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AVM FACULDADE INTEGRADA LICENCIATURA EM PEDAGOGIA PAULO FREIRE E A DIMENSÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS: IDÉIAS PARA ORIENTAR A PRÁTICA Por: Maíra de Oliveira Dias Orientadora Profª. Ms. Maria da Conceição Maggioni Poppe Rio de Janeiro 2012 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · oportunidade de criação e experimentação que me proporcionaram, e especialmente a Ana ... A hipótese levantada é que a

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AVM FACULDADE INTEGRADA

LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

PAULO FREIRE E A DIMENSÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS:

IDÉIAS PARA ORIENTAR A PRÁTICA

Por: Maíra de Oliveira Dias

Orientadora

Profª. Ms. Maria da Conceição Maggioni Poppe

Rio de Janeiro

2012

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AVM FACULDADE INTEGRADA

LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

PAULO FREIRE E A DIMENSÃO EDUCATIVOS DOS MUSEUS:

IDÉIAS PARA ORIENTAR A PRÁTICA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de licenciado em Pedagogia.

Por: Maíra de Oliveira Dias

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AGRADECIMENTOS

Tenho certeza da impossibilidade de listar aqui todos os envolvidos no processo de “manufatura” desta monografia, para poder agradecê-los com a devida justiça. Tento aqui, então, um exercício superficial de memória...

Primeiramente, agradeço a Deus.

A AVM Faculdade Integrada, em seus professores, tutores, coordenadores e demais funcionários.

Aos entrevistados Professor Doutor Moacir Gadotti, Professora Doutora Maria Célia T. M. Santos, e ao museólogo Adolfo Samyn Nobre pela colaboração para o enriquecimento deste trabalho.

A minha família, pelo apoio incansável. Silvio e Janice, meu pais amados, por todo esforço que fizeram para minha formação moral, ética e acadêmica – sempre inspirados pela “educação para a prática da liberdade”. Joana, minha mana amorosa, por expandir sempre minha leitura do mundo, como uma boa irmã mais velha. Aline, minha irmã adotiva e fiel “escudeira”, pelo companheirismo.

Aos professores e colegas da Museologia e dos Museus, pelo apoio para que eu buscasse na Educação os elementos para me tornar uma pessoa e uma profissional melhor. Em especial agradeço à Aparecida Rangel, que sempre será uma referência, e aos integrantes da Rede de Educadores em Museus e Centros Culturais do Rio de Janeiro, por terem me inspirado a realizar este trabalho.

A toda equipe do Núcleo Experimental de Educação e Arte do MAM-RJ pela oportunidade de criação e experimentação que me proporcionaram, e especialmente a Ana Paula Chaves, pela amizade e parceria inesquecíveis.

Ao Colégio da Imaculada Conceição, onde completei o Ensino Médio e tive a honra de voltar como estagiária, principalmente nas pessoas da supervisora geral Rosa e da coordenadora do Ensino Infantil Elaine.

E finalmente, aos colegas da UFPB, Professora Rosa Zuleide Brito e Clodemir Nascimento pelo apoio na fase final deste trabalho, sem o qual seria impossível terminá-lo.

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DEDICATÓRIA

A todos aqueles com quem compartilhei

visitas em museus. Turmas e visitantes que

me ensinaram a pensar a minha prática

enquanto educadora para “um outro mundo

possível”.

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EPÍGRAFE

Memória da Esperança

Na fogueira do que faço por amor me queimo inteiro.

Mas simultâneo renasço para ser barro do sonho e artesão do que serei.

Do tempo que me devora me nasce a fome de ser. Minha força vem da frágil

flor ferida que se entreabre resgatada pelo orvalho

da vida que já vivi. Qual a flama que darei

para acender o caminho da criança que vai chegar?

Não sei. Mas sei que já dança, canção de luz e sombra,

na memória da esperança. (Thiago de Mello)

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RESUMO

O presente trabalho trata-se de uma pesquisa sobre a aplicação das principais ideias do educador Paulo Freire na dimensão educativa dos museus. Apresenta uma breve biografia e destaca princípios do ideário freiriano. Retrata um panorama da história dos museus, de sua dimensão educativa, e do cenário museal brasileiro atual, enfocando o Museu da Abolição-MAB (Recife/PE) como estudo de caso. Discute o uso do referencial freiriano nos museus, analisando através de cinco dos valores elencados por Shor para uma educação empoderadora e de quatro palavras-chave elegidas por Gadotti para definir Paulo Freire, tendo a reabertura participativa do MAB como matéria de análise. Considera que as ações embasadas no ideário freiriano são, não só possíveis, como necessárias, com grande potencial de mudança social, adequadas ao contexto brasileiro e com a postura que os museus brasileiros vem adotando, mais abertos e dispostos a contribuir para uma sociedade mais justa.

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METODOLOGIA

Para o desenvolvimento deste trabalho foi utilizada pesquisa

bibliográfica e na Internet, aprofundando os estudos nos escritos de Paulo

Freire – dos quais podemos destacar a “Pedagogia do Oprimido” (2005),

“Pedagogia da Autonomia” (2002) e “Pedagogia da Indignação” (2000). Outros

teóricos que também estudaram a obra deste educador foram fontes de

consulta como Danilo Streck, Euclides Redin, Jaime José Zitkoski no

“Dicionário Paulo Freire” (2010) e Ira Shor no livro, ainda não traduzido para o

português, “Empowering Education” (1992).

Foi realizado um estudo de caso, sobre o Museu da Abolição em

Recife/PE, que contemplou além das leituras, visitas à instituição e uma

entrevista por e-mail com o museólogo e ex-diretor interino da instituição,

Adolfo Samyn Nobre, respondida em 13/01/2012.

Outras duas entrevistas foram realizadas também por correio eletrônico

– visto conflitos de horário e distância para realização das mesmas

pessoalmente – em uma fase preliminar da pesquisa, através de um roteiro de

perguntas específicas com a Doutora Maria Célia T. M. Santos, museóloga e

professora aposentada da UFBA, que já trabalha com o referencial de Paulo

Freire desde a década de 80; e com o Doutor Moacir Gadotti, professor da

Faculdade de Educação da USP, autor de diversos livros e atual presidente do

Conselho Deliberativo do Instituto Paulo Freire, que foram respondidas nos

dias 05/07/10 e 13/10/10, respectivamente.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I - PAULO FREIRE E ALGUMAS DAS SUAS IDÉIAS 11

1.1 – Não há docência sem discência 12 1.2 – Ensinar não é transferir conhecimento 14 1.3 – Educar é uma especificidade humana 15

CAPÍTULO II - A DIMENSÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS 18

2.1- Quem vive de presente é museu 18 2.2- E a educação nisso tudo? 20 2.3- Panorama museal brasileiro atual 27 2.4- Estudando um caso: Museu da Abolição 29

CAPÍTULO III – IDÉIAS PARA ORIENTAR A PRÁTICA 36

3.1- Pesquisa de campo 37 3.2- Participativo 38 3.3- Contextualizado 39 3.4- Crítico 41 3.5- Dialógico 43 3.6- Multicultural 46 3.7- Liberdade, Esperança, Luta e Utopia 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55

ANEXOS 60

ÍNDICE 82

FOLHA DE AVALIAÇÃO 84

9

INTRODUÇÃO

Motivado pela prática e pela reflexão na área da educação em museus,

este estudo teve origem ainda nos estágios durante graduação em Museologia

(UNIRIO) e se aprofundou na monografia daquele curso, que teve como título

“Museologia e Práxis: a prática de pensar a prática”, utilizando o “que-fazer”

freiriano para repensar a prática profissional nos museus. O presente trabalho,

então, tem por objetivo aproximar o ideário do educador Paulo Freire dos

museus, principalmente no que tange à sua dimensão educativa. Também

objetiva estimular a reflexão sobre a necessidade de referenciais teóricos

claros nas ações de educação em museu; e analisar e sugerir parâmetros para

ações que assumam Freire como referência, de forma que possam

desenvolver uma prática coerente com o ideário deste educador. Assim, o

problema deste trabalho é como as ideias de Paulo Freire podem fazer parte

efetivamente na prática dos museus. A hipótese levantada é que a utilização

deste referencial é possível quando dentro de determinados princípios.

Apresentaremos no primeiro capítulo uma breve biografia do educador

pernambucano, já que no seu caso vida e obra se completam, e através da

estrutura de capítulos de um dos seus mais famosos livros, “Pedagogia da

Autonomia: Saberes necessários à prática educativa” (FREIRE, 2002),

abordaremos suas principais ideias.

No segundo capítulo adentraremos o universo dos museus, resgatando

um pouco de sua história, como a educação esteve presente desde a sua

constituição e um panorama atual dos museus no Brasil. Esta instituição, que já

assumiu inúmeras faces, hoje se apresenta simpática e instigadora de ações

que a aproximam do público em geral ou de sua comunidade do entorno. Para

darmos a perceber o museu com esses ares contemporâneos, teremos como

estudo de caso o Museu da Abolição, na cidade do Recife, capital do estado de

Pernambuco. Este museu, que atualmente é ligado ao Instituto Brasileiro de

Museus, se destacou no cenário nacional pelas ações que realizou a fim de

envolver a comunidade na sua reabertura. Um conjunto de atividades e

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posicionamentos que caracterizamos como de educação popular.

A análise do ideário freiriano aplicado à prática educativa museal se dará

no terceiro capítulo, utilizando cinco dos onze valores elencados por Shor para

caracterização de uma ação da “educação empoderadora” e quatro palavras-

chave definidas por Gadotti para Paulo Freire. Para enriquecer esta análise,

aplicaremos estes “critérios” à reabertura participativa do Museu da Abolição,

que se deu a partir de 2005, discutindo estas características aplicadas em uma

experiência exitosa.

Nas considerações finais, a partir de todos os assuntos abordados e

análises realizadas, apresentamos a conclusão de que o uso do referencial

freiriano nos museus é possível e necessário, se considerarmos a mudança de

postura que vem sendo adotada nos museus brasileiros.

Os museus ao entenderem sua possível função de ferramenta de

transformação social, encontram em Paulo Freire suporte e estímulo para

buscar seu papel em um mundo em tempo de mudanças.

11

CAPÍTULO I

PAULO FREIRE E ALGUMAS DE SUAS IDÉIAS

Paulo Freire nasceu no Recife/PE em 1921, formou-se em Direito e

ganhou notoriedade como educador. A partir de uma experiência de

alfabetização de adultos, quando desenvolveu e sistematizou o “Método de

Alfabetização Paulo Freire” em 1962 ainda em Recife e em Angicos (RN) no

ano seguinte, o educador ganhou destaque no cenário progressista do governo

do presidente João Goulart e foi convidado para realizar uma campanha

nacional que ficou conhecida como Programa Nacional de Alfabetização (PNA).

Com o Golpe Militar de 1964, o PNA foi extinto e Paulo Freire foi preso e

sofreu ameaças até que decidiu se exilar na Bolívia. Assim, partiu para mais de

15 anos de exílio. Naquele país chegou a trabalhar como assessor sobre

educação no campo e de jovens e adultos, mas teve problemas de saúde e o

golpe militar que lá também ocorreu, o impeliu a buscar novo destino. Foi então

para o Chile onde passou 5 anos trabalhando em diversos setores do governo,

sempre ligado à educação popular, alfabetização e pós-alfabetização no meio

urbano e rural. Seguiu para os Estados Unidos como professor visitante da

Universidade de Harvard durante um ano. Aceitou o convite do Conselho

Mundial das Igrejas (CMI) com sede em Genebra, na Suíça, onde trabalhou

como consultor especial visitando várias partes do mundo, se dedicando em

especial para alguns países africanos.

Conseguiu novamente seu passaporte brasileiro em 1979 e voltou para

o Brasil de forma definitiva em 1980. Ministrou aulas em várias universidades

brasileiras, em 1989 é empossado como secretário de educação do município

de São Paulo, implantando o Mova (Movimento de Alfabetização de Jovens e

Adultos) – um programa onde se relacionam de forma dialética os

alfabetizandos, a comunidade e o poder estatal organizado. Em 1991 se

afastou da Secretaria para dedicar-se somente à sua obra.

Foram 19 livros publicados por Paulo Freire, e a estes ainda somam-se

outros 14 escritos em parceria ou co-autoria. Podemos destacar como mais

12

conhecidos: “Pedagogia do Oprimido” (1974), “Educação e mudança” (1979),

“Professora sim, tia não” (1993) e “Pedagogia da Autonomia” (1996). Uma

bibliografia extensa que sempre manteve, de forma firme, as posições político-

ideológicas defendidas em toda vida deste educador. Um Instituto foi fundado

com seu nome e sua autorização, desde que servisse para reinventá-lo e não

para repeti-lo, como contam seus fundadores. Recebeu o título de doutor

Honoris Causa em 27 universidades e muitos prêmios. Foi assuntos de várias

biografias e de uma “Biobibliografia” organizada pelo Prof. Dr. Moacir Gadotti

(1996), principal fonte de consulta para a escrita deste capítulo.

Paulo Freire faleceu no dia 2 de maio de 1997, em São Paulo, e deixou

um grande legado. Sua obra não é constituída de conceitos fechados, estáticos

e prontos. Ele mesmo expressava a necessidade de “estar sendo” educador e

permeável às mudanças que a própria prática o impunha.

Apresentaremos aqui algumas de suas ideias através dos títulos de

capítulos do livro “Pedagogia da Autonomia”, que tem como subtítulo “Saberes

necessários à prática educativa”. Se o objetivo deste estudo é entrelaçar as

ideias de Paulo Freire à prática da educação em museus, entendemos que

este livro pode ser uma abordagem proveitosa – sem ser, nem pretender,

conclusiva ou completa.

1.1 – Não há docência sem discência

Paulo Freire, no título deste capítulo, sintetiza sua ideia de que para ser

professor é necessário ser ao mesmo tempo aluno. Mas, talvez em um

trocadilho, também aproxima foneticamente do termo decência, já que neste

capítulo ele trata da “eticidade” necessária a educação.

O primeiro conceito que podemos destacar em sua obra, e lembrado

neste capítulo, é a Práxis. Este termo é antigo, vindo da Grécia – onde foi

definido por Aristóteles (OUTHWAITE & BOTTOMORE, 1996), e ganhou

relevância ao ser resignificado por Karl Marx no século XIX. Apesar deste autor

não ter cunhado uma definição específica, esta ideia está presente em seus

trabalhos e, como exemplo, podemos citar um trecho das “Críticas à

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Feuerbach” quando afirma que “(...) os mistérios que induzem a teoria ao

misticismo encontram sua solução racional na prática humana e na

compreensão dessa prática” (MARX, ENGELS, 2007, p. 539, grifo nosso).

Muitos autores dão seguimento a estas reflexões, entre eles podemos destacar

Lukács e Gramsci, que desenvolveu a “Filosofia da Práxis”. Alguns brasileiros

também utilizaram este conceito, por exemplo, Leandro Konder, Moacir Gadotti,

Marilena Chauí e Paulo Freire. Este último entende que os homens são seres

da práxis, do “quefazer” – como também chamava, pois

seu fazer é ação e reflexão. É práxis. É transformação do mundo. E, na razão mesma em que o “quefazer” é práxis, todo fazer do “quefazer” tem de ter uma teoria que necessariamente o ilumine. O quefazer é teoria e prática. É reflexão e ação. (FREIRE, 2005, p. 141).

Freire, entendendo a “palavra” como o fundamento essencial do diálogo,

desenvolve, na Pedagogia do Oprimido (2005, p. 89), a fórmula

Também adverte que a “reflexão crítica sobre a prática se torna uma

exigência da relação teoria/prática” (2002, p. 24) e que sem ela a ação vira

ativismo, da mesma forma que a reflexão sem ação torna-se “palavreria,

verbalismo, blábláblá” (2005, p. 90). A definição de Paulo Freire para práxis é

“reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (2005, p.

42, grifo nosso).

Outro conceito importante da obra de Paulo Freire presente neste

capítulo é a “alfabetização cultural”, que entende que a “leitura do mundo

precede a leitura da palavra” (FREIRE, 2003). Não se trata de “dar cultura

como quem dá o ABC” como muitos concluem, mas de compreender que antes

de introduzir conceitos aos alunos é necessário perceber que estes já são

sujeitos com outras formas próprias de conhecimento. Paulo Freire faz uma

crítica ferrenha àqueles que não reconhecem o saber popular e insistem na

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soberania do saber científico e institucionalizado. Em uma conversa com o Dr.

Marcio D'Olne Campos, Freire conta um “caso” bem significativo:

Em uma reunião em que se discutiam os métodos de trabalho dos camponeses, um grupo de intelectuais falava há muito tempo quando, de repente, um camponês tomou a palavra: "Do jeito que as coisas vão, acho que não adianta continuar. A gente não vai se entender. Vocês aí -e, com o dedo, indicava com humor a distância de classe que separava os dois grupos reunidos no mesmo espaço - só pensam no sal, enquanto, para nós, o que interessa é o molho." Na sala se fez um grande silêncio. Perplexos, os intelectuais se perguntavam o que o camponês quisera dizer; já os companheiros dele haviam compreendido de imediato e aguardavam uma resposta.

Em sua linguagem simples e concisa, o que dissera o camponês? "A discussão não vai adiante porque vocês têm uma visão fragmentada da realidade, enquanto nós a compreendemos como um todo. Pensamos no conjunto, sem nos prendermos a detalhes, enquanto vocês, que falam sem parar na globalidade do real, ficam hipnotizados pelos detalhes." O sal é apenas um dos ingredientes do molho, que simboliza a soma dos elementos parciais... Tal metáfora revela uma capacidade de análise que alguns intelectuais não esperam encontrar em um camponês. (FREIRE, CAMPOS, 1991).

Isto é, estes intelectuais não consideraram a vasta leitura do mundo que

aqueles camponeses já possuíam. A alfabetização cultural, então, é aquela que

a partir da cultura daquele aluno adéqua e introduz seus conceitos, com

respeito e apoiada nos conhecimentos prévios que ele já traz.

1.2 – Ensinar não é transferir conhecimento

A “educação bancária” é outro conceito-chave da obra de Paulo Freire.

Ele nos diz na Pedagogia da Autonomia (2002, p. 52) que é necessário saber

“que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para sua

própria produção ou a sua construção”. Na educação bancária conceituada por

Freire há uma transmissão passiva de conteúdos do professor, detentor de

todo conhecimento, para o aluno, que nada sabe. A “cabeça vazia” do aluno

seria preenchida pelos conhecimentos passados pelo professor, que

depositaria conteúdos como quem deposita dinheiro num banco. Assim, o

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aluno é mero receptor e o professor é um narrador de uma única história, que

repete sem alterações os mesmos conteúdos. Cria, assim, um círculo vicioso,

alienado e alienante, onde as atividades passam a ser automáticas, as

concepções são fixas, antidialógicas e mistificadoras, e apresentam a realidade

como pronta e sem contradições, refletindo uma “cultura do silêncio”, que

inibem o criar e qualquer outra atuação do homem enquanto sujeito. Importante

apontar que, muitas vezes, iniciativas “bem intencionadas” para inclusão social,

acessibilidade, aumento da participação, democratização, entre outros, acabam

reproduzindo o modelo bancário – mudando apenas o conteúdo das

mensagens, mas sem transformar a “forma de depósito”. Normalmente estas

práticas se configuram como assistencialistas ou paternalistas, e não fogem do

formato “doação de saberes daquele que sabe para o que não sabe”. O

sistema bancário padroniza e adapta os indivíduos para estarem na sociedade

de forma pacífica. Neste ponto Freire radicaliza dizendo que a concepção

bancária “domestica” os sujeitos, negando a humanização e desconhecendo os

homens como seres históricos. Insiste também que “ninguém educa ninguém,

ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo

mundo” (2005, p. 78) – isto é, se compararmos com termos econômicos como

Freire fez, a educação “efetiva” seria cooperativada e não bancária.

A educação, então, como ação protagonizada por sujeitos, tem ainda

outras características para Paulo Freire. Sobre autonomia ele nos diz que “o

respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um

favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (2002, p. 66). Ele

relaciona alegria à esperança e esta à convicção de que a mudança é possível,

onde a educação reúne os valores éticos para estar/agir no mundo – já que “a

esperança é um condimento indispensável à experiência histórica” (FREIRE,

2002, p. 81).

1.3 – Ensinar é uma especificidade humana

Ao falar de alegria e esperança nos aproximamos de mais um

condicionante da educação para Paulo Freire: o afeto. Se educar é uma

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especificidade humana, o afeto é uma característica ancestral e que sempre se

fez presente na história e no desenvolvimento da humanidade. Para este

educador o “querer bem aos educandos” (2002, p. 129) é uma exigência para a

prática educativa. Estar aberto ao querer bem é não ter medo do afeto e de

expressá-lo, descartando como falsa a separação entre seriedade docente e

afetividade. De mesmo modo, o afeto não isenta os docentes do exercício de

sua autoridade, de sua formação científica séria e do domínio técnico a serviço

da mudança.

Entendendo a educação como a atividade humana mais básica, Freire

aponta a necessidade da dialogicidade no processo educativo. Se este é

construído colaborativamente por sujeitos de conhecimentos anteriores

variados, só se efetivará através do diálogo. Enfatiza a necessidade da

disponibilidade para o diálogo como saber para a prática educativa, e

principalmente a aceitação e abertura para o risco que isto representa – onde o

professor ganha segurança exatamente na postura ética de não saber tudo e

poder aprender junto. Ao reforçar o diálogo, o processo educativo aberto ao

seu contexto e construído a muitas mãos, Freire acaba por se aproximar do

que hoje é conhecido por “pedagogia de projetos”, pois o educando constrói em

diálogo suas demandas e suas soluções.

Freire fala sempre aos educadores progressistas, pois dizia que dos

educadores “pragmáticos” neoliberais somente poderia denunciar a prática

anti-humanista. E trazemos este apontamento para concluir as ideias de Paulo

Freire que destacamos neste capítulo com um ponto fundamental de sua obra:

a “consciência crítica”. Para ele, somente esta pode, ao ampliar e problematizar

a leitura do mundo, proporcionar que o educando liberte-se e possa perceber-

se oprimido e ainda assim potente sujeito da mudança desta realidade. Na

primeira carta do livro “Pedagogia da Indignação” (2000, p. 44) ele afirma que a

“professora progressista ensina os conteúdos de sua disciplina com rigor e com

rigor cobra a produção dos educandos, mas não esconde sua opção política na

neutralidade impossível de seu que-fazer”. É esta opção política pela

pedagogia crítica e libertadora que enfrenta a “ideologia fatalista embutida no

discurso neoliberal [que] é um eficaz instrumento dominante” (2000, p. 47). A

17

consciência crítica leva o sujeito a buscar a razão de ser, tanto da sua

realidade, quanto dos objetos com os quais se relaciona – e assim o

aprendizado se estabelece não através da “pura memorização mecânica do

perfil do objeto”, mas “na experiência cognitiva verdadeira, [onde] a

memorização do conhecimento se constitua no ato mesmo de sua produção. É

apreendendo a razão de ser do objeto que eu produzo o conhecimento dele”

(2000, p. 90). É através do exercício da curiosidade, demandado por esta

leitura crítica de mundo, que se pode aprender, por exemplo, a defender-se das

armadilhas das “ideologias veiculadas de forma sutil pelos instrumentos

chamados de comunicação” (2000, p. 107). Ainda sobre este exemplo, Paulo

Freire segue dizendo que

Minha briga (...) é pelo aumento de criticidade com que podemos nos defender desta força alienante. Esta continua sendo uma tarefa fundamental de prática educativo-democrática. Que poderemos fazer, sem o exercício da curiosidade crítica, em face do poder indiscutível que tem a mídia (...) de estabelecer sua verdade como a verdade? (2000, p. 107)

Seu objetivo final sempre fora o reordenamento da sociedade de uma

forma que não houvesse nem opressores, nem oprimidos. Sua esperança era

que os homens aprendessem a amar. E como educador Freire acreditava que

“se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a

sociedade muda” (2000, p. 67).

18

CAPÍTULO II

A DIMENSÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS

Para que possamos adentrar o universo dos museus e de sua dimensão

educativa apresentaremos neste capítulo um breve histórico desta instituição,

desde seu registro mais remoto. Enfocaremos, então, sua trajetória educativa

seja através dos serviços educativos, ou do entendimento da educação como

parte relevante de sua função social. Contextualizaremos o panorama atual dos

museus brasileiros, que desde 2003 mudou de forma significativa. E, por fim,

nos aprofundaremos no histórico e nas questões do Museu da Abolição

(Recife/PE) como estudo de caso desta pesquisa.

2.1 – Quem vive de presente é museu

Museu é palavra que há muito reverbera. Seu “mito fundador” nos

remete à mitologia grega onde chamava-se mouseion e era o templo que

abrigava as nove musas, filhas de Zeus e Mnemosine – deusa da memória.

Esses templos se espalharam pela Grécia e acumulavam oferendas às “musas

inspiradoras”. Entende-se que “a crença em tal origem tenha iniciado e

mantido, no tempo, uma percepção do museu como espaço sacralizado de

guarda da memória, local onde as musas vivem e falam” (SCHEINER, 2008, p.

60).

No século III a.C. destaca-se o surgimento Mouseion de Alexandria

(também conhecido por Biblioteca), criado por Ptolomeu I no Egito, que

tratava-se de um complexo de edifícios construídos no famoso palácio de Alexandria, que comportava diferentes instalações: biblioteca, anfiteatro, observatório, salas de estudo e trabalho, um jardim botânico e zoológico, além de diversas coleções ligadas à Geografia, Astronomia, Religião, Filosofia, Medicina e a outros campos do conhecimento, que tinham como principal função o estudo das ciências. (RANGEL, [200-?])

Descrito por Scheiner (2008, p. 60) como “primeiro centro cultural do

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mundo ocidental”, o Mouseion de Alexandria é, pela forma, abrangência, e

caráter enciclopédico, um modelo que foi adotado pelos grandes museus

modernos – um museu que demonstrava todo saber e poder de uma dinastia.

Diz-nos Binni (1989, p. 11 apud ALMEIDA, 2001, p. 11) que foi no “Mouseion de

Alexandria (… ) que se realizara a primeira relação institucional formal entre o

poder político e intelectual pertencentes aos quadros do poder”.

Nos séculos XV e XVI o colecionismo, que “provavelmente faz parte das

atividades da humanidade desde suas origens” (ALMEIDA, 2001, p. 11) teve

seu auge, materializado nos Gabinetes de Curiosidades por toda a Europa,

“que eram amplos salões destinados a abrigar as coleções de História Natural.

Esses acervos pertenciam aos colecionadores, que eram, na maioria das

vezes, membros da nobreza e os objetos eram oriundos das expedições ao

Novo Mundo.” (PEREIRA, 2006, p. 407). São destes ambientes

sobrecarregados de objetos que se transmitiu a imagem do museu como um

depósito de “coisas velhas” como ainda é repetido pelo senso comum.

Até este momento, apesar de comporem a história dos museus, estes

espaços eram extremamente restritos. Somente a nobreza e seus intelectuais

tinham acesso a acervos que formavam verdadeiros tesouros. O “marco do

início dos museus abertos ao público” (ALMEIDA, 2001, p. 12) é a abertura do

Ashmolean Museum da Universidade de Oxford em 1683. No século XVIII, nos

conta Almeida (2001, p. 12) que, com o Estado assumindo a salvaguarda de

coleções privadas, ocorrem as aberturas ao público no Louvre (França), Prado

(Espanha), Belvedere (Áustria), entre outros. Era o início do museu como

“instrumento importante para a criação de identidades e do patrimônio dos

Estados Nacionais” (RANGEL, [200-?]).

Neste breve panorama visualizamos quatro momentos da história geral

dos museus. A este histórico seguem as transformações que a sociedade

sofreu e suas instituições, por consequência. Os museus não passaram

imunes à ascensão da burguesia, à Revolução Industrial e os questionamentos

levantados pela vida e arte modernas. Nos séculos XIX e XX o museu foi

reinventado, principalmente no que tange sua função social, e para nos

aproximarmos do museu contemporâneo podemos reunir algumas definições

20

como a cunhada por Saladino (2008, p. 49), compilando conceituações de

outros autores, onde afirma que os

museus historicamente (...) são instituições constituídas por categorias classificatórias, ordenadoras do mundo que têm a capacidade de enquadrar o universo por meio de processos seletivos, de disputa, negociações e hierarquizações referentes a um sistema cultural específico, com tradições herdadas e que, por sua vez, moldam nossas identidades e representações que configuram nossa subjetividade.

Outra definição relevante é a desenvolvida pelo Conselho Internacional

de Museus – ICOM (ICOM-BR, 2009) e sempre revisada em suas assembleias

gerais, na qual diz que museus são

(… ) instituições permanentes, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, abertas ao público, que adquirem, preservam, pesquisam, comunicam e expõem, para fins de estudo, educação e lazer, os testemunhos materiais e imateriais dos povos e seus ambientes.

É preciso, porém, observar que na contemporaneidade “o conceito de

museu não deve ser generalizado” (SANTOS, 2006, p. 16) e que os estudos já

se complexificaram de tal forma que para muitos o museu é fenômeno1, não

necessariamente atrelado a uma instituição. Concordamos com Waldisia

Russio, museóloga e professora, elaboradora do conceito de fato museal, e

entendemos para fins deste estudo que “o museu deve ser compreendido

como um processo em si mesmo, como uma realidade dinâmica (… ). O museu

não existe isoladamente, mas dinamicamente, na sociedade” (RUSSIO, 1977,

p. 147 apud CANDIDO, 2008, p. 61).

2.2 – E a educação nisso tudo?

A educação no contexto dos museus tem algumas faces. Dentre elas, a

1 Sobre museu como fenômeno e “fato museal”, ver mais em: CANDIDO, Manuelina Maria

Duarte. Ondas do Pensamento Museológico: balanços sobre a produção brasileira. In: BRUNO, Maria Cristina Oliveira, NEVES, Kátia Regina Felipini (Coord.). Museus como agentes de mudança social e desenvolvimento. São Cristovão: Museu de Arqueologia do Xingó, 2008.

21

mais conhecida, explorada e legitimada é a ação educativa, principalmente

aquela voltada para o público escolar. No Ashmolean Museum, já citado

anteriormente, há registros de um “caráter educativo” (CURY, 2010, p. 365) do

museu desde sua abertura em 1683. E no Museu do Louvre houve a criação de

um Setor Educativo em 1880, segundo Seibel (2009, p. 12)2.

É necessário, porém, pontuar que “as ações educativas realizadas pelos

museus se enquadram na categoria de ações educativas não-formais, que

geram experiências nas quais aspectos cognitivos e subjetivos ocorrem em

sinergia” (CABRAL, RANGEL, [200-?]). Ou como afirma Maria Margaret Lopes

(1991, p. 443):

os museus não pertencem ao domínio da educação escolar regular, seriada, sistemática – intra-escolar. Situam-se no campo da educação não-escolar, na qual, mediante uma grande diversidade de experiências, que relacionam práticas educativas e comunicação social, buscam novas alternativas para seu papel educacional.

A discussão sobre escolarização dos museus é antiga, mas se mantém

atual como percebemos em argumentações presentes em dissertações como a

de Silva (2003, p. 41) quando questiona: “o museu hoje é uma instância

educacional complementar, suplementar, paralela ou autônoma ao sistema

formal de ensino?”. Ou em afirmações como a de Cury (2010, p. 365):

“carregamos o peso da (...) dependência da visitação escolar para dar conta de

índices de atendimento para relatórios anuais que mascaram o alcance de

objetivos educacionais na instituição museu”. Segundo Lopes (apud SEIBEL,

2009, p.19) por escolarização “queremos dizer que os museus abandonam

seus objetivos de serem centros de comunicação e cultura para reduzir seu

papel de complemento da formação promovida na escola conformando-se com

os métodos de educação escolar tradicional”. Este é um assunto que foi

aprofundado por vários autores, mas aqui compartilharemos o entendimento de

Chagas (2002, p. 52) para quem

nem a educação é exclusividade das instituições de ensino,

2 Sobre história das ações educativas em museu, ver mais em: SEIBEL-MACHADO, Iloni

Maria. O papel do setor educativo nos museus: análise da literatura (1987 a 2006) e a experiência do Museu da Vida. 2009. 250 f. Tese (Doutorado em Ciências)-Pós-Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra, Instituto de Geociências, UNICAMP. Campinas, 2009.

22

nem a memória é exclusividade das denominadas instituições de memória (arquivos, bibliotecas e museus). De outro modo: as escolas e os museus são espaços diferenciados de memória, de patrimônio cultural e de educação e por isso são vias sociais por onde o poder e a memória circulam.

Assim, escola e museu devem ocupar os espaços que lhe cabem, com

suas características próprias e suas metodologias características, trabalhando

em conjunto, compartilhando experiências, cada um sendo “ao mesmo tempo

força de proposição e requerente de serviços específicos” (BOURGAREL, 1995

apud KOPTCKE, 2002, p. 70). Cury (2010, p. 366-367) ainda complementa

que

A cultura material musealizada é um suporte educacional vasto e complexo, não limitado por recortes disciplinares e passível de abordagens transversais, participações interdisciplinares, inferências, alem de múltiplas e fragmentárias interpretações. O alargamento do conceito de educação, aproximando-o da cultura e da comunicação, será fundamental para abandonarmos o referencial escolar e alcançarmos os horizontes postos pela educação patrimonial.

Seguindo o aprofundamento das ações educativas em museus devemos

considerar como Seibel (2009, p. 9) que estas “não são ações espontâneas,

mas ações propostas para responder a intencionalidades e cumprir objetivos

específicos voltados para determinados públicos, de acordo com o contexto e

momento histórico em questão”. E com esta consideração podemos explanar

brevemente sobre os formatos comuns das ações desenvolvidas, ressaltando-

se que as características metodológicas variam conforme as tendências

pedagógicas orientadoras.

Utilizando a “taxonomia de formatos” sugerida por Asensio e Pol (2007,

p. 92) podemos citar as visitas guiadas, que se complexificam entre

denominações de mediação, colaboração, intervenção, entre outros, realizadas

por profissionais que recebem muitas denominações como, por exemplo: guias,

educadores, mediadores, monitores; e as fichas didáticas, presentes nas

salas ou entregues diretamente aos grupos; como modelos de formatos globais

para ações educativas. Centrados no desenvolvimento da mensagem

expositiva, os autores citam os formatos de oficinas – comuns em todas as

tipologias de museus, mas extremamente presentes nos museus de arte –,

jogos de busca de conteúdos ou de pistas, demonstrações, freqüentes em

23

museus de ciência, dramatizações, bem exploradas em museus históricos.

Asensio e Pol também diferenciam formatos baseados no acesso direto à

coleção, como carrinhos, mochilas, maletas, e que comumente no Brasil se

resumem a uniformes com bolsos e cestas, mas que atendem ao objetivo deste

formato que é realizar as ações no próprio espaço expositivo; os baseados em

novas tecnologias, como audiovisuais, meios informáticos/computadores,

internet, que tem se difundido nos museus brasileiros nos últimos anos; e, os

formatos baseados em montagens museográficas, quando são destinados

espaços específicos da exposição como áreas de manipulação ou de

interpretação, ou são realizados eventos, feiras e programas não

permanentes em função de determinadas exposições. É possível ampliar

ainda esta lista de formatos de ações, incluindo, por exemplo, as formações

para professores, programas específicos para públicos com características

específicas, entre outros.

É possível constatar que as ações são variadas e que há muitas

experiências ricas ocorrendo no Brasil e no mundo, que partem dessa estrutura

básica de formatos que apresentamos, mas que se adaptam ao acervo,

público, estrutura, orçamento e tendências pedagógicas de cada instituição e

seu setor educativo.

Tendo apresentado este breve panorama sobre as ações educativas,

passamos agora à abordagem escolhida: a dimensão educativa dos museus.

Há que se observar que a não especificação de um museu, ou de uma

tipologia, já esclarecem o entendimento que esta dimensão é intrínseca e

inerente, como o caráter público (fim público) desta instituição museu, como

explicitado por Valente (2002). Para esclarecermos a ideia de “dimensão

educativa” podemos citar a fala de Chagas (2002, p. 47) no “II Seminário sobre

o formal e o não-formal na dimensão educativa dos museus”, em 2001, quando

afirma:

o termo dimensão é aqui utilizado com o sentido de medida, extensão, volume, grau de potência, qualidade e caráter próprio de determinadas entidades museais no que se refere à educação e ao lazer. Esse esclarecimento visa estabelecer uma diferenciação entre dimensão e função. Assim, ao evitar o uso da expressão “função educativa dos museus” e ao abraçar

24

a expressão “dimensão educativa museal”, estou apenas buscando maior precisão terminológica.

A dimensão educativa dos museus recebe ênfase no século XX,

principalmente após a Segunda Guerra Mundial, nas discussões alimentadas

pelo ICOM. Da constatação da importância da parceria museu-escola, esta

relação se modifica e a educação transforma-se em dimensão latente dos

museus. Historicamente é possível visualizar essa mudança como observado

por Henriques (1996, p. 77):

Estes [os museus], por sua vez, reconheceram a importância do público escolar e criaram “sectores educativos”. A nível internacional, este reconhecimento remontará a 1952, com a publicação, pelo ICOM, do texto “Musée et Jeunesse”, seguido de “Musée et personnel enseignant”, no ano de 1956. Em 1964, realizava-se, em Paris, o colóquio “Le rôle éducatif et culturel des musées” e, em 1965, na sequência de toda esta movimentação, o “Comit´de l'ICOM pour l'education” passava a “Comité pour l'education et l'action culturelle”. Era a consagração do museu enquanto local de educação e, desde então, esse papel não deixaria de ser equacionado à luz da evolução das concepções de “educação” e das transformações sociais.

Em muitos documentos da Museologia, e aqui destacamos alguns dos

resultados dos encontros e mesas-redondas realizados no continente

americano, também é clara a mudança do sentido educativo nos museus. Em

1958, por exemplo, foi realizado no Rio de Janeiro o Seminário Regional da

UNESCO sobre a Função Educativa dos Museus e em seu documento final

temos que

De acordo com o nível do museu, o trabalho didático é confiado a um especialista chamado “pedagogo do museu”, ou a um serviço pedagógico, cujo chefe é ajudado por pedagogos especializados ou não, nas diversas atividades didáticas: visitas guiadas e outras atividades internas ou externas, etc. (apud DIAS, 2009, p. 37)

Em sintonia com as grandes transformações sociais ocorridas no final

dos anos 60, os museus repensam seus posicionamentos e como fruto da

Mesa-redonda de Santiago do Chile de 1972, é redigido um documento que se

tornaria emblemático. A Declaração de Santiago (anexo 1), como ficou

conhecida, disseminou os princípios básicos do “Museu Integral” e institui as

bases do que se denominaria “Nova Museologia” em 1984. Neste momento a

educação passa a fazer parte de um movimento de tomada de consciência nos

25

museus, e logo no início do documento se afirma que “os museus podem e

devem desempenhar um papel decisivo na educação da comunidade” (apud

DIAS, 2009, p. 44). Apesar das considerações específicas em relação à

educação permanente serem bastantes conservadoras, como quando

recomenda que um “serviço educativo deverá ser organizado nos museus que

ainda não o possuem, a fim de que eles possam cumprir sua função de

ensino”, ao considerar que “os museus são instituições a serviço da sociedade,

que adquire, comunica e, notadamente, expõe, para fins de estudo, educação e

cultura, os testemunhos representativos da evolução da natureza e do homem”

e que “a importância dos museus e as possibilidades que eles oferecerem à

comunidade ainda não são plenamente reconhecidas por todas as autoridades,

nem por todos os sectores do público”; os membros da Mesa-redonda indicam

caminhos que poderiam ser trilhados pela educação.

O eco deste documento é explícito na Declaração de Quebec, em 1984,

mas aqui ressaltamos a Declaração de Salvador (anexo 2), de 2007, onde as

ideias plantadas em Santiago já estão bem desenvolvidas, e inclusive pode-se

perceber uma forte influência de vertentes da educação popular. Destacamos

os seguintes trechos (p. 11, 14 e 15 respectivamente, grifo nosso)

Compreendendo os museus como instituições dinâmicas, vivas e de encontro intercultural, como lugares que trabalham com o poder da memória, como instâncias relevantes para o desenvolvimento das funções educativa e formativa, como ferramentas adequadas para estimular o respeito à diversidade cultural e natural e valorizar os laços de coesão social das comunidades ibero-americanas e sua relação com o meio ambiente;

6. Assegurar que os museus sejam territórios de salvaguarda e difusão de valores democráticos e de cidadania, colocados a serviço da sociedade, com o objetivo de propiciar o fortalecimento e a manifestação das identidades, a percepção crítica e reflexiva da realidade, a produção de conhecimentos, a promoção da dignidade humana e oportunidades de lazer;

10. Compreender o processo museológico como exercício de leitura do mundo que possibilita aos sujeitos sociais a capacidade de interpretar e transformar a realidade para a construção de uma cidadania democrática e cultural propiciando a participação ativa da comunidade no desenho das políticas museais;

11. Reafirmar e amplificar a capacidade educacional dos

26

museus e do patrimônio cultural como estratégias de transformação da realidade social;

Este documento registra um posicionamento que é processo e resultado

do entendimento provocado a partir de 1972, que ao contrário das

preocupações escola-novistas que ocuparam (e formaram) os serviços

educativos durante o século XX até aquele período e que influenciavam os

museus “para que passassem a dar prioridade ao apoio à escola” (LOPES,

1991, p. 446), agora estimulava os profissionais de museus a utilizar

referenciais da educação popular e pensar a sua comunidade, sua função

social e sua responsabilidade ideológica. Há relatos da influência que Paulo

Freire teve sobre o grupo que conduziu as discussões da Mesa-redonda de

Santiago, como o de Hugues de Varine-Bohan, ex-diretor do ICOM (Conselho

Internacional de Museus), em entrevista cedida ao Professor Doutor Mario

Chagas para os Cadernos de Sociomuseologia (1996, p. 9-10) da Universidade

Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) onde conta que trabalhou

durante três anos junto ao educador no INODEP (Instituto Ecumênico para o

Desenvolvimento dos Povos) e lembrava “muito que a recusa brasileira de

autorizar a UNESCO a convocar Paulo em Santiago – 1972 não lhe permitiu

fazer o que (… ) havia prometido: adaptar sistematicamente a formulação da

sua doutrina e de seus métodos à prática museológica e museográfica.” Varine-

Bohan considera então que “cabe a nós agora meditar sobre seus textos e

suas ideias e adaptá-las aos nossos problemas”. Santos (2008, p. 23) também

observa que

ao analisarmos o documento da Mesa-Redonda de Santiago do Chile, realizada em 1972, evento da maior importância para a Museologia da América Latina, que as reflexões de Paulo Freire estão ali presentes, apesar de ele não ter podido aceitar o convite para participar daquele encontro.

Essa influência reverbera nas concepções atuais de museu, mesmo que

de forma paralela à conceituações e práticas mais tradicionais. Podemos

observar isto nas colocações de Magaly Cabral e Aparecida Rangel ([200-?])

Temos consciência de que o museu é uma organização cultural situada dentro de uma estrutura contraditória e socialmente desigual e que, portanto, a educação no museu deve ser vista nesse contexto. Nesse sentido, seu compromisso social é fundamental. Além disso, desejamos enfatizar que, qualquer que seja o tipo e o tamanho de um museu, o seu papel

27

educacional é crucial.

E na afirmação de Sola (1989 apud NASCIMENTO, 1998, p. 32), onde

encerra, para os fins deste estudo, que

(… ) o conceito do papel educativo dos museus deve ser repensado se for para atingir a sua verdadeira dimensão. Mas esta transformação não pode ser atingida somente através do setor educativo. Se ela não é parte integral de uma nova proposta para a instituição na sua totalidade, então nada de substancialmente novo poderá acontecer.

2.3 – Panorama museal3 brasileiro atual4

No Brasil, nos últimos anos, houve mudanças significativas em termos

de políticas, legislação, organização, fóruns de discussões, eventos, etc. A

história recente do cenário museal tem sido contada a partir do lançamento da

Política Nacional de Museus em 2003, que desde o seu lançamento já trazia

uma visão afinada com as tendências mais progressistas da Museologia, como

podemos observar quando diz que

os museus devem ser processos e estar a serviço da sociedade e do seu desenvolvimento. Comprometidos com a gestão democrática e participativa, eles devem ser também unidades de investigação e interpretação, de mapeamento, documentação e preservação cultural, de comunicação e exposição dos testemunhos do homem e da natureza, com o objetivo de propiciar a ampliação do campo das possibilidades de construção identitária e a percepção crítica acerca da realidade cultural brasileira. (BRASIL, 2003, p. 8)

No mesmo ano foi criado no âmbito do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional (IPHAN) do Ministério da Cultura, o Departamento de

Museus e Centros Culturais, o DEMU, que centralizaria nos anos seguintes

todas as ações, como a Semana de Museus e os editais de fomento e apoio

aos museus, que também tiveram início em 2003. Nos anos seguintes houve

3 Sobre o termo “museal”, explica Chagas (2002, p. 48): “Considero museal como aquilo que

se refere ao museu e o museológico como aquilo que se refere à museologia”. 4 Trechos do subcapítulo 2.3 e 2.4 foram adaptados do artigo “Participação cidadã nos

museus: o caso do Museu da Abolição – Recife/PE” da mesma autora que foi escrito como um “recorte” do presente trabalho de conclusão de curso e foi apresentado e publicado pelo VI Seminário Nacional de Educação e Movimentos Sociais, organizado pela linha de Educação Popular do Mestrado em Educação da Universidade Federal da Paraíba - UFPB em novembro de 2011, em João Pessoa - PB.

28

a criação do Sistema Brasileiro de Museus, os Fóruns Nacionais de Museus

(com quatro edições realizadas), a formação do Observatório de Museus e

Centros Culturais, o lançamento de muitas publicações, o Cadastro Nacional

de Museus, a publicação da portaria normativa sobre Plano Museológico, o I

Encontro Ibero-americano de Museus em Salvador e nele a criação do

Programa Ibermuseus. Em 2009 foi aprovada a lei do Estatuto dos Museus e a

criação do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM), agora como autarquia

federal e não mais subordinado ao IPHAN.

Paralelamente, e de alguma forma respondendo aos estímulos

governamentais, houve avanços também na área acadêmica da Museologia

brasileira. O primeiro curso de Museologia do país e da América Latina teve

origem no Museu Histórico Nacional em 1932 e desde a década de 70 foi

incorporado à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). O

segundo curso foi criado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em

Salvador, e recentemente completou 40 anos. O cenário permaneceu assim

por muitos anos, mas desde 2004 houve a abertura de mais 12 cursos (nas

universidades públicas federais UFRB, UNB, UFG, UFMG, UFOP, UFPA, UFPE,

UFPEL, UFRGS, UFSC, UFS e a particular Unibave em Santa Catarina), e a

criação de um Programa de Pós-Graduação na UNIRIO que abrange Mestrado

e Doutorado. Seibel examinou na sua tese de doutoramento, entre outros

assuntos, as teses e dissertações entre 1987 e 2006 que abordassem a

questão educacional em museus e concluiu que os levantamentos realizados

“evidenciam o aumento do número de estudos e pesquisas” (2009, p. 52).

O aumento do número de cursos, aliado com a maior quantidade de

eventos e a articulação de um órgão governamental mais estruturado também

ajudaram as iniciativas como a Rede de Educadores em Museus e Centros

Culturais (REM) se expandirem. A REM surgiu em 2004 no Rio de Janeiro “com

o intuito de congregar educadores, profissionais da cultura, dos museus, de

centros culturais, artísticos e científicos para a discussão de temas

relacionados à educação em seus espaços de atuação” (REM, 2009). Os

educadores de outros estados se inspiraram na proposta e criaram também as

suas redes seguindo o mesmo formato com algumas variações, inclusive no

29

nome (Remic, Remp, entre outros), alcançando atualmente oito estados do

país e tendo sido realizados dois encontros nacionais da REM, em 2007 e

2009.

É interessante ainda pontuar o crescimento exponencial de ações da

chamada Museologia Comunitária ou Social nos últimos anos. O marco inicial

destas ações é a fundação do Museu da Maré, no Rio de Janeiro em 2006.

Este museu foi criado a partir da Rede de Memória da Maré e do Centro de

Estudos e Ações Solidárias da Maré, por moradores desta comunidade para

contar a sua história. Em 2008 o tema da Semana de Museus foi “Museus

como Agentes de Mudança Social e Desenvolvimento” e muitas ações foram

iniciadas ou estimuladas, culminando na criação dos Programas de Pontos de

Memória em 2009, que tem

por concepção reconstruir e fortalecer a memória social e coletiva de comunidades, a partir do cidadão e de suas origens, histórias e valores. Com metodologia participativa e dialógica, trabalham a memória de forma viva e dinâmica, como ferramenta de transformação social. (BRASIL, [2010?]).

Demonstramos brevemente as mudanças no panorama dos museus no

Brasil. Ainda não há análises profundas, principalmente pela proximidade

temporal. O que se pode perceber é que nos últimos anos houve uma

ampliação significativa das iniciativas, que certamente trarão avanços para o

campo dos museus e, por conseguinte, para a educação nestes espaços.

2.4 – Estudando um caso: Museu da Abolição

É curioso: estamos em uma época de vasta reflexão sobre a memória. Volta-se a repensar o holocausto, as ditaduras do Cone Sul na América Latina, outros países estão redescobrindo o que fazer com o seu passado. De modo que é possível diagnosticar que estamos nos aproximando de um momento em que se vá refletir o museu pela necessidade de ter uma instituição que canalize esta nova visão sobre a memória. Em todo caso, será a prova para ver se o museu ainda é necessário. (GARCIA CANCLINI, 2005, grifo nosso).5

5 Livre tradução de: “Es curioso: estamos en una época de vasta reflexión sobre la memoria.

Se vuelve a repensar el holocausto, las dictaduras del Cono Sur en América Latina, otros países están redescubriendo qué hacer con su pasado. De modo que es posible pronosticar

30

O Museu da Abolição (MAB), com sede na capital pernambucana, tem

em seu breve histórico um contexto adverso de aberturas e fechamentos. Foi

criado em 1957, pela lei federal nº 3357, para homenagear o Conselheiro João

Alfredo e Joaquim Nabuco, ambos abolicionistas da cidade do Recife com

ampla participação nos processos da abolição brasileira. A isso segue a

desapropriação, o tombamento e a reforma do Sobrado Grande da Madalena –

que foi moradia do Conselheiro João Alfredo e atualmente dá nome ao bairro

onde está situado (Madalena), e a definição da vinculação burocrática do

Museu. Finalmente em 1982 foi criado um Grupo de Trabalho, que só se

efetivou em 1983 e que definiu uma proposta inicial para a inauguração no

mesmo ano, e outra, de longo prazo que nunca foi efetivada. Este grupo enviou

200 cartas para consulta à personalidades e instituições ligadas ao tema afro-

brasileiro, e teve cerca de 20 respostas com sugestões para a definição do que

efetivamente seria este museu.

Em 13/05/1983, inaugurou-se, oficialmente, o Museu da Abolição, com a exposição, em caráter temporário, “O Processo Abolicionista Através dos Textos Oficiais”, ocupando 12 salas do pavimento superior e o hall de entrada principal do prédio, com a maioria do acervo, cedido por empréstimo, de outras instituições culturais ou em Regime de Comodato (BRASIL, 2007, p. 13).

Assim o MAB permaneceu aberto até 1990 quando, em decorrência da

Reforma Administrativa do Governo Collor, perdeu sua rubrica orçamentária.

Sem condições de funcionamento, foi fechado. “Durante o período em que

esteve fechado o acervo, que era constituído pela colaboração de outras

instituições, foi pouco a pouco devolvido às casas de origem e sua sede

parcialmente ocupada” (CAMPOS, 2008, p. 17). Em 1996 o Museu reabre com

quadro de funcionários, espaço físico e acervo reduzidos, partilhando o

Sobrado com as instalações da 5a Superintendência Regional do IPHAN.

Quase dez anos depois, já em 2005, sem verba para a contratação de serviços

terceirizados, “a direção do Museu a optou pela suspensão do atendimento ao

público em geral, a partir de 02/01/2005, por falta de condições de trabalho”

(BRASIL, 2007, p. 14). Campos observa que “desta vez a iniciativa partiu da

que nos estamos acercando a un momento en que se va a re-flexionar el museo por la necesidad de tener una institución que canalice esta nueva visión sobre la memoria. En todo caso, será la prueba para ver si el museo todavía es necesario.”

31

própria administração do Museu, que conseguiu enxergar na dificuldade

apresentada uma oportunidade de repensar o conceito da instituição” (2008, p.

17).

Assim, em março de 2005 é realizado o seminário, com o nome

significativo de, “O Museu que nós queremos”. Era a experimentação da tal

“prova para ver se o museu ainda é necessário” da qual fala Garcia Canclini,

pois o próprio evento organizado pela diretora Evelina Grunberg e a técnica

Simone Novaes, únicas funcionárias do museu, questionava:

Deve o Museu reabrir ou deve ser solicitada a sua extinção por não responder às demandas sociais no tocante aos seus discursos e nomenclatura? Se o entendimento for pela reabertura do Museu, como este deverá prestar seus serviços à sociedade? E ainda, se reaberto, deverá manter o nome de “Museu da Abolição”? (NOBRE, 2010, p. 102)6

Com a participação “de diversos segmentos da sociedade, entidades

públicas e privadas, lideranças religiosas ligadas a cultos de matriz africana,

movimentos sociais e profissionais da área da cultura” (BRASIL, 2007, p. 14)

foram discutidos os objetivos, a missão e o futuro do Museu da Abolição. São

produtos deste seminário dois documentos com sugestões e propostas, que

afirmavam, entre outros, a necessidade da ocupação física total do Sobrado

pelo Museu; a criação de um Grupo de Trabalho – GT que se reuniu durante

quatro meses e apresentou um dossiê sobre o MAB, contendo seu histórico,

legislação em que era citado, e registrando a missão, objetivos e metas da

instituição. Sobre esse momento do Museu da Abolição, Adolfo Samyn Nobre,

museólogo e ex-diretor interino da instituição, nos diz que

O movimento que começou no Museu Abolição pode ser visto como uma resposta às necessidades específicas da instituição. Como uma carga de dificuldades que acabaram criando condições para que a transformação ocorresse. Também pode ser visto como a vontade de ser relevante, a partir de movimentos mais amplos da sociedade que pressionaram e apoiaram a existência do museu e a prática das suas funções. Para promover a mudança, o museu recorreu aos seus legítimos donos. Ele procurou envolver profissionais de museus, a população e os vários grupos sociais nas discussões sobre o seu futuro. Este processo de mudança tem fortes raízes na participação ativa e direta da sociedade. (NOBRE, 2010, p. 101).

6 Todos os trechos citados deste autor são de tradução livre do original publicado em inglês.

32

Em 2006 o MAB recebe mais um funcionário, passando a ter 3

servidores (arquiteta, socióloga e museólogo), e passa a contar com uma

Associação de Amigos do Museu da Abolição – AMAB, fundada por integrantes

do GT e outros representantes de instituições religiosas e políticas.

“Desvinculado administrativamente da 5a Superintendência Regional do

IPHAN, em janeiro de 2007” (CAMPOS, 2008, p. 17), o MAB fica subordinado

diretamente ao Departamento de Museus e Centros Culturais (DEMU) do

IPHAN.

Em março de 2008 foi inaugurada a exposição campanha, como foi

chamada, “O que a Abolição não aboliu”, que buscava “através da participação

popular, diminuir a distância da sociedade com a sua cultura, imprimindo um

caráter mais democrático aos espaços de reverberação cultural” (Ibid., loc. cit.).

Segundo Nobre (2010) os objetivos eram mostrar ao público a abertura do

Museu e uma visão crítica sobre sua própria função social, sobre o tema da

abolição/escravidão e solicitar dos visitantes sugestões e propostas,

aproximando a sociedade para a construção do Museu e da sua exposição de

longa duração. A exposição durou seis meses, e tendo espaço para isso,

recebeu mais de 1500 contribuições dos visitantes que posteriormente foram

lidas, classificadas (em atividades, acervo, mensagens diversas, infra-estrutura,

tema, divulgação e críticas e elogios) e, certamente o mais importante, levadas

em conta. A maior porcentagem de contribuições foi sobre “atividades” e em

seguida, “acervo” (28 e 20% respectivamente). Sobre isso Nobre reflete que “a

grande quantidade de mensagens que sugerem atividades para o museu

revelou o desejo do público para um museu vivo, dinâmico, que promove

eventos culturais, debates e workshops (...)”. E destaca que “(...) o conjunto de

respostas conecta a existência de um museu vivo com a preocupação com a

coleção, entendida como um recurso para várias possibilidades” (NOBRE,

2010, p. 107).

Encerrada a exposição, o projeto seguinte foi a Elaboração Participativa

da exposição de longa duração. Podemos citar um texto do blog do Museu da

Abolição, de 02/09/2008, como emblemático deste momento:

O Museu da Abolição, dando continuidade as suas ações de reabertura, traz a público o Projeto de Elaboração Participativa

33

da Exposição. Em outras palavras: estamos precisando das suas ideias para montar a nova exposição. O principal objetivo é reunir a sociedade em torno da elaboração de um museu mais democrático e que represente o mais fielmente possível a nossa pluralidade, um museu feito por quem de fato faz a história: o povo.

Este mesmo blog funcionou como um registro de cada reunião, de cada

colocação, citando nominalmente os participantes e deixando abertas as

discussões e contribuições mesmo que virtualmente. Foram promovidas dez

Rodas de Diálogo com cerca de trinta pessoas participando, recebendo

professores, alunos, intelectuais, pessoas ligadas ao Movimento Negro, às

religiões afro-descendentes, outros movimentos e pessoas interessadas em

tomar parte daquelas discussões e daquele Museu. No dia 12/11/2008 foi

aprovado o Macro-Roteiro para o desenvolvimento da exposição de longa

duração. Ainda durante essas discussões para a exposição, foi acordada a

saída da 5a Superintendência Regional do IPHAN do Sobrado Grande da

Madalena, que devolveria ao museu o uso integral do prédio, o que veio

acontecer somente em 2010. Em janeiro de 2009 acontece outro fato de

grande relevância, já que com a criação do Instituto Brasileiro de Museus –

IBRAM, o Museu da Abolição é integrado à sua estrutura. O novo Instituto

recebe a incumbência de administrar 28 museus, muitos sem condições plenas

de funcionamento, inclusive o MAB na época, e gerir toda Política Nacional de

Museus, o que demandava ação ampla em várias frentes. O ano 2009 foi

então, um ano de organização interna. Nesse ínterim, uma das funcionárias se

aposentou e o Museu voltou a ter somente dois servidores, contando com a

ajuda voluntária para manter seu funcionamento, mas aos poucos o IBRAM foi

conseguido recompor o quadro de funcionários.

No dia 20 de novembro de 2010 foi inaugurada a “Exposição em

Processo” que é ao mesmo tempo uma experiência expositiva baseada no

Macro-Roteiro, que oportuniza novas Rodas de Diálogo para discussão dos

temas e de cada sala, e uma nova chamada às contribuições de qualquer

visitante. Sobre esta dinâmica temos, no site do próprio MAB, que:

Uma prova da exposição será pouco a pouco construída durante o processo e será exposta ao público para que todos possam interferir e sugerir melhorias e mudanças. A partir do esboço confeccionado com técnicas simples e de baixo custo,

34

serão construídos os módulos definitivos em materiais de alta qualidade para representação das ideias propostas pelos participantes. (MAB, 2011)

Este “esboço” dito no texto é a exposição aberta à interferência do

visitante/participante, como se fosse um rascunho de um texto escrito por

muitas mãos. Esta experiência ainda está em curso. É necessário pontuar

ainda sobre as atividades do MAB, que tem ocorrido exposições temporárias

sempre ligadas à história e cultura afro-descendente; há um Biblioteca/Arquivo

com amplo acervo aberto à consulta; foi formado colaborativamente o

Laboratório de Experimentação Musical do Museu da Abolição – L.E.M.M.A,

que é um estúdio para ensaios de uso gratuito e aberto para quaisquer

interessados; há uma Videoteca com vários títulos que podem ser assistidos no

próprio auditório do MAB; o Museu disponibiliza suas salas de exposição

temporárias para projetos escolares e seu jardim para eventos, cursos e

oficinas, como as aulas de capoeira que ocorrem regularmente.

Há o entendimento sobre o pionerismo desta experiência museológica

de criação cooperativada de uma exposição e, afinal, do próprio museu – já

que segundo Nobre (2010, p. 111)

pretende[-se] enfrentar abertamente as relações de poder que existem dentro e fora do museu. (… ) a função da exposição não é representar um discurso fechado, nem levantar dúvidas. A proposta é que a exposição funcione como um canal de comunicação aberto e seja capaz de exibir parte dos conflitos da vida real.

Não se trata de aproximar o público do museu, mas fazer da instituição

produto das suas vontades narrativas. Estando estas muitas vezes

relacionadas aos assuntos essenciais para a prática da cidadania na dinâmica

complexa de uma grande cidade como Recife, representam então, “os conflitos

e disputas inerentes à criação de memórias que permeiam a vida diária” (Ibid.,

loc. cit.) e que agora se explicitam no museu, sendo que “uma exposição, em

vez de ser a documentação de um conflito, tem a capacidade de ser uma

janela aberta para a dinâmica das representações e discursos que existem na

sociedade” como nos diz Nobre (2010, p. 112), sem negar posicionamentos,

mas explicitá-los na sua diversidade. O compromisso do MAB hoje é com a

“experimentação cooperativa” (Ibid., loc. cit.), onde a participação da

35

comunidade é pré-requisito para suas ações.

O Museu da Abolição será neste estudo, por esse histórico e ações aqui

descritas, o pano de fundo para análise da aplicação de ideias de Paulo Freire

em museus.

36

CAPÍTULO III

IDÉIAS PARA ORIENTAR A PRÁTICA

Considerando a complexidade das ideias de Paulo Freire e da dimensão

educativa dos museus, para abordarmos como seria uma prática museal7

pautada no ideário freiriano, iremos analisar o caso da reabertura participativa

do Museu da Abolição à luz dos critérios para uma pedagogia empoderadora8,

chamados de “agenda de valores”, cunhados pelo Professor Doutor Ira Shor no

livro Empowering Education (1992)9. Também utilizaremos quatro palavras-

chave escolhidas pelo Professor Doutor Moacir Gadotti para definir as

principais ideias de Paulo Freire.

Não se objetiva aqui propor normas e regras de ação, mas Gadotti

(entrevista em 13/10/2010) nos alerta que a preocupação na caracterização de

uma ação museal freiriana “procede já que Paulo Freire hoje não se

reconheceria em todas as práticas educativas que se autodenominam

'freirianas'. Em si, isso não é ruim, pois significa que essas práticas continuam

vivas e que não existe uma 'ortodoxia' freiriana”, e continua afirmando que

muitas são as práticas que tem por referência Paulo Freire no mundo e que muito se tem escrito sobre ele. Esses escritos e essas práticas o mantem mais vivo entre nós. Se, por um lado, as publicações sobre ele contribuem para dar continuidade a seu legado (...) por outro, é preciso ter muito cuidado com elas. Há que se condenar o uso oportunista de seu pensamento ou de sua obra, que dilui, eclipsa e até mesmo contraria a causa pela qual lutou, negando a importância da práxis que ele tanto defendeu. Divulgar, disseminar, socializar seu pensamento sim; mas, não mercantilizar o seu discurso, ou reduzi-lo a uma

7 Conforme capítulo II, p. 27. 8 O termo empowerment foi utilizado primeiramente no livro “Medo e Ousadia: o cotidiano do

professor”, escrito em parceria de Freire e Shor em 1986. Na época se escolheu manter o termo em sua língua original, o inglês, já que “empoderador” não era um termo corrente. Aqui utilizaremos esta tradução entendendo que significa: “A) dar poder a, B) ativar a potencialidade criativa, C) desenvolver a potencialidade criativa do sujeito, D) dinamizar a potencialidade do sujeito” (FREIRE, SHOR, 2006, p. 10).

9 No livro são desenvolvidos onze valores: participativo, afetivo, crítico/problematizador, contextualizado, multicultural, dialógico, dessocializador, democrático, investigativo/pesquisador, interdisciplinar, ativista (tradução livre de: participative, affective, problem-posing, situated, multicultural, dialogic, desocializing, democratic, researching, interdisciplinary, activist; no original). Para os fins deste estudo achamos pertinente usar cinco deles na análise.

37

pregação personalista, esquecendo-se de seu compromisso coletivo e de sua luta em favor dos oprimidos. (Ibid.).

Assim, imbuídos deste compromisso ético com a obra de Freire,

passamos à análise da dimensão educativa da ação museal, esclarecendo

primeiramente as entrevistas realizadas.

3.1 – Pesquisa de campo

Para enriquecer a análise proposta, foram realizadas três entrevistas

com profissionais que teriam a contribuir na discussão. Estas geraram produtos

inéditos e de alta qualidade que, pela possibilidade de contribuírem com outros

estudos posteriores, encontram-se publicadas como anexos 3, 4 e 5 deste

trabalho. Trechos dessas entrevistas serão utilizados na argumentação das

discussões, procurando confrontar o pensamento dos entrevistados com o

referencial teórico deste estudo.

A primeira entrevistada foi Maria Célia Teixeira Moura Santos,

museóloga, Mestre e Doutora em Educação, Professora aposentada da

Universidade Federal da Bahia, Professora-visitante do Mestrado e Doutorado

em Museologia da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de

Lisboa-Portugal, consultora nas áreas da Museologia e da Educação e autora

de livros nestes temas. Além da reconhecida competência, a Professora Maria

Célia foi convidada por ter Paulo Freire como um dos seus principais

referenciais.

A segunda entrevista foi com o professor da Faculdade de Educação da

Universidade de São Paulo, Moacir Gadotti. Filósofo, Doutor e Mestre em

Educação, autor e organizador de muitas obras, como “Pedagogia da Terra”,

“Pedagogia da Práxis” e “Paulo Freire: Uma Biobibliografia”. Atualmente dirige

o Instituto Paulo Freire, do qual foi um dos fundadores. Gadotti é um dos

principais estudiosos do ideário freiriano no Brasil e em seus livros costuma

aplicá-lo para variados temas como sustentabilidade e educação ambiental,

como na entrevista o faz de forma inédita sobre museu e educação.

Por fim, foi entrevistado Adolfo Samyn Nobre, Mestre em Memória Social

e museólogo do Museu da Abolição, onde, como técnico do Instituto Brasileiro

38

de Museus – IBRAM se encontra lotado desde 2006. Foi diretor interino do

MAB em parte do período da reabertura e participou ativamente do processo,

que buscou analisar no artigo “The museum that we want”, publicado nos

Cadernos de Sociomuseologia (2010, v. 37).

As três entrevistas, que foram realizadas por meio de correio eletrônico,

foram respondidas nos dias 05/07/10, 13/10/10 e 13/01/12, respectivamente.

3.2 – Participativo (Participative)

Nas práticas freirianas a participação é entendida como princípio

fundamental, pois é a partir do interesse dos sujeitos que os processos

educativos se dão. Freire indica a importância da participação “enquanto

exercício de voz, de ter voz, de ingerir, de decidir em certos níveis de poder,

enquanto direito de cidadania se acha relação direta, necessária, com a prática

educativo-progressista” (FREIRE, 2003a, p. 73). A participação popular é

percebida como “ferramenta capaz de romper com a tradição de sociedade

elitista excludente” (WEYH, 2010, p. 303) e por isso “ não pode ser reduzida a

uma pura colaboração que setores populacionais devessem e pudessem dar à

administração pública (… ). Implica, por parte das classes populares, um 'estar

presente na História e não simplesmente nela estar representadas'” (FREIRE,

1999, p. 75). Aliado ao conceito de participação está outro de grande

importância lembrado por Scocuglia (1999, p. 103)

(… ) um dos alicerces indeléveis da prática e da teoria de Paulo Freire é a questão da democracia: liberal, social, socialista ou... mas, sempre, democracia. Se há uma questão política central que percorre o discurso freireano, em todos os seus diversos e diferentes momentos, esta é a questão da educação e da pedagogia enquanto prática e teoria contribuintes da "radicalidade democrática".

Há o entendimento que a participação “é uma característica da

Educação Popular. É um olhar pedagógico do processo participativo” (WEYH,

2010, p. 303), reafirmado por Freire, ao refletir sobre suas experiências com os

movimentos da Educação de Jovens e Adultos: “aqueles grupos se educavam

na medida em que participavam mais e melhor na vida da sociedade” (FREIRE,

39

NOGUEIRA, 2001, p. 62).

Santos, citando pontos fundamentais para uma ação educativa em

museu ser considerada "freiriana", afirma que esta deverá

promover a participação dos cidadãos na elaboração e na execução dos projetos, contribuindo para a construção do conhecimento, a partir das suas histórias de vida, capacitando-os a formular e executar projeto próprio de vida no contexto histórico, integrando o museu à sociedade, buscando, conjuntamente, a construção de uma nova prática social; (SANTOS, entrevista em 05/07/2010).

Na experiência do Museu da Abolição a participação foi determinante.

Quando, no seminário “O Museu que nós queremos” de 2005, a comunidade

se aproxima e determina que o museu deve permanecer aberto e deve ser

espaço aberto à visão crítica sobre a Abolição. Nas mais de 1500 opiniões

recebidas na exposição “O que a Abolição não aboliu”. Também nas rodas de

diálogo do “Projeto de Elaboração Participativa da Exposição”, sobre as quais

Adolfo Nobre (entrevista em 13/01/2012) indica que:

As rodas de diálogo, encontros reuniões e oficinas sempre se deram de forma aberta, sem necessidade de inscrições prévias e sem nenhum tipo de restrição à participação da sociedade, sendo divulgadas com antecedência da forma mais ampla possível. Durante as rodas de diálogo tivemos sempre a preocupação de convidar um facilitador para estimular o debate e para deixar os participantes mais a vontade para expressarem suas ideias sobre o museu, seus conteúdos, atividades e perspectivas.

Nobre também relata que: “As ações e resultados dos encontros e

debates foram material estudado para alimentar os novos encontros, os

questionamentos apresentados pelos participantes foram o principal material de

trabalho do processo participativo”. A participação se configura no Museu da

Abolição como prática museal e pedagógica, ambas orientadas pela crença de

que pela presença ativa e determinante da comunidade, o museu se aproxima

dos “seus verdadeiros donos” (NOBRE, 2010, p.101).

3.3 – Contextualizado (Situated)

Paulo Freire, ao desenvolver seu método de alfabetização, afirmava a

40

necessidade de que o tema gerador para todo o processo partisse da realidade

dos educandos e que a leitura do mundo precedesse a leitura da palavra. Na

Pedagogia do Oprimido expressa que “o tema gerador não se encontra nos

homens isolados da realidade, nem tampouco na realidade separada dos

homens. Só pode ser compreendido nas relações homens-mundo” (FREIRE,

2005, p. 114). O contexto, a realidade onde estão imersos os sujeitos, permeia

cada ação, até porque Freire entende que a práxis é “reflexão e ação dos

homens sobre o mundo para transformá-lo” (Ibid, p. 42). Falkembach (2010, p.

396) complementa que:

Situações existenciais, experiências da vida diária e práticas realizadas em âmbitos diversos da cotidianidade configuram contextos reais concretos, que são culturais e históricos. Fazem, então, dessas situações, experiências e práticas, objeto de conhecimento, na medida em que se voltam sobre elas para “ad-mirá-las”.

É interessante também aprofundar a análise sobre a leitura do mundo

como o olhar sobre o contexto, e é esse conhecimento sobre a realidade que

surge do 'saber de experiência feito', das práticas cotidianas. No Segundo

Caderno de Cultura Popular, parte dos materiais utilizados para alfabetização

em São Tomé e Príncipe, publicado e comentado no livro “A importância do ato

de Ler”, há um trecho bem simbólico sobre a prática (saber de experiência

feito) e a leitura do mundo:

Não podemos duvidar de que a nossa prática nos ensina. Não podemos duvidar de que conhecemos muitas coisas por causa de nossa prática. Não podemos duvidar, por exemplo, de que sabemos se vai chover ao olhar o céu e ver as nuvens com uma certa cor. Sabemos até se é chuva ligeira ou tempestade a chuva que vem. Desde muito pequenos aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e a escrever palavras e frases, já estamos “lendo”, bem ou mal, o mundo que nos cerca. (FREIRE, 2003, p. 71)

Cada indivíduo traz a sua experiência, seu saber de experiência feito,

que compõe sua leitura de mundo, a sua forma de ver a realidade, o seu

contexto.

No campo dos museus foi desenvolvido por Falk e Dierking o modelo

contextual de aprendizagem (contextual model of learning), que examina quais

os contextos em que se dá a aprendizagem em museus (enfocando os museus

41

de ciência).

a experiência museal é o resultado da interação de três contextos: o pessoal (interesses individuais, motivos da visita, experiências prévias, formação), o contexto físico (museu, arquitetura, exposições, objetos – espaço no qual se dá a interação) e o contexto sociocultural (com quem visita, com quem interage durante a visita). Acrescentaram a esse modelo a dimensão temporal por entender que a aprendizagem é um processo, e como tal, ocorre em diferentes tempos para cada pessoa, denominando-o modelo contextual de aprendizagem (contextual model of learning). (SEIBEL-MACHADO, 2009, p. 51).

O Museu da Abolição foi, ao longo da sua experiência, agregando

interessados na sua temática e nas suas discussões. Cada indivíduo trazia

consigo suas experiências e seus contextos e assim enriquecia os processos

do próprio museu. Podemos destacar a fala de Nobre quando aponta que

O universo dos temas abordados sempre estiveram abertos ao acréscimo pelos participantes dos debates que por suas características (principalmente pessoas ligadas a movimentos sociais e religiões de matriz africana) giraram em torno do racismo, preconceito, autoestima da população negra, direitos, liberdade religiosa etc. Estes temas fazem parte do contexto dos próprios participantes de modo geral. (NOBRE, entrevista em 13/01/2012).

Freire ao criticar o “modelo bancário” de educação, defendia que cada

sujeito não era um receptáculo vazio onde deveriam ser depositados os

conteúdos, mas que cada um tinha o seu conhecimento, e que o professor

deveria saber ouvir este educando – valorando esta sua experiência - e

aproveitar destes contextos para conjuntamente provocar situações de

aprendizagem. No Museu da Abolição os contextos pessoais dos participantes

eram partilhados nas rodas de diálogo e ajudaram a situar criticamente o

próprio museu.

3.4 – Crítico/Problematizador (Problem-posing)

Para Freire a criticidade é via para a conscientização, para a

aprendizagem e para a libertação. A abordagem problematizadora é que

permite a aproximação da realidade de forma crítica. Neste âmbito surge a

42

'Pedagogia da Pergunta', por exemplo, para que a problematização se dê

através de questionamentos. Refletindo sobre a criticidade para Freire, Moreira

(2003, p. 97) aponta que esta

(… ) é a capacidade do educando e do educador refletir criticamente a realidade na qual estão inseridos, possibilitando a constatação, o conhecimento e a intervenção para transformá-la. Essa capacidade exige um rigor metodológico, que combine o “saber da pura experiência” com o “conhecimento organizado”, mais sistematizado.

A criticidade torna-se, então, elemento-chave na aprendizagem. Freire

define que a educação problematizadora é “força criadora do aprender de que

fazem parte a comparação, a repetição, a constatação, a dúvida rebelde, a

curiosidade não facilmente satisfeita” (FREIRE, 2002, p. 28). Assim, Moreira

(2003) destaca que uma pedagogia da libertação deve ser fundamentada pelo

'pensar certo' de Freire, que é o pensar crítico, que ao problematizar as

condições da vida acaba por desafiar para a luta. E também afirma que:

a ação transformadora da realidade, enquanto um exercício da criticidade em direção à práxis política, constitui-se a partir de práticas educativas que despertam a curiosidade epistemológica dos educandos e contribuem para a construção de um novo projeto, de um novo sonho de sociedade e mundo a favor das pessoas e classes oprimidas. (MOREIRA, 2003, p. 98)

A Declaração de Santiago introduz no campo dos museus um olhar

crítico para a própria instituição e para sua função social. O museu abandona o

discurso e a forma da ideologia dominante e passa a utilizar dos seus recursos

para refletir sobre a realidade e incitar a sua transformação. Na Declaração

considera-se:

Que o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais (...).(apud DIAS, 2009, p. 45)

Santos compartilha desta visão e ainda compreende que “o museu, para

atingir sua função pedagógica, deverá ter uma capacidade de produção

43

própria, com questionamento crítico e criativo, sem, contudo, deixar de interagir

com outras áreas do conhecimento” (entrevista em 05/07/2010). É a criticidade

que potencializa “o patrimônio cultural como vetor de produção de

conhecimento” e que não permite a abordagem instrucionista para o “processo

de interpretação do patrimônio cultural”.

Nesse sentido, memorizar características das coleções e alguns fatos relacionados à vida, no passado, para serem transmitidos aos alunos, ou fazê-los representar cenas e vivências do passado sem o afastamento e a reflexão necessários para compreensão do tempo do aluno e do tempo passado, com pensamento crítico, torna-se, até certo ponto atividade pouco produtiva. (Ibid).

Na entrevista cedida, Santos ainda destaca que

Freire (2000) nos lembra que “a questão fundamental não está em que o passado passe ou não passe, mas na maneira crítica, desperta, com que entendemos a presença do passado em procedimentos do presente. Destaca o mestre que, “nesse sentido, o estudo do passado traz à memória do nosso corpo consciente a razão de ser de muitos dos procedimentos do presente e nos pode ajudar, a partir da compreensão do passado, a superar marcas suas” (...). (Ibid).

Nobre (entrevista em 13/01/2012) entende que “o exercício crítico sobre

o papel do museu, e em particular à proposta do Museu da Abolição foi um

aspecto recorrente nas rodas de diálogo”. Ao se abrir à participação, o próprio

museu criou espaços para a prática da criticidade, e inclusive para as

discussões acerca de sua própria natureza. Assim, o próprio museu, seu tema,

discurso e sua exposição tornaram-se o “ponto de partida para

questionamentos, para comparações, para estabelecer conexões (… ), para

uma análise crítica e para o estímulo da criatividade” (SANTOS, entrevista em

05/07/2010).

3.5 – Dialógico (Dialogic)

O caráter dialógico do pensamento freiriano é “transversal” a todos os

outros valores elencados por Shor. Ele está presente em todos os demais

porque é através dele que segundo Freire constrói-se a base das relações

homem-homem e homem-mundo, ou mesmo porque “o diálogo pertence à

natureza do ser humano, enquanto ser de comunicação” (FREIRE, SHOR,

44

2006, p.14). Zitkoski (2010, p 117) aponta que a “proposta de uma educação

humanista-libertadora em Freire tem no diálogo/dialogicidade uma das

categorias centrais de um projeto pedagógico crítico, mas propositivo e

esperançoso em relação a nosso futuro”. Pois é do diálogo que se chega a

criticidade, mas é nele também que se encontra o afeto e se partilha a cultura.

Ao desenvolver o ideário de um “método dialógico” de ensino, Freire

estabelece que a diferença entre um “ato de conhecimento” e uma simples

transferência é a dialogicidade. “Através do diálogo crítico sobre um texto ou

um momento da sociedade, tentamos penetrá-lo, desvendá-lo, ver as razões

pelas quais ele é, como é e o contexto político e histórico em que se insere”

(FREIRE, SHOR, 2006, p. 24).

Esta é a compreensão do diálogo como processo dialético-

problematizador (ZITKOSKI, 2010), que se dá pela concepção do diálogo como

a força que impulsiona o pensar crítico-problematizador em relação à condição humana no mundo. Através do diálogo podemos dizer o mundo segundo nosso modo de ver. Além disso, o diálogo implica uma práxis social, que é o compromisso entre a palavra dita e a nossa ação humanizadora. (ZITKOSKI, 2010, p. 117).

Freire alerta a necessidade de um cuidado com esta práxis dialógica,

sinalizando que ela deve sempre ser utilizada para o que chama de iluminação.

O trecho seguinte, apesar de longo, é significativo do seu entendimento sobre a

dialogicidade:

penso que deveríamos entender o “diálogo” não como uma técnica apenas que podemos usar para conseguir obter alguns resultados. Também não podemos, não devemos, entender o diálogo como uma tática que usamos para fazer dos alunos nossos amigos. Isto faria do diálogo uma técnica para a manipulação, em vez de iluminação. Ao contrário, o diálogo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte de nosso progresso histórico do caminho para nos tornarmos seres humanos. Está claro este pensamento? Isto é, o diálogo é uma espécie de postura necessária na medida em que os seres humanos se transformam cada vez mais em seres criticamente comunicativos. O diálogo é o momento em que os humanos se encontram para refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem. (FREIRE, SHOR, 2006, p. 122, grifo do autor).

É o diálogo que ressalta o inacabamento dos sujeitos e faz disso mote

45

para a busca da mudança, pois como seres comunicativos é “através do

diálogo, refletindo juntos sobre o que sabemos e não sabemos, podemos, a

seguir, atuar criticamente para transformar a realidade” (Ibid, 2006, p.122).

Zitkoski (2010, p. 118) afirma que o desafio “é construirmos novos saberes a

partir da situação dialógica que provoca a interação e a partilha de mundos

diferentes, mas que comungam do sonho e da esperança de juntos

construirmos nosso 'ser mais'”.

Transpondo este conceito para os museus, Cabral e Rangel (200-?)

apontam que

A educação dialógica parte da compreensão de que os alunos/visitantes do museu têm suas experiências diárias. Ela oferece a possibilidade de se começar do concreto, do senso comum, para se chegar a uma compreensão rigorosa da realidade, ou seja, ouvir os alunos/visitantes do museu falar sobre como compreendem seu mundo e caminhar junto com eles no sentido de uma compreensão crítica e científica dele.

O diálogo no museu tem o caráter primordial de aproximação, seja em

visitas ou em espaços abertos à participação do público. A função de dialogar é

comumente deixada a cargo de um mediador, do último elo da corrente museal,

aquele de andará lado a lado do visitante pelas galerias da instituição. Mas ela

deve ser latente em cada espaço e cada discurso. O museu deve estar aberto

ao diálogo e isso se dá através da exposição, seja pelo tom do discurso ou por

uma museografia (desenho da exposição) convidativa. No Museu da Abolição,

por exemplo, o público se surpreende ao encontrar papéis autoadesivos,

usados para lembretes, à disposição para recebimento de sugestões e

espalhados por todas as salas da “Exposição em Processo”. Além disso, as

reuniões para o debate da exposição de longa duração receberam o nome

emblemático de “roda de diálogo”. Nobre também pontua que “todos os temas

abordados pelo MAB foram debatidos abertamente e de maneira não

hierarquizada durante as rodas de diálogo e outras reuniões” (entrevista em

13/01/2012); e isso pode ser percebido nas memórias das rodas publicadas no

blog, das quais trazemos uma pequena amostra, em um trecho da 10a Roda

de Diálogo, (MUSEU DA ABOLIÇÃO, 2008) onde se discute a escravidão entre

africanos:

AURENICE: (...) E demonstrou preocupação quanto à forma de

46

abordagem da escravidão inter e intra-africana na exposição, para que não haja uma pormenorização da escravidão de europeus com africanos e indígenas. ADOLFO: Chegou a sugerir que não fosse citada a escravidão inter-africana, por entender que a exposição não precisa abordar todos os temas. JACIARA: Expôs a importância em se falar da escravidão entre escravos. JOSEBIAS: Achou relevante a permanência da temática (escravidão inter africana) na exposição por se tratar de uma discussão muito presente no debate acerca do racismo no Brasil (… ). Aproveitou para diferenciar a natureza das escravidões em diversos lugares no mundo, destacando que elas surgem a partir de batalhas para conquistas de território, o que aqui no Brasil ela assumiu um caráter diferenciado. AURENICE: Trouxe ao debate a característica mercantil da escravidão européia no Brasil, onde sob um discurso de estado e religioso os negros eram tido como objetos de uma expansão comercial. RAUL LODY: Ressaltou que não existem níveis de escravidão, apesar delas serem diferenciadas, e afirma que toda escravidão é cruel. Destacou a contemporaneidade de tal assunto. Destacou ainda que a legislação traz uma riqueza ao debate em termos documentais, e que esta consegue acompanhar determinados processos históricos. ADOLFO: Sugeriu que fosse feita uma relação entre a escravidão africana e a escravidão portuguesa. JUDITE: Opinou pela não retirada do tema: escravidão inter-africana e ainda propôs que ainda fosse falada na exposição das várias formas de escravidão que o negro está sujeito na atualidade. JOSEBIAS: Disse que a permanência de tal tema na exposição pode surgir como provocação para o debate da escravidão no mundo.

O diálogo é a base na qual são construídos os espaços para troca, para

o aprender e fazer junto. Nos museus isto se dá igualmente, e no caso do MAB

podemos observar que foi aprender e fazer junto o próprio museu . O “Museu

que nós queremos” é produto direto da dialogicidade.

3.6 – Multicultural (Multicultural)

A multiculturalidade é uma dimensão do pensamento freiriano que, de

certa forma, é resultado dos exercícios de dialogicidade e de diferença, e do

entendimento do homem como “um ser de relações num mundo de relações”

(FREIRE, 1992, p. 39). Freire conceitua o multiculturalismo como

47

a condição das sociedades caracterizadas pela pluralidade de culturas, etnias, identidades, padrões culturais, socioeconômicos e culturais, abrangendo as formas pelas quais os diversos campos do saber incorporam a sensibilização a esta diversidade em suas formulações, representações e práticas. (FREIRE, 1992 apud SOUZA, 2010, p. 280)

O multiculturalismo ”poderá e deverá constituir uma utopia, uma

esperança para uma nova configuração de convivência humana (… ), nos

novos cenários mundiais” (SOUZA, 2010, 282), mas não existirá “como um

fenômeno espontâneo”, somente se for “criado, produzido politicamente,

trabalhado, a duras penas, na história” (FREIRE, 2003b, p. 157). Souza (2010,

p. 281) aponta que diferentes culturas ou traços culturais “ainda se encontram

em justaposição ou em situação de dominação e subalternidades. O desafio é

transformar numa multiculturalidade essa pluriculturalidade ou diversidade

cultural, através do diálogo crítico entre as culturas e das culturas

(interculturalidade)”.

No livro “Pedagogia da esperança”, Freire (2003b, p. 157) desenvolve

um trecho significativo sobre a necessidade de luta para atingirmos a utopia da

multiculturalidade:

É preciso reenfatizar que a multiculturalidade como fenômeno que implica a convivência num mesmo espaço de diferentes culturas não é algo natural e espontâneo. É uma criação histórica que implica decisão, vontade política, mobilização, organização de cada grupo cultural com vistas a fins comuns – e demanda, portanto, certa prática educativa coerente com esses objetivos – e uma nova ética no respeito às diferenças.

Importante pontuar, e já aproximando o multiculturalismo do campo dos

museus, o entendimento da “cultura como aquisição sistemática da experiência

humana” (Id., 1979, p. 109); e o alerta dado por Brandão (2010, p. 101) de que

“culturas são socialmente criadas, preservadas e transformadas em e como

contextos políticos. Isto é, têm sempre a ver com a gestão do poder simbólico”.

E é neste viés que os museus ganham um papel importante na busca de uma

multiculturalidade, pois guardam, preservam e disseminam cultura. Gerindo a

memória e a cultura, os museus podem e devem garantir espaços para

múltiplas narrativas. Afinal, “o museu é o espaço de inúmeros sujeitos, do

passado e do presente, daqui e de outros lugares, de culturas diferentes, com o

mesmo ponto de vista ou com divergentes e diferentes posições” (CURY, 2010,

48

p. 362).

A multiculturalidade nos museus também tem relevância no aspecto

pedagógico, enquanto convivência entre diferentes. Cabral (1997, p. 141 apud

SEIBEL-MACHADO, 2009, p. 106) destaca que

o processo ensino-aprendizagem nessas instituições pode ser descrito e entendido a partir da teoria sociocultural de Vygotsky, o que significa criar um ambiente culturalmente rico em interações sociais, capazes de propiciar a obtenção e partilha de conhecimentos entre os seus visitantes.

No Plano Museológico do Museu da Abolição, na justificativa do seu

projeto de reabertura, consta que

O sentido da cidadania e o respeito pela diversidade cultural são as aspirações (...), ao ressaltar temas como: escravidão, abolição, racismo, preconceito, exclusão, violência e identidade a serem trabalhados a partir da reabertura do Museu da Abolição. (BRASIL, 2007).

Aspiração que se transformou em prática, como podemos observar na

resposta de Nobre (entrevista em 13/01/2012): “Procuramos sempre convidar

os mais diversos seguimentos sociais, desde professores a alunos, religiosos,

lideranças sociais, deixando sempre o convite aberto à sociedade”. Estando

presente no texto de apresentação da “Exposição em Processo”:

“Compreendendo que a memória é um processo e que o discurso sobre a

abolição, seus antecedentes e consequências, são ainda poderosas fontes de

disputas sociais, o Museu da Abolição – MAB está aberto ao debate sobre suas

propostas e atuação”.

Freire (2003b, p. 157) entende que a multiculturalidade se caracteriza

como “invenção da unidade na diversidade. Por isso é que o fato, mesmo da

busca da unidade na diferença, a luta por ela, como processo, significa já o

começo da criação da multiculturalidade”. No Museu da Abolição a procura

pela multiplicidade é o começo da busca pela multiculturalidade.

3.7 – Liberdade, Esperança, Luta e Utopia

Maíra - Quais seriam as 4 “palavras-chave” para definir as principais ideias de Paulo Freire?

49

Gadotti – (… ) Você me pede para resumir Paulo Freire em quatro palavras-chave. A primeira que eu escolheria seria a palavra “liberdade”. Paulo Freire tinha enorme gosto pela liberdade. Seu primeiro livro, publicado em 1967, tem por título Educação como prática da liberdade. A segunda palavra-chave, no meu entender, segue na mesma linha: a palavra “esperança”. Paulo Freire condenava concepções fatalistas ou deterministas da educação e da vida. Ele dizia que era esperançoso não por teimosia, mas por “imperativo histórico e existencial”. A terceira palavra-chave para mim seria a palavra “luta”. Não há esperança sem trabalho, sem lutar por ela. Daí que podemos definir a pedagogia freiriana como pedagogia da luta e da esperança. As duas se completam. E como última palavra-chave eu escolheria a palavra “utopia”. Paulo Freire condenava a pedagogia neoliberal porque negava o sonho e a utopia. Utopia, para ele, nada tem a ver com devaneio ou coisa impossível de se realizar, pois ele sustentava que fazendo o possível de hoje podemos fazer, amanhã, o impossível de hoje. (entrevista em 13/10/2010).

A liberdade para Freire é “uma conquista que se alcança na medida em

que se luta pela libertação de si, do outro e do mundo” (SUNG, 2010, p. 243).

Termo amplo que servirá para diferenciar a intenção da educação freiriana das

demais: uma educação libertadora - “um processo pelo qual o educador

convida os educandos a reconhecer e desvelar a realidade criticamente [… ]

não há sujeitos que libertem e objetos que são libertados, já que não há

dicotomia entre sujeito e objeto” (FREIRE, 1985, p. 102 apud JONES, 2010, p.

244). Para Freire, liberdade não se confunde com licenciosidade, pois na

liberdade há o reconhecimento de limites, e mais que isso, há sempre uma

responsabilidade intrínseca pelo entendimento do sujeito histórico que é o

homem. A liberdade, atingida através da consciência e da inauguração de um

outro mundo possível através da luta e da união entre os homens, é a intenção

presente em todo ideário freiriano.

Aí está também a esperança em Freire, presentificada nesta forma de

encarar as adversidades de um mundo desumano. Na “Pedagogia da

Esperança” Freire (2003b, p.10) coloca esta como “necessidade ontológica” e

um “imperativo excepcional histórico”.

Em sendo um imperativo histórico, a esperança se manisfesta na prática. Não há esperança na “pura espera”, isto é, na imobilidade e na paralisia. Se a meta é a criação de um amanhã diferente, sua construção tem que ser iniciada hoje. Da mesma forma, nem toda esperança é igualmente geradora

50

de uma realidade distinta. A crítica é o seu elemento purificador. Para Freire, a esperança crítica é tão necessária para o ser humano quanto a água despoluída para a vida do peixe. (STRECK, 2010, p. 161)

Já na “Pedagogia do Oprimido” Freire pontuava que sua ideia “não é,

porém, a esperança um cruzar de braços e esperar. Movo-me na esperança

enquanto luto e se luto com esperança, espero” (Freire, 2005, p. 95).

Caracterizando homens e mulheres como seres da esperança, na “Pedagogia

da Autonomia”, afirma que estes estão frente a possibilidade de criar outro

futuro. “(...) a esperança se faz presente como condição para o diálogo, junto

com o amor, a humildade, a fé nos homens e nas mulheres. A confiança se

instaura no diálogo que, por sua vez, é movido pela esperança” (STRECK,

2010, p. 161). Podemos perceber neste posicionamento esperançoso uma

amorosidade latente, e que sendo assim, não só crê na possibilidade da escuta

e do querer-bem, mas gera indignação diante da realidade injusta e desigual.

Surge, então, a luta enquanto termo necessário para caracterizar o

ideário de Freire. Ribeiro (2010, p. 250) entende que “para o autor, 'luta é uma

categoria histórica e social', ou seja, está contemplada numa totalidade

histórica, manisfestando-se sob diferentes expressões no espaço e no tempo”.

Uma das abordagens possíveis para a luta é a sua própria dimensão

pedagógica, que podemos observar na afirmação de Scocuglia (1999, p. 84) de

que “a politicidade do ato educativo é concomitante à educabilidade do ato

político”. A luta também perpassa a dimensão da multiculturalidade, já

apresentada anteriormente, pois Freire (2003b, p. 39) afirmou que a virtude

revolucionária “consiste na convivência com os diferentes para que se possa

melhor lutar contra os antagônicos”.

Ribeiro (2010, p. 249) também pontua que

A postura aparentemente neutra para este educador pernambucano oculta o apoio às políticas neoliberais ou então evidencia a postura cômoda dos que, não sendo por elas atingidos, não se incomodam em denunciá-las. (… ) E a luta ideológica, política, pedagógica e ética vai exigir, de qualquer um de nós, uma tomada de posição, independentemente da hora, e do lugar em que estejamos, pois, para Freire, não há neutralidade (… ).

E assim, com o entendimento que a luta para Freire é este engajamento

51

permanente, crítico e assumidamente político, a favor dos “esfarrapados do

mundo” (a quem Freire dedica a Pedagogia do Oprimido); somado com a visão

de mundo da esperança e com o propósito da liberdade, chegamos a quarta e

última palavra escolhida por Gadotti: utopia. Palavra essa que tem para Freire

uma acepção especial e diferenciada de quando foi cunhada por Morus em

1516, como aquilo (um lugar) que não existe.

Para Freire (1980, p. 27) “o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o

idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de

denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante”.

Freitas ainda complementa que “a utopia freiriana está relacionada à

concretização dos sonhos possíveis (… ) e decorre de sua compreensão da

história como possibilidade, ou seja, a compreensão acerca de que a realidade

não “é”,mas “está sendo” e que, portanto, pode vir a ser transformada”

(FREITAS, 2010, p. 413). É a utopia “o sonho [que] pode ser, também, um

motor da história” (FREIRE, 2003b, p. 91), principalmente porque é no âmbito

da utopia que “a esperança entusiasma a participação coletiva na criação do

inédito-viável (… ). O inédito-viável é expressão da atitude utópica que se opõe

à visão fatalista da realidade, sendo esta uma peculiaridade do processo de

conscientização (… ) (FREITAS, 2010, p. 413). A utopia para Freire é, então, a

afirmação da possibilidade de mudança da realidade e da libertação do

homem, que primeiro se constrói em sonho, se alimenta pela esperança e se

faz na luta.

As palavras-chave escolhidas por Gadotti mostram uma essência das

ideias de Paulo Freire. Delas pode-se extrair o posicionamento combativo,

porém extremamente otimista, credor do poder de transformação do indivíduo e

deste sobre sua realidade. São princípios dos quais todos os outros valores

são gerados.

Objetivando transpor esses princípios para prática na dimensão

educativa dos museus, podemos entender que devem estar presentes como

inspiração – que de modo freiriano deve ter um equivalente na ação. A luta, por

exemplo, pode ser presentificada através do engajamento. No Museu da

Abolição podemos observar que houve a inspiração e que ela trouxe

52

resultados, mesmo que não nos níveis desejados:

A mobilização dos segmentos participantes do processo participativo pela reformulação dos conceitos do MAB foi um aspecto muito procurado pela equipe do museu, nem sempre resultou em um grande envolvimento, mas em alguns casos a participação da sociedade foi determinante para algumas conquistas do MAB, como por exemplo, a obtenção da totalidade da sede do museu. (NOBRE, entrevista em 13/01/2012).

Questionada sobre a contribuição das ideias de Freire nas ações

educativas em museus, Santos também deixa implícita a inspiração nos

princípios aqui citados:

Nos anos 70, começamos a reconhecer que o homem é, ao mesmo tempo, o produto e o criador de sua sociedade e de sua cultura. Começamos a desenvolver ações, talvez de forma não intencional, que traçam um esboço do que consideramos o marco mais significativo da evolução do processo museológico na contemporaneidade: a passagem do sujeito passivo e contemplativo para o sujeito que age e que transforma a realidade. Nessa perspectiva, o preservar é substituído pelo apropriar-se e reapropriar-se do patrimônio cultural, buscando-se a construção de uma nova prática social. (SANTOS, entrevista em 05/07/2010).

Gadotti, respondendo quais os princípios para desenvolver alguma

atividade educativa e poder chamá-la de freiriana, afirma que

Os princípios político-pedagógicos da teoria educacional de Paulo Freire podem ser sintetizados na sua concepção libertadora de educação, evidenciando o papel da educação na construção de um novo projeto histórico, a teoria do conhecimento que parte da prática concreta na construção do saber, o educando como sujeito do conhecimento e a compreensão da educação não apenas como um processo lógico, intelectual, mas também profundamente afetivo e social. (GADOTTI, entrevista em 13/10/2010).

Assim, depois deste panorama de ideias freirianas para orientar a prática

no âmbito da dimensão educativa em museus percebemos que jamais se pode

deixar engessar uma ação que tenha, por referência, Paulo Freire.

Transbordando a noção de um manual de práticas, deve-se entender que o

que há de mais valioso nas Pedagogias de Freire é seu compromisso ético

com a transformação social e, nos museus como em qualquer outro espaço

que se proponha ao exercício do seu ideário progressista, é isso que deve

estar intrínseco em cada decisão e cada ação.

53

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Paulo Freire, a partir da sua obra e sua trajetória, alcançou notoriedade.

É hoje um dos referenciais brasileiros mais citados e estudados, dentro do país

e fora. Para além de métodos e metodologias, tinha um compromisso profundo

com a justiça social, com a ética nas relações e com a liberdade. Seu

pensamento inspira inúmeras ações nos mais variados campos, levando seus

princípios para diversos espaços. Gadotti (em entrevista em 13/10/2010) nos

diz que na atualidade o pensamento de Freire ressurge e se renova em várias

experiências da educação popular, continuada e informal, em muitas áreas de

conhecimentos, diversas profissões, confrontando-se com variadas teorias e

práticas, nisso as ações que se dão em museus não são exceções. Segue

afirmando que é um pensamento vivo e em evolução, e que por isso não

devemos fazer uma “leitura exegética” do que Freire deixou escrito, trata-se de

dar continuidade e de, na prática, reinventar as intuições e motivações político-

pedagógicas que orientaram o “pensar militante” de Freire, como qualifica

Gadotti.

Nos museus a aproximação do ideário de Freire se deu de forma natural

e contínua à transformação de postura ideológica que aconteceu a partir dos

anos 70. Quando os museus começaram a olhar para fora encontraram em

Paulo Freire um pensamento consistente para quem quer pensar “com” e não

“para” a sociedade. Ao passo que se o museu pode perceber-se historicamente

condicionado, o visitante pode ser respeitado enquanto sujeito histórico que é.

E assim o museu, tradicionalmente um simulacro da realidade, pode tornar-se

um “agente de mudança social e desenvolvimento”.

Não são mudanças simples, e quando implementadas, não se efetivam

ou podem ser distorcidas, e isso já se dava no campo da educação. Nos

museus e nas demais áreas segue o alerta de que muitas ações afirmam um

referencial freiriano e tem sua prática distante disso. Portanto é necessário ter

clareza sobre os referenciais teóricos seguidos.

Propusemo-nos neste trabalho construir critérios para a reflexão das

54

ações que se entendem freirianas. Ao introduzir alguns dos valores propostos

por Shor (participativo, contextualizado, crítico, dialógico e multicultural),

abordar quatro palavras-chave definidas por Gadotti (liberdade, esperança, luta

e utopia), e utilizar a reabertura participativa do Museu da Abolição como

matéria desta análise, consideramos que a contribuição de Freire para o campo

dos museus é não só extremamente válida e frutífera, mas necessária.

O ideário de Freire nos museus nos ajuda a responder questionamentos

fundamentais, como o levantado por Santos, ainda em 1996, quando a autora

perguntava quais eram os aspectos que precisavam ser repensados para

buscar uma ação museológica adequada à uma país da América Latina com

um contexto adverso que incluía o cólera, a miséria e o analfabetismo.

Provoca-nos a reflexão de qual o compromisso dos museus com esta

realidade, e que papel devem ocupar na atualidade.

A dimensão educativa dos museus com Freire torna-se a mais latente,

estando presente nos setores educativos dos museus, mas não só. O ideário

de Freire não permite uma ação parcial, o compromisso com seus princípios

éticos e com a transformação da sociedade devem estar presentes na

instituição como um todo, tornando-se toda ela educativa.

O caminho dessa transformação dos museus não é simples, mas deve

ser por uma longa e sinuosa estrada pavimentada com sonhos cujo tempo está

atrasado, como conclui Shor (1992). Um caminho onde cada passo seja

movido pela reflexão e pela prática, e que tenha como destino final a utopia de

contribuir para uma sociedade mais justa para todos.

Os atravessamentos do campo dos museus com os princípios

defendidos por Paulo Freire é coerente e relevante quando os museus se

propõem a não ser mais aparelhos da ideologia do Estado, e sim instrumentos

a serem apropriados pela comunidade para pensar e alterar sua própria

realidade.

55

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60

ANEXOS

Índice de Anexos

Anexo 1 – Declaração de Santiago do Chile (1972)

Anexo 2 – Declaração da cidade de Salvador (2007)

Anexo 3 – Entrevista com a Profa. Dra. Maria Célia T. M. Santos

Anexo 4 – Entrevista com o Prof. Dr. Moacir Gadotti

Anexo 5 – Entrevista com o Ms. Adolfo Samyn Nobre

61

ANEXO 1

Declaração de Santiago do Chile (1972)

Mesa – Redonda de Santiago do Chile – 1972

I. PRINCÍPIOS DE BASE DO MUSEU INTEGRAL Os membros da Mesa-Redonda sobre o papel dos museus na América Latinade hoje, analisando as apresentações dos animadores sobre os problemas do meio rural, do meio urbano, do desenvolvimento técnico-científico, e da educação permanente, tomaram consciência da importância desses problemas para o futuro da sociedade na América Latina. Pareceu-lhes necessário, para a solução destes problemas, que a comunidade entenda seus aspectos técnicos, sociais, econômicos e políticos. Eles consideraram que a tomada de consciência pelos museus, da situação, e das diferentes soluções que se podem vislumbrar para melhorá-la, é uma condição essencial para sua integração à vida da sociedade. Desta maneira, consideraram que os museus podem e devem desempenhar um papel decisivo na educação da comunidade. Santiago, 30 de maio de 1972. II. RESOLUÇÕES ADOTADAS PELA MESA-REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE 1. Por uma mutação do museu da América Latina Considerando - Que as transformações sociais, econômicas e culturais que se produzem no mundo, e, sobretudo em um grande número de regiões em via de desenvolvimento, são um desafio para a Museologia; - Que a humanidade vive atualmente em um período de crise profunda; que a técnica permitiu à civilização material realizar gigantescos progressos que não tiveram equivalência no campo cultural; que esta situação criou um desequilíbrio entre os países que atingiram um alto nível de desenvolvimento material e aqueles que permanecem à margem desta expansão e que foram mesmo abandonados ao longo de sua história; que os problemas da sociedade contemporânea são devidos a injustiças, e que não é possível pensar em soluções para estes problemas enquanto estas injustiças não forem corrigidas; - Que os problemas colocados pelo progresso das sociedades no mundo contemporâneo devem ser pensados globalmente e resolvidos em seus múltiplos aspectos; que eles não podem ser resolvidos por uma única ciência ou por uma disciplina; que a escolha das melhores soluções a serem adotadas, e sua aplicação, não devem ser apanágio de um grupo social, mas exigem

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ampla e consciente participação e pleno engajamento de todos os setores da sociedade; - Que o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais; - Que esta nova concepção na supressão dos museus atuais, nem na renúncia aos museus especializados, mas que se considera que ela permitirá aos museus se desenvolverem e evoluírem da maneira mais racional e mais lógica, a fim de melhor servir à sociedade; que, em certos casos, a transformação prevista ocorrerá lenta e mesmo experimentalmente, mas que, em outros, ela poderá ser o princípio diretor essencial; - Que a transformação das atividades dos museus exige a mudança progressiva da mentalidade dos conservadores e dos responsáveis pelos museus assim como das estruturas das quais eles dependem; que, de outro lado, o museu integral necessitará, a título permanente ou provisório, da ajuda de especialistas de diferentes disciplinas e de especialistas de ciências sociais; - Que por suas características particulares, o novo tipo de museu parece ser o mais adequado para uma ação em nível regional, em pequenas localidades, ou de médio tamanho; - Que, tendo em vista as considerações expostas acima, e o fato do museu ser uma "instituição ao serviço da sociedade, que adquire, comunica, e notadamente expõe, para fins de estudo, conservação, educação e cultura, os testemunhos representativos da evolução da natureza e do homem", a Mesa-Redonda sobre o papel do museu na América Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 31 de maio de 1972, Decide de uma maneira geral 1. Que é necessário abrir o museu às disciplinas que não estão incluídas no seu âmbito de competência tradicional, a fim de conscientizá-lo do desenvolvimento antropológico, sócio-econômico e tecnológico das nações da América Latina, através da participação de consultores para a orientação geral dos museus; 2. Que os museus devem intensificar seus esforços na recuperação do patrimônio cultural, para fazê-lo desempenhar um papel social e evitar que ele seja dispersado fora dos países latino-americanos; 3. Que os museus devem tornar suas coleções o mais acessível possível aos pesquisadores qualificados, e também, na medida do possível, às instituições públicas, religiosas e privadas; 4. Que as técnicas museográficas tradicionais devem ser modernizadas para estabelecer uma melhor comunicação entre o objeto e o visitante; que o museu deve conservar seu caráter de instituição permanente, sem que isto implique na utilização de técnicas e de materiais dispendiosos e complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdício incompatível com a situação dos países latino-americanos;

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5. Que os museus devem criar sistemas de avaliação que lhes permitam determinar a eficácia de sua ação em relação à comunidade; 6. Que, levando em consideração os resultados da pesquisa sobre as necessidades atuais dos museus e sua carência de pessoal, a ser realizada sob os auspícios da UNESCO, os centros de formação de pessoal existentes na América Latina devem ser aperfeiçoados e desenvolvidos pelos próprios países; que esta rede de centros de formação deve ser completada e sua influência se fazer sentir no plano regional; que a reciclagem de pessoal atual deve ser garantida em nível nacional e regional; e que lhe seja dada a possibilidade de aperfeiçoamento no estrangeiro. Em relação ao meio rural Que os museus devam, acima de tudo, servir à conscientização dos problemas do meio rural, das seguintes maneiras: a) Exposição de tecnologias aplicáveis ao aperfeiçoamento da vida da comunidade; b) Exposições culturais propondo soluções diversas ao problema do meio social e tecnológico, a fim de proporcionar ao público uma consciência mais aguda sobre estes problemas, e reforçar as relações nacionais, a saber: i. Exposições relacionadas com o meio rural nos museus urbanos; ii. Exposições itinerantes; iii. Criação de museus de sítios. Em relação ao meio urbano Que os museus devam servir à conscientização mais profunda dos problemas do meio urbano, das seguintes maneiras: a) Os "museus de cidade" deverão insistir de modo particular no desenvolvimento urbano e nos problemas que ele coloca, tanto em suas exposições quanto em seus trabalhos de pesquisa; b) Os museus deverão organizar exposições especiais ilustrando os problemas do desenvolvimento urbano contemporâneo; c) Com a ajuda dos grandes museus, deverão ser organizadas exposições, e criados museus em bairros e nas zonas rurais, para informar os habitantes das vantagens e inconvenientes da vida nas grandes cidades; d) Deverá ser aceita a oferta do Museu Nacional de Antropologia do México, de experimentar, através de uma exposição temporária sobre a América Latina, as técnicas museológicas do museu integral Em relação ao desenvolvimento científico e técnico Que os museus devem levar à conscientização da necessidade de um maior desenvolvimento científico e técnico, das seguintes maneiras:

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a) Os museus estimularão o desenvolvimento tecnológico, levando em consideração a situação atual da comunidade b) Na ordem do dia das reuniões dos ministros de educação e (ou) das organizações especialmente encarregadas do desenvolvimento científico e técnico, deverá ser inscrita a utilização dos museus como meio de difusão dos progressos realizados nestas áreas; c) Os museus deverão dar enfoque à difusão dos conhecimentos científicos e técnicos, por meio de exposições itinerantes que deverão contribuir para a descentralização de sua ação. Em relação à educação permanente Que o museu, agente incomparável da educação permanente da comunidade, deverá acima de tudo desempenhar o papel que lhe cabe, das seguintes maneiras: a) Um serviço educativo deverá ser organizado nos museus que ainda não o possuem, a fim de que eles possam cumprir sua função de ensino; cada um desses serviços será dotado de instalações adequadas e de meios que lhe permitam agir dentro e fora do museu; b) Deverão ser integrados à política nacional de ensino, os serviços que os museus deverão garantir regularmente; c) Deverão ser difundidos nas escolas e no meio rural, através dos meios audiovisuais, os conhecimentos mais importantes; d) Deverá ser utilizado na educação, graças a um sistema de descentralização, o material que o museu possuir em muitos exemplares; e) As escolas serão incentivadas a formar coleções e a montar exposições com objetos do patrimônio cultural local; f) Deverão ser estabelecidos programas de formação para professores dos diferentes níveis de ensino (primário, secundário, técnico e universitário). As presentes recomendações confirmam aquelas que puderam ser formuladas ao longo dos diferentes seminários e mesas-redondas sobre museus, organizadas pela UNESCO. 2. Pela criação de uma Associação Latino Americana de Museologia Considerando - Que os museus são instituições a serviço da sociedade, que adquire, comunica e, notadamente, expõe, para fins de estudo, educação e cultura, os testemunhos representativos da evolução da natureza e do homem; - Que, especialmente nos países latino-americanos, eles devem responder às necessidades das grandes massas populares, ansiosas por

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atingir uma vida mais próspera e mais feliz, através do conhecimento de seu patrimônio natural e cultural, o que obriga freqüentemente os museus a assumir funções que, em países mais desenvolvidos, cabem a outros organismos; - Que os museus e os museólogos latino-americanos, com raras exceções, sofrem dificuldades de comunicação em razão das grandes distâncias que os separam um do outro, e do resto do mundo; - Que a importância dos museus e as possibilidades que eles oferecerem à comunidade ainda não são plenamente reconhecidas por todas as autoridades, nem por todos os sectores do público; - Que durante a oitava e a nona conferência geral do ICOM, que ocorreram, respectivamente, em Munique em 1968, e em Grenoble em 1971, os museólogos latino americanos que estiveram presentes indicaram a necessidade de criação de um organismo regional; A Mesa-Redonda sobre o papel dos museus da América Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, do 20 ao 31 de maio, de 1972, Decide: 1. Criar a Associação Latino Americana de Museologia (ALAM), aberta a todos os museus, museólogos, museógrafos, pesquisadores e educadores empregados pelos museus com os objetivos e através das seguintes maneiras: Dotar a comunidade regional de melhores museus, concebidos à luz da experiência adquirida nos países latino americanos; Constituir um instrumento de comunicação entre os museus e os museólogos latino americanos; Desenvolver a cooperação entre os museus da região graças no intercâmbio e empréstimo de coleções e ao intercâmbio de informações e de pessoal especializado; Criar um organismo oficial que faça conhecer os desejos e a experiência dos museus c de seu Pessoal aos membros da profissão; à comunidade à qual eles pertencem, às autoridades c a outras instituições congêneres; Afiliar a Associação Latino Americana de Museologia ao Conselho Internacional de Museus, adotando uma estrutura na qual seus membros sejam ao mesmo tempo membros do ICOM; Dividir, para fins operacionais, a Associação Latino Americana de museologia em quatro secções correspondentes provisoriamente às regiões e países seguintes; América Central, Panamá, México, Cuba, São Domingos, Porto Rico, Haiti e Antilhas Francesas. Colômbia, Venezuela, Peru, Equador e Bolívia. Brasil. Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.

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2. Que os abaixo assinados, participantes da Mesa-redonda de Santiago do Chile, se constituem em Comitê de Organização da associação Latino Americana de museologia, e notadamente em um Grupo de Trabalho composto de cinco pessoas, quatro dentre elas representando cada uma das zonas acima enumeradas, e a quinta desempenhando o papel de coordenador geral; que este Grupo de Trabalho terá como objetivo, no prazo máximo de seis meses, elaborar o Estatuto e os regulamentos da associação; definir com o ICOM as formas de ação conjunta; organizar eleições para a constituição dos diversos órgãos da ALAM; estabelecer a sede desta associação, provisoriamente, no Museu Nacional de Antropologia do México; compor este grupo de trabalho com as seguintes pessoas, representando suas zonas respectivas: Zona 1: Luis Diego Gomes Pígnataro (Costa Rica), Zona 2: Alicia Durand de Reichel. (Colômbia), Zona 3: Lygia Martins Costa (Brasil), e Zona 4: Grete Mostny Glaser (Chile); coordenador: Mario Vasquez (México). Santiago, 31 de maio de 1972. III. RECOMENDAÇÕES APRESENTADAS À UNESCO PELA MESA-REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE À Mesa-Redonda sobre o papel do museu na América Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 21 de maio de 1972, apresenta à UNESCO as seguintes recomendações: 1. Um dos resultados mais importantes a que chegou a mesa-redonda foi a definição e proposição de um novo conceito de ação dos museus: o museu integral, destinado a proporcionar à comunidade uma visão de conjunto de seu meio material e cultural. Ela sugere que a UNESCO utilize os meios de difusão que se encontram à sua disposição para incentivar esta nova tendência. 2. UNESCO prosseguiria e intensificaria seus esforços para contribuir com formação de técnicos de museus - tanto no nível de ensino secundário quanto ao do universitário, como ela tem feito, até agora, no Centro Regional "Paul Coreanas" (1) 3. A UNESCO incentivará a criação de um Centro Regional para a preparação e a conservação de espécimes naturais, do qual o atual Centro Nacional de Museologia de Santiago poderá se constituir em núcleo original. Além de sua função de ensino (formação técnica) e de sua função profissional no campo da museologia (preparação de conservação de espécimes naturais), e de produção de material de ensino, este Centro Regional poderá desempenhar um papel importante na proteção das riquezas naturais. 4. A UNESCO deverá conceder bolsas de estudo e de aperfeiçoamento para técnicos de museus com instrução de nível secundário 5. A UNESCO deverá recomendar aos ministérios de Educação e de Cultura e

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(ou) aos organismos encarregados de desenvolvimento científico, técnico e cultural, que considerem os museus como um meio de difusão dos progressos realizados naquelas áreas. 6. Em razão da importância do problema da urbanização na América Latina e da necessidade de esclarecer a sociedade a este respeito, em diferentes níveis, a UNESCO deverá encorajar a redação de um livro sobre a história, o desenvolvimento e os problemas das cidades na América Latina, o qual seria publicado sob forma de obra científica e sob forma de obra de divulgação. Para atingir um público mais vasto, a UNESCO deverá produzir um filme sobre esta questão, adequado a todos os tipos de público.

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ANEXO 2

Declaração da cidade de Salvador (2007)

Preâmbulo

Durante os dias 26, 27 e 28 de junho de 2007 realizou-se o I Encontro Ibero- Americano de Museus, na Cidade do Salvador, Bahia, Brasil, com a participação de representantes do campo da museologia e dos museus dos países Iberoamericanos. Os participantes do I Encontro Ibero-Americano de Museus, 1. Reconhecendo a relevância dos valores e princípios enunciados na Convenção Sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (UNESCO, 2005) para a orientação de políticas públicas no campo do patrimônio cultural, da memória social e dos museus, e também na Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial (UNESCO, 2003); 2. Adotando as referências dispostas na Carta Cultural Iberoamericana (2006), que reconhece a Ibero-américa como um complexo sistema composto por um patrimônio cultural tangível e intangível comum, diverso e excepcional, cuja promoção e proteção são indispensáveis; 3. Reconhecendo a contribuição e a vigência da Declaração da Mesa Redonda de Santiago do Chile, de 1972, para os museus da Ibero-américa, como pauta para o desenvolvimento de uma nova perspectiva museológica que evidencia o papel social dos museus; 4. Reconhecendo a contribuição dos documentos resultantes das diversas reuniões de trabalho realizadas durante as últimas décadas no âmbito da museologia na Ibero-américa; 5. Convencidos de que os processos e sistemas democráticos contribuem para o desenvolvimento social, político e cultural, a ampliação da acessibilidade, a salvaguarda dos direitos de representação nas instituições culturais, o aperfeiçoamento da gestão cultural e a garantia da liberdade de criação e expressão dos indivíduos e grupos sociais; 6. Reconhecendo a importância da participação neste fórum de todos os países Ibero-americanos e de suas experiências em matéria de políticas museais; 7. Reconhecendo a importância estratégica do intercâmbio cultural entre os países ibero-americanos, especialmente no campo dos museus e da museologia; 8. Compreendendo os museus como instituições dinâmicas, vivas e de encontro intercultural, como lugares que trabalham com o poder da memória,

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como instâncias relevantes para o desenvolvimento das funções educativa e formativa, como ferramentas adequadas para estimular o respeito à diversidade cultural e natural e valorizar os laços de coesão social das comunidades ibero-americanas e sua relação com o meio ambiente; 9. Compreendendo os museus como práticas sociais relevantes para o desenvolvimento compartilhado, como lugares de representação da diversidade cultural dos povos ibero-americanos, que partilham no presente memórias do passado e que querem construir juntos uma outra via de acesso ao futuro, com mais justiça, harmonia, solidariedade, liberdade, paz, dignidade e direitos humanos; 10. Celebrando 2008 como o Ano Ibero-americano de Museus, sabendo que o tema escolhido para reflexão e ação foi “Museus como agentes de mudança e desenvolvimento”, e que essa escolha simboliza o reconhecimento do papel dos museus como instâncias políticas, sociais e culturais, de mediação, transformação e desenvolvimento social, tendo por base o campo do patrimônio cultural e natural; 11. Sublinhando a necessidade de definição de diretrizes para a implementação de políticas públicas de cultura e a criação de mecanismos multilaterais de cooperação e desenvolvimento de ações conjuntas no campo dos museus e da museologia dos países ibero-americanos; 12. Cientes de que são desejáveis a articulação entre as instituições – públicas e privadas – e os profissionais do setor museológico ibero-americano, bem como a proteção e gestão patrimonial e o intercâmbio de práticas, experiências e conhecimentos produzidos; 13. Tendo em conta o importante papel dos museus na salva guarda do direito à apropriação criativa da memória e do patrimônio como parte dos direitos socioculturais de todos os cidadãos ibero-americanos; Propõem aos respectivos governos a adoção das seguintes diretrizes e estratégias para a implementação de políticas públicas para o campo dos museus e da museologia nos países da Ibero-américa: Diretrizes 1. Compreender a cultura como bem de valor simbólico, direito de todos e fator decisivo para o desenvolvimento integral e sustentável, sabendo que o respeito e a valorização da diversidade cultural são indispensáveis para a dignidade social e o desenvolvimento integral do ser humano; 2. Fomentar a proteção e a divulgação do patrimônio cultural ibero-americano, por meio da cooperação entre os países, assim como promover o diálogo intercultural entre os povos; 3. Compreender os museus como ferramentas estratégicas para propor

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políticas de desenvolvimento sustentável e eqüitativo entre os países e como representações da diversidade e pluralidade em cada país ibero-americano; 4. Promover o uso criativo e a apropriação crítica do patrimônio museológico iberoamericano; 5. Valorizar o patrimônio cultural, a memória e os museus, compreendendo-os como práticas sociais estratégicas para o desenvolvimento dos países ibero-americanos e como processos de representação das diversidades étnica, social, cultural, lingüística, ideológica, de gênero, de credo, de orientação sexual e outras; 6. Assegurar que os museus sejam territórios de salvaguarda e difusão de valores democráticos e de cidadania, colocados a serviço da sociedade, com o objetivo de propiciar o fortalecimento e a manifestação das identidades, a percepção crítica e reflexiva da realidade, a produção de conhecimentos, a promoção da dignidade humana e oportunidades de lazer; 7. Garantir o direito à memória dos grupos e movimentos sociais e apoiar ações de apropriação social do patrimônio e de valorização dos diversos tipos de museus, tais como os museus comunitários, ecomuseus, museus de território, museus locais, museus de resistência e de direitos humanos, e outros; 8. Valorizar a vocação dos museus para a comunicação, investigação, documentação e preservação da herança cultural, bem como para o estímulo à criação contemporânea em condições de liberdade e igualdade social; 9. Incentivar a criação de políticas públicas de financiamento e fomento com vistas ao desenvolvimento e à manutenção dos museus; 10. Compreender o processo museológico como exercício de leitura do mundo que possibilita aos sujeitos sociais a capacidade de interpretar e transformar a realidade para a construção de uma cidadania democrática e cultural propiciando a participação ativa da comunidade no desenho das políticas museais. 11. Reafirmar e amplificar a capacidade educacional dos museus e do patrimônio cultural como estratégias de transformação da realidade social; 12. Compreender a importância dos museus na valorização das paisagens naturais e culturais como elementos indutores de uma nova consciência de preservação e conservação ambiental; 13. Reconhecer o valor e a diversidade do patrimônio cultural dos povos indígenas, afro-descendentes e populações migrantes e imigrantes, de acordo com as suas especificidades, com o propósito de garantir sua plena participação em todos os níveis da vida cidadã.

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Proposta de linhas de ação 1. Criação do Programa Ibermuseus, como instância de fomento e de articulação de uma política museológica iberoamericana; 2. Criação da Rede Ibero-americana de Museus, com a finalidade de promover o desenvolvimento e a articulação de instituições – públicas e privadas – e profissionais do setor museológico ibero-americano, bem como a otimização da proteção e gestão patrimonial e o intercâmbio de práticas, experiências e conhecimentos produzidos; 3. Promover um amplo programa de formação profissional e capacitação técnica para museus, que ofereça cursos nas diversas áreas da museologia e viabilize a realização de estágios e intercâmbios entre as instituições museológicas dos diferentes países; 4. Instituição do Cadastro de Museus Ibero-americanos, com a finalidade de conhecer a diversidade museal, o repertório de profissionais, o conjunto de acervos e a produção de conhecimentos sobre a realidade museológica da Ibero-américa; 5. Criação do Observatório dos Museus Ibero-americanos, com o intuito de conhecer os públicos dos museus, explorar a relação das instituições com a sociedade e desenvolver pesquisas de interesse para o campo dos museus e da museologia; 6. Instituição do Portal Ibermuseus para apresentação e divulgação, em rede virtual, de informações sobre os museus iberoamericanos e outros assuntos de interesse para a área; 7. Implementação de programa de circulação de exposições e bens, com o objetivo de ampliar o acesso aos bens culturais dos países ibero-americanos; 8. Estimular que os museus ibero-americanos desenvolvam sistemas de classificação que facilitem o diálogo e a circulação de informação; 9. Estímulo à difusão do conhecimento e à implementação de políticas editoriais específicas para museus e patrimônio no âmbito da Ibero-américa, de caráter acessível, de difusão massiva e formativa; 10. Apoio a ações e políticas de controle e prevenção contra o tráfico ilícito de bens culturais, considerando os tratados internacionais e legislações específicas de cada país; 11. Construção de agenda comum para as comemorações do Ano Ibero-americano de Museus, em 2008, com o compromisso de ampla divulgação em cada país; 12. Realização de eventos e seminários regulares e conjuntos, que tenham por

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finalidade discutir assuntos de interesse para o setor museológico; 13. Participação integrada dos museus Ibero-americanos nas comemorações de efemérides históricas, como o bicentenário das independências dos países iberoamericanos e o bicentenário da chegada da família real portuguesa ao Brasil. Recomendações 1. Que os governos nacionais dos países da Ibero-américa destinem à área dos museus recursos suficientes para seu adequado funcionamento, desenvolvimento e cumprimento de suas missões. 2. Que os governos nacionais de todos os países da Ibero-américa implementem políticas públicas de museus, que contemplem, entre outros aspectos, a comunicação, a educação, a preservação e a investigação científica do patrimônio cultural e natural. 3. Que os governos nacionais dos países da Ibero-américa estabeleçam políticas de promoção para o turismo cultural e sua relação com os museus, a partir de uma perspectiva de respeito e conservação ao patrimônio cultural e natural. Salvador, 28 de junho de 2007

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ANEXO 3 Entrevista com a Professora Doutora Maria Célia Teixeira Moura Santos, respondida em 05/07/2010. - Qual a importância de termos de forma clara os referenciais teórico/práticos de uma ação educativa em museu? É o apoio na teoria que nos fazer avançar e ter a clareza necessária para o desenvolvimento dos nossos projetos. Compreendo que o museu, para atingir sua função pedagógica, deverá ter uma capacidade de produção própria, com questionamento crítico e criativo, sem, contudo, deixar de interagir com outras áreas do conhecimento. A pesquisa, como princípio científico e educativo, é o caminho para que o museu possa contribuir, efetivamente, para o desenvolvimento sociocultural. A ação-reflexão são fundamentais na aplicação dos processos museológicos, que devem ser pensadas e colocadas em prática como ações educativas e de comunicação. Dessa forma estaremos trabalhando em prol de uma ação educativa que contribui para a formação, para o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo e não somente para a informação. - Devemos desenvolver Planos Político-Pedagógicos para os setores educativos de museu? Sim. Considero que tanto o Plano Museológico como o Projeto Político- Pedagógico são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento das ações museológicas. O Projeto Político-Pedagógico tem o objetivo de traçar um plano norteador das ações culturais e educativas a serem desenvolvidas nos museus, de forma conjunta e integrada com a rede de ensino, sem perder de vista a relação necessária entre a educação formal, não formal e informal. Em relação à concepção, acredito que o projeto político-pedagógico deve fundamentar-se na construção dos pilares de uma ação participativa e abrangente, a ser desenvolvida pelo corpo técnico dos museus, pela coordenação pedagógica das escolas, pelos professores e alunos, bem como pelos demais sujeitos sociais envolvidos no processo de ação-reflexão. Considero que devemos buscar a produção de conhecimento, compartilhando informações e experiências, integrando as áreas da Museologia e da Pedagogia, bem como a Interação entre outras áreas. Por meio da atuação conjunta de profissionais de diferentes áreas e contextos, de técnicos que atuam em diferentes tipologias de museus, alunos e membros de diferentes comunidades, buscamos o desenvolvimento de habilidades comunicativas, por meio de uma prática educativa integrada, participativa e permanente, incentivando, por meio da ação dialógica, a criação de comunidades de aprendizagem. Desse modo, as parcerias serão essenciais para a alimentação e retroalimentação dessa rede de aprendizagem, bem como para a participação de todos os setores dos museus, pois consideramos que a ação educativa e cultural dos museus é responsabilidade de todos e deve ser colocada em

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prática por meio de uma gestão participativa. - Qual a contribuição das idéias de Paulo Freire para as ações educativas em museu? Nos anos 70, começamos a reconhecer que o homem é, ao mesmo tempo, o produto e o criador de sua sociedade e de sua cultura. Começamos a desenvolver ações, talvez de forma não intencional, que traçam um esboço do que consideramos o marco mais significativo da evolução do processo museológico na contemporaneidade: a passagem do sujeito passivo e contemplativo para o sujeito que age e que transforma a realidade. Nessa perspectiva, o preservar é substituído pelo apropriar-se e reapropriar-se do patrimônio cultural, buscando-se a construção de uma nova prática social. Vejamos o que diz Paulo Freire, a respeito do processo de aprendizagem: “... no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendizado, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isso mesmo, re-inventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas. Pelo contrário, aquele que é enchido por outros de conteúdos cuja inteligência não percebe, de conteúdos que contradizem a própria forma de estar em seu mundo, sem que seja desafiado, não aprende”. A busca de um fazer museológico, mais ajustado às diversas realidades históricas, que tem como objetivo “humanizar o homem na ação consciente que esse deve fazer para transformar o mundo”, que tem sido uma constante, nas ações museológicas contemporâneas, com certeza, no nosso entender, tem um referencial bastante significativo na obra do Prof. Paulo Freire. - Quais os pontos fundamentais para uma ação educativa em museu ser considerada "freiriana"? Citarei alguns aspectos, de forma rápida e superficial. Considero a obra de Paulo Freire um suporte fundamental, tanto para a Pedagogia, como para a Museologia, o que merece um estudo mais aprofundado de nossa parte.

Compreender a ação educativa como um processo que deve ter como referencial o patrimônio cultural, considerando que este é um suporte fundamental para que a ação educativa seja aplicada, levando em consideração a herança cultural dos indivíduos, em um determinado tempo e espaço, considerando que as diversas áreas do conhecimento não funcionam como compartimentos estanques, mas são parte de uma grande diversidade, que é resultado de uma teia de relações, em que cultura, ciência e tecnologia em cada momento histórico, são construídas e reconstruídas pela ação do homem, produtor de cultura e conhecimento. Nesse sentido, compreendemos que a escola é uma instituição que faz parte do patrimônio cultural e, ao mesmo tempo, é alimentada por diversos patrimônios culturais, representados pelo conhecimento produzido e acumulado ao longo dos anos, resultado da

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herança cultural construída pelos sujeitos sociais ao longo da vida, ou seja, a tradição, que deve ser compreendida, também, como um processo de construção e reconstrução;

considerar que o processo de interpretação do patrimônio cultural deve ser desenvolvido com uma função educativa e não instrucionista. Nesse sentido, memorizar características das coleções e alguns fatos relacionados à vida, no passado, para serem transmitidos aos alunos, ou fazê-los representar cenas e vivências do passado sem o afastamento e a reflexão necessários para compreensão do tempo do aluno e do tempo passado, com pensamento crítico, torna-se, até certo ponto atividade pouco produtiva. Freire (2000) nos lembra que “a questão fundamental não está em que o passado passe ou não passe, mas na maneira crítica, desperta, com que entendemos a presença do passado em procedimentos do presente. Destaca o mestre que, “nesse sentido, o estudo do passado traz à memória do nosso corpo consciente a razão de ser de muitos dos procedimentos do presente e nos pode ajudar, a partir da compreensão do passado, a superar marcas suas”;

compreender o objeto, a manifestação cultural, como um ponto de partida para questionamentos, para comparações, para estabelecer conexões entre o velho e o novo, entre arte e ciência, entre uma cultura e outra, para uma análise crítica e para o estímulo da criatividade, fazendo a ponte entre os objetos e a cultura do aluno, potencializando o patrimônio cultural como vetor de produção de conhecimento. Para tanto, é necessário repensar os procedimentos adotados nos programas desenvolvidos com as escolas, superando as questões burocráticas, as limitações de tempo, a ânsia de mostrar, com uma postura instrucionista, toda a coleção do museu. Mais do que tornar-se conhecido e divulgado, o museu necessita ser vivido, compreendido como um local onde a tradição pode ser conhecida, percebida, questionada e reinventada, estimulando e apoiando, inclusive, a criação de novos museus;

promover a participação dos cidadãos na elaboração e na execução dos projetos, contribuindo para a construção do conhecimento, a partir das suas histórias de vida, capacitando-os a formular e executar projeto próprio de vida no contexto histórico, integrando o museu à sociedade, buscando, conjuntamente, a construção de uma nova prática social;

promover a apropriação e a reapropriação do patrimônio cultural, por

meio das ações museológicas de pesquisa, preservação e comunicação, tornando possível ao cidadão considerá-lo como um referencial para o exercício da cidadania;

potencializar os recursos educativos da comunidade, realizando o

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intercâmbio necessário entre o ensino formal e o não-formal, um alimentando o outro;

criar oportunidade de ampliar conhecimentos, rever conceitos e

modificar procedimentos de trabalho; que com o patrimônio Cultural, e a partir da reflexão e da ação sobre o

Patrimônio Cultural, possamos ser sujeitos da História, promover a atuação de outros sujeitos da História, possibilitando a construção e reconstrução de múltiplos patrimônios culturais, visando ao desenvolvimento e à inclusão social;

que o fazer museológico e a ação educativa dos museus produza

conhecimento e esteja impregnado de vida - paixão, desejos, sonhos, troca, objetividade e subjetividade, em permanente abertura para avaliar os processos museais e para a auto-avaliação;

que haja comprometimento e compromisso social dos profissionais

envolvidos com as ações museológicas e educativas dos museus. Nesse sentido, deixo uma citação de Paulo Freire:

Não gostaria de ser homem ou de ser mulher se a impossibilidade de mudar o mundo fosse algo tão óbvio quanto é óbvio que os sábados precedem os domingos. Não gostaria de ser mulher ou homem se a impossibilidade de mudar o mundo fosse verdade objetiva que puramente se constatasse e em torno de que nada se pudesse discutir.

- Que tipo de atividade educativa em museu poderia ser considerada "freiriana"? Algum exemplo de atividade já realizada?

As que tenham como referencial a obra de Paulo Freire, com abertura para enriquecê-la, no processo.

Em minha vida profissional a obra de Paulo Freire sempre foi e continua sendo um referencial importante. As atividades desenvolvidas estão registradas e analisadas em várias publicações, com o objetivo de socializar o conhecimento e estimular a realização de novas ações-reflexões.

Salvador, 5 de julho de 2010.

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ANEXO 4 Entrevista com o Professor Doutor Moacir Gadotti, respondida em 13/10/2010. Maíra - Quais seriam as 4 “palavras-chave” para definir as principais ideias de Paulo Freire? Gadotti – Em primeiro lugar quero felicitá-la pelo esforço que está fazendo no sentido de qualificar, na área da Educação em Museus, o sentido da palavra “freiriano” e pela sua opção de escolher, como trabalho de conclusão de curso, “as ideias de Paulo Freire na prática da Educação em Museu”. Essa preocupação procede já que Paulo Freire hoje não se reconheceria em todas as práticas educativas que se autodenominam “freirianas”. Em si, isso não é ruim, pois significa que essas práticas continuam vivas e que não existe uma “ortodoxia” freiriana. Paulo Freire inspirou muitas práticas educativas, sobretudo no campo da educação popular. Você me pede para resumir Paulo Freire em quatro palavras-chave. A primeira que eu escolheria seria a palavra “liberdade. Paulo Freire tinha enorme gosto pela liberdade. Seu primeiro livro, publicado em 1967, tem por título Educação como prática da liberdade. A segunda palavra-chave, no meu entender, segue na mesma linha: a palavra “esperança”. Paulo Freire condenava concepções fatalistas ou deterministas da educação e da via. Ele dizia que era esperançoso não por teimosia, mas por “imperativo histórico e existencial”. A terceira palavra-chave para mim seria a palavra “luta”. Não há esperança sem trabalho, sem lutar por ela. Daí que podemos definir a pedagogia freiriana como pedagogia da luta e da esperança. As duas se completam. E como última palavra-chave eu escolheria a palavra “utopia”. Paulo Freire condenava a pedagogia neoliberal porque negada o sonho e a utopia. Utopia, para ele, nada tem a ver com devaneio ou coisa impossível de se realizar pois ele sustentava que fazendo o possível de hoje podemos fazer, amanhã, o impossível de hoje. Maíra – Quais os princípios para desenvolver alguma atividade educativa e poder chamá-la de “freiriana”? Gadotti - Os princípios político-pedagógicos da teoria educacional de Paulo Freire podem ser sintetizados na sua concepção libertadora de educação, evidenciando o papel da educação na construção de um novo projeto histórico, a teoria do conhecimento que parte da prática concreta na construção do saber, o educando como sujeito do conhecimento e a compreensão da educação não apenas como um processo lógico, intelectual, mas também profundamente afetivo e social. Quando ele foi Secretário Municipal de Educação em São Paulo (1989-1991), ele estabeleceu como princípios da formação permanente do educador: a) o educador é o sujeito da sua prática, cumprindo a ele criá-la e recriá-la através da reflexão sobre o seu cotidiano; b) a formação do educador deve ser permanente e sistematizada, porque a prática se faz e refaz; c) a prática pedagógica requer a compreensão da própria gênese do conhecimento, ou seja, de como se dá o processo de conhecer; d) o programa de formação dos educadores é condição para o processo de reorientação curricular da escola.

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Maíra – E no caso específico de ações educativas desenvolvidas em museus, quais seriam os pontos fundamentais para considerá-las como “freirianas”? Gadotti - Paulo Freire deixou um grande legado que hoje atravessa, cruza e rompe fronteiras. Nesse início de milênio seu pensamento ressurge e se renova em inúmeras experiências de educação popular, de educação continuada e informal, em escolas públicas e privadas, em políticas públicas, em diversas áreas do conhecimento, em diferentes profissões, confrontando-se com diferentes práticas e teorias. As ações desenvolvidas em museus não são uma exceção. É um pensamento vivo e em evolução. Por isso não se trata de fazer uma leitura exegética do que ele escreveu. Trata-se de dar continuidade e de reinventar, na prática, as grandes intuições e motivações político-pedagógicas que orientaram seu pensar militante. Maíra – Mais alguma consideração sobre o tema? Gadotti - Por fim, gostaria de dizer que muitas são as práticas que tem por referência Paulo Freire no mundo e que muito se tem escrito sobre ele. Esses escritos e essas práticas o mantem mais vivo entre nós. Se, por um lado, as publicações sobre ele contribuem para dar continuidade a seu legado – como era seu desejo manifesto várias vezes aos amigos e colaboradores mais próximos – por outro, é preciso ter muito cuidado com elas. Há que se condenar o uso oportunista de seu pensamento ou de sua obra, que dilui, eclipsa e até mesmo contraria a causa pela qual lutou, negando a importância da práxis que ele tanto defendeu. Divulgar, disseminar, socializar seu pensamento sim; mas, não mercantilizar o seu discurso, ou reduzi-lo a uma pregação personalista, esquecendo-se de seu compromisso coletivo e de sua luta em favor dos oprimidos. Maíra, obrigado pelo seu convite e desculpe-me pelo atraso em responder. Com carinho. Gadotti.

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ANEXO 5 Entrevista com o museólogo Ms. Adolfo Samyn Nobre, respondida em 13/01/2012. - O seminário “O Museu que nós queremos” teve alguma inspiração específica?

A ideia e iniciativa para a criação do Seminário foi da ex-diretora Evelina Grunberg, em 2005. Creio que sua inspiração vem de sua experiência com a educação patrimonial, mas ela poderia responder melhor a esta pergunta.

- Em algum momento houve a procura de algum referencial teórico/prático para as ações do Museu da Abolição? Há alguma ação de outro museu que foi usada como modelo?

Os referenciais teóricos são os da Nova Museologia, Sociomuseologia e educação patrimonial. Da minha parte, as ações tiveram inspiração na experiência da Maré, que estudei durante o mestrado, e em trabalhos desenvolvidos com comunidades no Rio de Janeiro e Recife.

- Há identificação com as ideias de Paulo Freire no processo da reabertura participativa do MAB?

Sem dúvida, os ideais de Paulo Freire que permeiam a Nova Museologia estão no cerne das atividades desenvolvidas no MAB.

- Para realizar a análise da reabertura do Museu da Abolição enquanto ação de educação freiriana estou utilizando algumas características levantadas por Shor no livro Empowering Education. Gostaria que você comentasse se, baseado na sua vivência, cada critério se aplica à experiência do MAB:

Apesar de me inspirar nos ideais de Paulo Freire, via Museologia, não sou grande conhecedor de seus livros e categorias... Mas vou escrever aqui o que entendo destas categorias no contexto do que foi realizado no Museu da Abolição.

*Participativo:

As rodas de diálogo, encontros reuniões e oficinas sempre se deram de forma aberta, sem necessidade de inscrições prévias e sem nenhum tipo de restrição à participação da sociedade, sendo divulgadas com antecedência da forma mais ampla possível.

Durante as rodas de diálogo tivemos sempre a preocupação de convidar um facilitador para estimular o debate e para deixar os participantes mais a vontade para expressarem suas ideias sobre o museu seus conteúdos atividades e perspectivas.

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*Contextualizado:

O universo dos temas abordados sempre estiveram abertos ao acréscimo pelos participantes dos debates que por suas características (principalmente pessoas ligadas à movimentos sociais e religiões de matriz africana) giraram em torno do racismo, preconceito, auto estima da população negra, direitos, liberdade religiosa etc. Estes temas fazem parte do contexto dos próprios participantes de modo geral.

*Crítico:

O exercício crítico sobre o papel do museu, e em particular à proposta do Museu da Abolição foi um aspecto recorrente nas rodas de diálogo.

*Dialógico:

Todos os temas abordados pelo MAB foram debatidos abertamente e de maneira não hierarquizada durante as rodas de diálogo e outras reuniões

* Multicultural

Procuramos sempre convidar os mais diversos seguimentos sociais, desde professores a alunos, religiosos, lideranças sociais deixando sempre o convite aberto à sociedade.

*Investigativo

As ações e resultados dos encontros e debates foram material estudado para alimentar os novos encontros, os questionamentos apresentados pelos participantes foram o principal material de trabalho do processo participativo.

*Ativista/Engajado

A mobilização dos segmentos participantes do processo participativo pela reformulação dos conceitos do MAB, foi um aspecto muito procurado pela equipe do museu, nem sempre resultou em um grande envolvimento, mas em alguns casos a participação da sociedade foi determinante para algumas conquistas do mab, como por exemplo, a obteção da totalidade da sede do museu.

- Passados 7 anos do seminário “O Museu que nós queremos”, 4 anos da exposição campanha “O que a Abolição não aboliu” e 2 anos da “Exposição em Processo”, como você avalia a criação de vínculos entre a comunidade (do entorno, dos movimentos interessados no tema afro-brasileiro, entre outros) e o MAB? Como tem sido a participação no dia a dia do Museu?

É notável que o museu venceu preconceitos em relação ao seu papel social e

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conseguiu ganhar a confiança de muitas pessoas e seguimentos. No entanto a participação no dia a dia é pontual. O que mais se nota neste aspecto é a solicitação dos espaços para a realização de encontros, reuniões e eventos, o que consideramos um ponto positivo.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

EPÍGRAFE 5

RESUMO 6

METODOLOGIA 7

SUMÁRIO 8

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO I

PAULO FREIRE E ALGUMAS DAS SUAS IDÉIAS 11

1.1 – Não há docência sem discência 12

1.2 – Ensinar não é transferir conhecimento 14

1.3 – Educar é uma especificidade humana 15

CAPÍTULO II

A DIMENSÃO EDUCATIVA DOS MUSEUS 18

2.1 – Quem vive de presente é museu 18

2.2 – E a educação nisso tudo? 20

2.3 – Panorama museal brasileiro atual 27

2.4 – Estudando um caso: Museu da Abolição 29

CAPÍTULO III

IDÉIAS PARA ORIENTAR A PRÁTICA 36

3.1 – Pesquisa de campo 37

3.2 – Participativo 38

3.3 – Contextualizado 39

3.4 – Crítico 41

3.5 – Dialógico 43

3.6 – Multicultural 46

3.7 – Liberdade, Esperança, Luta e Utopia 48

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CONCLUSÃO 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 55

ANEXOS 60

ÍNDICE 82