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1 DO PATRIMONIALISMO AO GERENCIALISMO: UM BREVE HISTÓRICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL Rodrigo Vieira de Oliveira 1 Thaís de Paula Alexandrino 2 Resumo A administração pública brasileira, assim como o próprio Brasil, tem a sua história. Ou seja, há um início, que ocorreu com a própria descoberta das terras de Santa Cruz, fazendo surgir então, junto com o novo país, a Administração Patrimonial; um desenvolvimento, perpassando por modelos ou formas de governo, no qual se implantou a Administração Burocrática, na Era Vargas; e uma aplicabilidade com enfoque atual, com a implantação e aperfeiçoamento do Modelo Gerencial de Administração. Este trabalho tem por finalidade descrever o desenvolvimento da máquina pública nacional abordando os principais fatos históricos que marcaram o país, de maneira que propicie ao leitor a possibilidade de compreender o contexto político e econômico do país, e a forma como os gestores nacionais administravam os interesses do Estado e da sociedade. A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo foi a pesquisa documental e bibliográfica, sendo trabalhadas bibliografias de diversas áreas do conhecimento, e não puramente autores de livros de história do Brasil, ou simplesmente de administração pública. Pôde-se elaborar assim um trabalho que atende a diversas áreas do conhecimento, como uma análise descritiva dos autores citados. Desta forma, ao se fazer um retrocesso histórico das principais fases pelas quais passou a administração pública brasileira de 1500 até os dias atuais, pretende-se, resumidamente, criar uma “linha do tempo” da administração da res pública. Palavras-chave: patrimonialismo, burocracia, gerencialismo. FROM PATRIMONIALISM TO MANAGERIALISM: A BRIEF HISTORY OF PUBLIC ADMINISTRATION IN BRAZIL Abstract The Brazilian public administration, like Brazil itself, has its history. That is, there is a beginning, which occurred with a discovery of the lands of Santa Cruz, thus giving rise, along with the new country, a Patrimony of Administration; A development, passing through models or forms of government, without qualification for a Bureaucratic Administration, in Vargas Era; And an applicability with current focus, with implementation and improvement of the Administration Model Management. This work aims to describe the development of the National public machine, addressing the main historical facts that marked the country, so as to provide the reader with the possibility of understanding the political and economic context of the country, and the way how the national managers managed the interests of the State and society. The methodology used for the elaboration of this article was the documentary and bibliographical research, being prioritized bibliographies of several areas of knowledge, not 1 Rodrigo Vieira de Oliveira é Mestre em Administração pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Rio de Janeiro – RJ; Professor do Curso de Pós-Graduação MBA em Gestão de RH da UFF; e-mail: [email protected]. 2 Thais de Paula Alexandrino é Graduada em Administração pelo Centro Universitário Augusto Motta – UNISUAM; Rio de Janeiro – RJ; e-mail: [email protected].

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DO PATRIMONIALISMO AO GERENCIALISMO: UM BREVE HISTÓRICO DA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

Rodrigo Vieira de Oliveira1

Thaís de Paula Alexandrino2

Resumo

A administração pública brasileira, assim como o próprio Brasil, tem a sua história. Ou seja, há

um início, que ocorreu com a própria descoberta das terras de Santa Cruz, fazendo surgir

então, junto com o novo país, a Administração Patrimonial; um desenvolvimento, perpassando

por modelos ou formas de governo, no qual se implantou a Administração Burocrática, na Era

Vargas; e uma aplicabilidade com enfoque atual, com a implantação e aperfeiçoamento do

Modelo Gerencial de Administração. Este trabalho tem por finalidade descrever o

desenvolvimento da máquina pública nacional abordando os principais fatos históricos que

marcaram o país, de maneira que propicie ao leitor a possibilidade de compreender o contexto

político e econômico do país, e a forma como os gestores nacionais administravam os

interesses do Estado e da sociedade. A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo foi

a pesquisa documental e bibliográfica, sendo trabalhadas bibliografias de diversas áreas do

conhecimento, e não puramente autores de livros de história do Brasil, ou simplesmente de

administração pública. Pôde-se elaborar assim um trabalho que atende a diversas áreas do

conhecimento, como uma análise descritiva dos autores citados. Desta forma, ao se fazer um

retrocesso histórico das principais fases pelas quais passou a administração pública brasileira

de 1500 até os dias atuais, pretende-se, resumidamente, criar uma “linha do tempo” da

administração da res pública.

Palavras-chave: patrimonialismo, burocracia, gerencialismo.

FROM PATRIMONIALISM TO MANAGERIALISM: A BRIEF HISTORY OF

PUBLIC ADMINISTRATION IN BRAZIL

Abstract

The Brazilian public administration, like Brazil itself, has its history. That is, there is a

beginning, which occurred with a discovery of the lands of Santa Cruz, thus giving rise, along

with the new country, a Patrimony of Administration; A development, passing through models

or forms of government, without qualification for a Bureaucratic Administration, in Vargas

Era; And an applicability with current focus, with implementation and improvement of the

Administration Model Management. This work aims to describe the development of the

National public machine, addressing the main historical facts that marked the country, so as to

provide the reader with the possibility of understanding the political and economic context of

the country, and the way how the national managers managed the interests of the State and

society. The methodology used for the elaboration of this article was the documentary and

bibliographical research, being prioritized bibliographies of several areas of knowledge, not

1 Rodrigo Vieira de Oliveira é Mestre em Administração pela Universidade Federal Fluminense – UFF, Rio de

Janeiro – RJ; Professor do Curso de Pós-Graduação MBA em Gestão de RH da UFF; e-mail: [email protected]. 2 Thais de Paula Alexandrino é Graduada em Administração pelo Centro Universitário Augusto Motta –

UNISUAM; Rio de Janeiro – RJ; e-mail: [email protected].

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purely authors of Brazilian history books, or simply of public administration. Thus, it was

possible to elaborate a work that attends to several areas of knowledge, as a descriptive

analysis of the mentioned authors. In this way, by making a historical retrocession of the main

phases through which the Brazilian public administration passed from 1500 to the present day,

it is briefly intended to create a "timeline" of the public administration.

Keywords: patrimonialism; bureaucracy; managerialism.

1. Introdução

O Brasil, desde a sua descoberta pelos portugueses, em 1500, até os dias de hoje,

passou por algumas mutações na forma de administrar a “coisa” pública. Isso se deveu ao fato

de, também, a própria forma de governo ter mudado ao longo de sua história. O Brasil foi

colônia - Reino Unido a Portugal e Algarves - teve sua independência comprada3 e, assim,

instaurada a monarquia; passando pelo abolicionismo, e por fim, a proclamação da República

Federativa do Brasil.

O país foi governado por portugueses durante muito tempo – dos primeiros

Governadores Gerais do Brasil até a vinda da família real portuguesa para o Brasil – o que

impedia o exercício do poder pelos nativos da terra4. A dominação portuguesa, bem como a

influência de outras culturas (holandesas e francesas, principalmente), não dava espaço para

que a cultura dos locais prosperasse frente às normas que deveriam ser seguidas a duras penas.

O Brasil estava à mercê de seus dominantes europeus, como bem explica Holanda (1995):

A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território, dotado de

condições naturais, se não adversas, largamente estranhas a sua tradição milenar, é,

nas origens da sociedade brasileira, o fato dominante e mais rico em consequências.

Trazendo de países distantes nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas

ideias e timbrando em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e

hostil, somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra (p. 31).

O Brasil queria ser brasileiro desde a Batalha de Guararapes (1654), quando brancos,

negros e índios juntaram-se, num único sentimento e de um só lado, para expulsar os

holandeses de suas terras. Mas isso não foi possível, pois quem comandava aqui era a

metrópole. As leis eram definidas de forma a atender as necessidades e vontades de Portugal.

3 Apesar de ser comemorado a independência do Brasil na data de 7 de setembro de 1822, foi somente em 29 de

agosto de 1825 que oficialmente Portugal reconheceu a instituição da nova nação, sob pena do Brasil pagar 2 milhões de libras esterlinas, após a assinatura do Tratado de Paz e Aliança. Ministério das Relações Exteriores

<http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1825/b_2/> Acesso em 23/01/2017. 4 O exercício de poder, neste caso, era o poder central (Presidente, na figura de Governador Geral ou Rei).

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Assim, era difícil de pensar numa boa administração5. A terra era vista como fonte de riquezas

a serem exploradas: pau-brasil, açúcar, ouro, diamantes e tantas outras riquezas naturais que

foram retiradas para enviar à Inglaterra, via Portugal, buscando pagar dívidas de acordos

realizados pela metrópole.

Desta forma, o Brasil nasceu junto com a administração de interesses pessoais, pois

quem tinha o poder de administrar, fazia-o em causa própria. Não se tinha noção da diferença

entre o público e o privado, e até quando esta noção existia, pouco importava utilizar a

máquina pública em prol de interesses pessoais, pois o primitivismo favorecia mais as relações

senhorio versus escravo que qualquer outra relação jurídica ou trabalhista à época.

O país crescia. O território se expandia, e o antagonismo crescia junto. Havia um misto

de culturas, personalidades e crenças de um povo que tinha por identidade o indefinível,

simplesmente... Um pouco de tudo ou um tudo de alguma coisa, conforme Freyre (2003):

Considerada de modo geral, a formação brasileira tem sido, na verdade, [...] um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A

cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. A

economia agrária e a pastoril. A agrária e a mineira. O católico e o herege. O jesuíta e

o fazendeiro. O bandeirante e o senhor de engenho. O paulista e o emboaba. O

pernambucano e o mascate. O grande proprietário e o pária. O bacharel e o

analfabeto. Mas predominando sobre todos os antagonismos, o mais geral e o mais

profundo: o senhor e o escravo (p. 118).

Em meio a muitos desafios para os europeus que vinham (de forma obrigatória na

maioria das vezes, ou voluntária) para terras brasileiras, inclusive pela miscigenação cultural

entre brancos, índios e negros, ambos, administração e administrador desenvolviam-se

concomitantemente. A esta época, séculos XVI e XVII, ficava evidente que normas técnicas

ou jurídicas pouco importavam para o “dono da terra”. As leis eram elaboradas com base nas

experiências vividas e nas vantagens que poderiam ser obtidas por meio delas. Como quem as

criava, era também quem implementava e julgava, a melhor maneira de administrar era

garantindo a permanência no poder, principalmente pelo uso da força – o que amedrontava os

que se insurgiam contra os “senhores” da terra.

Desta forma, o Patrimonialismo se enraizava e se desenvolvia junto com as novas

terras descobertas: o Brasil, conforme será abordado adiante.

5 Refere-se à boa administração aquela em que os interesses do povo se aliam aos interesses dos governantes.

Povo e governo uníssonos no ato de governar rumo ao crescimento do país.

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2. Brasil Patrimonial: era da corrupção e do nepotismo

O patrimonialismo, ao contrário de outras formas de administração, não foi implantado

no Brasil, mas nasceu com ele. Assim, de 1500 a 1808, período em que o Brasil Colônia se

ocupava em atender somente aos interesses da Metrópole, a população pouco ou nada

participava da vida política do país. Embora, nesse período, tivessem ocorrido alguns

movimentos nacionalistas / separatistas - cujas influências tiveram como inspiração os

movimentos da independência americana e a revolução francesa, e o descontentamento da

exploração local pelas autoridades públicas - o Brasil não conseguiu alavancar o sentimento de

nação constituída, pois não era interesse de que a administração fosse exercida por brasileiros

para atender aos interesses dos brasileiros.

Outro aspecto a ser considerado em relação aos movimentos separatistas é que em

quase sua totalidade, houve pouca, para não se afirmar nenhuma, participação popular, o que

daria às elites da época a chancela de arquiteto dos movimentos nativistas brasileiros e a

separação da colônia à metrópole, interesses puramente elitistas. A população da época era

constituída por uma massa de ignorantes, o que não lhes permitia participar da vida política do

“país”. Uma análise sobre o período é feita por Costa (1999):

Embora seja evidente a influência das idéias liberais europeias nos movimentos

ocorridos no país desde os fins do século XVIII, não se deve superestimar sua

importância. Analisando-se os movimentos de 1789 (Inconfidência Mineira), 1798 (Conjura Baiana), 1817 (Revolução Pernambucana) percebe-se logo sua pobreza

ideológica. Apenas uma pequena elite de revolucionários inspirava-se nas obras dos

autores europeus que liam, frequentemente, mais com entusiasmo do que com

espírito crítico. A maioria da população inculta e atrasada não chegava a tomar

conhecimento das novas doutrinas (p. 29 e 30).

Lustosa da Costa (2008, p. 832) aponta que desde o início da colonização, com o

fracasso da administração privada da maioria das capitanias hereditárias6, a Coroa portuguesa

assumiu diretamente o seu controle e preocupou-se em instituir uma administração central para

se ocupar das questões de defesa contra os ataques dos invasores e dos índios mais belicosos.

A administração geral contemplava tanto a esfera propriamente administrativa quanto a

judiciária, com sua complexa distribuição de encargos, sujeita a superposições e conflitos de

6 A primeira divisão territorial das terras brasileiras foram as capitanias hereditárias, cuja administração das terras

eram concedidas pela Coroa portuguesa aos donatários, podendo ser repassadas hereditariamente aos sucessores,

o qual lhes cabia a exploração e defesa territorial.

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competência. Os juízes tinham funções judiciais e administrativas, julgando e executando ao

mesmo tempo. Não se tinha, naquela época, uma noção exata dos Poderes7, pois além dos

juízes, os governadores também julgavam como se o próprio Judiciário fossem, além de

legislarem, deixando à mostra a falta de organização na distribuição do exercício do poder por

cada chefe de Poder.

Mas durante esse período, como era administrado o Brasil? Quem e como eram

ocupados os cargos públicos? Inicialmente, o termo capitania hereditária já remete à ideia de

uma administração sem nenhum tipo de mérito8, senão o laço sanguíneo. O poder para

administrar, julgar, condenar e tomar quaisquer decisões que se fizessem necessárias era

repassado de pai para filho, além do “apadrinhamento” para a nomeação de cargos9 ou chefias.

Então, nesse momento inicial, em que o direito positivado constitucional nem existia e que se

fazia necessário alguém, de forma pioneira, ditar as regras, tinham-se as autoridades

constituídas e reconhecidas pelo Rei de Portugal para “tocar” os negócios e fazer com que

fossem cumpridas as leis. A execução da administração pública, militar e fazendária era

exercida pelos seguintes cargos: Capitão-Mor, responsável pela segurança da capitania além de

ser o chefe supremo da capitania (LUSTOSA DA COSTA, 2008, p. 833); Provedor-Mor, o

homem das finanças; Alcaide-Mor, com a missão de captar soldados para compor as milícias,

auxiliares da Guarda-Real nas lutas internas; Ouvidor-Mor, a quem tinha a atribuição de julgar

litígios; e o próprio Donatário, a quem cabia administrar e distribuir terras (sesmarias) aos que

se propunham povoar as terras de Santa Cruz. A prática dessas condições iniciais de

organização da terra se estenderam ainda por muito tempo, e são explicadas por Freyre (2003):

As condições de colonização criadas pelo sistema político das capitanias hereditárias

e mantidas pelo econômico, das sesmarias e da grande lavoura – condições

francamente feudais - o que acentuaram de superior aos governos e à justiça Del-Rei foi o abuso do coito ou homizio pelos grandes proprietários de engenhos; e não pelas

catedrais e pelos mosteiros. Criminoso ou escravo fugido que se apadrinhasse com

senhor de engenho livrava-se na certa das iras da justiça ou da polícia. Mesmo que

passasse preso diante da casa-grande bastava gritar: - "Valha-me, seu Coronel

Fulano" (p. 270 e 271).

7 Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. 8 A meritocracia é um traço marcante da burocracia defendida por Max Weber. 9 O termo cargo, nesse contexto, não se aplica ao significado de cargo como tal se conhece atualmente, segundo

normas do Direito Administrativo – Lei 8.112/90 – Estatuto do Servidor Público, mas a simples ocupação de

quem exercia à época a direção ou chefia da administração pública, ou qualquer função pública.

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A vinda da Família Real Portuguesa trouxe grandes mudanças no cenário

administrativo e político nacional. Mesmo não se podendo atribuir a D. João VI o título de

administrador por excelência, bastou sua presença em território brasileiro para que mudanças

significativas ocorressem na vida econômica do país. Entretanto, não se pode dizer que

inexistia na colônia qualquer aparato institucional e administrativo, pois, naquela época, nela

já havia “uma ampla, complexa e ramificada administração”, no que segue Lustosa da Costa

explicando:

Sabe-se que foi a transferência da Família Real que criou condições para a

emergência do espaço público e a formação da burguesia nacional, tornando

impossível a restauração da situação colonial anterior e favorecendo a independência

nacional. Foi a instalação da corte que transformou uma constelação caótica de

organismos superpostos em um aparelho de Estado. Pois o Estado representado pela

administração colonial era, ao mesmo tempo, um todo que abrangia o indivíduo em

todos os aspectos e uma miríade de instâncias e jurisdições que iam do rei até o mais modesto servidor, cujas atribuições se superpunham, se confundiam e se

contradiziam (2008, p. 831).

O mesmo autor aponta que até 1808 existia no Brasil e, sobretudo, na sede do governo

geral (vice-reino) uma administração colonial relativamente aparelhada. Mas a formação do

Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e a instalação de sua sede na antiga colônia

tornaram irreversível a constituição de um novo Estado nacional. Todo um aparato

burocrático, transplantado de Lisboa ou formado aqui, em paralelo à antiga administração

metropolitana, teve que ser montado para que a soberania se afirmasse, o Estado se

constituísse e se projetasse sobre o território, e o governo pudesse tomar decisões, ditar

políticas e agir.

Silva (2004) relata que em 1808, com a criação do Erário Régio e a instituição do

Conselho de Fazenda para administrar, distribuir, contabilizar e proceder aos assentos

necessários ao Patrimônio Real e fundos públicos do Estado do Brasil e domínios

ultramarinos, deu-se início a um controle orçamentário sob uma perspectiva gerencial,

pautadas em um controle por parte da uma administração pública do dinheiro público.

O que mudara nesse momento então no Brasil de 1808 é que as ordens que vinham de

Portugal para a colônia passaram a ter um papel de ordem inversa. A colônia agora tinha o Rei,

que governava a metrópole à distância, em meio à invasão francesa e domínio de parte de seu

território pela Inglaterra. Isso fez com que D. João VI, em 1815, elevasse o Brasil à categoria

de Reino Unido a Portugal e Algarves, pois não se admitia que um monarca governasse um

país de uma colônia.

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Como não se ouvia falar em concurso público para ocupação de cargos10

até então, em

meio ao crescimento das cidades, vilas e população, as nomeações ocorriam na base do

nepotismo, do apadrinhamento, das indicações pessoais, dos sobrenomes, dos títulos, alguns

nobiliárquicos, e outras formas de colocar no exercício da função alguém que fosse, no

mínimo, “amigo do chefe”, ou “amigo do amigo” (verdadeiros indicados), ou que até mesmo

demonstrasse mínima competência para o exercício de tal função. Essa era uma época em que

os bacharéis e os doutores também se destacavam, pois o bacharelado era título importante –

símbolo de imponência intelectual e cultural - e que merecia lugar de destaque face à

importância dada ao título, como Leal (1975) afirma, ao citar Freyre em sua obra Sobrado e

Mucambos:

Gilberto Freire estuda longamente a "ascensão do bacharel e do mulato". "A ascensão

política do bacharel, dentro das famílias diz ele - não foi só de genros: foi

principalmente de filhos". Se destacamos aqui a ascensão dos genros é que nela se

acentuou com maior nitidez o fenômeno da transferência de poder ou de parte

considerável do poder, da nobreza rural para a burguesia intelectual. Das dos

engenhos para os sobrados das cidades (p. 22).

Ser bacharel, à época, era o indício de que havia grandes possibilidades de se participar

ativamente da vida pública da sociedade, em meio a nomeações para ocupação de cargos

públicos e outras mais indicações que deixaria o nobre graduado em posição de destaque.

Mas a ideia do “apadrinhado” não ficou restrita apenas durante o sistema de capitanias

hereditárias. Muitas outras figuras surgiram no cenário administrativo / político brasileiro, nos

seus primeiros 400 anos, cujos quais contribuíam para que ocorresse apadrinhamento nos mais

diversos campos burocráticos11

, tais como o “patrão”; os senhores de engenho; os “chefes”; os

“doutores”, a própria câmara dos oficiais12

, dentre outros. E assim o Brasil foi colecionando

figuras que exerciam o poder. Porém, muitas vezes essas figuras eram uma única pessoa, cujo

prestígio e poder de mando o tornavam um ser temido e respeitado por todos a sua volta.

A Constituição Federal do Império do Brasil, a primeira brasileira, foi outorgada em

1824, ou seja, logo após a independência do País, e foi feita já com uma nova figura: a do

imperador D. Pedro I. Mesmo sendo pioneira em regulamentar a administração e a legislação

10 O concurso para ocupação de cargos públicos foi institucionalizado no Brasil primeiramente durante o Governo

Vargas, na Constituição Federal de 1934 – influência da Administração burocrática implementada na época. 11 Usou-se a palavra burocrática para definir as funções administrativas, mesmo sabendo que a burocracia como

objeto de estudo surgira muito depois com os estudos de Weber. 12 Câmara dos oficiais era equivalente à Câmara Legislativa nos dias de hoje.

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brasileira como um todo, ela já trazia em si os primeiros traços de mérito para ocupação de

cargos públicos, conceito desconhecido até então. Em seu artigo 179, parágrafo 14, diz que

“Todo o cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra

diferença que não seja a dos seus talentos e virtudes”. Complementando, o parágrafo 16

explicita que “Ficam abolidos todos os privilégios, que não forem essencial e inteiramente

ligados aos cargos, por utilidade pública”. Mesmo sabendo que tais leis não foram obedecidas

de imediato, foram o primeiro passo para abolir os privilégios existentes no setor público no

que se refere à ocupação de cargos.

Em meio a um longo período da história brasileira, o status de República foi atingido

em 1889 após pressão para que o Brasil, além de abolicionista, pusesse fim à monarquia. Essa

atitude acompanhava os demais países vizinhos da América Latina, pois o Brasil foi o último

país a abolir a escravidão e a monarquia entre eles. Assim, conforme destaca Silva (2011):

A partir de 1891, foram definidas mais claramente as competências e atribuída ao Congresso Nacional a tarefa de, anualmente, orçar a receita e fixar a despesa federal.

Contudo, o Poder Legislativo nunca exerceu tal função e sempre se valeu da proposta

orçamentária encaminhada pelo Poder Executivo, por meio de projeto de lei (p.

175).

Como o Brasil deixou de ser monarquia para ser império em 1822, e depois tornou-se

república em 1889, nada mais normal, em meio a um turbilhão de ideias um tanto

revolucionárias, que a administração também mudasse o rumo da história. Não havia mais a

figura autoritária do Rei nem do Imperador, mas sim a de um Presidente, que seria, a partir de

então, eleito (escolhido) conforme a nova Constituição Federal de 1891 (a primeira

Constituição Republicana). Se isso, na prática, não acontecia nos moldes como ocorre hoje,

pelo menos dava uma sensação à sociedade como um todo de que ela passaria a participar da

escolha de seus governantes, em um exercício da democracia, ainda que as regras impostas não

traduzissem essa verdade.

Essa nova Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil expressa

claramente tais mudanças. Seu artigo 41 versa que “Exerce o Poder Executivo o Presidente da

República dos Estados Unidos do Brasil, como chefe eletivo da Nação”. Já o seu artigo 47 diz

que “O Presidente e o Vice-Presidente da República serão eleitos por sufrágio direto da Nação

e maioria absoluta de votos”. Aqui está expressa a mudança do tipo de governo e da forma

como esse deve ocupar o cargo.

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Nessa época, nasce o Brasil Republicano, cheio de idealismos e influências diretas do

positivismo, pregadas até mesmo na Academia Militar pelo instrutor Tenente-Coronel

Benjamin Constant aos jovens oficiais13

. Aparecem aqui discursos e demais ações que

pareceram ter sido mais uma satisfação à política externa, em meio a pressões dos países mais

desenvolvidos para que houvesse a abolição da escravidão e o fim da monarquia, do que a

própria vontade de dar à nação um rumo diferente do modo patriarcal de se governar14

. Mas, o

que mudou na administração pública com o “novo Brasil”? Após a instauração do

presidencialismo, o Brasil passou por um período inicial sob o comando dos militares Deodoro

da Fonseca e Floriano Peixoto – a chamada República da Espada - cujos governos foram

marcados por conflitos militares e uma enorme crise financeira herdada do Império.

Tão logo os militares saíram de cena, inicia-se o Período Oligárquico15

ou “Política do

café com leite”, através do então Presidente Prudente de Morais. Suas características mais

marcantes ainda continuavam sendo o nepotismo, apadrinhamento, coronelismo, indicações

sem nenhuma ou quase nenhuma meritocracia, o jogo político pela manutenção do poder,

somada a alternância entre São Paulo e Minas Gerais no exercício do poder central e, acima de

tudo, falta de consciência generalizada. A visão era direcionada para políticas locais de chefes

que coadunavam e compactuavam com a manutenção do poder na mão de pequenos grupos

favoráveis ao Governo. Quem fazia parte do conluio tinha benefícios. Quem não estava

envolvido no “esquema”, sofria pela ausência do Estado.

Assim, como bem concluiu Matias-Pereira (2014) sobre esse contexto maior,

patrimonialista, que se seguiu ao longo dos governos:

Na Administração Pública Patrimonialista, o aparelho do Estado atua como uma

extensão do poder do monarca. Os servidores públicos possuem status de nobreza

real. Os cargos funcionam como recompensas, o que gera o nepotismo. Isso contribui para a prática de corrupção e do controle do órgão público por parte dos soberanos

(p. 127).

13 O Tenente Coronel Benjamin foi um dos “arquitetos” e entusiasta do republicanismo. Ele apreciava o

positivismo de Auguste Comte, cuja influência ficara evidenciada na própria bandeira do Brasil: Ordem e

Progresso. 14 Gilberto Freyre em sua obra Casa Grande & Senzala (2003) aborda a questão do negro completamente à

margem das preocupações do Estado. Não se falava em uma política de inserção do “homem livre” à sociedade, nem tampouco proporcionava-lhe oportunidades para exercer sua cidadania e desenvolvimento econômico-social. 15

Oligarquia significa um grupo de poucas pessoas que exercem o poder. Ou seja, no caso da política brasileira,

no período de 1891 a 1930, tinha-se o revezamento de políticos paulistas e mineiros no exercício do poder central.

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Face às características nefastas e lesivas ao patrimônio público promovidas pela

Administração Patrimonial ao longo de muitos anos, o Brasil necessitava de um modelo que

pusesse fim a estas práticas (corrupção e nepotismo). Já no início do século XX, mais

precisamente na década de 1930, o país percebia que a implementação de ações nos moldes

dos estudos e pesquisas feitos por Max Weber – as chamadas teorias da Burocracia – poderiam

ser a solução para o fim da deterioração da máquina pública e a solução para que o Brasil

crescesse como outros países, a exemplo da Inglaterra e Estados Unidos. Com base nesse

contexto, a Burocracia surge como uma solução das mazelas públicas – o que de fato não foi.

3. Burocracia – um novo rumo na administração brasileira

A administração pública brasileira nesse primeiro período republicano seguiu sendo

marcada pela corrupção e nepotismo, além do abandono do Estado em relação à sociedade. A

migração de monarquia e império para república trouxe mudanças significativas para o país.

Entretanto continuavam as velhas práticas da antiga aristocracia rural, agora disfarçada de

políticos, tão interessados em utilizar a máquina pública em prol de si mesmo quanto os

antigos senhores de engenho. O café, por ser o principal produto de exportação do país na

época, tornava-se objeto político de barganha, no qual reforçava, mesmo no século XX, a

relação de senhorio e empregado, e mantinha no poder os grandes senhores do setor cafeeiro.

Assim, quem manipulava o comércio do café tinha grande possibilidade de também exercer

poder político, direta ou indiretamente, não importando para isso a forma quase escrava16

de se

cultivar esse produto (café). Esse período brasileiro foi assim descrito por Fausto (1997):

A sociedade brasileira, na Primeira República, tem sido definida, simplificadamente,

como um organismo social em que predominam os interesses do setor agrário-

exportador, voltado para a produção do café, representado pela burguesia paulista e

parte da burguesia mineira (p. 227).

16 A partir de 1850, o Brasil passou a receber imigrantes, principalmente italianos, na região de São Paulo, em

substituição da mão de obra escrava. Assim surgiam os primeiros assalariados rurais. Porém, as condições de

trabalho eram péssimas, sem contar que os direitos trabalhistas praticamente inexistiam. Isso perdurou, pelo menos, até a Era Vargas, pois a Constituição Federal de 1934 fez constar os direitos trabalhistas, agora visto

como uma obrigação do patrão e também do Estado. Mas isso não garantia cumprimento por completo, pois,

praticamente, não atingia aos trabalhadores rurais.

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11

O período das oligarquias perdurou até 1930, quando Getúlio Vargas, após ter perdido

as eleições para Júlio Prestes (paulista), deu um Golpe de Estado e, apoiado pelo Exército17

,

declarou-se Presidente da República – mandato que durou até 1945, em meio a mais golpes e

demonstrações claras de autoritarismo. Mas seu governo Provisório, que foi de 1930 a 1934,

enfrentou sérias dificuldades. A economia estava diante de uma crise de ordem mundial, uma

vez que os Estados Unidos, atingidos pelo problema da superprodução, afetavam todo o

mundo, dependentes de seu mercado interno. O Brasil, que ainda possuía características de

país agroexportador, e seu principal produto, o café, não tinha mais a procura como antes, viu

cair drasticamente sua curva de exportação, como explica Cano (2009):

A crise nos afetou pesadamente, reduzindo fortemente o volume das exportações,

cujos preços caem em torno de 60% dos níveis de 1928. Com isso, e a drástica

redução das importações, as finanças públicas foram muito afetadas, dado que a base

fiscal dos estados nacionais estava lastreada nos impostos sobre o comércio exterior. A grande queda da capacidade para importar, a redução do financiamento externo e a

rápida fuga de capitais externos aprofundou o desequilíbrio cambial (p. 604).

Voltando a um pouco antes dessa crise econômica mundial, na metade do século XIX,

época do auge do pensamento do Estado Liberal, desenvolviam-se teorias e “soluções” que

consubstanciavam ordens práticas que iam na contramão do que se vivia por aqui. Esses novos

conceitos combatiam veementemente a corrupção e o nepotismo, e seriam implementadas

durante o Governo Vargas na tentativa de uma reforma político-administrativa para

impulsionar o Brasil a um modelo técnico-burocrático na ocupação de cargos públicos

baseados na meritocracia.

O cenário europeu do período era o seguinte: a Alemanha enfrentara dificuldades em

competir na Europa, principalmente com a Inglaterra, que adotara o modelo de capitalismo

industrial, refletido na Escola Clássica. Isso motivou o filósofo alemão Max Weber a estudar

os mecanismos do capitalismo, além de dar atenção aos assuntos do Estado, às questões sociais

e a formação das linhas de autoridade (exercício da autoridade) dentro das organizações,

baseado no exército prussiano. Devido ao fato dos estudos de Weber abordarem múltiplas

17 Vargas foi apoiado pelo Exército, mas principalmente foi influenciado e apoiado pelos “Tenentes” –

Movimento Tenentista – os quais tiveram, nos primeiros anos de seu governo, privilégios de se tornarem

Governadores (Interventores) dos estados brasileiros e outros cargos de confiança.

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áreas de estudo, será discutido o pensamento burocrático ou a teoria da burocracia18

a partir de

algumas características, elencadas pelo próprio Weber em sua obra “Fundamentos da

organização burocrática” (1976), tais como:

Impessoalidade: a pessoa que representa tipicamente as organizações privadas de

grande envergadura, em partidos e autoridades ocupa um "cargo". Na atividade específica de

seu status, que inclui a atividade de mando, está subordinada a uma ordem impessoal para a

qual se orientam suas ações. Isso é verdadeiro não apenas para os que exercem a autoridade

legal inscrita no conceito usual de “funcionários”, mas inclusive, por exemplo, para o

presidente eleito de um Estado.

Separação entre o público e o privado: no tipo racional, é questão de princípio que

os membros do quadro administrativo devam estar completamente separados da propriedade

dos meios de produção e administração. Funcionários, empregados, trabalhadores vinculados

ao quadro administrativo não podem fazer seus os meios materiais de produção e

administração. Existe, em princípio, completa separação entre a propriedade da organização,

que é controlada dentro da esfera do cargo, e a propriedade pessoal do funcionário, acessível

ao seu uso privado19

. O funcionário trabalha inteiramente desligado da propriedade dos meios

de administração e não se apropria do cargo.

Meritocracia: os candidatos são selecionados na base de qualificações técnicas e

pelo seu mérito. Nos casos mais racionais, a qualificação é testada por exames, dada como

certa por diplomas que comprovam a instrução técnica, ou utilizam ambos os critérios. Os

candidatos são nomeados e não eleitos.

Weber trabalhou muitos outros conceitos em seus estudos, porém, este trabalho será

delimitado nos princípios burocráticos elencados acima, pois foram justamente esses que

serviram, na década de 1930, de base para a nova administração e que foram implementados

no Brasil. Matias-Pereira (2014) explica bem alguns dos principais objetivos indiretos da

teoria burocrática e que se aplicaram às necessidades do País:

18 Podemos definir de forma simples a burocracia como um modelo de administração baseada em normas e

regulamentos, com aspectos extremamente formais, revestida de impessoalidade no qual se busca a racionalidade e a adequação dos meios aos fins pretendidos. 19

Na Contabilidade brasileira, a separação entre os bens do sócio e da sociedade denomina-se Princípio da

Entidade. Esse princípio diz claramente que os bens dos sócios não se confundem com os bens da empresa.

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A Administração Pública Burocrática nasce na segunda metade do século XIX, com

o objetivo de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Pregava os

princípios do desenvolvimento, da profissionalização, ideia de carreira pública,

hierarquia funcional, impessoalidade, formalismo; tudo cominava no poder legal,

colocando a priori as metas de acabar com o nepotismo e com a corrupção (p. 127).

Retornando à Era Vargas, em 1934 foi editada e promulgada uma nova Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil, cujo teor lhe deu a alcunha de “Constituição

Trabalhista”, pelo fato de conter normas pertinentes à Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT), que estão em vigor até os dias de hoje. Nesta norma constitucional, observa-se a

influência e a intenção de implantar o pensamento burocrático weberiano, conforme abaixo:

Art. 168 – Os cargos públicos são acessíveis a todos os brasileiros, sem distinção de

sexo ou estado civil, observadas as condições que a lei estatuir.

Art. 169 – Os funcionários públicos, depois de dois anos, quando nomeados em

virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício,

só poderão ser destituídos em virtude de sentença judiciária ou mediante processo

administrativo, regulado por lei, e, no qual lhes será assegurada plena defesa.

Art. 170 – O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funcionários Públicos,

obedecendo às seguintes normas, desde já em vigor: (....)

2º) a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais que a lei determinar, efetuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de

provas ou títulos. (BRASIL, 1934).

Os artigos mostram claramente traços característicos da burocracia sendo aplicados na

administração pública nacional. O artigo 169 remete à impessoalidade; o 169, à estabilidade, e

o artigo 170, inciso 2º, à meritocracia. A aplicação de tais medidas, de cunho burocrático,

reformularia o modo como o Estado escolhia seus representantes, ao menos os servidores de

carreira, profissionais do serviço público, porque nesse momento (1934), por força de lei,

haveria de ter concurso público e outros exames os quais fossem necessários para a ocupação

de um cargo.

A prática do nepotismo ficaria mais restrita aos cargos superiores – indicados ou

políticos – pois, para estes, ainda perdura a exceção, ou seja, a prática do sufrágio ou

nomeação baseada na confiança20

. Há de se apontar, ainda que contraditório ao tempo e local

da aplicação da lei, a democratização do serviço público, ratificada com a criação do DASP.

20Sechi (2013) traz uma abordagem a respeito dos ocupantes de cargos públicos: “na literatura das ciências

políticas, os atores são aqueles indivíduos, grupos ou organizações que desempenham um papel na arena política. Os atores relevantes em um processo de política pública são aqueles que têm capacidade de influenciar,

direta ou indiretamente, o conteúdo e os resultados da política pública”. Sechi divide esses atores em três

categorias: Políticos; Designados Politicamente e Burocratas (funcionários do serviço público).

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O Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) foi um órgão diretamente

subordinado à Presidência da República, criado em 30 de julho de 1938 com o objetivo de

aprofundar a reforma administrativa destinada a organizar e racionalizar o serviço público no

país, iniciada anos antes por Vargas21

. O DASP estava previsto na Constituição Federal de

1937, conforme indicado em seu artigo 67:

Haverá, junto à Presidência da República, organizado por decreto do Presidente, um

Departamento Administrativo com as seguintes atribuições:

a) o estudo pormenorizado das repartições, departamentos e estabelecimentos

públicos, com o fim de determinar, do ponto de vista da economia e eficiência, as modificações a serem feitas na organização dos serviços públicos, sua distribuição e

agrupamento, dotações orçamentárias, condições e processos de trabalho, relações de

uns com os outros e com o público;

A implantação do DASP pode ser considerada um contraponto ao patrimonialismo

existente até então. Porém, se por um lado buscava-se a racionalização do funcionalismo

público, por outro, o DASP esbarrava na “irracionalidade” da política. Nessa disputa de

interesses entre a moralização do serviço público e as nomeações indicadas, o DASP visava à

seleção e aperfeiçoamento do pessoal administrativo por meio do sistema de mérito,

acreditando assim, ser esta a única maneira de combater o apadrinhamento.

Pelo fato da implementação e prática de selecionar funcionários públicos com base da

impessoalidade, meritocracia, especialização e aperfeiçoamento, racionalização do trabalho e

combate ao nepotismo, atribuem-se à Carta Constitucional de 1934 e à criação do DASP o

enraizamento, de forma vitalícia, da burocracia como modelo de gestão público-administrativa

até os dias atuais. Todavia, como não houve um apoio maciço dos políticos em absorver e pôr

em prática tais conceitos de forma efetiva, a administração burocrática não conseguiu cumprir

sua missão precípua: extirpar o nepotismo e corrupção.

Segundo Wahrlich (1974, p.29), A reforma administrativa de pessoal (1939) foi a

contribuição mais significativa da época. Suas características específicas podem ser assim

resumidas: igualdade de oportunidade para ingresso no Serviço Público (sistema de mérito);

ênfase nos aspectos éticos e jurídicos das questões de pessoal (coibição de privilégios, e

impessoalidade).

Após a década de 60, com o Governo militar, o DASP perdeu forças e quase não se

apresentava mais como um órgão executor, mas meramente assessório, com funções 21

Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/PoliticaAdministracao/DASP>.

Acesso em 23/01/2017.

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basicamente voltadas para seleção e gestão de pessoas no âmbito público federal. Sua extinção

se deu através do Decreto nº 93.211, de 3 de setembro de 1986, sendo substituído pela

Secretaria da Administração Pública da Presidência da República – SEDAP, durante o período

da redemocratização.

Se a burocracia trazia benefícios à administração pública pelo fato de tornar mais

democrática a ocupação de cargos públicos, trazia consigo também mazelas, apontadas como

disfunções burocráticas, que surgiram com a adaptação do patrimonialismo à burocracia.

Como não conseguiu acabar com o nepotismo e a corrupção, e a máquina pública cada vez

mais aumentava sua extensão, o aparelho estatal tornara-se lento e rígido, por conta de um

controle exercido por meio de leis, normas e regulamentos.

[...] verifica-se que as duas principais causas do desvirtuamento da burocracia – as

quais são responsáveis pela interpretação e emprego errôneos do termo - são: (i) a

centralização e verticalização do processo decisório, tendo como consequência a

morosidade dos trâmites processuais na estrutura hierárquica em sentido ascendente;

e (ii) falta de flexibilidade, ou seja, preocupação obsessiva em cumprir regras.

Quando surgem casos que não se encaixam com precisão nas regras, não há lugar

para modificação (MATIAS-PEREIRA, 2014, p. 67).

O Brasil precisou passar por um processo de desburocratização. As reformas políticas

estimulavam uma descentralização administrativa e, ao mesmo tempo, a centralização política,

a exemplo do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, para atender às demandas

internas e externas, uma vez que o país estava inserido no mercado mundial como um dos

principais produtores agrícola.

O Brasil pós-Vargas passou por diferentes períodos de governo: democratização,

Estado industrial, Estado desenvolvimentista, autoritarismo (militarismo), até chegar na

redemocratização após campanhas como o “Diretas Já”. Aquela burocracia apresentada como

solução dos problemas patrimonialistas agora era posta em xeque. O Brasil precisava rever

questões e avançar rumo ao gerencialismo, pois a sociedade requeria uma resposta eficiente do

Estado ao atendimento de seus reclamos, o que não acontecia plenamente na Administração

Burocrática.

Inicialmente, a Burocracia foi e continua sendo importante para a administração

brasileira em diversos aspectos. Porém, não foi capaz de resolver todas as suas questões,

principalmente pelo fato de tornar a máquina pública rígida e pouco adaptativa. Assim, a

Administração caminhou para o Gerencialismo, por meio de reformas que, teoricamente,

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tornariam o Estado mais flexível e apresentaria ao cidadão uma melhor prestação de serviços

voltados para o conceito de eficiência.

4. Administração Gerencial – a busca pela verdadeira eficiência

Matias-Pereira (2012) aponta que na busca de encontrar instrumentos para fazer frente

à crise fiscal do Estado, a administração pública gerencial surgiu na segunda metade do século

XX como estratégia para reduzir custos, tornar mais eficiente a administração dos serviços sob

a responsabilidade do Estado e amenizar a insatisfação existente contra a administração

pública burocrática. O modelo da administração pública gerencial tem como pressupostos a

descentralização das decisões e funções do Estado, autonomia no que diz respeito à gestão de

recursos humanos, materiais e financeiros e ênfase na eficiência, na qualidade e na

produtividade do serviço público.

O colapso da administração burocrática é explicado por Bresser-Pereira (1996):

A crise da administração pública burocrática começou ainda no regime militar, não

apenas porque este não foi capaz de extirpar o patrimonialismo que sempre a vitimou,

mas também porque esse regime, ao invés de consolidar uma burocracia profissional

no país, através da redefinição das carreiras e de um processo sistemático de abertura

de concursos públicos para a alta administração, preferiu o caminho mais curto do

recrutamento de administradores através das empresas estatais” (p. 3)

Como a Burocracia não foi capaz de suprir a ineficiência do Estado, ainda que se

buscasse ser eficiente a qualquer custo22

, o Gerencialismo se apresentou não para extingui-la,

mas sim para aperfeiçoá-la23

. O cenário era de agitação política, inflação em torno de 70% ao

mês e altos índices de desemprego. Em meio a essas questões, cai o militarismo. O último

Presidente da República militar, João Baptista de Oliveira Figueiredo, mostrou-se receptivo à

abertura política e ao fim de um período ditatorial, passando aos cidadãos o direito de escolher

seus governantes “civis” no poder novamente. Então, diante de algumas reformas, ou

tentativas de reformas, o Brasil se vê diante de um lema: “mudar para progredir”, conforme

Matias-Pereira (2012):

22 Como o foco da burocracia era “fazer o que estava escrito”, a eficiência se baseava em cumprir as regras e não

em atender ao cidadão objetivamente nos diversos serviços públicos oferecidos à sociedade. 23 A Burocracia procurou extinguir o Patrimonialismo, pois acreditava-se que as práticas patrimoniais eram lesivas à Administração Pública. O Gerencialismo não buscava a extinção da Burocracia, mas aperfeiçoá-la .

Acreditava-se que na burocracia existiam vantagens que poderiam ser ainda melhor aproveitados pelo Estado se

passassem por uma reforma, tornando-se mais efetivos na prestação de serviços públicos.

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A reforma do Estado não se restringe à reestruturação administrativa e ao alcance do

equilíbrio fiscal. Tem como principal objetivo a consolidação do processo

democrático, a estabilidade econômica e o desenvolvimento sustentável com a justiça

social. Assim, a priorização da reforma do Estado é uma medida necessária para

permitir que o governo possa atender de forma adequada às demandas da sociedade.

O atendimento dessas demandas exige que o Estado atue de forma inteligente, ou

seja, se torne cada vez mais eficiente, eficaz e efetivo na prestação de serviços

públicos, com qualidade e menores custos para a sociedade (p. 117).

Há de se destacar algumas reformas realizadas nas décadas de 80 e 90, que marcaram o

Gerencialismo de forma incisiva. Não serão abordados os pormenores de tais mudanças, haja

vista que não se pretende torná-los objetos de estudo nesse momento. Assim, será apresentada

uma amostra dos governos que sucederam ao período militar para que se entenda melhor a

evolução da Administração Gerencial24

.

Com a redemocratização, o Governo Sarney recria, em 1985, o Ministério

Extraordinário para Assuntos Administrativos, e com ele, a Comissão Geral do Plano de

Reforma Administrativa. Seus objetivos eram a modernização da administração pública,

tornando-a compatível com os diversos processos de gestão; a adequação do serviço público a

padrões de eficiência que dessem suporte aos planos do governo e a eficiência na prestação de

serviços públicos ao cidadão. (LIMA JUNIOR, 1998)

A reestruturação administrativa pretendida no governo Collor inseria-se no contexto da

modernização do Estado, tratando de privilegiar o ajuste econômico, a desregulamentação, a

desestatização e a abertura da economia. Ambos os princípios já constavam da pauta da

reforma administrativa desde o final dos anos 1960. Já o ajuste econômico e a abertura

comercial se construíam em dimensões novas a serem perseguidas pelo governo.

Em 1995, com a estabilidade econômica dada pelo Real, inicia-se o “Novo Estado”,

baseado no Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE) e a criação do Ministério da

Administração e Reforma do Estado (MARE).

A partir de 1995, com o governo Fernando Henrique, surge uma nova oportunidade

para a reforma do Estado em geral, e, em particular, do aparelho do Estado e do seu

pessoal. Esta reforma terá como objetivos: a curto prazo, facilitar o ajuste fiscal,

particularmente nos Estados e municípios, onde existe um claro problema de excesso

de quadros; a médio prazo, tornar mais eficiente e moderna a administração pública,

voltando-a para o atendimento dos cidadãos (BRESSER PEREIRA, 1996, p.

117).

24 A Constituição Federal de 1988 também é, a nosso ver, um instrumento de fomento ao Gerencialismo, uma vez

que prevê, no caput do Art. 37, a eficiência como um princípio a ser praticado amplamente pela Administração

Pública.

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Após Sarney, Collor e Itamar Franco, foram Presidentes do Brasil Fernando Henrique

Cardoso, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, os três Presidentes da República em dois

mandatos. Há o que se falar dos governos Lula e Dilma, porém, este trabalho limitar-se-á a

apenas mostrar as ideias e práticas da transição da Burocracia para o Gerencialismo. Assim,

ficará em aberto o livre pensar sobre em qual ponto exatamente houve a implementação do

Gerencialismo no Brasil: se na era Sarney, Collor, Itamar ou FHC?

Desta forma, o Quadro 1 aponta as diferenças das duas administrações, ainda presentes

na administração pública: a burocrática mantendo-se através da estabilidade do servidor,

sistema de meritocracia (concurso) para ocupação de cargo público e formalismo como base

regulamentação das atividades estatais, por meio de normas e regulamentos; e a gerencial,

ainda em construção, proporcionando certa autonomia para que o Estado se apresente de forma

eficiente no atendimento ao cidadão.

Quadro 1: Diferenças entre Administração Burocrática e Administração Gerencial.

Administração Burocrática Administração Gerencial

Apoia-se na noção geral de interesse

público.

Procura obter resultados valorizados pelos

cidadãos.

Garante cumprimento de

responsabilidade.

Gera accountability; eleva as relações de

trabalho.

Obedece às regras e aos

procedimentos.

Compreende e aplica normas; identifica e

resolve problemas; melhora continuamente

os processos.

Opera sistemas administrativos. Separa serviços e controle; cria apoio para

normas; amplia a escolha do usuário;

encoraja ação coletiva; cria incentivos;

define, mede e analisa resultados.

Concentra-se no processo. Orienta-se para resultados.

É autorreferente. Foca o cidadão.

Define procedimentos para contratação

de pessoal, compra de bens e serviços.

Luta contra o nepotismo e a corrupção.

Satisfaz as demandas dos cidadãos. Evita adotar procedimentos rígidos.

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Controla procedimentos. Define indicadores de desempenho –

utiliza contratos de gestão.

Define cargos rígida e

fragmentadamente, tem alta

especialização.

É multifuncional; flexibiliza as relações de

trabalho.

Fonte: Matias-Pereira, 2012, p. 62.

Este quadro comparativo entre a Administração Burocrática e Administração Gerencial

mostra o quanto a Burocracia necessitava ser aperfeiçoada, pois o Gerencialismo provou que

as parcerias criadas a partir da década de 1990 entre o Poder Público e os setores privados

resultaram em duas características: um Estado mais flexível (voltado para resultados); e a

melhora da qualidade na prestação dos serviços públicos, uma vez que parceiros prestadores de

serviços públicos (Estado e particular) atuam juntos para atenderem aos anseios da sociedade.

Embora alguns estudiosos da área afirmem que o Estado Gerencial priorize de forma

única as estatais, no sentido de promover serviços à sociedade com a verdadeira eficiência,

dessa vez considerando o cidadão não apenas como um “pagador de impostos” – cliente – mas

como alguém que deva ser usuário e beneficiário de serviços com qualidade, Gurgel (2014)

traz uma reflexão interessante a esse respeito:

Ainda que pareça uma heresia aos olhos dos gerencialistas, o Estado também pode

ser um agente importante na elevação da eficiência de empresas privadas. É quando,

em ambiente monopolista ou oligopolista, o setor público se introduz, oferecendo o

produto a preços mais baixos. Isso rompe com o conforto em que os monopolistas ou

oligopolistas se encontram (p. 814).

O gerencialismo trouxe para o Brasil diversas vantagens. Porém, faz-se necessário que

se implemente mais ações para aumentar a eficiência em diversos aspectos. O público e o

privado necessitam, realmente, ser parceiros e responsáveis pelo bem-estar social, mas a

Burocracia não pode ser alijada desse contexto. Seria, e é aconselhável, que o gestor público

utilize as vantagens de ambos os modelos de administração para que uma das maiores

economias do mundo, seja também, um dos países mais bem administrados.

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5. Considerações finais

Apesar de não serem abordados neste trabalho os Governos mais atuais dos últimos 16

anos, por não fazerem parte diretamente da implementação do gerencialismo, ainda que deram

e dão continuidade a este modelo e buscam o seu aperfeiçoamento, o Brasil vive hoje, talvez,

uma das páginas mais importantes de sua história, mediante o reavivamento de questões

político-ideológicas, crise econômica, recessão, redução do PIB e outros fatos. São momento

de reflexão sobre a gestão pública atual. Aqui não cabe aos autores discutir assuntos políticos,

nem tampouco jurídicos, mas apenas fazer uma análise crítica segundo a ótica burocrática.

Se houveram práticas de corrupção, nepotismo e nomeações inadequadas para o

exercício da função pública, sem base meritocrática e uma série de outras práticas no atual e

nos anteriores governos (de acordo com notícias e informações veiculadas por jornais e

revistas especializadas), resquícios de um velho patrimonialismo, isso mostra que na verdade,

essas práticas nunca deixaram de existir nos 500 anos do Brasil, perpassando governos e mais

governos.

Num prognóstico um tanto pessimista, não se pode afirmar o desaparecimento desses

atos a curto ou médio prazo. Assim, retomando o conceito inicial burocrático, pois este modelo

escrito por Max Weber e posto em prática por Getúlio Vargas, na década de 1930, tinha a

intenção de eliminar as práticas patrimonialistas (principalmente o nepotismo e a corrupção),

e, ainda, analisando a administração pública brasileira sob a ótica da burocracia, pode-se

presumir que a administração pública brasileira, mesmo tentando reafirmar a cada dia o seu

gerencialismo, necessita de conceitos puramente burocráticos para que mazelas do passado

como corrupção e nepotismo deixem de ser uma característica brasileira.

Há um consenso entre autores sobre a necessidade do país avançar nas questões

administrativas rumo à afirmação e aperfeiçoamento do Gerencialismo. Mas não se pode

abandonar conceitos importantes criados na Era Burocrática, como por exemplo o controle a

priori. Este tipo de controle era baseado na desconfiança parcial nas pessoas e, por isso, era

necessário a Administração controlar os atos de seus agentes, reduzindo, assim, a possibilidade

de práticas criminosas e nefastas à máquina pública.

Faz-se necessário, também, criar consciência administrativa nos administrados, e não

só isso. O Estado precisa incentivar a construção do pensamento ético, tão necessário nos dias

atuais, não com discursos, mas com exemplos. As mudanças precisam ocorrer do topo para a

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base, pois o que hora se apresenta é um Brasil do século XXI nos moldes da França do século

XVIII – um Gerencialismo mascarado de Absolutismo Patrimonialista pelos chefes de Poder,

onde o Estado usa a força da lei para impor a sua vontade sobre o povo, mantendo privilégios

no topo da pirâmide governamental.

6. Referências Bibliográficas

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Acesso em 11 jan 2017.

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fevereiro de 1891.

_______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: promulgada em 16 de

julho de 1934.

_______. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: promulgada em 10 de

novembro de 1937.

_______. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 05 de outubro de

1988.

______. Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967 e suas atualizações. Dispõe sobre a

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outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1967.

_______. Decreto nº 93.211, de 3 de setembro de 1986. Cria a Secretaria de Administração

Pública da Presidência da república, extingue o Departamento de Administração do Serviço

Público e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília,

DF, 1986.

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22

_______. MARE. (Ministério da Administração e Reforma do Estado). Plano Diretor da

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