3
JOAO CRUZ COSTA DO ENSINO DA FILOSOFIA Entre os temas escolhidos pela Associacáo Costarriquenha de Filosofia para o II9 Congresso Interamericano Extraordinário de Filosofia, aparece o pro- blema do ensino cla filosofia nos cursos universitários, secundários e das escolas normais , Confesso, desde logo, que tenho dúvidas acerca da didática da e na filo- sofia. No entanto, por dever de oficio, ernbora a contragosto, algumas vézes fui obrigado a opinar sobre este assunto. Ainda recentemente, ern um trabalho - <fA Situaciio do Ensino Filosófico no Brasil", inserto ern meu livro: Panorama da História da Filosofia no Brasil (Edicáo Cultrix, S. Paulo, 1960), voltei a abor- dar, rapidamente, essa questáo . N esse trabalho visava eu cornbater a tendencia de certos reformadores do ensino de meu país, que pretendem tornar optativo o estudo da filosofia no curso secundário, eufemismo de que, de fato, resultaria a sua supressáo no curriculum. colegial, última fase do curso secundario brasileiro. Forcoso é reconhecer, porérn, que o ensino da filosofia nos últimos anos do curso secundario (dois anos no curso c1ássico e um ano no curso científico) náo parece haver produzido os resultados esperados e desejados quanto ao valor, que alguns Ihe atribuem, como elemento de cultura nessa fase decisiva da for- macáo da j uventude , Indaga-se, pois, qual a razáo desse fraco resultado, do limitado interésse despertado pela filo ofia nos jovens que frequentam os últimos anos do curso colegial nos quais ela é ensinada , Muito embora ainda nao se tenha feito (que eu saiba) 1.1111 sério estudo cla questáo, a minha impressáo é de que vários sáo os motivos de tal desinteresse. Permito-me aqui indicar alguns, sem pretender, é claro, ir além do vago dominio das impressóes , Desde logo, creio, o desinteresse pelo estudo da filosofia no curso secundário origina-se, se assim me posso expressar, na maneira "escolastica", "con- templativa", com a qual é expo ta a sua problemática. E mister nao esquecer também que o ensino da filosofía vale pelo que tenha valido o conjunto dos estu- dos anteriormente feitos das demais disciplinas do curso secundário. O ensino da filosofia só poderá ser bom, se a base científica e literária em que se assenta o tiver sido. Nao sei se nos demais países da América se dá o mesmo que no Brasil. No meu país, quando os 1110<;OS, ao fim do curso secundário, se defrontam com as aulas de filosofia, já a esta altura (7 9 ano do curso), a maioria déles tem pro jetada a sua carreira no quadro tradicional das profissóes liberais (c1ireito, me- dicina, engenharia, etc.), ou ern outros ramos da aplicacáo das ciencias a inc1ústria, o que aliás, é perfeitamente compreensível el11 países que transitam de uma si- tuacáo de sub-desenvolvimento para a fáse de libertacáo económica. Social e eco- nornicamente essas sáo as proíissóes que atraem os jovens e que nelas antevém

DO ENSINO DA FILOSOFIA - inif.ucr.ac.cr de Filosofía UCR/ACTAS... · templativa", com a qual é expo ta a sua problemática. E mister nao esquecer também que o ensino da filosofía

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DO ENSINO DA FILOSOFIA - inif.ucr.ac.cr de Filosofía UCR/ACTAS... · templativa", com a qual é expo ta a sua problemática. E mister nao esquecer também que o ensino da filosofía

JOAO CRUZ COSTA

DO ENSINO DA FILOSOFIA

Entre os temas escolhidos pela Associacáo Costarriquenha de Filosofiapara o II9 Congresso Interamericano Extraordinário de Filosofia, aparece o pro-blema do ensino cla filosofia nos cursos universitários, secundários e das escolasnormais ,

Confesso, desde logo, que tenho dúvidas acerca da didática da e na filo-sofia. No entanto, por dever de oficio, ernbora a contragosto, algumas vézesfui obrigado a opinar sobre este assunto. Ainda recentemente, ern um trabalho -<fA Situaciio do Ensino Filosófico no Brasil", inserto ern meu livro: Panoramada História da Filosofia no Brasil (Edicáo Cultrix, S. Paulo, 1960), voltei a abor-dar, rapidamente, essa questáo .

N es se trabalho visava eu cornbater a tendencia de certos reformadores doensino de meu país, que pretendem tornar optativo o estudo da filosofia no cursosecundário, eufemismo de que, de fato, resultaria a sua supressáo no curriculum.colegial, última fase do curso secundario brasileiro.

Forcoso é reconhecer, porérn, que o ensino da filosofia nos últimos anosdo curso secundario (dois anos no curso c1ássico e um ano no curso científico)náo parece haver produzido os resultados esperados e desejados quanto ao valor,que alguns Ihe atribuem, como elemento de cultura nessa fase decisiva da for-macáo da j uventude ,

Indaga-se, pois, qual a razáo desse fraco resultado, do limitado interéssedespertado pela filo ofia nos jovens que frequentam os últimos anos do cursocolegial nos quais ela é ensinada ,

Muito embora ainda nao se tenha feito (que eu saiba) 1.1111 sério estudo claquestáo, a minha impressáo é de que vários sáo os motivos de tal desinteresse.Permito-me aqui indicar alguns, sem pretender, é claro, ir além do vago dominiodas impressóes , Desde logo, creio, o desinteresse pelo estudo da filosofia no cursosecundário origina-se, se assim me posso expressar, na maneira "escolastica", "con-templativa", com a qual é expo ta a sua problemática. E mister nao esquecertambém que o ensino da filosofía vale pelo que tenha valido o conjunto dos estu-dos anteriormente feitos das demais disciplinas do curso secundário. O ensino dafilosofia só poderá ser bom, se a base científica e literária em que se assenta otiver sido.

Nao sei se nos demais países da América se dá o mesmo que no Brasil.No meu país, quando os 1110<;OS, ao fim do curso secundário, se defrontam comas aulas de filosofia, já a esta altura (79 ano do curso), a maioria déles tempro jetada a sua carreira no quadro tradicional das profissóes liberais (c1ireito, me-dicina, engenharia, etc.), ou ern outros ramos da aplicacáo das ciencias a inc1ústria,o que aliás, é perfeitamente compreensível el11 países que transitam de uma si-tuacáo de sub-desenvolvimento para a fáse de libertacáo económica. Social e eco-nornicamente essas sáo as proíissóes que atraem os jovens e que nelas antevém

Page 2: DO ENSINO DA FILOSOFIA - inif.ucr.ac.cr de Filosofía UCR/ACTAS... · templativa", com a qual é expo ta a sua problemática. E mister nao esquecer também que o ensino da filosofía

392 SEGUNDO CONGRESO EXTRAORDINARIO INTERAMERICANO DE FILOSOFIA

a realizacáo dos seu s son1105 de prestígio e de bem estar. Assim, urna vaga dis-ciplina vasada nUI11 contentplatiuismo inadequado ao impulso impetuoso para aacáo, como, parece, é o que caracteriza a mocidade. nao suscita grande interéssena maioria dos j ovens. Verifica -. e no, entanto. que o aspecto político da probla-mática filosofía é o que hojernais atrai os mocos no Brasil. E é, através dele, eem consonancia corn a situacáo histórica do país, que é posível salvar o en sino dafilosofia.

** *

Afirmar, como se afirma, que na nossa época devemos cuidar principal-mente da íormacáo de homen práticos adequados a urna técnica cada vez maisdelicada e especializada seria descle logo, bitolar o destino clas novas geracóes ;seria julgar que, na própria base de urna concepcáo clo que é a pratica, nao cabelugar a teoria, a reílexáo : seria construir UI11 mundo él sernelhanca daquele quea critica de Charles Chaplin denunciava em TC1J/fOS M od ernos. É, por outraspalavras, deliberadamente atrofiar capacidades ou disposicóes que existem, e quetodas sáo igualmente ut eis (já que se fala tanto ern renclímento e utilidade) a.cultura dos hornens . Nao é, pois, o duvidoso critério da utilidade dos instru-mentos da inteligencia, qualquer que seja o regime sob o qual vivamos=-capita-lista ou socialista-que clá sentido humano ao clesenvolvímento da cultura. É acomplexidade cle ta que alimenta es se progresso. "Em qualquer parte que encon-tramos o homem, es se estranho animal, qualquer que eja a cór cle sua pele, quais-quer que sejam a latitude e o clima. nós o surpreendemos apesar das aparenciascontrárias, ocupado com um pensamento. obcecaclo por urna tarefa e lima paixáo .Através dos aciclente da vida, éle formula a questáo fundamental clo seu destino.¿ Que ser SOll eu? ¿ Que faco na terra? ¿ Qual é a minha razáo de ser? ¿ Comoexplicar esta atividacle incessantc que me caracteriza? ¿ Como justificar éstes de-sejos que me afetarn, estas inquietacóes que me preocupam? ¿ Quem me dará,eníirn, clo que sou, urna deíinicáo, urna deíinicáo capaz cle esclarecer-me, de aque-tar-me. de contar-me?".

E que problemas sáo es es, de que fala J ean-Richarcl Bloch? Sáo os pro-blemas cla filosofía. E por que nao apre entá-los, cle maneira clara, relacionadoscorn o cotidiano da existencia e com o fluir da história, aos jovens? Seráo elesmenos capazes de cornpreendé-los ? Se lhes falece experiencia, por certo, sobranéles mocidacle para senti-los .

** *

Todos conhecem o livro de Jean Francois Revel : Pourquoi des Philoso-pites? N essa causticante crítica clo filosofar académico, "profissional, cliz éle queessa filosofia académica, profissional, nao con hece, cle há muito, "senáo revolu-cóes palacianas, e que as grandes revolucóes filosóficas nao foram feítas por filó-sofos" . .. Pois bem: o próprio Revel escrevia, há tempo,-em carta dirigicla aohebdomadario L' Express=« que era mister manter, a toclo custo, o estuclo cla filo-sofía no curso ecunclário, porque éle representa. na formacáo cla juventude, oaprendizado da uerdodeira liberdade, o aprenclizaclo refletido do que ela é, nao aliberdade abstrata, utópica que nao se inscreve na vicia, que só existe nas palavrase que, táo frequentemente serve para embaír a boa fé clos crédulos. A filosofia servepara ensinar o que é liberdade.

Page 3: DO ENSINO DA FILOSOFIA - inif.ucr.ac.cr de Filosofía UCR/ACTAS... · templativa", com a qual é expo ta a sua problemática. E mister nao esquecer também que o ensino da filosofía

22-26 JULIO 1961 - SAN JOSE-COSTA RICA 393

É possível-é quase certo- que o grego e o latim, as chaves mestras das'Ve1has Humanidades, hoje só possuem sentido para os especialistas em filologiae em história o A filosofia, que táo ligada esteve as h umauidades clássicas, cujo-espirito, ela aliás renovou, evolve, porérn, sem cessar e toma novos sentidos nodevir do tempo o É do seu destino renovar-se e aí está a sua própria história aconfirmar o que digo: a luz da ciencia ela se transformou; a luz da luta pelaemancipacáo dos povos, ela está a se transformar nos nossos dias o Sua íuncáo,se assim posso dizer, nao é, pois, C01110 acreditava Rosenkranz-que julgavainutil ensinar- e filosofia aos jovens, por carecerem eles de capacidade para osproblemas de ordcm especulahva-sua Iuncáo-e-eu dizia-c-náo é meramente con-templativa o É tambérn crítica e, portanto, tran forrnadora o A cultura, escreve omeu amigo Prof. Risieri Frondiz i, nao é "algo acabado, estable, fijo; materialque puede aislarse y separar e" o É algo de vivo, de interelacionado com tu do, enela a filosofia é como o fermento para a farinha C0111 a qual se faz o páo o Urnacultura sem fermento filosófico, é como a massa em que o fermento nao cresceu:é encrúada e indigesta o A filo ofia, dizia o dominicano Maydieu, embora muitopobre, ordena rnuitas riqueza o

Assim, o valor clo ensino da filosofia, ainda que aparentemente nao produza,frutos apreciáveis no ensino secundário, consiste, porérn. em alertar a inteligenciado moqos=-ou de alguns cleles- para urna análise mais profunda dos dominios.concretos da realidade o