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 PRISCILA SPÉCIE Política Externa e Democracia: Reflexões sobre o acesso à informação na política externa brasileira a partir da inserção da temática ambiental no caso dos pneus entre o Mercosul e a OMC Dissertação apresentada ao Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Livre Docente Rafael Antônio Duarte Villa São Paulo 2008

Dissertacao Priscila Specie

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PRISCILA SPCIE Poltica Externa e Democracia:Reflexes sobre o acesso informao na poltica externa brasileira a partir da insero da temtica ambiental no caso dos pneus entre o Mercosul e a OMC DissertaoapresentadaaoDepartamento deCinciaPolticadaFaculdadede Filosofia,LetraseCinciasHumanasda UniversidadedeSoPauloparaobteno do ttulo de Mestre. Orientador:Prof.LivreDocenteRafael Antnio Duarte Villa So Paulo 20082 FOLHA DE APROVAO Priscila Spcie PolticaExternaeDemocracia:Reflexessobreoacessoinformaona polticaexternabrasileiraapartirdainserodatemticaambientalno caso dos pneus entre o Mercosul e a OMC DissertaoapresentadaaoDepartamento deCinciaPolticadaFaculdadede Filosofia,LetraseCinciasHumanasda UniversidadedeSoPauloparaobteno do ttulo de Mestre. rea de Concentrao: Aprovada em: Banca Examinadora Prof. Livre Docente Rafael Antnio Duarte Villa DCP/FFLCH Universidade de So PauloAssinatura: ______________________________ Profa. Dra. Rossana Rocha Reis DCP/FFLCH Universidade de So PauloAssinatura: ______________________________ Prof. Dr.Salem Hikmat Nasser Escola de Direito de So Paulo da FGV (DIREITO GV)Assinatura: ______________________________3 RESUMO SPECIE, Priscila. Poltica Externa e Democracia: Reflexes sobre o acesso informao na poltica externa brasileira a partir da insero da temtica ambiental no caso dos pneus entre o Mercosul e a OMC. 2008. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 2008. Esse trabalho explora a relao entre poltica externa e democracia a partir das reflexes sobre o acesso informao na poltica externa brasileira com a insero da temtica ambiental no caso dos pneus, entre a controvrsia do Mercosul e o contencioso da OMC. Por meio de uma aproximao entre o instrumental terico de anlise de poltica externa e de polticas pblicas foi possvel questionar os limites do acesso informaocomo condio para a participao deoutrosatoresalmdoMinistriodeRelaesExteriores(MRE)naredefiniodadefesa doBrasil,comainserodatemticaambiental,deumainstnciaparaoutra.Ahiptese demonstradarefere-seampliaodoacessoinformaoqueseguiuaampliaodos espaosdedefiniodapolticaexternanocaso.Essaampliaofoiobservadaapartirdo processodedescentralizaodosespaostradicionaisdedefiniodapolticaexterna brasileira (MRE), com a incluso, por exemplo, do Ministrio do Meio Ambiente. No entanto, a tendncia de ampliao do acesso informao como condio para a participao de atores nogovernamentais,nestecaso,mostrou-selimitadaporumacondutaseletivaeinformal pelos rgos do governo para interlocuo com determinados atores. Palavras-chave: Poltica Externa. Polticas Pblicas. Democracia. Acesso Informao. Caso dos Pneus. Meio Ambiente. 4 ABSTRACT SPECIE,Priscila.ForeignPolicyandDemocracy.AccesstoinformationinBrazilian foreign policy since the introduction of environmenal arguments in the Retreaded Tyres case fromMercosurtotheWTO.2008.Dissertation(Master)FaculdadedeFilosofia,Letrase Cincias Humanas, Universidade de So Paulo, 2008. Thisresearchaimsatstudyingtherelationshipbetweenforeignpolicyanddemocracy.The study focuses on access to information in Brazilian foreign policy through the introduction of theenvironmentalargumentsintheretreadedtyresdisputefromMercosurtotheWTO (WT/DS332). The research was based on foreign and public policy analysis. These theoretical basesenabledtoinvestigatethelimitstoawiderparticipationofactorsotherthanthe Ministry of Foreign Affairs (MRE) on foreign policy. The research shows an enlargement on policymakingwiththeintegrationoftheenvironmentalargumentswhichresulted,for instance,intheparticipationoftheMinistryoftheEnvironment.Subsequently,itwas possible to notice a wider access to information to a whole new range of actors, including non stateactors.Nevertheless,inthepresentcasestudythetendencytoademocraticaccessto information found its limits on the selective and informal conduct of the MRE to interact with certain actors in certain circunstances. Key words: Foreign Policy. Public Policy. Democracy. Access to information. Retreaded tyres dispute case. Environment. 5 Sumrio 1.INTRODUO ............................................................................................................. 6 1.1 Poltica Externa e Democracia ........................................................................................... 6 1.2 Mudanas na natureza da poltica externa .......................................................................... 8 1.3 Desafios para a democratizao da poltica externa ......................................................... 15 2.ANLISE DE POLTICA EXTERNA: ENTRE A QUEBRA DO MODELO DE ATOR UNITRIO E POLTICAS PBLICAS ............................................................... 21 2.1. O objetivo e a estrutura deste captulo. ........................................................................... 21 2.2. Anlise de poltica externa: quebra do modelo de ator unitrio ....................................... 21 2.2.1. Jogo de Dois Nveis ........................................................................................... 22 2.2.2. Influncias domsticas para a poltica internacional, distribuio de competncias e informao ...................................................................................................... 26 2.2.3. Politizao do processo decisrio da poltica externa ......................................... 29 2.3. Poltica Externa e Polticas Pblicas ............................................................................... 31 2.3.1. Polticas pblicas como instrumento de anlise de poltica externa ..................... 31 2.3.2. Definio de agenda de polticas pblicas, participao democrtica de atores no governamentais na poltica externa e acesso informao ................................. 33 3.DESCENTRALIZAO HORIZONTAL DA POLTICA EXTERNA: o MRE como coordenador dos aspectos externos da definio de agenda de polticas pblicas .. 38 3.1. O objetivo e a estrutura deste captulo. ........................................................................... 38 3.2. Descentralizao horizontal da poltica externa .............................................................. 38 3.3. Descentralizao horizontal da poltica externa brasileira ............................................... 43 3.3.1. Distribuio de competncias da poltica externa brasileira ................................ 51 3.3.2. Distribuio de competncias da poltica externa brasileira para temtica ambiental. .......................................................................................................... 54 3.4. Impactos (anti) democrticos na descentralizao horizontal da poltica externa brasileira61 3.4.1. Abertura participao de atores no estatais no MRE e MMA ......................... 61 3.4.2. Condies legais de acesso informao ........................................................... 65 4.ESTUDO DE CASO: CASO DOS PNEUS ................................................................ 70 4.1. O objetivo e a estrutura deste captulo. ........................................................................... 70 4.2. Contextualizao do caso ............................................................................................... 70 4.3. Caso dos Pneus entre APE e Polticas Pblicas ............................................................... 73 4.4. Definio de agenda (defesa) e descentralizao horizontal da poltica externa no caso dos pneus entre o Mercosul e a OMC ........................................................................ 85 4.5. Participao de atores no governamentais no caso ........................................................ 87 4.6. Acesso informao na (re)definio da agenda de poltica externa ambiental no caso dos pneus ......................................................................................................................... 89 5.CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 92 6.REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 94 APNDICES ............................................................................................................. 101 ANEXOS.................................................................................................................... 109 6 1.INTRODUO 1.1 Poltica Externa e Democracia Existemdiferentesformasderelacionarpolticaexternaedemocracia1.Esta dissertaorefere-sedimensodepolitizaonaconduo,deummodogeral,ena definiodeagenda,emparticular,dapolticaexternabrasileira.Explorarelementosde reflexosobreoimpactodemocrticodecorrentedaspossibilidadesdeacessoinformao, quecondicionamapolitizaodapolticaexternabrasileira,nombitodoPoderExecutivo Federal, a base da investigao pretendida. AconduodapolticaexternabrasileirapeloMinistriodasRelaesExteriores (MRE) parece contar com um alto grau de credibilidade e estabilidade2. Essas qualidades so apontadas,porexemplo,comoresultadodaautonomia,quetradicionalmenteapresentao MREcomoburocraciaoficialencarregadadadefesadointeressesnacional(LimaeHirst, 2002,p.82).Talpercepotambmserelacionaheranadeixadapelafasede insulamentodoMRE,quedificultatentativasdepolitizao,emnomedacoernciae eficincia, para que no ocorra enfraquecimento de sua poltica externa por parte de atores externos sua burocracia (Neves, 2003). Poressasrazes,algunsautoressugeremqueaidiadeparticipaodemocrtica tenha lugar secundrio ou mesmo incompatvel com a conduo da poltica externa. Segundo Maria Regina Soares Lima (2000, p. 266), essa posio ctica3 evidenciada pela confluncia

1Imposiodeclusulasdemocrticasnombitodeorganizaesinternacionaiseprocessosdeintegrao regional,polticasvoltadasparaa(re)construodeEstadosfalidosedeinstituiesdemocrticas,relao entre regimes democrticos e a propenso de Estados entrarem em guerra, so alguns exemplos.2 Nesse sentido, conforme Miguel Darcy de Oliveira, A responsabilidade pela elaborao e conduo da poltica externa , evidentemente, do Ministrio das Relaes Exteriores (1999:137). 3AincompatibilidadetericaentrepolticaexternaedemocraciafoiprimeiroapresentadaporAlexisde Tocqueville em Democracyin America(1835): Foreignpoliticsdemand scarcely anyofthosequalities which arepeculiartoademocracy;theyrequire,onthecontrary,theperfectuseofalmostallthoseinwhichitis 7 da noo de poltica externa encontrada em alguns autores realistas como Hans Morgenthau e Raymond Aron; e pela noo de democracia elitista de Joseph Schumpeter. A partir de uma viso realista das relaes internacionais, Morgenthau (1985) constata a idia de uma poltica de poder prevalecente entre entidades soberanas. A poltica externa dessas unidades soberanas deve voltar-se para a defesa dos interesses nacionais condicionados s questes de segurana e sobrevivncia do Estado. Para Raymond Aron, a conduta diplomtico-estratgica, caracterstica da sua noo depolticaexterna,sugerequeoprocessodetomadadedecisodessapolticadeveser conduzidoexclusivamentepelosagentesdiplomticos.CabeaoEstadistaeaocorpo diplomtico a tarefa de identificao do interesse nacional que impulsionariaa formulao de uma poltica voltada para fora das fronteiras do Estado representado.Essa poltica seria implementada,dependendodascircuntncias,pelomeiodadiplomaciaoupelafora (soldados).4 Na perspectiva de Aron, portanto, a poltica externa encontra sua especificidade a partir da insero do Estado num sistema internacional constitudo por unidades polticas que mantm relaes regulares entre si e que so suscetveis de entrar numa guerra geral (Aron, 1986, p. 153). ApesardediferenasconceituaisentreMorgenthaueAronbasicamente,debusca pelo poder como essncia de toda poltica, para o primeiro, edistino entre poltica externa (fundada no tipo ideal de conduta diplomtico-estratgica) e poltica interna (fundada no tipo ideal de conduta civil), para o segundo , suas concepes de poltica externa se aproximam na medida em que impossibilitam a politizao no sentido de democratizao desta poltica. 5

Concluindoaposiocticacomrelaoparticipaodemocrticanapoltica externa,acrescenta-se especificidadedapolticaexternaorisco, advertidoporSchumpeter

deficient. A democracy can only with great difficulty regulate the details of an important undertaking, persevere in a fixed design, and work out its execution in spite of serious obstacles. 4 Como explica ROCHE (2001, p. 114) Le choix des moyens est seulement fonction des circonstances, puisque ladiplomatieetlaguerrenesontpasdenaturediffrente.Touteslesdeuxsontdesimplesinstrumentsau services de lintrt national. Places sous le contrle de lautorit politique, elles constituent le langage commun destatsdansleursrapportrciproques.CestcequeRaymondAronappellelaconduitediplomatico-stratgiquedontlafinalitestderationaliserlesdcisionsprises,ensoummettantlespassionspriveset publiques aux exigences ultimes de la scurit. 5ParaumaexplicaomaisdetalhadasobreasaproximaesedistanciamentostericosentreMorgenthaue Aron, cf. HOFFMANN, (2006, pp. 723-734).8 (1984,p.357),detransform-laempolticadomsticaquandovinculadacompetiopelo votodoeleitor,numaperspectivatemporaldecurtoprazo6.Daanecessidadedeuma burocracia profissional e estvel que possa garantir medidas de longo prazo (continuidade) em questes de poltica externa7. 1.2 Mudanas na natureza da poltica externa Nasltimasdcadas,noentanto,algumasmudanascolocamemquestoomodelo cticosugeridoacima.Nessesentido,destacam-seimportantestransformaes,tantono mbitointernacional,marcadaspelocontextops-GuerraFria,quantonocenriobrasileiro, com a consolidao da democracia formalizada pela Carta Constitucional de 1988. Segundo Rafael Villa (1999a, p.99), Desde o incio do ps-Guerra Fria a preocupao estratgico-militartemrecuadonocenriodasdiscussesinternacionaiseoutrasdimenses, como a econmica e a ecolgica, passam a ocupar um espao mais amplo no debate poltico-acadmico (...). Desta forma, no mbito da teoria das relaes internacionais, tanto a tradio realistaquantoneo-realistapassamasercriticadaspelacentralidadedesuasconcepes estadocntricas (Villa, 1999b, p. 16 e ss). Suas insuficincias explicativas abrem espao para novosconceitoseumnovomundops-Vestflia8,reatualizandoteoriastransnacionalistas combasenaautonomiaadquiridapornovosatoresnombitodapoltcamundial(Roche, 2001,p.222).Mesmonocasodasquestesdesegurana,amplia-seoconceitorealista clssicodeseguranainternacionaloumundial.Almdanaturezaestratgico-militar, centrada no risco para o mundo interestatal, a noo de segurana global multidimensional,

6 Essa posio est relacionada concepo elitista de democracia que, no modelo schumpeteriano, restringe-se a ummtodo para escolha de lderes, cabendo aos eleitores to somente aprovar ou rejeitar a conduopoltica pormeiodaseleiesqueocorre,normalmente,acadaquatroanos.NaspalavrasdeSchumpeter(1984:301-309).ademocraciaconsistenumarranjoinstitucionalparasechegaradecisespolticaspelasquaisos indivduos adquirem o poder de decidir mediante uma competio pelo voto popular. Com efeito, como aponta HELD (2006,p 156) In Schumpeters democratic system, theonly full participants are the memberof political elitesinpartiesandinpublicoffices.Theroleofordinarycitizensisnotonlyhighlydelimited,butitis frequently portrayed as an unwanted infringement on the smoth functioning of public decision-making.. Para umesquemaeresumodosprincipaiselementosdateoriaschumpeterianadedemocracia,verHELD(2006, p.147 e 157).7Aimportnciadaadministraotecnocrticaespecializadaparaacontinuidadedapolticaexterna,dentrodo modelodedemocraciaelitistadeSchumpeter,construdaapartirdaanlisedeMaxWeber,tendoemvista umasociedadecapitalistademassa.SegundoWeber(1978,p.952),Thegrowingcomplexityofthe administrative task and the expansion of their scope increasingly result in the technical superiority of those who havehadtrainingandexperience,andwillthusinevitablyfavorthecontinuityofatleastsomeofthe functionaries.8SobreaantigaordemdeVestflia,suasconseqnciasparaarelaoentrerelaesinternacionaise democracia, e at que ponto possvel question-la, cf. VILLA e TOSTES (2006, p. 88 e ss).9 conformecolocadaporVilla(1999a;1999b),porexemplo,chamaatenoparaa interdependncia com relao natureza econmica, ambiental e societal dos fenmenos, que passam a colocar em risco a humanidade. Juntoampliaodanaturezatemticadasquestesinternacionais,portanto,ganha importncia a nova configurao dos atores transnacionais, com destaque para a atuao de organizaes no-governamentais (Villa, 1997, p. 54 e ss). No plano dos atores transnacionais societais9,destaca-seoconceitoaindacontroversodachamadasociedadecivilglobal10. A influncia,poder e interaodosnovosatores, entresiecomrelaoaosEstadosnacionais, queatuamnosprocessostransnacionais,tornaram-se,desdeento,objetodemuitaateno, sobretudo, do campo da Sociologia das Relaes Internacionais11. Em substituio poltica internacional,tambmnocampodaCinciaPoltica,interpretaesalternativassrelaes internacionaissoexploradas,porexemplo,emteoriasdaglobalizao(HeldeMcGrew, 2007)eprincipalmentesoboconceitodegovernanaglobal(Roche,2001,p.242ess), apresentado-se menos rgido do que a primeira, mas ainda vago como conceito em constante debate12. Essesnovosconceitose interpretaesvm acompanhadosdadiscussofundamental quequestionaolugardademocracianasrelaesinternacionaisoujuntopolticaexterna. Discute-se,assim,aspossibilidadedosdiversosatoresdosindivduosaosEstadosnos

9 A partirda contraposio aosatoresno-estatais econmicos (como as empresas multinacionais,ou ETNs),e conseqentemente,emoposioaseuelementocaractersticoessencialfinalidadelucrativaosatoresno-estataissocietaiscorresponderiamaumacategoriaresidualevaga.Mesmomotivadosporobjetivossociaisou pblicos,nosoestataisprincipalmentepornointegraremaestruturaoficialdoEstadoapesardesuas freqentesparcerias.Destaformaresidual,incluiriamindivduos,movimentossociais,ONGsouatmesmo organizaes terroristas e redes de narcotrfico que atuam de modo transnacional. 10 Algumas reflexes sobre o conceito podem ser encontradas a partir da reconstruo de KALDOR (2003). Cf. tambm Vania Sandeleia Vaz da Silva. A sociedade civil nas relaes internacionais: participao de ONGs em Trs confernciasdasNaes Unidasmadcadade 1990:UNCED (Brasil/1992):ICPD(Egito/1994)eWSSD (Dinamarca/1995). Dissertao (Mestrado em Cincia Poltica) - Universidade de So Paulo. 2006.11Essecampoganhaespecialatenoapartirdaliteraturafrancesa.VerMERLEMarcel.Sociologadelas relaciones internacionales. Madrid: Alianza, 1988, p. 410 e ss. Cf. tambm BADIE, Bertrand ; SMOUTS, Marie-Claude. Le Retournement du monde. Sociologie de la scne internationale, Paris : Presses de Sciences Po, 2007 ; DEVIN, Guillaume. Sociologie des relations internationales. Paris: La Dcouverte, 2007. 12Otermogovernanaglobalpodeserentendidocomoumprocessocontnuoedinmico,enoumresultado dado, com base num projeto de igualdade formal entre Estados que compartilham objetivo de coordenao e no necessariamentecooperaonagestodosassuntosinternacionais(Smouts,1998:150).Nomesmosentido, quanto aos atores queparticipamdo processo degovernaaglobal, portanto, segue-se a idia deBrl (2001:2): em contraste governana internacional, a governana global caracterizada pela decrescente centralidade dos Estados e o crescente envolvimento dos atores no-estatais no processo de criao e implementao de normas e regras(trad.livre).Destacam-seemanlisesmaisrecentes,asrevisesecontribuiessobreosistemaeo conceitodegovernanaglobaldeARCHIBUGI(2007,p,)eROSENAU(2007).Sobreanecessidadede reformar a governana global do ponto de vista da relao com a democracia, v. HELD (2007b). 10 diferentesespaosdolocalaoglobal,participaremdasdecisesqueinfluenciamseus destinos, seja diretamente ou por meio de seus representantes. Conforme aponta REIS (2006, p.18): Nesse contexto, o debate sobre o futuro da democracia se polariza entre, de umlado,osqueconsiderampossvelenecessriooaperfeioamentodos mecanismosdemocrticosnombitodoEstado-naoparafazerfrentea essaameaa,edeoutrolado,osqueenxergamcomonicasoluoparaa democracia,suaexpansoparaalmdoterritrionacional,englobando esferasdecisriassupranacionais.Decertaforma,essedebateretomaum temaclssicodopensamentopoltico:aquestodolcusdademocracia. Postodeumaformasimples,setratadeinvestigarseacidadaniaea democraciasoounoinstituiesinerentementevinculadasaumespao poltico fechado, como o Estado nacional. Preocupadocomessaquesto,DavidHeld(2007,p.83)apostanoprojetode democraciacosmopolita13.Segundooautor,esseprojetoocorreemdiferentesnveisedeve alcanarespaosquevoalmda estruturargidadoEstado.Aidiaorientar-separauma doubledemocratization(nationaltosuprastategovernance)(Held,2007,p.218),ques acontecer, no entanto, sob a perspectiva de tranformaes de longo prazo. Enquanto isso, no curtoprazo,oaperfeioamentodosmecanismosdemocrticosnombitodoEstado-nao tonecessrioquantocomplementarpossibilidadedeconcretizaodoprojetode democraciacosmopolita.14Nessecaminho,inclui-sefundamentalmentemedidasde democratizaodapolticaexterna,comoofortalecimentodaparticipaodoPoder Legislativo, dentre outros atores, tambm nesse momento do processo decisrio (Held, 2007, p. 218).

13 De acordo com VILLA e TOSTES (2006), o debate sobre democracia cosmopolita apresentado por HELD, ao lado de autores com Robert Dahl e Richard Falk, se afasta da relao entre democracia e relaes internacionais clssicas.Destaforma,essedebateseinserenumalinhadeargumentaesquetemenfatizadoasbases transnacionaisdademocracianosefeitosdaglobalizaoenainstitucionalizaodeumsistemademocrtico globaldegovernana. Parauma interpretao dodiagnstico apresentadopor HELD subjacenteaoprojeto de democracia cosmopolita, v. VILLA e TOSTES, (2006, p. 77 e ss).14Talprocessopoderiaevitarochamadoefeitobumerangue,boomerangpatternouboomerangeffect.Quandonoatendidosounorepresentadosnombitodomstico,demodoqueosEstadosignoramou discordamdesuasposies,algunsatoresemprincpiocomatuaointerna,podemapostarnoalcance transnacionaldesuascapacidadespolticaserecorreraalianasinternacionaisjuntoaoutrasONGsoua demandas em fruns internacionais com a ajuda de outros Estados. Dessa forma, a presso fortificada, no sentido de reconhecimentode seus pleitos, vem de fora para dentro, o que sugere a falta de legitimidadedos Estados pressionados.Algunsautoressugeremqueessaprticapartedeinstituiesno-estataislocalizadas, principalmente,emEstadosautoritrios,no-democrticosouqueapresentamumprocessodemocrtico imperfeito, SANCHEZ (2004:178, nota 84) apud RISSE (2000:189). Cf. tambm KECK e SIKKINK (1998:12-13).11 Tendo em vista a atual importncia da democratizao da poltica externa, Cristopher Hill(2003)15procuraumaabordagemquenoescapacompletamentedasrelaes internacionais. O autor procura, contudo, a reviso de suas noes estadocntricas de agentes, que,apesardoataquesteoriasrealistas,noforamsubstitudas,restandoumvazio.Sepor umlado,osEstadosdeixamdeatuarnecessariamenteemhierarquiasuperiorface autonomiadenovosatorestransnacionais,poroutrolado,aformaodesuasprprias posies e as condies de interao com atores que atuam tambm nos planos local, nacional e regional so reformuladas. Assim, Hill busca uma reconceitualizao da poltica externa que no abandona as relaes internacionais, mas foge do ceticismo realista. Desta forma, admite-setantodescentralizaodosprocessostransnacionais,quesuperaoEstadocomoator central, mas, sobretudo, quanto politizao da poltica externa, que busca quebrar o modelo deEstadocomoatorunitrio.Suapretensoinaugurarumanovafasedeestudoparaa anlisedepolticaexterna,cujofocorecaisobreoestudodosprocessosdecisrios,sem necessariamente se filiar a uma escola terica especfica (Hill, 2003, p. 15-17). Essa nova fase estariasituada,deumladoentreasRelaesInternacionaiseaAnlisedePolticaExterna (APE).Deoutrolado,sugereumaligaoentreaAPEeaspolticaspblicas,oqueser destacado no estudo que segue. Pelanaturezasocialetransnacionaldosnovostemas,comrelaoaotratamentoda polticaexternaocorreumadiluiodargidadefiniodoqueinternoouexterno(Hill, 2003, p. 1; Milner, 1997, p. 3; Lima e Hirst, 2002). No h necessariamente uma eliminao defronteiras,masumareconfiguraoqueastornamtomaisporosasequepodeser explicadapelanaturezaintermsticadanovaconfiguraopoltica(Milner,1997,Rosenau, 2002)16.Ouseja,ocorreumainternacionalizaodequestesinternase,damesmaforma,a ampliao da pauta das relaes internacionais com a emergncia de questes ambientais, de direitoshumanos,questeseconmicas,dentreoutras,passaatocaronossodia-a-dia, tambmnosplanosregional,nacionalelocal.Rompe-se,assim,comanoodepoltica externa voltada para questes limitadas a assuntos sobre a guerra e a paz, a serem resolvidas essencialmenteentreosEstadossoberanos,pormeiodeseusgovernantese/oucorpo diplomtico.

15Naspalavrasdoautor:Foreignpolicyisnowofevengreaterimportancetoourpoliticallivesthanever before. This is because it is a key site for responsible action, and for democratic accountability in a world where thefactsandmythsofglobalizationhaveobscuredthelocationsofdecision-makingandconfusedthedebate over democratic participation (HILL, 2003, p. xvii). 16 Para um exemplo de intermesticidade aplicado anlisede poltica externa, v. VILLA e CEREDA (2006, p. 16). Outro exemplo ser explorado no terceiro captulo do presente trabalho. 12 Se considerssemos que os agentes envolvidos no processo de tomada de deciso para a formulaode determinada poltica pblica que resultanum ato de poltica externa fossem consideradosnoapenasosrgosespecializadosdaburocraciadoEstado(diplomaciae forasarmadas),incluindooutrossetoresorganizadosdasociedade,torna-seinsuficientea noorealista,porexemplo,depolticaexternacomocondutadiplomtico-estratgicatal comodefinidaporRaymondAron(2002,p.124).Almdisso,ahomogeneidadedeatores envolvidos na elaborao da poltica externa Chefe de Estado e burocracia especializada ; e a rgida diviso interno/externo que restringe a poltica externa a temas relacionados pazeseguranainternacional,orientando-separafora,comonoexemplodoscombates contra os inimigos externos contidas na noo de Raymond Aron, afastam possibilidades de politizao e, nesse sentido, de democratizao da poltica externa. interessante notar que apesar da tradio da burocracia profissional propagar a idia decentralizaoefechamentodaconduodapolticaexternabrasileira17eodiscursode algunsrepresentantesdoMREinsistirnessatradio18,nocabemaisfalareminsulamento doItamaratycomoemoutrostempos19.20Nessecontexto,pormaisquequestesdepoltica externacontinuematratardeproblemasestratgicos,quelegitimamaproteodealguns segredosouafaltadetransparncia,taiscondutaspassamaserquestionadascomoregra, sobretudo no processo mais amplo de mudanas da prpria natureza da poltica externa e de amadurecimento das instituies democrticas. Atemticaambientalumadasreasqueganhadestaquenoprocessodequebrado consenso monoltico prvio com relao poltica externa e evidencia, no caso brasileiro, o fatordedesinsulamentoaindaque,numprimeiromomento,formaldoMRE(Limae

17 Quanto regra do segredo que a tradio da conduo da poltica externa em geral quer manter, cf. MERLE (1984:31). 18Como destaca Letcia Pinheiro (2003), no extrato de entrevistado Ministro Luiz Felipe Lampreia: ... a fora de nossapresena internacional se deve, em boa medida, ao fato deque a poltica externa brasileira sempre foi uma poltica de Estado, fortemente ancorada nos interesses maiores e permanentes do pas, e jamais se submeteu s vicissitudes das conjunturas domsticas.19FlaviadeCamposMello(2000,p.58-65)comentaopapeldacorporaodiplomticaapartirdaformao histricadoItamaratyqueteminciodesdeasprimeirasdcadasdosculoXX,esuacontribuioparaoalto grau de insulamento burocrtico da instituio. A autora destaca, no entanto, a partir do perodo ps-64 o modo circunstancialcomoaautonomiadoMREoperou,tendoemvistatrsperodosqueexemplificamcomoa poltica externa foi conduzida relativamente margemda corporaodiplomtica, ficando a cargo dosChefes de Estado.20Umexemploquecolocaesseinsulamentoemxeque,sugerindoumailusodatradicionalcoerncia corporativadoMREfoioepisdiodoEmbaixadorRobertoAbdenur.Parareportagemderefernciasobreo assunto, v. Revista Carta Capital, Ano XIII, n 433, fev. 2007, pp. 20-29.13 Hirst, 2002, p. 94-95). Pela necessidade de obter subsdios tcnicos, o MRE se aproxima cada vez mais de outras agncias estatais e setores especializados21. Mas como nem todo conjunto deinformaescomportaquestespuramentetcnicas,atrocadeinformaesea participaodeoutrosMinistrioseagncias,bemcomoatoresnogovernamentais,pode contribuirdemodomaiseficienteparaadefiniodapolticaexternaeaomesmotempo favorecersuapolitizao.Nessecaso,outrosatores,almdaburocraciaespecializada, compartilhampoderdedefinioeorientaodapolticaexterna,almdecontribuircom detalhes tcnicos. Asteoriasdeanlisedepolticaexternajavanaramnosentidodeincorporaras influnciasdo jogodomsticona conduodapolticaexterna,principalmente,atentando-se paraarelaoExecutivo-Legislativo.Nessesmodelosfaltam,contudo,questionamentose investigaes empricas sobre as condies (democrticas) de interao que ocorrem entre os agentesdoprprioExecutivoedessesltimoscomatoresnogovernamentais.Poroutro lado,sorarasastentativasdeaplicaodostrabalhossobredefiniodeagenda,polticas pblicaseteoriademocrticaparaaanlisedapolticaexterna.Semessa interdisciplinaridade,noentanto,serdifcilenfrentaroproblemaquesecolocaparaessa pesquisa. Maria ReginaSoares de Lima (2000, p. 266) sugere uma soluo terica como ponto departidaparaenfrentaressesdesafiosquandoressaltaaeliminaodasfronteiras interno/externo,eprocuranestarelaosugerirumaaproximaoentreapolticaexternae as demais polticas pblicas. A idia central a de que uma vez rompida a existncia de uma distinoontolgicaentrepolticainternaeexterna,oprocessodecisrioparaasquestes internaseexternastambmpassaanosermaisdistinto(Ibid.,p.277).Apartirdessa premissa,pelaanlisedaregulamentaoconstitucionalbrasileirade1988,Sanchezetal. (2006)sugerempossibilidadesdecontroledemocrticonaconduodapolticaexternatal comoformuladoparaasdemaispolticaspblicas.Avanossobreessesestudos,contudo, principalmente, considerando pesquisas empricas so fundamentais.

21 A dinmicadas conferncias preparatriaspara aConfernciadas Naes Unidaspara o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO-92, Rio-92, Cpula ou Cimeira da Terra), realizada em junho de 1992, na cidade do Rio deJaneiro,seriaumexemploqueressaltaaposiodoMREnoesquemadaburocraciabrasileiracomo coordenador-geraldapolticaexternaindependentementedequantooItamaratytevedecompatibilizarou simplesmente,endossarposiesdefinidastecnicamenteporsetoresespecializados(Ibama,Embrapa). (Arbila, 2003: 358). 14 Nessesentido,adiscussosobreapolitizaodapolticaexternanocenriode desinsulamentodaadministraotecnocrticaespecializadaedeampliaodolcusdesua definio,juntoaoprocessoderedemocratizaonoBrasil,demandaummodelode democracia que v alm da concepo elitista conformada pelo modelo schumpeteriano. Com efeito, esse modelo insuficiente para explicar o momento histrico brasileiro marcado pela Constituiode1988,queconsagrou,dentreoutros,umasriededireitosdeparticipao poltica,incluindoparticipaonaformulaodepolticaspblicasdefinidasnombitodo Executivo, em todos os nveis do Estado (municipal, estadual e federal) e nos diversos setores (como no caso da sade, art. 198, III)22. A introduo de institutos de participao direta nos processosdecisriospelaConstituiode1988marca,destaforma,acomplementariedade entre o sistema representativo e o princpio de democracia semidireta ou participativa (Vitale, 2004, p. 240-242). Emcontrapontoaomodeloschumpeteriano23,portanto,merecedetaqueumaanlise daspossibilidadesde politizao da poltica externa, assim como de participaonas demais polticas pblicas definidas no mbito do Executivo. Essa anlise est localizada entre a tica dos modelos participativos e deliberativos de democracia. O modelo participativo, que tem como referncia central os autores Carole Pateman e C.B.Mcpherson,envolvedentreoutrascondies,aeliminaodopoderburocrticono responsivovidapblicaeprivada(Held,2006,p.215).Paratanto,essemodelodemanda, principalmente,umsistemaabertodeinformaesparagarantirdecisescombasena formaopolticadaopinioedavontade,oquepressupefundamentalmentesuperaros dficitsedesigualdadesmateriaisparaoefetivoacessoinformao(Held,2006,p.215; Nobre,2004,p.33).Seguindoessemodelo,oacessoarecursosmateriaisquegarantamao mesmo tempoo acesso informaosignificauma ampliaodaparticipaonosprocessos decisrios.

22 Segue-se, aqui, a anlise apresentada por LAVALLE et al. (2004, p. 348) et Denise Vitale (2004, p. 240). 23Oproblemadomodeloschumpeterianonoestapenasnaimpossibilidadededemocratizaodapoltica externa.ComosugereHELD(2006,p.157),omaiorproblemadomodeloelitista,queaproximaaanlisede Schumpeter e Weber, est na tentativa de impor seu nico padro j restrito de democracia para analisar todas as questes polticas da modernidade. 15 Comrelaoaomodelodeliberativo,apesardesuasdiferentesverses,podeser sintetizado, como aponta Marcos Nobre (2004, p. 98), com base na obra de Jurgen Habermas, a partir de dois elementos fundamentais:1) a idia de que na tomada de decises coletivas devem participar todos os potenciais destinatrios das mesmas, ou, em sua falta, seus representates; 2) a idia de que a tomada das decises deve ser o resultado de um intercmbio deargumentosentreosparticipantesque,duranteadiscusso,devem respeitar os critrios de imparcialidade e de racionalidade. Nessa linha, Alonso e Costa (2004, p. 296) apontam quatro objetivos bsicos de todos os processos deliberativos: 1)aproduodeinformaoparasubsidiaroprocessodedeciso governamental;2)consultadaspartesinteressadasempolticaspropostas pelosagentesdogoverno;3)monitoraoesupervisodaspolticas implementadas pelo poder pblico; 4) deciso sobre que polticas devem ser implementadaspelopoderpblicoouorganizaesnogovernamentaisou comunitrias. 1.3 Desafios para a democratizao da poltica externa Aindaquenotomais fechadaesecreta,apoltica externabrasileira aodificultara participaoamplaesistemticadeatoresnogovernamentaisnasuaconduo,geraum problemaderepresentatividade.ConformeapontadoporLetciaPinheiro(2003),aausncia de mecanismos de responsabilizao (accountability) impede o questionamento sobre sua real representatividade.Assim,apenasresultadosparciaisdesuaspolticaseaconduoformal por uma burocracia qualificada bastariam para conferir ao MRE um alto grau de credibilidade e a imagem de poltica externa representativa. O que agrava esse cenrio o fato de que, no caso do Brasil, o acesso informao pr-condioparaqualquerformadeparticipaodemocrticanotenhaumabase institucionalclaraparaconcretiz-lo24aindaqueodireitoinformaosejaumagarantia

24EssacrticapodeserencontradaemCEPIK(2002:43-56).Nota-sequenessetrabalhooautorconsiderao direitoinformaocomoumdireitocivil,socialepolticoaumstempo,echamaatenoparaodesafio poltico,legaleadministrativodedemocratizaroacessosinformaes,comocondioparaoprprio aprofundamento da cidadania e democracia. 16 constitucional25.Soma-seaissoafaltadeumapressoorganizadaparaqueessa institucionalizao ocorra e o fato de alguns atores com maiores disponibilidades de recursos e influncia conseguirem acesso informal e privilegiado s informaes.26 Da a importncia deumaaberturamenosdesigualemaisativadapolticaexternatambmporpartedaqueles que a conduzem oficialmente. Nessesentido,fatoressencialconsisteemgarantiraosatoresinteressados, mecanismosinstitucionaiserecursosimprescindveisefetivaparticipaooucontroleda polticaexterna.Aceita aidiadepluralidadede atoresenvolvidosna elaboraodapoltica externa,suaconsistncia,emviasdealcanaroobjetivonacional,nosdependeda coernciadoqueresultardessapluralidade,mas,primeirodetudo,dosrecursosdequeos atores envolvidos dispem. Nesse sentido, Miyamoto e Gonalves (1993, p. 212) destacam a imprescindibilidade do acesso informao: Ainformaoomaiorcapitalqueossetoresqueparticipamda formulao da poltica externa possuem, para influenciar os demais e impor suasconcepesnoprocessodeelaboraodapolticaexterna.(...)So, pois, os setores que tm acesso maior quantidade e melhor qualidade de informaes os mais aptos a produzir um programa de poltica externa mais conseqentee,tambm,maisafinadocomoqueconsideramseros interessesnacionais.(...)Nosregimesdemocrticos,haabertura participaodetodosossetoressociaiscominteressesnaparticipaoda polticaexterna;atendnciaapluralidadedeposturaspolticasede percepes da evoluo do sistema internacional. Sealmdaaproximaonormativaentrepolticaexternaedemocracia,diantedo debate colocado acima, possvel apontar uma tendncia de politizao da poltica externa e de ampliao e abertura dos espaos de definio de agenda, em especial, ser preciso estudar os desafiospara o aprofundamento dessa politizao. Deste modo, o principal objetivo desta dissertaobuscaexplorarelementosdereflexosobrepossveislimiteseimpactos (anti)democrticosdoacessoinformaocomocondioparaaparticipaodeoutros atores alm do MRE na definio de agenda da poltica externa brasileira.

25Parafinsdenossotrabalho,salientamosodireitoinformaoconformedispositivodoartigo5o,inciso XXXIII,daConstituioFederaldaRepblicadoBrasilde1988.V.item3.4.2.1,doterceitocaptulodeste trabalho. 26ConformeOliveira(2005):Naatualidade,asquestesinternacionaisbrasileirascontinuamamercda burocracia do poder Executivo, muito bem preparada, entretanto, vulnervel, como vimos, a todo tipo de presso degruposdeinteressescomacessoaoscorredoresdoPalciodoPlanaltoondeaexistnciadefreiose contrapesos praticamente ausente.17 Nessecaminho,parte-sedapremissadequeoMREaindaguardaprerrogativade coordenaodadefiniodeagendadapolticaexternabrasileira.Ahipteseinicialade que a insero de novos temas na agenda da poltica externa, nesta pesquisa especialmente a partir da temtica ambiental, sugere uma tendncia de ampliao do acesso informao sob a tica da participao de outros atores alm do MRE. Essa tendncia poderia ser observada empelomenosduassituaes.Emprimeirolugar,quandoinseridanoprocessode descentralizao horizontal da poltica externabrasileira, ou seja, uma vezque sua definio nomaisocorreexclusivamentenombitointernodoMRE,mastambmemoutros Ministrios, como no caso do MMA. Ao mesmo tempo, a ampliao do acesso informao estaria relacionada s possibilidades de novas temticas, como no caso da temtica ambiental, apresentarem dinmicas de definio poltica mais propensas a situaes de consenso entre o MRE e os demais atores, governamentais e no governamentais. Essatendnciaenfrentaria,contudo,doisproblemas,quecorresponderiamaosseus impactosantidemocrticos.Deumlado,coloca-seoproblemadeausnciademecanismos institucionaisclarosrelacionadosespecificamentesobreoacessoinformaoou,demodo geral,participaonadefiniodapolticaexternanombitodearticulaodoPoder ExecutivoFederal.Poroutrolado,devidoculturadeatuaodoMRE,talvaziolegal apresenta-secomoespaodeliberdadeparaoMREcontrolarseletivamenteoacesso informao.Ouseja,nemtodaampliaodoacessoinformaosignificariaumacesso informaodemododemocrtico.Umainterpretaoquejustificariaessecontroleestaria relacionada ao raciocnio pautado por um modelo de conduta diplomtico-estratgica, pelo o qualacoernciaretricaeoobjetivodemanteropoderdecoordenaogeraldocorpo diplomticoprevaleceriamsobreaspossibilidadesdeaprofundamentodapolitizaoda poltica externa. Comafinalidadederefletirsobreahipteseeproblematizaocolocadaacima,a pesquisafoiestruturada,almdestaintroduo,emtrsetapas.Estascorrespondem,em conjunto,aodesenvolvimentodadissertaoe,demodoindependente,aosobjetivos secudrios do presente trabalho. Em primeiro lugar, apresenta-se uma abordagem terica interdisciplinar que possibilite analisarcasosdedefiniodeagendadepolticaexterna,considerandoadiversidadede atoresnombitodoprpriopoderexecutivo,almdoMRE,eatoresnogovernamentais. 18 Para tanto, o segundo captulo explora elementos tericos da cincia poltica e apresenta, em especial,umaabordagemtericasituadaentreaanlisedepolticaexternaedepolticas pblicas. As consideraes ainda so introdutrias. Busca-se um instrumental analtico focado na quebra do modelo de Estado como ator unitrio, com foco no mbito interno, para explorar determinadasconseqnciasdasmudanasnaconduodapolticaexternapeloPoder Executivo. A anlise dessas conseqncias limita-se s possibilidades de acesso informao quecondicionamaparticipaodeoutrosatoresburocracianotradicionaleatoresno-estataisnadefiniodeagendadepolticaexterna.Aparticipaodessesnovosatores diretamentenoplanointernacionaleindependentedaposiodaburocraciaoficial,sser explorada,aqui,namedidaemqueoacessoinformaodequedispemtambmindique uma ampliao do acesso informao no mbito domstico. Isto , nem toda participao de atores no estatais nas relaes internacionais significa possibilidades de acesso informao eparticipaodeatoresnoestataisnapolticaexternajuntoaoPoderExecutivo.A abordagem,portanto,nopretendedesafiaroparadigmarealistadasrelaesinternacionais porcompleto,poisdeixade lado,porexemplo, adinmicadeparticipaodosvrios atores que atuam diretamente no cenrio global. No captulo terceiro estudado de forma mais detalhada o processo de reconfigurao doPoderExecutivoFederalquetraduzaampliaodosespaosdedefiniodapoltica externa,levando-seemcontaainserodenovastemticasenovosatoresalmdoMRE. Trata-se, num primeiro momento, da contextualizao desse processo pela anlise mais ampla de transformao e, principalmente, fragmentao pblica da diplomacia contempornea. Na seqncia, feita uma anlise da estrutura legal que busca representar tanto a descentralizao horizontaldapolticaexternabrasileira,ouseja,ascompetnciasdeoutrasagncias burocrticas para definio de agenda de poltica externa, como ocorre com o MMA, quanto a incorporao de competncias funcionais, especialmente para a temtica ambiental, no mbito do MRE. A partir deste exemplo de ampliao dos canais formais de definio da agenda da polticaexterna,procura-se,ento,vislumbrarasformasdeinterao(concorrenteou complementar)entre asdiferentesburocracias(MREeMMA).Aindacomrecursoanlise legal,questiona-seaexistnciadecanaisdeparticipaodeatoresnoestatais,emumaou outraburocracia,bemcomomecanismosquepossamseracionadosparaoacesso informao quanto definio de suas polticas. Nocaptuloquarto,parte-separaoestudode casoquesuscitouos estudostericos e 19 legaisprecedentes: a anlise do caso dos pneus. O caso relacionado temtica docomrcio, meioambienteesadehumanaexemploemblemticoparatratardacomplexidade atualmentecaractersticadarelaodapolticaexternacomainserodenovostemas. Relaciona-setambm s conseqncias paraa nova dinmica dos atores que atuam de modo transnacional ou no mbito da poltica externa dos Estados envolvidos. Para o objetivo desta dissertao, possibilita tratar especialmente dos diversos atores e burocracias, MRE e MMA, que contribuem para a (re)definio da agendada poltica externa brasileira, como ocorreu a partirdainserodeargumentoscombasenaproteodomeioambiente,entreasdisputas sobreaimportaodepneumticosreformadosentreBrasileUruguai,nombitodo Mercosul,eocontencioso,entreBrasileComunidadesEuropias,naOMC.Namedidaem que existe uma tendncia em considerar agncias da burocracia estatal, como o Ministrio do MeioAmbiente,maisabertospolitizaonosprocessosdecisriosdepolticaspblicas,27 sugere-sequeaincorporaodoMMAna formaodeagendadapoltica externa, comono casodadefesadocasodospneus,ampliaaanlisedequestessobrepolitizaodapoltica externa no mbito Poder Executivo Federal. A partir da insero de argumentos relacionados temticaambientalnadefesabrasileira,areflexoqueganhadestaquedizrespeitos condiesdeacessoinformaotantonoprocessodefragmentaodadiplomacia encarregada de conduzir o caso, quanto pela apresentao de uma situao de consenso entre atores estatais e no estatais que contriburam para a definio dessa defesa. Da mesma forma, questiona-seos(anti)impactosdemocrticosdascondiesdeacessoinformaocomo condio para ampla participao no caso. Ao final, apresentam-se consideraes sobre o acesso informao na poltica externa brasileiraapartirdainserodatemticaambientalnocasodospneus.Retomam-seas apresentaes tericas e legais discutidas nos captulos 2 e 3 e se confirma ahiptese inicial dotrabalho,qualseja,humaampliaodoacessoinformaocomrelaopoltica

27 A idia de abertura do MMA participao da sociedade civil, por exemplo, aparece em COELHO (2004, p. 276).AcomparaosobreatendnciademaioraberturadoMMAparticipaodessesatoresemrelaoa outrosministrios,comocomrelaoaoMinistriodaFazenda,fazpartedosresultadospreliminaresdas pesquisasdesenvolvidassobreaatuaodoEstadobrasileiro(poderexecutivofederal)paratemas internacionais,nombitonombitodoprojetoFOCOSFrumContextoInternacionaleSociedadeCivil.A realizaodessapesquisacontoucomaparticipaodaautora,duranteoanode2007,sobcoordenaode Cassio Luiz de Frana e Michelle Ratton Sanchez. A participao nesse projeto bem como em pesquisa anterior sobre a distribuio constitucional de competncias para a poltica externa brasileira em perspectiva histrica, e o dilogoentrepolticaexternaepolticaspblicas,realizadajuntoaogrupoPET-SESU/MECdaFaculdadede DireitodaUniversidadedeSoPaulo,sobcoordenaodeMichelleRattonSanchezeElainiC.G.Silva,foi fundamental para o desenvolvimento desta dissertao. 20 externabrasileiraapartirdainserodenovastemticas,comoocasodatemtica ambiental, ainda que essa tendncia seja presente de forma limitada. 21 2.ANLISEDEPOLTICAEXTERNA:ENTREAQUEBRADO MODELO DE ATOR UNITRIO E POLTICAS PBLICAS 2.1. O objetivo e a estrutura deste captulo. Estecaptuloexploraumenfoquetericosensvelrupturadomodelorealistadas relaes internacionais, em especial para a anlise da poltica externa. Aqui, ganham destaque alguns trabalhos de anlise de poltica externa com foco no princpio de quebra do modelo de Estado como ator unitrio, mas principalmente, com nfase na idia de que o Poder Executivo nosejaconsideradoatorunitrionoprocessodecisriodepolticaexterna.Emseguida, busca-seumabrevecompreensodosconceitosenvolvidosemestudosdedefiniode agendadepolticaspblicas,quenoentendimentodestadissertaotambmcompreendea polticaexterna.Porfim,apresentamosalgunsconceitostrabalhadosemestudossobre participaodemocrtica,incluindoparticipaodiretanombitodoExecutivo,questesde accountabilty,transparnciaeacessoinformao,destacandoestaltimacomocondio para as demais formas de participao. 2.2. Anlise de poltica externa: quebra do modelo de ator unitrio OsestudosdeAnlisedePolticaExterna(APE)aparecemcomoreaoao pressupostorealistadasrelaesinternacionaisqueconcebeoEstadocomoatorunitrio, coerente e guiado racionalmente pelo interesse nacional.28 Durante as dcadas de 60 e 70, os trabalhos da primeira gerao de APE deram os primeiros passos para ressaltar a importncia

28ComoocampodeAnlisedePolticaExternatemcomoprincipalobjetivoexplorarexplicaesearranjos domsticos para a atuao internacional dos Estados, ora se apresenta como disciplina mais prxima das relaes internacionais,oracomodisciplinanombitodaCinciaPoltica,prximadaanlisedepolticaspblicas (Altemani, 2005, p. 22, Preto, 2006, p. 63). 22 da explicao dos fatores domsticos para as relaes internacionais29. Esse desenvolvimento terico,contudo,foiparalisadoduranteadcadade80comaondadoneo-realismoou realismoestrutural.Nofinaldadcadade80osestudosdeAPEsoretomadoseganham novo impulso, inaugurando a segunda gerao da APE. 2.2.1. Jogo de Dois Nveis AcontribuiodeRobertPutnamcomateoriadosjogosdedoisnveis(JDN) merecedestaquenessaltimafase.Essemodeloserapresentadodemodosimplificadoa seguir.Posteriormente,destacamosostrabalhosdeHelenMilner(1997)que,apesarde criticar Putnam, busca aprofundar o trabalho desenvolvido pelo autor a partir do modelo JDN. Na seqncia, o trabalho mais atual de Christopher HILL (2003), traz contribuies deixadas de lado pelos modelos anteriores, sobretudo, para a identificao dos atores responsveis pelo processo de definio da agenda de poltica externa no mbito do Poder Executivo. AestruturadeanlisedoJDNpropostaporRobertD.Putnamconsisteemexplicar comoaconfiguraodaspolticasdomsticasinfluenciaoposicionamentodospasesno mbitointernacional,aopassoquetambminfluenciadapelasdecisestomadasnesse ltimoplano.EssaabordagemdesenvolvidaporPutnam(1988)noartigoDiplomacyand domestic politics: the logicof two-level games30. Nesse texto,o entrelaamento dapoltica domsticacomapolticainternacionalapresentadoapartirdoexemplodeanlisedas configuraesdomsticasquepossibilitarampoliticamentedeterminadosresultadosparaa conferncia de Bonn, de 1978. ComoexemplodeBonn,oautorsugerequeosprincipaisatores(negociadores representantesdosgovernos)queparticiparamdaconfernciaadotarampolticasdiferentes dasqueadotariamnaausnciadenegociaesinternacionais.Mastambmqueoacordos

29OtrabalhoinauguralTheScientificStudyofForeignPolicyapresentadoporJamesN.Rosenau(1971) merecedestaquenessafase.Paraumasntesedoestadodaartedasteorias(dcadasde60-80)quebuscaram explicaroentrelaamentodomstico-internacionalatoJDNdePutnam,seguidasdascrticasdesseautor,v. Apndice 2. 30 Esse talvez seja um dos textos mais conhecidos da APE e que apesar de suas insuficincias ainda se apresenta com enorme utilidade explicativa. Para uma aplicao do modelo JDN, no caso de acordos internacionais sobre meio ambiente, v. HAFFOUDHI (2005). Para citar duas anlises recentes da literatura brasileira que utilizaram o modelo de Putnam (1988), v.Villa e Cereda (2006) e Taiane Las Casas Campos, Brasil e ndia na formao do G20: interesses, estratgias e fragilidades, texto apresentado no 6 Encontro da Associao Brasileira de Cincia Poltica (ABCP) em julho de 2008, disponvel em: , acesso em jul. 2008.23 foipossvelemrazodepoderosasminoriasque,nombitodomsticodecadapas, favoreceram a poltica demandada no plano internacional (Putnam, 1988: 428). Desta forma, nenhumaanlisepuramentedomstica,tampoucoestritamenteinternacionalseriacapazde explicartalepisdio(idem,p.430).Acompreensodainteraoentreessesdoisnveis,no entanto,deveiralmdaobservaosuperficialdequeosfatoresdomsticosinfluenciamas relaesinternacionaisevice-versa,bemcomodameraenumeraodasinstnciasde influncia. Assim, Putnam busca teorias que levam em considerao reas de entrelaamento entre ambas as esferas31. Nas palavras do autor (idem, p. 432):Amoreadequateaccountofthedomesticdeterminantsofforeignpolicy and international relations must stress politics: parties, social classes, interest groups(botheconomicandnoneconomic),legislators,andevenpublic opinionandelections,notsimplyexecutiveofficialsandinstitutional arrangements. OmodelopropostoporPutnamconsideraalgunsdesenvolvimentosdaanlisede poltica externa elaborada por Richard E. Walton e Robert B. McKersie, a partir da metfora dos jogos de dois nveis, segundo a qual: Atthenationallevel,domesticgroupspursuetheirinterestsbypressuring thegovernmenttoadoptfavorablepolicies,andpoliticiansseekpowerby constructingcoalitionsamongthosegroups.Attheinternationallevel, national governments seek to maximize their own ability to satisfy domestic pressures,whileminimizingtheadverseconsequencesofforeign developments. Neither of the two games can be ignored by central decision-makers,solongastheircountriesremaininterdependent,yetsovereign (idem, p. 434). Para complementar sua base terica, Putnam agrega os resultados da anlise emprica sobrea conexo entre as negociaes domsticas e internacionais tal como desenvolvida por GlennSnyderePaulDiesing.Apesardeseenquadraremnatradioneo-realista(ainda estadocntrica),agrandecontribuiodessesautores,segundoPutnam,consistiuem demonstrarafragmentaoexistenteentreostopdecision-makers(negociadoreslderes). Nessesentido,sugere-sequeaprevisibilidadedosresultadosinternacionaisaumentana medidaemquecompreendemosasnegociaesinternas,sobretudo,quantoaos compromissos minimamente aceitveis nessa instncia de deciso (idem, p. 435).

31 Segundo Putnam (1988: 433), a maior parte da literatura que estuda a relao entre os ambientes domstico e internacional,consistenaenumeraoadhocdeinflunciasdomsticasnapolticaexternaouemobservaes vagas sobre uma possvel ligao entre os dois nveis. Cf. Apndice 2. 24 Em seu modelo terico, Putnam apresenta um cenrio no qual enfatiza a importncia doswin-sets32quepoderiaseraplicadoaqualquerjogodedoisnveis.Simplificandoo cenrio:negociadoresrepresentandoduasorganizaesseencontramcomoobjetivode concluirumacordo,sujeitosaosconstrangimentosderatificaodessecompromissodentro desuasrespectivasorganizaes.Oprocessodecompostoemduasetapas:(i)NvelI negociaodo acordo normalmente discutido por negociadores lderes, independentemente de suas preferncias individuais33; e (ii) Nvel II discusses isoladas em cada grupo sobre a aceitao(ratificao)doacordo,ondeosatorespodemserrepresentadosporagncias burocrticas,gruposdeinteresse,classessociaisemesmopelaopiniopblica.(Putnam, 1988: 435-6). Nessecontexto,owin-setparaumadeterminadacomposiodoNvelIIconsisteno lequedepossibilidades queaceitariamo acordo doNvelI.Ao mesmotempo,maioreswin-sets tendem, em princpio, a concretizar mais facilmente o acordo do Nvel I, uma vez que o acordo s possvel quando os win-sets de cada Nvel II coincidem (overlap). 34 SegundoomodelodePutnam,trsfatoresdeterminamotamanhodowin-set:(i) coalizeseprefernciasdonvelII;(ii)instituiesdonvelII;e(iii)estratgiasdos negociadores no nvel I. (i)Otamanhodowin-setdependedadistribuiodepoder,preferncias,e possveis coalizes entre os atores do nvel II.Nesse ponto, dois aspectos merecem destaque. Em primeiro lugar, preciso considerar osprincipaisatoresdanegociao,dentreosquais,destacam-seaquelesqueelevariam significativamente os custos de no aceitao da poltica negociada no nvel I (idem, p. 443). Emsegundolugar,existemdiferenassignificativasquandoasquestesqueestoemjogo

32Cf.CAMERON,CharlesM.VetoBargainning.Cambridge:CambridgeUniversityPress,2000,p.91In voting games the intersection of the relevant preferred sets is often called the win set. V. tambm Villa e Cereda (2006, p. 2) 33ApesardePutnamapontar que essavarivelno puramente imutvel, esse justamenteopontode partida para o desenvolvimento da anlise e crtica de MO (1994).34Cf.Putnam,(1988:440),outroaspectoimportanteemconsiderarotamanhodowin-set,isthattherelative sizeoftherespectiveLevelIIwin-setswillaffectthedistributionofthejointgainsfromtheinternational bargain.Nessesentido,quantomaiorowin-setestabelecidonombitodomsticodeumdadonegociador, maior sua possibilidade de ser pressionado pelo outro negociador no nvel I. Por isso, um win-set domstico mais restritopodeserumavantagemnanegociaodonvelI.Mesmodemonstrando-sepessoalmentefavorvelao acordo,o negociador podealegar queomesmonoseria aceitono mbitodomsticoe,destaforma,ser mais rgido quanto s concesses para o acordo.25 sohomogneasoumltiplas.Amultiplicidadedequestesenvolvidasnumamesma negociaopodegerarconseqncias,positivasounegativas,paraotamanhodowin-setno campodomstico.Mltiplasquestesnumamesmanegociao,porexemplo,podem dificultaracoordenaodosinteressesdomsticosemprejuzodaposionegociada.Ao mesmotempo,oriscodeenfraquecimentodanegociao,emrazodessamultiplicidadede interesses, pode gerar manipulao da definio do win-set pela diplomacia. (ii)O tamanho do win-set depende das instituies polticas do nvel II. Aqui so consideradas instituies polticas formais e informais. Instituies polticas formais no nvel II, das quais depende, por exemplo, a internalizao (ratificao) de tratados negociados nonvel I, significam, normalmente, uma diminuio do win-set. Por outro lado, exemplosdeprticaspolticasdomsticas,taiscomodisciplinapartidria,podemafetaro tamanhodowin-setnosentidodoseualargamento.Nomesmosentido,percebidaa autonomia que dispem negociadores lderes no nvel I, em relao ao nvel II. Nesse aspecto, Putnam apresenta o exemplo do insulamento do Banco Central que faz uso de sua autonomia contrapressesdomsticas,comoformadeaumentarowin-setnosentidofavorvels polticas de cooperao monetria internacional (idem, p. 448-9). (iii)O tamanho do win-set depende das estratgias de negociao do nvel I. Aaplicaodomodelodejogodedoisnveisnoexemplodecelebraodetratados enfatizaaidiadequeovalordeumside-payment35internacionaldevesercalculadoem termosdecadacontribuiomarginalparaaconcretizaodoacordo,enoemrelaoao valortotaloumximoquegerariaisoladamenteparaanaobeneficiada.Assim,umbom negociador36 seria capaz de maximizar a relao custo-efetividade das concesses viveis para queoacordosejagarantidoconformeapercepoquetemdoseuprprionvelII,mas tambm em relao s demandas e ameaas no nvel II de incidncia (isto , de seu oponente). Usando a linguagem da escolha racional, os negociadores buscam pontos de tangncia entre assuasrespectivascurvasdeindiferena.Umavezqueaspercepesqueosnegociadores tm donvel II de seus oponentesso mais distorcidas, em principio,pela maior dificuldade de acesso s informaes, a aproximao com atores estratgicos do nvel II de seu oponente

35 De modo simplificado side-payment pode ser entendido como troca de concesses.36 Dentro domodelo dojogo de dois-nveis o negociador lder a nica ligao formal entre os nveis I e II. V Putnam (1988: 456).26 pode ser uma estratgia que possibilita ao negociador arrastar o ponto de tangncia para mais prximo do seu ponto ideal. O resultado ao final do jogo avaliado a partir das possibilidades de convergncia deinteresses,nombitointernacional(nvelI),encontradanooverlapdoswin-setsdecada negociador.Aqui,consideram-seasimplicaesprviaseposterioresparaeemrazodesse resultado,encontradasnosrespectivosplanosdomsticos.Emoutraspalavras,oresultado timoparaumnegociadorconsisteemalcanarsuasprefernciasnoplanointernacionala partir de uma estratgia que maximize sua base poltica no mbito domstico. ComoaabordagemdePutnamlimita-seaumaanliseintergovernamentaldas negociaesinternacionais,queprivilegiaaposiodosnegociadores(lderes)responsveis pelocontroledabarganhanainterfacedomstico-internacionalenoexplorainvestigaes empricas,seguiramcrticasteoriaJDN.Nessesentido,destacamos,naseqncia,as propostas de Helen V. Milner (1997) e Christopher Hill (2003).37 2.2.2.Influnciasdomsticasparaapolticainternacional,distribuiodecompetnciase informao EmInterests,InstitutionsandInformation:DomesticpoliticsandInternational Relations,HelenMilner(1997)partedopressupostodeinterdependnciaentreapoltica domsticaeinternacionalexplicitadoemPutnam(1988).Omodelodojogodedoisnveis, segundoaautora,apresentaganhostericosfundamentaisparaaquebradomodelodeator unitrio:primeiro,porquemudaaidentificaodoEstadocomoator,paraconsiderar tomadores de deciso, suas bases polticas e grupos de interesse domsticos como agentes; em segundolugar,ainevitabilidadedoconflitodomsticoparaadefiniodointeresse nacional promove uma possibilidade de abertura da caixa-preta (Milner, 1997, p. 4-5). Apesar dessas consideraes, a autora critica a incompletude terica e a incapacidade para desenvolver hipteses passveis de testes empricos, presentes no modelo do jogo de dois nveis de Putnam (e variaes que seguiram). Com o objetivo de superar essas lacunas, Milner propeumarevisotericadessemodelocombasenomtododaescolharacionalea

37 Para uma crtica dessa abordagem, sobretudo, por no considerar a participao direta de stakeholders no nvel I, v. SHAFFER (2001).27 aplicaoempricaemcasosde(no)cooperaoecoordenaodepolticasqueenvolvem negociaesinternacionais.Considerandohiptesesdecooperao/no-cooperao,seguea tese central: apesar do clculo sobre ganhos relativos no plano internacional ser indispensvel, apossibilidadedecooperaomaissensvelsconseqnciasdistributivasdomsticas resultantesdanegociao(idem,p.9).Dessaforma,especialatenoaojogodomstico permite explicar, por exemplo, porque determinadas naes cooperam em determinada poca, sobre determinados temas e no em outros (idem, p. 4-8). A principal ruptura desta autora com o modelo de ator unitrio, portanto, ser realizada com foco no aprofundamento terico das influncias domsticas para a poltica internacional. Contrapondo-se aomodelo de Estado como ator unitrio, estruturado demodo hierrquico em cujo pice encontra-se o lder encarregado da tomada de deciso final que influenciar as negociaes internacionais , considera-se a formao da poltica domstica que resultar na polticaexternaumaestruturapolirquicadescentralizada.38Napoliarquia,atomadade deciso decorrede influncias recprocas entre indivduos e grupos, a partir das disputas por poder que resultaro em diferentes posies negociadas no mbito internacional. Os principais atoresconsideradosnestemodelosobasicamente:Executivo,Legislativoegruposde interesse.Adinmicaentreessesatoresdependerdasdiferentesprefernciaspolticas,das instituiesedadistribuiodeinformaesquecabeacadaum.Nessesentido,explica MILNER(1997, p. 11) If one actor controls all decision making, one is back to the unitary modelwherehierarchyprevails()ifonegroupcontrolsallrelevantinformationaboutan issue, then again one moves back toward a more hierarchic structure. Nessaperspectiva,nota-seumadistinoentreprefernciaseinteresses.Apesarde prefernciasresultaremdosinteressesindividuaisquecadaatorbuscamaximizarganhos econmicos ou polticos (reeleio) , o que conta no jogo de Milner so as primeiras (Milner, 1997,p.15,nota4)39.Asprefernciasrepresentamescolhasestratgicasdepolticas especficas,quedependemdasituaopolticadecadaator,dasdiferentesquestesem disputa.Soessasescolhasespecficas,portanto,quedeterminamaopassoqueso

38Cf.Milner(1997,p.11-13,nota3)Domesticpolitics,then,variesalongacontinuumfromhierarchyto anarchy,withpolyarchyinbetween.Nota-se,contudo,queesseconceitodepoliarquiadifere-sedotermo cunhadoporRobertDahl.NoconceitodeMilner,apoliarquiaindependedeoEstadoserdemocrticoou autoritrio, apesar de o primeiro ser mais facilmente estruturado na forma de poliarquia.39 Sobre a distino entre preferncias e interesses, ver tambm CUNHA (2007). 28 influenciadasporconstrangimentosinstitucionaisedistribuiodeinformaesentreos diferentes atores. Aimportnciadasinstituiesquedistribuemcompetnciasparaocontrolesobreo processo decisrio mais evidente em relao ao Executivo e ao Legislativo. Esse o caso, porexemplo,dadistribuiodecompetnciasconstitucionais(Milner,1997,p.13). 40Em linhasgerais,oExecutivoencarregadodadefiniodeagenda,cabendoaoLegislativo aceitar ou rejeitar as decises tais como definidas pelo primeiro (controle sem possibilidades de emendas, apenas ex post). No aspecto de distribuio de poder pelo acesso s informaes relevantes, os grupos deinteresseganhamdestaque.Seguindoomtododaescolharacional,Milnersugereque informaesincompletascriamineficinciasevantagenspolticas.Napolticaexterna,o Executivo normalmente possui informaes privilegiadas e, assim, se encontra em vantagem polticacomrelaoaoLegislativo.Mas,seporumlado,omonopliodeinformaes relevantesempolticaexternapeloExecutivopodegarantirresultadosimediatosmais prximosdesuaspreferncias,poroutrolado,podemaparecercustosmaisaltosnolongo prazoparaaaceitaodesuadecisopelocontroleaposterioridoLegislativo,gerando ineficincias, por exemplo, para a cooperao internacional. Pela sugesto de Milner (1997, p. 23),arelevnciadosgruposdeinteressecrescenamedidaemquepodemsuprir,por exemplo, a desvantagem de informaes do Legislativo em troca de influncia poltica. Paraefeitosdestadissertao,omodelodesenvolvidoporessaautoraapresenta vantagensanalticasquesofisticamomodelodejogodedoisnveis,sobretudo,pela importncia do jogo domstico e sua ateno ao fator distribuio de informaes. Porm, os atoresExecutivo,Legislativoegruposdeinteressequedisputampodernessaproposta, por sua vez, ao serem considerados unitrios, no permitem aprofundar o nvel de anlise para as disputas que ocorrem, por exemplo, na definio de agenda prpria do Executivo. Justificar o Executivo como ator unitrio em razo de o presidente ser responsvel, em ltima instncia, pelosatosporeledelegadosaoutrosministrospareceserumasimplificaonecessriae suficiente para o jogo proposto por Milner41. Para fins deste trabalho, contudo, considerando quediferenasfundamentaisparaasrelaesinternacionais,porumlado,eprincipalmente

40 Nesse sentido, para mais detalhes ver tb. Sanchez et al. (2006). 41 Sobre a justificativa para considerar o Executivo como ator unitrio, v. Milner (1997, p. 34). 29 para o aprofundamento da democracia, por outro lado, ocorrem tambm no nvel de definio de agenda da poltica externa, ser preciso agregar outra proposta. 2.2.3. Politizao do processo decisrio da poltica externa OtrabalhodeChristopherHill(2003)sobreamudanadapolticadapoltica externacontribuiparaumaanlisemaissensvelsuapolitizao.Issoocorreporque,em primeirolugar,Hillcriticaosmodelosquereduzemapolticaexternaajogoscomregras fechadas,onde apenasumvalorconsideradoportomadoresdedecisounitriosembusca demaximizaodeinteressesindividuais.AindaqueapartirdePutnamapolticaexterna tenha sido considerada pelo menos um jogo de dois-nveis, atentando-se para a importncia dapolticadomstica,Hillsugerequeadiversidadedosatoresdomsticosesuas manifestaes significam interaes bem mais complexas do que um jogo (Hill, 2003, p. 37). Emsegundolugar,reduziraaodosatoresexposiodeprefernciaspolticasdemodo estratgicocomafinalidadedemaximizarinteressesindividuaisignoraoutrasfunesda polticaexternacomo,porexemplo,apromoointernacionaldevalorestaiscomoa democracia que dependem fundamentalmente do plano domstico (idem, p. 36). Comoobjetivodesuperarmodelospuramenterealistas,positivistasouquetenham porbasemtodoseconomicistascomoodaescolharacionaledaaocoletiva,Hilladota umaabordagemrealistaliberal(idem,p.37).Nessaperspectiva,Hillexploraaidiade pluralidade de atores que participamcada vez mais do continuum que compreende a poltica domstica,externaeinternacional.OEstado,noentanto,aoladodenovosatores,ainda consideradofundamental,sejapelasuacapacidadedemobilizaopoltica,sejapelas possibilidades de apresentar mecanismos formais de responsabilizao e controle democrtico que tambm deveriam recair sobre a poltica externa. Ao concentrar especial ateno na dinmica do processo decisrio da poltica externa, queocorreprincipalmentenombitointernodosEstados,Hilldestacaosdesafiosque emergem, por exemplo, da tenso entre democracia e eficincia.()ifdemocracyandpopularsovereigntyaretobethehallmarksof modernstatehood,isitacceptableforforeignanddefensepoliciestobe delegatedalmostwhollytoasmallelite,onthegroundsthatdealingswith otherstatesrequiresecrecy,continuity,experienceandpersonalcontacts? Mostpeoplewouldreplyinthenegative,butstrikingtherightbalance 30 betweendemocracyandefficiencyinthiscontexthassofarprovedan almostimpossibletask.TheopendiplomacyaspirationsofWilsonsoon proved unworkable, and even today few liberal democracies have procedures foraccountabilityinforeignpolicywhichcomeneartothosethatapplyin domestic areas. () Foreign policy may be for the people in a fundamental sense,butitislargelystillmadeontheirbehalfbycognoscentiwho complainabouthavingtheirhandstiedbypublicopinionyetevincelittle evidence of constraint in practice (idem, p. 42). EssatensoestintrinsecamenterelacionadaimportnciaqueHillatribuiparaa investigao sobre quem so os efetivos responsveis pela definio da poltica externa, quem soosverdadeirosdestinatriosdessapoltica,almdosefeitoselimitesdesuasaes.O caminhoparaesclareceressesquestionamentoslevaHillareconsiderar,numprimeiro momento, a noo de agentes da poltica externa e, sobretudo, a contestar o modelo de Poder Executivo como ator unitrio traduzido pelo monoplio do servio diplomtico nacional. Alm da identificao dos atores responsveis pela definio da poltica externa, com nfase na quebra do Poder Executivo como ator unitrio, a abordagem de Hill chama ateno parapelomenosdoisaspectosdarelaoentreosresponsveispelapolticaexternaeseus destinatrios. Para tanto, Hill (2003, p. 251 e ss) diferencia responsabilidade (responsibility) de prestao de contas (accountability):Responsabilityisabouttheawarenessofactingforothersaswellas oneself, it begins with perceptions and values. Accountability is more formal and refers to the ability to make someone answerable for their actions, and to payapenaltyif,accordingtotheprevalentrules,theiraccountis unsatisfactory. Nessalinha,destacandooaspectoresponsabilidade,ademocratizaodapoltica externaexploradaporHillcomrelaosformasdeatendersexpectativasde,ou resultados esperados por, seus destinatrios, tanto no mbito domstico, quanto internacional. Aqui,amplia-seanooderepresentaoparaconsiderartodososatoresconcernidospelas aes de determinada poltica externa. Isso ocorre na medida em que os resultados da poltica externapodemsignificar,porexemplo,aprosperidadedanaoformalmenterepresentada, mas tambm a negociao deuma ordem internacional estvel, promotora do bem comum no sentido mais amplo de justia internacional. Com relao ao aspecto de accountability, Hill desdobra dois mecanismos formais de democratizaoquerecaemsobreoprocessodedefiniodapolticaexterna, fundamentalmente,nombitodomstico:(i)controlepeloLegislativo,ressaltandoa 31 distribuio de competncias constitucionais, com nfase na relao Executivo-Legislativo; e, (ii) processo eleitoral possibilitando ao eleitorado punir representantes que no atendam s expectativasalmejadas42.Esseselementos,noentanto,restringem-seapossibilidadesde democratizaodoprocessodedefiniodapolticaexternasomentecomocontrolea posteriori de resultados. ApesardosavanostericosdaabordagempropostaporHilldestacadosacima, notadamente,ampliaodaidentificaodosresponsveispelasuadefinionombitodo PoderExecutivo,almdaapresentaodemecanismosteissuademocratizao,para efeitosdestapesquisaessesfatoresaindasoinsuficienteseprecisamserampliados.Nesse sentido,recorremosaestudossobredefiniodeagendadepolticaspblicaseparticipao democrticaparaconsideraraparticipaodeatoresnogovernamentaisnoprocessode definio de agenda da poltica externa no mbito do Poder Executivo. Esse desenvolvimento tambm nos leva a ampliar a noo de accountability para considerar critrios de participao democrticaalmdasviasaposterioriindireta(pelolegislativo)oudireta(pelaseleies), quepossamqualificarascondiesdeinteraoentreessesatoresesituaraimportnciado acesso informao para essa interao. 2.3. Poltica Externa e Polticas Pblicas 2.3.1. Polticas pblicas como instrumento de anlise de poltica externa Independentementedodebatenormativoquesugereequalizarpolticaexternacomo polticapblica,apoiadonaidiadequenosecabemaisfalaremexistnciadeuma distinoontolgicaentrepolticainternaeexterna(Soares,2000,p.266;Smouts,1999; Preto, 2006, p.20), h no mnimo um ganho analtico na aproximao entre a poltica externa e as demais polticas pblicas. Em Sanchez et al. (2006, p. 125), por exemplo, a considerao dequeaspolticasinterna,externaeinternacionalcompemumcontinuumdeprocesso decisrio, permite vislumbrar possibilidades de controle democrtico na conduo da poltica externa a partir da reconcepo do processo decisrio da poltica externa sob os referenciais da poltica pblica. Nesse sentido, pode-se entender a poltica externa pelo menos como um momento do processo decisrio, onde h uma preocupao preponderante sobre as influncias

42NadefiniodeODonnell(1998,p.27-8),oprimeiromecanismodizrespeitoaocontroleentreeintra poderesouaccountabilityhorizontal,jomecanismodeaccountalibilityviaprocessoeleitoralou accountalibility vertical estabelece possibilidades de controle dos cidados em relao aos governantes. 32 recprocas entre polticas pblicas e poltica internacional, ou seja, sobre os aspectos externos das polticas pblicas e consequncias internas da poltica internacional. Naverdade,comoexplicaCelinaSouza(2006,p.24),noexisteumanica,ou melhor,definiodoquesejapolticapblica43,dopontodevistaterico-conceituala polticapblicacompreendeumcampoholsticoemultidisciplinareseufocoestnas explicaessobre a natureza da poltica pblica e seus processos.Desta forma, ao falar de polticaspblicasdenaturezaambiental,aexemplodocasoestudadonocaptuloquarto, discute-seainserodapolticapblicadegestoambiental(deresduosdecorrentesda reforma ou inutilizao de pneus) ao lado das medidas de comrcio internacional que implica (proibiodaimportaodepneususadosoureformados).Oespaodesuadefinio localizadonomomentodapolticaexternabrasileira.Nestecaso,nocabefalarempoltica ambientalinterna,externaeinternacional.Apolticaambientalemquesto(impactos ambientaisdecorrentesdagestodeprodutosdeconsumoinutilizveis,nestecasopneus inservveis), pela sua natureza e consequncias de mdio e longo prazo, demanda idealmente uma atenoglobal44.No entanto,suas conseqnciasmaisoumenosimediatas(nocasodo Brasil,problemaambientaletambmdesadepblica)eadefiniodasmedidasque implicam, sobretudo, no curto prazo (proibio da importao de pneus usados e reformados) podem ser localizadas no espao internacional (OMC), regional (Mercosul), nacional (Brasil). Assim,oque est emdiscussonessetrabalhosoreflexessobreascondiesdeacesso informaocomfoconomomentodedefiniopreponderantementedosaspectosexternos desta poltica temtica de natureza ambiental e alcance global, discutidos no mbito do Poder Executivo Federal brasileiro, tendo em vista sua coordenao com as regras estabelecidas no plano internacional.

43Porisso,sorecorrentesdefiniestoamplascomocolocadoporMarcelMerle(1990),segundooqual polticas pblicas so respostas do Estado a situaes socialmente problematizadas. 44 Para se ter uma idia, conforme material que publica os resultados do debate realizado no evento sobre o caso dos pneus, organizado pela Escola de Direito de So Paulo da Fundao Getlio Vargas (DireitoGV), em 18 de maiode2006pelaexposioedadostrazidosporrepresentantesdoIBAMAeMMA,adestinaodepneu inservvel um problema mundial: aquantidade de pneus inservveisgeradospor EUA e CE de 300milhes aoanocada;peloJapo,102milhesaoano;epeloBrasil,40milhesaoano.(...)OsPasesDesenvolvidos (PDs) produzem enormes quantidades de pneus inservveis e, apesar de controlarem sua coleta, encontram cada vezmaislimitaesparasuadestinaofinal.NoBrasil,asprincipaisdificuldadesparacontrolarosimpactos ambientais e sade relacionados aos pneus inservveis, referem-se sua coleta, falta de controle na entrada de pneususados importadosque aumentamopassivoambiental e, sobretudo,suadestinao final (Barbosa, 2007). 33 2.3.2.Definiodeagendadepolticaspblicas,participaodemocrticadeatoresno governamentais na poltica externa e acesso informao Comoobjetivodecompreenderaparticipaodeatoresnogovernamentaisno processodedefiniodeagendadapolticaexterna,busca-seampliarasabordagensde anlise de poltica externa, colocando foco na dinmica poltica dos atores que participam do processodedefiniodeagendadaspolticaspblicasdemodogeral.Aatenocentralno processodedefiniodeagendaseexplicaporduasrazes.Essafasedociclodevidadas polticas pblicas, ao lado da fase de implementao, reconhecida pela literatura justamente comoaprincipaletapadeintegraodeatoresnoestatais45.Aomesmo,essaintegrao ocorre porque nesta etapa que so evidenciadas as questes temticas. Essaidialevapreocupaocentraldeinvestigarcomodeterminadasquestese temaschegamarenapblicaemdeterminadosmomentos.Nessalinha,osestudosque trabalhamcomdefiniodeagendadepolticaspblicas,desenvolvidosporMarioFukse Cassio Frana, so esclarecedores. NaspalavrasdeMarioFuks(2001,p.48),Asduasquestesbsicasnoestudoa respeitodadefiniodeassuntospblicose,mais,especificamente,dadefiniodeagenda soasseguintes:comosurgemnovosassuntospblicoseporquealguns(enooutros) ascendem s arenas pblicas; e quais atores participam do processo de definiode assuntos pblicos.Ofoconarelevnciadosatoresqueparticipamdesseprocessojustifica-sepelo argumentocentral,segundooqualaemergnciadequestesnaagendapblicaexplica-se mais em termos da dinmica social e poltica do que dos atributos intrnsecos dos assuntos em disputa, ou seja, da gravidade objetiva dos problemas em questo (FUKS, 2001: 48). Nessaperspectiva,aparticipaodeatoresnogovernamentaisnosespaosde definio de agenda pode ser limitada por procedimentos e regras ou incentivada a partir de canaisinstitucionaispropensosaabrig-los.Considerandoapossibilidadedeummesmo assuntoserlevadoadiferentesarenas,umatorpodeescolherarenasmaisabertassua

45Segue-se,aqui,adivisomisesuragenda(agendasetting),formulation(policyformulation),dcision (decision),miseenouevre(implementation),valuation(policyevaluation),terminaison(policytermination), apresentadaporJean-BaptisteHarguindeguy(2006,p.150),conformemodelodociclodevidadaspolticas pblicas de Charles O. Jones.34 participao.Outrofatorrelevantecomrelaoentradadeatoresnessadinmicaa falta/abundncia de recursos materiais, organizacionais e simblicos" (Fuks, 2001: 50-6). AcentralidadenaidentificaodosatorestambmconstantedoestudodeCassio Frana,quebuscanabasetericasobreprocessosdecisriosdeJohnKingdon46 possibilidadesparaanalisaraparticipaodeatoresnogovernamentaisnapolticaexterna. Segundo a interpretao de Frana sobre o trabalho deKingdon, as principais caractersticas dojogopolticoenvolvemosmomentosdecomposiodealternativas,soluesou possibilidades de ao, onde a definio de agenda localizada como um primeiro momento do processo decisrio e pode ser compreendida como: [...] a lista de temas ou problemas para o quais o governo e pessoas fora do governo,masprximasaosgovernantesseriamenteseimportaemum determinadomomento.Aformaodaagendaalimitaodeumamplo leque de temas que potencialmente poderiam ocupar um lugar de destaque. A questoqueoautorsecolocanosomenteporqueaagendacomposta destamaneiraemdeterminadomomento,mastambmcomoeporqueela muda de tempos em tempos. (Frana, 2007). Assim,acomposioemudanadaagendasoinfluenciadaspelosdiversosatores governamentaiseno-governamentais,masfundamentalmentepelascondiesdesuas interaes.Nessesentido,Franacolocaaparticipaodeatoresnogovernamentaisno espao poltico em termos de trocas de informaes. O autor explora possveis motivos que contribuemparaessainteraoenquantoogovernobuscainformaestcnicase conhecimentoparamaximizarasuacapacidadedeinfluenciarnombitointernacional,as organizaes no estatais buscam exerccio pleno de direitos polticos , mas deixa em aberto investigaessobremecanismos(reunies,gruposdetrabalho,consultas,etc)econdies democrticas dessa relao47. Narealidade,sorarosostrabalhosqueexploramcondiesdemocrticasde participao de atores no governamentais junto ao poder executivo para definio de poltica externa.Noentanto,seexisteumatendnciadeaprofundamentodademocraciapela ampliao da participao direta de atores no governamentais junto ao poder executivo para a formulao de polticas pblicas de um modo geral, como apontam Adrian Lavalle e Ccero

46 A principal referncia o trabalho Agendas, Alternatives and Public Policies, de 1995. 47 Ver tambm Vanessa Rodrigues de Macedo. A contribuio de uma organizao paraestatal na poltica externa brasileira. ABRI, 2007. 35 de Arajo48, cabe investigar modelos e mecanismos que exploram essas condies, que nesta pesquisa tambm podero ser estendidas poltica externa. Combasenomodelohabermasianodedemocracia49,PauloMattos(2006)fazuma revisodosmecanismosdeparticipaodemocrticaepropeumconceitoampliadode accountabilityvertical,pelodesenvolvimentodoconceitodeaccountabilitydeliberativa vertical. Esse conceito explora mecanismos de participaopblica direta junto atuao da burocracia estatal, no limitados apenas a processos eleitorais (Mattos, 2006, pp. 31 e 202). Essanovaperspectivaressaltaaimportnciadaabordagemdateoriadiscursivade democraciadeJrgenHabermasparaaprofundaracompreensodainterfaceentre participao e deliberao. O foco privilegia possibilidades de mudana qualitativa da prtica democrtica. Isso se daria a partir da criao de canais diretos de interveno dos cidados, a partirdosquaisaparticipaodemocrticacentra-senoapenasnocontroledoresultado formal,pelaviaeleitoralquerecaisobreosefeitosdedeterminadapolticamas, principalmente,pelaintervenonoprocedimentosubstantivoecomunicativoqueleva definiodocontedodedeterminadapoltica.Nessesentido,canaisdiretosdeparticipao tambm envolvem a formao de uma esfera pblica sensvel definio de polticas pblicas e a criao de espaos de consensos ex ante. Os principais mecanismos de accountability deliberativa vertical explorados por Paulo Mattos (2006) foram analisados, em primeiro lugar, a partir da anlise da Carta Constitucional brasileira de 1988. Esta anlise considerou o estabelecimento de direitos que, no contexto do processo de democratizao brasileiro, esto na base das condies jurdico institucionais de participaopblicadeatoresdasociedadecivilnocontroledaformulaodepolticas pblicascomoodireitoinformaoeodireitodeparticipao.Emsegundolugar,pela anliseespecficadaregulamentaoeprticadaAgnciaNacionaldeTelecomunicaes (ANATEL), criada na dcada de1990, o autor compara a estrutura legal (legislao federal)

48 Nas palavras deLAVALLE e ARAUJO (2006) ... em inmeros pases estsevivenciandouma aberturado poderexecutivoparticipaodeatoressocietriosinvestidosjuridicamentecomorepresentantesde determinadossegmentoseinteressesdapopulaonodesenho,implementaoesupervisodepolticas pblicas. De modo semelhante quilo que aconteceu nas primeiras dcadas do sculo XX, quando as instituies da representao poltica foram alargadas junto com a prpria democracia mediante a emergncia dos partidos de massa,essesprocessosdereconfiguraodarepresentaoenglobandoopoderexecutivopodemconfluirpara uma nova ampliao da democracia. 49 Sobre o modelo procedimental de democracia, v. MATTOS (2006, p. 191 e ss). Cf. tambm NOBRE (2004) e HELD (2006, pp. 231 e ss). 36 detrsmecanismosprocedimentaisdeparticipaopblicadireta(consultaspblicas, audinciaspblicaseosprocedimentosdedennciaoureclamao)eindireta(Conselho consultivoeOuvidoria).Porfim,otrabalhodesteautorapresentadaumapesquisaemprica sobre o funcionamento do mecanismo de consultas pblicas para o tema da universalizao de servios de telecomunicaes, permitindo avaliar os potenciais ou dficits democrticos desse mecanismo. Osmecanismosdeaccountabilitydeliberativavertical,comoconsultaseaudincias pblicas,talcomoapresentadosporMattos(2006),contudo,soinstrumentosque demonstramestgiosavanadosdoquepodemoschamardemomentosdeporosidadedas instnciasburocrticas.Pressupemeconcretizamtantoodireitoinformaoquantoo direitodeparticipao.EmespaosdoPoderExecutivoondenoexistemtaismecanismos, no entanto, um primeiro momento de porosidade pode ser avaliado, por exemplo, em termos de mecanismos de acesso informao e condies de transparncia. Adotando o critrio desenvolvido por Michelle Ratton Sanchez (2004, p. 101-2) sobre formas de participao de atores no estatais na Organizao Mundial do Comrcio (OMC), a partirdaclassificaodaOrganizaoparaaCooperaoeDesenvolvimentoEconmico (OCDE) para participao civil na definio da poltica no nvel nacional, nota-se que:Ainformaoidentificadacomoaformamaissimplesparaa participao; o que s vezes tambm lhe d o ttulo de requisito essencial ao processodeparticipao.[...]Emgeral,ainformaogarantidapela publicaodedocumentos,pelaveiculaodostrabalhosdesenvolvidosna organizaoepeloacessoareunieseeventosdaorganizao.Alia-se intrinsecamenteaoprincpiodatransparncia.Essemecanismodepende, almdeumapolticadaorganizaoqueoapie,dasuaregulamentao efetiva,paraqueassimasinstituiestenhamcinciadainformaoque podem obter e de seus limites. Para que a informao seja considerada uma formaeficazdeparticipaodevesercompleta,objetiva,confivel,tile fcil de encontrar e entender. Comrelaoscondiesdetransparncia,adotandoumconceitoativode transparncia, em oposio ao de secretismo, segundo Florini (1998):Justwhatistransparency?Putsimply,transparencyistheoppositeof secrecy. Secrecy means deliberately hiding your actions; transparency means deliberatelyrevealingthem.Thiselementofvolitionmakesthegrowing acceptanceoftransparencymuchmorethanaresignedsurrendertothe technologicallyfacilitatedintrusivenessoftheInformationAge. 37 Transparencyisachoice,encouragedbychangingattitudesaboutwhat constitutes appropriate behavior. Nesse sentido, o relatrio Citizens as partners: Information, Consultation and Public ParticipationinPolicy-making,daOCDE(2001,p.12)sugerequeacessoinformaoe condies de transparncia so faces de uma mesma moeda. Enquanto o acesso informao centra-senaidiadabuscapelainformaopordeterminadoator,aoagentequecontrolaa informao cabe ser transparente, na medida em que dissemina ativamente informao, ainda quenoprovocado.Damesmaforma,agarantiadoacessoinformao,dependedo equilbrio entre o direito de acesso e o limite do segredo oficial. Noatualcontextodedefiniodeagendadapolticaexternabrasileira,uma investigaoinicialsobreexistnciademecanismosdeparticipaopblicadiretadeatores nogovernamentaisnombitodoPoderExecutivoindicaquenoexistemespaospara interlocuosistemticaentreessesatores50.Essassugestes,noentanto,explicam-semais pela centralidade dada ao espao de deciso no Ministrio das Relaes Exteriores e falta de estgios avanados de porosidade dessa instituio do que no lcus efetivamente mais amplo queenvolveoutrasburocraciaseanlisedecondiespreliminaresdeparticipaocomo acessoinformaoetransparncia.Aampliaolegaldoespaodedefinioede participaodeatoresparaaconduodapolticaexternabrasileiraseraprofundadanos captulos que seguem.

50EssaapercepogeraldosatoresqueparticiparamdoSeminrioorganizadopelaAgnciaBrasileirade Cooperao(ABC),nacidadedeBraslia,em10dejulhode2007.Osatoresnogovernamentaisque participaramdesseencontroforam:AssociaoBrasileiradeONGs-ABONG,AoEducativa,Associao BrasileiradeGays,Lsbicas,BissexuaiseTransgneros-AGLBT,CaritasBrasil,CentrodeAoCultural- CENTRACT,CentralGeraldosTrabalhadores-CGT,ConselhoIndigenistaMissionrio-CIMI,Conectas DireitosHumanos,ConfederaodasMulheresdoBrasil,ConfederaoNacionaldosTrabalhadoresna Agricultura-CONTAG,CentralnicadosTrabalhadores-CUT,FASE,FrumBrasileirodeONGse MovimentosSociaisparaoMeioAmbienteeDesenvolvimento-FBOMS,FederaodosTrabalhadoresna AgriculturaFamiliar-FETRAF,ForaSindical,FrumBrasileirodeEconomiaSolidria-FBES,Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas - IBASE, Instituto de Desenvolvimento da Cooperao e Relaes Internacionais - IDECRI, Instituto de Estudos Socioeconmicos - INESC, Instituto PauloFreire, Instituto Plis, Movimentos dos Trabalhadores Sem-Terra - MST, Rede Brasileira pela Integrao dos Povos - Rebrip. V. ABC (MRE),SeminriocomONGsbrasileiraspromovedebatesobreopapeldacooperaotcnica.Disponvel em: . Acesso em: ago. 2007.38 3.DESCENTRALIZAOHORIZONTALDAPOLTICA EXTERNA:oMREcomocoordenadordosaspectosexternosda definio de agenda de polticas pblicas 3.1. O objetivo e a estrutura deste captulo. Nestecaptuloestudadodeformamaisdetalhadaoprocessodereconfiguraodo Poder Executivo Federal que traduz a ampliao dos espaos de definio da poltica externa, levando-seemcontaainserodenovastemticasenovosatoresalmdoMRE.Trata-se, numprimeiromomento,dacontextualizaodesseprocessopelaanlisemaisamplade transformaoe,principalmente,fragmentaopblicadadiplomaciacontempornea.Na seqncia, feita uma anlise da estrutura legal que busca representar tanto a descentralizao horizontaldapolticaexternabrasileira,ouseja,ascompetnciasdeoutrasagncias burocrticas para definio de agenda de poltica externa, como ocorre com o MMA, quanto incorporaodecompetnciasfuncionaisno mbitodoMRE,especialmentepara atemtica ambiental. A partir deste exemplo de ampliao dos canais formais de definio da agenda da polticaexterna,procura-se,ento,vislumbrarasformasdeinterao(concorrenteou complementar) entre as diferentes burocracias (MRE e MMA). Por fim, ainda com recurso anliselegal,questiona-seaexistnciadecanaisdeparticipaodeatoresnoestatais,em umaououtraburocracia,bemcomomecanismosquepossamseracionadosparaoacesso informao quanto definio de suas polticas. 3.2. Descentralizao horizontal da poltica externa Juntosmudanasnanaturezadapolticaexterna,noserianovidadeuma transformaoparaleladadiplomaciaencarregadatradicionalmentedesuaconduo.Junto fundamentalmenteinserodenovastemticas,segueumaincrvelampliaodapautada polticaexternaeconsequentenecessidadedeacompanhamentodeumnmerocadavez 39 maiore mais complexo deatividades internacionais, como no caso dasdiversas negociaes multilaterais,eprincipalmentedosaspectosinternacionaisdasvriaspolticaspblicas51. Comoanunciadonaintroduo,portanto, jno maisnovidadedeclararainsuficinciado modelodecondutadiplomtico-estratgicaparacaracterizaraatuaodadiplomacia contempornea.Tambmnomaisadequadoexplicaraconduodapolticaexternapelo fenmenodeinsulamentoburocrticonombitodosMinistriosdeRelaesExteriorese serviodiplomtico(Barston,2006,p.1).Comopensarentoaatuaodadiplomacia contempornea,emparticularnombitodoPoderExecutivo,nocontextodetransformao da natureza da poltica externa e de redemocratizao? As transformaes da diplomacia observadas nas ltimas dcadas so explicadas pela contraposio de caractersticas da diplomacia tradicional, precipuamente desempenhada pelo corpodiplomtico,emrelaodiplomaciacontempornea,conduzidapordiversosatores, oficiais e no oficiais, governamentais e no governamentais. Diversos autores atentaram para essas transformaes e apresentam o debate nos seguintes termos: diplomatas desempenhando papeldegatekeepersvs.policymakers,emummovimentodecentralizaovs.difuso, para atender uma dinmica de diplomacia cada vez mais multilateral do que apenas bilateral (Hocking,1999);umadiplomaciatrack-one(oficial),contrapostaatrack-twoouainda multi-track(Diamond,1996);opapeltradicionaldosdiplomatascomointernational operators ultrapassados por uma diplomacia direct-dial (Barridge, 2005, p.15), diplomacia secreta vs. diplomacia pblica (Ross, 2002) ou ainda diplomacia total (Devin, 2007). Algunsautoresexpressamessesbinmioscaractersticosdasrecentestransformaes como forma de enfraquecimento ou declnio da diplomacia clssica (Barston, 2006; Hocking, 1999;Hill,2004).Issosedaria,sobretudo,pelaperdadomonopliodosMinistriosde Relaes Exteriores em relao crescente importncia de outros atores pblicos e privados. De outro lado, parte da literatura coloca essas alternativas em termos de evoluo, adaptao ou modernizao da diplomacia tradicional (Cohen, 2002; Devin, 2007). Nasduaslinhas,demodoconcorrenteoucomplementar,aimportnciadoPoder Executivoaindacentralnaconduodapolticaexterna.Aemergnciaeofortalecimento

51 Isso ocorreprincipalmente em razo da ampliaodo carter intermstico de aproximao das questes de poltica externa com relao s demais polticas pblicas ao passo que asltimas adquirem crescentedimenso internacional. V. nota de roda-p 16.40 de umadiplomacia presidencial apresentam parte desse movimento de transformao (Preto, 2006).Porm,enquantoumanovadiplomaciapresidencialganhadestaque,resgatandoe fortalecendo a atuaodiplomticadoChefede Estado,oprocessodefragmentaopblica dadiplomaciacontempornea(Devin,2007)chamaatenoparaumatransformaomais silenciosa.Aparece,assim,aparticipaodeimportnciacrescentedosoutrospoderes (Legislativo e Judicirio) e outras instncias do prprio Executivo nos nveis subnacionais e, sobretudo,nombitodeoutrasagnciasdoprprioexecutivofederal.Juntoaessa fragmentaopblicanosampliamosespaosburocrticosdedefiniodapoltica externa,mastambmsetornarammaisacessveisaspossiblidadesdeinterlocuodiretade atores n