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A escolha de quem pensa! 24 Análise das Obras Literárias - UEPG DOIS IRMÃOS MILTON HATOUM Dados Biográficos Nasceu em Manaus, AM, em 19/081952. Professor, tradutor, contista e romancista colecionador de prêmios literários. Até o momento todos os seus livros são premiados: Relato de um certo Oriente (1990); Dois irmãos (2000); e Cinzas do norte (2005) receberam o Prêmio Jabu da Câmara Brasileira do Livro, como melhores romances do ano, sendo que o úlmo recebeu também o Prêmio Portugal Telecom Literatura. São livros que já venderam mais de 200 mil exemplares e foram traduzidos em oito paises. Sobre o livro mais recente: Órfãos do Eldorado (2008) ainda não temos nocia de premiação, mas já foi eleito pelo publico, vendendo mais de 10 mil exemplares logo após o lançamento. Em suas obras, o autor costuma falar de lares desestruturados com uma leve tendência políca. Em Cinzas do norte, por exemplo, seu romance mais abertamente político, inicia-se no mesmo registro desencantado que termina Dois irmãos. É um romance com uma linguagem seca e objeva, que conta uma das possíveis estórias de uma geração que sonhou um mundo mais justo apenas para encontrá-lo em cinzas na sua maturidade. Quanto ao eslo, é conhecido por misturar experiência e lembranças pessoais com o contexto sócio-cultural da Amazônia e do Oriente. Sobre o primeiro livro, assim ele explica: “No Relato de um certo Oriente há um tom de confissão, é um texto de memória sem ser memorialísco, sem ser auto-biográfico; há, como é natural, elementos de minha vida e da vida familiar. Porque minha intenção, do ponto de vista da escritura, é ligar a história pessoal à história familiar: este é o meu projeto. Num certo momento de nossa vida, nossa história é também a história de nossa família e a de nosso país (com todas as limitações e delimitações que essa história suscite). Descendente de imigrantes libaneses, o autor já morou em diversas cidades, além de Manaus, sua fonte de inspiração. Aos 15 anos muda-se para Brasília, onde concluiu os estudos secundários, e depois para São Paulo, onde se fez Arquiteto pela USP. Em 1980 mudou-se para a Espanha como bolsista do Instuto Iberoamericano de Cooperación. Em seguida passa a viver em Paris onde fez sua pós-graduação Na Universidade de Paris III. Retorna à Manaus, onde passa a lecionar literatura francesa e brasileira. Em fins da década de 1990 volta à São Paulo para concluir seu doutormento em Teoria Literária na USP, onde se encontra establecido. Disponível em <hp://www.rodeletra.com.br/ biografia/MiltonHatoum.htm>. Obras » Relato de um Certo Oriente (romance). São Paulo: Cia. das Letras, 1990. » Dois Irmãos (romance). São Paulo: Cia. das Letras, 2000. » Cinzas do Norte, 2005 » Orfãos do Eldorado. São Paulo: Cia. das Letras, 2008 O romance tem, como centro do enredo, a história de dois irmãos gêmeos - Yaqub e Omar, o Caçula - e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. Na mesma casa, localizada em bairro portuário de Manaus, moram Domingas, a empregada da família, e seu filho Nael, um menino cuja infância é moldada pela condição de filho da empregada. Na tentava de buscar a idendade de seu pai entre os homens da casa, Nael narra os acontecimentos que lá se passam, testemunhando vingança, paixão e relações arriscadas. É por meio de seu ponto de vista que o leitor entra em contato com Halim, o pai, sempre à espera da decisão mais acertada diante dos abismos familiares; com a desmedida dedicação da esposa Zana ao filho preferido Omar; com o trauma de Yaqub, o filho que, adolescente, foi separado da família; com a relação amorosa entre Rânia e seus irmãos; com a vida simples e cheia de renúncias da mãe Domingas. A história se inicia com a volta de Yaqub, que, por ordem do pai, fora enviado, com treze anos, ao sul do Líbano um ano antes da 2ª Guerra, no intuito de aliviar os atritos entre os irmãos. Considerado frágil e demasiadamente problemáco, Omar fica no Brasil, solidificando- se, assim, a superproteção iniciada na infância.

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A escolha de quem pensa!24

Análise das Obras Literárias - UEPG

DOIS IRMÃOSMILTON HATOUM

Dados Biográficos Nasceu em Manaus, AM, em 19/081952.

Professor, tradutor, contista e romancista colecionador de prêmios literários. Até o momento todos os seus livros são premiados: Relato de um certo Oriente (1990); Dois irmãos (2000); e Cinzas do norte (2005) receberam o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, como melhores romances do ano, sendo que o último recebeu também o Prêmio Portugal Telecom Literatura. São livros que já venderam mais de 200 mil exemplares e foram traduzidos em oito paises. Sobre o livro mais recente: Órfãos do Eldorado (2008) ainda não temos noticia de premiação, mas já foi eleito pelo publico, vendendo mais de 10 mil exemplares logo após o lançamento. Em suas obras, o autor costuma falar de lares desestruturados com uma leve tendência política. Em Cinzas do norte, por exemplo, seu romance mais abertamente político, inicia-se no mesmo registro desencantado que termina Dois irmãos. É um romance com uma linguagem seca e objetiva, que conta uma das possíveis estórias de uma geração que sonhou um mundo mais justo apenas para encontrá-lo em cinzas na sua maturidade. Quanto ao estilo, é conhecido por misturar experiência e lembranças pessoais com o contexto sócio-cultural da Amazônia e do Oriente. Sobre o primeiro livro, assim ele explica: “No Relato de um certo Oriente há um tom de confissão, é um texto de memória sem ser memorialístico, sem ser auto-biográfico; há, como é natural, elementos de minha vida e da vida familiar. Porque minha intenção, do ponto de vista da escritura, é ligar a história pessoal à história familiar: este é o meu projeto. Num certo momento de nossa vida, nossa história é também a história de nossa família e a de nosso país (com todas as limitações e delimitações que essa história suscite). Descendente de imigrantes libaneses, o autor já morou em diversas cidades, além de Manaus, sua fonte de inspiração. Aos 15 anos muda-se para Brasília, onde concluiu os estudos secundários, e depois para São Paulo, onde se fez Arquiteto pela USP. Em 1980 mudou-se para a Espanha como bolsista do Instituto Iberoamericano de

Cooperación. Em seguida passa a viver em Paris onde fez sua pós-graduação Na Universidade de Paris III. Retorna à Manaus, onde passa a lecionar literatura francesa e brasileira. Em fins da década de 1990 volta à São Paulo para concluir seu doutormento em Teoria Literária na USP, onde se encontra establecido.

Disponível em <http://www.tirodeletra.com.br/biografia/MiltonHatoum.htm>.

Obras

» Relato de um Certo Oriente (romance). São Paulo: Cia. das Letras, 1990.

» Dois Irmãos (romance). São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

» Cinzas do Norte, 2005 » Orfãos do Eldorado. São Paulo: Cia. das

Letras, 2008

O romance tem, como centro do enredo, a história de dois irmãos gêmeos - Yaqub e Omar, o Caçula - e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. Na mesma casa, localizada em bairro portuário de Manaus, moram Domingas, a empregada da família, e seu filho Nael, um menino cuja infância é moldada pela condição de filho da empregada. Na tentativa de buscar a identidade de seu pai entre os homens da casa, Nael narra os acontecimentos que lá se passam, testemunhando vingança, paixão e relações arriscadas. É por meio de seu ponto de vista que o leitor entra em contato com Halim, o pai, sempre à espera da decisão mais acertada diante dos abismos familiares; com a desmedida dedicação da esposa Zana ao filho preferido Omar; com o trauma de Yaqub, o filho que, adolescente, foi separado da família; com a relação amorosa entre Rânia e seus irmãos; com a vida simples e cheia de renúncias da mãe Domingas.

A história se inicia com a volta de Yaqub, que, por ordem do pai, fora enviado, com treze anos, ao sul do Líbano um ano antes da 2ª Guerra, no intuito de aliviar os atritos entre os irmãos. Considerado frágil e demasiadamente problemático, Omar fica no Brasil, solidificando-se, assim, a superproteção iniciada na infância.

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Cinco anos mais tarde, a volta de Yaqub marca a existência de uma nova pessoa: um jovem calado e cheio de mistérios que escondiam os segredos de sua permanência fora do país. Sozinho, segue para São Paulo, onde, recusando a ajuda financeira dos pais, forma-se em Engenharia Civil e se casa de forma misteriosa, comunicando a família por meio de um telegrama. Enquanto Yaqub trilhava os caminhos do sucesso, Omar se perdia em bebedeiras, noitadas e sucessivos escândalos. Ao ser enviado a São Paulo para tentar obter o êxito do irmão, descobre que ele se casou justamente com a jovem Lívia - paixão de ambos desde a infância e causadora de uma séria briga entre os dois. Faz desenhos obscenos nas fotos do álbum de casamento do irmão, apertando ainda mais os laços de inimizade entre os dois. Em seguida, rouba dinheiro do irmão e foge para os Estados Unidos.

Morre Halim e, pouco tempo depois, Omar faz amizade com o indiano Rochiram, que pretendia construir um hotel em Manaus. Zana, na tentativa de unir os filhos e desejosa de que abrissem uma construtora, escreve a Yaqub, que vai à cidade a negócios, ignorando a participação do irmão. Ao sentir-se traído, Omar espanca Yaqub, mandando-o para o hospital. Inicia-se, então, uma verdadeira caçada que se encerra com a prisão e condenação do Caçula a dois anos e sete meses de reclusão.

O indiano Rochiram, vendo seus negócios fracassarem, exige que a irmã dos gêmeos, Rânia, venda a casa em que vivem para pagamento das dívidas. Surge, assim, no local, a Casa Rochiram, uma loja de quinquilharias importadas de Miami e Panamá. Nael fica com um pequeno quadrado no quintal.

Durante todo o desenrolar da história, Nael lutava ao lado da mãe, assoberbado, sem muito tempo para os estudos. Sente-se, com isso, injustiçado. Nunca desistiu de arrancar dos membros da família a identidade de seu pai, que sabia estar em um dos gêmeos.

No jogo de interditos, juntando os cacos do passado, Nael se empenha em descobrir a verdade e, somente após trinta anos, quando quase todos já estão mortos, é que parece motivado a olhar para as personagens.

Disponível em: <http://resumos.netsaber.com.br/ver_resumo_c_919.html>.

Características da obra Dois Irmãos, romance de Milton Hatoum,

narra história de ódio familiar. Escrito em estilo enxuto e ao mesmo tempo repleto de sutilezas, o romance narra a tumultuada relação de ódio entre dois irmãos gêmeos, numa família de origem libanesa que vive em Manaus

O romance Dois Irmãos, publicado em 2000, rompeu um silêncio de 11 anos que Milton Hatoum vinha mantendo desde Relato de um Certo Oriente, sua estréia como romancista. O autor costuma dizer, em entrevistas, que “cada livro nos ensina a escrever”. Se sua afirmação for levada ao pé da letra, nenhum livro lhe ensinou tanto quanto Dois Irmãos. Nessa obra, Hatoum demonstra grande domínio da técnica da ficção, num estilo mais enxuto que o da primeira obra e, ao mesmo tempo, repleto de nuanças e sutilezas.

A trama gira em torno da tumultuada relação entre dois irmãos gêmeos, Yaqub e Omar, em uma família de origem libanesa que vive em Manaus. O ambiente que forma o pano de fundo da história é o de imigrantes que se dedicam ao comércio, numa cidade que vê aprofundar-se sua decadência, após o período de grande efervescência econômica e cultural vivido no início do século XX.

AVANÇOS E RECUOS NO TEMPOA narrativa apresenta avanços e recuos

no tempo, sem uma cronologia linear. Os problemas vão sendo revelados ao leitor aos poucos, conforme o narrador rememora fatos esclarecedores e os encadeia para solucionar (ou deixar em suspensão) os enigmas da história.

Uma breve introdução narra a morte de Zana, em situação de enorme angústia. Na cena descrita, o silêncio que responde negativamente à última pergunta da mulher (“Meus filhos já fizeram as pazes?”) coincide com o fim do dia.

O primeiro capítulo começa com a volta do jovem Yaqub de uma viagem forçada ao Líbano. Pode-se concluir que essa ação se passa em 1945, no fim da II Guerra Mundial, pois o porto do Rio de Janeiro está “apinhado de parentes de pracinhas e oficiais que regressavam da Itália”.

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O motivo da viagem ao Líbano é esclarecido em mais um recuo cronológico: a tentativa de separar os gêmeos e evitar o conflito entre eles. As diferenças entre os personagens, que parecem vir do berço ou ter começado em sua mais remota infância, tornam-se cada vez mais acentuadas.

ÓDIO PERENEA primeira disputa séria entre os irmãos

tem como pivô Lívia, uma garota pela qual os dois se apaixonam. Numa primeira ocasião (o baile dos jovens), a mãe ordena a Yaqub que leve a irmã Rânia para casa, o que favorece Omar. O troco não demora a chegar: numa sessão de cinematógrafo na casa dos vizinhos, uma pane no equipamento deixa a sala escura. Quando as luzes se acendem, os lábios de Lívia estão colados ao rosto de Yaqub. Omar se vinga quebrando uma garrafa e cortando, com ela, o rosto do irmão. A cicatriz em forma de meia-lua será uma marca do ódio perene entre ambos.

Os pais percebem que o incidente pode despertar uma série de vinganças entre os dois e, para evitar isso, mandam Yaqub a uma aldeia remota no Líbano. A estratégia resulta inútil, pois a única coisa que não muda em Yaqub, ao voltar para o Brasil, é o ódio que sente do irmão; o mesmo pode ser dito de Omar.

Yaqub chega da viagem e se aferra aos estudos, revelando-se um matemático excelente. O irmão, que permanecera sob os cuidados da mãe, mostra-se irrequieto e indisciplinado.

Durante uma aula de matemática, o Caçula agride o professor Bolislau, o preferido de Yaqub, e é expulso do colégio dos padres. Vai para uma escola de reputação duvidosa – Liceu Rui Barbosa, o Águia de Haia, conhecido como “Galinheiro dos Vândalos”. Lá, conhece o professor Antenor Laval, admirador de poetas simbolistas franceses e defensor da liberdade.

Em contrapartida, o sucesso de Yaqub tem como prêmio uma viagem a São Paulo, a fim de que possa aprimorar os estudos. Seu professor de matemática, o padre Bolislau, ajuda-o a decidir-se pela partida, ao dizer: “Se ficares aqui, serás derrotado pela província e devorado pelo teu irmão”. Antes de seguir, Yaqub tem um encontro amoroso com Lívia.

PROSPERIDADE VERSUS BOEMIAAos poucos, a identidade do narrador é

revelada. Sua mãe, Domingas, trabalhadora prestativa e submissa, nada diz ao filho sobre quem seria seu pai.

De São Paulo, Yaqub envia cartas cada vez mais lacônicas. Forma-se em engenharia, prospera profissionalmente e casa-se. Enquanto isso, um Halim velho e nostálgico fala sobre o passado ao narrador. Conta como foi o nascimento dos filhos e a abertura de sua loja. Afirma, também, que a vinda dos filhos o incomodou, pois sentia que eles lhe roubavam a atenção da mulher, principalmente o Caçula.

Omar torna-se boêmio, entrega-se a festas e a bebedeiras, terminando sempre suas noitadas estirado numa rede da casa, onde permanece grande parte do dia. Na noite em que traz uma mulher para casa, isso ultrapassa os limites até mesmo de seu permissivo pai. Halim levanta-se e expulsa a desconhecida, que dormia na sala. Depois, arrasta o filho pelo cabelo, dá-lhe uma bofetada, prende-o ao cofre e parte por dois dias.

Quando Omar leva formalmente outra mulher, Dália, para casa, Zana antevê nela uma potencial concorrente, por isso a expulsa. O Caçula parte atrás de Dália, que descobrem ser uma das Mulheres Prateadas, grupo de dançarinas amazonenses que se apresentava em uma casa noturna.

Após o episódio da mulher prateada, Zana decide enviar Omar a São Paulo. Yaqub nega-se a abrigar o irmão, mas se propõe a alugar para ele um quarto numa pensão e matriculá-lo num colégio particular. O Caçula parte para São Paulo e, durante algum tempo, porta-se de maneira exemplar.

De repente, chega a notícia de seu desaparecimento. Algum tempo depois, descobre-se que ele se envolvera com a empregada de Yaqub para ter acesso à casa do irmão. Ao chegar lá, descobrira que a mulher de Yaqub não era outra senão Lívia, alvo das disputas infantis dos gêmeos. Tomado pela raiva, Omar cobrira as fotos de Yaqub e de sua mulher com desenhos obscenos. Roubara também 820 dólares do irmão, mais o seu passaporte, e viajara para os Estados Unidos.

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MORTE DE HALIM Numa visita de Yaqub à família, em Manaus,

o narrador observa sua mãe e o visitante de mãos dadas e desconfia ter descoberto a identidade de seu pai. De volta a São Paulo, o gêmeo mais velho prospera cada vez mais.

Omar retorna a Manaus, onde se envolve em atividades de contrabando e com uma mulata conhecida como Pau-Mulato. Depois foge de casa por longo tempo.

Halim decide procurar o Caçula, mas a busca, que dura meses, não surte resultado. É Zana quem dá o passo decisivo para encontrar o filho: procura um velho peixeiro manco, o Perna-de-Sapo, que conhecia a floresta como ninguém. Em pouco tempo, o homem descobre o paradeiro de Omar. Zana vai atrás dele e, após uma discussão, o traz para casa.

O narrador revela sua paixão por Rânia, que, no entanto, só irá conceder a ele uma única noite de amor. Halim envelhece, e a presença definitiva do Caçula o deixa pouco à vontade em casa. Zana pede a Nael, o narrador, que acompanhe o filho em suas noitadas.

Outra faceta de Omar é narrada no episódio de prisão e morte do professor Antenor Laval. Em abril de 1964, logo após o golpe militar, Laval é espancado por policiais em praça pública e preso. Dois dias depois, sabe-se que está morto.

Omar, abalado com o destino do mestre, fecha-se em luto e deixa temporariamente as noitadas. Halim se entrega cada vez mais ao passado e sai de casa frequentemente, para longas caminhadas pela cidade, sempre seguido por Nael. Até que, na véspera do Natal de 1968, só volta de madrugada, depois que todos já dormiam. De manhã, os familiares o encontram: sentado sobre o sofá, não respira mais. Omar dirige, então, grandes ofensas em direção ao corpo do pai.

Vizinhos chegam a tempo de impedir o filho de atacar o cadáver. Yaqub envia para o enterro uma coroa de flores e um epitáfio: “Saudades do meu pai, que mesmo à distância sempre esteve presente”. Zana, pela primeira vez, trata Omar com dureza e o repreende severamente.

PROJETO FRACASSADO Omar passa a trazer para casa um indiano

chamado Rochiram, que pretende construir um hotel em Manaus. Zana vê aí a possibilidade de

reconciliar os dois irmãos. O Caçula prevê as intenções da mãe e tenta esconder inutilmente o indiano. Por carta, Zana chama Yaqub, que, após algum tempo, aparece secretamente em Manaus e se hospeda num hotel isolado. Está associado a Rochiram. Numa manhã, Yaqub surge na casa e deita-se na rede, chamando Domingas para sentar-se a seu lado. Nesse instante, Omar irrompe na varanda e agride brutalmente o irmão indefeso. Rasga também seus projetos para a construção do hotel. Os planos de Zana vão por água abaixo: Yaqub tentara trair o irmão, que descobrira tudo e o teria matado se não fosse a interferência de Nael e dos vizinhos.

Para piorar a situação, o fracasso do projeto resulta em gigantesca dívida com o empresário indiano. Pouco tempo após o conflito, Domingas fica doente e morre. Antes, revelara ao filho que, no passado, fora estuprada por Omar.

Rânia prepara um bangalô para levar a mãe, que resiste a abandonar o velho lar. Um dia, Rochiram aparece e pede a casa como forma de acerto da dívida. A sugestão viera de Yaqub. Omar torna-se um foragido, porque a agressão fora denunciada pelo irmão à polícia. Nesse tempo, ocorre a morte de Zana. Uma pequena parte da casa, nos fundos, torna-se posse de Nael. “Tua herança”, afirma-lhe Rânia.

Numa tarde, Omar aparece diante de Rânia. A irmã não tem tempo de falar com ele, já que policiais estavam à espreita e o capturam, depois de agredi-lo.

O narrador cita rapidamente a morte de Yaqub. Omar sai da cadeia pouco antes de cumprir sua pena. Na última cena do romance, chove torrencialmente e o Caçula aparece diante do narrador. Olha fixamente para Nael, parece estar a um passo de pedir perdão, mas recua e parte lentamente.

Exercícios

01. (UFAM) A respeito do personagem Adamor, o Perna-de-Sapo, do romance Dois Irmãos, de Milton Hatoum, fazem-se as seguintes afirmativas:I. Em 1943 descobriu os restos de um

avião Catalina que desaparecera nas florestas do Purus e salvou da morte o aviador Binford.

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II. Descobriu, a pedido de Zana, o paradeiro de Omar, que fugira de casa com uma mulher chamada Pau-Mulato e se escondera num barquinho atrás do Mercado Adolpho Lisboa.

III. Antes de se tornar coveiro, era um peixeiro que vendia de porta em porta e sofria com as implicâncias da índia Domingas.

IV. Ao sair de Lábrea com uma das pernas paralisada, veio para Manaus, onde passou a morar em condições humilhantes numa palafita.

Estão corretas:a) Apenas II e IVb) I, II e IVc) Apenas I e IIId) II, III e IVe) Todas as afirmativas

02. (UFAM) Ainda sobre o romance Dois Irmãos, é correto afirmar, a propósito do enredo:a) Para ajudar Halim a conquistar Zana,

Abbas escreveu um gazal com quinze dísticos, que o pretendente fingiu esquecer na mesa do restaurante Biblos, de propriedade do viúvo Galib, pai da moça.

b) Tal como em Esaú de Jacó, de Machado de Assis, observamos o tema dos gêmeos, que foi, porém, tratado de forma diferente, de vez que os dois irmãos não são inimigos.

c) Domingas, a mãe de Nael, após ter ficado órfã, veio do Alto Rio Negro trazida por Halim, que nessa época trabalhava como regatão.

d) A antiga casa de Halim e Zana foi vendida para uma multinacional, após a instalação da Zona Franca, e Nael e Rânia, sua tia, se mudaram para um conjunto habitacional moderno.

e) Uma das pretendentes a casar com Yaqub se chamava Dália, a Mulher Prateada, que, no entanto, não foi capaz de enfrentar o ciúme possessivo que Zana sentia em relação ao filho.

O fragmento a seguir faz parte do romance Dois irmãos, de Milton Hatoum; com ele se relacionam as questões 03 e 04.

“Foi Domingas quem me contou a história da cicatriz no rosto de Yaqub.

(...)Era uma tarde nublada de sábado, logo

depois do Carnaval. As crianças da rua sealinhavam para passar a tarde na casa

dos Reinoso, onde se aguardava a chegada de um cinematógrafo ambulante. No último sábado de cada mês, Estelita avisava as mães da vizinhança que haveria uma sessão de cinema em sua casa. Era um acontecimento e tanto. As crianças almoçavam cedo, vestiam a melhor roupa, se perfumavam e saíam de casa sonhando com as imagens que veriam na parede branca do porão da casa de Estelita.”

03. Assinale a alternativa incorreta, em relação a “As crianças da rua se alinhavam para passar a tarde na casa dos Reinoso, onde se aguardava a chegada de um cinematógrafo ambulante”.a) Na expressão dos Re inoso há

circunstância de posse.b) São, respectivamente, substantivo,

preposição e adjetivo: rua, na, Reinoso.c) O pronome se, em se alinhavam, é

reflexivo e se refere a As crianças.d) Em “onde se aguardava” onde é

pronome relativo; equivale a na qual.e) A oração para passar a tarde na casa

dos Reinoso indica finalidade.

04. Assinale a alternativa incorreta.a) A história de Dois irmãos tem início

em 1910 e termina no final da década de 60 quando, durante o regime militar, Yaqub é preso e desaparece misteriosamente.

b) O rio Negro, as chuvas fortes, as enchentes e as frutas típicas da região amazônica aparecem como pano de fundo do romance.

c) O tema central do romance é o conflito entre os irmãos gêmeos Omar e Yaqub, filhos de imigrantes libaneses.

d) Os irmãos eram apaixonados por Lívia, com quem Yaqub casou.

e) Halim era avô do narrador, filho bastardo de Omar.

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05. Com relação ao texto e ao romance “Dois irmãos”, assinale a(s) proposição(ões) correta(s).01) No Texto, o narrador principal da

história (Nael, filho de Omar) cede espaço para um narrador secundário (Halim, pai de Omar) resumir sua saga de imigrante libanês.

02) A narrativa apresenta um drama familiar e a conflituosa relação entre os dois irmãos gêmeos, Yacub e Omar.

04) Nael, personagem/narrador perturbado pela dúvida quanto à sua filiação, reconstrói a memória da família libanesa, que é, também, a sua própria memória/identidade.

08) O excerto apresenta os principais elementos da narrativa de Hatoum: romance ambientado em Manaus; o narrador, Galib, é mascate, conhece Zana, filha do dono de um restaurante, e é pai dos gêmeos Yacub e Omar (foco da discórdia familiar).

16) São recorrentes em obras de ficção ou que representam diferentes culturas, as disputas entre irmãos gêmeos, a exemplo de Caim e Abel, Esaú e Jacó, mas que, diferentemente de Yacub e Omar, encontram uma saída harmoniosa para o conflito.

32) Embora os dois irmãos sejam gêmeos, Omar é chamado de “o caçula”, o que denuncia o tratamento desigual dado, pela mãe, aos dois personagens principais e criticado pela irmã dos gêmeos, Rânia.

64) Nael, o narrador, é filho da índia Domingas e de Omar, filho de imigrante libanês. Nael simboliza a mistura das raças resultante dos processos de imigração, que se deu de forma tranquila e equilibrada.

06. Na narração que Nael faz do conflito entre Yaqub e Omar, da obra “Dois irmãos”, de Milton Hatoum, evidencia-se:a) o recurso ao fluxo de consciência

para o desvendamento da filiação do narrador.

b) a caracterização das personagens princ ipais segundo a ót ica do regionalismo.

c) o distanciamento temporal do narrador em relação à grande parte dos fatos relatados.

d) a presença de um discurso xenófobo subjacente à história de decadência da família árabe.

e) a oposição entre o discurso direto popular das personagens e o indireto culto do narrador.

07. Sobre a obra “Dois irmãos”, de Milton Hatoum, analise as proposições a seguir:I. O ponto de vista do narrador é baseado

nas suas observações, como também nos relatos de Domingas e Halim.

II. Quanto às personagens protagonistas, pode-se afirmar que Yakub tem a personalidade menos complexa, pois apresenta comportamento previsível, ao contrário de Omar.

III. O tempo da narrativa coincide com o tempo da narração, visto que a história é narrada diretamente da memória de um narrador, que usa como recurso o tempo psicológico e o discurso indireto livre para conseguir essa coincidência.

IV. O episódio do restaurante Biblos, lugar onde nasce o romance de Zana e Halim, é um exemplo de “flashback”, isto é, rompimento da linearidade que se dá na história dos dois irmãos.

Marque a alternativa CORRETA:a) As proposições I e II são verdadeiras.b) As proposições II e III são verdadeiras.c) As proposições III e IV são verdadeiras.d) As proposições II e IV são verdadeiras.e) As proposições I e IV são verdadeiras.

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MUITAS VOZESFERREIRA GULLAR

Dados do autor

José Ribamar Ferreira Gullar (São Luís MA 1930)

Publicou seu primeiro livro de poesia, Um Pouco Acima do Chão, em 1949. Recebeu prêmio, em 1950, pelo poema Galo, no concurso literário do Jornal das Letras, do Rio de Janeiro. No ano seguinte mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a colaborar na imprensa carioca com poemas e críticas de arte. Publicou A Luta Corporal (1954) e Poemas (1958). Entre 1955 e 1959 participou da primeira fase do movimento da Poesia Concreta. Em 1959 rompeu com o Concretismo e publicou o Manifesto Neoconcreto no Jornal do Brasil. A partir de 1961 participou do movimento de cultura popular, integrando o CPC e a UNE. Foi preso, em 1968, e seguiu para o exílio político na Europa em 1971. Em 1975 foi publicado Dentro da Noite Veloz; seguiram-se Poema Sujo (1976), Antologia Poética (1977). Em 1977 recebeu o Prêmio Jabuti de Personalidade Literária do Ano. Nos anos de 1980 publicou Na Vertigem do Dia (1980), Toda Poesia (1980), Crime na Flora ou Ordem e Progresso (1986), Barulhos (1987); na década de 1990 saíram Formigueiro (1991) e Muitas Vozes (1999), com o qual ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia em 2000. Inicialmente adepto do Concretismo, Ferreira Gullar posteriormente optou por uma poesia mais discursiva, em que os versos ora incorporam elementos da literatura de cordel, como em João Boa-Morte, Cabra Marcado para Morrer (1962), ora se voltam para as tensões sociais e políticas do homem brasileiro, como em Dentro da Noite Veloz (1975) e Na Vertigem do Dia (1980).

Características do autor

“A passagem brusca da linguagem precisa e requintada das vanguardas para a expressão apoiada na linguagem simples dos cantadores, seguida de uma visão ingênua a respeito das questões estéticas e sociais e somada às derrotas da esquerda na América Latina,

à clandestinidade e ao exílio contribuíram para que Ferreira Gullar reconsiderasse suas posições, buscando na poesia uma forma de expressar suas mudanças e seu aprofundamento de visão de realidade. Publicado em 1976, Poema Sujo, ´discursivo e quase um poema clássico´, segundo Ziraldo, é um livro de 103 páginas em que Ferreira Gullar exprime a totalidade de suas experiências no plano da vida e da literatura, por meio de versos assimétricos e dissonantes, carregados de paixão corporal. Na Vertigem do Dia, o reiterado questionamento sobre a poesia, as preocupações com os grandes temas do homem e da América Latina, as recordações da infância, a dor, a tristeza, a solidão e a solidariedade para com os menos favorecidos são os temas explorados por poemas curtos e herméticos em sua maioria.”

BRAIT, Beth [1981]. Ferreira Gullar: a poesia como forma de indagação e conhecimento do mundo. In:

Gullar, Ferreira. Ferreira Gullar. p.101. “O pós-modernismo de 45 raiado de veios

existenciais, a poesia concreta e neoconcreta, a experiência popular-nacionalista do CPC, o texto de ira e protesto ante o conluio de imperialismo e ditadura, a renovada sondagem na memória pessoal e coletiva... são todos momentos de uma dialética da cultura brasileira de que Ferreira Gullar tem participado como ator de primeira grandeza. À luz dessa leitura, contextual, a consciência que ditou o Poema Sujo não é exatamente a mesma que inventou A Luta Corporal, assim como a maturidade do escritor e cidadão pós-64 superou os seus horizontes ideológicos dos anos cinquenta. Não se trata de evolução na ordem dos acertos estéticos (estes não dependem, mecanicamente, da posição política do poeta); trata-se de um ver mais concretamente a História, um julgar mais criticamente o próprio lugar de poeta na trama da sociedade, um refletir mais dramaticamente a condição do homem brasileiro e do homem latino-americano sem medusar-se no fetiche abstrato, no fundo egótico, do ´homem´ em geral.”

BOSI, Alfredo [1983]. Roteiro do poeta. In: Gullar, Ferreira. Os melhores poemas. 3.ed. p.8-9.

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Ferreira Gullar estreou muito jovem com A luta corporal. “O nome do livro – diz o poeta – não é por acaso: era uma luta comigo mesmo. Na minha busca terminei fragmentando a linguagem. Achava que a linguagem era uma realidade. Desarticulei-a para encontrar essa realidade: ela não tinha essência nenhuma.”

Logo em seguida, o autor maranhense aproxima-se dos concretistas de São Paulo. Contudo, abjura-os em pouco tempo. Após esta ruptura, e sob o influxo da radicalização ideológica do início dos anos 60, vincula-se ao pensamento progressista da época, todo ele ligado às formulações populistas do presidente João Goulart. Rapidamente Ferreira Gullar torna-se um dos porta-vozes dos artistas politicamente engajados daquela década.

Publica então dois polêmicos livros de ensaios Cultura posta em questão (1965) e Vanguarda e subdesenvolvimento (1969). Também o teatro o atrai. Ajuda a fundar o grupo Opinião e escreve com Oduvaldo Viana Filho a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Com Dias Gomes escreve a peça Dr. Getúlio, sua vida e sua glória. Já os poemas, publicados apenas em jornais e revistas da época, confirmam o engajamento do autor e revelam certa tendência panfletária e uma frequente queda no prosaísmo. Muitos desses poemas foram reunidos, mais tarde, em Dentro da noite veloz. Um deles, Agosto 1964, é bastante conhecido:

Entre lojas de flores e de sapatos, bares,mercados, butiquesviajonum ônibus Estada de Ferro – LeblonVolto do trabalho, a noite em meio,fatigado de mentiras. O ônibus sacoleja. Adeus, Rimbaud,relógio de lilases, concretismo, neoconcretismo, ficções de juventude,

adeus,que a vidaeu a compor à vista aos donos do mundo.Ao peso dos impostos, o verso sufoca,a poesia agora responde a inquérito

policial-militar. Digo adeus à ilusãoMas não ao mundo. Mas não à vida,Meu reduto e meu reino.Do salário injusto,

da punição injusta,da humilhação, da tortura,do terror,retiramos algo e com ele construímos um

artefato um poemauma bandeira.

Mas é com o Poema sujo, 1975, que Ferreira Gullar encontra a solução dos impasses políticos e estéticos que impediam-no de realizar uma poesia de primeira grandeza. Politicamente, ele rompe com o comprometimento explícito das obras da década de 1960, preferindo embutir a questão social nas ações e lembranças que o poema evoca. Esteticamente, ele consegue através de uma expressão livre e ousada (mas não formalista) – uma legítima “tempestade de versos”, como disse um crítico – mergulhar na sua vida pessoal: a infância e a adolescência em São Luís, o passado próximo e o remoto, descobrindo a realidade brasileira e a sua própria interioridade a partir do exílio em outros países. A grande força da obra nasce do fato de Ferreira Gullar obter desta sucessão caótica de passagens existenciais o retrato vivo de um homem brasileiro (um intelectual, na verdade), em seu conjunto de angústias e esperanças, gozos e tormentos individuais. Por outro lado, este homem traz consigo, através dos tortuosos caminhos da memória, um contexto provinciano, o Maranhão, a quitanda do pai, o Brasil dos anos de 1930 e 1940, tudo magistralmente evocado. Mas o que de fato projeta o Poema sujo para além do documento humano e histórico são as interrogações contínuas do poeta a respeito da permanência e da transitoriedade das coisas. O Poema sujo é também um poema sobre a passagem do tempo, sobre o esquecimento e sobre o caráter único das experiências de cada ser:

(...) bela belamais que belamas como era o nome dela?Não era Helena nem Veranem Nara nem Gabrielanem Tereza nem MariaSeu nome seu nome era...Perdeu-se na carne fria (...)Que importa um nome a esta hora do

anoitecer em São Luís do

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Maranhão à mesa do jantar sob uma luz de febre entre irmãos

e pais dentro de um enigma?mas que importa um nomedebaixo deste teto de telhas encardidas

vigas à mostra entre cadeiras e mesa entre uma cristaleira e um

armário diante degarfos e facas e pratos louça que se

quebraram jáum prato de louça ordinária não dura tantoe as facas se perdem e os garfosse perdem pela vida caempelas falhas do assoalho e vão conviver

com ratose baratas ou enferrujam no quintal

esquecido entre os pés de erva cidreirae as grossas orelhas de hortelãquanta coisa se perdenesta vida.

Após seu retorno ao país em 1977, Ferreira Gullar tornou-se o poeta emblemático da redemocratização brasileira, voltando a ter forte atuação na área cultural. Escreveu para a tevê, militou na crítica de arte e debateu a situação da poesia. Em seus últimos livros, a temática da passagem do tempo e a da morte – já presentes no Poema sujo – adquiriram predominância e significativa pungência.

Obras principais:A luta corporal (1954);Dentro da noite veloz (1975);Poema sujo (1975);Na vertigem do dia (1980);Barulhos (1987);Muitas vozes (1999).

Característica da obra

Sobre: Muitas Vozes Por: Cristiane Costa Muitas vozes ao gênero que o consagrou

como um dos mais importantes autores brasileiros. Presente do poeta para seus leitores e admiradores meses antes de completar 70 anos, Muitas vozes revela uma mudança de tom na obra de Gullar. “Mesmo que A luta

corporal e Poema sujo tratassem de questões completamente diferentes, têm uma coisa em comum que é a fúria. Ela está presente em todos os meus livros anteriores. Mas, neste, está amainada. É um livro mais reflexivo, em que a temática da morte está muito presente, não como medo, mas como reflexão”, comenta.

Muitas vozes pode ser lido como a obra de maturidade de um autor que desde muito cedo despontou como uma voz singular na poesia brasileira. Nascido no Maranhão em 10 de setembro de 1930 como José Ribamar Ferreira, já sob o pseudônimo de Ferreira Gullar, o poeta lançou seu primeiro livro, Roçzeiral, aos 19 anos. Tinha apenas 24 quando publicou A luta corporal, uma obra radical que abriu caminho para a poesia concreta no país. “No começo, havia a busca por uma linguagem que transcendesse o discurso lógico, que fosse além da própria poesia como era feita até então, e que terminou por implodir a linguagem. Como consequência dessa implosão, veio a poesia concreta”, reflete hoje o poeta.

Cinco anos mais tarde, Ferreira Gullar romperia com o movimento para criar outro, o neoconcretismo, esboçado no ensaio Teoria do não-objeto e que culminou com o famoso poema enterrado no chão.

Uma nova virada aconteceria no início dos anos 60. Fiel ao clima da época, Ferreira Gullar voltou-se para a cultura popular, impregnando-se da linguagem do cordel. Da época, datam João Boa-Morte e Quem matou Aparecida, além das peças Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, com Oduvaldo Vianna Filho e Dr. Getúlio, com Dias Gomes. Presidente do CPC da Une quando aconteceu o golpe militar, Ferreira Gullar se exilou na Argentina em 1971.

“Abandonei o neoconcretismo porque considerei que essa experiência estava esgotada. Isso coincidiu com uma virada da política brasileira, com a posse de João Goulart. Empolguei-me pela possibilidade de transformação social e minha poesia acompanhou isso”, recorda Gullar. Segundo o poeta, essa reconciliação com a linguagem coloquial foi fundamental para definir novos rumos para sua obra. “Minha poesia de hoje é desdobramento disso. Costumo dizer que a poesia nasce da prosa. O que existe é a linguagem de todos. Uso e abuso dela, até da palavra chula. Nunca busquei o poema puro.

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Não me preocupo com experimentalismos ou estéticas verbais. Quero um poema que nasça da vida”, afirma.

Foi no exílio que Ferreira Gullar escreveu seu livro de maior repercussão, Poema sujo, De volta ao Brasil, publicou uma série de ensaios sobre artes plásticas, sua segunda paixão, como Argumentação contra a morte da arte, além de uma Antologia poética. Barulhos, editado em 87, foi seu último livro de poemas. No ano seguinte, escreveu suas memórias em Rabo de foguete.

“Quando terminei Barulhos, tive a sensação nítida de que tinha me esgotado e não voltaria mais a escrever. Imaginei que a fonte tinha secado. Perdi a motivação e me senti vazio. Passava os meses sem ter vontade de escrever”, conta Gullar. “Cheguei a passar um ano sem produzir um poema.”

Mas, um belo dia, a fonte voltou a jorrar. Num quarto de hotel de Nova Iorque o poeta retomou a palavra. “Meu Pai” é dessa leva. A produção seria interrompida várias vezes até que, em 1994, Gullar conheceu sua atual mulher, a jovem poeta Cláudia Ahimsa, na feira do livro de Frankfurt dedicada ao Brasil. “Isso para mim foi um renascer. Passei a escrever com muito mais frequencia. Foi um encontro inspirador”, revela, sem medo de parecer um poeta romântico e comum.

Em Muitas vozes ouve-se o eco de toda essa experiência acumulada ao longo de quase sete décadas. Da eterna luta corporal com a palavra presente em “Sob a espada” até a política expressa em versos de “Queda de Allende”, o novo livro apresenta um Gullar continuamente renovado.

“Eu mesmo não acredito que estou chegando aos 70 anos. Nunca pensei que chegaria lá. Para mim, ano 2000 era algo impensável”, afirma. No entanto, a idade lhe reservou boas surpresas, junto com a descoberta do amor tardio. “Nunca pensei que 70 anos fossem isso. Estou totalmente saudável, em plena vida”, alegra-se o poeta, que parou de fumar há 10 anos e cortou a carne vermelha, as frituras e gorduras do seu cardápio, para dar uma ajudinha à sorte. “Não gosto de contar vantagem não. A gente sabe que é mortal, mas nem sempre se lembra ... felizmente.”

Cristiane Costa é subeditora de Ideias

ENTREVISTA DE FERREIRA GULLAR

Para compreendermos melhor as características desta obra de Ferreira Gullar, na há anda melhor que lermos o próprio autor falando da sua obra. Aprecie!

O poeta Weydson Barros Leal, entrevista novamente o poeta Ferreira Gullar, [12 de julho de 1999], a propósito do livro Muitas Vozes, Ed. José Olympio, 1999.

WEYDSON - Depois de 12 anos sem publicar poesia em livro, ‘Muitas Vozes” seria uma comemoração de 50 anos, já que seu primeiro livro, “Um pouco acima do chão”, é de 1949?

GULLAR - A rigor está certo. Mas eu não levo em conta esse cálculo. Eu publiquei agora pensando nisso... Na verdade, eu passei esses 12 anos sem publicar apenas porque eu não tinha um número suficiente de poemas para constituir um livro. A partir de 1994, 95, quando eu conheci a Claudia (Claudia Ahimsa, poeta, namorada de Gullar) e saí da Funarte, houve unia retomada. Em 96 já havia alguns poemas, mas eu preferi deixar que aquele veio poético que estava se manifestando se esgotasse. Porque a minha poesia funciona um pouco como a mineração. De repente eu descubro esses veios até esgotá-los. A partir daí eu passo um tempo sem escrever. Assim, quando eu percebi que tinha um número suficiente de poemas, pensei: chegou a hora de publicar.

WEYDSON - Lendo o livro, percebe-se que esse veio é de temática variada, há poemas sobre a vida, a morte, reminiscências da infância, etc...

GULLAR - Pois é. No poema “Evocação de Silêncios”, o silêncio é o tema. Ali, tudo nasceu de uma lembrança de quando eu era garoto em São Luís, perto do Largo de Sant´Aninha, onde tinha uma casa com um corredor que ia da calçada até o fundo. O piso dessa casa era de um tipo muito comum naquela época. Então eu lembrei de ter entrado nessa casa numa tarde de muito sol, enquanto brincava por ali, mais o i met7os 2 horas da tarde nessa hora em São Luís a barra é pesada, com muito calor - e eu entrei para descansar um pouco Eu já tinha um certo hábito de sentar ali, naquele chão frio,

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naquela casa silenciosa - lá, parece que morava apenas um casal idoso...

WEYDSON - Eles lhe, viam?

GULLAR - Não.. Tinha um corredor muito vazio... Eu ficava sentado tio chão frio, olhando aquele corredor, aquele piso, o silêncio, o vazio... Então, de repente, me veio a lembrança de tudo isso, e isso gerou o poema... Eu pensava que ia escrever só um poema, mas o primeiro desencadeou outros, e assim foi uma série de poemas que envolvem a quitanda do meu pai..

WEYDSON - E daí o açúcar...

GULLAR-É.. Na quitanda do meu pai, abaixo das prateleiras de mercadorias, havia uns depósitos com tampas, onde tinha feijão, arroz--, açúcar, farinha... Eu lembro que cabia bastante, açúcar naquele depósito. Quando se levantava aquela tampa, vinha aquele cheiro cálido... E até hoje, mesmo em casa, quando eu abro um recipiente de açúcar, me vem aquela sensação, o cheiro cálido. Então, tio poema, o silêncio é o açúcar, é comparado ao açúcar, e está cheio de vozes. de tumulto. de alarido, da luz da manhã.. Esses são os veios de que eu falo.

WEYDSON - A segunda parte do livro “Muitas Vozes”, você intitulou “Ao Rés da Fala”. O que há nesse título?

GULLAR - Ali está a saída de um impasse. Quando eu terminei de escrever o último poema de “Barulhos” (I 9 8 7), eu percebi que havia nele muitos elementos prosaicos. Na minha visão, o poema é o lugar onde a prosa se transforma em poesia, é o lugar da metamorfose, onde o processo se dá. O poema não é uma coisa estática, terminada, ele é algo em processo. A leitura desencadeia o processo que está latente ali. Ao lê-lo, o leitor transforma a palavra em poesia. Naturalmente, o meu poema nunca é um poema puro, mas nele a prosa vira poesia, e portanto para haver poesia tem que haver a transformação. A gente sabe que o carvão dá o fogo, mas para haver o fogo tem que existir o carvão. Assim, no poema sempre haverá fogo e carvão.

WEYDSON - E cabe ao poeta realizar a mistura , e determinar quando o fogo é

suficiente, quando já há mais fogo que carvão...

GULLAR - Em “Nasce o poema” (Barulhos, 1987), eu cheguei à conclusão que havia carvão demais. Então eu pensei: se eu puser mais prosa aqui, o avião bate no chão, não há mais como... E durante um certo tempo eu parei.

WEYDSON - Como- resposta a esse mergulho, “Ao Rés da Fala” seria um recuo?

GULLAR - Não, eles avançam, e são quase prosa. Porque neles não há a alquimia evidente que há normalmente em minha poesia, onde a palavra se choca com outra palavra.. Não há a palavra inesperada nesses poemas. _Há quase somente descrição, como no poema “Fotografia de Mallarmé”.

WEYDSON - Eu discordaria apenas quanto à ausência da surpresa, da palavra inesperada, uma vez que o primeiro poema do livro (“Ouvindo apenas”) é extremamente elaborado, visceralmente sofisticado...

GULLAR - Quando eu digo que esses poemas são prosa e que há neles um processo diferente, não é a alquimia’ Ali há uma superação do discurso diferente do que eu fazia em outros poemas. Na verdade, eles dão o tom do livro. Eu estou de acordo com você quando diz que os primeiros poemas são muito elaborados, mas, por exemplo, o primeiro poema é bem anterior aos outros.

WEYDSON - A organização do livro, à exceção dos “Poemas Resgatados’, atende a uma ordem cronológica?

GULLAR - Quase sempre eu adoto essa ordem cronológica porque acho que a minha poesia é uma reflexão.

WEYDSON - Vejo que há poemas em “Muitas Vozes” cujos temas já aparecem em livros anteriores a “Barulhos”.

GULLAR - É verdade Mas eu prefiro não interferir nisso; ninguém controla o processo da lida. Mas há uma lógica interna nesses poemas. Aí estão indagações e respostas que se sucedem progressivamente. Isso não quer dizer que eu desenvolva um processo filosófico, mas

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são perguntas e respostas que vão ocorrendo durante a vida, por alguma razão que eu não sei mas que sei que existe. Eu acredito que o meu trabalho com a poesia é a lúcido, exigente, do artesão, mas o que faz o poema nascer, os elementos convocados para fazê-lo, isso eu deixo que venham como vier. Como se eu fosse um metalúrgico que trabalha com qualquer metal, que não fica exigindo prata ou ouro. Com o metal que ele acha que dá, ele faz.

WEYDSON - Como seria esse processo, dando como exemplo um dos poemas de “Muitas Vozes”?

GULLAR - Por exemplo: o poema “Um Instante “. Num domingo à tarde, nessa sala vazia, o sol, o silêncio e a claridade, eu sentei aqui (apontando uma cadeira) e de repente senti que estava pleno, leve, não tinha passado, não tinha futuro, sem culpas, sem remorsos, sem preocupações - era um instante, dois segundos que estão neste poema (pegando o livro e lendo o poema):

Aqui me tenho como não me conheço nem me quis sem começo nem fim

aqui me tenho sem mim

nada lembro nem sei

à luz presente sou apenas um bicho transparente

Mas você ainda pode perguntar por que eu fiz o poema, e aí eu vou formular aqui, pela primeira vez a sua gênese: ele é o resultado da reflexão de alguém que pensa sobre o passado, nos problemas da memória, nas coisas que acabaram, e que ao mesmo tempo são um peso sobre sua vida. Então, o momento em que nada disso pesa, é um momento de liberdade e plenitude. De repente eu compreendo que estar sem mim é uma liberdade total. Por isso eu digo que é. um processo de pensamento que não é consciente mas que está sendo feito, e o poema nasce disso. Por isso eu penso que ao

alterar essa ordem, eu posso estar violentando um processo mais profundo de reflexão que está tio poema.

WEYDSON - Mas eu percebo no_ livro, ao lado de poemas que podem ser resultados desses processos, outros que parecem revelações instantâneas, como o poema “Tato”.

GULLAR - É mais ou menos o mesmo processo... Eu sentei ali (apontando), passei a mão na cabeça, e de repente toquei meu osso. Aí eu pensei: -puxa, sou eu, eu existo, e em vez de dizer como Descartes “penso, logo existo,”, é o, contrario , “toco, logo existo” (risos). Em vez de me afirmar pelo pensamento, eu me afirmo pelo tato. Então eu existo aqui, e se isso vai acabar, se não houve antes, se é efêmero, não interessa, eu estou aqui concretamente. Agora, por que eventualmente alguém passa a mão na cabeça e não pensa isso? Por que outros poetas, que fizeram o mesmo gesto, não escreveram esse poema, e eu é que escrevi? Porque eu tenho um tipo de reflexão que faz com que esse ato gere uma resposta determinada. Talvez por isso as pessoas estejam dizendo que esse livro é um livro maduro, por e estão vendo que é um livro decorrente de uma reflexão que que vai sendo feita apesar de mim, uma reflexão subjacente, que termina provocando os poemas em face disso, quer dizer, de pequenos acontecimentos que se refletem nesse modo de ver o mundo. Essa é a razão por que esse “tato me faz escrever o poema e o mesmo tato experimentado por outros poetas não os faz escrever ou faz com que escrevam outro, ou ainda que nem dêem importância a isso...

WEYDSON – Em ‘Muitas Vozes’, há reminiscências de infància, lembranças de pessoas que passaram por sua vida e não estão mais aqui, e há os “Poemas Resgatados”, aqueles que estavam nas gavetas. Depois do livro impresso, você ainda teve a sensação de que faltava algum poema, de que faltava alguém?

GULLAR - Eu custei a entregar o livro ao editor. A Maria Amélia, minha querida amiga (diretora editorial da José Olympio), me cobrou muito o livro depois que leu uma entrevista em que eu dizia que o livro estava terminado. Mas eu fiquei ainda quatro meses lendo os poemas,

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largava, voltava, foi assim até nascer outro poema, que eu ainda incluí no livro, quando só então eu o dei por encerrado.

WEYDSON - E a ideia dos “Poemas Resgatados”? Como foi tirá-los da gaveta?

GULLAR - Eu já te contei essa história- Em 1970, um pouco antes de ir para o exílio, eu escrevi um poema sobre a minha casa em São Luís do Maranhão. Lá, naquela casa de assoalho de tábua corri ia um espaço de quase meio metro entre as tábuas e o chão. Às vezes caía dinheiro por entre as fendas, eu tirava uma tábua e entrava ali para buscar minha moeda que estava lá embaixo. Havia um cheiro forte, de décadas, de todo aquele pó, um pó preto que parecia pólvora . O poema era sobre isso, sobre a casa, essas coisas. Bem, ele estava escrito, mas eu ainda não sabia se estava pronto. A verdade é que eu tive de sair de casa correndo quando começou a minha vida clandestina, e não voltei mais. Quando eu já estava em Moscow, eu lembrei do poema, procurei entre as coisas que tinha levado e terminei pensando: perdi o poema. Foi aí que eu decidi reescrevê-lo, e já em 1975 ele foi publicado no meu livro “Dentro da Noite Veloz”. O poema se chama “A casa “, e foi então traduzido em várias línguas, despertando interesse em muita gente, como nos meus tradutores nos Estados Unidos, na Alemanha, na Espanha, na Argentina, na Holanda.. Alguns anos depois, de volta do exílio, eu abri uma pasta de manuscritos que encontrei e lá estava o poema original, que agora está em “Muitas Vozes”.

WEYDSON - Como ele se chama agora?

GULLAR - “Sob os pés da família “. Mas então, quando eu li o poema que achei, era outro poema O tema era o mesmo, mas o que eu tinha escrito era outra coisa. Eu estava certo que tinha reconstituído tudo, e de repente era outro poema. Evidente que alguns pedaços são idênticos ou parecidos, mas é outro poema. Isso me provocou uma reflexão: se eu não tivesse perdido esse poema eu não teria escrito o outro. Quer dizer, a possibilidade de um mesmo tema gerar poemas diferentes. Porque a gente tem a suposição de que o poema que a gente escreve é a única forma possível do que se quer dizer, mas está provado que não é...

WEYDSON - Então esse poema tem quase 30 anos...

GULLAR. - É...(pensando)...ele é de 70. Mas entre os “Poemas Resgatados” há poemas ainda anteriores, quer dizer ..(em dúvida) ... pode haver alguns para frente... São poemas que foram apenas anotados.. Por exemplo: quando eu trabalhava na sucursal do Estadão (Jornal Estado de São Paulo) aqui no Rio, eu ficava sozinho lá no meu canto, anotava certas coisas, mas não dava tempo, os caras vinham, “ô Gullar, escreve esse texto aqui! “, e tal coisa... Então interrompia aquilo e eu fui tendo na minha gaveta um monte dessas anotações. Quando eu saí do Jornal, peguei tudo, pus dentro de uma pasta e trouxe para casa. E essa coisa ficou aí, guardada em outra gaveta.

WEYDSON - E como você achou?

GULLAR - É uma coisa estranha... Eu sou um organizado dispersivo - organizo tudo mas depois não acho: tá guardado em algum lugar, onde eu não sei. De repente eu fico achando, coisas “guardadas” que estavam “ perdidas “. Foi assim que eu encontrei esses poemas. Quando eu comecei a ler, pensei: eu poderia dar uma forma definitiva a isso. Então trabalhei os poemas. Os “Poemas Resgatados” não estão como foram escritos, entretanto, eu os trabalhei com o espírito com que foram escritos. Eu tentei me reintegrar naquele ambiente e retomar os temas, as coisas..

WEYDSON - Haverá lançamentos fora do Rio de Janeiro? (O lançamento oficial no Rio ocorreu em 12 de julho de 1999).

GULLAR - Eu pretendo fazer o lançamento lá em São Luís do Maranhão. Eu estou devendo essa ida à minha mãe, a meus irmãos, pois eu disse que iria no ano passado e não pude, tive que cancelar. Você sabe que tem um poema aqui (pegando o livro ‘Muitas Vozes”) que foi escrito lá em São Luís?

WEYDSON - Nos “Poemas Resgatados”?

GULLAR - Não, nos novos. Eu escrevi tia última vez que estive lá, há uns três anos. Chama-se “Volta a São Luís “. É um poema do exílio ao contrário. Porque o Gonçalves

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Dias, quando escreveu o dele (“Canção do Exílio”) estava tio exílio, e manifestou aquele sentimento, de forma muita bonita. “as aves, que aqui gorjeiam, / Não gorjeiam como lá. “ Quer dizer, elas são aves, estão cantando, eu estou ouvindo, mas não é a mesma coisa. E essa carência da sua terra, da sua pátria, foi manifestada por ele de forma muito especial. No caso do meu poema, eu estava num hotel lá em São Luís, com um jardim enorme, lindo, mas onde mal se consegue dormir porque muito cedo os bem-te-vis começam a cantar: “bem-te-vi, bem-te-vi, te-vi, te-vi... “ E é uma algazarra. Aquilo foi gozado, porque onde eu morava, quando era menino em São Luís, também era cheio de bem-te-vis. Então, de repente, ouvindo esses bem-te-vis, eu estava ouvindo os bem-te-vis de minha infância, não era só aquele pássaro que estava ali, era o contrário, e o poema diz assim (pegando o livro e lendo o poema):

Mal cheguei e já te ouvi gritar pra mim: bem te vi! E a brisa é festa nas folhas Ah, que saudade de mim!

O tempo eterno é presente no teu canto, bem te vi

(vindo do fundo da vida como no passado ouvi)

E logo os outros repetem: bem te vi, te vi, te vi

Como outrora, como agora, como no passado ouvi

(vindo do fundo da vida)

Meu coração diz pra si: as aves que lá gorjeiam não gorjeiam como aqui

Aí foi o contrário (risos). O Gonçalves Dias sentiu longe que as aves que lá gorjeavam não gorjeavam como na sua terra; eu volto à minha terra, e ao ouvir o bem-te-vi percebo que as aves que gorjeiam . fora de São Luís, não gorjeiam como em São Luís. E olha que quando eu estava escrevendo o poema, eu não estava prevendo esse fim...

WEYDSON - Em cada poeta, a sensibilidade se exercita ou se manifesta das mais diferentes formas. Em você, eu percebo algo muito curioso: a sua sensibilidade é igualmente apurada nos cinco sentidos, na audição dos “barulhos”, dos “alaridos”, no olfato que percebe o “grito” do açúcar, no tato de seu próprio corpo, na visão do sol, das coisas, no paladar das frutas que apodrecem... Ou seja, enquanto a maioria dos poetas trabalha muito mais com a percepção visual ou com a memória dessa percepção, você elabora seus poemas com igual densidade a partir da percepção ou da memória dos cinco sentidos.

GULLAR - Eu nunca tinha percebido isso, mas você está dizendo uma coisa que é verdade. Eu sou muito sensorial, todas as coisas me tocam, as sensações têm um poder muito forte sobre mim: o cheiro das coisas, o tato, os sons (não só os musicais, mas o barulho, o silêncio - a ausência do barulho), e a coisa visual, que me é muito intensa. Eu acho que a percepção visual é a percepção mais inteligente, a mais humana. Eu digo mais humana porque as outras sensações são mais obscuras, ou seja, o olfato, o faro, é bem animal, assim como de certa forma o tato e a audição. E embora a audição não seja tão obscura, ela é incontrolável, os sons, os barulhos, te penetram independente de tua vontade; você não fecha o ouvido como fecha o olho. O ouvido não tem pálpebras. Por isso eu entendo muito bem quando o João (João Cabral de Melo Neto) diz que a música desarruma as coisas. Para que ‘ m é muito mental,. muito racional como o João é - que tem a necessidade de ser, porque ele é um homem muito sensível e tem a necessidade de controlar a sensibilidade - então, ele tem de criar aquela forma objetiva, estruturada, controlada, para não se desintegrar. Nesse sentido, a música vem e acaba com toda ordem. Ela tem uma ordem, mas é dela, não é a tua, da tua razão, da tua lucidez, pois o mundo é organizado por nós a partir da percepção visual Nós percebemos as distâncias, os objetos, a claridade do dia, mas todo esse conhecimento tem por base a percepção visual

(...)

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FRAGMENTOS DA OBRA

MUITAS VOZES Meu poema é um tumulto: a fala que nele fala outras vozes arrasta em alarido. (estamos todos nós cheios de vozes que o mais das vezes mal cabem em nossa voz: se dizes pera, acende-se um clarão um rastilho de tardes e açúcares ou se azul disseres, pode ser que se agite o Egeu em tuas glândulas) A água que ouviste num soneto de Rilke os ínfimos rumores no capim o sabor do hortelã (essa alegria) a boca fria da moça o maruim na poça a hemorragia da manhãtudo isso em ti se deposita e cala. Até que de repente um susto ou uma ventania (que o poema dispara) chama esses fósseis à fala. Meu poema é um tumulto, um alarido: basta apurar o ouvido.

Inventário Vivo a pré-história de mim Por pouco pouco eu era eu José de Ribamar Ferreira Gullar

Não deu O Gullar que bastasse não nasceu That Is The Question Dois e dois são quatro. Nasci cresci para me converter em retrato? em fonema? em morfema? Aceito ou detono o poema?

Sob a Espada mas que sentido tem tecer palavras e

palavras - amoras auras lauras carambolas - com esta mão mortal enquanto o tempo luze sua espada sobre mim? Para que armar mentiras se a água é água se a água é nuvem (entre

meus pés) se a folha é por si só lâmina verde e corta e se meus dentes estão plantados em mim?

nesta gengiva sim que sou eu mesmo e unha e ânus e anca e osso e pele e pêlo e esperma e escroto com que invento um verso torto Nasce o Poeta (parte 7) Na Quitanda A moça baunilha uma flama negra na quitanda morna confunde o sorriso com o sorrir das frutas seu cabelo de aço era denso e bicho seu olhar menina vinha da floresta sua pele nova um carvão veludo sua noite púbis uma festa azul misturada ao mel

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A escolha de quem pensa! 39

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no calor da tarde durou dois segundos? uma eternidade? ela aquele cheiro de casa de negros de roupa engomando rua do Coqueiro? ela sua saia de chita vermelha? hoje pe uma pantera guardada em perfume Nasce o Poeta (parte 10) A coisa e a Fala a boca não fala o ser (que está fora de toda linguagem): só o ser diz o ser a folha diz folha sem nada dizer o poema não diz o que a coisa é mas diz outra coisa que a coisa quer ser pois nada se basta contente de si o poema empresta às coisas sua voz - dialeto - e o mundo no poema se sonha completo Meu Pai Meu pai foi ao Rio se tratar de um câncer (que o mataria) mas perdeu os óculos na viagem quando lhe levei os óculos novos comprados na Ótica Fluminense ele examinou o estojo com o nome da loja dobrou a nota de compra guardou-a no bolso e falou: quero ver agora qual é o sacana que vai dizer que eu nunca estive no Rio de Janeiro

Exercícios

01. Sobre Ferreira Gullar é incorreto afirmar:a) Publicou seu primeiro livro de poesia,

Um Pouco Acima do Chão, em 1949. Publicou A Luta Corporal (1954) e Poemas (1958).

b) Entre 1955 e 1959 participou da primeira fase do movimento da Poesia Concreta.

c) Em 1959 rompeu com o Concretismo e publicou o Manifesto Neoconcreto no Jornal do Brasil. A partir de 1961 participou do movimento de cultura popular, integrando o CPC e a UNE.

d) Foi preso, em 1968, e seguiu para o exílio político na Europa em 1971. Em 1975 foi publicado Dentro da Noite Veloz; seguiram-se Poema Sujo (1976).

e) Nos anos de 1980 publicou Na Vertigem do Dia (1980), Toda Poesia (1980), Crime na Flora ou Ordem e Progresso (1986), Barulhos (1987); na década de 90 publicou Muitas Vozes (1999), com o qual ganhou o Prêmio Jabuti de Poesia em 2000. Neste livro o autor retorna totalmente à sua fase mais engajada.

02. (UEPG - 2009) Sobre o livro “Muitas Vozes” de Ferreira Gullar, assinale o que for correto.01) No poema “Tato”, a certeza de existir

é confirmada pela ponta dos dedos: o toque do poeta em seu próprio corpo (“mas o tato me dá / a consciente realidade / de minha presença no mundo”).

02) Os poemas são repletos de elementos de valor do cotidiano das pequenas comunidades.

04) Gullar, que comumente é visto como um “poeta político”, confere o apelo social aos poemas em Muitas vozes, dando lugarao discurso público em detrimento a questões de ordem privada.

08) Os poemas mostram um diálogo com o contemporâneo e o atemporal, enfatizam uma consciência de linguagem sobretudo na utilização de rimas, de detalhes sonoros e a utilização de poemas em quadra.

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16) A morte “em segunda pessoa”, em Muitas Vozes, será representada pelos poemas nos quais Gullar trata da morte daqueles que lhe são muito próximos, como “Filhos” e “Visita”.

03. (UFPR- 2008) Leia o texto com atenção.

Ouvindo apenase gato e passarinhoe gatoe passarinho (na manhãveloze azulde ventania e arvoresvoando)e cãolatindo e gato e passarinho (sórumoresde cãoe gatoe passarinhoouçodeitadono quartoàs dez da manhãde um novembrono Brasil)

Acerca do poema acima reproduzido, considere as seguintes afirmativas:I. No plano da linguagem poética,

pelo menos um dos procedimentos empregados pelo autor em Muitas vozes encontra-se exemplificado em “Ouvindo apenas”: o texto espacializado (a linguagem de base visual).

II. O sujeito lírico de “Ouvindo apenas” mantém-se desligado do mundo objetivo, mostrando-se insensível a estímulos físicos.

III. O emprego de quadras e tercetos isométricos associa “Ouvindo apenas” ao modelo estrutural do soneto.

IV. O poema justapõe dois registros da realidade: fora dos parênteses, os elementos da realidade são relacionados de forma objetiva; dentro dos parênteses, fica evidenciada a atuação do componente subjetivo.

V. Embora use recursos do fazer poético concretista, Ferreira Gullar harmoniza a ousadia formal com a representação da emoção.

Assinale a alternativa correta.a) Somente as afirmativas I, IV e V são

verdadeiras.b) Somente as afirmativas I e III são

verdadeiras.c) Somente as afirmativas II, III e IV são

verdadeiras.d) Somente as afirmativas II, III e V são

verdadeiras.e) Somente as afirmativas II, IV e V são

verdadeiras.

Texto para a questão 04

RedundânciasFerreira GullarTer medo da morteé coisa dos vivoso morto está livrede tudo o que é vidaTer apego ao mundoé coisa dos vivospara o morto não há(não houve)raios rios risosE ninguém vive a mortequer morto quer vivomera noção que existesó enquanto existo

04. (UEPG - 2009) Analise as proposições e, considerando os aspectos do poema e a obra em que está inserido, assinale o que for correto.01) Esse poema de Ferreira Gullar, do livro

“Muitas Vozes”, reitera a temática da obra – a morte – algo simples, no entanto redundante, como o próprio título nos aponta.

02) Para o eu-lírico o vivo tem a ideia fixa da morte; o morto não tem noção do próprio estado em que se encontra, estado de puro nada.

04) Depreende-se no poema que para o morto, em seu estado atual, não há raios (metonímia: tempestades – metáfora das tristezas), rios (metáfora das travessias da vida), e risos (metáfora das alegrias), só o estado do nada.

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A escolha de quem pensa! 41

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08) A repetição sonora da consoante “R” (nono verso: “raios rios risos”), sem a pausa forçada das vírgulas, sugere a passagem veloz das imagens da vida – imagens condenadas ao nada.

16) Os poemas que compõem “Muitas Vozes” condensam toda experiência do poeta, acumulada ao longo de quase sete décadas, em alguns, a morte ganha significados diferentes.

Texto para a questão 05

AprendizadoQuando jovem escrevinum poema ‘começoa esperar a morte’e a morte era entãoum fachoa arder vertiginoso, os diasum heroico consumir-seatravés deesquinas e vaginasagora porémdepois detudosei queapenasmorro

GULLAR, Ferreira. Muitas Vozes (Adaptado).

05. (UEPG - 2009) Com relação ao poema, assinale o que for correto.01) A constatação da certeza da morte

implica um desejo de morte, um fato desolador.

02) Em tom de desespero, o poeta então constata: “sei que / apenas / morro”.

04) O poema nos chama indiretamente a atenção para dois elementos: a memória e a velhice, questões importantes para a construção dessa ótica relativamente conformada.

08) O poeta compara suas duas posturas em face do objeto a morte que, se na juventude era percebido como algo heroico, um “facho / a arder vertiginoso”, um “consumir-se / através de / esquinas e vaginas”, agora, após toda uma vida, é visto com serenidade, com a sabedoria de quem há tempos – desde então – convive com esta reflexão e sabe que sua proximidade é real.

16) A morte se situa na obra com o significado de libertação.

06. Sobre as características literárias de Ferreira Gullar, marque a opção incorreta.a) Seus versos ora incorporam elementos

da literatura de cordel, como em João Boa-Morte, Cabra Marcado para Morrer (1962), ora se voltam para as tensões sociais e políticas do homem brasileiro, como em Dentro da Noite Veloz (1975) e Na Vertigem do Dia (1980).

b) O pós-modernismo de 45 raiado de veios existenciais, a poesia concreta e neoconcreta, a experiência popular-nacionalista do CPC, o texto de ira e protesto ante o conluio de imperialismo e ditadura, a renovada sondagem na memória pessoal e coletiva... são todos momentos de uma dialética da cultura brasileira de que Ferreira Gullar tem participado como ator de primeira grandeza.

c) Ajudou a fundar o grupo Opinião e escreve com Oduvaldo Viana Filho a peça Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Com Dias Gomes escreve a peça Dr. Getúlio, sua vida e sua glória.

d) com o Poema sujo, 1975, que Ferreira Gullar encontra a solução dos impasses políticos e estéticos que impediam-no de realizar uma poesia de primeira grandeza. Politicamente, ele rompe com o comprometimento explícito das obras da década de 1960, preferindo embutir a questão social nas ações e lembranças que o poema evoca.

e) Após seu retorno ao país em 1977, Ferreira Gullar tornou-se o poeta pouco valorizado dentro da redemocratização brasileira, não voltando a ter forte atuação na área cultural.

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O GUARANIJOSÉ DE ALENCAR

Foi o escritor que facilitou a nacionalização da literatura no Brasil e consolidou o romance brasileiro.

No ano de 1876, Alencar vendeu tudo o que tinha e viajou para a Europa com Georgina e seus filhos, buscando tratamento para sua tuberculose.

Em 1877, Alencar morreu no Rio de janeiro, vítima da tuberculose.

Principais obras

I Romances urbanos: » Cinco minutos (1857); » A viuvinha (1860); » Lucíola (1862); » Diva (1864); » A pata da gazela (1870); » Sonhos d’ouro (1872); » Senhora (1875); » Encarnação (1893, póstumo).

II Romances históricos e/ou indianistas: » O Guarani (1857); » Iracema (1865); » As minas de prata (1865); » Alfarrábios (1873); » Ubirajara (1874); » Guerra dos mascates (1873).

III Romances regionalistas: » O gaúcho (1870); » O tronco do ipê (1871); » Til (1872); » O sertanejo (1875).

Resumo do Enredo

Como observa o próprio Alencar, nas “notas do autor”, o título dado ao livro – “o guarani” – “significa o indígena brasileiro”. Peri, pois, protagonista da história, seria não só o representante da grande nação tupi-guarani (da tribo dos goitacás), como também o símbolo do aborígine brasileiro em geral.

Dados biográficos

José de Alencar nasceu em 1° de maio de 1829, em Mecejana, CE, e faleceu dia 12 de dezembro de 1877, no Rio de Janeiro, RJ.

Era filho de José Martiniano de Alencar e Ana Josefina de Alencar. Desde a infância José apreciava a leitura, a vida sertaneja e a natureza, sob a influência do sentimento nativista que o pai revolucionário lhe passava.

Em companhia dos pais, viajou do Ceará à Bahia, entre os anos de 1837-38. Seguiram para o Rio de Janeiro e nessa frequentou o Colégio de Instrução Elementar.

Foi para São Paulo em 1844, onde cursou Direito. Voltou para o Rio de Janeiro, período em que exerceu sua profissão e colaborou no Correio Mercantil, além de escrever para o Jornal do Comércio.

Foi eleito Deputado Federal pelo Ceará e Ministro da Justiça, porém não conseguiu ser Senador, sua maior ambição. Por não alcançar seu objetivo, abandonou a política e dedicou-se somente à literatura.

Em 1856, publicou Cartas sobre a Confederação dos Tamoios, nesse mesmo ano lançou seu primeiro romance, Cinco Minutos.

Publicou, em forma de folhetins, O Guarani, no ano de 1857; essa obra lhe rendeu popularidade.

Escreveu romances indianistas, urbanos, regionais, históricos, obras teatrais, poesias, crônicas, romances-poemas de natureza lendária e escritos políticos.

José de Alencar explorou em suas obras o movimento indianista.

Em 1866, Machado de Assis elogiou fervorosamente a obra Iracema, de forma que o autor sentiu-se enobrecido.

A admiração de Machado de Assis por José de Alencar era tanta que escolheu-o como patrono de sua Cadeira na Academia Brasileira de Letras.

José de Alencar se preocupou em retratar sua terra e seu povo de tal forma que muitas obras suas relatam mitos, lendas, tradições, festas religiosas, usos e costumes observados por ele, com o objetivo de dar a feição do Brasil aos seus textos.

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O Guarani foi publicado, inicialmente, sob a forma de “FOLHETIM”, de fevereiro a abril de 1857. Segundo consta, sua publicação fez grande sucesso na época, sendo os exemplares do jornal, em que era publicado, disputados avidamente pelo público leitor. O interesse era, talvez, semelhante ao que acontece hoje com as novelas de televisão.

Além de O Guarani, Alencar publicou diversos outros romances, sendo, até hoje, um dos autores mais lidos da literatura brasileira. A crítica costuma dividir os seus romances em quatro grupos:

1. romances urbanos: A Viuvinha, Diva, Lucíola, Senhora, etc. cujo cenário é a corte do Rio de Janeiro;

2. romances históricos: As Minas de Prata e Guerra dos Mascates;

3. romances regionalistas: O Gaúcho, Sertanejo, O Tronco do Ipê;

4. romances indianistas: O Guarani, Iracema e Ubirajara.

Importante observar que Alencar, no prefácio a Sonhos d’ Ouro, classifica O Guarani como “romance histórico” – certamente levado por alguns elementos históricos que o livro apresenta. Mas, como observa Oscar Mendes, na introdução da coleção “Nossos Clássicos”, “achamos de melhor alvitre arrolar O Guarani entre os romances indianistas, onde melhor se enquadra, pois o fundo verdadeiramente histórico da narrativa e por demais limitado e sem importância”.

O Guarani é um livro estruturado bem ao gosto romântico, pois o enredo contém ingredientes que lhe são próprios: amor, aventuras, vilões, além do exótico e do pitoresco dos personagens e do cenário.

A rigor, o livro (como, de resto, todo “romance romântico”) é muito mais uma novela que um romance. Basta lembrar que existe uma nítida preocupação pelo enredo, o que não acontece com o verdadeiro romance, cuja característica básica é a análise. Além do mais, O Guarani apresenta superficialidade de caracteres, inexistindo, nas personagens, “densidade psicológica” e traços que as caracterizam e “personificam” dentro do livro. Em geral, observa-se que os personagens seguem linhas preestabelecidas, bem ao gosto da época, com traços marcadamente simbólicos, inteiramente destituídas de “personalidade”.

ENREDO E ESTRUTURA

Em síntese, em O Guarani se contam as dramáticas lutas do fidalgo português D. Antônio de Mariz contra os índios que lhe assediam a casa e terras e contra a revolta dos homens d’arma a seu serviço, estimulados pelo ex-frade italiano, Loredano. Encontra D. Antônio de Mariz leal e dedicado aliado na pessoa do índio Peri, fascinado pela beleza celestial de Cecília, filha de D. Antônio. Peri salva mais de uma vez a vida de Ceci, como a chamava, e, tornado cristão, recebe do fidalgo português a missão de salvar-lhe a filha quando, impossibilitado de resistir por mais tempo à investida numerosa dos selvagens, resolve destruir sua casa para não se render.

Paralelamente, narram-se também no livro os amores de Isabel, filha natural de D. Antônio de Mariz, e do jovem fidalgo D. Álvaro de Sá”.

Todos esses fatos são colocados, detalhadamente, nas quatro partes que compõem o livro:

Primeira ParteA primeira parte, intitulada “Os Aventureiros”,

e que consta de quinze capítulos, faz uma descrição do lugar onde se achava a casa de D. Antônio de Mariz, situada às margens do rio Paquequer no interior do Estado do Rio. Está-se em 1604, época em que Portugal esta sob o domínio espanhol. Aliás, é por essa razão que o leal fidalgo português se refugia nesse recanto. Não pretendia prestar vassalagem ao rei da Espanha.

“– Aqui sou português! Aqui pode respirar à vontade um coração leal, que nunca desmentiu a fé do juramento”.

Longe da civilização, nesse recanto semelhante a “um castelo feudal da Idade Média”, vivia o leal fidalgo com sua mulher, D. Lauriana; seu filho, D. Diogo; suas filhas Cecília e Isabel (esta última, filha natural – tida como “sobrinha”).

Com o desenrolar da narrativa, novas personagens são introduzidas: Álvaro de Sá e Loredano que entram em ação já demonstrando uma rivalidade que sempre os acompanhará. É aqui que aparece o índio Peri às voltas com a captura de uma onça.

Destaca-se ainda na primeira parte a trama de Loredano, frade renegado (= Ângelo di

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A escolha de quem pensa!44

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Luca) que pretende assassinar D. Antônio de Mariz e levar Cecília consigo, pois devotava por ela violenta paixão. Para isso, alicia dois companheiros: Rui Soeiro e Bento Simões que se deixam levar pela promessa de riqueza fácil (Loredano era possuidor do mapa das lendárias minas de Robério Dias).

Por outro lado, destaca-se também a apreensão de D. Antônio de Mariz que prevê um ataque dos índios: seu filho, D. Diogo, acidentalmente, matara uma índia e o fidalgo teme a vingança. É o que relata ao seu fiel escudeiro Aires Gomes no Capitulo VI.

Aos poucos, a narrativa vai-se concentrando em torno de Peri, o protagonista da história, e da sua protegida, Cecília. Suas façanhas preenchem capítulos e mais capítulos e sempre esta presente, quando a filha de D. Antônio de Mariz corre perigo: ao banhar-se nas águas de um rio, Peri salva-a de morte certa, quando os parentes da índia morta por D. Diogo querem vingá-la. Nesse mesmo dia, Peri descobre toda a trama diabólica e hedionda de Loredano.

Segunda Parte“Peri” é o titulo da segunda parte. Aqui,

através de um “flash back”, que se alonga até o Capítulo IV, o autor volta ao ano de 1603 para explicar a origem de Loredano: era o frei Ângelo di Luca que, em confissão, obteve o roteiro das minas de prata de Robério Dias. Abandona de forma escusa a batina e arquiteta um plano para ficar com a riqueza e com a bela filha de D. Antônio em cuja casa se hospeda como aventureiro.

É também através desse “flash back” que ficamos conhecendo a origem de Peri: a família do fidalgo português passeava tranquilamente e Cecília corria pelos campos, quando rola uma imensa pedra e está prestes a esmagar a menina. É aqui que surge Peri: numa atitude hercúlea, esbarra a pedra e salva Cecília de morte certa. A partir daqui, seu contato com a família será constante, sempre como “anjo da guarda” de Cecília por quem devotava verdadeira adoração, pois o índio a confundia com Nossa Senhora. Não obstante, a filha de D. Antônio o despreza e magoa. É aqui que surge o apelido “Ceci” (= a que magoa). Mas logo a menina percebe o lado sublime da ação do índio e a história vai-se concentrando, cada vez mais, no envolvimento dos dois.

Retomando a historia, Loredano trama contra a vida de Álvaro (era seu concorrente na disputa de Cecília), mas Peri o salva de morte certa, quando o vilão ia matá-la à traição.

Por outro lado, sentindo que Isabel amava a Álvaro, Cecília, num gesto nobre e grandioso, provoca o encontro dos dois, depois de presentear a “irmã” com o bracelete que Álvaro lhe dera.

Depois de tantas façanhas, Peri está na iminência de ser mandado embora: D. Lauriana, que não gostava do índio e achando que ele punha a vida de todos em perigo, exigiu que D. Antônio o despedisse. Aqui todo o heroísmo anônimo do índio se revela e ele continuaria prestigiado pelo fidalgo português.

A segunda parte encerra com uma sugestiva “xácara”, cantada por Cecília, que narrava o amor de uma “cristã” e de um “mouro”, sem dúvida, o caso dela e do índio:

“Tu és mouro; eu sou cristã”

Terceira ParteIntitulada “Os Aimorés”, a terceira parte

se concentra na perfídia de Loredano que começa a executar o seu diabólico plano. Mas Peri, atento a todas as manobras do ex-frade, mata a Rui Soeiro e Bento Simões e a queda de Loredano está iminente.

Aqui surge o inimigo comum: os Aimorés.Movidos pela vingança, os índios cercam a

casa do fidalgo português que não tem forças suficientes para rechaçá-los. Novamente é Peri que vem salvá-los, entregando-se como prisioneiro aos aimorés, após envenenar o seu corpo. Seu plano era envenenar todos os índios, pois fatalmente eles comeriam a sua carne, e salvar Cecília com o sacrifício de sua vida.

Quarta ParteNa quarta parte, intitulada “A Catástrofe”,

Álvaro entra em cena e, num gesto de bravura e coragem, salva Peri no exato momento em que ia morrer.

Por outro lado, Loredano é condenado à fogueira e Álvaro, ao sair com uma caravana em busca de víveres, é morto pelos índios. Mais uma vez, é Peri quem surge e arrebata o corpo das mãos dos antropófagos índios e o leva, já morto, à casa de D. Antônio. Isabel, que não saberia viver sem ele, ingere veneno e morre também para se encontrar com o amante na outra vida.

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Diante de nova investida dos aimorés e vendo-se perdido, D. Antônio incumbe Peri de salvar sua filha, levando-a para casa de sua irmã no Rio de Janeiro. Antes, há a cerimônia de batismo e Peri se torna cristão, recebendo o nome de Antônio.

Adormecida, Peri carrega Cecília, numa canoa, pelo rio abaixo, quando a casa do fidalgo explode: era D. Antônio que explodia o paiol de pólvora destruindo os seus e também os índios.

Enquanto isso, a canoa vai descendo, lentamente, o rio Paraíba. Peri quer cumprir a sua missão: levar a filha de D. Antônio de Mariz ao seu destino. A menina, porém, quer ficar com o índio a quem já ama. Um temporal começa a desabar. Um pouco mais, e o rio transbordaria. Tal como na lenda de Tamandaré (= Noé bíblico), Peri e Cecília refugiam- se no topo de uma palmeira. Ás águas começam a subir e, num esforço hercúleo, o índio arranca a palmeira e os dois somem-se no horizonte.

Personagens

Em geral, não é difícil a caracterização das personagens românticas. Apresentam sempre as mesmas características, de acordo com o que prescrevia o figurino romântico.

Em o Guarani, avultam-se como as mais importantes:

1. PERI: é um super-homem que encarna bem as qualidades que o autor lhe confere como símbolo da terra e da pátria brasileira: e corajoso, bravo, impetuoso, leal e nobre, como reconhece o próprio D. Antônio. “É para mim uma das coisas mais admiráveis que tenho visto nesta terra, o caráter desse índio. Desde o primeiro dia que aqui entrou, salvando minha filha, a sua vida tem sido um só ato de abnegação e heroísmo. Crede-me, Álvaro, e um cavalheiro português no corpo de um selvagem!” Peri é, pois, um selvagem idealizado, dono de qualidades que fariam inveja aos mais nobres e leais fidalgos medievais. Por outro lado, é o protetor de Cecília – o seu “anjo da guarda”, como o chamou D. Antônio:

“A casa onde habita um amigo dedicado como este, tem um anjo da guarda que vela sobre a salvação de todos” Por ela, não hesitaria em matar ou morrer como demonstrou várias vezes. Para ele, Cecília não era um simples mortal; mas uma santa que ele protegia e cultuava, – “uma religião”; “Em Peri, o sentimento era um culto, espécie de idolatria fanática, na qual não entrava um só pensamento de egoísmo”

2. CECILIA: com seus “grandes olhos azuis”, “lábios vermelhos” e “longos cabelos louros” e o protótipo da beleza romântica. Como já mostramos, encarna bem a mulher-anjo do Romantismo: “esse anjo louro, de olhos azuis, representava a divindade na terra”, como escreve Alencar. Bela, pura, inocente, virgem, essa menina e dona de qualidades morais dignas de uma heroína romântica. Quando percebe que Isabel ama a Álvaro, não hesita em sacrificar-se em favor da “irmã”. É bem verdade que se revelou mesquinha e ingrata com Peri no início, desprezando-o e magoando-o. É daí que surge o apelido “Ceci”, a que magoa, como lhe chamou o índio.

3. D. ANTONIO DE MARIZ: é o protótipo do fidalgo medieval, colocando acima de tudo a lealdade, a honra, a dignidade e a nobreza: “Português de antiga têmpera, fidalgo leal, entendia que estava preso ao rei de Portugal pelo juramento da nobreza e que só a ele devia preito e menagem” Ao isolar-se com sua família, lembra bem o sistema feudal da Idade Média onde ele era o senhor – o patriarca absoluto e autônomo, prestando contas de seus atos apenas ao rei de Portugal. O caso com seu filho, D. Diogo, e bem um exemplo do seu patriarcalismo.

4. LOREDANO: como já se falou, é o vilão da história, representando bem o antagonista. Frade renegado, levando uma vida cheia de crimes, Loredano

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era o “gênio do mal”, uma inteligência voltada ao crime”. Sua participação no livro é das mais importantes: se não fosse ele, muitas das ações nobres e dignas do protagonista não seriam realçadas.

5. ÁLVARO: é outro que tem traços de herói romântico: corajoso, leal e digno são adjetivos que 1he ficam bem. Embora não tivesse tido muita oportunidade de demonstrar suas qualidades, provou a sua coragem ao libertar Peri das garras dos aimorés. No mais serve de par a Isabel em mais uma tragédia romântica.

6. ISABEL: com “seus olhos grandes e negros, o rosto moreno e rosado, cabelos pretos, lábios desdenhosos, sorriso provocador”, representa bem a beleza e a sensualidade da mulher brasileira, como observa o autor: “Era um tipo inteiramente diferente do de Cecília; era o tipo brasileiro em toda a sua graça e formosura, com o encantador contraste de languidez e malícia, de indolência e vivacidade”. “Filha natural” de D. Antônio, Isabel é um misto de anjo e demônio, pois “vendo essa moça morena, lânguida e voluptuosa, o espírito apegava-se à terra, esquecia o anjo pela mulher; em vez do paraíso, lembrava-lhe algum retiro encantador, onde a vida fosse um breve sonho”. Infelizmente Álvaro morreu e não pode provar desse “breve sonho” e ela, romanticamente, o acompanha, despojando-se de sua provocadora “cor de jambo”.

As outras personagens que sobressaem são: D. LAURIANA, esposa de D. Antônio; seu filho, D. DIOGO, responsável pela morte da índia que provocou a vingança dos aimorés; e seu escudeiro, AIRES GOMES, que empresta um pouco de comicidade à narrativa.

Destacam-se ainda OS AIMORÉS que, como Loredano, assumem também a função de antagonista.

Exercícios

01. (MACK) “Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava Rousseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobreleva em beleza d’alma e corpo.

Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e desin-teressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.

Por felicidade nossa — e de D. Antônio de Mariz — não os viu Alencar; sonhou-os qual Rousseau. Do contrário lá teríamos o filho de Arará a moquear a linda menina num bom braseiro de pau-brasil, em vez de acompanhá-la em adoração pelas selvas, como o anel benfazejo do Paquequer.”

Depreende-se do texto que o indianismo romântico:a) caracterizou-se pela observação fiel do

tipo físico e da paisagem brasileiros.b) promoveu a idealização do nosso

indígena, segundo o mito rousseauniano do “bom selvagem”.

c) serviu-se grandemente da etnologia para retratar os índios brasileiros belos de alma e de corpo, não obstante a ferocidade canibalesca.

d) nasceu de um acurado estudo etnológico realizado por sertanistas, que se preocuparam em dar-nos uma imagem fiel do índio brasileiro.

e) procurou compor a imagem do índio brasileiro, conjugando características de certo modo antitéticas: cani-balismo e civilização, ferocidade e total desprendimento amoroso.

02. O romance O Guarani, de José de Alencar, publicado em 1857, é um marco da ficção romântica brasileira. Dentre as características mais evidentes do projeto romântico que sustentam a construção dessa obra, destacam-se

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A escolha de quem pensa! 47

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I. a figura do protagonista, o índio Peri, que é um típico herói romântico, tanto pela sua força física como pelo seu caráter;

II. o amor do índio Peri por Cecília, uma moça branca, sendo que esse amor segue o modelo medieval do amor cortês;

III. o fato de o livro ser ambientado na época da colonização do Brasil pelos portugueses, dada a predileção dos românticos por narrativas históricas;

IV. o final do livro marca o retorno a um passado mítico, pois Peri e Cecília simbolicamente regressam à época do dilúvio.

Então, estão corretas:a) I e II.b) I, II e III.c) I, II e IV.d) I, III e IV.e) todas.

03. (FUVEST) Assim, o amor se transformava tão completamente nessas organizações*, que apresentava três sentimentos bem distintos: um era uma loucura, o outro uma paixão, o último uma religião.

............ desejava; ............. amava; .............. adorava(*organizações = personalidades)

Neste excerto de O Guarani, o narrador caracteriza os diferentes tipos de amor que três personagens masculinas sentem por Ceci. Mantida a sequência, os trechos pontilhados serão preenchidos corretamente com os nomes de:a) Álvaro / Peri / D. Diogob) Loredano / Álvaro / Peric) Loredano / Peri / D. Diogod) Álvaro / D. Diogo / Perie) Loredano / D. Diogo / Peri

04. (CEAP-AP) “O hálito ardente de Peri bafejou-lhe a face. Fez-se no semblante da virgem um ninho de castos rubores e lânguidos sorrisos: os lábios abriram como as asas purpúreas de um beijo soltando o vôo. A palmeira arrastada pela torrente impetuosa fugia...E sumiu-se no horizonte.”

Qual das afirmações seguintes não encontra correspondência na cena final do romance O Guarani, anteriormente transcrita?a) “Extinto pelo dilúvio (a tempestade) o

passado dos dois jovens (Peri e Cecília), superam-se as relações de vassalagem que havia entre ambos, bem como se superam as diferenças raciais e culturais.”

b) No final do romance, o amor de Peri por Cecília permanece vassalo, fraterno, platônico.

c) A bela união amorosa entre Peri e Cecília, sugerida por Alencar, simboliza a origem da raça brasileira.

d) A rica adjetivação, a comparação, a metáfora e a prosopopéia são traços estilísticos da prosa alencariana, presentes no texto.

e) O heroísmo do índio Peri salvando Cecília reflete, no romance, a teoria do “bom selvagem”.

05. Em O Guarani, o autor procura valorizar as origens do povo brasileiro e transformar certos personagens em heróis, com traços do caráter do “bom selvagem”: pureza, valentia e brio. Essa tendência é típica do: a) romance urbano b) poemas épicos c) romance regionalista d) poemas históricos e) romance indianista

06. Em O guarani, três homens deixam-se cativar pela jovem Ceci. Sobre essas relações sentimentais, assinale a única alternativa correta.a) Loredano dedica a Ceci uma paixão

profunda, que o impele a praticar ações recrimináveis em nome do sonho de enriquecer e tornar-se digno de casar-se com a filha de D. Mariz.

b) O amor sensual que Álvaro secretamente alimenta por Ceci opõe-se à castidade dos sentimentos de Peri pela moça.

c) Peri, fiel protetor de Ceci, sente ciúmes de Loredano e Álvaro e, por isso, tenta impedir que eles se aproximem de .sua senhora.. Sendo assim, percebe-se que o amor de Peri por Ceci não era tão desinteressado quanto parecia.

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A escolha de quem pensa!48

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d) O respeitoso afeto de Peri foi sempre correspondido por Ceci, mas precisou aguardar que o índio se cristianizasse para poder se transformar em amor confesso, possivelmente realizado.

e) Ainda que escolhido como genro por D. Antônio de Mariz, Álvaro sabe que Ceci não o ama e, por isso, não tenta conquistar a simpatia da moça.

07. Assinale a alternativa que apresenta um trecho em que se verifica o emprego da metalinguagem por parte do narrador de O guarani.a) .Poucas horas depois que Loredano

fora admitido na casa de D. Antônio de Mariz, Cecília chegando à janela de seu quarto viu do lado oposto do rochedo Peri (...)..

b) .Mas não antecipemos; por ora ainda estamos em 1603, um ano antes daquela cena, e ainda falta contar certas circunstâncias que serviram para o seguimento desta verídica história..

c) .Naquele tempo dava-se o nome de bandeiras a essas caravanas de aventureiros que se entranhavam pelos sertões do Brasil, à busca de ouro (...)..

d) .Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor do cobre, brilhava com reflexos dourados (...)..

e) .Como é solene e grave no meio das nossas matas a hora misteriosa do crepúsculo (...)..

08. Leia o trecho de O guarani, em que o narrador estabelece considerações sobre o protagonista do romance no momento em que ele e Ceci estão sozinhos, fugindo dos Aimorés.

.Peri, que durante um ano não fora para ela [Ceci] senão um amigo dedicado, aparecia-lhe de repente como um herói (...).(...)

No meio dos homens civilizados, era um índio ignorante, nascido de uma raça bárbara, a quem a civilização repelia e marcava o lugar de cativo. Embora para Cecília e D. Antônio fosse um amigo, era apenas um amigo escravo.

Aqui , porém, todas as d ist inções desapareciam; o filho das matas, voltando ao seio de sua mãe, recobrava a liberdade; era o rei do deserto, o senhor das florestas,

dominado pelo direito da força e da coragem.”

Assinale a alternativa que interpreta corretamente o trecho.a) Peri, ao final da narrativa, volta ao

seu habitat, onde pode demonstrar pela primeira vez seu valor e sua heroicidade.

b) O julgamento que o narrador faz de Peri, um bárbaro entre os civilizados, revela a percepção de que o índio jamais poderia ser elevado ao patamar de ancestral simbólico da nação brasileira.

c) No trecho e em toda a obra, o narrador oscila entre o louvor das qualidades do herói e a preservação da ideia de superioridade dos valores da civilização branca, o que determina uma perspectiva conciliatória do processo colonizador brasileiro.

d) Ceci não poderia confessar sua admiração por Peri enquanto vivia com sua família porque sua mãe, dona Laureana, desprezava os indígenas. Além disso, a moça demonstra consciência de que os índios jamais passariam de cativos no processo de colonização brasileira.

e) O narrador assume a perspectiva discriminatória contra os indígenas, reduzindo-o a um bárbaro escravo; Peri só pode mesmo ser considerado um herói na perspectiva da apaixonada Ceci.

09. Sobre O guarani, é incorreta a afirmação:a) A morte acidental da índia aimoré,

provocada por D. Diogo de Mariz, é o e lemento def lagrador do acontecimento central do romance: o esperado ataque dos aimorés contra o solar dos Mariz.

b) Loredano opõe-se a Álvaro por desejar Ceci, e é diametralmente oposto a Peri, por seu caráter traiçoeiro e por ameaçar o bem-estar da família de D. Antônio.

c) D. Laureana, ao contrário do marido, não simpatizava com Peri, revelando-se preconceituosa contra os índios, atitude que também afeta Isabel, mestiça aceita na família como sobrinha órfã de D. Antônio de Mariz.

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A escolha de quem pensa! 49

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d) Peri demonstra todo seu altruísmo e astúcia ao tentar sacrificar-se para com isso matar os índios que ameaçavam a família Mariz.

e) D. Antônio de Mariz procura, como honrado fidalgo, salvar a qualquer custo a vida de seus familiares. Por isso, havia preparado uma emboscada contra os índios, enchendo de pólvora o porão de seu solar.

Leia os trechos transcritos de O Guarani para responder a questão 10.

.(...) Continuando a descer, chegava-se à beira do rio, que se curvava em seio gracioso, sombreado pelas grandes gameleiras e angelins que cresciam ao longo das margens.

Aí, ainda a indústria do homem tinha aproveitado habilmente a natureza para criar meios de segurança e defesa.”

.Como é solene e grave no meio das nossas matas a hora misteriosa do crepúsculo, em que a natureza se ajoelha aos pés do Criador para murmurar a prece da noite!.

10. Analise as afirmações sobre a natureza em O guarani. Em seguida assinale a alternativa adequada.I. A natureza cumpre importante papel

na obra, caracterizando a .cor local., isto é, as especificidades da paisagem brasileira, descrita ora como bela e delicada, ora como enérgica, misteriosa e ameaçadora.

II. Na descrição da paisagem empregam-se palavras de origem indígena para designar plantas e animais próprios das matas tropicais; além disso, a adjetivação é abundante, de modo que a impressão é sempre a de uma natureza de variadas e extremadas qualidades; por fim, a natureza é frequentemente descrita por meio de associações metafóricas, o que empresta um caráter fantasioso ao texto.

III. A paisagem tipicamente brasileira opõe-se completamente à civilização, à cultura, à religiosidade; por isso, no romance ao solar dos Mariz destaca-se e isola-se completamente da selva.

a) Todas as afirmações são verdadeiras;b) Somente a afirmação I é verdadeira;c) Somente a afirmação I e II são

verdadeiras;d) Somente as afirmações II e III são

verdadeiras;e) Somente a afirmação II é verdadeira.

GABARITODOM CASMURRO

01. D 02. E 03. A 04. D 05. B

06. D 07. E 08. B

FELICIDADE CLANDESTINA

01. A 02. D 03. A 04. C 05. D

06. 14 07. D 08. C 09. B

DOIS IRMÃOS

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06. C 07. E

MUITAS VOZES

01. E 02. 25 03. A 04. 31 05. 12

06. E

O GUARANI

01. B 02. E 03. B 04. B 05. E

06. D 07. B 08. C 09. E 10. C