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    HUSCAR FIALHO PESSALI

    TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAO:UMA AVALIAO LUZ DE DIFERENTES CORRENTES DO

    PENSAMENTO ECONMICO

    Dissertao apresentada como requisito

    parcial obteno do grau de Mestre.

    Curso de Mestrado em Desenvolvimento

    Econmico, Setor de Cincias Sociais

    Aplicadas da Universidade Federal do

    Paran.

    Orientador: Professor Doutor Ramn

    Vicente Garca Fernndez.

    CURITIBA

    1998

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    HUSCAR FIALHO PESSALI

    TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAO:UMA AVALIAO LUZ DE DIFERENTES CORRENTES DO

    PENSAMENTO ECONMICO

    Dissertao apresentada como requisito

    parcial obteno do grau de Mestre.

    Curso de Mestrado em Desenvol-

    vimento Econmico, Setor de Cincias

    Sociais Aplicadas da Universidade

    Federal do Paran.

    Orientador: Professor Doutor Ramn

    Vicente Garca Fernndez.

    CURITIBA

    1998

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    HUSCAR FIALHO PESSALI

    TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAO

    UMA AVALIAO LUZ DE DIFERENTES CORRENTES DOPENSAMENTO ECONMICO

    Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de

    Mestre no Curso de Mestrado em Desenvolvimento Econmico daUniversidade Federal do Paran, pela Comisso formada pelos professores:

    Orientador: _________________________________________________

    Prof. Doutor Ramn Vicente Garca Fernndez

    Setor de Cincias Sociais Aplicadas, UFPR

    _________________________________________________

    Profa. Doutora Leda Maria Paulani

    Faculdade de Economia e Administrao, USP

    _________________________________________________Prof. Doutor Jos Gabriel Porcile Meirelles

    Setor de Cincias Sociais Aplicadas, UFPR

    Curitiba, 04 de maio de 1998.

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    Com amor e admirao, minha me e

    minha av, e em memria de meu primo

    Wilton, que fez algo que um grande amigo

    no deveria jamais fazer: partiu.

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    "Hoc opus, hic labor est."

    ("Esse o trabalho, essa a fadiga.")

    Virglio, na Eneida.

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    AGRADECIMENTOS

    Vejo hoje os ltimos dois anos passarem diante dos olhos, acreditando tertentado o melhor para faz-los proveitosos. E claro que vrias pessoas estiveram (e

    muitas felizmente ainda esto) em velado conluio comigo nessa tentativa. Na parte mais

    lida nas dissertaes, quero entregar todos os cmplices, em ordem cronolgica.

    Como explicou meu (corajoso) orientador, Professor Ramn, em seu tratado

    sobre os Agradecimentos (nos Agradecimentos de sua Tese de Doutoramento), no vou

    fazer aqui o preenchimento de um formulrio: na verdade, vou passar por ele

    escrevendo at no verso. No vou fazer uma relao padro com nomes e respectivas

    contribuies como se tivesse que ocupar o menor espao possvel e conter sentimentos

    como no texto cientfico. Afinal de contas, este trabalho no foi fruto apenas de horas

    dedicadas ao estudo, dentro e fora das salas de aula, nos debates, seminrios, cursos,

    apresentaes, etc. Ele foi fruto de cada uma das 24 horas de cada um dos dias que

    passei no Mestrado. Portanto, muitos devem ser lembrados.

    Obviamente, tudo comea com o suporte da famlia: obrigado Ilka e Dona

    Lodica. A elas seria preciso reservar vrias pginas do formulrio para expressar minha

    gratido. Para poupar o leitor, vou faz-lo pessoalmente. E se no fosse minha prima

    Ana Teresa, esta pgina no existiria. Obrigado tambm Celinha.

    Uma vez aprovado para o Mestrado, a possibilidade de me dedicar

    exclusivamente s foi possvel com o suporte financeiro do Estado Brasileiro, atravs

    da CAPES. A eles registro meu respeitoso agradecimento.

    Cristhiane me encorajou. E as amizades em Curitiba seguraram a barra daadaptao: Alessandra Dodl, di Picolli e Sonia Hanemann. E tambm a Mrian o

    Salrio e sua Claudinha. E tambm o pessoal da turma: Caj, Sandra, Eduardo,

    Anderson e Lo. E de outras turmas: Guilherme, Ricardo e Hugo. Aos amigos que no

    do a mnima para o tempo e para a distncia, Leonardo e Evandro, agradeo sempre.

    sempre difcil saber em quanto e em que nossos professores mais

    contriburam, e s o tempo pode dizer quanto subestimamos isso. Aos mestres (com

    carinho) Francisco Cipolla, Aldair Rizzi, Merle Faminow e Hugh Schwartz, no posso

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    esconder a gratido pela contribuio de cada um em minha formao. Aos professores

    Fbio Scatolin, Divonzir Beloto, Igor Leo e Liana Carleial agradeo o impulso

    constante para o empenho acadmico e para a docncia, e tambm aos professores

    Hermes Higachi e Hugo Boff. Dos cursos para as conversas nos corredores, e delas para

    a amizade, foi esse o caminho mais comum. Do professor Jos Gabriel Porcile Meirelles

    guardo profunda admirao por seu brilhantismo intelectual, que convive com o mais

    nobre carter, repleto de bom humor, pacincia, encorajamento e respeito pelos que

    esto comeando. Ao professor Victor Pelaez devo ainda o desembarao do novelo

    antes de entrar no labirinto, e agradeo a pacincia de conferir e ainda iluminar, no

    seminrio interno que precede a defesa, as desventuras de Teseu. s professoras

    Vanessa Petrelli e Margarida Baptista agradeo pelas atenciosas observaes e

    sugestes ao trabalho. " Last, but not least", meu agradecimento ao patro, professor

    Nilson Maciel de Paula, pelo apoio e ateno intermitentes, pelas sbias recomendaes

    ao longo de todo o curso e pela confiana nas ocasies em que forcei a restrio

    oramentria do Mestrado.

    Quando procurei o professor Ramn Vicente Garca Fernndez a fim de solicitar

    oficialmente orientao para a dissertao, pedi apenas que no me poupasse. Agora

    minha oportunidade de no poup-lo. Na verdade, acho que deveria tambm reservar

    algumas pginas s para falar a respeito disso. Em primeiro lugar, agradeo pelos

    valiosos emprstimos de CD's. Depois, pelos emprstimos dos livros e textos que

    sustentaram a pesquisa. A ele devo muito mais que os prstimos pela orientao

    acadmica, e no vou deter-me a falar quantas e quais foram as vezes em que sua

    genialidade limpou trilhas sinistras em que enveredei. Nem vou referir-me serenidade

    e pacincia com que sempre me ouviu, aplacando as angstias no poucas. Ainda

    menos falarei de seu literatismo, de seu hbil e tranqilo manejo de vastas reas do

    conhecimento, e de seu irrepreensvel carter. Portanto, sem pieguice, nada tenho a

    falar, sequer um elogio a fazer. Apenas obrigado, Ramn.

    Muitssimo devo aos amigos Fabiano Dalto e Maurcio Costa. E tambm ao

    Claudencio Ferreira, Maria Cilene e Antnio Zanatta, Ricardo Cifuentes, Pedro Loyola,

    Adriana Sbicca e Fernanda.

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    Tudo teria sido muito mais complicado se no fosse o trabalho, a alegria, a

    jovialidade, o carinho e a elegncia da Rosa. E o que seria se a Ivone no continuasse

    no apoio executivo com toda presteza? E sem a Dirce nas emergncias com o

    fliperama? Espero que a concluso do curso me faa parar de dar (muito) trabalho

    secretaria e ao CEPEC, e seja essa a mnima e devida recompensa e o meu mais sincero

    agradecimento a elas.

    Agradeo aos professores Demian Castro e Walter Shima pela disposio para

    um bate-papo, qual fosse o assunto, inclusive economia, e pela pacincia e confiana

    num "rookie" para assuntos de trabalho..

    H algumas pessoas que no fazem (faro ou fariam) a menor idia da minhaexistncia, mas ajudaram de forma inestimvel a recobrar a tranqilidade quando a

    presso aumentava. Obrigado a Chris Squire, Steve Howe, Jon Anderson, Rick

    Wakeman, Alan White, Bill Bruford, Tony Kaye, Trevor Rabin e Geoff Downes; a

    Beethoven, Lloyd Cole, Cartola, Vincius, Carlos Drummond de Andrade e ao

    admirvel Aldous Leonard Huxley; a Goscinny e Uderzo e ao Simo; a Salvador Dal; e

    a Ridley Scott e Philip K. Dick.

    Por fim, como no poderia deixar de ser, agradeo Adriana pelo amor e pelaenorme pacincia. A ela atribuo a maior contradio deste trabalho: o melhor motivo

    para que s vezes a pesquisa fosse interrompida, e o melhor motivo para que fosse logo

    terminada.

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    SUMRIO

    LISTA DE QUADROS ........................................................................................................ xi

    LISTA DE FIGURAS .......................................................................................................... xiLISTA DE ABREVIATURAS............................................................................................. xi

    RESUMO.............................................................................................................................xii

    ABSTRACT .......................................................................................................................xiii

    1 INTRODUO.................................................................................................................. 1

    2 AS IDIAS ORIGINAIS DE COASE ............................................................................. 11

    3 A TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAO DE OLIVER E. WILLIAMSON.......... 17

    3.1 A Unidade de Anlise.................................................................................................... 19

    3.2 Atributos Humanos e Supostos Comportamentais: Racionalidade Limitada,Oportunismo, Busca da Eficincia e o Processo Seletivo .............................................. 24

    3.3 As Dimenses Analticas das Transaes (Especificidade do Ativo, Incerteza eFreqncia) e os Arranjos Institucionais Decorrentes.................................................... 32

    4 UMA APRESENTAO S CRTICAS DA TEORIA DOS CUSTOS DETRANSAO................................................................................................................ 43

    4.1 Fontes Crticas Evolucionistas ...................................................................................... 44

    4.1.1 Consideraes dinmicas: aprendizado, competncias e construo de alternativasno processo de competio ............................................................................................. 45

    4.1.2 Conhecimento tcito e social, competncias e os custos dinmicos de transao ..... 494.1.3 Regimes inovativos e eficincia esttica versus eficincia dinmica......................... 55

    4.1.4 No tempo real: aprendizado, cooperao e atributos humanos desenvolvidos ... 60

    4.1.5 Esttica comparativa unidimensional e dinmica co-evolucionria........................... 64

    4.1.6 O insistente convite perspectiva evolucionista........................................................ 65

    4.2 Fontes Crticas na Economia Poltica............................................................................ 67

    4.2.1 Mercados e firmas: estaticamente alternativos ou dinamicamentecomplementares? ............................................................................................................ 69

    4.2.2 Poder ou eficincia? O problema da racionalizao ex post...................................... 734.2.3 Oportunismo: perigo eminente, relevante e ubquo ou pobre descrio da natureza

    humana?.......................................................................................................................... 82

    4.3 Fontes Crticas Institucionalistas (Old Institutional Economics) .................................. 87

    4.3.1 Herana corrompida? O conceito de transao em Williamson e em Commons....... 88

    4.3.2 Eficincia em socorro ortodoxia, poder, competio e processo seletivo............... 92

    4.3.3 Institucionalismo sem feed-back institucional ......................................................... 100

    4.3.4 Oportunismo: simplismo e inconsistncias .............................................................. 103

    4.3.5 Racionalidade limitada e maximizao: incompatibilidade espera de resoluo.. 107

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    4.4 Fontes Crticas Neoclssicas ....................................................................................... 110

    4.4.1 O nexo de contratos e a superfluidade da autoridade............................................... 112

    4.4.2 Sugestes de alianas para a TCT............................................................................ 121

    5 CONCLUSES .............................................................................................................. 126REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................................. 132

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    LISTA DE QUADROS

    1 Atributos do Processo de Contratao............................................................................ 37

    2 Efeitos da Difuso do Aprendizado Sobre os Limites da Firma .................................... 61

    LISTA DE FIGURAS

    1 Respostas Organizacionais Incerteza........................................................................... 39

    2 Esquema Simples de Contratao .................................................................................. 41

    3 O Caso Paradigmtico da Integrao Vertical................................................................ 43

    4 Arranjos Contratuais Alternativos................................................................................ 121

    5 Proposta de Joskow para Integrao Terica ............................................................... 129

    LISTA DE ABREVIATURAS

    TCT - Teoria dos Custos de Transao

    NEI - Nova Economia Institucional

    OIE - Old Institutional Economics

    MOI - Moderna Organizao Industrial

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    RESUMO

    A TCT tem sido considerada a "nova ortodoxia" da teoria da firma. Seus pilares tericos so constitudos pelos supostos atribudos ao "homemcontratual" de racionalidade limitada, oportunismo e busca da eficincia, queinterage economicamente atravs de transaes. As transaes possuematributos analticos elementares (especificidade dos ativos envolvidos,freqncia de realizao e incerteza envolvida) que se apresentam emdiferentes nveis para diferentes formas de organizao das mesmas,operacionalizando o estudo dos limites entre firmas, mercados e arranjosintermedirios ou hbridos. Ocupando posio to vistosa, a TCT vemrecebendo crticas tanto do mainstream neoclssico, por afastar-se de seuncleo terico, quanto de diferentes correntes heterodoxas do pensamentoeconmico, que possuem vrios pontos de contato. Tais intersees existemem assuntos relacionados principalmente a consideraes analticas de poder,a processos seletivos co-determinados e artificiais, e ao uso consistente doconceito de racionalidade limitada, com importantes implicaes para anfase exclusiva dada pela TCT na eficincia; h tambm argumentos em prolde uma caracterizao mais ampla de importantes atributos humanos que noapenas o oportunismo. Essas coincidncias sugerem novas direes para umaagenda de pesquisa reformulada em tom pluralista da teoria da firma.

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    ABSTRACT

    TCT has been regarded as the "new orthodoxy" in the theory of firms. Itstheoretical framework relies mainly on the assumptions of bounded

    rationality, opportunism, and efficiency pursuit as features of the contracting

    man, who operates economic transactions with different degrees of

    elementary attributes (specificity of engaged assets, frequency and underlying

    uncertainty) regarding each form of its organization, allowing for the

    analysis of the limits between firms, markets and hybrid forms. In such a

    central position, TCT is the target of several criticism from mainstream

    economics, for TCT be departing from the neoclassical theoretical core, as

    much as from different non orthodox streams of economic thought, which

    ideas have several touching points. These intersections relate mainly to the

    relevance of power aspects, artificial or co-evolutionary selection precesses,and a more consistent use of the bounded rationality concept, all these with

    paramount consequences over the very emphasis of TCT in efficiency. A

    broader treatment of human attributes in which not only opportunism play a

    central role is also claimed. These coincidences are suggestive of new

    directions towards a new and pluralistic research agenda for the theory of

    the firm.

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    1 INTRODUO

    O tema e sua escolha

    Imagine a presena de um visitante de Marte no espao prximo Terra, equipado

    com um telescpio capaz de revelar estruturas scio-econmicas (para ele ainda

    desconhecidas em sua misso exploratria sobre nosso planeta). No foco de seu aparelho,

    firmas aparecem como manchas verdes slidas, com alguns contornos internos tnues,

    indicando sua diviso em setores ou departamentos. As transaes de mercado aparecem

    como linhas vermelhas, ligando as manchas verdes e formando redes entre elas. Dentro das

    firmas, ou mesmo entre elas, o visitante observa linhas azuis plidas, que indicam os canaisde autoridade ligando patres e empregados, e empregados de diferentes nveis

    hierrquicos. Com alguma freqncia, possvel observar manchas verdes que se dividem

    ou que desprendem de si pedaos menores, enquanto outras manchas absorvem ou so

    absorvidas por outras. E este um panorama ubquo, quer seja observando os Estados

    Unidos, a China urbana, ou qualquer outro pas ou regio do planeta, embora a densidade

    das estruturas se apresente diferente entre elas. Tendo observado o suficiente, o visitante

    envia ento uma mensagem para casa descrevendo o que viu: grandes manchas verdesligadas por linhas vermelhas - e no um emaranhado de linhas vermelhas ligando pontos

    verdes. Quando, ento, toma conhecimento do que significam aqueles elementos,

    surpreende-se: se as manchas verdes so organizaes e as linhas vermelhas representam

    as transaes de mercado, como pode aquele sistema de estruturas ser apropriadamente

    chamado de "economia de mercado", e no de "economia organizacional"?

    Essa uma breve apresentao da parbola construda por Herbert SIMON (1991,

    p. 27-8) para propor que na verdade nos deparamos com um rtulo enganoso para umsistema essencial de estruturas, o econmico, entrelaado de forma indesatvel numa fase

    particular e rica da histria da humanidade - o capitalismo. Diante da parbola de Simon,

    parece um absurdo insistir em dizer que tal sistema composto por "economias (nacionais,

    quando muito) de mercado". Para o cientista social, e particularmente para o economista, a

    questo no se resume semntica: o duvidoso jargo impele teorias e estudos empricos, e

    mesmo discusses diletantes e o senso comum, a tomarem o mercado como ponto de

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    partida, parmetro virtualmente sempre possvel, e mesmo estado natural das relaes

    econmicas, para sua interpretao do mundo em que vivem.

    A parbola de Simon foi decisiva (seno fulminante) na escolha do tema desta

    dissertao, no s por seu contedo instigante, mas tambm pela forma e o contexto de

    sua apresentao nas no menos incitantes aulas de Microeconomia do Professor Ramn.

    Com ela fui apresentado s idias bsicas da "faco micro" da Nova Economia Institu-

    cional (doravante NEI), cujo cerne de pesquisa , em termos gerais, a construo de uma

    explicao para a parbola. Ronald Coase, economista ingls, escreve na dcada de 30 um

    artigo intitulado "The Nature of the Firm" (COASE, 1937) que se tornaria seminal ao ser

    reconhecido como o ponto de partida para o novo enfoque econmico das instituies, e

    que 54 anos depois de publicado seria o principal responsvel por seu laureamento com um

    Prmio Nobel. Duas questes impulsionam suas idias: i) j que o mercado tradicional-

    mente considerado a forma eficiente de alocao dos recursos atravs do mecanismo de

    preos, qual a razo de existncia das firmas, uma vez que se estruturam justamente a

    partir da fuga ou recusa de tal mecanismo?; e ii) se as firmas conseguem reduzir ou

    eliminar custos que o uso do mercado impe, organizando de modo mais eficiente a

    produo, por que no temos, ento, uma nica grande firma responsvel por toda ela? Ou

    seja, tenta-se explicar a razo de existncia das firmas e os determinantes de seus limites.

    A Teoria dos Custos de Transao (TCT) pode ser considerada a linha bsica dos trabalhos

    da NEI sobre tais preocupaes, embora outras linhas de pesquisa se desenvolvam em

    paralelo ou mesmo com pontos de contato. A TCT reconhecidamente deriva de COASE

    (1937), a partir da recuperao das idias originais de seu artigo e do desenvolvimento

    terico deflagrado em meados da dcada de 70 por Oliver Eaton Williamson, nome com o

    qual, alis, praticamente funde-se desde ento - e por isso resolvemos neste trabalho

    identificar a TCT com os desenvolvimentos tericos de Williamson.

    No entanto, foi possvel perceber a partir de ento que os danos do termo

    "economia de mercado" alegados por Simon (considerado um dos inspiradores da NEI) e a

    preocupao com as instituies humanas no seu entrelaamento com a esfera econmica

    no eram a descoberta da plvora conclamada pelos partidrios dessa nova linha do

    pensamento econmico. De certa forma, vrios outros pensadores e economistas tiveram

    tais preocupaes, mas no foram chamados de "institucionalistas" porque no as deixaram

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    suficientemente explcitas (ou porque o ttulo ainda no existia ou no fora pensado, ou

    no tinha importncia), como possvel cogitar a respeito de Karl Marx, Joseph

    Schumpeter e John M. Keynes, por exemplo. Interessante que, pelo menos 30 anos antes

    do artigo de Coase, outros pensadores foram os responsveis pelo surgimento do termo

    "institucionalistas", como Thorstein Veblen1 e John Commons, mas eram virulentamente

    opostos ao mtodo e teoria neoclssica, o que acabou cerceando maiores esperanas de

    projeo no crculo acadmico e de influncia em esferas de poltica econmica. No toa,

    portanto, economistas polticos, evolucionistas neo-schumpeterianos, institucionalistas

    "originais" e ps-keynesianos (estes em menor grau, ao que parece) tm demonstrado

    interesse na NEI e, particularmente, na TCT.

    O objetivo

    Em decorrncia das inquietaes apresentadas acima, objetivamos nesta dissertao

    efetuar um balano crtico da estrutura tericas da TCT, tentando apontar, ao fim, o que

    poderia ser considerada a base de uma agenda relevante de pesquisa para uma teoria mais

    abrangente da firma.2 Observamos desde j que as crticas TCT distribuem-se em largo

    escopo, considerando-a, em alguns casos extremos da heterodoxia, absolutamente

    descartvel ao ser interpretada como extenso da teoria neoclssica, enquanto a prpria

    teoria neoclssica considera imprprias as incurses feitas fora de seu ncleo terico.3 No

    obstante, em boa parte delas reconhecida a validade analtica de alguns de seus

    elementos fundamentais, como a racionalidade limitada, a incerteza e as transaes como

    unidade de anlise, bem como a legitimidade de sua preocupao com os limites das firmas

    (obviamente, no sem crticas).

    Ao longo da pesquisa tentamos selecionar da maneira mais abrangente possvel

    material bibliogrfico que se reportasse TCT, a princpio com critrios mais frouxos de

    1 Veblen chegou a ser elogiado como um dos maiores pensadores sociais de seu tempo porningum menos que seu contemporneo Albert Einsten (cf. MONASTRIO, 1998, p. 30).

    2 Muitas vezes o termo "Teoria dos Custos de Transao" tem tambm referncia naliteratura como a "Economia dos Custos de Transao". Por exemplo, vide SIFFERT FILHO(1995, p. 103) e o prprio WILLIAMSON (1985, cap. 1 e 1989, p. 135). Falaremos sobre anatureza da distino que fazemos um pouco mais frente.

    3

    No deixa de ser vlido comentar que o prprio Williamson, ao longo de seus trabalhos,est predominantemente preocupado com as crticas de origem neoclssica.

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    seleo. Isso porque vamos a possibilidade de dois enfoques para trabalhar sobre as fontes

    crticas: uma distino por temas (e.g., uma seo para anlise das crticas ao suposto

    comportamental de oportunismo), ou uma distino por correntes do pensamento

    econmico (e.g., uma seo que reunisse os vrios temas crticas oriundos de autores neo-

    schumpeterianos) e cada uma das alternativas tinha seus desafios peculiares. Em vrias

    ocasies fomos encorajados a trabalhar com a segunda alternativa e, por isso, enfrentar o

    desafio de qualificar os autores de acordo com suas bases terica e metodolgica, o que na

    maior parte dos casos constituiu tarefa complicada, cujo resultado nem sempre pde ser

    justo o suficiente para revelar todas as nuances e a amplitude da obra de alguns deles.

    Contando com alguma pacincia e tolerncia acadmica para a compreenso de tal

    obstculo, foi o rumo escolhido, e por conseqncia reservamos um captulo para a anlise

    das crticas que se divide em quatro sees, cada uma reservada para diferentes linhas de

    pensamento: autores evolucionistas (ou neo-schumpeterianos), da economia poltica,

    institucionalistas norte-americanos ("legtimos", do "velho estilo", ou "originais")4 e

    neoclssicos.

    Vale notar que nosso intuito no apresentar ou elaborar para cada uma das sees

    a teoria das instituies ou das firmas de cada corrente, como corpos tericos fechados e

    alternativos TCT, mas os elementos desta que tais correntes consideram problemticos e

    que deveriam ser modificados ou abandonados, ou ter seu tratamento aprofundado, e suas

    explicaes para tanto. Quando avalivamos o enfoque de pesquisa por temas, como

    mencionado h pouco, vamos outras oportunidades e dificuldades distintas das que

    acabamos enfrentando, dentre as quais a possibilidade de reunir as correntes no ortodoxas

    por sua afinidade metodolgica em torno do no reducionismo. Como sugerido por

    FERNNDEZ (1996a, p. 159, nota de rodap 8), parece haver uma crescente simpatia nos

    diversos programas de pesquisa crticos ao mainstream neoclssico em enfatizar suas

    semelhanas e sobre elas trabalharem, podendo isso resultar - voluntariamente ou no -,

    numa linha nica de pensamento (embora provavelmente complexa e ecltica, com os

    4 Como tratados por Sherry Melecki no informativo da Association for Evolutionary

    Economics - AFEE News, vol. 3, n. 1, de agosto de 1996. A AFEE a organizao que rene osprincipais pesquisadores desta linha.

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    devidos mritos a uma cincia econmica realmente social) alternativa quele.5 E, neste

    caminho, estaramos tentados a elaborar algo como uma "sntese no reducionista" da

    teoria da firma, o que seria bastante ousado para uma dissertao de mestrado. Essa

    proposio negativista tambm afetou a escolha pelo outro caminho, mas no de forma

    desoladora. Pelo contrrio, a linha que seguimos permitiu constatar quo variados so os

    pontos de contato entre as correntes no ortodoxas em suas crticas TCT, fazendo mais

    slida a idia da sntese, ou pelo menos da elaborao de agendas de pesquisas cujos focos

    possam em boa parte coincidir. A partir disso, a discusso terica e os trabalhos empricos

    decorrentes podem ser mais frutferos, j que menos dispersos.

    Uma pequena digresso sobre a insatisfao para com o mainstream neoclssico

    Podemos nesta altura tornar mais explcito um outro elemento propulsor desta pes-

    quisa: uma j conhecida insatisfao com relao microeconomia tradicional, bastante

    comum entre aqueles com uma formao acadmica no ortodoxa (onde nos inclumos),

    embora no restrito a eles. O incmodo tem origem na abordagem padronizada que aquela

    aplica s organizaes, resumindo-as basicamente a funes de produo bem comporta-

    das, considerando procedimentos homogneos de otimizao, adotando um modelo de

    comportamento humano em que os agentes detm uma racionalidade global ou substantiva

    dentro de um mundo sem incerteza (ou que pode ser resumido a eventos com diferentes

    probabilidades em distribuies conhecidas), e tomam decises independentes no tempo.

    Tal incmodo vem h muito manifesto na chamada "controvrsia marginalista."6

    Compartilhando a inquietao, acreditamos ser til avanar em outros nveis de anlise,

    como julgamos ser o caso para o nvel das transaes, como forma de jogar luzes dentro

    (ou tornar menos opacas as paredes) da "caixa-preta" apresentada pela teoria tradicional.7

    5 No obstante possa, ao contrrio, resultar numa disperso infrutfera de esforos, enquantodeveriam ser agrupados para a superao definitiva dos postulados neoclssicos, como sugerido porPhilip Mirowski (citado por FERNNDEZ, 1995, p. 4-5).

    6 Para uma apresentao da "controvrsia marginalista", vide A. KOUTSOYIANNIS (1979,cap. 11).

    7 Como evidenciam HAMILTON e FEENSTRA (1995, p. 57): "We believe, however, that,in the study of economic organization, a transactional level is necessary, because it represents alevel of analysis in which economic action can be conceptualized in subjectively meaningful

    terms.[...] It is the duality of market and hierarchy, a duality between price and the entrepreneur asindependent but interrelated modes for organizing market activities, that serves as the basis for

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    6

    Mas esse tambm o motivo de termos reservado uma seo de crticas TCT para os

    economistas mais prximos teoria neoclssica tradicional.

    Como observamos h pouco, a TCT vista por alguns como pura extenso da

    teoria neoclssica da firma, enquanto outros a vem com uma base dividida - um p sobre

    os alicerces tradicionais e o outro sobre alicerces prprios, externos ortodoxia - como,

    alis, pode ser ocasionalmente interpretada a posio do prprio Williamson

    (WILLIAMSON, 1989, p. 178; vide tambm DUGGER, 1994, p. 378, e ainda MILLER,

    1993, p. 1043), em meio sua freqente ambigidade - discutida em vrias ocasies ao

    longo deste trabalho. Interpretar a TCT como um bloco terico neoclssico que incursiona

    em hipteses mais realistas ou como um bloco no ortodoxo que procura a aceitao no

    mainstream pode resultar numa discusso interminvel, podendo obscurecer os insights

    por ela proporcionados para o estudo das organizaes. A despeito da direo em que

    surjam, so justamente as diferenas com relao ao mainstream que despertam as

    principais expectativas de avano, j que parecem abrir "precedentes" para incurses no

    ortodoxas, mesmo que os braos da teoria neoclssica tentem ainda reter ou tratar os novos

    insights como acrscimos em seu corpo terico, principalmente atravs da manuteno de

    seu "ncleo rgido", com maior formalizao e em acordo com sua viso positiva e aditiva

    do conhecimento. O prprio Williamson, tendo por base a alegao da complexidade da

    TCT relacionada , ou mesmo imposta pela, interdisciplinaridade de sua abordagem (e, a

    nosso ver, o seu usual comportamento no afrontador), deixa uma lacuna ao mesmo tempo

    coerente - posto que no pretende com a TCT elaborar um compndio da humanidade -,

    retoricamente protetora, e tambm convidativa ao afirmar: "transaction cost economics

    should often be used in addition to, rather to the exclusion of, alternative approaches"

    (WILLIAMSON, 1985, p. 18).

    Uma considerao importante a ser feita que, quer sejam consideradas recentes

    abordagens completamente divergentes da ortodoxia, como em POSSAS (1993a e 1993b),

    ou outras ainda nelas enraizadas, como em NORTH (1993a,b) e BATES (1993), busca-se

    revigorar a interao entre os indivduos, as firmas e o ambiente institucional em que

    atuam. A despeito das grandes diferenas, relevante notar a preocupao em dinamizar as

    Coase's original conceptualization, and without the duality, the conceptualization is strictly a one-handed approach to economic analysis".

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    relaes entre as organizaes e considerar os feedbacks da mudana ambiental ou

    institucional. Embora esta no seja a preocupao de Williamson, seu propsito parece

    conter outra incumbncia relevante como parte da anlise institucional, qual seja, a de

    erigir microfundamentos mais consistentes que os prevalecentes no mainstream

    neoclssico, e conseguir legitim-los. WILLIAMSON (1985, p. 15) alega que "The

    widespread conception of the modern corporation as a 'black box' is the epitome of the

    noninstitutional (or pre-microanalytic) research tradition".

    Sobre a organizao e a apresentao da dissertao

    Em particular, este um trabalho que recorre com freqncia a referncias e

    citaes, como se poderia esperar pela natureza da pesquisa. Ao longo de sua elaborao,

    duas peculiaridades se fizeram apresentar. A primeira foi encontrar espao para autores

    que, apesar de terem clara afinidade com uma determinada corrente, no confinam suas

    crticas particulares ao que plural ou "consensual" dentro dela, muitas vezes abordando

    questes tratadas com maior nfase e de forma generalizada por outra corrente. Para que

    no fossem por tal motivo tolhidos, o recurso das notas de rodap no foi poupado,

    cumprindo um pouco mais que seu papel tradicional de indicaes e referncias

    bibliogrficas e colaborando para um insight interessante - a evidncia de muitas

    sobreposies crticas nas correntes do pensamento econmico no ortodoxas aqui

    tratadas. Nos rodaps tambm sero apresentados eventuais comentrios de autores ligados

    TCT, geralmente quando h uma contra argumentao para as crticas. Algumas de

    nossas prprias contribuies para o debate eventualmente estaro nos rodaps, para que as

    sees possam cumprir na maior parte do tempo o papel de mostrar a opinio particular

    dos respectivos responsveis por suas epgrafes. No entanto, como se pode imaginar, isso

    nem sempre foi possvel. Esforamo-nos para distinguir (sintaticamente) bem nossas

    incurses no debate, e esperamos que a inteno tenha sido til e minimamente cumprida.

    De volta ao contedo, e em sntese, podemos dizer que a TCT tem uma trajetria de

    desenvolvimento marcada por duas obras principais. A primeira delas, reconhecida como a

    obra originria, o artigo de Ronald Coase na revista Economica, em 1937, intitulado

    "The Nature of the Firm". E a segunda "Markets and Hierarchies: analysis and antitrust

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    implications", livro de Oliver Eaton Williamson, publicado em 1975. Dito isso, vejamos o

    que trata cada um dos quatro captulos que se seguem a este introdutrio.

    O captulo 2 dedicado a apresentar uma ambientao do surgimento e primeiros

    passos das idias referentes aos custos de transao a partir de uma reviso do artigo

    seminal de Ronald Coase (COASE, 1937). Vemos que o prprio COASE (1991) autor de

    alguns comentrios incomodados sobre o reconhecimento da importncia de sua obra, no

    discurso de seu laureamento com o Nobel de Economia, em 1991. Segundo ele, sua obra

    passou muito tempo sendo citada em trabalhos das mais variadas reas, mas nunca de fato

    utilizada para desenvolvimentos da cincia econmica; e tambm disse sentir-se numa

    experincia estranha, como octogenrio, sendo premiado por um trabalho que fez aos seus

    20 anos de idade (cf. SIFFERT FILHO, 1995, p. 108).8 Embora COASE (1937, p. 404)

    argumente que sua teoria (ainda no usando o termo "custos de transao", introduzido trs

    dcadas depois por Harold DEMSETZ, 1968, p. 33) encaixa-se na abordagem tradicional

    de anlise da firma e possa ser operacionalizada pelo instrumental marginalista, os

    desenvolvimentos da microeconomia neoclssica neste longo intervalo de tempo no

    levaram em conta suas idias, detendo-se ao que chamou de "abordagem da teoria dos

    preos aplicada" (COASE, 1972, citado por WILLIAMSON, 1987a, p. 808).

    O captulo 3 apresenta o resgate da idia de Coase e o seu desenvolvimento na

    construo da TCT por Oliver Williamson a partir dos anos 70. Williamson retoma a idia

    dos custos de transao e sobre ela trabalha com o objetivo de construir uma teoria mais

    elaborada da origem e do movimento dos limites das firmas em relao aos mercados. O

    captulo concentra-se justamente nos fundamentos bsicos da TCT, ou seja, nos

    condicionantes essenciais do modelo. Em 1975, o livro "Markets and Hierarchies...",

    mostra em seus quatro primeiros captulos as bases do modelo econmico que estava a

    desenvolver (centrado na idia de que mercados e hierarquias so formas alternativas de

    organizar a produo capitalista), utilizando-as nos captulos seguintes para explicar

    fenmenos empricos, como por exemplo a integrao vertical e a forma "M"

    8 Coase tinha 21 anos quando terminou a primeira verso de "The Nature of the Firm", em1931, ainda antes de ser graduado pela London School of Economics, o que aconteceu um anodepois. A primeira verso do artigo foi submetida revista Economica numa viagem de

    intercmbio acadmico feita por Coase aos Estados Unidos naquele ano, mas a verso final s foipublicada em 1937. Para maiores detalhes, vide CHEUNG (1983, p. 1-2, e 1987a, p. 455).

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    (multidivisional) de estrutura das firmas. O tamanho em si da firma limitado por sua

    capacidade no s de produzir um bem com menores custos que aqueles incorridos na

    produo atomizada no mercado, mas em ter menores custos, somados, de produo e de

    transao - que correspondem aos custos incorridos na transferncia de um bem entre

    interfaces tecnologicamente distintas. Seus trabalhos ganham ainda mais flego na obra

    "The Economic Institutions of Capitalism", publicada em 1985, muito embora j tenham

    influenciado anteriormente vrios outros autores a buscar tanto desenvolvimentos tericos

    incrementais como meios de operacionalizao e testes empricos. Nessa obra, a TCT

    alcana maiores refinamentos, embora sua estrutura seja semelhante obra de 1975,

    utilizando mais espao para explicar o desempenho de diversas instituies capitalistas, e

    em particular o movimento ou evoluo dos limites da firma.9 Sua recente obra, intitulada

    "The Mechanisms of Governance", completa a trilogia de seu programa de pesquisas sobre

    integrao vertical, iniciado em 1971.

    Alm da bvia distino intelectual, um outro fator que acreditamos ter

    impulsionado a TCT foi o espao de debate conseguido com a Universidade de Chicago.

    Oliver Williamson estava na Universidade da Pensilvnia quando deflagrou seu markets

    and hierarchies research program e hoje est em Berkeley, na Universidade da Califrnia,

    e no tem caractersticas estritas dos pesquisadores de Chicago.10 No entanto, sua

    "estratgia" de abordagem e apresentao das idias costumava incluir algumas

    formalizaes em situaes de reducionismo "perigoso"11 e constantes referncias aos

    economistas natos daquele centro - como o prprio R. Coase, K. Arrow, A. Alchian, H.

    Demsetz, G. Stigler, dentre outros. De qualquer modo, Williamson conseguiu estabelecer

    linhas de dilogo que resultaram em referncias constantes ao seu trabalho com a TCT e,

    dessa forma, na divulgao de suas idias. Mas teve tambm o cuidado suficiente de

    estabelecer pontes com outras linhas de pesquisa ou grupos tericos no (tanto) ortodoxos

    9 Segundo WILLIAMSON (1996a, p. 18), sua recente obra, intitulada "The Mechanisms ofGovernance", completa a trilogia do desafio de seu programa de pesquisas sobre integraovertical, iniciado em 1971.

    10 Apesar de sua Tese de Doutoramento centrar-se em contedo formal e estudoseconomtricos.

    11

    Embora RUTHERFORD (1996, p. 174) considere Williamson um dos defensores daabordagem "literria", em oposio a uma abordagem mais formalista dentro da prpria NEI.

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    10

    - evitando a clausura acadmica e conquistando espaos de divulgao para um pblico

    diverso.

    Isso, entretanto, foi tambm motivo para que se focalizassem com maior rapidez

    crticas nova abordagem. Williamson, por exemplo, em vrios trabalhos (1985, p. 3;

    1989, p. 137; 1993, p. 109; 1996a, p. 12) reconhece em John R. Commons, economista

    identificado com a Escola Institucionalista norte-americana, as razes de suas idias sobre a

    transao como foco de anlise, e isso tem sido fonte de formao de um canal bastante

    particular de crticas elaboradas por pensadores contemporneos daquela tradio. Outras

    vm de caminhos diversos, comumente relacionadas s pontes neoclssicas mantidas na

    TCT, mas a elas no se resumem. De modo geral, como expressa PITELIS (1993b, p. 12):

    Despite the widely acknowledged as revolutionary contribution of the TCMH(transaction costs, markets and hierarchies) perspective (or because of that), it hasalso become the subject matter of substantial criticism, from a number of

    perspectives. Such criticism concern either the general framework, or particularapplications of it, in particular those of Oliver Williamson.

    No captulo 4, ento, apresentamos as sees de contedo crtico TCT, sendo esta

    identificada com a estrutura terica elaborada por Williamson.

    12

    Lembramos que no h ainteno de apresentar as teorias alternativas derivadas de cada uma das correntes do

    pensamento econmico analisadas, muito embora seus elementos encontrem-se implcitos

    nas crticas. No vimos tambm a necessidade de pormenorizar as caractersticas principais

    de cada uma das correntes, j que a distino feita exprime vertentes h algum tempo j

    consolidadas em seus programas de pesquisa e reconhecidas amplamente no espao

    acadmico. Teremos ento, respectivamente, as sees que renem crticas evolucionistas

    (neo-schumpeterianas), da economia poltica, do institucionalismo "original", e do

    neoclassicismo. E, por fim, o captulo 5 o das concluses, onde tentaremos destacar as

    intersees das crticas no ortodoxas e as evidncias potenciais de uma agenda de

    pesquisa pluralista para a teoria da firma.

    12 Por esse motivo preferimos tratar tal estrutura terica porTeoria dos Custos de Transao,e no Economia dos Custos de Transao (como preferem vrios autores) para evidenciar nossalinha de pesquisa, e tambm por entender que vrias das crticas (e seus respectivos autores)direcionam-se exclusivamente Teoria dos Custos de Transao, sendo porm passveis de

    incorporao uma estrutura terica mais ampla e abrangente - qual, ento, chamaramosEconomia dos Custos de Transao.

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    2 AS IDIAS ORIGINAIS DE COASE

    Embora Coase tenha escrito vrios outros artigos aps "The Nature..." , em nenhum

    deles voltou a esmiuar o tema dos custos de transao, ainda que no deixasse de se preo-

    cupar com os custos de forma geral e com as diversas formas em que podiam ser

    percebidos, como sugere CHEUNG (1987a, p. 456). Parece que os economistas em seu

    meio estavam mais preocupados com a obra de Pareto e outros assuntos, no tendo

    despertado para os insights de Coase, que se voltou para outros temas, como o setor de

    telecomunicaes e os direitos de propriedade. Ou como argumenta Paulo AZEVEDO

    (1996, p. 5) sobre tal desateno: "Em parte isso se deveu forte inrcia que conduzia o

    pensamento econmico por ocasio da publicao de The Nature of the Firm [...], de tal

    modo que uma idia radicalmente nova dificilmente reverteria de imediato o curso da

    pesquisa econmica".

    J nos Estados Unidos, na Universidade de Virgnia, Coase publica em 1959 o

    artigo The Federal Communications Commission, que o resultado da linha de estudos

    que acabou tomando, no Journal of Law and Economics, publicao que acabara de ser

    lanada pela Universidade de Chicago, e que acaba por aproxim-lo daquela academia. Osdebates que resultaram dessa aproximao inspiraram novo artigo, "The Problem of Social

    Cost", publicado em 1960 pela mesma revista. Nele est desenvolvida a idia em que as

    condies iniciais dos direitos de propriedade - ou seja, quem quer que eles favoream -

    no so importantes numa perspectiva de eficincia da alocao de recursos (embora o

    sejam na tica da distribuio da renda), desde que: i) seja possvel negoci-los livremente;

    ii) os custos de troc-los ou transacion-los seja nulo; e iii) os mercados sejam

    competitivos. Essa idia ficou conhecida como o Teorema de Coase (COOTER, 1987, p.

    459). Como se percebe, os custos de transao so abordados parcialmente no artigo, que

    tem nfase num sistema legal que reforce a liberdade de negociao entre os agentes em

    lugar de, atravs dele, intervir com modos centralizados de regulao das transaes.

    Segundo Cheung, essa preocupao com o sistema legal e os direitos de propriedade so os

    primeiros passos de pesquisas que resultariam na NEI.

    Voltemos, ento, ao artigo de 1937. Nele fica expressa a insatisfao de Coase com

    o descuido da teoria tradicional em tratar rotineiramente o sistema econmico como auto-

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    12

    regulvel pelo sistema de preos, ao mesmo tempo em que pouca ateno devota s firmas.

    Isso porque dentro destas a alocao dos fatores no se d pelo mecanismo de preos e sim

    por um tipo diferente de coordenao da produo - geralmente por um empresrio ou

    algum por ele delegado, que exerce comando sobre as atividades. E, no entanto, a teoria

    tradicional estava incompleta por no procurar uma definio particular e real das firmas,

    bem como, a partir da, explicitar as hipteses de sua natureza e sua lgica de

    funcionamento.

    Portanto, fora da firma o sistema de preos o fator de coordenao da alocao

    dos recursos, enquanto dentro dela o papel exercido por uma autoridade. Coase desse

    modo conclui que mercados e firmas so modos alternativos de dirigir a produo, e em

    decorrncia de tal argumento formulada a chamada "primeira pergunta coaseana"

    (COASE, 1937, p. 388): "Yet, having regard to the fact that if production is regulated by

    price movements, production could be carried on without any organisation at all, well

    might we ask, why is there any organisation?"

    O principal motivo, diz em sua resposta, que h custos em utilizar o mecanismo

    de preos. O primeiro deles justamente o de descobrir quais so os preos relevantes

    (consideraes sobre informao incompleta no ficam explcitas), enquanto outros se re-ferem negociao e formulao dos contratos que acompanham cada transao. A prop-

    sito, Coase no d uma definio precisa de "transao", mas usa predominantemente o

    termo exchange transaction (1937, p. 388, 391, 393, 395, 396, 402, e 403, por exemplo)

    que d a entender estar considerando de uma forma geral as trocas de bens e servios.

    A origem da firma, desse modo, se deve ao fato de haver custos em negociar nos

    mercados que podem ser evitados ou reduzidos ao se organizar a produo de um determi-

    nado bem ou servio atravs de relaes de autoridade ou sob o comando de um coordena-dor que direciona a alocao dos recursos. Muito embora os contratos no deixem de

    existir dentro da firma, principalmente os de trabalho, a sua flexibilidade muito maior -

    pois no incorrem em detalhamentos, geralmente determinando apenas os limites das aes

    de comando e acatamento entre as partes - e sua renegociao deixa de ser feita a cada

    ordem ou servio cumprido. Dessa forma, mais provvel que a firma surja de relaes

    para as quais contratos complexos e de curto prazo sejam insatisfatrios. Isso se intensifica

    principalmente diante das dificuldades dos agentes em prever os acontecimentos futuros,

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    quando, pela natureza incompleta dos contratos e pela indiferena do contratado para os

    servios em agir dentro de um conjunto de tarefas (no pr-determinadas explicitamente no

    contrato mas que lhe so aceitveis, como foi posteriormente sugerido por SIMON, 1957 e

    1991), o contratante pode direcionar com alguma independncia o curso das aes diante

    de novas contingncias (COASE, 1937, p. 391-2).13

    Por outro lado, seguindo a lgica do argumento, se existem custos nas transaes

    de mercado, por que ele no foi totalmente superado pela coordenao dentro da firma?

    Essa a "segunda pergunta Coaseana," apresentada originalmente da seguinte forma

    (COASE, 1937, p. 394): "A pertinent question to ask would appear to be [...] why, if by

    organising one can eliminate certain costs and in fact reduce the cost of production, are

    there any market transactions at all. Why is not all production carried on by one big firm?"

    Desta vez, a resposta vem em partes: em primeiro lugar, h retornos decrescentes

    na atividade de administrao (diminishing returns to management) com a agregao de

    mais transaes pela firma.14 Em segundo, empresrios ou coordenadores tendem a errar

    mais na alocao dos fatores quando um nmero crescente de transaes colocado sob

    seu comando; no h, porm, maiores consideraes sobre o que mais tarde Herbert Simon

    chamaria de racionalidade limitada, ou ainda mais: segundo BERGERON (1996, p. 139 e143), nem mesmo tal argumento permite a Coase fugir da racionalidade substantiva

    13 Para LANGLOIS e FOSS, N. (1997, p. 11, grifo original), "Coase's explanation for theemergence of the firm is ultimately a coordination one: the firm is an institution that lowers thecosts of qualitative coordination in a world of uncertainty." Coase, no entanto, faz umacontraposio a Knight em sua explicao da origem da firma principalmente (mas nounicamente) em funo da incerteza radical. Por isso, HODGSON (1988, p. 205) argumenta que ainterpretao de Langlois, embora saudvel por incluir o conceito de incerteza radical comonecessrio para a explicao da existncia das firmas, apia a tese que Coase contrariava. Isso,

    entretanto, no invalida os esforos de Coase e, principalmente, de Williamson: "Transaction costsmay or may not remain an intermediate category in the argument. But it is clear [...] thattransactions costs are not sustainable without some concept of radical uncertainty, and this, eitherdirectly or indirectly, seems to be necessary to explain the existence of the firm" (HODGSON,1988, p. 205).

    14 Tal argumento no parece encontrar sustentao segundo PENROSE (1987, p. 562): "as afirm [grow] there [is] no evidence that its administrative capacity could not grow accordingly."GROSSMAN e HART (1986, p. 692, nr. 1) dizem ser o argumento nada convincente "[...] since theowner [of the firm] could always hire another manager." AOKI (1986, p. 974) tambm refuta oargumento de Coase, alegando que o mesmo "is unconvincing [...] because organizationalinnovation such as the multidivisional form may overcome this limit." A forma "M" o principal

    exemplo de evidncias que apontam para uma grande capacidade inovativa nos mtodos deadministrao de grandes firmas, como defendem WILLIAMSON (1975) e CHANDLER (1962).

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    (normativa) j que mesmo diante de tais dificuldades o empresrio consegue delimitar as

    atividades da firma onde seus custos marginais se igualam aos de usar o mercado. E em

    terceiro lugar, alguns fatores de produo tm seu preo de oferta elevados em funo do

    prprio crescimento da firma (um argumento no facilmente comprovvel e que no mais

    tomaria a ateno de Coase em seus trabalhos posteriores, cf. CHEUNG, 1987a, p. 456).

    A caracterstica distintiva da firma , em suma, assumir a supresso do mecanismo

    de preos para coordenar a produo, estando, entretanto, a ele sempre ligada por

    atividades secundrias a seus propsitos ou atravs de custos e preos relativos ligados

    diversidade de transaes das quais se incumbe. Isso implica considerar que na economia

    real as transaes no so homogneas e o grau de integrao entre diferentes indstrias e

    mesmo firmas pode ser bastante diferenciado, e tambm que sempre possvel reverter

    operaes internalizadas para a utilizao do sistema de preos medida em que os custos

    internos de uma dada transao se tornem mais elevados que os do mercado.

    Desse contexto surge a preocupao com os determinantes do tamanho ou dos

    limites da firma, sendo estes vistos como a quantidade de transaes que efetua

    internamente.15 COASE (1937, p. 397) observa que os custos da organizao interna esto

    ligados diretamente aos seguintes casos:

    1) aumento da disperso espacial das transaes organizadas pela firma;2) aumento da diversidade entre as transaes incorporadas;3) aumento da probabilidade de mudanas nos preos relevantes s atividades incorpo-

    radas.

    Alm desses fatores, os diferenciais de custos entre organizao interna e recurso ao

    mercado, que levam maior ou menor integrao, esto sujeitos tambm aos efeitos

    desiguais das mudanas tecnolgicas sobre cada uma das formas alternativas (Coase utiliza

    o termo inventions, ao que mais apropriadamente poderia ser tratado pelo conceito

    schumpeteriano de "inovao" em seu sentido de aproveitamento econmico), e tambm

    ao tratamento diferenciado que governos ou autoridades de poder podem dar a firmas ou

    15 Para KHALIL (1996, p. 292), esta a nica preocupao com a qual o artigo de Coasepode se deter: "Coase's 'The Nature of The Firm' ironically does not provide a theory of the natureof the firm. [...]. [It] is about what makes certain transactions become incorporated within the firm

    rather than purchased. So Coase's approach is about the theory of the boundary of the firm ratherthan the theory of the nature of the firm, or the theory of intrafirm power."

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    mercados em transaes da mesma natureza, atravs, por exemplo, de impostos em cascata

    ou controles de preos ou de cotas.

    Sendo possvel firma absorver ou desmembrar transaes, diz Coase, no

    possvel que seus limites estejam determinados pela elevao do custo marginal igual-

    dade com a receita marginal da produo de um bem. Isso porque ela pode tornar-se

    multiprodutora (ou produtora de bens que podem ser separveis por uma transao de

    mercado), ou seja, a qualquer tempo pode ser mais barato organizar a produo de um bem

    diferente ou novo que continuar arcando com a produo de um mesmo bem, mesmo que o

    ponto de igualdade no tenha sido ainda atingido para ele.16 Dessa forma, os limites de

    expanso da firma esto determinados pelo ponto em que os custos internos de organizao

    da produo de um bem (custos de produo mais custos de administrao das transaes

    necessrias a esta) atinjam os custos de compr-lo no mercado ou de outra firma (custos de

    produo mais custos de transaes necessrias compra), prevalecendo entre estes

    ltimos o que for menor.17 interessante notar que GRANOVETTER (1995, p. 94)

    estende a noo de firma multiprodutora (como sada para os "limites tecnolgicos"

    tradicionais) para a "firma multifirma", ao fazer uma analogia das perguntas coaseanas.18

    Ao pesquisar a origem e o processo de mudanas das redes de cooperao entre firmas (por

    ele chamadas de business groups), Granovetter modifica as unidades originais de anlise:

    16 KAY (1987, p. 55) sugere que a TCT estruturada por Williamson continua explicando afirma multiprodutora: "Williamson (1975) discusses the evolution of hierarchy to cope with the

    problems of the multiproduct firm; however he does not utilise transaction cost analysis in ageneral approach to multiproduct combination despite the fact that his framework is ideally suitedfor this purpose." Alguns anos mais tarde, em 1992, Kay publica um artigo noJournal of Economic

    Behaviour and Organisation (JEBO), com crticas TCT, e oJEBO publica na mesma edio umarplica de Williamson, j na ocasio editor-associado da revista. Kay, convidado a preparar a

    trplica, o faz, mas a mesma no publicada. Um ano depois, Kay aproveita para republicar oartigo (KAY, 1993), com incrementos da trplica no publicada, e acaba comentando o seguinte (p.252 - nosso grifo): "If Williamson's theory is applicable, then its dependence on asset specificitysuggests that it can only be with respect to the special case of the single product firm [...]."

    17 Considerando que distintos empresrios organizam de forma tambm distinta a produo,implicando em custos diferentes entre as firmas (COASE, 1937, p. 403).

    18 GRANOVETTER (1995, p. 94) pergunta: "why is it that in every known capitalisteconomy, firms do not conduct business as isolated units, but rather form cooperative relations withother firms [?]" Essa a questo que, por analogia "primeira pergunta coaseana," Granovetterchama de "segunda pergunta coaseana" - ou seja, uma pergunta que Coase na realidade no fez.Embora no tenhamos a pretenso de desenvolver nenhuma inovao terminolgica, alguns

    pargrafos antes neste captulo qualificamos a "segunda pergunta coaseana" como aquela queCoase realmente fezem complemento primeira.

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    "I imply that 'business group' is to firm as firm is to individual economic agent." Segundo

    ele, essa uma dimenso intermediria (meso) de anlise dos limites da firma que os

    cientistas sociais no tm conseguido enxergar, principalmente em funo dos "vcios"

    tericos relativos separao macro/micro das relaes e conceitos empregados - e suas

    decorrentes implicaes na gerao de dados e no direcionamento de polticas e controles

    legais.

    Embora a abordagem tradicional da firma no esteja preocupada com os problemas

    da existncia, dos limites e da estrutura interna da firma,a nova proposta de Coase induz a

    tais preocupaes ao mesmo tempo em que se encontra disposio das ferramentas

    marginalistas (1937, p. 404).19 Segundo ele, o monitoramento das variveis de limite pelos

    empresrios permite que se estabelea na prtica uma posio de equilbrio esttico para o

    tamanho da firma. Acompanhando os fatores de mudana dos custos internos, citados

    acima, bem como os fatores (considerados, ao que parece) exgenos de mudana

    (imposies legais ou novas tecnologias), possvel traar uma trajetria de equilbrio

    mvel para a firma, observando seus movimentos de expanso e contrao ao longo do

    tempo.20

    19 A respeito deste ponto, MACHLUP (1967, p. 11) prope que a firma neoclssica noprecisa ser mais do que umaprofit-maximizing reactor, e ainda com base em KRUPP (1963, apudMACHLUP, ibid.) afirma: "In economic analysis, the business firm is a postulate in a web oflogical connections." Ou seja, no necessrio buscar definies realistas ou precisas. A questo simplificada por LANGLOIS e FOSS, N. (1997, p. 9-10): "using this sort of price theory [thetheory of the firm with which Coase was confronted in the 1930s] to explain the existence,

    boundaries, or internal structure of the firm [...] can never be satisfactory; the theory simply isn'tdesigned to deal with those issues." Note-se que a viso neoclssica de Machlup continua comdefensores entusiastas, como HIRSHLEIFER (1988, apudMNARD, 1990, p. 7): "la firme est uneunit artificielle."

    20

    Issso parece deixar dvidas sobre a afirmao feita por CHEUNG (1987a, p. 456) de queCoase antipatizava com a idia de "equilbrio."

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    3 A TEORIA DOS CUSTOS DE TRANSAO

    DE OLIVER WILLIAMSON

    De acordo com o prprio WILLIAMSON (1985, p. 16), h na dcada de 60 um

    ressurgimento do interesse pelas instituies na teoria econmica atravs dos novos

    trabalhos de Coase, Kenneth Arrow, Armen Alchian e Alfred Chandler. Claramente essa

    uma opinio de quem esteve em estreito contato com a Universidade de Chicago, e que os

    Institucionalistas da velha guarda ouviriam com algum desdm. Seguindo, porm, o

    argumento, surgiram na dcada de 70 os primeiros trabalhos mais analticos ou operativos

    sobre o assunto, dentre os quais se apresenta Williamson com a Teoria dos Custos deTransao, atravs do livro "Markets and Hierarchies."

    Embora essa seja a primeira obra a descrever a idia, muitos outros textos que

    vieram a seguir trouxeram sumrios da TCT, sempre seguidos de refinamentos. Em "The

    Economic Institutions of Capitalism," os custos de transao esto apresentados de ma-

    neira mais abrangente, dentro do que se pretende em uma teoria da evoluo e

    funcionamento das instituies econmicas. Mais ainda, em seu artigo "Comparative

    Economic Organization..." (de 1991) Williamson absorve a concepo de formas

    "hbridas" de organizao (j sugeridas em WILLIAMSON, 1987a) situadas entre

    mercados e hierarquias. Alm disso, talvez como forma de difundir ainda mais sua teoria,

    Williamson apresenta em vrios de seus artigos (1989, 1993 e 1995a, por exemplo) uma

    introduo aos principais conceitos e relaes da TCT.21 Em "The Mechanisms of

    Governance" (de 1996), Williamson rene 14 de seus artigos publicados na dcada que se

    seguiu a "The Economic Institutions of Capitalism,"22 considerando consolidado seu

    programa de pesquisas, deixando de apresentar a estrutura bsica da TCT e aprofundando

    o estudo combinado de economia, direito e organizaes (WILLIAMSON, 1996a, p. 19).

    Segundo Williamson, as razes de tal interdisciplinaridade voltam s primeiras

    dcadas do sculo. Especificamente no campo da economia, Williamson reala seu

    21 interessante tambm notar que a TCT j encontra lugar em livros-texto de organizaoindustrial para estudantes de graduao, como o caso de CARLTON e PERLOFF (1994).

    22

    Com apenas uma exceo, que nossa referncia WILLIAMSON (1983), correspondenteao captulo 5 de "The Mechanisms of Governance."

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    interesse pela discusso de Frank KNIGHT (1921) e Ronald COASE (1937) sobre a

    origem das firmas23 Em relao ao direito, confessa ter desejado tornar-se advogado, e no

    economista, desde a high-school;24 embora ele tenha se graduado em administrao

    industrial (uma combinao de administrao e engenharia), feito um MBA em Stanford, e

    finalmente seu PhD. no Carnegie Institute of Technology, com pitadas interdisciplinares de

    economia e administrao, ainda assim, no relegou o antigo interesse: Williamson explica

    ter sido profundamente influenciado pela leitura de Karl LLEWELLYN (1931), professor

    de Direito da Universidade de Columbia, que discorre sobre a importncia dos contratos na

    sociedade moderna e sua capacidade de constituir uma estrutura bsica para a interpretao

    das relaes entre indivduos (entre si) e grupos (entre si e com indivduos).25 Llewellyn

    pode ser visto como responsvel pela ponte feita por Williamson entre o direito e a

    economia quando desenvolve a interpolao do "mundo dos contratos" (inspirado em

    Llewellyn) com a viso de John COMMONS (1934), economista norte-americano (tido

    como um dos pais do Institucionalismo), para quem as transaes deveriam ser tomadas

    como unidade bsica de anlise da organizao econmica - por serem a instncia em que

    se faz plausvel a tentativa de harmonizar interesses divergentes ou conflitantes de partes

    que se relacionam. Ainda dentro do amplo espectro da economia, e a despeito da influncia

    de Knight e Coase, Williamson diz ter se concentrado no estudo das organizaes

    principalmente em funo do contato com o livro "The Functions of the Executive", de

    1938, de Chester Bernard - um executivo norte-americano que se dedicou a escrever sobre

    o que fazia (e o que via fazerem) em sua funo.26 A obra de Barnard, segundo

    Williamson, parecia cobrir um vcuo deixado pela economia no que se refere

    importncia das organizaes, formais ou informais. Ou seja, a forma de organizao dos

    agentes produtivos de extrema importncia para o entendimento das atividades

    econmicas, e o estudo das caractersticas peculiares de diferentes formas deve trazerexplicao para o sucesso ou falha das mesmas nos processos de ajustamento exigidos pelo

    ambiente econmico.

    23 WILLIAMSON (1985, p. 2-4).24 WILLIAMSON (1996a, p. 350).25 WILLIAMSON (1985, p. 4-5, e 1995b, p. 181).26

    WILLIAMSON (1985, p. 5-7). WILLIAMSON (1995c) mais uma forma de vincular seuenvolvimento com o campo das organizaes ao pensamento de Chester Barnard.

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    3.1 A Unidade de Anlise

    A partir da ambientao feita acima, podemos ento passar a apresentar as bases

    tericas da TCT e iniciamos com a proposta de WILLIAMSON (1985, p. 17) sobre os

    limites de anlise de sua formulao terica: pare ele, qualquer relao que possa ser

    formulada como um problema de contratao, e a esto includas as relaes de troca que

    caracterizam o capitalismo - s quais costuma referir-se de maneira mais particular como

    transaes - passvel de exame pela TCT. A transao a passagem de um bem ou

    servio em elaborao entre interfaces tecnologicamente separveis e Williamson propeque ela seja a unidade bsica de anlise de uma teoria da firma. Desse modo, o conjunto de

    caractersticas das transaes passa a ser visto como principal determinante da forma de

    organizao da produo do bem ou servio envolvido.

    Os custos de transao so anlogos frico (ou ao atrito) em sistemas estudados

    pela Fsica - ou por Williamson em suas aulas de termodinmica (WILLIAMSON, 1996a,

    p. 350). Como Coase j havia se referido, eles so os custos nos quais h de se incorrer

    quando se recorre ao mercado, ou como sugerido por ARROW (1969, citado por

    WILLIAMSON, 1985, p. 18), so "the costs of running the economic system."27

    AZEVEDO (1996, p. 24, com base em CHEUNG, 1990) define os custos de transao

    como aqueles incorridos na: "a) elaborao e negociao dos contratos, b) mensurao e

    fiscalizao de direitos de propriedade, c) monitoramento do desempenho e d) organizao

    de atividades."28 De forma mais direta, NIEHANS (1987) exemplifica os custos de

    transao ao identific-los com aqueles incorridos em localizar um outro agente disposto

    27 HODGSON (1993b, p. 81) localiza a origem do termo "custos de transao" nesse artigode Arrow. Como j comentado, um ano antes DEMSETZ (1968) j o havia empregado.

    28 AZEVEDO (1996, p. 24-5) tambm sugere que tal definio ainda deixa de fora umimportante componente, embora Chester Barnard e Friedrich Hayek (dois autores bastanteconsiderados por Williamson) o tivessem evidenciado, qual seja, os custos derivados da maior oumenor (ou ausncia de) capacidade de adaptao s mudanas no ambiente econmico. Nas

    palavras de AZEVEDO (idem, p. 25): "Uma definio completa de custos de transao necessitaincluir [...] os custos de adaptaes ineficientes s mudanas do sistema econmico." Autoresligados Escola Austraca, como Richard Langlois, Nicolai Foss e Paul Robertson, tm umadefinio semelhante deste componente citado por Azevedo, chamando-o de "custos dinmicos de

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    transao, em comunicarem-se e trocarem informaes que no se resumem aos preos, e

    muitas vezes faz-se necessrio que os bens em questo devam ser descritos com maior

    mincia, inspecionados, pesados e medidos. Outras vezes os custos de transao se

    derivam da necessidade de recorrer a um contrato escrito sob a proteo do ordenamento

    jurdico (ou mesmo o privado), j que h gastos em sua elaborao para que haja troca de

    documentos, assistncia de advogados, manuteno de registros ou mesmo de instituies

    de reforo e acompanhamento da execuo do que foi pactuado.29

    A desconsiderao dos custos de transao deixou com que a economia construsse

    concepes limitadas das organizaes no convencionais, quais sejam, firmas que se

    afastavam cada vez mais das trocas no mercado ao se integrarem verticalmente. O

    principal foco de tal viso mope estava nos economistas que consideram o fenmeno

    unicamente motivado por predisposies monoplicas - acabando por implicar na

    generalizao de polticas anti-monoplicas -, bem como na interpretao daqueles que o

    vem exclusivamente por determinantes tecnolgicos.

    A TCT alega que as mudanas na organizao industrial ocorrem primordialmente

    por motivos de eficincia. O caminho lgico desse argumento comea com a herana

    coaseana em que firmas e mercados so tidos como formas alternativas de organizar aproduo. Consideremos que as transaes econmicas possam ocorrer de duas maneiras:

    impessoalmente, atravs do mercado, ou atravs de contratos entre determinados agentes.

    Se o mecanismo de preos do mercado apresenta custos para ser utilizado, pode ser que,

    atravs de acordo ou contrato, dois (ou mais) agentes encontrem um meio de evit-los ou

    reduzi-los - isso porque estabelecer contratos tambm tem custos, tanto ex ante quanto ex

    post-, tornando a mesma transao mais barata.

    Esse argumento d margem a vrios desdobramentos dos supostos da TCT. Deleretiramos, em primeiro lugar, que o principal (embora no o nico) objetivo das

    instituies econmicas (firmas, mercados e contratos) justamente economizar os custos

    transao". No entanto, usam-no para criticar a TCT (principalmente Williamson) por no adot-lode forma categrica em seu corpo terico (essa discusso ser feita em nossa seo 4.1).

    29 Apesar de tais esforos, HODGSON (1988, p. 200) ainda sinaliza para a falta de precisona definio do conceito: "Notably, in a large number of publications in the area of transactioncost economics since the mid-1970s, Williamson has failed to provide an adequate definition of

    transaction costs themselves". E ainda mais (idem): "The failure to provide a definition of such acrucial term is symptomatic of the lack of precision in much of Williamsons work."

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    de transao (ou, analogamente, reduzir o atrito entre as interfaces tecnologicamente

    distintas). As transaes no so homogneas; pelo contrrio, poucas delas podem ser

    reduzidas a caractersticas idnticas (das quais falaremos adiante), e, por isso, diferentes

    transaes so atribudas a diferentes formas de organizao, devendo ser cada uma destas

    capaz de reduzir os custos necessrios sua execuo. Na verdade, o que se busca a

    reduo da soma de custos de produo e de transao.30 O prprio WILLIAMSON (1985,

    p. 17) diz tratar-se de um estratagema a nfase to forte na economizao dos custos de

    transao e na escolha da forma de organizao da produo capaz de realiz-la de modo

    mais eficiente, que intenciona desviar ateno das preocupaes extremas com os impulsos

    tecnolgicos e monoplicos prevalecentes no estudo da organizao industrial.

    Outro desdobramento de anlise do mundo contratual, e assim da TCT, se relaciona

    aos custos de estabelecer e cumprir contratos. Os custos ex ante so mais nitidamente

    visveis e esto presentes no prprio processo de negociao das clusulas (estudos e

    clculos para avaliao de procedimentos possveis e/ou desejveis, o prprio tempo

    decorrido, a assistncia jurdica ou burocrtica, a formalizao em si, dentre outros). Na

    caracterizao feita por Williamson das principais vertentes de anlise da organizao

    industrial (1985, p. 23-9), podemos encontrar dois grupos de estudiosos que se concentram

    justamente nessa etapa ex ante do processo de contratao "no usual" na perspectiva da

    busca da eficincia. Em comum, ambos fundamentam-se no suposto do alinhamento de

    incentivos, por consider-lo a principal forma de garantia da eficcia do contrato. Um dos

    grupos, com eminncia para Coase, Alchian e Demsetz, d nfase aos direitos de

    propriedade, ou seja, preocupam-se em saber se esto antecipadamente definidos: i) o

    direito de usar o ativo; ii) o direito de apropriao dos seus rendimentos; e iii) o direito de

    mudar sua forma, substncia ou emprego; se a resposta positiva, ento no dever haver

    m distribuio, conflito ou mau uso dos recursos disponveis. O outro grupo inclui autores

    como Leonid Hurwicz, Michael Spence, Richard Zeckhauser, Stephen Ross, Michael

    Jensen, William Meckling e James Mirrlees, considerados os "pais" do enfoque da agncia.

    Nesse enfoque, argumenta-se que partes envolvidas em contratos tm conhecimento de que

    30 A despeito do tratamento "semntico" dado por NORTH (1993a) e AZEVEDO (1996) aostermos, fazendo uma diferenciao entre custos de transformao e custos de transao, quesomados resultariam nos custos de produo, continuaremos utilizando a dicotomia entre custos de

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    a execuo dos mesmos ficar a cargo de agentes empregados, e isso implica numa queda

    dos incentivos para o cumprimento das tarefas assumidas, devendo a anlise focalizar os

    problemas da contratao manifestados principalmente pelo risco moral e pela seleo

    adversa. Tais problemas podem ser superados se houver um alinhamento ou uma definio

    ex ante dos benefcios cabveis a cada parte envolvida, tornando conhecidos os nveis de

    dedicao execuo das tarefas estabelecidas, e as penalidades e recompensas pelo

    comportamento desviante.31 Esses grupos tambm tm em comum a idia de que o

    ordenamento judicial a forma eficaz de resoluo de conflitos que possam surgir.

    Para Williamson, porm, no se pode garantir a partir das caractersticas ex ante da

    contratao todos os eventos recorrentes ao longo da execuo das transaes. Isso se deve

    tanto aos atributos comportamentais do homem (racionalidade limitada e oportunismo -

    dos quais falaremos um pouco mais frente) quanto aos atributos complexos das prprias

    transaes (especialmente a especificidade dos ativos), bem como relao de tais fatores

    com o ambiente em que operam (incerteza). H, portanto, custos ex postna contratao, e

    eles assumem diversas formas, tais quais: i) custos de m adaptao ao contrato estabe-

    lecido; ii) custos de renegociao do contrato, em decorrncia da m adaptao; iii) custos

    de estabelecer e administrar uma estrutura de acompanhamento do contrato, bem como um

    foro de resoluo de disputas; e iv) custos de assegurar os compromissos assumidos.

    Diferente dos grupos anteriores que enfatizam o alinhamento ex ante de incentivos

    e tratam residualmente dos conflitos ex post, deixando-os sob auspcios de uma ordem

    judicial central supostamente eficiente, Williamson argumenta que o ordenamento privado

    existe e largamente usado, o que supe uma capacidade de resoluo satisfatria das

    disputas.32 O ordenamento privado e as instituies que ele cria (e sob que forma de

    organizao) so importantes para o apoio ao contrato ex poste, portanto, na reduo dos

    seus custos ex post. A resoluo de tais conflitos pode ser bastante complexa em funo de

    produo e custos de transao, que sero sempre evidenciados quando somados como os custosconjuntos das duas distintas tarefas.

    31 Para uma viso diferente, vide Kirsten FOSS (1996, p. 537): a princpio, tais enfoquesrenem-se na linha do nexo de contratos ou do measurement cost approach, que representam umatradio esttica; por outro lado, Williamson e tambm Oliver Hart e Richard Langloisrepresentariam enfoques mais dinmicos na literatura dos custos de transao.

    32

    Argumento que encontra reforo em NOORDERHAVEN (1992, p. 234), onde tambm secritica a Teoria da Agncia por sobrestimar a importncia do sistema judicial.

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    interesses divergentes e comportamentos estratgicos, e alm disso deve muitas vezes

    envolver as caractersticas especficas (tcnicas e organizacionais) de cada transao. Essa

    grande diversidade de situaes e preferncias torna muito difcil que a justia formal seja

    o foro mais apropriado soluo dos problemas surgidos na vigncia dos contratos.33

    Apesar disso, a preocupao de Williamson parece ser crescente com questes de

    incentivos em detrimento dos aspectos de coordenao (das transaes e da produo),

    como sugerem LANGLOIS e FOSS, N. (1997, p. 12) e tambm KHALIL (1996, p. 293).

    Esse inclusive um dos motivos para Nicolai Foss, em outra ocasio (FOSS, N., 1996c),

    qualificar e tratar a TCT dentro de um mesmo grupo terico ao qual se refere como

    contractual approach. (Alguns detalhes dessa abordagem so apresentados mais frente e

    em nossa nota de rodap 108.)

    Dessa argumentao segue que custos ex ante e ex post devem ser considerados

    simultaneamente na realizao dos contratos e somente diante de sua definio que a

    escolha da forma de organizar as transaes, e por conseguinte a produo, se dar. A TCT

    portanto envolve a cincia do contrato, que se preocupa com a busca no s da resoluo

    do conflito presente ou em marcha, mas tambm com o reconhecimento do conflito

    potencial e assim tratar das instituies ou estruturas de gesto que o impeam ou atenuem.

    Williamson diz, porm, que a avaliao ou mensurao simultnea de custos ex ante e ex

    post tarefa praticamente impossvel. Entretanto, no preciso que sejam calculados seus

    valores absolutos mas apenas que se possa, no momento de deciso, confrontar um modo

    de contratao a outro (cada um caracterizado pela presena, em diferentes nveis, de cada

    suposto comportamental) dentro dos arranjos institucionais existentes mantendo constantes

    os custos de produo ou as tecnologias utilizadas, com vistas a definir a forma (eficiente)

    esperada de organizao (WILLIAMSON, 1985, p. 88).34 Isto caracteriza como esttico-

    comparativo o mtodo de anlise da TCT.35

    33Evidncias da atuao do ordenamento privado em lugar do judicial podem ser vistas, porexemplo, em CASELLA (1996), para o caso do comrcio internacional. No artigo, o conceito podeser melhor entendido se o associarmos ao termo "antecipao", uma vez que o ordenamento

    privado uma espcie de jurisdio privada que no procura romper com a jurisdio pblica, masadiantar-se e complement-la em assuntos especficos da atividade econmica. Esta interpretao,creio, pode ser utilizada com proveito para contextos diversos. Vide tambm FOLHA DE SOPAULO (1996), sobre lei regulamentando arbitragem comercial no Brasil.

    34

    De qualquer maneira, "it is difficult for real historical agents to determine ex ante therelative [transaction] costs as well as the relative efficiency of two or even more organizational and

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    3.2 Atributos Humanos e Supostos Comportamentais: RacionalidadeLimitada, Oportunismo, Busca da Eficincia e o Processo Seletivo

    A anlise das transaes, no entanto, indissocivel das hipteses comportamentais

    da TCT. Ou seja, preciso encontrar e qualificar as caractersticas humanas que se

    sobressaem numa transao econmica, influenciando o tipo de contrato a ser adotado para

    sua realizao.36 Como comentado h pouco, os atributos humanos prevalecentes na

    estrutura do modelo so a racionalidade limitada e o potencial comportamento oportunista

    (WILLIAMSON, 1985, p. 44-50; 1987a, p. 810; e 1989, p. 138-40).37

    A racionalidade limitada uma condio descrita por Herbert Simon (citado por

    WILLIAMSON, 1989, p. 139 - grifos no original) em que o homem tem um comporta-

    mento "intendedly rational, but only limitedly so." Os agentes pretendem ser racionais, no

    sentido maximizador, mas s conseguem s-lo "parcialmente", posto que sua capacidade

    cognitiva (com referncia tanto ao seu conhecimento, s suas habilidades e sua previdn-

    regulatory solutions. Hodgson (1993a, p. 86) argues that considering the '...bounded rationality, itis impossible for any entrepreneurial agent to perform the cost calculations to identify the lowertransaction costs... Both uncertainty and limited computational capacity prevent such anassessment'." (MAGNUSSON e OTTOSSON, p. 355-6). Opinio semelhante compartilhada porFOSS, N. (1996a, p. 8): "This is quite credible [...] that agents choose governance structures [...]that do provide mechanisms for adaptation to partially unanticipated contingencies. But it is quiteanother thing, and much less credible, to say that agents are so rational that they can choose on anex ante basis the transaction cost minimizing governance structure. In fact, this runs directlycounter to the idea of bounded rationality."

    35 WILLIAMSON (1979, p. 261, 1987a, p. 809 e 811, 1991a, dentre outros).36 No contexto da TCT, WILLIAMSON (1989, p. 138) diz afastar-se do homo economicus

    elaborado na tradio ortodoxa, identificando-o como contracting man, ou "homem contratual".37 WILLIAMSON (1985, p. 44) reconhece ter sido infrutfero seu esforo em incluir a

    dignidade como atributo do homem contratual. Segundo McGuinness (em CLARKE eMCGUINNESS, 1990, p. 45, comentando sobre a TCT): "It [dignity] captures the idea thathumanity should be respected for its own sake, so that people should not be treated in organizationssolely as the means in an economizing process". Entretanto, McGuinness diz ser a dignidade umdos conceitos menos desenvolvidos em Markets and Hierarchies, sugerindo que sua incluso naanlise da firma merece ateno como forma de reduzir barreiras entre a economia e outros campos

    no estudo do comportamento humano. De toda forma, Williamson sugere que alm da dignidade, ootimismo por vezes tambm afeta o comportamento dos agentes.

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    cia) e seu tempo para tomada de decises so limitados.38 Sendo assim, as organizaes

    (firmas) so formas teis de "unir" capacidades limitadas para levar a bom fim os propsi-

    tos humanos. WILLIAMSON (1985, p. 45-7) faz referncia a outras duas formas de

    racionalidade consideradas na teoria econmica: i) uma forma forte, que corresponde

    racionalidade maximizadora utilizada pela teoria neoclssica; ii) e uma forma fraca, que

    corresponde racionalidade orgnica ou processual, utilizada pela Escola Austraca e por

    evolucionistas. A racionalidade limitada considerada uma forma semi-forte, ou interme-

    diria, e que vem sendo analisada sobretudo em duas instncias pela teoria econmica,

    quais sejam, nos processos de deciso e nas estruturas de gesto. A TCT est interessada

    na e se ocupa principalmente com a segunda instncia, enquanto, por exemplo, teorias

    evolucionistas da firma tm se preocupado mais intensamente com a primeira.

    Williamson alude a comentrios (no identificados) pelos quais a racionalidade

    limitada seria vista como forma distorcida de dizer que as informaes so custosas.

    Embora em parte isso possa ser significativo, j que os agentes so intencionalmente

    racionais, a partir de um certo momento o que seria a busca da maximizao se depara com

    acontecimentos imprevisveis - o que no deve ser confundido com acontecimentos de

    baixa probabilidade de ocorrncia. Tais acontecimentos alteram o comportamento do

    agente, mostrando-lhe que no possvel estar a par de tudo o que acontece no momento

    de sua deciso e de todos os desdobramentos pertinentes no s dessa sua deciso, mas

    tambm daqueles que decorrem dos fatos que no chegaram sequer ao seu conhecimento.

    Se considerarmos que no h um momento exato no tempo em que o agente receba um

    corte em sua racionalidade ilimitada (ou seja, que a racionalidade esteve sempre sujeita a

    tais "obstculos"), veremos que seus objetivos de maximizao nunca seriam possveis,

    originando o que Herbert Simon chamou de "busca da satisfao."39 No mesmo sentido,

    38Economistas Novo-Clssicos tm se aventurado a usar a idia de racionalidade limitada,muito embora sua aplicao possa ser inusitada. Vide o caso de Thomas SARGENT (1993, p. 3): "Iinterpret a proposal to build models with 'boundedly rational' agents as a call to retreat from thesecond piece of rational expectations (mutual consistency of perceptions) by expelling rationalagents from our model environments and replacing them with 'artificially intelligent' agents who

    behave like econometricians. These 'econometricians' theorize, estimate, and adapt in attempting tolearn about probability distributions which, under rational expectations, they already know."

    39 Para uma noo mais clara das diferenas entre informaes limitadas e racionalidadelimitada, podemos, a exemplo de WILLIAMSON (1985, p. 46, nr. 6), citar NELSON e WINTER

    (1982, p. 67): "There is similarly a fundamental difference between a situation in which thedecision maker is uncertain about the state of X and a situation in which the decision maker has not

  • 8/7/2019 dissertacaohuascar

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    26

    NOORDERHAVEN (1992, p. 236 - grifo no original) sugere que "The individual utility

    maximizer may be rechristened individual utility enhancer [...] as maximization - if

    uncertainty and information costs are taken seriously - refers to an imaginary end-state,

    while enhancement refers to the actual process of trying to reach that elusive end-state."40

    J o oportunismo uma caracterstica humana que indica a procura do interesse

    prprio. Entretanto, diferente da conceituao ortodoxa do indivduo racional maximi-

    zador, na qual se assume um comportamento explcito (e exclusivo) de egosmo partindo

    de cada agente, e que igualmente conhecido e praticado por todos os demais - ao que

    WILLIAMSON (1985, p. 47-9) chama de forma semi-forte da busca pelo interesse pr-

    prio. Williamson ainda se refere obedincia como forma fraca, ou mesmo nula, do

    egosmo.41 Tal forma fraca seria caracterstica de sistemas de gerncia de classe extrema

    ou economias centralmente planejadas em que o interesse prprio se desvanece em prol de

    um determinado grupo social.42 Mas a TCT se concentra no que considerada a forma

    given any thought to whether X matters or not, between a situation in which a prethought event judged of low probability occurs and a situation in which something occurs that never has beenthought about, between judging an action unlikely to succeed and never thinking about an action.The latter situations in each pair are not adequately modeled in terms of low probabilities. Rather,

    they are not in the decision maker's considerations at all. [...] In short, the most complex models ofmaximizing choice do not come to grips with the problem of bounded rationality. Onlymetaphorically can a 'limited information' model be regarded as a modelof decision with limitedcognitive capacities."

    40 Para uma distino bastante semelhante feita por um autor institucionalista, videSELZNICK (1992, apudSELZNICK, 1996, p. 272).

    41 Pode-se, porm, identificar ocasies em que a obedincia no representa ausncia de inte-resse prprio. Quando SIMON (1991, p. 31-7) fala em contratos incompletos de trabalho, comentasobre uma "zona de aceitao" ou "indiferena" em que os agentes contratados aceitam cumprirtarefas que no estejam indicadas no contrato. A falta ou presena de "obedincia" pode significar adiferena entre rompimento unilateral do contrato e uma promoo ou realinhamento de incentivos

    em favor do agente obediente. Um pouco adiante, Simon se refere docilidade do homem comoestratgia de sobrevivncia ou mesmo de projeo social, categoria na qual podemos encon