DISSERTAÇÃO_USO_MADEIRA

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UNIVERSIDADE SO JUDAS TADEU - USJTPrograma de Ps Graduao Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo

O USO DA MADEIRA NA ARQUITETURA: SCULOS XX e XXI

SIDNEI SRGIO ESPSITO

Orientador: Prof. Doutor ALEXANDRE EMLO LIPAI Co-orientador: Prof. Doutora MARTA VIEIRA BOGA

SO PAULO 2007

UNIVERSIDADE SO JUDAS TADEU - USJTPrograma de Ps Graduao Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo

MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

rea de Concentrao: Percepo, Representao e Produo do Espao Habitado

SO PAULO 2007

Espsito, Sidnei Srgio O uso da madeira na arquitetura dos sculos XX e XXI./ Sidnei Srgio Espsito. - So Paulo, 2007. 172 f.: il.; 30 cm

Dissertao (Mestrado em Arquitetura) Universidade So Judas Tadeu, So Paulo, 2007. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Emlio Lipai Co-orientador: Prof. Dra. Marta Vieira Boga 1. Arquitetura - Sc. XX e XXI. 2. Arquitetura Madeira. 3. Arquitetura Moderna. I. Ttulo

CDD- 720

AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Prof.. Alexandre Emlio Lipai pelo interesse, incentivo, confiana e por compartilhar seus conhecimentos que tanto contriburam ao longo desse tempo para a elaborao desse trabalho; Prof. Marta Boga, sempre presente com sbias palavras que tanto contriburam para o enriquecimento de desenvolvimento da presente pesquisa, com carinho e sabedoria; Ao Prof. Yopanan Rebello no incentivo e a simplicidade em dividir seus conhecimentos e pelo incentivo desde o tempo da graduao; Tambm ao Prof.. Edison Eloy, pelo apoio e companheirismo durante a jornada de estudo e pesquisas e que, alm de professor, um amigo ainda, a todos os professores que direta ou indiretamente acompanham minha busca pelo conhecimento; aos meus familiares que alm do apoio e incentivo, abriram mo dos momentos de convvio para que este trabalho fosse realizado; aos meus pais, pela formao proporcionada, ajudando-me a acreditar que poderia chegar at aqui. Enfim, a todos que, embora aqui no mencionados, em algum momento participaram desta caminhada.

A madeira vive sua primeira vida para si mesma, deixando-nos colher suas frutas, que os passarinhos disputam conosco e com outros bichos. As florestas compem chuvas, rios, cachoeiras e se alimentam de si mesmas e dos raios de sol. A segunda vida da madeira gerada pela mo e pelo esprito humano. So objetos de madeira que saem da nossa imaginao e ganham formas reais, passando a conviver conosco e continuam assim durante geraes, transformando-se, impregnando-se de vivncia, servindo de testemunho e mantendo a utilidade; Ogum o encontro entre a ferramenta e a madeira. A luta da mo contra a tora bruta que no servir humanidade, se no for vencida e se transformar. H muitos milhares de anos, a madeira revive em forma de objetos, desaparece no fogo por vontade do homem ou apodrece ao ar livre por vontade dos deuses.Jos Zanine Caldas (1919-2001)

SUMRIO

SUMRIORESUMO..........................................................................................................................................................15 ABSTRACT......................................................................................................................................................17 INTRODUO..............................................................................................................................................21 1. ASPECTOS HISTRICOS DA TRADIO, CULTURA E TCNICA NAS PRTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA..............................................27 1.1. Histria: Experimentao e prtica...............................................................................27 1.2. Autctone e Tectnica....................................................................................................30 1.3. Tradio e Cultura...........................................................................................................50 1.4. Tcnica..............................................................................................................................55 1.5. Tecnologia........................................................................................................................56 1.5.1. Madeira Compensada..................................................................................................60 1.5.2. Aglomerado...................................................................................................................60 1.5.3. MDF...............................................................................................................................61 1.5.4. MDP...............................................................................................................................61 1.5.5. OSB................................................................................................................................62 1.5.6. Madeira Laminada........................................................................................................63 1.5.7. A pesquisa no Brasil.....................................................................................................70 2. SEVERIANO MRIO PORTO............................................................................................................75 2.1. Restaurante Chapu de Palha 1967...............................................................................79 2.2. Hotel e Pousada da Ilha de Silves 1980.......................................................................91 2.3. Centro de Proteo Ambiental da Usina Hidreltrica de Balbina 1988................103 2.4. Aldeia SOS do Amazonas 1997..................................................................................113 3. TADAO ANDO........................................................................................................................................121 3.1. Pavilho do Japo Expo92 Sevilha 1992..................................................................131 3.2. Museu da Madeira 1994................................................................................................143 3.3. Templo Komyo-Ji Saijo 2000......................................................................................155 4. RENZO PIANO.......................................................................................................................................169 4.1. Prometeo Espao Musical1984..............................................................................173 4.2. IBM Pavilho Itinerante 1988..................................................................................187 4.3. Escritrio Renzo Piano (Building Workshop)1991.....................................................197 4.4. Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou da Nova Calednia1998...............................207 4.5. Palco da Msica de Roma2002...................................................................................225

5. MARCOS DE AZEVEDO ACAYABA..............................................................................................241 5.1. Quiosque na Fazenda Arlinda 1980...........................................................................247 5.2. Residncia Hlio Olga 1990.........................................................................................253 5.3. Residncia Andra Calabi 1991...................................................................................265 5.4. Residncia Ricardo Baeta 1991...................................................................................275 5.5. Residncia Osmar Valentin 1995................................................................................287 5.6. Residncia Marcos Acayaba 1997...............................................................................297 5.7. Sede do Parque Estadual de Ilha Bela 1998..............................................................307 CONCLUSO...............................................................................................................................................315 DOUMENTAO ICONOGRFICA.................................................................................................323 1. ASPECTOS HISTRICOS DA TRADIO, CULTURA E TCNICA NAS PRTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA...................323 2. SEVERIANO MRIO PORTO..................................................................................324 3. TADAO ANDO..............................................................................................................326 4. RENZO PIANO.............................................................................................................328 5. MARCOS DE AZEVEDO ACAYABA.....................................................................330 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS...................................................................................................335 Livros......................................................................................................................................335 Teses e Dissertaes.............................................................................................................338 Revistas...................................................................................................................................339 Revistas Eletrnicas..............................................................................................................341

RESUMO

A anlise das obras selecionadas dos arquitetos Severiano Mario Porto, Tadao Ando, Marcos Acayaba e Renzo Piano, nos leva a uma revisitao da arquitetura tradicional. Esta dissertao busca detectar se a atual arquitetura em madeira significa ecos de uma tradio em se trabalhar com esse material, ressonncia de culturas que o homem incorporou ao seu conhecimento do nascimento de novos tempos nas prticas arquitetnicas no mundo, da recuperao de certos princpios nas obras em madeira. O objetivo desta pesquisa contribuir para investigar melhor o uso da madeira, enfocado para solues de projeto.

Palavras-chave: arquitetura, cultura, madeira, tradio, tecnologia.

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ABSTRACT

From the analysis of some architects selected work Severiano Mario Porto, Tadao Ando, Marcos Acayaba e Renzo Piano; it leads us to realize a kind of revisit to the traditional architecture. This written essay aims to detect if the current wooden architecture is an echo of the tradition in working with this material, a resonance of cultures which man incorporated to his knowledge of the origin of a new era in the architectonic practice in the world, a recovery of certain principles in the wooden work. The objective of this research is to contribute to the investigate the use of the wooden, focusing to the design project solutions.

Key-words: architecture, culture, wood, tradition, technology

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INTRODUO

INTRODUO

A madeira um material peculiar presente nas construes humanas desde os primrdios. Esta pesquisa se iniciou com a investigao das influncias culturais da tradio no uso da madeira, tendo em vista as tcnicas e sua reinveno no correr dos anos. O norte que a instigou foi a ateno arquitetura vernacular japonesa e sua precisa competncia tcnica. A avaliao do processo histrico-cultural da transformao do uso da madeira permitiu conhecer e identificar relaes, diferenas ou, ainda, convergncias de tcnicas, ou recorrentes influncias de tradio e cultura, atravs da produo de quatro arquitetos conceituados que tm a madeira como matria prima de seus projetos. Quais reflexos daquele saber ainda se apresentam na arquitetura contempornea? Essa pergunta feita naturalmente por pesquisador-arquiteto que est atento s possibilidades do ato de projetar. Esta pesquisa busca detalhar o trabalho fundamentado na tecnologia e mtodos de utilizao da madeira em algumas culturas. Tem ainda, esta dissertao, como objetivo mostrar os diferentes modos de utilizao da madeira na produo arquitetnica em suas diferentes tcnicas construtivas na segunda metade do sculo XX. O aporte no desenvolvimento tecnolgico em relao ao uso da madeira como material construtivo no s ocorre em pequenas construes como tambm para edificaes de grande porte, a partir de obras de alguns arquitetos contemporneos, que apresentam domnio no uso desse material. Severiano Mrio Porto, Tadao Ando, Renzo Piano e Marcos Acayaba so os arquitetos estudados atravs da identificao, descrio do funcionamento e anlise de desempenho das solues encontradas. Foram selecionados por critrio de recorrncia no uso da madeira como material presente em projeto e pela evoluo nas tcnicas e tecnologias aplicadas. Tambm por transformarem o material, objetivando o desempenho esttico e estrutural, caracterizando em algumas delas as peculiaridades da madeira, a simplicidade da mo-de-obra local ou exigncias de uma mo-de-obra especializada. A partir da anlise das obras, tendo em vista cultura, tradio e tcnica, num primeiro momento metodolgico, apresentamos as peculiaridades que os distinguem. Atos contnuos

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assinalaram-se valor e a coerncia de materiais, tcnicas construtivas e a disponibilidade do material e da mo-de-obra. O Captulo 2, que trata das obras de Severiano Mario Porto, apresentou estudo referente s peculiaridades no uso da madeira em uma arquitetura autctone e regional. Consideraes com o clima e o lugar, material e a mo-de-obra local so as bases para sua arquitetura em madeira, numa poca em que o concreto armado se apresenta no Brasil como material mais recorrente na construo civil. O trabalho de Severiano Porto reconhecido pelas solues que apresenta no encontro das tecnologias modernas e tradicionais, pelo respeito ao contexto fsico e cultural e pela coerncia na adequao da arquitetura ao clima tropical. Solues que sempre atraram a admirao da crtica, principalmente pelas obras que envolvem o uso da madeira, ateno ao clima, material e local para a implantao da arquitetura. Com decises justificadas pela racionalidade, seus projetos se desenvolveram de acordo com a realidade da regio, buscando adequaes ao rigor do clima, empregando os materiais disponveis e respeitando as caractersticas do lugar. Em sua obra, talvez a mais representativa tenha sido o Centro de Proteo Ambiental de Balbina, que ser analisado em detalhes no desenvolvimento desta dissertao. O Captulo 3 analisa-se as obras de Tadao Ando, que expressam sua profunda proximidade com a cultura japonesa, buscando sempre fazer de seus projetos uma expresso do lugar. O arquiteto, que realizou projetos a serem inseridos em contextos culturais e sociais diferentes do seu, recebem uma influncia contundente da arquitetura moderna em que predomina o uso do concreto armado, tendo por referncia Le Corbusier e, principalmente, Louis I. Kahn. Portanto, o uso da madeira, como material em sua arquitetura, ser restrito s obras de exceo, como o Pavilho Japons na Expo92, em Sevilha e o Museu da Madeira. Entretanto, cabe destacar nessa produo significativa as fortes razes que mantm na tradio. Tadao Ando busca referenciais nas antigas construes do Japo, como os templos religiosos, na modulao, na espiritualidade do espao e principalmente no material, conforme mostra o projeto de reforma do Templo Komyo-ji Saijo. Os exemplos de sua arquitetura em madeira trazem o enraizamento cultural e a tradio que fundamentam a coexistncia da arquitetura milenar com a tecnologia moderna, deixando presente o simbolismo que o material traz.

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No Captulo 4, so estudadas as obras de Renzo Piano. Pode-se perceber que suas obras tm aportes, principalmente, na tecnologia e nos conceitos aplicados diretamente na competncia e apropriao do material e suas descobertas na construo. Renzo Piano um arquiteto que no possui razes na tradio da arquitetura em madeira, j que a Itlia (seu local de trabalho) se caracteriza por uma arquitetura em pedra e alvenaria. Entretanto, revela o rigor da competncia que desenvolveu atravs das obras selecionadas para este trabalho, como o caso do Centro Cultural Jean-Marie Tjibaou em, Nouma. Na arquitetura de Renzo Piano, poder ser notado ainda o uso de sistemas especializados, na competncia de um sistema construtivo aliado ao material que lhe permite uma arquitetura arrojada. Uma arquitetura que revela a preocupao tectnica atravs de rigoroso esquema tecnolgico e construtivo. A madeira nas obras de Renzo Piano tem se mostrado como um material que atende s exigncias do arquiteto, pela flexibilidade, que oferece condies construo de elementos estruturais de grande porte e que possibilitam uma produo em srie, viabilizando construes prfabricadas ou at mesmo arquitetura itinerante. Em seus projetos, constata-se ser culturalmente enriquecedor o dilogo com os valores, tradies e sensibilidades locais. O Captulo 5 analisa-se as obras de Marcos Acayaba, permitindo demonstrar que a madeira, a partir de um determinado momento, passa a ser protagonista em seus projetos. Verificouse ainda que sua competncia j havia sido demonstrada na elaborao de projetos em concreto armado no incio de sua carreira, como exemplo a residncia Marcos e Marlene Milan Acayaba. O arquiteto viabiliza um ideal, com a possvel insero de arquitetura sem danos ao ambiente natural, permitindo a racionalidade e a flexibilidade no s do material, mas tambm da forma. A madeira utilizada foi a de manejo sustentado. Feito o levantamento das espcies existentes, adota a soluo de us-las em sua forma macia, beneficiada e aparelhada em suas obras. Sua arquitetura desenvolvida a partir dos conceitos de obras modernas (escola e formao). Podemos perceber, ainda, a busca por inovao no sistema construtivo e uma viso formal adequada e baseada em modular que pode ter como uma hiptese possvel de inspirao, a arquitetura japonesa.1 A palavra tectnica vem do radical grego tektonik, que significa arte de construir. Entendendo como tectnica a arte de construir edifcios, enquanto essncia da forma arquitetnica. Um estudo da sntese da construo, de maneira que uma estrutura arquitetnica se organiza em um corpo nico de uma construo lgica.

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pela busca da expresso plstica

do edifcio por meio de suas articulaes construtivas. Uma sntese entre a paisagem e a construo,

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O arquiteto utiliza muitas vezes os prottipos de suas buscas para chegar ao mdulo que se repete e constri um padro para um sistema construtivo. Peas de madeira, junes e articulaes metlicas podem ser manuseadas sem exigirem especializao de mo-de-obra. A repetio dos mdulos possibilita atender a vrios programas e suas dimenses possibilitam variaes de volumes, formas e geometria estrutural. Por essa razo, requerem-se solues que permitam a introduo de melhorias no uso da madeira na construo. No obstante, a realidade indica que o domnio de tcnicas, vindas das influncias culturais causadas pela ressonncia do uso da madeira na arquitetura, no so ecos de uma civilizao universal ou transformaes agregadas por valores culturais e de tradio ao homem dos sculos XX e XXI. Embora, na maioria dos casos, sejam gerados pelas diferenas regionais que esto prximas das culturais e dentro de um plano em que se detectam similaridades no manuseio do material, tcnicas aplicadas e produto desenvolvido. Faz-se tambm a verificao das influncias culturais causadas pela ressonncia do uso da madeira, mudando, perpetuando, ou ainda se agregando aos valores culturais do homem contemporneo. A possibilidade de relacionar o uso da madeira em culturas muitas vezes consideradas primitivas hoje serve de exemplo para outras que no mantm a tradio deste material, muitas vezes pela escassez e pela dificuldade de obteno. Atualmente, as condies de transporte e tcnica voltadas a este tipo de material para a construo facilitam o comrcio do produto e aumento da produo arquitetnica em madeira. A madeira se revela material adequado e rico em possibilidades, aliada condio de sustentabilidade por ser renovvel e de fcil reciclagem. Soma-se a isso a enorme facilidade de ser trabalhada, no necessitando de processos industriais complicados e poluidores para o seu processamento. Esses so fatores que colocam a madeira numa posio bastante interessante em relao aos outros materiais. H a necessidade, porm, de desenvolvimento de tradio em pesquisas com o uso da madeira aplicada Arquitetura em nosso pas, fato que j vem acontecendo no mbito acadmico em algumas Universidades brasileiras, ainda em escala reduzida. A investigao para ampliar o conhecimento tecnolgico adequado nossa realidade, aliada a um planejamento econmico estratgico, poderiam desvendar novos e diversificados caminhos para a utilizao da madeira de forma sustentvel.

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1. ASPECTOS HISTRICOS DA TRADIO, CULTURA E TCNICA NAS PRTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA

1: Viollet-Le-Duc e o primeiro abrigo.

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1. ASPECTOS HISTRICOS DA TRADIO, CULTURA E TCNICA NAS PRTICAS CONSTRUTIVAS EM MADEIRA

1.1. Histria: Experimentao e prtica

O uso da madeira no novidade na arquitetura, visto ser um dos mais antigos materiais de construo. Sua utilizao como matria-prima para as construes mais simples e a tcnica construtiva empregada nos edifcios uma constante na historia da arquitetura. As primeiras habitaes construdas so datadas por estudiosos, arquelogos e historiadores, do perodo pr-histrico. Construes cuja estrutura era constituda empiricamente com ramos e galhos cobertos por aglomerado de folhas, palhas, longas fibras vegetais e at peles. A idia do primeiro abrigo, arqutipo e origem, esto representados por alguns significativos tericos da arquitetura, como Viollet-Le-Duc (imagem 1). A arquitetura mostra atravs de sua histria como se transforma por meio do surgimento ou influncias de novas tcnicas, associao de outras culturas e tradies. Nesse sentido importante observar os mtodos e processos geradores dessa transformao a partir de solues autctones para os materiais orgnicos, ou quando, estes materiais foram sendo superados por outros. A tcnica aplicada construo uma atividade quase to antiga quanto humanidade e seu desenvolvimento est relacionado com a observao da natureza e com o aprendizado emprico durante a prtica de construir. As primeiras tcnicas construtivas surgem da observao da natureza e da imitao de suas estruturas para responder s necessidades humanas de abrigo, locomoo, entre outras. Com o passar do tempo, a manipulao dos materiais naturais pelo homem vem permitindo o acmulo de conhecimento e habilidades num processo de aprendizagem emprico durante seu trabalho. De forma prtica a humanidade conseguiu grandes evolues na arte de construir propiciando edificao complexas e grandiosas. Atravs da construo de casas, silos, estradas, pontes, teatros, templos e barragens so alguns exemplos de como a humanidade desde a antigidade vem moldando a natureza de forma a desenvolver sua capacidade em edificar.27

2: construo sendo realizada por mulheres da tribo de Gabra, frica.

3: desenho esquemtico da construo de Gabra, por Dominique Cazajus. 28

primeira vista a arquitetura no parece relacionada com o relato acima exposto. Na realidade, est e de maneira significativa. Alguns exemplos prximos e similares s tipologias primitivas so vistos nos tempos atuais nas construes de diversas tribos africanas ou latino-americanas, em geral, construdas por uma estrutura circular formada por galhos finos, em forma de arco, presos por uma trama de fibras ou galhos mais finos amarrados em seu permetro que suporta uma cobertura de fibras vegetais(imagens 2 e 3). Deste modo, as exigncias de um abrigo para algumas tribos aborgines, ficavam

satisfeitas com uma simples armao de ramos ou pequenos troncos de rvores, que se cobriam com folhas, fibras ou casca de rvores. Os diversos procedimentos com que se realizavam as unies de objetos e/ou materiais diversos, so determinados pela qualidade das ferramentas, mais ou menos sofisticadas, que os diversos povos desenvolveram. Em muitas partes do mundo a unio das peas de madeira era realizada apenas com o auxlio de cordas tecidas com as fibras de folhas e com lianas 2 . Estas unies eram muito resistentes e graas a sua grande flexibilidade, resistiam s foras da natureza como os ventos fortes. A grande variedade de casas construdas base de peas de madeira unidas entre si com fibras vegetais, fala por si mesmo da solidez da sua construo e da sua segurana estrutural, constituindo assim o mtodo mais eficaz e mais econmico de utilizao de materiais naturais que se encontram em toda a parte do mundo. Algumas dessas estruturas alcanaram um nvel to grande de desenvolvimento que a tecnologia moderna tem pouco a acrescentar. Estas construes chegaram at hoje, como testemunho da sua extraordinria qualidade. Em qualquer lugar que fosse possvel encontrar facilmente materiais orgnicos (como a madeira) aptos para a construo, estes eram aproveitados para serem utilizados em qualquer tipo de estrutura de madeira. Troncos que serviam de apoio e suporte para simples cobertura, foram os precursores das estruturas de madeira atuais cuja evoluo tcnica foi gradual e ao longo dos sculos servindo s necessidades do homem. A evoluo das construes em madeira ocorreu em funo das caractersticas do material predominante e das tcnicas construtivas em madeira em cada regio. A diversidade cultural dessas regies traz modificaes nas solues arquitetnicas, evidenciadas pelo uso de diferentes tcnicas e materiais de construo. Acrescida de espaos e ornamentos peculiares s culturas que as2

Designao comum a diversas trepadeiras lenhosas, epfitas, de caule extenso (at 70m), que abundam nas florestas tropicais. HOLLANDA 2004.

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constroem, as edificaes em madeira passaram a ser expresso arquitetnica de uma tradio cultural.

1.2. Autctone e Tectnica

Palavras como autctone3, vernacular, tectnica, tcnica e tecnologia, cultura e tradio, esto presentes no vocabulrio do arquiteto contemporneo, em discusses de estudiosos e pesquisadores, e, como palavras-chave para se pensar ou elaborar um projeto arquitetnico. Sendo usado com mais freqncia que em outros momentos da histria da arquitetura, esse vocabulrio, tambm faz parte de outras reas circunvizinhas arquitetura que, hoje formam uma interdisciplinaridade mais explicita, em reas como, antropologia, sociologia, psicologia, filosofia, entre outras. Pode-se verificar a relevncia da anlise das arquiteturas vernaculares atravs de estudos realizados por alguns conceituados pesquisadores acadmicos em vrias partes do mundo. Bernard Rudofsky, em Arquitectura sin Arquitectos de 1964, faz uma rpida, porem significativa introduo a essa natureza de construo. O livro um lembrete da legitimidade e imenso conhecimento inerente em edifcios vernaculares, das cavernas de sal polonesas s rodas de gua gigantescas da Sria (imagens 4 e 5). Sua quase imutabilidade apontada por Rudofsky como dado de uma perfeio indica uma recorrncia que se apura ao longo do tempo. A definio pode incluir uma variedade ampla de edifcios como casas, silos agrcolas, edifcios industriais e estruturas. So formas geradas freqentemente pelo empirismo desde os tempos mais antigos. As novas arquiteturas construdas a partir do conhecimento emprico manifestam-se fisicamente, perpetuando ento, normas culturais e acmulo de conhecimento de como construir. O edifcio vernacular foi elogiado por muitos autores por sua adaptao sofisticada a seu ambiente e s necessidades de seus usurios. Compuseram uma parcela grande do ambiente construdo durante toda a histria da humanidade.3

Autctone, segundo o Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa (eletrnico, 2002), tudo que prprio de um pas, ou da regio em que habita e descende de raas que ali sempre viveram, ambas autonmias de dvena: estrangeiro ou estranho vindo de fora por via culta. J por acepo dos termos pode-se aferir aspectos que caracterizam a arquitetura autctone ou vernacular: uma relao direta com o stio de implantao e a presena de tradio.

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4: estrutura das cavernas de sal, Polnia sculo XI.

5: roda dgua, Sria s/d. 31

La arquitectura verncula no sigue los ciclos de la moda. Es casi inmutable, inmejorable, dado que sirve su propsito a la perfeccin. Por lo general, el origen de las formas de la edificacin y los mtodos de construccin, se han perdido en el pasado. 4 (RUDOFSKY 1973) As anlises de Rudofsky revelam a utilizao de diversos tipos de materiais por este homem que dominava as tcnicas de seu tempo (hoje muitas delas esquecidas). Mostra tambm a evoluo dos sistemas construtivos, possvel a partir da identificao das caractersticas dos materiais, aplicando novas tcnicas aos modelos existentes com o intuito de aperfeio-los. Existe uma correspondncia entre o modelo tradicional e o processo de transformao, que procura sustentar a hiptese de que os modelos formais presentes na transformao no constituem uma influncia cultural proveniente do mundo externo atravs de um processo de universalizao ou aculturamento, mas, sim, de elementos formais presentes na arquitetura tradicional, com a incorporao de novos materiais e sistemas construtivos. A palavra tectnica vem do radical grego tektonik, que significa arte de construir (HOLLANDA 2004) e para COLQUHOUN a definio estrita de tectnica a arte de construir edifcios. Mas, no discurso arquitetnico, o termo tem sido em geral ligado ao problema ideolgico de considerarmos se a estrutura que confere forma construo deve ser revelada ou mascarada. 5 O pesquisador Kenneth Frampton 6 a favor da tectnica enquanto essncia da forma arquitetnica. Um conceito de sntese construtiva, isto , o modo como uma estrutura arquitetnica se organiza em um nico corpo de uma construo lgica. A arquitetura destes ltimos sculos (XX e XXI), tem sido caracterizada pelo conceito da inveno como um fim em si, tendo como ponto alto um abstracionismo da forma obtida atravs de um exagero no exerccio estrutural amparado em um sofisticado suporte tecnolgico. Sistemas construtivos avanados e novos materiais aliam-se a pensamentos e manifestaes que se expressam atravs de geometrias complexas e instrumentais informatizados de projeto que visam uma nfase no uso da unidade estrutural como a essncia da arquitetura contempornea. Estes novos processos tm presena constante nas obras contemporneas dos arquitetos Santiago Calatrava, Frank Gehry e, entre outros, Renzo Piano, cuja obra ser apresentada em captulo especfico por tratar com profundidade o uso da madeira com um olhar na tecnologia e outro na cultura e necessria contextualizao de um projeto.RUDOFSKY, B. Arquitectura sin Arquitectos. Editoria Universitatia de Buenos Aires, 1973, p. 01. Entrevista de Alan Colquhoun sobre usa obra Modernidade e tradio clssica", disponvel em http://www.vitruvius.com.br/entrevista/colquhoun/colquhoun_2.asp - 25/05/2006. 6 NESBITT. K. Uma nova agenda para a arquitetura. Cosacnaify. So Paulo, 2006.4 5

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Entre os sistemas construtivos usuais que avanam em aprimoramentos pode-se observar que em relao ao uso da madeira alguns sistemas de construo permanecem com suas caractersticas mais antigas, como o caso das construes do Japo e dos pases nrdicos. A arquitetura Nrdica que se caracteriza pela largura das paredes capazes de isolar o frio, configura uma construo macia bem diferente da Oriental, porm, tambm muito interessante quanto manuteno de processos construtivos de tecnologia simples embasada em conceitos ancestrais. H civilizaes nas quais o uso da madeira na arquitetura autctone expressiva, destacando-se formas peculiares, significativas no estudo da arquitetura: o Extremo Oriente uma dessas civilizaes, com uma arquitetura leve, porm resistente e feita para suportar os freqentes terremotos e, portanto, rica em conhecimento no uso de detalhes de encaixes que permitem absorver movimentos violentos a que um edifcio solicitado quando submetido a um tremor do solo. As civilizaes orientais, diferentemente das ocidentais, levam consigo a aura de mistrio, de desconhecido, de crenas profundas, de uma cultura rica que at h pouco tempo permanecia praticamente intacta. Em algumas delas ainda podemos ter a impresso de que a globalizao nunca teria lugar, pois a cultura enraizada muito forte. Entre as diversas culturas onde ainda encontramos manifestaes contemporneas com lastro nos conceitos de autctone e tectnico, destaca-se, com maior riqueza de exemplos, a cultura japonesa e sua arquitetura singular. So maneiras distintas de se trabalhar a madeira, com o carter do arteso tradicional, ao lado da qualidade de um material natural, orgnico, que simbolize o ressurgimento de um estgio pr-industrial e pr-tecnolgico. As edificaes no Japo revelam que o uso da madeira na arquitetura fruto de um tratamento delicado e sensvel do material e os conceitos aplicados vo desde o uso, do manuseio tcnico at conceitos espaciais tais como a mobilidade na produo dos espaos, a permeabilidade e a transparncia. A arquitetura japonesa dispe de um vasto repertrio de exemplos de execuo em madeira, desde a arquitetura religiosa dos Santurios Xinto, os Templos Budistas, os Toriis, as habitaes antigas, os palcios, os castelos e as tradicionais Casas de Ch. De certo modo, todas essas tipologias seguem um padro recorrente em relao ao material, s tcnicas de corte da madeira e construo. As variaes ocorrem nos detalhes construtivos e ornamentos, conforme o uso da edificao. Dentro desta diversidade de detalhes uma delas a estrutura imbricada dos telhados e beirais que, pela multiplicao de pequenas peas que so ligadas entre si, desempenham um papel33

estrutural muito importante num sistema de vigamento caracterizado pela ausncia de elementos de estabilidade triangulares. Estes elementos da ossatura se desenvolveram com o tempo das mais variadas formas (imagem 6). Boa parte dessa condio se deve a uma cultura na qual a tradio tem um valor inestimvel. Conforme Noburo (1990:2) as primeiras construes com o piso elevado surgiram no sculo III a.C. com telhado estruturado em duas guas. As construes eram realizadas pelos Inabes (construtores de embarcaes), configurando uma arquitetura que no ostenta grandiosidade e, sim, uma maior riqueza em detalhes e tcnicas de construo que foram aprimoradas em relao China, Coria, Tailndia.

6: detalhes de encaixes, sistema construtivo japons.

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7: Torii tradicional - Yoyogi-koen Park, Tkio.

8: Templo Hry-ji (607 sculo VII) Nara. Construdo totalmente em madeira, considerado a construo em madeira mais antiga do mundo, patrimnio da humanidade desde 1993.

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9: detalhe do beiral do telhado - Templo Todaiji Daibutsu, sculo VIII, Nara.

10: detalhe capitel, arquitetura japonesa.

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O Santurio de Ise (imagem 11) uma das mais antigas construes encontradas no Japo, sua construo toda em madeira de troncos rolios, com encaixes para a fixao das peas umas nas outras e cobertura em palha. A construo um exemplo de como se erguiam as edificaes com os pilares cravados diretamente no solo. Posteriormente, usaram-se pedras para isolar a madeira da umidade, prolongando seu tempo de uso.

11: Santurio de Ise sculo VII, Ise.

Outro elemento que mostra a capacidade dos japoneses de construir em madeira o Pagode (imagem 12), talvez a mais forte expresso arquitetnica da cultura e tradio de um povo na construo em madeira. A estrutura do Pagode encontra equilbrio no eixo central por meio de um pilar cravado no solo que segue at o alto da edificao. Seus beirais vo se sobrepondo amparados pelo equilbrio interno. So construes muito antigas e possuem tipologias diferenciadas de acordo com a data e segmento religioso.

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12: pagode Templo Horyu-ji, sculo VII. A coluna central funciona da parte inferior parte superior com eixo do pagode. Todos os pagodes construdos no Japo tm tal coluna, chamada de shinbashira. Poucas das torres em madeira similares existentes na China e na Repblica da Coria tm esta coluna. provavelmente uma caracterstica distintiva dos pagodes em madeira do Japo.

Outro exemplo significativo da arquitetura japonesa o Palcio de Katsura (imagens 13 e14) que apresenta modulao precisa, diviso espacial coerente com essa modulao, e a sobriedade

tpica desta cultura. A singularidade dos ambientes surpreende pela nitidez e grandeza das formas, por seus princpios de composio modular, pela diferenciao entre cheios e vazios; transparncia e continuidade do espao. Outros aspectos a destacar so a planta livre valor inspirador em muitas obras dos arquitetos do Movimento Moderno - a supresso de ornamentos e a valorizao do detalhe, bem como o desenvolvimento tecnolgico (como os painis corredios), o revestimento com materiais fibrosos e o sistema construtivo, to distante dos sistemas ocidentais de coluna, lintel e arcos.

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13: Palcio Imperial Katsura Rikyu, 1650.

14: Palcio Imperial Katsura Rikyu.

15: sala de ch tradicional. 39

H questes que se apresentam como problemas intrnsecos da constituio fsicoqumica do material, independentemente do contexto geogrfico ou cultural onde se encontram. Referem-se ao comportamento do material em si que por ser de natureza orgnica possui grande vulnerabilidade ao ataque da umidade quando em contato direto com o solo, como ocorre no seu uso aplicado a fundaes de edifcios. Em diferentes culturas o problema procura resolver a essncia desta questo, porm, de modos diferentes de acordo com o conhecimento obtido da experimentao e da tcnica desenvolvida.

16: fundaes, sistema construtivo japons.

Nessas construes, pode-se verificar uma interessante estratgia adotada para impedir que a umidade do solo atinja as peas de madeira, elevando toda a construo do solo. Os pilares rolios de madeira de pequeno comprimento esto em contacto com uma base de pedra enterradas poucos centmetros acima no solo, estas pedras ficam com uma parte exposta onde dificulta a absoro da umidade que vem da terra (imagem 16). interessante verificar que, quando a tradio aparece como referncia formal e simblica, sua identidade inconfundvel como na arquitetura em madeira do arquiteto Tadao Ando. A comparao dos pilares do Templo Todaiji Daibutsu com os pilares da construo do Templo Momyo-ji Saijo no deixam duvidas a esse respeito (ver captulo que trata a Arquitetura de Tadao Ando).

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J a arquitetura dos pases nrdicos (localizados na regio norte e nordeste da Europa,compreendem os territrios da Finlndia, Noruega, Sucia e Dinamarca), possui um repertrio de arquitetura em

madeira to grande quanto o Japo. A abundncia de bosques no norte e leste da Europa constituam um elemento bsico para que a madeira fosse utilizada na construo. Apresentam uma arquitetura macia e robusta, sem transparncia, apoiadas em fundaes rasas de pedra ou pequenos muros tipo baldrame que sustentam o peso dos troncos rolios empilhados paralelamente. Os troncos horizontais so unidos entre si mediante diversos tipos de junes. Esta disposio horizontal dos troncos teve maior aceitao do que a disposio vertical, devido maior estabilidade que conferiam construo.

17: fundaes, sistema construtivo nrdico.

O principal inconveniente da disposio horizontal dos troncos consistia na maior dificuldade em conseguir que os espaos entre eles fossem vedados para evitar a infiltrao de ventos e guas. Esta estanqueidade era conseguida, calafetando as fendas com telas tecidas na cor da madeira ou, nas casas mais humildes, com argila, musgo ou terra. Outro inconveniente na disposio horizontal dos troncos consistia no fato dos topos dos troncos ficarem a descoberto ficando facilmente merc do apodrecimento.

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Na Escandinvia, a construo em madeira foi inicialmente executada base de estruturas em aduela 7 , mas a partir do sculo XV, este sistema foi substitudo pela construo em troncos. Porm, apresentam uma arquitetura macia e robusta, sem transparncia, apoiadas em fundaes rasas de pedra ou pequenos muros tipo baldrame que sustentam o peso dos troncos rolios empilhados paralelamente (imagens 17 a 20). A arquitetura nrdica adaptada ao rigor climtico do local. A abundncia de matria prima tambm um fator que possibilita esse tipo de construo, cuja origem vem desde a civilizao Viking (sculo VIII a XI). A arquitetura religiosa tambm aparece como referencial importante na utilizao da madeira para estas construes macias. A quantidade de edifcios religiosos, erguidos durante sculos, e estes se encontram espalhados pela Escandinvia, Polnia e Hungria, havendo at alguns exemplares na Rssia. As igrejas de madeiras so caracterizadas por grandes pilares sobre longarinas de madeiras apoiadas nas fundaes de pedra. Alm do vedo em madeira estas so recobertas por pequenas pranchas de formatos e desenhos diferentes, j as residncias possuem somente os troncos sobrepostos cruzando nas extremidades num ngulo de 90; nestas, longarinas aparecem em alguns casos conforme a dimenso da edificao.

18: Igreja tradicional dos pases nrdicos, Noruega s/d.

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Tbua encurvada com que se forma o corpo de tonis, pipas, etc. Tambm usada com pedra em forma de cunha secionada, que se emprega na construo de arcos e abbadas de cantaria. HOLLANDA 2004.

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Quanto maior o edifcio maior sua base e, como as fundaes so rasas, nesse caso, o peso da madeira precisa ser distribudo por igual, obtendo-se um equilbrio estrutural no qual a dimenso da base corresponde dimenso da pea de madeira apoiada. Neste aspecto encontra-se semelhana com o sistema de apoio da arquitetura japonesa; entretanto os nrdicos ao usarem desta soluo adotam uma estrutura que no se apia sobre pedras isoladas como na arquitetura leve do Japo e, sim, sobre bases macias feitas com pedras. Enquanto a arquitetura japonesa, tanto residencial quanto religiosa, faz o uso de um processo de imbricamento de pequenas peas, a arquitetura residencial e religiosa nrdica traz como peculiaridade um sistema de empilhamento de troncos, conhecido como blockbau (detalhe imagens20 e 21). Esse sistema tradicionalmente construdo por uma mo de obra no especializada.

19: Vila Kaileia, Finlndia. 43

20: detalhes construtivos do sistema blockbau.

21: detalhe construtivo nrdico, parede, beiral e fundaes.

Hoje estes pases j dispem de sistemas de pr-fabricao de residncias neste estilo. Pode-se concluir que, mesmo dentro das inovaes contemporneas, a cultura e a tradio da construo em madeira nrdica no se diminuram diante dos avanos tecnolgicos, mas se mantiveram com a mesma matriz construtiva (imagem 21). Somente os pases em que a madeira continuou sendo um recurso amplamente disponvel, a tradio construtiva permaneceu. Certamente, os pases Escandinavos, Alemanha, Sua e outros do leste da Europa, Canad e Estados Unidos mantiveram durante todos estes anos uma44

produo constante de residncias em madeira. Entretanto, mesmo nas regies onde o uso de madeira estava sendo substituda por outros materiais, a carpintaria tradicional no desapareceu totalmente, embora limitada a casos singulares. Basicamente so os pases em que historicamente prevaleceram tecnologia de se construir com madeira. No Brasil no h, alm da experincia indgena, uma cultura e uma tradio em construes em madeira to consolidada como nos pases citados. Com exceo da regio Sul, que teve uma imigrao de povos do Norte e Leste europeu como os alemes, poloneses, hngaros etc., poucas regies mantm essa tradio. Os sistemas e tcnicas adotados so referncias das construes de seus pases de origem, como o sistema mais usado: o enxaimel (no qual a ossatura do edifcio constituda de madeira macia, com seo retangular, e preenchida com alvenaria. Em construes mais antigas, com esse sistema o preenchimento era feito em taipa (imagem 22).

22: casas em enxaimel na Alemanha (em Tecklenburg).

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As construes no Norte do Brasil que utilizam madeira tm um carter emprico, uma arquitetura autctone, indgena. O uso da madeira disponvel no local d uma peculiaridade arquitetura regional. Os referenciais vernaculares desta regio decorrem das arquiteturas indgenas e caboclas de populaes ribeirinhas. Tais usos mostram ao homem moderno solues simples para lidar com o clima quente e mido da regio (imagens 23 e 24).

23: casas sobre palafitas no Rio Negro, adequadas s cheias do rio.

24: maloca Makuna, regio noroeste do Amazonas.

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As solues construtivas ainda so muito similares s das construes primitivas: troncos com dimenses maiores e mais rgidos so usados para a estrutura principal, enquanto outros, de menor porte e flexveis, vo sendo dispostos de maneira que possam ser entrelaados entre si ou amarrados, dando condies para receber a cobertura final em palha. Este processo usado por vrias tribos indgenas que habitam a regio amaznica da Amrica do Sul, no se restringindo somente ao territrio brasileiro. No Brasil, a produo arquitetnica predominante no perodo contemporneo, em concreto e ao. Por no se ter referncias de construes em madeira com uma tecnologia mais avanada do que a indgena, a madeira durante muito tempo ficou impregnada por um preconceito, de material secundrio, s atenderia construo civil como cimbramento, frmas para concreto armado e outros usos menos importantes. Por inmeras circunstncias, uma camada da populao mais pobre se aproveita das sobras da construo civil para erguer suas habitaes. Caracterizam-se pela precariedade e condies da implantao e pela ausncia de recursos tecnolgicos na utilizao do material para a construo. So as conhecidas favelas. Esta caracterstica de precariedade contribuiu muito para que o restante da populao passasse a ver a madeira como um material no relacionado possibilidade de se ter uma habitao de qualidade. Isso no se tornou uma regra, mas contribuiu para um distanciamento no uso deste material. Por outro lado, em regies de populaes com mais recursos, de economia mais estvel, nos deparamos com construes luxuosas em madeira, como casas de campo e praia, especialmente para lazer. Na Amrica Latina, em especial na arquitetura brasileira, nosso estudo percorre o uso da madeira nas construes vernaculares tendo referncias importantes na arquitetura de Zanine Caldas (imagens 25 e 26) e, em especial, de Severiano Mrio Porto (imagens 27 e 28) cujas principais obras com estas caractersticas sero apresentadas em captulo especial desta pesquisa. A produo de ambos inclui como precedente outra forma de olhar para o material como elemento principal numa obra arquitetnica. Esses arquitetos criaram um repertorio prprio, incentivam as geraes posteriores na busca por elementos de culturas e tcnicas tradicionais que possam ser aplicadas s condies de nossa realidade.

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25: estrutura da cobertura Residncia Itaipava, RJ.

26: estrutura da cobertura Residncia Braslia, DF.

27: vista fachada Leste, residncia do arquiteto em Manaus.

28: Instituto de Arquitetos do Brasil, Manaus 1984.

Um exemplo contemporneo da aplicao da madeira na arquitetura brasileira no inspirada em caractersticas autctones ou vernaculares, mas com outro olhar, so as obras do arquiteto Marcos Acayaba que, em sua arquitetura, busca relaes entre material, forma e processos de produo industrial. O arquiteto, por outro lado, no mantm um vnculo com razes culturais ou tradio, como os europeus ou japoneses. Seu sistema de construo constitudo de encaixes, baseado nos modelos praticados pela carpintaria tradicional (imagem 29), com o uso de acessrios e ligaes metlicas. Sua obra reflete um trabalho de busca por uma tecnologia sem mistrios, uma industrializao prtica e que, possibilite resultados alm dos que j foram obtidos.48

29: exemplos de sambladuras (fonte: Trait Pratique de Charpente Barberot).

As experincias mostradas evidenciam um rico universo da arquitetura em madeira, apenas esboado, mas que revela uma diversidade de tcnicas, manuseio e detalhes, to distante da impresso corriqueira de que arquitetura em madeira implica sempre em uma mesma configurao tipolgica. H um saber fazer que se tornou universal ao incorporar: conhecimento de propriedades fsico-qumicas e comportamento do material em si, experimentaes que se tornaram tradio, transformaram-se em tcnica e foi objeto de troca entre diferentes culturas que por sua vez tornaram-se prticas naturais encontradas em grande parte do mundo ocidental. A exceo se destaca em culturas orientais com especial resultado na arquitetura japonesa. O conhecimento pelo contato com a tradio e cultura que gerou uma determinada tcnica um importante meio de aprendizado para o aprimoramento da pesquisa.

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1.3. Tradio e Cultura

A tradio em arquitetura pode ser descrita como um conjunto de precedentes conhecidos e de uso consagrado, parcialmente repetidos, parcialmente modificados, dos quais o arquiteto se utiliza quando projeta um edifcio. (...) que torna possvel a quem projeta ir direto s prioridades, poupando-lhe o trabalho de reinventar o que j foi inventado. 8 STROETER (1986)

Temos como definio de tradio o processo de transmisso de dados culturais de gerao em gerao numa determinada sociedade. Fonte de conhecimento histrico e social. A origem da palavra tradio tem um sentido de conhecimento singular, uma memria preservada e transmitida de sculo para sculo, pela palavra, pelo exemplo, pela prtica, pela arte e ofcio. Depois, no domnio do conhecimento, dos costumes e das artes, uma maneira, ou um conjunto de modos de pensar, de fazer ou de agir, que representa uma herana do passado. A tradio um produto do passado que tem uma atualidade. Podemos at definir tradio como o que, de um passado persiste no presente, onde transmitido e continua a ser atuante e aceita por aqueles que a recebem e que, por sua vez, com o passar das geraes, a transmitem, como ocorre na formao do conhecimento dos ofcios de arteso e carpinteiro. Este captulo procura compreender um processo e mtodos que marcam, por um lado, continuidade e, por outro, uma ruptura com o passado. Entende o resgate da tradio como certo regionalismo que se posiciona num dilogo com continuidade do esprito da modernidade, como sugere MONTANER 9 , em paralelo ao conceito de regionalismo crtico, nos termos sugeridos por FRAMPTON 10 . Conhecer a arquitetura de um lugar importante, pois dessa forma possvel compreender parte da histria, identidade e cultura existentes.

STROETER, J. R. Arquitetura e Teorias. Cap. 6 A tradio. So Paulo: Nobel, 1986, p.109. MONTANER, J. M. Depois do movimento moderno: arquitetura da segunda metade do sculo XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p. 56, 138 e 190. 10 A definio do termo regional ou regionalismo baseia-se em conceitos como lugar, tradio, identidade local, elementos e tipos arquitetnicos regionais. Severiano Porto estaria dentro de um regionalismo, ou estaria comeando a desenvolver uma outra modernidade? Podemos nos remeter ao Regionalismo Crtico de Kenneth Frampton, quando ele prope que a arquitetura mescle influncias culturais locais com tendncias internacionais, preocupando-se com a composio arquitetnica da regio onde se construir um novo edifcio, sem desconsiderar as inovaes tecnolgicas. Mas o que nos perguntamos : em que ponto a utilizao deste ou daquele material neste ou naquele projeto caracteriza uma arquitetura regional?FRAMPTON, K. Historia critica da arquitetura moderna. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 381-397.8 9

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Os estabelecimentos de regras da arquitetura ilustram um padro tradicional cada vez mais em um estado de eroso e de transies causadas pela globalizao das idias, dos novos materiais e da internacionalizao da arquitetura. Embora atualmente, sob a presso das influncias internacionais, alguns arquitetos se valem dos saberes tradicionais como base de projeto. Este momento de universalizao de culturas e tradies no elimina, portanto, as tradies locais ou regionais, entendidas aqui como o acervo no qual sucessivas geraes se inspiram e recriam sua imagem de lugar imagem de si mesmos 11 . Nesse sentido, a tradio uma memria coletiva, um forte e indispensvel suporte sobrevivncia da(s) sociedade(s). A anlise de obras de Severiano Mrio Porto, como o Centro de Proteo Ambiental de Balbina, permite verificar que o uso da experincia histrica no implica necessariamente na idealizao, nem na uniformizao da arquitetura. Com o uso eficiente de recursos locais e valores culturais, a arquitetura do passado adiciona informao contempornea. Arquitetos se detm numa tradio genuna, sedimentada ao longo da prtica vernacular, mas sujeita transformao ao longo da histria. O desenvolvimento acelerado das novas tcnicas causou profundo impacto nas culturas do homem, alterou hbitos e comportamentos, modificou valores, com tal rapidez que nos coloca numa permanente e necessria readaptao cultural. As novas culturas j no so a cultura de um povo, sedimentada, acmulo de experincias, vividas e compartilhadas numa sociedade, e transmitidas sabiamente de gerao para gerao. Se a cultura se transformava lentamente ao longo dos sculos, hoje, devido dinmica do mundo moderno, sofre mutaes bruscas e rpidas, no totalmente assimiladas e acompanhadas pelo homem. COLQUHOUN (2004) discute sobre a tradio em que a arquitetura contempornea est imersa, constituindo um quadro de referncias que ajuda a perceber a configurao de suas vertentes atuais, como conceitos filosficos e histricos complexos, constitutivos da modernidade a partir do sculo XV, e relaciona-os com a prtica e a crtica da arquitetura dos ltimos duzentos anos. Segundo COLQUHOUN (2004) a questo se apresenta nas diferenas de atitude no que diz respeito relao entre tecnologia e arquitetura, onde a tecnologia considerada uma fora externa que age sobre um conceito cultural 12 .11 12

TUAN, Y. F. Espao e lugar: a perspectiva da experincia. So Paulo: DIFEL, 1983, p. 193. COLQUHOUN, A. Modernidade e Tradio Clssica - ensaios sobre arquitetura. 1980-87. So Paulo: Cosacnaify, 2004, p. 197-200.

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Essas novas culturas cumprem um ciclo de vida muito curto, extinguindo-se rapidamente, sendo substitudas nos seus valores e aes conjugadas dos fenmenos culturais, definindo uma cultura comum, cujo contedo parece ser estimulado competitividade, registrando a impresso de ser nova e no a impresso de um senso de cultura conduzida por uma tradio. Considerando a distino feita por vrios autores na contemporaneidade, relativa existncia de uma cultura popular ou local, ou mesmo um processo de massificao pela indstria da cultura, podemos considerar que a arquitetura projetada por um arquiteto crtico, que o faz conscientemente, remete-nos ao estudo de construes primitivas, vernaculares ou autnomas e tradicionais, e procura estabelecer um discurso que prope a presena da uma cultura regional, cumprindo papel de resistncia s solicitaes da internacionalizao que no leva em conta estes fatores. Segundo STROETER (1986), (...) A tradio no tem regras. orgnica e est em lenta e eterna mudana, tal como a linguagem. No impe restries ao trabalho de criao, por isso nenhum grande artista deixou a tradio no mesmo estado em que a encontrou. No entanto, aquele que a quebra violentamente arrisca-se a ser incompreendido, pois ao seu trabalho podem faltar pontos de referncia... 13 interessante observar que a cultura pode representar, como ocorre em algumas obras, o solo criativo necessrio para a configurao de um projeto. Alm disso, podemos entender a tradio como sugere Kenzo Tange, para quem: A tradio, de per si, no pode ser uma fora criadora. H sempre uma tendncia decadente a promover a formalizao e a repetio. Para dirigi-la a canais criativos necessria uma energia nova que repudie as formas mortas e as impeam de tornarem-se estticas. Ao mesmo tempo, a destruio, em si, no pode criar novas formas culturais. Deve haver alguma outra fora que restrinja a energia destrutiva e a impea de reduzir tudo a escombros. A sntese dialtica de tradio e antitradio a estrutura da verdadeira criatividade. 14 Verificar-se que na relao tradio-inveno podem nascer significativas obras, amparadas no conceito cultural (como indica Stroeter), mas tambm com a liberdade transformadora necessria, indicada por Kenzo Tange.

13 14

STROETER, J. R. Op. Cit. p.113. Iden, nota 10, p. 50.

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O estudo dos assuntos sobre cultura e tradio mantm, em paralelo, questes sobre o conceito de regionalismo atravs dos tericos Alexander Tzonis e Liane Lefaivre. Tzonis comea por estabelecer uma diferenciao entre regional e regionalista afirmando que: regional aquele que utiliza os materiais, elementos e formas arquitetnicas de forma automtica, estabelecida pela tradio, j o regionalista seria aquele que desfamiliariza a arquitetura de sua vida cotidiana para conseguir assim com que o observador tome conscincia, de forma diferente, das formas arquitetnicas cotidianas e d a elas significados diversos. 15 um paradoxo presente na raiz da cultura e da tradio que necessita ser compreendido para oferecer suporte conceitual e permitir uma anlise mais complexa de expresses contemporneas da arquitetura que realizada em todo o mundo atual. Em 1985, Kenneth Frampton apresentou o conceito de Regionalismo Crtico como uma postura de conciliao entre a universalizao proposta pela modernidade e as especificidades locais. Frampton diz que a arquitetura enquanto se ope simulao sentimental do vernculo local, em certos momentos o Regionalismo Crtico vai inserir elementos vernculos reinterpretados como episdios disjuntivos dentro do todo. Alm do mais ir s vezes buscar tais elementos em fontes estrangeiras. Em outras palavras, vai empenhar-se em cultivar uma cultura contempornea voltada para o lugar sem tornar-se, por isso, excessivamente hermtica, tanto no nvel da referencia formal quanto no da tecnologia. 16 Na dcada de 60, o modernismo na Europa Estado, j se encontrava em fase de esgotamento, porm ainda em franca atuao na Amrica Latina, em especial no Brasil (Braslia concluda e inaugurada nesta poca). Os princpios da arquitetura modernista impuseram regras rgidas aos

novos paradigmas formais e impediram reflexes mais profundas sobre as formas tradicionais que poderiam caracterizar nossa arquitetura. Alguns arquitetos brasileiros neste perodo j possuam a conscincia e postura de projetar com os princpios modernistas sem, contudo, desconsiderar o contexto e a cultura onde atuavam. O exemplo mais presente que aprofunda a questo de projetar com a cultura foi, sem dvida, o arquiteto Lcio Costa.

COELHO, R. A. Regionalismo Crtico. Disponvel em: http://www.saplei.eesc.usp.br/sap612/alunos/PaginaPessoal/Rodrigo%20Alexandre%20Coelho/PgRegionalismo.htm. 10/09/2006. 16 FRAMPTON, K. Historia critica da arquitetura moderna. So Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 381-397.15

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A palavra cultura tem muitas definies: Cultura o todo complexo que inclui conhecimentos, crenas, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hbitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade. (Edward Tylor)17

, como os hbitos, idias, tcnicas, compondo um conjunto, no

qual os diferentes membros de uma sociedade convivem e se relacionam. Todos os povos, mesmo os mais primitivos, tiveram e tm uma cultura, transmitida no tempo, de gerao a gerao. Mitos, lendas, costumes, crenas religiosas, sistemas jurdicos e valores ticos refletem formas de agir, sentir e pensar de um povo e compem seu patrimnio cultural. Tambm descrita como a parte do ambiente feita pelo homem como a herana cultural, como o conjunto da tradio social modo particular como as pessoas se adaptam a seu ambiente. Nesse sentido, cultura o modo de vida de um povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um territrio comum, criado na forma de idias, instituies, linguagem, instrumentos, servios e sentimentos. Esses elementos, que compem o conceito de cultura, permitem mostrar que ela est ligada vida do homem, de um lado, e, de outro, se encontra em estado dinmico, no sendo fixa sua permanncia dentro de um determinado grupo. A cultura se aperfeioa, se desenvolve, se modifica, continuamente, nem sempre de maneira perceptvel pelos membros do prprio grupo. justamente isso que contribui para seu enriquecimento constante, por meio de novas criaes da prpria sociedade e ainda do que adquirido de outros grupos. Quando um grupo social sofre o processo definido pela antropologia por aculturao a cultura se amplia e se diversifica em face s influncias dessa expanso, cujas relaes condicionam o surgimento de novos valores culturais ou o desaparecimento de outros. um processo ou fenmeno de transformao que ocorre quando h o contato entre duas ou mais culturas diferentes, bem como as transformaes decorrentes em cada uma delas, por fora desse contato. Na adaptao, uma cultura se altera para incorporar componentes culturais tomados de emprstimo a outro, ou outros povos, e de presena constante, inevitvel. Um exemplo18

Op. Cit. CAMPOS, R. Apontamentos para a histria de uma antropologia cultural Mestre em Filosofia FAFICH UFMG. Professor de Modernidade Brasileira e Antropologia e Histria UNIBH. 18Em antropologia, aculturao o processo decorrente do contato mais ou menos direto e contnuo entre dois ou mais grupos sociais, pelo qual cada um desses grupos assimila, adota ou rejeita elementos da cultura do outro, seja de modo recproco ou unilateral, e podendo implicar, eventualmente, subordinao poltica. Em psicologia e sociologia aculturao a adaptao de um indivduo a uma nova cultura com que estabelece contato, seja em seu local de origem, seja em outro local para que se tenha mudado. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa (eletrnico, 2002).17

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recente na histria contempornea do Japo, que permanecera isolado durante sculos, foi a abrupta ocidentalizao na metade do sculo XIX. As culturas de caractersticas prprias j esto por si mesmas em contnua transformao e, se duas ou mais se aproximam, surgem estmulos tanto para maiores mudanas internas de cada uma como para a outra, recprocas, no conjunto que se formou. Analisando um texto de Paul Ricoeur, a Civilizao Universal e Culturas Nacionais, original de 1955, e que, segundo FRAMPTON (2003) a obra prope a tese de que uma cultura mundial hibrida s chegar a existir atravs de uma fecundao entre a cultura enraizada, por um lado, e a civilizao universal por outro. O paradoxo, em arquitetura, era desmontar a tendncia contempornea para a internacionalizao, a aculturao no seu sentido mais desestruturado recriando a memria dos elementos arquitetnicos locais, sem abandonar, contudo, o mesmo carter progressista do movimento moderno. Quando no enraizados dentro de grupo, todos esses fatores e elementos levam o homem ao processo de aculturao onde todos pode ocorrer o fenmeno chamado de antropofagismo. Este fenmeno, se exacerbado com essas novas informaes perde, muitas vezes, as referencias de sua prpria cultura. A partir do Movimento Moderno acentuaram-se os sintomas do fenmeno de globalizao disseminando o processo de aculturao em larga escala para adaptar-se ao modelo norte-americano com perda de referencias prprias em vrias culturas. As obras de Severiano Mrio Porto, Tadao Ando e Renzo Piano se apresentam, contemporaneamente, como excees ocorridas em diferentes geografias no mundo, distintas culturas com resultados de projeto que conduzem a uma necessidade de reflexo quando procuram, cada um a seu modo, enfrentar o desejo de aproximar tradio, cultura e inveno.

1.4. Tcnica

A palavra tcnica, do vocabulrio grego techniks o que relativo arte (HOLLANDA 2004) e pode tambm ser definida como o conjunto de processos de uma determinada arte, maneira e jeito especial de fazer algo ou, ainda, pode-se entender tcnica por um conjunto de regras prticas para fazer coisas determinadas, envolvendo a habilidade do executor, e transmitidas, verbalmente, pelo exemplo, no uso das mos, dos instrumentos e ferramentas e das mquinas (GAMA, 1986).55

As regras prticas, as habilidades e a transmisso dos conhecimentos includos na definio de tcnica representam uma capacidade humana importante que est associada interpretao e reinterpretao da natureza e das coisas. fato que, as tcnicas no so simples procedimentos derivados do desenvolvimento cultural, elas tambm so sujeitos que evoluem e configuram processos intelectuais e manuais que permitiram moldar conscientemente o mundo natural. Na tcnica, o planejamento associado experincia prtica, o pensar e o fazer so exercidos pelos indivduos de forma emprica e fazem parte de uma mesma essncia - trata-se de um saber que tem origem e se expressa atravs do fazer ou, como diz Carvalho Jr. (1994), trata-se de um saber fazer apreendido na prtica e transmitido no cotidiano. Na construo de edifcios a transmisso das tcnicas construtivas atravs do ensino do ofcio pelos mestres aos aprendizes, uma prtica milenar que perdura at os dias de hoje na formao informal da maioria dos artfices. Tcnica construtiva definida como um conjunto de operaes empregadas por um particular ofcio para produzir parte de uma construo. Um conjunto sistematizado de conhecimentos cientficos e empricos, pertinentes a um modo especfico de se construir um edifcio (ou uma parte) e empregados na criao, produo e difuso deste modo de construir constitui o que podemos definir por tecnologia.

1.5 Tecnologia

A palavra tecnologia resulta palavra grega technologa tratado sobre a arte, conjunto de princpios, mtodos, instrumentos e processos cientificamente determinados que se aplique a qualquer atividade (HOLLANDA 2004). Pode-se definir tambm como o estudo e conhecimento cientfico das operaes tcnicas ou aplicao da tcnica. Compreende o estudo sistemtico dos instrumentos, das ferramentas e das mquinas empregadas nos diversos ramos da tcnica, dos gestos e dos tempos de trabalho e dos custos, dos materiais e da energia empregada (GAMA, 1986). O avano da tecnologia trouxe inmeros benefcios para o homem, dos quais o principal foi tornar o trabalho mais fcil e mais produtivo. Interpretadas como motores do progresso, as inovaes tecnolgicas foram implantadas sem cuidado com seus possveis efeitos56

colaterais. Nos ltimos anos do sculo XX, o lado negativo do progresso tecnolgico tornou-se objeto de reflexo nas sociedades industrializadas, que se volta para a busca de tcnicas alternativas menos agressivas ao meio ambiente. possvel que novas tcnicas sejam criadas, inclusive geradas a partir de conhecimentos autctones, pois foi assim que as tecnologias surgiram no mundo. Porque ento no tomar como paradigmas as solues construtivas ligadas tcnica existente nas tipologias autctones? O caminho para a gerao de novas tecnologias visto sobre uma tica histrica e seqenciada, de acordo com a evoluo do mundo, inicia com a produo artesanal, passando pelo semi-industrial at o industrial; os seres humanos herdaram os conhecimentos passados e aprimoraram-no com novas descobertas, para transform-los em conhecimentos mais profundos. Com relao evoluo da tecnologia do uso da madeira, podemos perceber, ao longo da histria avanos considerveis para problemas que apresentaram grandes dificuldades de soluo como, por exemplo: - preservao de ataques de insetos e fungos; - obteno de matria prima para produo em larga escala; - adequao a um aumento de usos, antes limitados pelo conhecimento tcnico (quanto a vos, aproveitamento rentvel, questes de desperdcio, tcnicas rudimentares de tratamento para obteno de melhor padro de qualidade e durabilidade); - novas tcnicas de plantio e manejo de rvores. A Arquitetura em madeira, partindo destes princpios, atravessou por uma fase de construo popular, alcanando nveis surpreendentes e de grande realizao medida que o desenvolvimento tecnolgico foi evoluindo. O surgimento de novos materiais (ferro, ao, concreto armado, protendido, etc.) ao lado das tecnologias novas e o desenvolvimento da indstria, marcam o comeo de um rpido declnio no uso da madeira, justamente quando se diversificava o desenvolvimento tecnolgico no mundo. Somente os pases em que a madeira continuou sendo um recurso disponvel, as tradies construtivas continuam a existir parcialmente e com pequenos progressos. Certamente, os pases Escandinavos, os Pases Baixos, Alemanha, Sua e outros do leste de Europa ou, ainda, nos Estados Unidos e Canad, mantidos durante todos estes anos uma produo constante de edifcios em57

madeira. Entretanto, a carpintaria tradicional no desapareceu absolutamente, embora reduzida a casos singulares. Nos nossos tempos, podemos admirar extraordinrios exemplos de arquitetura em madeira, em diversas reas do planeta. A sia, frica, Polinsia e Amrica do Sul oferecem-nos alguns bons exemplos. Posteriormente, a industrializao da madeira permitiu a recuperao de seu uso nos assentamentos das fundaes com as paredes de madeira tratadas por meio dos procedimentos qumicos para evitar sua degradao. A mudana fundamental consistiu na substituio da madeira por outros materiais que vm da transformao desta para melhorar suas propriedades mecnicas e equipara-las a dos materiais estruturais mais qualificados. O avano das tcnicas trouxe inmeros benefcios para o homem, dos quais o principal foi tornar o trabalho mais fcil e mais produtivo. Interpretadas como motores do progresso, as inovaes tecnolgicas, entretanto, foram implantadas sem cuidado com seus possveis efeitos colaterais. Nos ltimos anos do sculo XX, o lado negativo do progresso tecnolgico tornouse objeto de reflexo nas sociedades industrializadas, que se volta para a busca de tcnicas alternativas menos agressivas ao meio ambiente. Entre estas as culturas de manejo que visam atenuar impactos ambientais para o caso do uso da madeira em escala industrial. Trabalhar com a madeira significa trabalhar com detalhes, com uma construo mais artesanal. Como material de construo, apresenta uma srie de vantagens dificilmente reunidas em outro material, como: - obteno em grandes quantidades por ser fonte renovvel se explorada racionalmente; - produo em peas de grandes dimenses que podem ser rapidamente desdobradas em peas pequenas e de delicadeza excepcional; - trabalhabilidade com ferramentas simples e ser reempregada vrias vezes; - leve em peso e tem grande resistncia mecnica. Foi o primeiro material empregado, capaz de resistir tanto a esforos de compresso como de trao; - facilidade de obteno de formas de encaixes e conexes de peas entre si; - sua resistncia permite absorver choques que romperiam ou fendilhariam outro material; - apresenta boas condies naturais de isolamento trmico e absoro acstica; - no seu aspecto natural apresenta grande variedade de padres, texturas e cores.

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Mas como qualquer outro material, a madeira tambm apresenta as desvantagens que devem ser cuidadosamente levadas em considerao no seu emprego como material de construo: - um material heterogneo, no uniforme. Essa variao ocorre de trechos em trechos onde cortada; - bastante vulnervel aos agentes externos e, sua durabilidade, quando desprotegida, limitada; - combustvel; - facilmente apresenta falhas e defeitos, o que comprometem sua resistncia ou esttica; - a umidade causa grandes variaes volumtricas, e favorece o ataque de fungos. Estes inconvenientes fizeram com que a madeira fosse, em determinada poca, suplantada pelo ao e pelo concreto armado e, relegada a execuo de estruturas provisrias. Na moderna tcnica de seu emprego em estruturas, suas caractersticas negativas so atenuadas por processos de beneficiamento pelo tipo de reflorestamento, secagem artificial, tratamentos de preservao em autoclaves que tem assegurado proteo por longo tempo contra o ataque de fungos responsveis pelo apodrecimento e destruio por insetos (brocas e cupins). Enquanto trabalhada sob a forma de peas serradas, a madeira apresenta excelentes propriedades, mas tambm alta heterogeneidade e anisotropia das quais derivam uma boa parte das falhas de comportamento. Visando minimizar estes defeitos, foram desenvolvidos processos capazes de reestruturar a madeira como material e torn-la mais homognea. Esta a base do conceito de madeira transformada. Reduzindo a madeira a fragmentos cada vez menores e reagrupando-os com adesivos, uniformiza-se grande parte das caractersticas do produto. A estrutura da madeira uma vez processada e reorganizada apresenta vrias caractersticas satisfatrias: maior homogeneidade no comportamento fsico e mecnico e melhoria das propriedades tecnolgicas; maior possibilidade de receber tratamentos com resultados mais satisfatrios (secagem, preservao, etc.) durante de fragmentao que antecede a aglomerao ou colagem; possibilidade de se confeccionar peas de grandes dimenses requisitadas pela indstria e, por fim, o aproveitamento da quase totalidade do material lenhoso de uma rvore. Muitos produtos de madeira transformada so empregados atualmente pela indstria seja da construo, seja de mobilirio, que utilizam os compensados, laminados, painis de fibra, MDF (Mdium Density Fiberboard), MDP (Mdium Density Particle), OSB (Oriented Strand Board)59

entre outros, ampliando o universo de possibilidades aprimoradas tecnologicamente para aplicaes no uso da madeira.

1.5.1. Madeira Compensada

O compensado um painel composto de vrias camadas delgadas de lminas de madeira, normalmente em nmero mpar de lminas, coladas entre si, com um adesivo. Cada camada colada de forma que a direo dos veios estejam em ngulos retos em relao camada adjacente, o que se denomina laminao cruzada. O compensado considerado um produto maduro, com restries de natureza ambiental: a baixa disponibilidade de toras de grande dimetro e de qualidade para laminao e seus custos elevados tendem a reduzir a oferta de madeira compensada em todo o mundo. Como a tendncia nas ltimas dcadas est se resumindo utilizao de toras de pequeno dimetro, minimizao da gerao de resduos e reduo de custos, o compensado est perdendo competitividade e participao no mercado; durante a dcada de 1980, o aglomerado passou a ser, em termos de volume, o painel mais importante em nvel mundial.

1.5.2. Aglomerado

As chapas de madeira aglomerada so fabricadas com partculas de madeira ou outros materiais, aglutinados por meio de uma resina e, em seguida, prensados. Durante o processo de produo, so adicionados diversos produtos qumicos para evitar o mofo, a umidade, o ataque de insetos e aumentar a resistncia ao fogo. As principais fontes de matrias-primas utilizadas pelas fbricas de madeira aglomerada so resduos industriais, resduos da explorao florestal, madeiras de qualidade inferior, no industrializveis de outra forma, madeira proveniente de trato cultural de florestas plantadas e reciclagem de madeira sem serventia. No Brasil, a madeira de florestas plantadas, especialmente de eucalipto e pinus, constituem a fonte mais importante de matrias-primas.

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A madeira aglomerada possui mltiplas aplicaes, dentre as quais se destacam a fabricao de mveis, tampos de mesas, laterais de portas e de armrios, divisrias, laterais de estantes e, de forma secundria, a indstria de construo civil.

1.5.3. MDF

O MDF (Mdium Density Fiberboard), que significa Painel de fibras de mdia densidade. uma chapa fabricada a partir da aglutinao de fibras de madeira com resinas sintticas e ao conjunta de temperatura e presso. Para a obteno das fibras, a madeira cortada em pequenos cavacos que, em seguida, so triturados por equipamentos denominados desfibradores. Produto relativamente novo foi fabricado pela primeira vez no incio dos anos 60 nos Estados Unidos. Em meados da dcada de 70, chegou Europa, quando passou a ser produzido na antiga Repblica Democrtica Alem e, posteriormente (1977), foi introduzido na Europa Ocidental atravs da Espanha. No Brasil, a primeira indstria iniciou sua produo no segundo semestre de 1997. O MDF possui consistncia e algumas caractersticas mecnicas que se aproximam s da madeira macia. A maioria de seus parmetros fsicos de resistncia so superiores aos da madeira aglomerada, caracterizando-se, tambm, por possuir boa estabilidade dimensional e grande capacidade de usinagem. A homogeneidade proporcionada pela distribuio uniforme das fibras possibilita ao MDF acabamentos do tipo envernizado, pinturas em geral ou revestimentos com papis decorativos, lminas de madeira ou PVC. Podem ser executadas junes com vantagens em relao madeira natural, j que no possuem ns, veios reversos e imperfeies tpicas do produto natural.

1.5.4. MDP

O MDP (Medium Density Particleboard), que significa Painel de Partculas de Mdia Densidade, chega como resultado do uso intensivo da tecnologia das prensas contnuas, modernos

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classificadores de partculas e softwares de controle de processo, aliados utilizao de resinas de ltima gerao e madeira de florestas replantadas. O produto representa uma evoluo tecnolgica do aglomerado convencional. Uma das suas principais caractersticas a qualidade superior que apresenta em relao aos antigos painis de madeira aglomerada. O MDP produzido com a aglutinao de partculas de madeira com resinas especiais, atravs da aplicao simultnea de temperatura e presso, resultando em um painel homogneo e de grande estabilidade dimensional. Com relao aos painis de MDF, apesar de ambos serem classificados como painis de madeira de mdia densidade, na produo do MDP, as partculas de madeira so colocadas em camadas, permitindo que as mais finas fiquem na superfcie e as mais delgadas no miolo, j no MDF, aglutinam-se fibras de madeira.

1.5.5. OSB

O OSB (Oriented Strand Board) um painel estrutural, considerado como uma segunda gerao dos painis WAFERBOARD (painel de uso estrutural, produzido com partculas maiores de formatos quadrado ou ligeiramente retangular, coladas com resina), produzido a partir de partculas (strands) de madeira, sendo que a camada interna pode estar disposta aleatoriamente ou perpendicular as camadas externas. A diferenciao em relao aos aglomerados tradicionais se refere impossibilidade de utilizao de resduos de serraria na sua fabricao. Alm disso, possuem um baixo custo, e as suas propriedades, e as suas propriedades mecnicas assemelham-se s da madeira slida, podendo substituir plenamente os compensados estruturais. Consiste num segmento de destacado crescimento no rol de produtos transformados de madeira. Os painis OSB so produtos utilizados para aplicaes estruturais, como paredes, forros, pisos, componentes de vigas estruturais, embalagens, etc., tendo em vista suas caractersticas de resistncia mecnica e boa estabilidade dimensional, competindo diretamente com o mercado de compensados.

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1.5.6. Madeira Laminada

A madeira laminada um produto estrutural, formado por associao de lminas de madeira selecionadas e coladas. A aplicao da madeira segundo o processo do laminado-colado rene duas tcnicas bastante antigas. Como o prprio nome indica, a madeira laminada e colada foi concebida a partir da tcnica da colagem aliada tcnica da laminao, ou seja, da reconstituio da madeira a partir de lminas (tbuas). O processo de laminar a madeira tem seu arcabouo terico, possivelmente no primeiro tratado de construo, que foi escrito sobre e para a carpintaria na Frana, em 1561, por Philibert De LOrme (1743-1829) Trait thorique et pratique de lart de btir (Tratado e Prtica da Arte deConstruir). Dedicado construo dos telhados e de abobadas de madeira que seguem a tradio

europia. Seu conhecimento na arte de dividir e cortar com rigor os materiais de construo deriva possivelmente dos problemas construtivos de abobadas e das tcnicas pertencentes sua poca. Philibert De LOrme planejou uma armao que possibilitasse a obteno de grandes armaes em madeira e amplas esquadrias utilizando apenas pequenos pedaos, procurando, com isso, enfrentar a falta material (imagens 30 e 31). Esta inveno tem sua importncia porque podemos consider-la como precursora das armaes de madeira laminada que apareceriam no sculo XX. Entretanto, no deixa de ser paradoxal que o primeiro texto especfico relativo carpintaria utilizada para armar no oferecesse dado algum da execuo dos sistemas tradicionais. Mas com exceo deste caso singular, necessrio enfatizar o papel que realizaram os tratados de prtica e de construo, de modo que as tcnicas e a sabedoria da carpintaria evoluram a partir de ento. Os tratados escritos para a carpintaria, no valorizavam as inovaes de seus autores, mas tinham o intuito de transmitir o conhecimento do processo de execuo de tipologias de armaes. Embora supe-se que para dar um salto de quatro sculos, necessrio considerar tambm um outro sistema estudado em continuidade ao de De LOrme, que devido ao coronel francs Armand Rose Emy (1771-1851). O coronel Emy, em 1841, tambm se dedicou edio de um tratado referente ao processo de construo de madeira laminada e colada e, outro em 1842.

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De maneira inesperada a madeira reaparece nas tecnologias de ponta. A reavaliao dos mtodos do coronel Emy e os primeiros arcabouos utilizados para seccionar a madeira criando um arco de curvatura desenvolvido por De LOrme, chegam madeira laminada colada 19 por volta de 1905-1910 e passam os mritos ao carpinteiro suo de Weimar, Karl Friedrich Otto Hetzer (18461911) que teve a idia de substituir as ligaes metlicas de braadeiras e parafusos, utilizadas pelo

coronel Emy, pela cola de casena (derivada do leite), obtendo assim uma seo mais homognea entre as laminas.

30: invenes em madeira de Philibert de LOrme 1561.

31: detalhe estrutural desenhado por Philbert de LOrme.

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O protagonismo da madeira s recuperado a partir dos trabalhos de Otto Hetzer, em 1906, que constituem o grmen de todo o desenvolvimento posterior de um novo material: a madeira laminada.

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Os estudos do coronel Emy abriram precedentes, no incio do sculo XIX, para Gustavo Adolfo Breymann (1807-1859), que escreveu, em 1851, tratados para a construo, sendo um deles especifico para construes em madeira (imagem 32). Esse tratado alm da descrio terica exibe desenhos explicativos quanto elaborao do processo desenvolvido pelo coronel Emy.

32: detalhe de construo em madeira por Gustavo Augusto Breymann, 1851.

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As estruturas de madeira laminada e colada da maneira como se usa hoje em dia foram concebidas na Alemanha, em 1905, pelo Engenheiro Otto Hetzer, de Weimar, e se tornaram conhecidas na Europa como estruturas Hetzer ou simplesmente por Sistema Hetzer. So elas vigas, arcos e prticos, de seco retangular ou em duplo T, constituda, em princpio, de tbuas justapostas e coladas entre si. Tais estruturas foram largamente aceitas nos meios tcnicos e tiveram aplicao prtica j antes da primeira Grande Guerra. As primeiras construes do sistema Hetzer fora da Alemanha datam de 1909, na Sua, 1913, na Dinamarca, 1918, na Noruega e em 1919, na Sucia. Nos Estados Unidos, a primeira estrutura laminada colada data de 1925 e no Brasil ocorre em1922.

No entanto, foi em 1940, com o aparecimento das colas sintticas que o sistema laminado-colado conheceu o seu grande progresso. Hetzer, aps o aprimoramento da tcnica de laminar e colar patenteou o sistema, que hoje carregam o seu nome como o sistema de vigas Hetzer(imagem 33).

A obra de Renzo Piano , sem dvida, um referencial no uso desse sistema, seus projetos demonstram a potencialidade da madeira laminada e colada. Atualmente, esse processo de fabricao e construo, so muito estudados e usados, pela possibilidade de uma pr-fabricao, mesmo que, o projeto almeje uma escala diferenciada.

33: construes em madeira laminada por Otto Hetzer, 1910.

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1 2 34: fabricao de vigas laminadas (data aproximada 1950). Aps a colocao na cama de aperto, as laminas destes arcos so foradas com uma braadeira pneumtica de parafuso.

35: fabricao de viga laminada, tempos atuais. 67

A madeira laminada ganhou fora aps seu aprimoramento pelo Engenheiro Otto Hetzer, se evidenciou passando a ser um dos sistemas construtivos mais utilizados do incio at a metade do sculo XX. Conforme FERREIRA (2002) as estruturas lamelares de madeira foram introduzidas na Europa em 1908, no Brasil em 1922 e nos Estados Unidos em 1925. Foram muito empregadas entre as dcadas de 20 e 60 para cobrirem ambientes que abrangessem grandes reas como galpes industriais, ginsios, auditrios, pavilhes de exposio, garagens, depsitos, igrejas, sales de clube e outros. O perodo compreendido entre o final dos anos vinte e meados dos anos cinqenta do sculo XX denominado por GRANDI (1985) como sendo o terceiro perodo da indstria da construo civil no Brasil, no qual o subsetor de edificaes apresentou uma intensa produo, a qual pode ser considerada mpar na histria da construo civil brasileira. Este fenmeno se deu em funo da mudana na economia brasileira que antes era agro-exportadora, passando para uma economia industrial, o que ocasionou o crescimento acelerado principalmente das grandes cidades da regio centro-sul do pas. 20 Algumas empresas no Brasil foram pioneiras na construo em madeira lamina e colada. Segundo ZANGICOMO 21 (2003), a primeira foi ESMARA Estruturas de Madeira Ltda., fundada em 1934, em Curitiba-PR, com tecnologia trazida por alemes. Posteriormente, outra empresa de mesmo nome foi fundada em Viamo-RS. Tm-se obras marcantes destas duas empresas na Regio Sul, com vastos arquivos de projetos. Merecem citaes outras indstrias tambm da Regio Sul, como a PR-MONTAL Estruturas de Madeira Ltda. (PREMON), fundada em CuritibaPR, em 1977, Emprego de Espcies Tropicais Alternativas na Produo de Elementos Estruturais de Madeira Laminada Colada Zangicomo A.L. executando a maioria de seus projetos nas dcadas de 70/80; a EMADEL Estruturas de Madeira Ltda., fundada em Araucria-PR, em 1981; e a BATTISTELLA Indstria e Comrcio Ltda., situada em Lages-SC, atuando no setor madeireiro h mais de 40 anos e que, atualmente, possui uma linha de produo de casas e estruturas prfabricadas, com largo uso de elementos estruturais de MLC.

FERREIRA, Nbia dos Santos Saad. Estruturas lamelares de madeira para coberturas. So Carlos. Dissertao de mestrado. EESC-USP. 1999. Disponvel em: http://www.set.eesc.usp.br/public/teses/detalhe.php?id=205 21ZANGICOMO. A. l.Emprego de espcies tropicais alternativas na produo de elementos estruturais de madeira laminada colada. So Carlos. Dissertao de Mestrado. EESC USP, 2003. Disponvel em: http://www.set.eesc.usp.br/public/teses/detalhe.php?id=7820

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A LAMINARCO Madeira Industrial Ltda., fundada na dcada de 60 e localizada em So Paulo-SP, segundo BONO 22 (1996), foi a primeira empresa produtora de MLC na Regio Sudeste. Foi montada e gerenciada pelo engenheiro Vincio Walter Callia, pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnolgicas do Estado de So Paulo (IPT), pioneiro nos estudos e publicaes sobre o assunto. A empresa tem uma continuidade pela famlia, mas no com a produo de arquitetura em madeira laminada, os projetos so executados com madeiras beneficiadas (http://www.callia.com.br/). Em FERREIRA (1999), CESAR (1991) relata que, no incio deste perodo de expanso da construo civil verificou-se uma grande mudana na arte de projetar e executar estruturas de madeira. Isto decorreu da vinda de muitos engenheiros europeus, que foram responsveis pela introduo de novos sistemas construtivos no Brasil, os quais foram possveis de serem executados graas a uma mo-de-obra tambm imigrante que transferiu este novo processo de construir em madeira a carpinteiros brasileiros. Neste perodo, a partir do exemplo da HAUFF, foram surgindo vrias empresas que adotaram o sistema estrutural lamelar de madeira na construo de edificaes que abrangessem grandes reas. Como exemplo, podem ser citadas as empresas: SOCIEDADE TEKNO LTDA., CALLIA & CALLIA, A.SPILBORGHS & CIA LTDA., dentre outras, CALLIA (1951). 23 No Brasil, at os anos 50 e 60, com essas empresas pioneiras se teve uma considervel produo arquitetnica de grandes galpes de armazenagem para diversos fins, mas com a inovao na construo civil oferecida pelo concreto armado o processo de laminar passou para um segundo plano onde se utilizava a madeira para pequenas obras e principalmente para a construo de formas para o concreto. Atualmente, esse processo de fabricao e construo, muito estudado e usado em outros pases, no somente pela possibilidade de uma pr-fabricao que aprimora o rigor de qualidade, mas pelo potencial de inovaes tecnolgicas ainda existentes em um campo aberto para a pesquisa em diferentes nveis de investigao.

BONO, C. T. Madeira Laminada Colada na arquitetura: sistematizao de obras executadas no Brasil. So Carlos. Dissertao de Mestrado. EESC/ USP, 1996. 23 Iden, nota 20, p. 68.22

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1.5.7. A pesquisa no Brasil

No final do sculo XX e inicio do sculo XXI, as pesquisas no Brasil que envolvem o uso da madeira na arquitetura e em estruturas tem um volume significativo. Instituies governamentais e privadas desenvolvem estudo e pesquisas na busca de novas tecnologias que envolvem uma construo adequada a preservao do meio ambiente de maneira sustentvel. Algumas universidades brasileiras a exemplo das europias, americanas e canadenses, possuem em suas faculdades de engenharia ou arquitetura, departamentos que pesquisam sobre a arquitetura em madeira e sobre as alternativas tecnolgicas a serem aplicadas no uso da madeira como:

- O CANTOAR da UnB, junto com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, desenvolvem pesquisas aplicadas sobre materiais de origem orgnica, incluindo estudos e pesquisas combinando bambu e madeira; - A Universidade de Marlia desenvolve pesquisas sobre projetos em estruturas de madeiras nos diversos sistemas construtivos. As pesquisas enfocam o resgate de sistemas construtivos comuns em outros pases os quais j foram executados no Brasil, mas que, todavia, no so difundidos; - A Universidade de So Carlos possui o LaMEM Laboratrio de Madeiras e Estruturas de Madeiras, que desenvolve pesquisas em nvel de ps-graduao em estruturas de madeiras, a qual prev a utilizao de materiais alternativos; - A