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517 O “messias” negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978) * “Viva a nova monarquia brasileira; Viva Dom Pedro III !” 1 The black “messiah”? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978) “Hurrah to the new Brazilian monarchy; Hurrah to Dom Pedro III !” PETRÔNIO DOMINGUES Doutor em História/USP Professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste) R. Universitária, 1619, Cx. Postal 701, Jardim Universitário, Cascavel, Paraná, 85819-110 [email protected] O sindicalismo, na acepção de Veiga dos Santos, tinha uma natureza corporativa, por isso apregoava o corporativismo no meio negro. Dentro deste espírito, ele incentivava a união dos negros na FNB, tanto na aquisição de terreno quanto na construção da casa própria, pelo sistema de mutirão. No Império Patrianovista, entre- tanto, quem não tivesse uma “profissão ou função qualquer” seria “desclassificado: vadio não tem direito nenhum” (O Comando Patrianovista, Jan. de 1934, p.3). Racismo, supremacismo do branco, preconceito de cor e discriminação racial compõem o fator raça, a primeira contradição para as massas de origem africana na sociedade brasileira (...). A esta se juntam outras, como a contradição de classes e de sexo. (Abdias do Nascimento). 1 Agradeço a leitura atenta e os comentários de Marcos Cesaretti e da Prof. Dra. Teresa Malatian. * Artigo recebido em 21/12/2005. Aprovado em 17/03/2006. VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, nº 36: p.517-536, Jul/Dez 2006

Domingues 2006 Varia Historia (1)

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517O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)*Viva a nova monarquia brasileira;Viva Dom Pedro III !1The black messiah?Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)Hurrah to the new Brazilian monarchy;Hurrah to Dom Pedro III !PETRNIO DOMINGUESDoutor em Histria/USPProfessor da Universidade Estadual do Oeste do Paran (Unioeste)R. Universitria, 1619, Cx. Postal 701, Jardim Universitrio,Cascavel, Paran, [email protected] sindicalismo, na acepo de Veiga dos Santos, tinha uma natureza corporativa, porissoapregoavaocorporativismonomeionegro.Dentrodesteesprito,ele incentivava a unio dos negros na FNB, tanto na aquisio de terreno quanto na construo da casa prpria, pelo sistema de mutiro. No Imprio Patrianovista, entre-tanto, quem no tivesse uma profisso ou funo qualquer seria desclassificado: vadio no tem direito nenhum (O Comando Patrianovista, Jan. de 1934, p.3).Racismo, supremacismo do branco, preconceito de cor e discriminao racial compem o fator raa, a primeira contradio para as massas de origem africana nasociedadebrasileira(...).Aestasejuntamoutras,comoacontradiode classes e de sexo. (Abdias do Nascimento).1Agradeo a leitura atenta e os comentrios de Marcos Cesaretti e da Prof. Dra. Teresa Malatian. *Artigo recebido em 21/12/2005. Aprovado em 17/03/2006.VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006518Petrnio DominguesRESUMOA proposta deste artigo fazer breves apontamentos acerca dabiografiapessoal,polticaeintelectualdeArlindoVeigadosSantos (1902-78), uma das principais lideranas negras na primeira metade do sculo XX. Abordaremos centralmente seu ativismo poltico e postulados ideolgicos frente do movimento negro e monarquista, consubstancia-dopelaFrenteNegraBrasileira(1931-37)eAoImperialPatrianovista Brasileira (1932-37;1945-64), respectivamente. Para finalizar, ventilamos ahiptesedequeVeigadosSantosreificaatradiodeumsetorda populao negra brasileira manter, no perodo republicano, simpatia pela monarquia.Palavras-chaverelaes raciais, movimento negro e monarquistaABSTRACTThe proposal of this article is to make briefs commentaries concerningthepersonal,politicsandintellectualbiographyofArlindo Veiga dos Santos (1902-78), one of the main black leaderships in the first half of the 20th century. First, it is supposed to approach his political fight and ideological postulates in front of the black and monarchist movement, helpedbytheFrenteNegraBrasileira(1931-37)andtheAoImperial Patrianovista Brasileira (1932-37;1945-64), respectively. Later, we ventilate the hypothesis that Veiga dos Santos quotes the tradition that part of the Brazilian black population seems to keep in the republican period, affection for the monarchy. Key wordsracial relations, black and monarchist movement.1. IntroduoPatrcios!Matemos a repblica, antes que a repblica mate o Brasil!Estamosentreduasrevolues:arevoluodaordemearevoluoda anarquia!Guips do III Imprio! A postos!(...) Que nos importa a repblica? Merece, essa criminosa, carinho algum dos Brasileiros! Vendeu-os, empobreceu-os, desmoralizou-os, anarquizou-os, f-los miserveis e desgraados em 40 anos, sob a cor mentida do progresso!Morra a repblica!!!Que que se espera mais do liberalismo?Que que se espera da sua ltima manifestao paroleira no Brasil - a consti-tuinte republicana?A gente de So Paulo que, por mal dos seus pecados e por injunes secretas, entrou sinceramente na aventura da constitucionalizao (falo da gente humilde e no-politiqueira, a qual no obedece aos estrangeiros e aos patres ocultos judeo-manicosquesabemoquantolhesrendemasconstituies!)est descrente daquela brincadeira.519O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006Faliu a repblica.Ela matar o Brasil, se ns a no matarmos antes!2Por que Arlindo Veiga dos Santos, um negro, chefe geral patrianovista, defensor da religio, ptria e raa, em plena dcada de 1930, escreveria e distribuiria um boletim vociferando tanta averso forma de governo re-publicana? Ser que, em ltima instncia, ele esteja culpando a repblica ou a democracia constitucional por todos os problemas que passaram a enfrentar seus patrcios, dentre os quais os ex-escravos e seus descen-dentesnops-abolio?Serqueseudiscurso,portanto,transparece algum tipo de ressentimento racial travestido de revolta poltica? Trata-se deumnegroque,porventura,dirigiriaalgumaorganizaofascista,to em voga naquele perodo? Ou simplesmente trata-se de mais um lder ne-gro saudosista do sistema monarquista, debelado em 1889? No temos ainda a resposta definitiva, porm abordaremos essas e outras questes no decorrer deste artigo. Arlindo Veiga dos Santos foi uma das maiores lideranas da populao negranaprimeirametadedosculoXX,respeitado,inclusive,pelaelite intelectual branca. Presidiu a maior entidade negra na histria do pas, a Frente Negra Brasileira (1931-1937). Aliado luta poltica anti-racista, Veiga dos Santos desenvolveu uma ativa produo intelectual. Presidiu, tambm, a Ao Imperial Patrianovista Brasileira, uma organizao monarquista que teveinseroemvriosestadosdopas.Santosteveumatrajetriade vida pautada pela perseverana e abnegao. Mas, afinal, quem foi essa legenda?2. Um personagem desconhecido dos anais da histriaArlindo Veiga dos Santos ainda um lder negro razoavelmente desco-nhecido dos anais da histria. Na nossa avaliao, este dado um indicador do quanto a produo acadmica no Brasil no preza pela diversidade racial e permanece preterindo ou escamoteando alguns personagens negros. Em nfimas pesquisas, Veiga dos Santos objeto de uma investigao histrica ou sociolgica.ApesquisapioneiraadesvendarumadasfacetasdeSantosfoia dissertao de mestrado A Ao Imperial Patrianovista Brasileira, de Teresa Maria Malatian Roy. Embora a proposta do trabalho seja, fundamentalmente, reconstruir a histria e dilemas da organizao poltica que serve de ttulo da pesquisa, em alguns momentos a autora tece consideraes acerca do seu 2 O Comando Patrianovista. Boletim pessoal do chefe geral patrianovista Arlindo Veiga dos Santos, n.2, janeiro de 1934, p.1. Em todas as citaes de documentos foi respeitado o portugus da poca, preservando-se, desta maneira, o original.520Petrnio Dominguesfundador, Arlindo Veiga dos Santos, cujo pensamento foi influenciado pelo catolicismo conservador, integralismo Lusitanto e os estudos de Histria do Brasil (Malatian Roy,1978: 48). Em pesquisa posterior, publicada com o ttulo Imprio e Misso: um novo monarquismo brasileiro, Teresa Malatian aprofundaaanlisedopatrianovismoerevelanovasfacetasdestemo-vimentomonarquista,comosuavinculaosclassesmdiascatlicas antiliberais, no contexto da reao espiritualista dos anos 1920. JotrabalhoMovimentoNegroemSoPaulo:lutaeidentidade,de ReginaPahimPinto,rastreiaemseodedeterminadocaptuloo programapoltico-ideolgicoencampadoporArlindoVeigadosSantos, opatrianovismo,edimensionaseuimpactonomovimentonegrodeum modo geral e na Frente Negra Brasileira, em especial. Suas principais hi-pteses so: primeiro, as propostas patrianovistas desse lder negro, direta ouindiretamente,influenciaramsobejamenteaFrenteNegra;segundo, tais propostas tinham muitos pontos em comum com as bandeiras do integralismo, a verso brasileira do fascismo italiano: possvel perceber muitas afinidades entre ambos ou, pelo menos, a repercusso de muitas idias dos lderes da Ao Integralista Brasileira nos princpios patrianovistas, defendidos por Arlindo Veiga dos Santos, tanto nas suas obras como nos seus artigos publicados na imprensa negra. Muitos princpios integralistas podem ser identificados, tambm, na maneira como o lder negro concebia a Frente Negra (Pinto,1993:129). No livro de coletnea Dialtica Radical do Brasil, Clvis Moura destina um sucinto tpico, O intelectual negro dividido: Arlindo Veiga dos Santos,para abordar as idias polticas e raciais deste intelectual: adepto de uma postura independente do negro, articulador de um projeto ne-gro talvez o mais importante aps a Abolio (...) personificou a imagem dessa inteligentsianegraque,sedeumladosentiaadiscriminaosociale tnica pela qual passava a comunidade negra, do outro, tinha o seu pensamento integrado em uma postura monarquista, nacionalista, catlica e elitista (Moura, 1994: 193).No entanto, o mais comum Arlindo Veiga dos Santos ser citado obli-quamente ou simplesmente ser tematizado em um nico pargrafo. Deste caso,podemosmencionarapesquisaNegrosebrancosemSoPaulo (1888-1988), de George Reid Andrews (1998: 230): Um dos participantes de maior destaque da vida cvica negra em So Paulo du-rante a dcada de 1920, e freqente colaborador da imprensa negra, foi Arlindo VeigadosSantos,ummigrantedaBahiaquetrabalhavacomosecretrioda Faculdade de Direito e jornalista em tempo parcial. Dos Santos trabalhou com Jos Correia Leite e Jayme Aguiar em seus esforos para organizar o Congresso da Juventude Negra, e tambm foi presidente do Centro Cvico Palmares.521O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006Lamentavelmente, o nico pargrafo que George Andrews reserva para enfocar o nosso personagem marcado por imprecises. Primeiro, porque Veiga dos Santos no era migrante da Bahia, mas paulista, proveniente da cidade de Itu; segundo, porque jamais trabalhou como secretrio da Fa-culdade de Direito. A nica faculdade de Direito que existia em So Paulo na poca, a do largo do So Francisco, era pblica e Santos, por questo de princpio, sempre recusou cargos pblicos. Na dcada de 1930, rejeitou o convite para assumir a secretaria da Educao do Estado de So Paulo, alegandoquenosebeneficiariadopresuntorepublicano.3Porisso, strabalhoueminstituiesprivadasdeensino.E,finalmente,peloque consta, ele nunca foi presidente do Centro Cvico Palmares (1926-1929), conceituada entidade negra que existiu em So Paulo. 3. Arlindo Veigas dos Santos e o movimento monarquistaNo dia 12 de fevereiro de 1902, nascia Arlindo Jos da Veiga Cabral dos Santos na cidade de Itu, interior de So Paulo. De origem humilde, iniciou naquelacidadeseusestudos,emescolascatlicas.Aindaadolescente, reveloutalentoliterrioejornalstico,tantoescrevendopoesiasquanto colaborandoemalgumaspublicaeslocais.Porproblemasfinanceiros dafamlia,transferiu-separaSoPaulo,ondefezcursouniversitriona Faculdade de Filosofia e Letras de So Paulo (que se tornaria futuramente a Faculdade So Bento). Nesta instituio, concluiu o curso de Filosofia e Letras, em 1926. Destacou-se precocemente na vida acadmica, tornando-se colaborador da revista Filosofia daquela instituio. A religio influenciou imensamente a formao ideolgica de Veiga dos Santos. Desde a mais tenra idade, esteve ligado ao catolicismo praticante. QuandosemudouparaSoPaulo,filiou-seCongregaoMarianada Imaculada Conceio de Santa Ifigncia. Foi um carola mariano muito apli-cado, a ponto de ter chegado presidncia dessa irmandade, em 1940. Levava uma vida asctica, freqentando assiduamente o culto, fazendo do jejum e da penitncia hbitos constantes (Malatian Roy, 2001: 46). Veiga dos Santos colaborou ou dirigiu alguns jornais catlicos, entre os quais OMensageiro da Paz e O Sculo. Ele tambm foi membro do Centro D. Vital deSoPaulo,ligadorevistaAOrdem,peridicodeorientaoultra-conservadora que congregava os intelectuais catlicos, dentre os quais o proeminente Jackson de Figueiredo.Em 3 de maro de 1928, em conjunto com alguns amigos, Veiga dos Santos fundou o Centro Monarquista de Cultura Social e Poltica Ptria-Nova(CMCSP Ptria Nova). Nesse perodo, Santos j havia estabelecido as ba-3Entrevista de Regina Pahim Pinto com Francisco Lucrcio, 23.05.1989, p.34.522Petrnio Dominguesses do programa poltico-filosfico-religioso de construo da Ptria-Nova, fundada no princpio de que a instaurao do III Imprio seria a salvao para todos problemas do Brasil. Encontramos um artigo publicado no jornal da imprensa negra,4 em que Arlindo Veiga dos Santos j expe o mote de seu pensamento: A grande obra da ao negra no Brasil deve comear pela famlia pois que ela a clula-me de toda a sociedade civil. a fa-mlia a unio do varo e a esposa com seus filhos, debaixo do governo do varo. ela o prottipo da sociedade poltica ou estado mais perfeito, isto monarquia.5VeigadosSantoserainclinadoaprofecias,predestinaes,premoni-es, smiles evanglicas, julgava-se inspirado por Deus e dotado de carisma. Acreditava que ao completar 33 anos lhe aconteceria algo muito importante (Carta de A. Paim Vieira, So Paulo, 17/2/1977 apud Malatian Roy,1978: 51). Da provavelmente seu estilo messinico. Ainda paira certo mistrio sobre sua personalidade e vida pessoal. Conforme depoimento de Raul Joviano do Amaral um companheiro de militncia no movimento negro ele, nessa poca, s tinha uma cala e um palet, um sapato desbeiado. Passava privaes ma-teriais e tinha at dificuldade de alimentao.6 Iniciava e encerrava as reunies do CMCSP Ptria Nova com uma orao, e frisava que o prprio movimento de defesa do III Imprio nasceu sob a inspirao da Santssima Trindade. Em 1932, essa organizao reformou os estatutos e se transformou em Ao Imperial Patrianovista Brasileira (AIPB). Apesar da contribuio importante dada por seus companheiros, Veiga dos Santos foi o responsvel pela criao do movimento patrianovista, tanto no referente ao programa como aos estatutos doCentro Monarquista de Cultura Social e Poltica e da Ao Imperial Patrianovista Brasileira (Malatian Roy,1978:65). Eis o programa do patrianovismo:I - CREDO - Privilgio do Catolicismo, Religio obrigatria nas escolas pblicas, nos quartis, institutos hospitalares e correcionais, etc.II - MONARQUIA - Imperador responsvel que reine e governe, escolhendo livre-mente os seus ministros. Base municipal sindicalista da organizao do Estado Imperial. Direitos magestticos da Dinastia Nacional, aclamada pela Nao no fundador poltico da Ptria Imperial Brasileira D. Pedro I, e agora representada por S. A. I. Dom Pedro Henrique.III - PTRIA E RAA BRASILEIRA - Afirmao da Ptria Imperial Brasileira; sua valorizao espiritual (religiosa, intelectual e moral), fsica e econmica. Afirmao da Raa Brasileira em todos os seus elementos tradicionais e novos integrados (filhos de estrangeiros). Soluo sria e definitiva do problema negro-ndio-ser-tanejo. Formao e valorizao fsica, intelectual e religioso-moral nacionalista da Raa Brasileira. Definio da situao do estrangeiro dentro do Imprio ins-taurado. Reao contra todas as formas de imperialismo estrangeiro no Brasil.4 Imprensa negra uma referncia aos jornais produzidos por negros e dirigidos comunidade negra em So Paulo no incio do sculo XX (Ferrara, 1986).5 O Clarim d`Alvorada. So Paulo, 13.05.1927, p.3.6Entrevista de Raul Joviano do Amaral a Ana Lcia Valente e Joo Batista Borges Pereira., s/d, p.8.523O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006IV - NOVA DIVISO ADMINISTRATIVA - Diviso do Pas em provncias menores, puramente administrativas. Educao obrigatria especial contra o esprito re-gionalista e intensificao do amor cidade natal ou municpio, clula da Ptria Imperial. Capital no centro do Imprio. V - ORGANIZAO SINDICAL das classes profissionais de produo espiritual (religiosa, moral e intelectual) e econmica: clero, magistrio, artes liberais, artes mecnicas, agricultura, comrcio e indstria nacionais, e outras, com base da verdadeira representao nacional.VI - CAPITAL NO CENTRO DO IMPRIO.VII - POLTICA INTERNACIONAL ALTIVA E CRIST. VIII - ENTENDIMENTO ESPECIAL IBERO-AMERICANISTA (Revista Ptria-Nova. So Paulo, 09/1929). Em panfleto escrito por Arlindo Veiga dos Santos, ficava expresso, de maneiraconcisa,aideologiadomovimentodoqualfoiaclamadoChefe Geral:SomosPtria-Nova,extremadireitaradicaleviolenta,afirmadoresdeDeuse suaIgreja,afirmadoresdaPtriaImperialeCatlica,inimigosirreconciliveis e intolerantes do burguesismo, plutocratismo e capitalismo materialista, ateu, gozador,explorador,internacionalista,judazanteemaonizante;inimigosda repblica, dos partidos, do parlamentarismo, em suma do liberalismo religioso, poltico e econmico; enfim, to inimigos tambm da anarquia bolchevista que com erros igualmente grandes pretende em vo corrigir a tirania da burguesia liberal, como inimigos da ordem social mentirosa, instalada em quase todo o mundo .7Arlindo Veiga dos Santos era, antes de mais nada, um negro reacion-rio, na medida em que buscava anular as foras progressistas da histria e inverter a tendncia de modernizao da sociedade brasileira, lutando pelo restabelecimento de uma ordem poltica e social obsoleta. Era nacionalista xenfoboeanti-semitafervoroso.Noseudiscurso,ojudeueradescrito comoumexploradorquesempreapareciaassociadoburguesiainter-nacional, s finanas, usura, encarnao dos interesses aliengenas. Nos seus escritos polticos, ele constantemente evocava o suposto compl judaico-manico.Descrente nas instituies da democracia liberal, culpava o capitalismo imperialista, a ao dos judeus e da maonaria, de um lado, e os comunistas, de outro, pelas mazelas da sociedade brasileira de um modo geral e, dos negros, em particular. Rechaava radicalmente o parlamento e as eleies, atribuindo-lhes uma das causas da desordem, desorganizao e runa do Brasil. Igualmente, abominava os partidos polticos, considerados nefastos porque representavam vrias faces; logo, atentavam contra a unidade 7 O Clarim de Ptria-Nova. So Paulo, s/d.524Petrnio Dominguesnacional. Na sua concepo, a soluo para as mazelas do pas, tais como: a desonestidade, a imoralidade, os erros polticos, econmicos, a inflao, a impunidade, s dependia de uma soluo totalitria: a instaurao de um Estado orgnico neo-monarquista dotado de um governo forte. Quanto ao seu anticomunismo, vale assinalar que, entre 1932 e 1933, Veiga dos Santos j havia integrado em So Paulo a efmera Liga contra o Comunismo.8 Similarmente, no podemos minimizar o papel do espiritua-lismo cristo em seu pensamento. Este, alis, um dos motivos pelos quais repudiava todas ideologias liberais, democrticas ou suas pretensas filhas comunistas. Para esse lder negro, tais ideologias, por natureza, afrontavam a Soberania Divina, ou seja, contrariavam a realizao do Cristo Total ou a existncia do corpo mstico, que s poderia ser alcanado pela fidelidade absoluta f (Pinto,1993:134). As publicaes doutrinrias do movimento patrianovista foram diversas. Em 1929, ainda quando a entidade denominava-se Centro Monarquista de Cultura Social e Poltica Ptria-Nova, lanou-se o primeiro nmero da revista Ptria-Nova, trazendo como subttulo Religio, Ptria e Raa. Em 1933, foi fundado o Boletim Ptria-Nova, suplemento mensal da revista, dirigido por Veiga dos Santos e Paulo Dutra da Silva. No mesmo ano, Veiga dos Santos, afirmando seu personalismo, resolveu publicarO Comando Personalista,boletim pessoal do chefe-fundador do movimento: Este Boletim grito de guerra, de combate; ao reivindicatria dos direitos que tem a Ptria Brasileira de ser Imperial, de ser Catlica, ao acusatria chamandoacontasaR...pblica,oliberalismo,ademocracia;olibelo franco e decidido contra a Anti-Nao, constituda pelo judasmo, maonismo, comunismo... .9Em 1932, foi criada a Guarda Imperial Patrianovista (GUIP), um grupo paramilitar voltado para defender o movimento dos ataques dos comunis-tas, proteger o Brasil-Cristo e preparar a instaurao do III Imprio. A maior parte dos milicianos era jovem e ficava contagiada com a pregao envolventedeVeigadosSantos,exortando,inclusive,ousodasarmas: precisamos lutar violentamente, pela pena, pela palavra e pelas armas, contra o brasilzinho ridculo liberal-judeo-manico-republicano e traidor.10Tantoosmilicianoscomoosdemaispatrianovistasusavamasaudao Glria!,proferidademaneiraimponente,acompanhadadeumgesto: obraodireitolevementeestendido,comosdedospolegar,indicadore 8Carta de 31 de janeiro de 1936. Pronturio no. 2018, Isaltino Veiga dos Santos. Arquivo DEOPS.9 Boletim Ptria-Nova. So Paulo, julho/agosto de 1933.10 O Comando Patrianovista. Boletim pessoal do Chefe-Geral Patrianovista Arlindo Veiga dos Santos. Dezembro de 1933, p.6.525O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006mdiolevantados(MalatianRoy,1978:127).Otermoeraumaabreviao do Glria Santssima Trindade!.Noaugedomovimentopatrianovista,especulou-sequeoherdeiro presuntivo do trono brasileiro, D. Pedro Henrique de Orleans e Bragana, confabulavanosmeiosmonarquistas.11ACasadeBraganachegoua manter contato com o chefe geral patrianovista, conforme a carta do pr-prio D. Pedro Henrique: agradeo ao ilustre Dr. Veiga dos Santos e aos seusvalorososcolaboradoresoinestimvelservioprestadoaoBrasile Monarquia,estudandoeorganizandooplanodaOrgnica,sobcuja bandeira por sem dvida se uniro todos quantos almejam ver instalados noBrasiloregimedaliberdade,dejustia,dehonestidade,quefez,no passado, a grandeza de nossa terra e que, no futuro, proporcionar nossa gente dias de paz, de concrdia, de felicidade e de progresso.12 Na sua pesquisa, Malatian (Malatian Roy, 2001:135) tambm apresenta uma carta de D. Pedro Henrique, de 1933, aclamando simpaticamente o movimento patrianovista. Aps 1945, o herdeiro presuntivo do trono brasileiro passa a residir no pas e se aproxima da AIPB, realizando vrias visitas sua sede em So Paulo. Essa ltima autora ainda anexa referida pesquisa algumas fotos de Arlindo Veiga dos Santos ao lado de D. Pedro Henrique. Em 1934, Veiga dos Santos, alegando motivos particulares, renun-ciou presidncia da Ao Imperial Patrianovista Brasileira. Extremamente autoritrio, no tolerava nenhum tipo de indisciplina ou desrespeito hie-rarquia. Apesar dessas justificativas, desconfia-se que a verdadeira causa do afastamento de Santos da chefia-geral da entidade tenha sido o racismo que sofrera dos dirigentes patrianovistas brancos (Malatina Roy,1978:113). Noentanto,elecontinuouinfluenciandoosrumosdomovimentoe,em 1936,reassumiu,discricionariamente,achefia-geraldaorganizao,em um segundo mandato. O movimento se expandiu para mais de quinze estados do pas. En-tretanto, em 1937, Getlio Vargas liderou um golpe de estado, instalou um regime ditatorial batizado de Estado Novo, e colocou todas as organizaes polticasnailegalidade.Dessemodo,chegouaofimaprimeirafasedo movimento patrianovista. Quando foi fechada, segundo Alfredo Teixera de Jesus, o movimento tinha mais de duzentos e cinqenta mil (250.000) adeptos.13 Tratava-se deumaestimativademasiadamenteexagerada,provavelmentecomfins propagandsticos. Alm dos patrianovistas jamais terem efetuado um censo interno na organizao, as fontes consultadas indicam que seu movimento 11Arquivo DEOPS. Carta encontrada no Dossi no. 50-J-88.12Carta recebida em 25.09.1950 In: CIERO, Hermes di. Honra ao Mrito. So Paulo: AIPB, 1951, p.5.13JESUS, Alfredo Teixeira de Jesus. Boletim Pela Monarquia . So Paulo, AIPB, 08.08.49.526Petrnio Dominguesno teve insero nas massas. Pelo contrrio, no passou de um movimento nitidamente vanguardista.Com efeito, o patrianovismo foi talvez o movimento poltico de ultradireita mais expressivo no Brasil antes da fundao da Ao Integralista Brasileira(AIB), em 1932. Alguns entendem que o Patrianovismo era uma combinao hbrida de fascismo com neomonarquismo catlico. Havia muitas afinidades entre a AIPB e a AIB. No discurso patrianovista, o integralismo era apon-tado como uma proposta complementar da Ptria-Nova (Malatian Roy, 2001:68).PlnioSalgado,oprincipaldirigenteintegralista,trocavacartas com Arlindo Veiga dos Santos e tentou o apoio dele para seu movimento, o que nunca aconteceu.14 Segundo Jos Carlos de Ataliba Nogueira ex-integrante da AIPB - Plnio Salgado, no incio da AIB, ameaava culpar a no adeso dos patrianovistas por um eventual malogro do integralismo no pas.15 Porm, quando o integralismo se tornou movimento de massa, alguns patrianovistas como Lus da Cmara Cascudo16 e o ento padre Hlder Cmara migraram para a AIB. 4. Arlindo Veiga dos Santos e o movimento negroUm outro campo de atuao de Veiga dos Santos foi a luta pela ele-vaomoral,polticaesocialdapopulaonegra.Desdeadcadade 1920engajou-senomovimentonegroorganizado,escrevendoparaos jornais da raa e se empenhando na construo das entidades negras, como o clebre Centro Cvico Palmares. Em 16 de setembro de 1931, foi um dos fundadores e primeiro presidente da Frente Negra Brasileira (FNB). Criadaemumcontextodeforteascensodomovimentonegro,aFNB materializava o avano na luta pela unio poltica e social da Gente Negra Nacional. Esta organizao desenvolveu vrios projetos, dentre os quais, uma escola noturna para jovens e adultos, da qual Veiga dos Santos foi um dos professores. Era um dos coordenadores do trabalho de doutrinao da massa negra, ministrando cursos, realizando palestras ou simplesmente discursando nas chamadas domingueiras. Veiga dos Santos pretendia arregimentar os negros e as negras para acausamonarquista.Assim,aFNBconstituiu-seemoutroespaode 14Porm, no podemos esquecer de que, no incio de 1932, Arlindo Veiga dos Santos um dos fundadores em conjunto com Plnio Salgado e outros intelectuais da Sociedade de Estudos Polticos (SEP), o ncleo embrio-nrio e pensante do movimento integralista (Carone: 1982). Ele permanece neste grupo at o incio do segundo semestre daquele mesmo ano. 15Entrevista de Jos Carlos de Ataliba Nogueira a Teresa Maria Malatian Roy, s/d, p.2.16Na poca que era patrianovista, Lus da Cmara Cascudo escreveu um artigo no Dirio de Natal, do Rio Grande do Norte, denominado O Mestre Solitrio, em que enaltece a sapincia de Arlindo Veiga dos Santos, qualificado de doutor em filosofia, um alto pensador, sabotado no nosso pas por uma autoridade invisvel, mas co-nhecido quando se passa a fronteira do Brasil. Este artigo foi transcrito em CIERO, Hermes di. Honra ao Mrito.So Paulo: AIPB, 1951, p.4.527O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006difuso das idias patrianovistas. Esta, tambm, a inferncia de Teresa Malatian:embora os militantes (patrianovistas) dispusessem de organizao prpria, bus-cavam atuar em diversos meios, nos quais pudessem divulgar o movimento e criar condies para que a exigncia de instalao da monarquia se apresentasse espontaneamente`. Nessa estratgia se inclui a atuao dos patrianovistas junto Frente Negra Brasileira, sobretudo com a participao de Veiga dos Santos (Malatian Roy, 2001: 54). Ele, por exemplo, utilizava o jornal da FNB para fazer proselitismo de seu projeto poltico-ideolgico. Mas no podemos superestimar a recepo das suas idias no meio negro. Segundo Francisco Lucrcio ex-dirigente da FNB o Arlindo Veiga dos Santos orientava o negro no sentido nacionalis-ta, mas o negro no chegava a compreender o que era patrianovismo.17De toda sorte, possvel identificar algumas semelhanas, neste pe-rodo, entre o movimento da Frente Negra Brasileira e o movimento patria-novista. Ambos se posicionavam a favor do nacionalismo exacerbado, da defesa das tradies brasileiras e repudiavam o comunismo. Era comum os dirigentes da FNB fazerem ataques democracia e ao liberalismo. Arlindo Veiga dos Santos, aproveitando o terreno frtil, articulou uma aproximao dos dois movimentos. Dois fatos, pelo menos, evidenciam essa articulao: Isaltino Veiga dos Santos, seu irmo, e Salathiel Campos eram patrianovistas que participavam ativamente das atividades da FNB. O primeiro at che-gou a ser o Secretrio Geral da organizao. Um outro indcio, ainda que residual, da tentativa de apromixao, foram as recomendaes de Veiga dos Santos para que os patrianovistas freqentassem a FNB, contratan-do os servios oferecidos pelo seu gabinete dentrio.18 Ele implantou no movimento negro uma filosofia anloga a que imprimiu ao patrianovismo. Por exemplo, a estrutura organizacional da FNB era verticalizada, fundada em uma rgida hierarquia e no esprito quase espartano de disciplina, nos moldes que ele projetou na Ao Imperial Patrianovista Brasileira.19Este lder negro foi o autor do estatuto dessas duas organizaes, por isso, talvez, ainda seja possvel apontar outras coincidncias entre elas: mantinhamafiguradoChefeGeral,compoderaltamentecentralizado, auxiliado pelo Grande Conselho; destacaram alguns ativistas os cabos distritais da FNB correspondiam aos arautados patrianovistas para rea-lizar o trabalho de base de construo do movimento; criaram uma milcia eadotaramumasriedesinaisdiacrticos(bandeira,braso,hino).No 17Entrevista de Francisco Lucrcio a Regina Pahim Pinto, em 23.05.1989, p.22.18 O Comando Patrianovista. Dezembro de 1933, p.6.19SegundoTeresaMalatianRoy(MalatianRoy,2001:16),opensamentoautoritriodefendeumaorganizao hierrquica da sociedade como condio para se alcanar a ordem, entendendo que a ausncia de um rgido ordenamento hierrquico fatalmente leva a sociedade ao caos e desagregao.528Petrnio Dominguescaso da FNB, a milcia possua uma linha de frente composta por negros capoeristas.Carismticoeeloqente,VeigadosSantosconquistouaadmirao dosafiliadosdaFNB.Emdeterminadopanfletodeagitao,escreveu: Meus irmos negros! Viva a raa!.20Centralizador e personalista, dirigiu a entidade de maneira muito autoritria. No admitia divergncia e perseguia seusadversriospolticos.Oregimeditatorialdegovernoerapropalado por Santos como a melhor alternativa de conduo dos frentenegrinos, conformeescreveu:Nadadeapelarparaassembliasgerais,queso contraosnossosEstatutos.Nadadequereremtodosmandar!Hum Presidente Geral e um Grande Conselho. Tudo que o Presidente Geral e o G.C. fazem para o bem de todos os Frentenegrinos e todos os negros de boa-vontade.21Em 1933, a FNB publicou o jornal A Voz da Raa, tendo como subttulo Deus, Ptria, Raa e Famlia. Esta consigna diferenciava-se da palavra de ordem dos integralistas apenas no acrscimo do termo Raa. Plnio Salgado, a principal liderana integralista, chegou a ter um de seus artigos publicado no jornal A Voz da Raa. Segundo um antigo ativista do movimento negro, ArlindoVeigadosSantosparticipoudoPrimeiroCongressodaAoIn-tegralistaBrasileira,ocasionaqualproferiuumdiscursoprometendoo apoio da Frente Negra Brasileira e de seus 200.000 negros aos integralistas (Leite&Moreira,s/d:13).Temosdvidasseestainformaoprocede,22o que sabemos, seguramente, que A Voz da Raa, como j assinalamos, foi um rgo da imprensa negra usado como instrumento propagandstico do programa ideolgico patrianovista (Pinto:1993,136). Em artigo batizado de Basta de explorao!!!, Arlindo Veiga dos Santos afirmava tal programa, indicando, por exemplo, de que maneira o regime nazista alemo em matria de projeto nacional e poltica racial devia ser transplantado para o Brasil: Que nos importa que Hitler no queira, na sua terra, o sangue negro? Isso mostra unicamente que a Alemanha Nova se orgulha da sua raa. Ns tambm, ns Brasileiros, temos RAA. No queremos saber de ariano. QUEREMOS O BRA-SILEIRO NEGRO E MESTIO que nunca traiu nem trair a Nao.Nssomoscontraaimportaodosangueestrangeiroquevemsomente atrapalhar a vida do Brasil, a unidade da nossa Ptria, da nossa raa da nossa Lngua.20Arquivo DEOPS. Pronturio no.1538. Documento de 04.05.1932. 21 A Voz da Raa. So Paulo, 07/07/1934, p.1.22Para Teresa Malatian Roy (Malatian Roy, 2001:59), a cooptao da Frente Negra pela Ao Integralista Brasileira uma questo que permanece desconhecida, exceto por registros esparsos, como a notcia do comparecimento de Plnio Salgado em uma reunio na sede da Frente Negra em Santos, veiculada pelo jornal A Platia, de 16 de novembro de 1932. 529O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006Hitler afirma a raa alem. Ns afirmamos a Raa Brasileira, sobretudo no seu elemento mais forte: O NEGRO BRASILEIRO.23Neste excerto do artigo, Arlindo Veiga dos Santos fazia uma declara-o de princpio, cuja tnica era seu nacionalismo fundamentalista. Para o presidente da Frente Negra, no importava os meios, mas apenas os fins do nazismo: a valorizao racial da Alemanha. Por isso, era irrelevante se HitlerconduziaaAlemanhapormtodosracistas.Aaversonazistaao sangue negro era avaliada como uma medida de orgulho patritico, um gesto nacionalista, que visava, exclusivamente, proteger a raa ariana. O projeto nacional do regime nazista era concebido de maneira to po-sitiva, que, ns, brasileiros, deveramos aplic-lo em nosso pas, pelo menos no que dizia respeito sua ideologia racial, ou seja, tnhamos que ter uma postura anti-semita, xenfoba, sermos refratrios aos arianos e entrada dosimigrantesque,afinal,colocavamemriscoaunidadenacionale racial do pas. Implantando um projeto nacional nos moldes nazistas, con-seguiramos valorizar o autntico brasileiro, o negro ou mestio. Em suma, s com uma poltica racial de natureza nazista afirmaramos a verdadeira raa brasileira, sobretudo no seu elemento mais forte: o negro. Quantoaosentimentodehostilidadeporpartedomovimentonegro em relao ao estrangeiro, salientamos que, na nossa avaliao, foi uma reao que refletia a perda de espao do negro no mercado de trabalho formal no ps-abolio, cada vez mais monopolizado pelos oportunistas ou aliengenas imigrantes. ParaPinto(1993:129),muitasdasidiasdefendidaspelospatria-novistaseramapregoadasatravsdojornalAVozdaRaa,nospor Arlindo Veiga dos Santos, mas tambm por vrios outros lderes negros que militavam na Frente Negra. Em1934,VeigadosSantosseafastoudapresidnciadaentidade, mas continuou defendendo uma gesto totalitria, personificada na figura do chefe. Explicando as razes pelas quais atribua o sucesso da FNB, es-crevia: Frentenegrino obedece a uma disciplina. H unidade de comando etodosdefendemaautoridadedochefe.NingumdiscuteoChefe.Foi debaixo dessa disciplina que pudemos vencer os mais terrveis elementos da desordem soprada em nosso meio pelos elementos socialistas, isto comunistas.24ComainstauraodoEstadoNovo,em1937,aFNB tambm foi extinta.23SANTOS, Arlindo Veiga dos. Resposta a um boletim lanado pela canalha anarquista-comunista-socialista, que obedece aos patres judeus e estrangeiros. Frentenegrinos! Negros em geral! A postos contra a onda estrangeira, que, alm de vir tomar o nosso trabalho, ainda quer dominar, por um regime inquo e bandalho, o Brasil dos nossos avs. In: A Voz da Raa. So Paulo, 09.12.1933, p.1.24 A Voz da Raa. Setembro, 1936, p.1.530Petrnio Domingues5. O fim da maior liderana monarquista negra na repblicaCom a redemocratizao do pas, em 1945, Arlindo Veiga dos Santos relanouomovimentoPatrianovista.25Adespeitodeencabearummo-vimentoesvaziado,passouaservistocomofigurasuspeitapeloregime poltico vigente. Como resultado, foi vigiado pelo DEOPS (Departamento EspecialdeOrdemPolticaeSocial)apolciapolticadapocae chegou a sofrer tanto intimidao como perseguio policial. Rotulado de integralista, Veiga dos Santos teve suas correspondncia submetidas ao crivo da censura.26 Entre 1945 a 1964, a Orgnica Patrianovista constitui a obra bsica do movimento (Malatian Roy, 2001:71). Em 1955, aps a reati-vao da Ao Imperial Patrianovista Brasileira, publicou o jornal Monarquia.rgo da Chefia Geral Patrianovista, trazendo em letras garrafais o seguinte slogan: Sem Rei no h Unio Nacional. Neste perodo, continuou sua militncia pastoral na igreja Nossa Senhora da Boa Morte, situada na rua do Carmo, centro de So Paulo. Veiga dos Santos era culto, dominava vrias lnguas. Traduziu alguns livros. Foi professor de latim, ingls, portugus, histria, sociologia e filosofia. Lecionou em algumas escolas particulares e faculdades como, por exemplo, na Faculdade So Bento, que se transformou posteriormente na Pontifcia UniversidadeCatlica(PUC)deSoPaulo.Naqualidadedeintelectual, poeta e escritor, Veiga dos Santos autor de diversas obras: Os filhos da Cabana, Contra a Corrente, Para a Ordem Nova, Eco do Redentor, A lrica deLusGama, OProblemaOperrioeaJustiaSocial; Brasil,provncia de El-Rei, Sentimento de F, Incenso de minha misria, Nbrega e outros patrcios,Idiasquemarchamnosilncio,TotalitrioseDemocrticosna Redeno social do Brasil. Em 1923, publica o livro Amar... e amor depois,que mereceu a meno honrosa da Academia Brasileira de Letras. Desperta curiosidade o opsculo Satans. Escrito em 1924 quando o autor tinha 22 anos mas s publicado em 1932, um poema proftico, baseado num sonho tido em MCMXXII. Em 1956, foi eleito scio titular do Instituto Histrico e Geogrfico de So Paulo.Seu talento intelectual foi reconhecido internacionalmente, recebendo umasriedediplomashonorficos,dentreosquaismerecemdestaque: membro honorrio vitalcio, na qualidade de fellow da American International Academy, de Nova York; dignidade e honra da Estrela e Cruz de AcademicHonor; membro de honra da Lgion des Volsntaires du Sang, de Paris; s-cio de honra da Associazione Internazionale Insigniti Ordini Cavallereschi,25ArquivoDEOPS.ComunicadodoServioSecreto.Pastano.50-J-88.EncontramosdocumentosdoDEOPS comprovando que Arlindo Veiga dos Santos rearticulou o movimento patrianovista no ano de 1945. Essa data, entretanto, diverge da posio de Teresa M. Malatian Roy (1978:86), que aponta 1950 como ano de reativao do movimento.26Arquivo DEOPS. Documento de 10.05.1945 (confidencial). Pasta no. 30-Z-0-505531O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006de Palermo, Itlia.27 Alguns at asseguram que Veiga dos Santos era mais conhecido no exterior (Argentina, Portugal, Chile, Espanha, Cuba, Frana, Mxico ou Blgica) que em sua ptria.28J sem a mesma capacidade de mobilizao dos anos iniciais, o movi-mento Patrianovista esboroou-se progressivamente aps 1964, com o golpe militar que instalou a ditadura no pas.29 Na verdade, os patrianovistas foram vtimas de suas prprias aes polticas, pois, como revela Teresa Malatian Roy(2001:77),elesintegravamasforasdareaoqueconspirarame derrubaram o governo democrtico de Joo Goulart, em 1964. Com o fim das liberdades democrticas, Arlindo Veiga dos Santos ficou no ostracismo poltico. Solteiro, levando uma vida solitria, faleceu em 1978, defendendo seus ideais monarquistas.6. O pensamento racial de Arlindo Veiga dos SantosPara Arlindo Veiga dos Santos, a monarquia corporativista patrianovista era a sada para os ex-escravos e seus descendentes superarem a excluso na sociedade brasileira. Em artigo intitulado Os negros e o III Imprio, ele dissociava a imagem da monarquia brasileira do sculo XIX com o estatuto da escravido e denunciava que o golpe de estado que instituiu a repblica, em 1889, foi uma retaliao dos escravocratas pelo fato da monarquia ter libertado os escravos no ano anterior.30Pelo alvitre de Teresa Malatian Roy (2001:57), a crtica que Veiga dos Santos fazia ao sistema poltico vigente eranosentidoderesponsabilizaraRepblicapelasituaodepenria dos negros. Naconcepodestedirigentenegro,arepblicabrasileiratemuma espcie de ndole escravocrata, alm de que divide os irmos da mes-ma Raa,31 ao passo que a monarquia teria um valor providencial para o negro. Santos foi uma das primeiras lideranas negras a exigir que a rep-blica implementasse polticas pblicas especficas de educao moral e profissional32 em benefcio da populao negra. Seria uma medida repa-ratria ao estado de suposto entorpecimento cultural a que foi submetida tal populao no sistema escravista no Brasil. Ele defendia, em perspectiva mais ampla, uma via integracionista de combate ao racismo. Como informa Pinto (1993:137), o patrianovismo de Veiga dos Santos preconizava a monarquia com um imperador responsvel, que reinasse e governasse; um estado imperial orgnico de base municipal (corporativa), 27 Monarquia. Jan/fev., 1957, p.3.28CIERO, Hermes di. Honra ao Mrito. So Paulo: AIPB, 1951, p.529Apesar da represso poltica, o ltimo nmero do jornal Monarquia ainda foi publicado em julho de 1965. 30 O Comando Patrianovista. Boletim pessoal do chefe geral patrianovista Arlindo Veiga dos Santos. Janeiro de 1934, p.4.31 O Comnando Patrianovista. Jan. de 1934, p.2.32 Folha da Noite. So Paulo, 22.12.1931, p.1 e 3532Petrnio Dominguesum estado em que a representao se faz pela famlia e pelo trabalho. Por intermdio dos sindicatos profissionais e das corporaes sociais, econmi-cas e culturais (as universidades, as classes armadas, o clero, o magistrio, as profisses liberais, a agricultura, a indstria, o comrcio), dentro de uma instncia maior, a orgnica imperial, garantiria-se o bem estar da nao. Seria justamente esse estado orgnico-sindicalista o nico capaz de con-siderar a gente negra como uma realidade nacional, de forma igualitria aos outros grupos tnicos. Arlindo Veiga dos Santos preconizava a unidade da raa brasileira, pois entendia que o pas no tinha uma raa completamente definida. Para tanto,apontavaanecessidadedeacabarcomosquistosestrangeiros dentro do Brasil e impor um critrio novo em defesa da Velha-Raa em que ho de diluir-se os novos integrados (filhos de estrangeiros).33Combateu veementemente o mito da raa pura, do branco puro san-gue,comoescreveuemumpanfleto.Emseustextos,faziaquestode ressaltar que o cruzamento racial era processo inerente a todos os povos, por isso no havia justificativa para a desqualificao do mestio brasileiro. Cumpre assinalar que essa tomada de posio a favor dos mestios era uma resposta s explicaes cientficas da poca segundo as quais mestios e caboclos constituam uma raa inferior, incapazes de alcanar o grau mais alto da civilizao. Em vez dessa explicao do racismo cientfico, Veiga dos Santos entendia que o cruzamento das trs matrizes tnicas (indgena, lusi-tana e africana) resultaria na formao da raa brasileira, que pertenceria Grande Raa (Malatian Roy,1978:83). Em alguns documentos, defendeu inclusive a criao do Dia da Raa. Nasuaavaliao,araabrasileiraestavasendodesprezadapelos governos desmoralizantes da Repblica. Por isso, criticou visceralmente a imigrao europia promovida no final do XIX e incio do XX. Para Veiga dos Santos, a imigrao em massa de brancos era um processo acatli-co, de uma eugenia judia, expresso de um governo preocupado com a arianizao geral da nao brasileira. Contudo,nopodemoscometerequvocosinterpretativos:Arlindo Veiga dos Santos no desenvolve, em seus escritos, um projeto de negri-tude.ComoargumentaClvisMoura(1994:195),suapropostaconsiste, fundamentalmente,naformaodeumanaonaqualessasetnias iniciais portugus, ndio e negro construiriam as matrizes que dariam osalicercesfundamentaisdessatriangulaotnicadesembocandoem uma raa brasileira morena. A despeito da sua produo terica jamais ter sido voltada para pensar centralmente o problema do negro, Arlindo Veiga dos Santos acreditava, 33 O Comando Patrianovista. Dezembro de 1933, p.5.533O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006sub-repticiamente, que a eliminao do racismo iria acontecer no bojo da construo do modelo de sociedade patrianovista. Clvis Moura (1994:195) incisivo: No podemos ver no seu pensamento um direcionamento radi-cal reivindicativo do negro, mas uma proposta de nacionalismo capaz de diluir o racismo progressivamente, medida que os valores conservadores catolicismo, monarquismo e autoritarismo se afirmassem como valores politicamente dominantes. 7. guisa de consideraes finaisNo balano de Clvis Moura (1994:195), a trajetria poltica e ideolgica de Arlindo Veiga dos Santos um exemplo emblemtico da conscincia dividida da intelectualidade negra brasileira: se horizontalmente ele tem uma mensagem tnica de protesto, ou de contes-tao situao do negro no Brasil, verticalmente a sua vivncia reproduz os padres e valores da civilizao, da cultura e dos postulados religiosos, polticos e ideolgicos dos brancos. Em ltima instncia, tem a personalidade dividida, porque se de um lado protesta com ela, de outro um dominado subliminar-mente pela cultura do dominador. Porm, para compreendermos plenamente as contradies desse intelectual negro, precisamos adicionar uma outra varivel no balano de Clvis Moura: a tradio de uma gama de negros e negras, no regimerepublicano,apoiaremdemaneirapatenteoulatenteamonarquiano Brasil. Mas, afinal, como se operou historicamente esse processo ? Como foi possvel uma liderana negra, com discurso extremamente virulento e bizarro dedenncia,muitasvezesvaziadosistemapolticovigente,pelomenosna dcada de 1930, ter causado em alguma medida impacto na populao negra organizada? (Clvis Moura, 1994:195)Em1889,amonarquiafoiderrubadaprovavelmentequandoatingiu seu mais alto grau de popularidade entre a plebe negra e mestia do pas (Carvalho,1987:9;Chalhoub,1990:179).Aadmiraodosnegrosedas camadas populares, de um modo geral, se dirigia no s ao Imperador D. Pedro II, mas tambm sua filha, a princesa Isabel, considerada a salvadora da raa negra. Aps a abolio da escravatura, surgiu sob a inspirao de Jos do Pa-trocnio abolicionista e liderana negra da poca a famigerada Guarda Negra,umaorganizaocompostapornegroslibertosecapoeirasque, para demonstrar gratido princesa Isabel e monarquia, reprimia violen-tamente todas manifestaes pblicas contrrias ao Imprio e sobretudo s atividades do Partido Republicano. Em So Paulo, o jornal A Redempo,ligado organizao abolicionista caifazes, declarava seu apoio irrestrito tanto Princesa Regente como Guarda Negra, cujas aes geravam um clima de pnico na elite branca republicana (Schwarcz,1987:243). No obstante, com a proclamao da repblica, em 15 de novembro 1889, a 534Petrnio DominguesGuardaNegrafoidissolvidae,sintomaticamente,outrodirigentenegro monarquista, Andr Rebouas, parte para o exlio em Portugal, em solida-riedade famlia real. J o lder negro Jos do Patrocnio, permanece no Brasil e adere por alguns anos ao isabelismo.Nosseusprimeirosanosdevida,arepblicacontinuousofrendo oposio de diversos setores polticos, dentre os quais de grupos monar-quistas, que buscavam capitanear todo descontentamento popular frente aos primeiros governos republicanos (Janotti,1986). Entre os negros, esse processo no foi diferente, por exemplo, Lima Barreto o mais popular romancista do Rio de Janeiro - alimentava verdadeira ojeriza pela Repbli-ca e no ocultava sua simpatia pela Monarquia (Carvalho,1987:30). Esta significativa rejeio do meio negro aconteceu, desconfiamos, porque os consecutivos governos da Primeira Repblica levaram a cabo um projeto civilizatrio de branqueamento do pas, adotaram uma srie de medidas sanitrias antipopulares e autoritrias de limpeza tnica do espao urbano dasgrandescapitais,mas,principalmente,pelofatodoregimerepubli-cando ter abandonado a massa de ex-escravos e de seus descendentes sua prpria sorte, no lhes garantindo os plenos direitos no exerccio da cidadania (como emprego, moradia, terra, educao, participao poltica e liberdade de manifestao cultural ou religiosa). As autoridades policiais reprimiamrispidamenteasprticasdojogodobicho,dacapoeiraede qualquer religiosidade de matriz africana. Portanto, a repblica, no limite, teve uma orientao discriminatria e promoveu a marginalizao do povo negro,oquegerousriosressentimentose,porquenodizer,ofetiche nostlgico da ordem anterior.34EmSoPaulo,algumasfraesdoincipientemovimentonegroor-ganizadoquesurgiunoinciodosculoXXtambmsealinhavamem proldoidealmonarquista.Emdiversosartigosdosjornaisdaimprensanegra, possvel identificar um discurso explcito ou implcito de apologia desseregimepoltico.35Empraticamentetodo13deMaio,estesjornais publicavam editoriais ou matrias idolatrando a figura da princesa Isabel, que recebeu o epteto de a redentora.36 Encontramos, outrossim, artigos de enaltecimento a D. Pedro II.37 Ainda no jornal Progresso38 encontramos anotciadelanamentodarevistaPtriaNova,ligadoaoCentroMonar-quista de Cultura Social e Polcia, que, no seu primeiro nmero, trazia uma 34Florestan Fernandes (1978:64) recolheu, na dcada de 1950, o seguinte depoimento de um respeitado intelectual do meio negro: a monarquia foi melhor para os negros. Apesar das dificuldades que existiam ascenso do negro, por causa da vigncia da escravido, durante a monarquia sobressaram vrias personalidades negras. (...) Em todo perodo republicano, no se sobressaiu nenhum grande homem negro. Os que so apontados, se fizeram no tempo da monarquia.35 O Clarim d`Alvorada. So Paulo, 13.05.1927, p.3.36 Progresso. So Paulo, 15.11.1928, p.3.37 Progresso. So Paulo, dezembro de 1930, p.2.38 Progresso. So Paulo, 31.19.1929, p.5.535O messias negro? Arlindo Veiga dos Santos (1902-1978)VARIA HISTORIA, Belo Horizonte, vol. 22, n 36: p.517-536, Jul/Dez 2006homenagem a comemorao do 20 aniversrio de D. Pedro Henrique de Orleans e Bragana, herdeiro presuntivo do trono brasileiro. Como escreve George Andrews, ainda na dcada de 1930 a imprensa negra de So Paulo trazia notcias de clubes e organizaes sociais monarquistas, como por exemplo: Gentileza (Progresso.So Paulo, 24 de fevereiro de 1929, p.2) e D. Pedro Henrique (Progresso. So Paulo,28desetembrode1930,p.1).QuandoaescoladesambaVai-Vaifoi organizada em 1930, optou por colocar uma coroa no centro da sua bandeira com homenagem monarquia. (George Andrews, 1991:43)Portanto, quando Arlindo Veiga dos Santos entrou no cenrio histrico e lanou publicamente suas idias, na dcada de 1920, j havia, seja um sentimento difuso ou caldo de cultura anti-republicano, seja uma slida tradio de setores da populao negra no cultivo de uma representao positiva do Imprio e, no limite, um fascnio pela restaurao da monarquia nopas.Nessesentido,VeigadosSantosnoinovou,masapenasdeu continuidade a essa tradio, que, por sinal, se estende at os dias de hoje. Afinal, no podemos esquecer que no plebiscito de 1993, para decidir qual era a melhor forma de governo, alguns expoentes da comunidade negra no pas fizeram campanha publicitria em prol da monarquia, como a atriz Zez Mota, os cantores Jards Macal, Sandra de S e a sambista Dona Zica, ento liderana do Grmio Recreativo Escola de Samba Estao Primeira daManqueira.Damesmamaneira,importanteassinalarquealgumas instituiesconstitudasapenaspornegros,comoaImperialIrmandade Nossa Senhora do Rosrio e So Benedito dos Homens Pretos, do Rio de Janeiro, continuam reverenciando a memria da Princesa Isabel e mantendo fidelidade Casa Imperial. No jornal da referida entidade, Redeno, de setembro e outubro de 1999, alardeia-se a homenagem prestada a Dna. Isabel de Orleans de Bragana, bisneta da Princesa Isabel, em cerimnia realizadanasededairmandade,comemorativado13deMaio,diada abolio da escravatura. Assim, no seria possvel sustentar que as palavras de ordem de Arlindo Veiga dos Santos emprestadas como subttulo deste artigo permane-cem vivas no imaginrio de muitos negros e negras brasileiros? Viva a nova monarquia brasileira!Viva Dom Pedro III !3939SANTOS, Arlindo Veiga dos. O que Patrianovismo. s/d, p.2536Petrnio DominguesREFERNCIAS BIBLIOGRFICASANDREWS,GeorgeReid.NegrosebrancosemSoPaulo(1888-1988).Bauru:Edusc, 1998._______ O protesto poltico negro em So Paulo (1888-1988). Estudos Afro-Asiticos, (21):27-48, dezembro de 1991.BARBOSA, Mrcio (Org.). Frente Negra Brasileira: Depoimentos. So Paulo: Quilombhoje, 1998.BARBOSA, Wilson do Nascimento. O Problema do Negro na Histria do Brasil. Salvador: Conferncia na Universidade Federal da Bahia, 1985, mimeo.CARONE, Edgard. A Repblica Nova (1930-1937). So Paulo: DIFEL, 1974.CARVALHO, Jos Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a Repblica que no foi. So Paulo: Companhia das Letras, 1987.CARONE, Edgard. A Repblica Nova (1930-1937). 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