseadas na constante adoção de um modelo protecionista, da permanência de

perfurações à Tarifa Externa Comum (TEC), acabam as empresas de menor estruturação

econômico-finaceira sofrendo os efeitos mais nocivos da integração produtiva e o

desenvolvimento regional.

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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por tudo o que foi exposto ao longo deste ensaio, pode-se concluir, primeiramente,

que o Mercosul, embora seja uma realidade em funcionamento, está longe de alcançar os

objetivos elencados no Tratado de Assunção.

Os blocos regionais de comércio têm um papel a desempenhar na reestruturação da

ordem econômica mundial ao atuar simultaneamente como pontos de criação e desvio de

comércio. Influencia, assim, na alocação internacional de recursos, nas tomadas de decisões

dos grandes atores econômicos, na alocação de indústrias e no planejamento econômico

daqueles que integram o sistema de trocas mundial.

Neste sentido, constata-se que a vontade política dos governantes dos países-membros

se faz de suma importância. É preciso adequar a realidade latino-americana às novas nuances

da soberania, rever o aspecto da intergovernabilidade e o alcance da supranacionalidade no

quadro do Mercado Comum do Sul.

Por meio dos argumentos apresentados, se faz possível apontar três elementos que

figuram como essenciais à consolidação da integração econômica nos moldes exigidos pelo

cenário internacional: a primazia do direito comunitário sobre os diversos ramos dos direitos

nacionais, bem como a partilha de poder e o novo alcance do conceito de soberania; um órgão

judiciário de decisão supranacional, assegurando a interpretação e aplicação uniforme do

direito estabelecido para o bloco; a realização, com urgência, da harmonização tributária,

consolidando a imagem da parceria regional no âmbito internacional, evitando desgastes e,

conseqüentemente, um tratamento que respeite as desigualdades político-econômicas

existentes no âmbito do próprio Mercosul.

Em razão da forma orgânica intergovernamental adotada pelo Mercosul, observa-se

que as negociações intra-bloco são estabelecidas entre governos, predominando o aspecto

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político. Deixam-se de lado, muitas vezes, os verdadeiros ideais integratórios em nome de

diferenças políticas, de interesses individuais que não condizem com características próprias

de um bloco econômico em formação.

Assim, é possível identificar, no cenário mercosulista, que as negociações possuem

grande grau de informalidade e de negociações bilatérias. Ressalta-se, ainda, face ao

desequilíbrio econômico da região, o predomínio dos interesses dos países com maior grau de

desenvolvimento: Argentina e Brasil, frente às questões apresentadas pelo Paraguai, Uruguai

e Venezuela.

Percebe-se, mais uma vez com o intuito de justificar tamanha disparidade, que a

situação dos países associados apresenta maior desequilíbrio, a saber, Equador, Peru,

Colômbia, Bolívia e Chile. Em relação a estes, o silêncio das negociações se faz ainda mais

eloqüente, pois a clara fragilidade econômica é reforçada pela instabilidade política.

Do até aqui considerado, ausente, portanto, a cultura comunitária, o interesse comum

que consiga mesclar interesses de cada Estado-membro, bem como uma maior utilização de

recursos econômicos frente aos diplomáticos e políticos na formação da vontade dos órgãos

que compõem o bloco.

Em última perspectiva, afirma-se que há uma falta de legitimidade do processo de

integração à medida que não existe uma estrutura institucional capaz de lidar com as

diferenças internas. Percebe-se, portanto, que onde não há consenso ou mesmo vontade

política, sobra arbitrariedade.

Contudo, não se pode esquecer que a questão aduaneira passa, primeiramente, pelo

estabelecimento de uma política fiscal e, caminhar para um consenso tributário entre países

com problemas tão graves e de dimensões tão diversas é, inicialmente, um grande desafio.

Necessário se faz a adequação da política fiscal interna de cada país. Na realidade, o

principal é que se estabeleçam instrumentos internos de apoio à atividade produtiva, passo,

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este, que o Brasil já vem tentando resolver, ainda que em pequena escala, por meio da

realização de reforma tributária ampla. Certo, no entanto, que o incremento de políticas de

desenvolvimento da economia intra-bloco, como foi demonstrado, esbarra em inúmeros

outros interesses, dificultando os contornos pretendidos pelo Tratado de Assunção.

De tal forma, deve ser levada em consideração a implantação de um tribunal

supranacional, integrado por magistrados dos países signatários aos tratados internacionais,

bem como fazer valer as arbitragens já propugnadas em acordos firmados com os países

mercosulistas. Para a primeira alternativa, convém ressaltar a necessidade de emendar a Carta

Política brasileira e, ainda, contar com a inclusão do citado mecanismo nos ordenamentos

jurídicos da Argentina, Paraguai, Venezuela e Uruguai.

Tal problemática tem como fundamento o fato do Mercosul não produzir normas de

direito comunitário dotadas de efeito de aplicação direta entre os Estados-membros. Tais

normas necessitam, para serem validadas nos territórios dos países signatários do Tratado de

Assunção, de serem incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais, de acordo com os

procedimentos por eles estabelecidos, tal e qual foi enfocado em tópico específico no quarto

capítulo.

Lançar um olhar sobre a experiência européia é extremamente útil. A instituição do

Tribunal de Justiça europeu verificou-se quando as condições sócio-econômicas revelaram a

necessidade de estabelecer critérios que enfatizassem a segurança jurídica do bloco em

formação. Novas implantações ou ajustes no sistema jurídico do Mercosul deverão ser feitas

de forma amadurecida e adequadas às reais necessidades dos Estados-membros.

Assim, o desafio da harmonização tributária está em buscar um razoável equilíbrio

entre a soberania e a submissão do sistema estatal com a diminuição ou supressão das

barreiras alfandegárias.

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O processo de construção de um mercado comum, desprovido de barreiras aduaneiras

entre os países que o compõem, de forma a permitir, efetivamente, a livre circulação de bens,

pessoas e serviços entre os Estados que o integram, leva, necessariamente, ao equacionamento

e à solução de barreiras técnicas, por meio do estabelecimento de regulamentos que

caminhem no sentido da aproximação das políticas tributárias.

É pacífica a necessidade de adaptação dos sistemas tributários à nova realidade

econômica, face à globalização. O expressivo crescimento da representatividade do bloco no

comércio exterior, aliado à sua força no mercado regional, exige uma maior dedicação dos

países membros na consolidação dos ideais de integração.

O objetivo de formar um mercado comum nos moldes do estabelecido no Tratado de

Assunção implica em liberdade de circulação de bens, serviços e capitais, bem como na

possibilidade de uma concorrência real e efetiva entre todos aqueles, Estados-membros ou

associados, que compõem o bloco econômico. Necessário, assim, eliminar barreiras

alfandegárias e não-alfandegárias, aplicar conscientemente o princípio da não-discriminação,

harmonizar as legislações, em especial, a tributária, e consagrar o princípio democrático.

Certo é que não haverá harmonização de políticas macroeconômicas sem a

estabilização das economias nacionais. Como dois dos eixos de toda política

macroeconômica, os sistemas fiscal e tributário são decisivos nos processos de integração,

tanto como instrumentos dos programas que visam superar desajustes econômicos típicos do

cenário latino-americano, como para embasar a retomada de uma nova ótica

desenvolvimentista.

Pensando-se na construção de um âmbito propriamente comunitário, deverão

prosseguir os estudos tendentes à definição setorial e melhor adaptação da Tarifa Externa

Comum, à harmonização de normas técnicas que extrapolem os limites do campo do direito

tributário e à adoção de medidas que consigam, mesmo diante de diferenças econômicas tão

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gritantes, garantir condições de concorrência, principalmente nas atividades ligadas à

agricultura e à pecuária.

Por outro lado, o processo de integração não solucionará, em primeiro plano, todos os

dilemas ligados aos problemas trazidos pelo desenvolvimento desequilibrado das economias

mundiais. Trata-se, somente, de um dos muitos caminhos que podem ser seguidos para

assegurar uma melhor alocação de políticas macroeconômicas e o bem-estar dos cidadãos da

região, bem como o fortalecimento da representatividade dos Estados-membros do bloco na

busca de objetivos antes individuais, no cenário internacional.

A harmonização, aqui tão amplamente defendida, apresenta-se como o melhor método

para se alcançar o mercado comum. Aliás, vale ressaltar, mais uma vez, que esta é a solução

indicada pelo próprio Tratado de Assunção, devendo ser utilizada como meio e não como fim,

podendo, em um futuro bastante distante, ser alcançada, inclusive, a uniformização.

O trabalho da harmonização, como exposto ao longo do presente trabalho, encontra-se

bastante facilitado pelo grau de semelhanças existentes entre os sistemas tributários dos países

integrantes do bloco mercosulista, representando a adoção do Imposto sobre Valor Agregado,

ponto nodal na questão. Ademais, há que se afirmar, que em se tratando de impostos

indiretos, devem ser revistas, também, as isenções e benefícios concedidos aleatoriamente

pelos Estados, inclusive em suas diferentes esferas de organização política interna, tal como

ocorre no Brasil.

Problemas referentes à possibilidade de perda de arrecadação, derivados, em um

primeiro momento, da redução de subsídios estatais, serão suprimidos pela modernização dos

sistemas de controle e fiscalização então harmonizados, além do incremento da receita

decorrente da racionalização da tributação indireta, que ocupa lugar de destaque em todos os

países que compõem o Mercosul.

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Em síntese, as divergências existentes entre os sistemas tributários impositivos

mostram que a organização da nova soberania de cada país, como conseqüência da criação de

um sistema tributário regional, é um processo de longo prazo. No entanto, ainda que de difícil

alcance, a harmonização tributária sempre será necessária como um instrumento que possa

garantir práticas leais de competição internacional e de sistemas impositivos, efetivamente

adequados à economia globalizada.

Não é possível afirmar se tamanhos objetivos serão alcançados pelo Mercado Comum

do Sul. Quando se depende da manifestação de uma vontade política, muitas vezes sem

qualquer compromisso com a questão regional, esbarrando-se, atualmente, em um contexto de

vaidades ou em regimes que tendem a um enfraquecimento do ideal democrático na América

Latina, pensar na harmonização da legislação tributária figura como um sonho possível e, ao

mesmo tempo, distante.

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