19
137 http://dx.doi.org/10.18675/1981-8106.vol24.n47.p137-155 Gerencialismo e avaliação em larga escala: novos modos de regulação da educação básica Maria de Fátima Cóssio Universidade Federal de Pelotas.- RS, Brasil. [email protected] Antonio Cardoso Oliveira Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense.- RS, Brasil. [email protected] Aisllan Augusto Souza Universidade Federal de Pelotas.- RS, Brasil. [email protected] Educação: teoria e prática, Rio Claro, SP, Brasil - eISSN: 1981-8106 Está licenciada sob Licença Creative Common Resumo Este trabalho é um esforço de sistematização das discussões empreendidas no Seminário Avançado de Políticas Educacionais II, do PPGE/FaE/UFPel e visa analisar a intensificação dos mecanismos avaliativos no cenário da educação básica brasileira, defendendo a tese de que faz parte do processo de reconfiguração da gestão pública, no quadro das alterações do projeto capitalista e das consequentes mudanças no papel do Estado para fazer frente às crises do capital, constituindo-se em novas formas de regulação. Utilizam-se as teorizações de Afonso (2009), Ball (2004, 2005, 2011), Maroy (2011) e Teodoro (2011), na compreensão da nova gestão pública e dos modos de regulação, assim como os documentos oficiais e legais que sustentam a política atual. Analisa-se que o modelo de gestão pública assumida pelos governos centrais, desde os anos 1990, identifica-se com o gerencialismo, considerando a adoção de princípios empresariais e mecanismos de controle e responsabilização no interior da máquina pública e nas relações com as entidades da sociedade civil que assumem a prestação de serviços considerados não exclusivos do Estado. As políticas educacionais em vigor atualmente estão pautadas pela indução à melhoria dos indicadores de qualidade, medidos por meio de exames nacionais combinados aos censos escolares que resultam no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Acredita-se que a panacéia da avaliação repercute na organização dos sistemas, das escolas e da sala de aula, com implicações no currículo, no trabalho docente e na formação dos estudantes. Palavras-chave: Políticas educacionais. Avaliação em larga escala. Gerencialismo. Regulação.

Gerencialismo e avaliação em larga escala: novos modos de

  • Upload
    others

  • View
    5

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

137 http://dx.doi.org/10.18675/1981-8106.vol24.n47.p137-155

Gerencialismo e avaliação em larga escala: novos modos de regulação da educação básica

Maria de Fátima Cóssio

Universidade Federal de Pelotas.- RS, Brasil. [email protected]

Antonio Cardoso Oliveira Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense.- RS, Brasil.

[email protected]

Aisllan Augusto Souza Universidade Federal de Pelotas.- RS, Brasil.

[email protected]

Educação: teoria e prática, Rio Claro, SP, Brasil - eISSN: 1981-8106

Está licenciada sob Licença Creative Common

Resumo Este trabalho é um esforço de sistematização das discussões empreendidas no Seminário Avançado de Políticas Educacionais II, do PPGE/FaE/UFPel e visa analisar a intensificação dos mecanismos avaliativos no cenário da educação básica brasileira, defendendo a tese de que faz parte do processo de reconfiguração da gestão pública, no quadro das alterações do projeto capitalista e das consequentes mudanças no papel do Estado para fazer frente às crises do capital, constituindo-se em novas formas de regulação. Utilizam-se as teorizações de Afonso (2009), Ball (2004, 2005, 2011), Maroy (2011) e Teodoro (2011), na compreensão da nova gestão pública e dos modos de regulação, assim como os documentos oficiais e legais que sustentam a política atual. Analisa-se que o modelo de gestão pública assumida pelos governos centrais, desde os anos 1990, identifica-se com o gerencialismo, considerando a adoção de princípios empresariais e mecanismos de controle e responsabilização no interior da máquina pública e nas relações com as entidades da sociedade civil que assumem a prestação de serviços considerados não exclusivos do Estado. As políticas educacionais em vigor atualmente estão pautadas pela indução à melhoria dos indicadores de qualidade, medidos por meio de exames nacionais combinados aos censos escolares que resultam no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB. Acredita-se que a panacéia da avaliação repercute na organização dos sistemas, das escolas e da sala de aula, com implicações no currículo, no trabalho docente e na formação dos estudantes. Palavras-chave: Políticas educacionais. Avaliação em larga escala. Gerencialismo. Regulação.

138

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

Managerialism and large-scale assessment: new modes of regulation of basic education

Abstract This work is an effort of systematization of the discussions undertaken in Advancing Educational Policy Seminar II PPGE/FaE/UFPel and aims at analyzing the intensification of evaluative mechanisms in the scenario of Brazilian basic education defending the thesis that is part of the process of reconfiguration of the public administration within the framework of the capitalist project and yours consequent changes in the role of the State to cope with the crises and breed new forms of regulation. Use the theorizing of Afonso (2009), Ball (2004, 2005, 2011), Maroy (2011), Teodoro (2011), in the understanding of new public management and adjustment modes, as well as the official and legal documents supporting the understanding of new public management and adjustment modes current policy. Analyzes the public management model assumed by central governments since the mid 1990 identifying the Managerialism, considering the adoption of business principles and mechanisms of control and accountability within the public machine. Educational policies in force are currently grounded by induction to the improvement of quality indicators, measured through national exams combined to school censuses which result in basic education development index-IDEB. It is believed that the panacea of the evaluation reflects the Organization of systems, of schools and of the classroom, with implications in the curriculum, teaching and training work of students. Keywords: Educational policies. Large-scale assessment. Managerialism. Regulation

Gerencialismo y evaluación en larga escala: nuevos modos de regulación

de la educación básica

Resumen Este trabajo es un esfuerzo de sistematización de las discusiones iniciadas en el Seminario Avanzado de Políticas Educacionales II, del PPGE/FaE/UFPel y tiene como objetivo analizar la intensificación de los mecanismos evaluativos en el escenario de la educación básica brasileña, defendiendo la tesis de que hace parte del proceso de reconfiguración de la gestión pública, en el cuadro de las alteraciones del proyecto capitalista y de los consecuentes cambios en el papel del Estado para hacer frente a las crisis del capital, constituyéndose en nuevas formas de regulación. Se utilizan las teorizaciones de Afonso (2009), Ball (2004, 2005, 2011), Maroy (2011) y Teodoro (2011), en la comprensión de la nueva gestión pública y de los modos de regulación, así como los documentos oficiales y legales que sostienen la política actual. Se analiza que el modelo de gestión pública asumida por los gobiernos centrales, desde los años 1990, se identifica con el gerencialismo, considerando la adopción de principios empresariales y mecanismos de control, y la responsabilización en el interior de la

139

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

máquina pública y en las relaciones con las entidades de la sociedad civil que asumen la prestación de servicios considerados no exclusivos del Estado. Las políticas educacionales en vigor actualmente están pautadas por la inducción a la mejoría de los indicadores de calidad, medidos por medio de exámenes nacionales combinados a los censos escolares que resultan en el Índice de Desenvolvimento da Educação Básica1 – IDEB. Se cree que la panacea de la evaluación repercute en la organización de los sistemas, de las escuelas y de la sala de clase, con implicaciones en el currículo, en el trabajo docente y en la formación de los estudiantes. Palabras clave: Políticas educacionales. Evaluación en larga escala. Gerencialismo. Regulación. 1 Introdução

O presente trabalho visa analisar a política de avaliação em larga escala da

educação brasileira, situando-a como uma forma de regulação/controle da educação,

e suas relações com a reconfiguração do papel do Estado e da gestão pública,

identificada com o gerencialismo, no quadro das reformas do Estado das duas últimas

décadas. Estudos recentes demonstram que esse modelo de gestão adota princípios

empresariais e busca, sobretudo, reduzir gastos e, ao mesmo tempo, imprimir maior

eficácia e eficiência na máquina pública, utilizando-se, entre outros mecanismos, da

lógica de resultados de desempenho que incentivam a competitividade e a

concorrência nos diferentes setores estatais.

O estudo é de natureza bibliográfica, utilizando-se da metodologia analítica, e

resulta das discussões realizadas durante o Seminário Avançado de Políticas

Educacionais II, ofertado pelo PPGE/FaE/UFPel no ano de 2013, cujo objetivo consistiu

no aprofundamento do conceito e dos novos modos de regulação, bem como a

análise das suas implicações na educação básica, tendo como foco central do processo

regulatório o sistema de avaliação em larga escala.

Cabe salientar que a reforma do Estado, guardadas as peculiaridades e estágios

do capitalismo em cada nação, é parte dos efeitos do modelo neoliberal e da

globalização da economia, onde se pode situar as agências multilaterais

desempenhando um papel crucial na definição de uma agenda política global e na

introdução de novos modos de gestão identificados com o mercado no interior da

máquina pública (TEODORO, 2011).

1 Índice de Desarrollo de la Educación Básica

140

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

Assim, o gerencialismo surge no cenário de reestruturações da organização

pública na perspectiva de superação do modelo de administração profissional e

burocrática, entendido como paternalista, conservador, inflexível e incompetente para

fazer frente às complexas demandas do mundo moderno. A modernização neoliberal

do serviço público consistiu no grande desafio dos governos, visando qualificar os

serviços com menos custo, num impulso incessante por maior eficiência e

produtividade.

A retórica gerencialista passou a ser uma linguagem que todos precisavam falar

para soar modernos. Entretanto, o gerencialismo não se refere somente à introdução

de mecanismos de gestão empresarial no setor público, mas, também, a formas de

controle sobre os serviços públicos prestados por organizações, instituições e

empresas, no bojo do processo de privatizações e descentralizações.

Maroy (2011) situa o gerencialismo na perspectiva da governança pós-

burocrática, onde se localiza o modelo de Estado avaliador ou a governança por

resultados. Nesse modelo, a valorização da eficácia tende a ser dissociada de suas

finalidades, ou seja, a qualidade da educação parece restringir-se a resultados de

desempenho dos estudantes nas provas nacionais e ao aumento dos índices de

promoção demonstrado pelos censos escolares.

No caso da educação pública brasileira é possível identificar as concepções

gerencialistas na intensificação dos instrumentos de avaliação externa; na centralidade

das ações do governo na gestão estratégica das redes e escolas, notadamente

expressas nos documentos que orientam a política de transferência voluntária de

recursos, como é o caso do Plano de Ações Articuladas – PAR e do Plano de

Desenvolvimento da Escola – PDE Escola, priorizando a melhoria dos resultados,

especialmente do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB, composto

pela combinação de dados dos censos escolares e dos resultados das provas nacionais,

e no financiamento, com forte vinculação com a gestão e com a avaliação,

constituindo-se nos pilares da política educacional na atualidade.

A acentuada política de valorização dos resultados incentiva as escolas a

utilizarem estratégias que contribuam para a melhoria do desempenho dos estudantes

nas avaliações, mesmo que isso prejudique o desenvolvimento de uma educação em

sentido mais amplo. O estreitamento curricular é um dos exemplos mais evidentes

141

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

desse modelo, ou seja, a redução do trabalho docente ao preparo dos estudantes para

as provas, tornando as avaliações nacionais o cerne do trabalho dos professores e não

apenas como mais um meio de contribuir para a qualificação da educação, como seria

o recomendável.

Colaborando com essa análise Casassus (2009, p. 75) evidencia que essa política

[...] faz com que o foco da educação seja a resposta a provas psicométricas e não o ensino, que é o fundamento da profissão. Esconde aspectos que são importantes finalidades da educação, a saber: o desenvolvimento da personalidade, o respeito, a cidadania, a curiosidade, o desenvolvimento de valores, a vontade de descobrir conhecimentos, o compromisso com a sabedoria etc. Todas estas coisas que não são avaliadas pelas provas psicométricas. Em definitivo, a finalidade da educação é colocada de lado no processo educativo, uma vez que não é avaliada.

Para fundamentar a argumentação inicial deste artigo, primeiramente situa-se

a nova gestão pública no quadro das redefinições do papel do Estado no atual

momento do capitalismo, aprofundando os conceitos de gerencialismo. A seguir,

define-se o que se entende por regulação, indicando as políticas educacionais

consideradas regulatórias na perspectiva de controle. Após, sinalizam-se os principais

mecanismos de avaliação, situando as provas nacionais e os indicadores de

desempenho, buscando compreender os propósitos que os orientam, as formas de

materialização e as suas repercussões nos currículos e no trabalho docente. Por fim,

encaminham-se as considerações finais, alertando para o processo de

responsabilização ou prestação de contas (accountability) dos professores e,

sobretudo, dos gestores em relação aos resultados (fracasso ou sucesso) obtidos nos

testes padronizados, fortalecendo a meritocracia, o ranqueamento e a dinâmica de

recompensas e sanções.

2 Reforma do Estado e a nova gestão pública

O setor público brasileiro tem passado, nos últimos anos, por uma reforma

estrutural que vem alterando, de forma significativa, as concepções e os objetivos que

orientam a máquina estatal. Presencia-se no Brasil a adesão a um formato de gestão

adotado pelos países centrais nos últimos 20 anos, que têm por finalidade a

reorganização e alteração profunda na cultura organizacional e, por consequência, nos

serviços que são desempenhados pelo Estado.

142

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

O gerencialismo foi utilizado por países como EUA e Grã-Bretanha, como

elemento-chave para a efetivação dos conceitos neoliberais, buscando assim,

paralelamente à iniciativa de liberar as forças do mercado e reduzir o tamanho e as

ações do Estado, aumentar a eficiência do setor público e reduzir o seu custo.

Newman e Clarke (2012, p. 358) evidenciam a relevância do gerencialismo no

processo reforma do Estado quando exemplificam que

[...] O gerencialismo como ideologia era essencial para o processo de reforma das décadas de 1980 e 1990 no Reino Unido porque traduzia um ethos de negócios do setor privado no estado e no setor público. Ocorre que, mesmo onde os serviços públicos não foram totalmente privatizados (e muitos permaneceram no setor público), era exigido que tivessem um desempenho como se estivessem em um mercado competitivo. Era exigido que se tornassem semelhantes a negócios e este ethos era visto como personificado na figura do gerente (em oposição ao político, ao profissional ou ao administrador). Isto introduziu novas lógicas de tomada de decisão que privilegiavam economia e eficiência acima de outros valores públicos.

Percebe-se como um dos grandes objetivos do mecanismo de reforma

gerencialista fazer com que o setor público adote, o máximo possível, o modelo

organizacional e de gestão utilizado pelas grandes corporações da iniciativa privada, ou

seja, busca inserir na raiz do sistema público conceitos como eficiência e eficácia,

competitividade, administração por objetivos, meritocracia e demais concepções

oriundas de um meio em que a finalidade é a obtenção de resultados econômicos e

que disponibiliza pouca atenção para as questões sociais emergentes.

Entende-se relevante, ao abordar o modelo gerencialista, enfatizar que esse

modelo apresentou diferentes concepções com o passar dos anos, e o que se

presencia com maior ênfase, atualmente, é o que os autores chamam de novo

gerencialismo. Newman e Clarke (2012, p. 361) assinalam as principais diferenças

quando relatam que

[...] é importante reconhecer que o gerencialismo continha variantes diferentes e pensamos que duas delas eram particularmente significativas. A primeira (às vezes denominada neotaylorismo) é um pragmatismo racional de meio-fim que privilegia a eficiência e a produtividade e que favorece relações transacionais de intercâmbio e contratação. Frequentemente isto está associado a sistemas rígidos de controle, metas em cascata e rígido monitoramento de desempenho. A segunda (que se tornou conhecida na década de 1990 como novo gerencialismo, Clarke; Newman, 1993; Pollitt, 1993), é mais centrada nas pessoas e orientada para qualidade e excelência; aqui os programas de mudança de cultura procuram deixar a força de trabalho livre para inovar e aperfeiçoar os serviços e para introduzir organizações mais centradas no cliente e olhando para fora.

143

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

Uma das principais premissas do novo gerencialismo são a redução e dispersão

do poder de atuação do Estado. É fundamental para a efetivação desse modelo que

exista a denominada liberdade para gerenciar, isto é, para que surjam novas e mais

eficientes possibilidades de gestão é primordial que se efetive a diminuição do

controle e da execução governamental na prestação dos serviços públicos para a

sociedade.

Podem-se identificar as características do gerencialismo no caso brasileiro com

a efetivação, cada vez maior, das parcerias público-privadas e a transferência da

responsabilidade do Estado para instituições da sociedade civil na prestação de

serviços essenciais para a população, por exemplo, na área da saúde e da educação.

A sociedade civil, no atual contexto, assume um papel central, tanto para

realizar os serviços entendidos como não exclusivos do Estado, quanto para legitimar o

modelo de Estado gerencial através do controle à distância (avaliações, conselhos,

agências reguladoras) das ações realizadas, dando a ideia de transparência e controle

social.

Analisando a educação pública brasileira, é possível identificar as concepções

gerencialistas na reestruturação de todo o sistema. Percebe-se, por exemplo, a

inserção cada vez maior da performatividade nas escolas e, consequentemente, a

valorização das avaliações em larga escala pela sociedade. Observa-se, de forma

acentuada, a vinculação dos recursos públicos à adesão dos entes federados aos

programas do governo, que não raro implicam na reconfiguração da gestão escolar; na

expansão do número de alunos; na adoção de metas de ampliação dos indicadores

educacionais, traduzidos pelos resultados da escola em termos de aprovação e pelos

resultados das provas nacionais; mudando o foco do currículo, do trabalho docente e

da gestão da escola, visando perseguir uma concepção particular de qualidade

baseada em resultados.

A adoção de práticas empresariais pelas instituições públicas de ensino, por

meio de acordos de cooperação firmados entre a União, Estados, Distrito Federal e

Municípios, como é o caso do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação,

entendido como o carro chefe do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, que

visa, sobretudo, induzir as redes/sistemas e escolas à adoção de planejamentos

estratégicos no sentido de atingir os padrões de desempenho definidos como

144

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

adequados, notadamente traduzidos pelo IDEB, colabora para a desvalorização e

intensificação do trabalho do gestor escolar e do professor, na medida em que

transferem para a escola a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso dos alunos nas

inúmeras avaliações existentes.

Ball (2005, p. 545) evidencia essa alteração efetivada pelo gerencialismo e seus

reflexos nos trabalhadores ao afirmar que

[...] O trabalho do gerente envolve incutir uma atitude e uma cultura nas quais os trabalhadores se sentem responsáveis e, ao mesmo tempo, de certa forma pessoalmente investidos da responsabilidade pelo bem-estar da organização. Nos termos de Bernstein, essas novas pedagogias invisíveis de gerenciamento, realizadas por meio das avaliações, análises e formas de pagamento relacionadas com o desempenho, “ampliam” o que pode ser controlado na esfera administrativa. As estruturas mais frágeis do novo gerencialismo permitem que um leque maior de comprometimento e da vida emocional dos trabalhadores se torne público (Bernstein, 1971, p. 65). [...] O gerenciamento busca incutir performatividade na alma do trabalhador.

A conformação dos professores aos princípios gerencialistas é incentivada pela

noção de autonomia (regulada) do trabalho docente, por meio do apelo à melhoria da

qualidade da educação, traduzida pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

– IDEB; pelos incentivos financeiros e simbólicos adotados por vários sistemas de

ensino, tais como a escolha do melhor professor, da melhor escola (ranking), dos

melhores alunos, tendo como referência os resultados obtidos nas avaliações externas

nacionais e, em alguns casos, em avaliações externas feitas localmente.

Nesse sentido, destaca-se o trabalho de Ivo (2013) em estudo realizado em um

município do Rio Grande do Sul em que esses princípios são claramente evidenciados.

[...] Os professores operam dentro de uma imensidão de dados, indicadores de performance, comparações e competições, com a exposição de resultados o professor está sujeito a julgamentos de todas as ordens. Esse fenômeno pode ser observado na rede municipal de ensino de Santa Maria, a partir do Prêmio Qualidade na Educação, que opera dentro de uma lógica performática, premiando aqueles que tiverem os melhores resultados no IDEB e punindo aqueles que não obtiveram os resultados desejados. Além disso, o Prêmio estimula a competição entre as escolas e entre os professores, bem como expõe os resultados das escolas, responsabilizando as mesmas pelo resultado negativo nos índices (IVO, 2013, p. 77).

Nessa perspectiva, a escola é afetada em suas formas de organização, gestão,

alterando sobremaneira os princípios que a orientam.

A ampliação da qualidade como objetivo educacional é desejável e necessária,

o que está em questão é de que qualidade se está falando. Na perspectiva oficial

145

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

parece traduzir-se em quantidade, em resultados, o que sem dúvida reduz o próprio

sentido da educação. A qualidade da educação que se almeja inclui os indicadores

educacionais, mas os ultrapassa, pois entende o sujeito em sua totalidade e em seu

processo de formação integral.

3 Novos modos de regulação das políticas educacionais

Para que se possa analisar os novos modos de regulação das políticas

educacionais, em curso atualmente, é necessário definir o que se entende por

regulação.

A regulação da educação é definida por Teodoro (2011) como o conjunto de

processos colocados em prática num sistema educativo, de forma que seus atores, do

centro para periferia, atinjam, com a maior eficácia possível, os objetivos fixados no

quadro do que se entende serem os interesses gerais.

Na mesma direção de Teodoro, Maroy (2011) entende como o conjunto de

mecanismos de orientação, de coordenação, de controle das ações dos

estabelecimentos, dos profissionais ou das famílias no seio do sistema educativo,

implantados pelas autoridades educativas, tratando-se, pois, de uma das atividades do

governo de um sistema.

É importante destacar que regulação não é sinônimo de regulamentação. A

regulamentação diz respeito às normas expressas em documentos legais e oficiais, a

regulação está presente nesses documentos, mas também em programas, projetos,

discursos e ações. Assim, a regulação contém a regulamentação e outros tantos

dispositivos utilizados para tornar efetiva uma determinada regra ou um conjunto de

regras.

Nesse sentido, algum nível de regulação (orientação, coordenação) é

necessário, como forma de reduzir desigualdades e aproximar, entre subsistemas e

escolas, metas, objetivos e fins da educação, objetivados em dispositivos materiais,

legais e técnicos, configurando-se num projeto de educação para a nação. Entretanto,

está em questão o tipo de regulação empreendido atualmente na educação brasileira.

Maroy (2008) distingue duas dimensões da regulação: institucional e

situacional. A primeira (normativa e de controle) corresponde à ação (regras,

146

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

discursos, procedimentos) de uma instância de autoridade sobre as instituições

hierarquicamente a ela submetidas, portanto, vertical. A segunda, diz respeito ao alvo

da regulação institucional, ou seja, o lócus onde a regulação é exercida, podendo gerar

ações resultantes da apropriação dos constrangimentos institucionais, ou de negação e

confronto de interesses e estratégias múltiplas, havendo espaço para autonomia dos

protagonistas, sendo, assim, horizontal.

Barroso (2006) afirma que a regulação é um processo múltiplo por suas fontes,

seus mecanismos, seus objetos, mas também pela pluralidade dos atores que a

constroem. Assim, para o autor a regulação é sempre uma multirregulação, complexa,

conflituosa e contraditória, remetendo à noção de que não há linearidade entre a

definição de uma política e sua materialização, mas, ainda assim, entende-se que

provoca efeitos, com maior ou menor intensidade e amplitude, dependendo do

contexto, dos níveis de influência e dos atores que definem e os que são alvo da

política.

Isto posto, pretende-se analisar as novas configurações regulatórias das

políticas educacionais, no contexto do modelo gerencialista ou pós-burocrático da

gestão pública.

Pesquisas recentes (MAROY, 2011; AFONSO, 2009) revelam convergências das

políticas educacionais em países centrais, semiperiféricos e periféricos em termos de

tendências comuns, tais como: ampliação da autonomia das escolas, resultando em

aumento das responsabilidades e atribuições dos gestores, centrando nestes as

expectativas da mudança (aumento da qualidade); busca de equilíbrio entre

centralização e descentralização, acarretando a delegação de poder a níveis

intermediários ou locais, especialmente na operacionalização da política, mantendo as

decisões em nível central; o crescimento da avaliação externa dos estabelecimentos e

do sistema escolar ocorre em níveis diferenciados entre os países, mas em geral é

protagonizada pelo governo central, acrescida de avaliações regionais e locais;

aumento da regulação de controle do trabalho docente, gerando a erosão da

autonomia individual dos professores, cada vez mais submetidos a diversas formas de

enquadramento de suas práticas, por meio da formação, códigos de boas práticas e a

obrigação de trabalho em equipe.

147

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

Essas políticas são atravessadas, segundo Maroy (2011), por modelos de

governança pós-burocráticos ou gerencialistas, como o quase-mercado ou o do Estado-

avaliador. O quase-mercado se refere à adoção de mecanismos de mercado no interior

do aparato estatal, instaurando nas escolas princípios de competitividade e

concorrência por recursos, por resultados, por alunos, a partir de regras definidas de

maneira central, baseadas em performances, eficácia e eficiência.

O Estado-avaliador supõe que os objetivos e os programas de ensino sejam,

igualmente, definidos de maneira central e que as unidades de ensino tenham

autonomia de gestão pedagógica e financeira, sendo, entretanto, submetidos a

contratos de gestão. O Estado negocia com as entidades locais os objetivos a serem

atingidos, delegando responsabilidades, a exemplo do que ocorre com o Plano de

Ações Articuladas, em relação aos Estados e Municípios, e com o PDE-Escola,

diretamente com as escolas, e monitora à distância, por meio de avaliações externas, o

cumprimento dos objetivos definidos em contrato, utilizando-se para tal de incentivos

(financeiros e simbólicos) e sanções.

Ainda que se reconheça que os sistemas e escolas podem se valer de diferentes

estratégias de resistência, tradução e reconfiguração, ou mesmo de adoção formal e

não prática da política, os novos modos de regulação, notadamente a avaliação em

larga escala, com os princípios que a sustentam, com destaque para os usos dos

resultados e as formas de publicização, que acabam contaminando a opinião pública e

transformando a performance, o ranqueamento, e, portanto, os resultados, em

sinônimo de sucesso ou de fracasso de sistemas, escolas, gestores, professores e

alunos, sem dúvida incidem sobre as formas como se configura a educação nacional.

4 Avaliação em larga escala: propósitos, instrumentos e repercussões

Em termos de educação básica, se pode situar o ano de 1993 como sendo o

primeiro movimento de criação de um sistema avaliativo em larga escala no país.

Naquele ano, o então Ministro da Educação, Murílio Hingel, divulga o Plano Decenal de

Educação para Todos, que previa, entre outras ações para melhorar a qualidade da

educação brasileira, a implementação do Sistema de Avaliação da Educação Básica –

Saeb, visando subsidiar a formulação de políticas públicas.

148

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

Desde a segunda metade dos anos 1990, a avaliação em larga escala da

educação alcança relevância como política de governo, sendo entendida como

instrumento fundamental para definir indicadores de desempenho dos serviços

públicos, com vistas a realinhar objetivos e ações e alcançar as metas de eficiência,

eficácia e produtividade previstas no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado,

sob a coordenação do Ministro Bresser Pereira. A Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, de 1996, acompanha essa perspectiva quando, pela primeira vez, uma lei

nacional se refere à coleta de informações e à avaliação dos sistemas como

mecanismos que irão incidir sobre a melhoria da qualidade do ensino. É nesse cenário,

sob a gestão do Ministro Paulo Renato de Souza e por meio do Decreto 2.146/97, que

o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos Anísio Teixeira - Inep, órgão vinculado ao

MEC, passa a ser responsável pela produção das avaliações externas, censos

educacionais e indicadores sobre o sistema educacional brasileiro, mudando

substancialmente as atribuições do órgão.

No referido período, no bojo das políticas neoliberais, têm início os primeiros

testes internacionais de desempenho, com o intuito de estabelecer comparações entre

os estudantes de diversos países. Dentre eles, destaca-se o Programme for

International Student Assesment – PISA, coordenado pela OCDE, e do qual participam

mais de 60 países. O Brasil, embora não seja membro da OCDE, participa dessa

avaliação.

No Brasil, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica – Saeb constitui-

se em uma avaliação externa em larga escala aplicada a cada dois anos. Seu objetivo é

realizar um diagnóstico do sistema educacional brasileiro, fornecendo um indicativo

sobre a qualidade do ensino que é ofertado. A sua primeira edição ocorreu em 1990,

com a participação de uma amostra de escolas que ofertavam as 1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries

do Ensino Fundamental das escolas públicas da rede urbana. Os alunos foram

avaliados em Língua Portuguesa, Matemática e Ciências. Esse formato se manteve na

edição de 1993. A partir de 1995, foi adotada nova metodologia em relação à prova, a

análise dos resultados e ao público-alvo, sendo avaliados, a partir de então, os anos

finais de cada etapa (4ª e 8ª séries, atuais 5º e 9º anos do ensino fundamental e 3º ano

do ensino médio).

149

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

Em 2005 o Saeb foi reestruturado, passando a ser composto por duas

avaliações: Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e Avaliação Nacional do

Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil.

A Aneb manteve os procedimentos da avaliação amostral das redes públicas e

privadas, com foco na gestão da educação básica que, até então, vinha sendo realizada

no Saeb. A Anresc é censitária e tem foco em cada unidade escolar e, por seu caráter

universal, recebe o nome de Prova Brasil. Ambos os exames são aplicados a cada dois

anos e têm o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema

educacional brasileiro a partir dos testes padronizados e questionários

socioeconômicos.

Várias questões poderiam ser levantadas, especialmente sobre a Prova Brasil,

como modalidade de avaliação normativa2, entretanto destacam-se duas. A primeira é

em relação à priorização da Língua Portuguesa e da Matemática em detrimento das

demais áreas do conhecimento que compõem o currículo, demonstrando quais

conhecimentos são entendidos como necessários para formar um tipo específico de

sujeito, em sintonia com a lógica de produzir resultados quantificáveis (produtos

visíveis), úteis indicadores de mercado (AFONSO, 2009). Os outros conhecimentos

(áreas), por não se constituírem em objeto de avaliação nacional, passam a ser

secundarizados nos currículos escolares, comprometendo os princípios educacionais e

a formação geral dos estudantes. A segunda questão é em relação ao trabalho

docente, que se vê diante dessa redução do conceito de educação e de currículo,

voltado para a perspectiva utilitarista do mercado, produzindo a conformação da

docência ao cumprimento das metas de elevação das médias nas provas nacionais.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi criado em 1998 com o objetivo

de avaliar o desempenho do estudante ao fim da educação básica. Esse exame pode

ser utilizado, também, para fins de certificação de conclusão do ensino médio, para

alunos maiores de 18 anos e que não concluíram esse nível de escolaridade na idade

2 Segundo Afonso (2009, p. 34) a avaliação normativa (uso de testes estandardizados) é frequentemente

referida na literatura como a modalidade de avaliação oposta, por excelência, à avaliação criterial. Enquanto esta última verifica a aprendizagem de cada aluno em relação a objetivos previamente definidos, a avaliação normativa toma como referência, ou compara, as realizações dos sujeitos que pertencem ao mesmo grupo – o que lhe confere uma natureza intrinsecamente seletiva e competitiva.

150

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

adequada. A partir de 2009 passou a ser utilizado como mecanismo de seleção para o

ingresso no ensino superior, momento em que o Exame passou por mudanças.

De acordo com o site do Inep/MEC, a utilização do Enem como forma de

ingresso no ensino superior e, especialmente através do Sistema de Seleção Única –

Sisu contribui para a democratização das oportunidades de acesso às vagas oferecidas

por Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), para a mobilidade acadêmica e para

induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio. O Enem também é utilizado

para o acesso a programas oferecidos pelo Governo Federal, tais como o Programa

Universidade para Todos – ProUni. Destaca-se, entretanto, que o Enem acompanha a

lógica da Prova Brasil, na medida em que ao mesmo tempo em que se anuncia como

um instrumento de democratização do acesso ao ensino superior reorienta os

currículos do ensino médio, define o trabalho docente, sendo voltado para o ensino

(ou treino) das competências e habilidades requeridas pelas provas e, sobretudo,

estabelece por meio dos rankings quais são as boas escolas, os bons professores e os

bons gestores escolares.

Em 2008 foi criada a Provinha Brasil, aplicada em sua 1ª edição no mês de abril,

visando avaliar o nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano do

ensino fundamental das escolas públicas brasileiras. Essa avaliação acontece em duas

etapas, uma no início e a outra ao término do ano letivo. A aplicação em períodos

distintos pretende propiciar aos professores e gestores educacionais a realização de

um diagnóstico do processo de aprendizagem dos alunos, notadamente em leitura,

dentro do período avaliado. Já está em vias de implantação, prevista para novembro

deste ano, uma nova prova para medir a qualidade da alfabetização: a Avaliação

Nacional da Alfabetização – ANA, como parte do Pacto Nacional pela Alfabetização na

Idade Certa, que prevê a alfabetização até os oito anos de idade.

Um dos pontos de tensionamento gerado pelas avaliações em larga escala é o

uso dos resultados obtidos, pois não raro são usados como forma de ranqueamento

entre regiões, sistemas, instituições, professores e alunos. Além do estímulo à

competitividade, muitas vezes reforçada por medidas locais, como prêmios e sanções,

observa-se que o objetivo anunciado de subsidiar a formulação de políticas públicas

que visem melhorar a qualidade do ensino pode produzir medidas centradas,

majoritariamente, nos resultados, como uma forma de prestação de contas

151

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

(accountability), o que não significa que o ensino, entendido como formação ampla,

em diversas áreas e sob diversos aspectos, seja de fato contemplado.

5 Considerações finais

O discurso corrente, notadamente por parte de representantes do governo

central, é de que o Brasil resolveu a questão do acesso à educação e que o problema

atual é a falta de qualidade que permita aos estudantes permanecerem na escola

aprendendo, corresponde a uma verdade parcial. Concorda-se que é preciso aumentar

a qualidade, uma vez que se constata que boa parte dos estudantes matriculados na

educação básica não consegue aprender o necessário (definido pelos currículos

nacionais e medido pelas avaliações em larga escala) em cada etapa de escolarização,

mas o problema do acesso não está resolvido. O censo escolar de 2012 – Inep/Mec

informa que somente o ensino fundamental está praticamente universalizado (91,9%

de crianças matriculadas), as demais etapas apresentam sérios déficits. Por isso,

constata-se que a educação brasileira precisa enfrentar, de imediato, três grandes

desafios: universalizar a educação básica, ampliar a qualidade e atender a diversidade

de forma a promover a educação de todas as pessoas.

O que se assiste em termos da agenda política dos governos centrais brasileiros

para a educação, nos últimos 20 anos, é um conjunto de regulamentações, programas

e projetos que sustentam as suas ações em certas formas de accountability

(responsabilização) baseada em perfomances, pelo entendimento de que a avaliação

dos resultados das escolas, num processo competitivo de concorrência, promoverá a

eficiência e poderá resolver o problema da qualidade da educação pública, como se a

qualidade fosse um conceito consensual, neutro, despolitizado em termos de

princípios e fins educacionais.

Para Ferrão (2012, p. 472), a qualidade na perspectiva de panacéia da

avaliação, traduz-se no senso comum, de forma redutoramente naturalizada, ao

mesmo tempo em que a educação (enquanto bem público) continua a ser

ressignificada e redimensionada, no embate com orientações e políticas concretas do

conservadorismo neoliberal.

152

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

A responsabilização das escolas e dos professores pelos resultados dos

estudantes nos exames nacionais pela via da sua publicização e ranqueamento produz

uma pressão dos sistemas/redes e da comunidade em geral no sentido de melhoria

dos indicadores, incidindo diretamente sobre os currículos escolares e sobre o trabalho

docente, podendo produzir alternativas que invertam a lógica pedagógica, ou seja, a

avaliação deixa de ser um instrumento didático para propiciar o conhecimento da

realidade sobre o processo de aprendizagem dos alunos e o replanejamento do

currículo para transformar-se no próprio objeto do currículo.

Entende-se que a política de resultados é um dos princípios que orientam a

nova gestão pública, baseada no gerencialismo, que consiste em adotar estratégias

administrativas assumidas por organizações privadas no interior do aparato estatal e

na perspectiva do Estado-avaliador, que significa a governança por resultados (MAROY,

2011), tanto dos próprios agentes públicos quantos das organizações privadas que

prestam serviços públicos.

A autonomia da gestão da escola, do ponto de vista pedagógico, administrativo

e financeiro e do trabalho docente, para gerir o currículo e a sala de aula, atua como

instrumento de intensificação das ações, considerando as inúmeras atribuições

transferidas para a escola por meio dos acordos de cooperação (programas de

transferência voluntária de recursos) e como responsabilização pelos resultados

obtidos. As boas escolas, os bons gestores e os bons professores são aqueles que

conseguem obter os melhores resultados nos exames nacionais, combinados ao fluxo

escolar (aprovação), e os que conseguem obter esses resultados com os recursos

transferidos voluntariamente pela União, ou seja, os que fazem mais com menos.

Salienta-se que uma política de resultados serve para divulgar rankings, mas,

certamente, não serve para formar pessoas.

Referências AFONSO, A. J. Avaliação educacional: regulação e emancipação. 4d. São Paulo: Cortez, 2009.

153

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

BALL, S. J. Sociologia das políticas educacionais e pesquisa crítico-social: uma revisão pessoal das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. In: ______; MAINARDES, J. (Orgs.). Políticas educacionais: questões e dilemas. São Paulo: Cortez, 2011. p. 10-32. BALL, S. J. Profissionalismo, Gerencialismo e Performatividade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 35, n. 126, p. 539-564, set/dez. 2005. BALL, S. J. Performatividade, privatização e o pós-Estado do Bem-Estar. Educação & Sociedade, Campinas, v. 25, n. 89, p. 1105-1126, set./dez. 2004. BARROSO, J. (Org.) A regulação das políticas públicas de educação: espaços, dinâmicas e atores. Lisboa: Educa/Unidade de Ciências da Educação, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, princípios e programas. 2007. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/arquivos/livro/ > Acesso em: 27 mai. 2014. BRASIL. Casa Civil. Decreto nº 6.094, de 24 de abril de 2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal... Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6094.htm>. Acesso em: 27 mai. 2014. BRASIL. Decreto nº 2.146, de 14 de fevereiro de 1997. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo de Cargos em Comissão e Funções Gratificadas do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, e dá outras providências. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1997/decreto-2146-14-fevereiro-1997-341858-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 27 mai. 2014. BRASIL. Casa Civil. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 27 mai. 2014. BRASIL. Ministério do Planejamento.. Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado. Brasília. 1995. Disponível em: <http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em 27 mai. 2014.

154

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Ações Articuladas – PAR. 2011. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/arquivos/category/129-plano-de-acoes-articuladas-par>. Acesso em: 27 mai. 2014. BRASIL. Ministério da Educação. Plano de Desenvolvimento da Escola – PDE-Escola. Disponível em: <http://www.educacao.al.gov.br/rede-estadual-de-ensino/plano-de-desenvolvimento-de-escolas/PERGUNTAS%20E%20RESPOSTAS%202009.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2014. CASASSUS, J. Uma nota crítica sobre a avaliação estandardizada: a perda de qualidade e a segmentação social. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, Lisboa, v.1, n. 9, p. 71-78, mai/ago 2009. FERRÃO, M. E. Avaliação educacional e modelos de valor acrescentado: tópicos de reflexão. Educação e Sociedade, Campinas, v. 33, n. 119, p. 325-672, abr.-jun. 2012. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS – INEP. Censo da educação básica 2012: resumo técnico. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2012.pdf>. Acesso em: 27 mai. 2014. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS – INEP. Índice de Desenvolvimento da Educação Básica- Ideb. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/web/portal-ideb>. Acesso em: 21 Abr. 2013. IVO, A. A. Políticas públicas em educação e Gestão: efeitos sobre trabalho docente, currículo e avaliação. 2013. p. 275. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Pelotas. Pelotas, 2013. MAROY, C. Em direção a uma regulação pós-burocrática dos sistemas de ensino na Europa? In: OLIVEIRA, D. A.; DUARTE, A. (Orgs.). Políticas públicas e educação: regulação e conhecimento. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2011. MAROY, C. Regulation des Systèmes Educatifs. In: Dictionaire de l’Éducation. Sous la direction d’Agnès Van Zanten. Paris, France: Quadrige/PUF. Presses Universitaire de France, 2008.

155

Educação: Teoria e Prática/ Rio Claro/ Vol. 24, n.47/ p. 137-155/ Set-Dez. 2014.

NEWMAN, J.; CLARKE, J. Gerencialismo. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 37, n. 2, p. 353-381, maio/ago. 2012. TEODORO, A. A educação em tempos de globalização neoliberal: os novos modos de regulação das políticas educacionais. Brasília: Liber Livro, 2011.

Enviado em Setembro/2013 Aprovado em Abril/2014