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Direito Tributário Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtuais | 2012 Pós-Graduação – 2012 DIREITO TRIBUTÁRIO CONTABILIDADE TRIBUTÁRIA E PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO LEITURA OBRIGATÓRIA AULA 4 PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA VISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA BRASILEIRO A PARTIR DE 2005 TATIANA MARQUES ESTEVES © DIREITOS RESERVADOS Proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem o prévio consentimento, por escrito, pelos autores. Publicação: Outubro de 2012

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Direito Tributário Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtuais | 2012

Pós-Graduação – 2012 DIREITO TRIBUTÁRIO CONTABILIDADE TRIBUTÁRIA E PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

LEITURA OBRIGATÓRIA – AULA 4

PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA VISÃO DO

CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA

FAZENDA BRASILEIRO A PARTIR DE 2005

TATIANA MARQUES ESTEVES

© DIREITOS RESERVADOS

Proibida a reprodução total ou parcial desta publicação sem o prévio consentimento, por escrito, pelos autores.

Publicação: Outubro de 2012

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PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA VISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO

DA FAZENDA BRASILEIRO A PARTIR DE 2005

1 INTRODUÇÃO

Com o presente trabalho pretende-se verificar quais são os requisitos considerados

indispensáveis, pelos julgadores do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda do

Brasil, para que um determinado planejamento tributário seja considerado lícito, nas

hipóteses em que não haja fraude ou simulação absoluta.

Coloca-se como problema de pesquisa ser ou não suficiente a licitude dos atos

jurídicos que envolvem operações de planejamento tributário e, de outro lado, a necessidade

de um propósito negocial que as justifique, que não a economia tributária em si.

A motivação da pesquisa decorre da edição do livro Planejamento Tributário,

publicado em agosto de 2004, de autoria do Professor Marco Aurélio Greco. A partir desta

obra foi introduzida na doutrina uma nova forma de pensar o planejamento tributário no

Brasil, traduzida pela expressão Liberdade com Capacidade Contributiva e calcada no

princípio da solidariedade social. Esta teoria conclui pela necessidade de haver um propósito

negocial e/ou econômico que justifique determinado ato jurídico ou operação que não seja,

pura e simplesmente, a redução da carga tributária através de um ato não fraudulento. Trata-

se, reitere-se, de uma releitura do princípio da capacidade contributiva, à luz do princípio da

solidariedade social.

A referida teoria se contrapõe ao pensamento até então existente, de que, não

havendo patologias ou vícios que pudessem comprometer o ato jurídico, como a fraude e a

simulação, o planejamento tributário seria considerado lícito. Assim, busca-se investigar a

recepção, pelo Conselho de Contribuintes, dessa nova forma de interpretar o planejamento

tributário. Não serão abordadas eventuais decisões judiciais, tanto pela escassez de

apreciação desses casos no Poder Judiciário quanto pela necessidade de delimitar o objeto da

pesquisa.

O método de abordagem utilizado foi o indutivo, tendo como ponto de partida a

análise das decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes sobre o tema entre janeiro de

2005 e agosto de 2007. O referido lapso temporal decorre do fato de (i) o livro do Professor

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Marco Aurélio ter sido publicado em agosto de 2004; e (ii) a presente pesquisa ter se iniciado

em agosto de 2007.

No levantamento das decisões, foram utilizadas as seguintes palavras-chave:

planejamento tributário, abuso de forma, propósito negocial, propósito econômico, elisão

fiscal e artificialismo. A partir dessas palavras, foram encontradas cento e seis decisões e

selecionadas inicialmente vinte e seis. Constatou-se que oitenta decisões não tratavam do

tema e, por isso, foram desprezadas.

Como o objeto do presente trabalho é a análise de situações em que não haja ocorrido

fraude, simulação absoluta, prática de crimes ou evasão fiscal de um modo geral, mas sim a

análise de negócios jurídicos lícitos, das vinte e seis decisões restantes, quatro não foram

utilizadas, posto que em um dos casos ocorreu simulação e, portanto, evasão fiscal; no outro,

não se considerou ter havido planejamento tributário, pois o ato estava previsto na

legislação; e as outras duas decisões foram proferidas antes de 2005, portanto, fora do lapso

temporal proposto.

Para apresentar a pesquisa tratar-se-á das teorias acerca do planejamento tributário

e, especificamente, da teoria do Professor Marco Aurélio Greco. Apresentados os pontos

teóricos, tratar-se-á das normas antielisivas existentes no ordenamento jurídico brasileiro. A

partir daí, apresentar-se-á a análise das decisões do Conselho de Contribuintes a fim de

averiguar em quais teorias do período analisado elas se encaixam.

Finalmente, faz-se importante ressaltar que o tema é de extrema relevância no meio

empresarial, tendo em vista o interesse crescente dos administradores em operações que

propiciem ganhos tributários, sobretudo em face da necessidade de redução de custos e

aumento da competitividade e, por óbvio, da alta carga tributária brasileira.

2 AS TEORIAS ACERCA DO TEMA “PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO”

Segundo Harry Balter (BALTER, 1940 apud SIMÕES, 1995, prefácio),

os tributos e a elisão são provavelmente irmãos gêmeos, e certamente continuarão a coexistir até o tempo em que haja um mundo sem tributos. Os procedimentos elisivos são como uma grande hidra frente a um grupo de tributos... se descoberta e eliminada determinada válvula de escape, imediatamente o contribuinte identifica outra. (tradução nossa)i

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Ainda sobre o tema, Mary Elbe Queiroz (2005, p. 87) esclarece que

O planejamento empresarial é prática ou comportamento adotado para a boa gestão dos negócios, no sentido de auto-organização administrativo-financeira da empresa para a obtenção da maximização de resultados (lucros). Com o fim de atingir esse objetivo é necessária a adoção de medidas que resultem em redução de custos de mão-de-obra, administrativos, financeiros, etc. Entre essas medidas coloca-se a necessidade de ser reduzido, também, o custo tributário como forma de se conseguir um resultado mais favorável e evitar uma diminuição do patrimônio da empresa em decorrência do ônus fiscal que lhe é imposto, bem como adquirir vantagem competitiva no mercado. Exsurge, assim, a alternativa do planejamento tributário.

De acordo com Marcial Ferreira Jardim, em sua obra Dicionário Jurídico Tributário,

planejamento tributário é a “atividade consistente em minimizar a carga tributária de

pessoas físicas ou jurídicas, utilizando fórmulas lícitas”. Segundo o autor, evasão fiscal é a

modalidade ilícita de economia tributária e distingue-se da elisão fiscal por ser esta, ao

contrário, a economia lícita de tributos.

A fraude tratada nesta pesquisa é a cível, e não a criminal, uma vez que não serão

abordadas hipóteses de economia tributária ilícita. A fraude à lei, tratada na obra do

professor Marco Aurélio, é toda conduta que visa a burlar a norma jurídica mediante a

utilização de meios ou instrumentos aparentemente lícitos, sempre com o objetivo de lesar

interesses de terceiros.

As teorias a respeito do tema “planejamento tributário” vêm evoluindo

historicamente, passando de um cenário em que a liberdade individual e o direito

constitucional à auto-organização prevaleciam em relação aos demais princípios, para um

panorama em que não basta nem mesmo a plena licitude dos atos jurídicos para que um

negócio ou uma determinada operação, realizados com economia tributária, sejam oponíveis

ao fisco, devendo haver também um motivo, uma finalidade negocial que não seja a redução

da carga tributária.

Como se verá adiante, a teoria defendida pelo Professor Marco Aurélio Greco pretende

demonstrar que não apenas a simulação contamina um negócio jurídico, mas também outras

patologias que viciam o ato jurídico praticado com o fim exclusivo de proporcionar a

economia fiscal e que o direito à auto-organização não é absoluto. Faz-se necessário uma

justificativa econômica para os negócios jurídicos, comumente chamado de propósito

negocial ou econômico, do inglês, business purpose.

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Para Ricardo Mariz de Oliveiraii, assim como para grande parte da doutrina e da

jurisprudência tributária brasileira, baseadas no Código Tributário Nacional e nos princípios

da legalidade e tipicidade - dos quais se depreende que a obrigação de pagar tributo surge

apenas após a ocorrência do fato gerador - os únicos requisitos necessários à caracterização

da elisão fiscal são, em resumo, a anterioridade em relação ao fato gerador, a plena licitude

dos atos (negócios jurídicos) ou das omissões e sua veracidade e realidade, ou seja,

inexistência de simulação.

Assim, para esta corrente de doutrinadores, tudo é permitido, salvo a simulação, que

era vista nesta primeira fase como um mero vício de vontade, ou seja, negócio é o que as

partes querem.

Também em seu pró-memórias de aulas sobre planejamento tributário, o professor

Ricardo Mariz de Oliveira se opõe à tese defendida pelo professor Marco Aurélio Greco, pois

entende que seu supedâneo é a utilização dos princípios da isonomia, da capacidade

contributiva, da função social da propriedade e da solidariedade social contra o contribuinte

e a favor do Estado. Para Mariz de Oliveira, os direitos individuais não podem ser utilizados

contra os contribuintes, e a isonomia só pode ser aplicada entre diferentes contribuintes após

a ocorrência do fato gerador, e não antes dela. Este é entendimento do STF, exarado no

julgamento da ADIN 712-2/DF.

Desta forma, seriam objetivos legítimos da elisão, em contraposição à evasão, evitar-

se a ocorrência do fato gerador ou incorrer em fato gerador menos oneroso, reduzir-se a base

de cálculo de determinado tributo e/ou postergar a sua incidência.

Porém, com o surgimento desta nova tendência, passa a ser importante a análise do

contexto histórico do negócio jurídico realizado, ou seja,

a inserção da operação no âmbito do empreendimento do qual a pessoa jurídica é a vestimenta; vale dizer, sintonia da operação com o planejamento estratégico da empresa, ligado à atividade econômica que desempenha. (GRECO, 2006b, v. 10, p.332).

2.1 A teoria do Professor Marco Aurélio Greco – Liberdade com capacidade contributiva e

solidariedade social

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Segundo o professor Marco Aurélio Greco, as operações que visam à redução da carga

tributária não podem ser analisadas apenas à luz do texto frio da lei, sob o risco de

distanciar-se da realidade. Por outro lado, não existe um modelo pré-concebido aplicável às

mais diversas situações que deverão ser analisadas caso a caso.

Segundo sua teoria, além da legalidade do negócio jurídico realizado (cometer ilícito,

como visto, não é planejar) e de sua não contaminação por patologias, tais como a simulação,

o abuso de direito e a fraude à lei, deve haver também uma justificação para a operação que

engloba a existência de motivo e finalidade que não a de proporcionar uma economia

tributária, a congruência da manifestação de vontade em relação ao motivo e à finalidade e a

função a que se destina a operação, que constituem o propósito negocial.

Assim, os requisitos de legalidade ou licitude dos atos e de inexistência de patologias

não são suficientes para que uma operação de planejamento tributário seja oponível ao fisco.

Na opinião deste autor, restam ainda dois crivos pelos quais deve passar a operação para que

o planejamento tributário almejado seja oponível ao Fisco, isto é, seja por ele aceito ou não:

“a justificação por existência de motivo, finalidade e congruência; e justificação por inserção

no planejamento estratégico do respectivo empreendimento econômico”. (GRECO, 2006,

p.332).

Esta teoria se fundamenta basicamente na existência de uma liberdade individual -

que engloba a liberdade empresarial - relativa e não absoluta, já que esta deve ser

contextualizada em relação ao interesse público titularizado pela sociedade civil afetado pela

operação, que nada tem a ver, porém, com o interesse arrecadatório, que é secundário.

Assume-se, assim, que há uma liberdade individual limitada pela função social de propriedade

e pelos princípios da solidariedade social e da capacidade contributiva, bem como o

predomínio do interesse público da sociedade civil em relação ao interesse arrecadatório do

fisco.

Através da pesquisa realizada, verifica-se que a nova corrente demonstra preocupação

com a qualidade, com o conteúdo dos atos e não somente com sua estrutura, com a sua

forma. Deve haver coerência entre a vontade manifestada, o motivo em que se apoia e a

finalidade a que se destinada determinada operação.

A presente análise será importante também para que se tenha a compreensão da

interpretação desta teoria pelo fisco, pelos contribuintes e pelos julgadores, na medida em

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que excessos de parte a parte, certamente, foram e serão cometidos na interpretação e

aplicação destas regras.

Em relação à coerência da operação com o planejamento estratégico da empresa

(justificação externa), o professor Greco faz uma ressalva quanto à sua aplicação na

atualidade, posto que entende que esta não se incorporou ainda ao cotidiano das companhias

brasileiras. No entanto, uma operação que passe por todos os crivos aqui tratados e também

por este, terá atendido a todos os requisitos que se poderia impor para que tenha eficácia

tributária, ou seja, para que seja oponível ao fisco.

Vale ressaltar que, de um lado, o ônus da prova relativamente à eventual ilegalidade,

ilicitude ou à existência de patologias do negócio jurídico pertence ao fisco e, de outro lado,

caberá ao contribuinte comprovar a existência de fundamentos que justifiquem a operação

realizada (motivo, finalidade e congruência ou inserção da operação no perfil do

empreendimento), tais como a economia de escala, a sinergia dos negócios, a unificação da

carteira de clientes, dentre outras justificativas.

Como se verá adiante, esta teoria está embasada numa interpretação harmônica da

Constituição Federal, do Novo Código Civil e do Código Tributário Nacional.

3 AS NORMAS ANTIELISIVAS E A INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA

As normas antielisivas não são algo novo no cenário internacional. Elas existem em

praticamente todos os países da Europa e nos países da common law há construções

jurisprudenciais nesse sentido e até, em alguns deles, normas escritas antielisivas como é o

caso do Canadá e da Austrália. (ANAN Jr, 2006, p.157).

No Brasil, a primeira norma tributária antielisiva geral surgiu com a Lei Complementar

104, de 10 de janeiro de 2001, que introduziu um parágrafo único ao artigo 116 do Código

Tributário Nacional. Antes disso, já havia previsão para a desconsideração de negócios

jurídicos indiretos e simulação em nosso ordenamento, tais como o decreto-lei 1.598/77, em

relação à distribuição disfarçada de lucros, a Lei 9.430/96 relativa às regras de preços de

transferência e o próprio CTN, em seu artigo 149, inciso VII.iii

Para Ricardo Mariz de Oliveira, o artigo 116 do CTN, cujo parágrafo único foi

acrescentado pela Lei Complementar 104/01, não é uma norma antielisiva, mas uma norma

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antievasão já que desconsidera negócios jurídicos realizados com a finalidade de dissimular a

ocorrência de fato gerador ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

O artigo 116, parágrafo único do CTN assim dispõe:

Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:

I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;

II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. GRIFO NOSSO

Na verdade, não parece ter sido introduzida em nosso ordenamento grande novidade

acerca da desconsideração de atos jurídicos. Entretanto, um novo enfoque nos métodos de

interpretação das normas tributárias tem dividido os doutrinadores e tem sido a sustentação

desta nova forma de pensar o planejamento tributário.

Uma interpretação conjugada do parágrafo único do artigo 116 com o artigo 187 do

Novo Código Civil - que traz em seu bojo as figuras do abuso de forma e de direito - e a

diferença existente entre as figuras da simulação e da dissimulação, demonstram, segundo

alguns doutrinadores, que a Lei Complementar 104/01 trouxe novos ingredientes a este

cenário.

O abuso de forma e o de direito nada mais são que os excessos cometidos por

determinada pessoa em relação aos limites impostos pela legislação, quanto ao exercício

regular de um direito, causando danos a terceiros.

No entanto, quando se entende que não existe diferença entre os termos simular e

dissimular, diz-se que o parágrafo único do artigo 116 do CTN não inovou em nada, ou seja,

continuou reprimindo a simulação dos atos jurídicos, em quaisquer de suas modalidades e

prevendo a sua desconsideração.

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Ocorre que muitos defendem a ideia de que dissimular, ademais de simular, pode ter

outros significados como os de ocultar ou encobrir com astúcia; disfarçar; não dar a perceber;

calar; fingir; atenuar o efeito de; tornar pouco sensível ou notável; proceder com fingimento,

hipocrisia; ter reserva; não revelar os seus sentimentos ou desígnios; esconder-se. iv

Além disso, o Professor Marco Aurélio Greco entende que a acepção do termo

dissimular contida na norma em referência é diferente, pois as hipóteses de simulação já

haviam sido contempladas no CTN em diversas oportunidades (artigos 149, VII, 150, parágrafo

4º, 154, parágrafo único e 155, I). Deste modo, o termo dissimular abrangeria a simulação,

mas comportaria seus outros significados, passando o CTN a utilizar-se de ambos os termos.

No mesmo sentido, Ricardo Lobo Torres (2003, p. 122-123) entende que o artigo 116,

parágrafo único do CTN, trata-se de autêntica norma antielisiva, que recepcionou o modelo

francês. Diz ainda que nada tem que ver com a norma antissimulação, que já existia no

direito brasileiro (art. 149, VII, do CTN) e que tem outra estrutura e fenomenologia. A

recente regra antielisiva tem as seguintes características: permite à autoridade

administrativa requalificar os atos e negócios praticados, que subsistem para efeitos jurídicos

não tributários; atinge a dissimulação do fato gerador abstrato, para proceder à adequação

entre o “intentio facti” e a “intentio juris”, o que é característica da elisão, na qual o

fingimento se refere à hipótese de incidência, e não ao fato concreto, como acontece na

simulação relativa ou dissimulação no sentido do direito civil.

Em termos práticos e resumidos, desta interpretação decorre que a elisão deixou de

ser uma variável dependente das patologias no campo do ordenamento civil, para assumir

natureza e papel próprios no campo tributário. Assim, na opinião do professor Marco Aurélio

Greco, no parágrafo único do artigo 116 do CTN estaria a previsão legal da necessidade de

uma razão extra-tributária para que um planejamento tributário seja oponível ao fisco.

Por outro lado, vale ressaltar que o dispositivo legal mencionado depende de

regulamentação, posto que meramente declaratório e, portanto, não autoaplicável. Desta

maneira, este ano foi encaminhado à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 536/07, que

visa justamente a regulamentar o dispositivo legal em comento. Antes disso, a Medida

Provisória nº 66/02 fizera uma tentativa de regulamentação, mas não chegou a ser convertida

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em lei. Sobre este projeto de lei em comento, assim se manifestou Pedro Annan Junior

(2007), em interessante artigo, cujo trecho segue transcrito:

O projeto de Lei apresentado pelo Ministro da Fazenda dá poderes ao fisco de poder autuar os contribuintes de maneira arbitrária e subjetiva, desconsiderando operações legítimas praticadas pelos mesmos.

(...) o projeto de Lei prevê que são passíveis de

desconsideração os atos ou negócios jurídicos que tenham a finalidade de dissimular, evitar, postergar ou ocultar os reais elementos do fato gerador do tributo.

Se a intenção do legislador era inibir a prática de operações só

com o intuito de se obter um benefício fiscal, sem conteúdo econômico (business purpose), a exemplo do que ocorre em outros países, ele deveria ter sido claro e objetivo em definir esse conceito, coisa que ele não fez.

A maneira que a norma está redigida dá poderes ao fisco de

fazer o que bem entender em relação à desconsideração, não havendo critérios objetivos nem limites para a atuação do mesmo. Estamos diante da violação do princípio da legalidade e tipicidade tributária (...).

Relativamente ao Novo Código Civil, há quem sustente que nele também é tratada a

simulação dos negócios jurídicos, considerando-se para tanto o artigo 167, e que este é

inaplicável aos atos revestidos de licitude que proporcionem economia tributária. Aliás, para

este diploma legal, simulação e dissimulação seriam expressões sinônimas que significariam

“esconder a realidade”.

A fraude à lei também encontra previsão no Novo Código Civil, em seu artigo 166,

inciso VI, que determina ser nulo todo ato jurídico quando tiver por objetivo fraudar lei

imperativa.

Como bem observou Natanel Martins (2007, p.332), Imperando no Direito Tributário o

princípio da estrita legalidade, entende parte significante da doutrina ser vedado ao

estado a interpretação finalística (jurisprudência dos valores) para fins de imposição

fiscal, concluindo, em conseqüência, pela impossibilidade de o ente arrecadador

desconsiderar os negócios praticados pelo contribuinte, ainda que executado em função

de clara medida de planejamento tributário. Assim, parte da doutrina, apesar de admitir

e aceitar a desconsideração de operações praticadas mediante simulação, não admite que

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o mesmo tratamento fosse aplicado às hipóteses de fraude à lei, abuso de direito ou de

forma, muito menos a desqualificação/requalificação de atos ou negócios praticados pelos

contribuintes, em homenagem, especialmente, ao princípio da estrita legalidade. Outros

autores, entretanto, entendem que a fraude à lei ou o abuso de direito podem ser

coibidos, inclusive na seara tributária.

Sob esta ótica, o princípio da legalidade não seria interpretado isoladamente, mas

sempre em conjunto com os demais princípios informadores do Direito, como o da capacidade

contributiva.

Assim, para estes doutrinadores, não se trata de interpretar economicamente as

normas, mas também não se poderia deixar de se fazer uma interpretação jurídica da norma

atenta, porém, à realidade econômica subjacente ao negócio jurídico.

Portanto, na análise da licitude de uma operação que conduz à economia tributária,

antes de tudo, segundo esta nova visão do planejamento tributário, teria de afastar-se

quaisquer das patologias dos negócios jurídicos – simulação, fraude à lei, abuso de direito,

abuso de forma, negócio jurídico indireto – e, depois, verificar-se a existência de um

propósito negocial.

Aliás, sobre negócio jurídico indireto escreveu Alberto Xavier (2001, p.67) que os

negócios indiretos (...) são verdadeiros; os negócios simulados são falsos e mentirosos. Na

simulação há uma divergência entre a vontade real e a vontade declarada – e daí o seu

caráter verdadeiro; há, isso sim, uma divergência entre a causa-função típica e os motivos

ou fins perseguidos pelas partes, divergência essa querida realmente e revelada às claras.

Por outras palavras: há a utilização de uma estrutura ou de uma forma para atingir

diretamente um resultado que não é o típico daquela estrutura e daquela forma. O fim

típico, porém, é realmente querido pelas partes; só que se limita a funcionar como

condição para a realização de um fim ulterior que é essencial na determinação volitiva

das partes.

Entretanto, muitas críticas têm sido feitas à necessidade de existência de um

propósito negocial a justificar estas operações, já que uma operação lícita e que, portanto,

afaste todas as patologias acima mencionadas, não poderia deixar de ser oponível à

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Administração Tributária tão somente porque sua única finalidade tenha sido proporcionar

economia tributária.

Nesse contexto, no item 4 analisar-se-ão as decisões do Conselho de Contribuintes, a

fim de verificar a exigência ou não do cumprimento de tais requisitos, mormente, da

necessidade de um propósito negocial a justificar as operações de planejamento tributário.

4 ANÁLISE DOS CASOS CONCRETOS

Inicialmente, cumpre esclarecer que a presente análise não cuidará do mérito das

diversas operações julgadas nas decisões proferidas pelo Conselho de Contribuintes,

restringindo-se à verificação da exigência ou não de uma razão extra-tributária para os

planejamentos tributários, da aplicação das normas antielisivas e das figuras representadas

pelo abuso de forma, de direito e pela fraude à lei.

Das vinte e duas decisões analisadas, a primeira constatação que se faz refere-se ao

fato de que em catorze delas não se exige propósito negocial, sendo uma delas datada de

2006, outra de 2007 e todas as demais de 2005. Oito destas decisões foram proferidas pela

sexta câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, uma pela segunda câmara do Segundo

Conselho, quatro pela primeira e uma pela segunda câmara do Primeiro Conselho de

Contribuintes. Assim, mais da metade das decisões analisadas não exigem o business purpose,

porém quase todas foram proferidas em 2005.

Destas decisões em que não se exige uma substância econômica, constataram-se nove

cujo entendimento exarado foi o de que o aspecto temporal, ou seja, a proximidade dos atos

realizados, por si só, não caracteriza a simulação ou, ainda, que a validade das operações

independe do tempo de duração dos efeitos do negócio jurídico realizado. Em três delas este

aspecto foi relevante ao lado da constatação da ocorrência do desfazimento dos efeitos do

ato praticado, o que culminou com a caracterização da simulação. Nas outras duas decisões,

este aspecto não foi ventilado. Observe-se trecho de decisão exarada, in verbis v:

Não resta qualquer dúvida de que todos os negócios jurídicos realizados tinham um único objetivo o de reduzir a carga tributária da pessoa jurídica Varga Participações Ltda. Uma operação como a alienação da empresa Freios Varga S/A, por sua importância e pelo valor da operação, não é realizada em alguns dias, mas em meses, depois de muitos ajustes. A seqüência de operações

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realizadas a toque de caixa é o mais forte indício de que todas as operações foram realizadas com o fim de impedir a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas características essenciais de modo a reduzir o montante do imposto devido. Mas é apenas um indício, como a validade das operações independem do tempo de duração dos efeitos dos negócios realizados e da vontade interna de pagar menos imposto, a conclusão a que chego é que a situação fática apresentada pela fiscalização não se enquadra em qualquer das hipóteses fixadas pelo art. 102 do Código Civil de 1916. (Acórdão número 102-47.181, relator Conselheiro Romeu Bueno de Camargo, da Segunda Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes).

Em nove decisões também se constata a utilização dos conceitos de dissimulação e

simulação relativa como expressões sinônimas e os julgadores deixam de aplicar o artigo 116,

parágrafo único do CTN, por ausência de regulamentação, bem como os dispositivos do Novo

Código Civil deixam de ser aplicados, pois sua edição é posterior a ocorrência dos fatos:

(...) No tocante à penalidade imposta, esta foi aquela cominada no art.957, inc. II, do RIR/99, aplicável nos casos de evidente intuito de fraude, definidos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4502, de 30 de novembro de 1964´, os quais,contemplam as hipóteses de intenção dolosa, quais sejam :´Art. 71 - Sonegação é toda ação ou omissão dolosa.´Art. 72- Fraude é toda ação ou omissão dolosa ´Art.73 - Conluio é o ajuste doloso´. O dispositivo cuja base legal são os arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4502/64, deixa claro que a aplicação da multa agravada cabe nos casos onde o evidente intuito de fraude seja patente. A ´evidência´ preconizada na lei exige a certeza desta intenção. A fraude tem que ser patente de tal sorte que não se duvide da má fé dos atos praticados, com o firme propósito de burlar a lei, o que não consegui enxergar no caso dos autos. Pareceu-se que a Recorrente pretendeu realizar o negócio usando a evasão que a lei concedia (inciso I do artigo 442), mas sob a qual não se albergava. Assim entendo que a matéria sob exame compreendeu uma ´simulação relativa´ ou ´dissimulação´, e a doutrina maciçamente alerta para a dificuldade de definir, com precisão, a linha fronteiriça que separa o ato elisivo do negócio dissimulado. Aqui lembrou o Ilustre Relator do acórdão que tomei por suporte em minhas presentes razões que é “comum recomendação de cautela, por parte do intérprete e aplicador da lei, pelas dificuldades práticas de se concluir por hipótese de evasão ou elisão, pois é insuficiente o elemento temporal (antes ou depois de ocorrência do fato gerador), especialmente em casos de simulação relativa, cuja determinação vincula-se, via de regra, a fatos, indícios e presunções, por isso que cada situação deve ser analisada isoladamente. (...) Diante desta circunstância, tenho dificuldades para caracterizar a "evidência" exigida pela lei, cumulada com o "intuito de fraude" (este de caráter manifestamente subjetivo), porque as operações ditas simuladas como se tratou de uma sociedade anônima, todos os atos praticados impuseram divulgação e registro nos órgãos públicos, o que foi feito;todas as operações estavam devidamente lançadas na escrituração comercial e fiscal,foram cumpridas, junto à

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Receita Federal e demais órgãos públicos, as formalidades próprias aos atos de incorporação.O que não deixou dúvidas foi a intenção do Recorrente em economizar imposto. Ele praticou todos os atos que entendeu válidos, na forma da lei para tal fim. Não conseguiu materializar sua vontade mas este é outro aspecto da questão. Contudo não tenho segurança em afirmar que esteve configurado um ´evidente´ intuito de fraude, como saltou a vista nos casos anteriormente analisados por este Colegiado nos quais os negócios eram realizados apenas ´de fachada´ sem respaldo na verdade material.(...) – (Acórdão número 108-09.037, de relatoria da Conselheira Ivete Malaquias Pessoa Monteiro, da Oitava Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes – Grifo nosso).

Além dos três casos em que ficou entendido ter havido a prática de simulação, em

razão da proximidade temporal dos atos praticados, em outros dois casos, o motivo que levou

a esta conclusão foi o artificialismo das operações praticadas, sendo que em uma delas o

fator determinante foi o abuso de forma. Transcreve-se decisão que bem ilustra esta

situação:

(...) Há, portanto, que se perquirir se os atos praticados são reais, e não simulados. E essa análise não há que ser feita para cada negócio isoladamente, mas em relação ao conjunto de negócios encadeados, como um todo. Essa a lição de Marco Aurélio Greco ´(...) Diante de uma situação complexa, é essencial considerar a figura como um todo, examinando ao mesmo tempo os vários aspectos que a cercam, pois o conhecimento e o enquadramento de determinada realidade será a resultante das diversas circunstâncias reunidas no caso concreto. (...) Vale dizer, ao invés de analisar cada fotografia (etapa) é importante analisar o filme (conjunto delas). Mais do que um evento (etapa), é importante interpretar a estória (conjunto).(...) Na medida em que o conjunto de operações corresponde apenas a uma pluralidade de meios para atingir um único fim, a verificação das alterações relevantes deve ser feita não apenas considerando os momentos anterior e posterior a cada etapa mas, principalmente, os momentos anterior e posterior do conjunto de etapas. Ou seja, é preciso indagar qual a situação existente antes da deflagração da sequência de etapas, de quem era determinado patrimônio, qual a composição societária, quem era o titular de certos poderes sobre determinado empreendimento etc, e qual a situação final resultante da última das etapas.´ É inquestionável que o verdadeiro negócio jurídico praticado, dissimulado por operações estruturadas em seqüência, de compra e venda de ações em tesouraria seguida de permuta sem torna, foi a compra e venda das quotas da Pactual Participações S.A. Este o verdadeiro negócio desejado, que foi ocultado pelos negócios jurídicos ostensivos. Não socorre a Recorrente a alegação de que as operações poderiam, no máximo, constituir negócio jurídico indireto. É que, mesmo praticando formas jurídicas válidas, o negócio indireto pode ser simulado. E para representar elisão fiscal lícita, e não evasão fiscal, o negócio jurídico indireto, deve ser verdadeiro.

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A acusação é de simulação. Realmente, caracterizou-se a hipótese prevista no art. 102 do Código Civil de 1916, pois há divórcio entre a vontade real e a vontade ostensiva. Não há a mais remota possibilidade de se acreditar que a Lido tenha tido vontade real de investir na Recorrente, adquirindo 534 ações de sua emissão (dum total de 1.010) por R$ 92.414.695,98, quando em todo seu ativo no dia 23/09/1999, existia somente R$ 517,25 em caixa e uma participação societária de R$ 10.497.399,14 (quotas da Pactual Participações Ltda.). O ato que realmente Marambaia e Lidô pretenderam praticar foi a compra e venda, por aquele valor, das quotas da Pactual. Para isso, simulou-se a venda das ações em tesouraria, seguida da permuta sem torna. (...) No caso, ocorreu a proximidade temporal dos atos (1 dia decorrido entre a compra e venda das ações em tesouraria e a permuta); há desmedida disparidade entre o valor pago pelas ações e o ativo da empresa investida; seus efeitos foram desfeitos com a permuta das ações pelas quotas da Pactual. A simulação é incontestável. (...)” (Acórdão número 101-96.066, de relatoria da Conselheira Sandra Maria Faroni, da Primeira Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes).

Dos oito casos em que se exigiu o propósito negocial, em quatro deles sua ausência

acarretou configuração da simulação absoluta, sendo que nos outros três casos, a conclusão

foi pela dissimulação, entendida esta como a simulação relativa. O aspecto da proximidade

temporal foi considerado em cinco destes casos ao lado da inexistência de business purpose.

Nesse sentido foi proferido o acórdão número 101-95.552, de relatoria do Conselheiro Paulo

Roberto Cortez:

“(...) Ora, no caso, ocorreu a proximidade temporal dos atos (uma hora entre a integralização de capital com ágio de cerca de 98% e a incorporação do ágio ao capital e cisão no dia subsequente); não havia causa econômica (além da economia fiscal) para o aumento de capital, que foi usado apenas como degrau para a objetivada alienação de participação societária; e seus efeitos foram desfeitos com a cisão. A simulação é incontestável. (...)”

Em nenhum destes casos a decisão é fundamentada no artigo 116, parágrafo único do

CTN. Em parte das decisões aplica-se a figura da simulação, conforme prevista no artigo 102

do Código Civil de 1916, e apenas uma delas é fundamentada na Constituição Federal, na

mitigação dos princípios da liberdade de auto-organização e da legalidade pelos princípios da

capacidade contributiva e da solidariedade social.

Desta forma, verifica-se que, independente da introdução do parágrafo único ao artigo

116 do CTN, pela Lei Complementar 104, ou da edição do Novo Código Civil, o que se constata

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é a adoção desta nova teoria através de uma interpretação finalística e sistemática da

legislação, independentemente de fundamentação legal expressa. O Professor Marco Aurélio

Greco e suas obras sobre o tema são citados em todas as decisões e o que se verifica são

apenas afirmações no sentido de que uma nova maneira de ver e analisar os planejamentos

tributários, leva a considerar a necessidade de existência de uma razão extra-tributária que

os justifique, do contrário, inoponíveis ao fisco, por caracterizarem simulação.

Esta conclusão, segundo meu entendimento, é incorreta e precipitada, parecendo

mais uma maneira de fundamentar legalmente estas decisões, no caso no artigo 102 do

Código Civil de 1916, uma vez que o novo código e o parágrafo único do artigo 116 não

poderiam ser aplicados aos casos analisados. Ora, uma coisa é existir um negócio lícito, real,

cujos efeitos foram de fato assumidos pelas partes envolvidas, mas cuja única razão é

proporcionar economia tributária e esta justificativa exclusiva não ser mais possível em razão

das normas antielisivas acima citadas; daí a considerar uma operação como simulada, relativa

ou absolutamente, tão somente pela inexistência de business purpose, me parece

completamente equivocado.

A análise das decisões aponta para uma distorção na exigência do chamado propósito

negocial. Se este é capaz por si só de descaracterizar operações lícitas, seja pela aplicação

das normas antielisivas, seja por uma interpretação sistemática e finalística da legislação ou,

ainda, por uma nova leitura dos princípios da liberdade de auto-organização, da legalidade,

da capacidade contributiva e da solidariedade social, que sejam os atos desconsiderados sob

esta justificativa, mas não sob o pretexto de que de tal fato decorre a simulação.

Por outro lado, em sete destas decisões constatou-se o abuso de direito, o abuso de

forma ou a fraude à lei, e em apenas um caso além da ausência do propósito negocial, a

simulação foi caracterizada por haver um descompasso entre a vontade e a declaração,

forjada conscientemente com o propósito específico de produzir o engano.

Em todos os casos em que os planejamentos não foram considerados oponíveis ao

fisco, o que se vê em comum é a caracterização da simulação pela proximidade temporal dos

atos praticados, seguida da anulação de seus efeitos, bem como a disparidade infundada de

valores entre os diversos atos seqüenciais.

O tempo de duração dos atos praticados revela se as partes de fato quiseram praticar

aquele negócio jurídico ou se dele se utilizaram apenas com o intuito de driblar norma

imperativa, ou seja, se na verdade o ato praticado foi outro. Um exemplo desta situação, que

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surgiu em diversas decisões analisadas, é o de uma sociedade que é constituída e desfeita no

mesmo dia, horas depois. Entretanto, nem sempre isso é tão claro como no exemplo aqui

citado.

As constatações expostas até então, levaram em conta os números – quantas decisões

foram proferidas neste ou naquele sentido – mas é extremamente relevante que se faça uma

análise também do ponto de vista temporal.

Sob este prisma, verifica-se que, em 2005, apenas uma decisão menciona e exige o

propósito negocial como requisito de oponibilidade do planejamento tributário ao Fisco,

enquanto doze decisões proferidas no mesmo ano, não fazem esta exigência. Já no ano de

2006, constata-se que de oito decisões analisadas, sete exigem o business purpose e somente

uma não o aplica. A única decisão proferida em 2007, analisada neste trabalho, também não

exigiu a razão extra-tributária para o planejamento.

Diante do exposto, pode-se concluir que mais recentemente o Conselho vem exigindo a

justificativa extra-tributária para os planejamentos tributários e esta seria a nova tendência.

Outra análise que pode ser feita é a relacionada à tendência maior ou menor de as

diversas câmaras que compõem os Conselhos exigirem, ou não, o propósito negocial.

Cumpre esclarecer que a maioria das decisões analisadas no presente trabalho foram

proferidas pelo Primeiro Conselho de Contribuintes, competente para julgar os casos que

envolvem o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro, já que as operações

que envolvem planejamento tributário normalmente visam à economia destes dois tributos,

ainda que os outros Conselhos tenham, igualmente, sido considerados no momento da

pesquisa.

Embora não seja possível ainda afirmar que uma determinada câmara, de determinado

Conselho decida desta ou daquela forma, pode-se dizer que há uma tendência que aos poucos

se revela, mas que pode seguir outros rumos, caso haja uma drástica mudança na composição

do Conselho de Contribuintes, em razão de seu novo regimento interno.

Assim, dos vinte e dois casos analisados, compõe-se o seguinte quadro:

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Órgão Julgador Quantidade de decisões analisadas

Ano em que foram proferidas

Necessidade de business purpose

1a Câmara do 1o Conselho 5 2005 e 2006

Não, em 3 casos cujas decisões foram proferidas em 2005 e sim em duas decisões proferidas em 2006

2a Câmara do 1o Conselho 2 2005 Não

4a Câmara do 1o Conselho 5 2005 e 2006 Sim, em todos os casos

6a Câmara do 1o Conselho 8 2005 Não, em nenhum caso

8a Câmara do 1o Conselho 1 2006 Sim

2a Câmara do 2o Conselho 1 2006 Não

Quadro resumo de decisões

A sexta Câmara não exigiu o propósito negocial em nenhum caso, porém todas as

decisões analisadas foram proferidas em 2005; a quarta Câmara que exigiu o business purpose

em todos os casos, assim procedeu em 2005 e em 2006 e; a primeira câmara, em 2005, não

exigiu razões extra-tributárias, enquanto em 2006, passou a exigi-las.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise feita neste trabalho, constata-se que a nova teoria do planejamento

tributário surge como uma forte tendência no Conselho de Contribuintes do Ministério da

Fazenda, em todos os seus aspectos, impondo a necessidade de um business purpose e,

portanto, necessidade de substância econômica para as operações praticadas que culminam

com a redução da carga tributária; aplicação das patologias que, segundo o Novo Código Civil,

maculam os negócios jurídicos – abuso de forma, abuso de direito e fraude à lei – mitigação

dos princípios da legalidade, isonomia e liberdade de auto-organização pelos princípios da

capacidade contributiva e da solidariedade social.

Observa-se que o Tribunal Administrativo deixa de fazer uma análise puramente

legalista, ou seja, não mais classifica as operações em lícitas e ilícitas, mas passa a analisá-las

sob o prisma da oponibilidade ao fisco, em razão da presença de outros requisitos e da

ausência de outras patologias, que não a fraude e a simulação absoluta.

Assim, ainda que os administradores tenham o direito e também o dever de maximizar

os lucros de suas empresas, sobretudo num país em que a carga tributária é altíssima, não

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basta que o negócio realizado não seja proibido ou que não haja fraude ou simulação

absoluta. Os negócios praticados têm de ser efetivos, conectados com os objetos sociais das

empresas, que devem existir de fato e de direito, mais importando seu conteúdo do que a sua

forma.

Não está proibido o planejamento tributário, a busca por um modelo fiscalmente mais

eficiente, mas estes devem estar de acordo com os institutos de direito privado e seus

efeitos.

Necessário, por outro lado, em minha opinião, que as decisões do Conselho sejam mais

bem fundamentadas, pois ao aplicar a tese do Professor Marco Aurélio Greco, o que se

observa, em muitas delas, é a inadequação do embasamento legal e, quase sempre, ainda

que não seja o caso, conclui-se pela existência de simulação como forma de justificar a

desconsideração das operações realizadas.

Tais impropriedades talvez sejam solucionadas com a regulamentação do parágrafo

único do artigo 116 do CTN o que, como vimos, deve ocorrer se aprovado o Projeto de Lei nº

536/07.

Permanece a esperança de que seja instituída tal regulamentação, porém que não

venha para que o fisco passe a estar legitimado a julgar subjetivamente as operações

realizadas, com o intuito de reduzir-se a carga tributária e desconsiderá-las, como se tudo

fosse simulação. Mas que venha para proporcionar maior segurança jurídica, interpretações

harmônicas do nosso ordenamento e para evitarem-se os constantes abusos que vimos

presenciando nos últimos anos.

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TATIANA MARQUES ESTEVES Advogada em São Paulo, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie,

Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito da FGV-SP.

Como citar este texto: ESTEVES, Tatiana Marques. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA VISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES DO MINISTÉRIO DA FAZENDA BRASILEIRO A PARTIR DE 2005 In:

ANAN JUNIOR, Pedro (Coord.). Planejamento Fiscal Teoria e Prática II. São Paulo: Quartier

Latin, 2009. Material da 4ª aula da Disciplina Contabilidade Tributária e Planejamento

Tributário, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual de Direito Tributário

– REDE LFG.

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i “Taxes and tax avoidance were probably born twins, and are likely to continue their joint existence until the millenium of a taxless world. Avoidance is hydraheaded and, as the taxes gatheres...discover and cut off one escape contrivance, the taxpayer comes up with another.” ii OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Pró-memória de Aulas sobre Planejamento Tributário – Elisão e Evasão Fiscal – Norma Antielisão e Norma Antievasão. Anotações gentilmente cedidas em entrevista realizada durante a pesquisa deste trabalho, quando da apresentação do autor na empresa Votorantim. iii Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: (...) VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; (...). iv Acepções extraídas do Dicionário Aurélio século XXI, no verbete “dissimular”. v A transcrição dos acórdãos não obedeceu à regra de limite de citação, ultrapassando, por vezes, o limite sugerido de 15 linhas em razão da necessidade de comprobatória dos argumentos desta pesquisa.