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E- Book Línguas Ferinas

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Ebook: Línguas Ferinas. Autor: Jacques A. Wainberg

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LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chanceler: Dom Dadeus Grings

Reitor:

Joaquim Clotet

Vice-Reitor: Evilázio Teixeira

Conselho Editorial:

Antônio Carlos Hohlfeldt Elaine Turk Faria

Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco

Jaderson Costa da Costa Jane Rita Caetano da Silveira Jerônimo Carlos Santos Braga

Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente)

José Antônio Poli de Figueiredo Jussara Maria Rosa Mendes

Lauro Kopper Filho Maria Eunice Moreira

Maria Lúcia Tiellet Nunes Marília Costa Morosini

Ney Laert Vilar Calazans René Ernaini Gertz

Ricardo Timm de Souza Ruth Maria Chittó Gauer

EDIPUCRS: Jerônimo Carlos Santos Braga – Diretor Jorge Campos da Costa – Editor-chefe

JACQUES A. WAINBERG

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

Porto Alegre 2010

© EDIPUCRS, 2010

Capa: Deborah Cattani

Diagramação: Deborah Cattani

Revisão: Rafael Saraiva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

W141l Wainberg, Jacques A. Línguas ferinas : um estudo sobre a polêmica e os

polemistas [recurso eletrônico] / Jacques A. Wainberg. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2010.

Modo de Acesso: World Wide Web:

<http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs/> ISBN: 978-85-7430-945-3 (on-line)

1. Linguística. 2. Retórica. 3. Oratória. 4. Análise do

Discurso. I. Wainberg, Jacques A. III. Título. CDD 418.2

Ficha Catalográfica elaborada pelo

Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33 Caixa Postal 1429

90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3711 E-mail: [email protected] http://www.edipucrs.com.br

JACQUES A. WAINBERG

Doutor em Comunicação. Professor Titular dos cursos de graduação e

pós-graduação da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS.

Pesquisador CNPq. Esta obra expande o artigo Polemista, o

Personagem Esquecido do Jornalismo publicado em coautoria com

Jorge Campos e Edelberto Behs na Revista Brasileira de

Comunicação, v. XXV, n.1, janeiro/junho de 2002, p. 47- 68.

Este livro é uma homenagem à minha esposa Helen e a

todos que como ela são capazes de conviver amorosamente

com espíritos inquietos.

Talvez, algum dia, uma longa

história terá que ser escrita sobre a

polêmica, a polêmica como uma figura

parasita na discussão e um obstáculo à

busca da verdade.

MICHEL FOUCAULT

SUMÁRIO _______________________________________________________________________________________

Apresentação ........................................................................................ 9

As Controvérsias e os Tipos de Discurso ................................................. 14

As Estratégias Retóricas e a Etiqueta Linguística ...................................... 21

O Clima Psicossocial e as Emoções ........................................................ 29

Os Elementos da Erística: o ceticismo, a ironia e o humor ........................ 35

A Vigilância e a Punição à Dissidência .................................................... 44

O Papel Social, Cognitivo e Emocional dos Dilemas .................................. 49

O Debate e a Mídia .............................................................................. 54

A Natureza da Polêmica ........................................................................ 60

O Papel Marginal do Polemista .............................................................. 69

O Intelectual: entre a Fé e a Descrença .................................................. 80

O Refúgio Universitário ........................................................................ 95

As Ideias Perigosas e o Pensamento .................................................... 105

A Cantoria dos Sabiás e dos Rouxinóis nos Pampas ............................... 110

Conclusão e Discussão ....................................................................... 119

Anexos ............................................................................................. 124

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

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APRESENTAÇÃO _______________________________________________________________________________________

Incomodados, os intelectuais ou pegam em armas ou escrevem livros. Em

geral, escrevem livros. Como os dragões, cospem fogo. As palavras

incandescentes os aliviam. O efeito é catártico. Por bom senso e gosto pela

sobrevivência eles preferem a guerra das ideias às balas perdidas. Como

pregadores, escolhem o púlpito à trincheira.

No entanto, o objetivo de ambas as guerras, a retórica e a dos tiroteios, é

igual: vencer o inimigo a qualquer custo. Por decorrência, esses pensadores

devem ser vistos como soldados de uma batalha. No fundo, dizem com algum

exagero os mais cínicos, nesse tipo de confronto pouco lhes interessa a verdade.

Portanto, é compreensível a natural tendência dos observadores ficarem à segura

distância desses espadachins da palavra. De longe, observa-se com mais

facilidade o gingar de seus corpos e o zigue-zague de seus discursos. Esse tipo

de confronto tende a se alastrar “em extensão e em profundidade”.1

Os antigos gregos denominaram esse tipo de polêmica de ”erística”. Nela a

resolução das controvérsias não é feita pela lógica, pelo raciocínio e pela razão.

Prepondera a emoção e o desejo de persuasão. O que os contendores querem é

a vitória, mesmo que a ferro e fogo. Trata-se de uma deformação da dialética. A

conversação transforma-se nesse caso numa discussão belicosa. Como propõe

Schopenhauer, referindo-se às recomendações de Maquiavel ao Príncipe, se

existisse no debate lealdade e boa fé, as coisas seriam diferentes.

Está presente

em praticamente todas as áreas, inclusive na ciência, na qual o debate põe em

xeque os dados coletados, a metodologia, os pressupostos teóricos do

adversário, a interpretação das evidências e a teoria sugerida. As reclamações de

parte a parte não cessam.

2

Na verdade, o que está em jogo nesse tipo de enfrentamento é o desejo

dos contendores em conquistar algum grau de poder e controle sobre o clima de

1 Ver os textos de Marcelo Dascal: Epistemology, Controversies and Pragmatics e How rational can a polemic across the analytic-continental 'divide' be? em www.tau.ac.il/humanities/Philo/dascal/papers/dascal3.htm e www.tau.ac.il/humanities/Philo/dascal/papers/divide.html 2 SCHOPENHAUER, Arthur. Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão em 38 Estratagemas. TopBooks 2003, p.197.

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opinião pública. Por isso a luta retórica parece ser tão dramática. O que mais

importa aos polemistas é simplesmente o desejo de superar o adversário. A boa

vontade em ouvir a verdade e a humildade em admitir o equívoco num debate de

ideias é tão difícil e as consequências são tão duras, que os envolvidos nas

disputas fazem de tudo um pouco para postergar esse momento cruel de

revelação.

Nesse tipo de controvérsia predomina mais a apologia e a pregação e

menos o diálogo; mais a oratória, menos a audição; mais a imposição, menos o

consenso; mais a certeza do orador e menos as dúvidas da audiência; mais o

carisma do polemista e menos o espírito crítico do receptor, seja ele leitor,

ouvinte, espectador ou fiel seguidor. O choque entre os interlocutores pode ter

trajetórias variadas. Por vezes começa como uma mera discussão. Pode evoluir a

uma controvérsia culminando por fim numa disputa. Nesse caso mais grave o

embate pode se eternizar por gerações. O confronto torna-se tão profundo e

enredado que os pacificadores têm dificuldade em evitar que predomine a

ruminação. A situação gerada lembra a de um trauma. Os fantasmas do passado

não deixam os rebentos recém nascidos sossegados. Falam e sussuram aos

ouvidos das novas gerações. Enorme energia é canalizada para entender e dar

continuidade a essas lutas dos pais e avós. Por isso, há que se ter cuidado com a

importância e a relevância que se dá por vezes à discórdia. Por ser tão intensa

torna-se difícil domar aquele tipo de discurso que eterniza o mal-entendido, não

deixa sossegada a imaginação, impede a inovação, e torna o culto a certa versão

da história, a certo desencanto, a certo infortúnio, a certo rancor em fator decisivo

na elaboração de uma identidade. Remete-o ao núcleo duro das crenças

cristalizadas na cultura de um povo. Impede uma rota de fuga através da qual os

jovens podem se encaminhar para construir uma vida disponível a um novo

recomeço.

Em determinadas circunstâncias, esse tipo de discurso evocado sem

cessar em disputas de aparência épica só consegue ser superada com o

esquecimento forçado, com o desinteresse que permite a sobrevivência psíquica

de um indivíduo, de um grupo e dos povos. Assim, todos os que querem viver

uma nova vida são obrigados matar pela heresia os seus mortos. Só assim eles

próprios conseguem renascer sem os vícios de linguagem, sem os ódios

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

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enraizados. No entanto, tal tarefa de não dialogar com a tradição e a memória é

difícil. Na maior parte dos casos, impossível. Em decorrência, há um fator

dramático e explosivo nesses desencontros intergeracionais em que surgem

mandatos e obrigações que comprometem os mártires do amanhã.

Aparentemente, esse é o poder que a palavra tem. Por isso, o exercício da fala é

tão delicado que deveria ser exercido com os compromissos éticos de

autorizarem sempre a vida e a paz. Mas não é o que ocorre com frequência. Os

pais querem legar aos filhos uma memória. Educam e doutrinam para isso. A

cultura que lhes serve de amparo funciona como um programa cujo efeito

operacional é formatar desempenhos e buscar certo grau de eficiência. Mudar a

programação da mente, os valores e as atitudes, é tarefa dura na qual se

envolvem muitos atormentados por sua própria infelicidade, ou pelas dores que

suas recordações em flashback trazem à luz.

Tipos de Polêmicas: Discussão, Disputa e Controvérsia.

1. Discussão

SOLUÇÃO: Trata-se de uma interlocução cujo objetivo se restringe a um problema específico. À medida que a discussão avança os debatedores reconhecem que a raiz do problema é algum erro. A discussão permite encontrar uma solução. Ela v isa remediar o equívoco. O que se quer aqui é a verdade. A oposição entre as posições é lógica, não emocional. O debatedor trata de comprovar a veracidade de seu argumento ou a falsidade da apresentada pelo opositor. Ele está disposto a admitir derrota quando defrontado com argumentos indiscutíveis.

2. Disputa

DISSOLUÇÃO: Trata-se de uma interlocução que apresenta igualmente uma divergência bem definida. Mas não há acordo sobre a existência de um determinado erro a ser superado. A diferença entre os debatedores reside em atitudes, sentimentos e/ou preferências distintas. A disputa não pode ser solucionada. No máximo, pode-se pôr fim à disputa com sua dissolução. Ela poderá retornar em novas versões em torno de outros tópicos uma vez que as diferenças persistem. O que se quer aqui é a vitória. A oposição entre as posições é ideológica. O ambiente é competitivo. O debatedor espera ser apontado como vencedor, independentemente da veracidade de seu argumento. Ele começa e termina o embate convencido de que está certo. Utiliza-se retórica inflamada. O sarcasmo dos discursos não tem piedade. Não há esperança de se vencer racionalmente o embate nem de persuadir o adversário.

3. Controvérsia

RESOLUÇÃO: Trata-se de uma interlocução que se posiciona entre a discussão e a disputa. Pode começar com um problema específico, mas rapidamente alcança outras questões e revela as profundas divergências de atitudes e preferências que separam os contendores

JACQUES A. WAINBERG

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sobre os métodos de se resolver o dilema. Não visa corrigir erros, o que provoca a continuidade do confronto de ideias e sua recorrência. Os debatedores acumulam argumentos capazes de aumentar o peso e a força de suas posições, visando mover a balança da razão em seu favor. Controvérsias não são nem solucionadas nem dissolv idas, mas podem ser resolvidas. Os argumentos acumulados por uma das partes podem se tornar indiscutíveis, ou, graças à controvérsia, podem surgir posições aceitáveis às duas partes. O que se quer aqui é a persuasão do adversário e/ou do público que acompanha ao vivo ou através da mídia o embate. A oposição entre as posições envolve um amplo leque de divergências quanto à interpretação dos fatos relevantes, avaliações, atitudes, objetivos e métodos. O ambiente é deliberativo. O debatedor se esforça para apresentar razões para que seu argumento aparente superioridade, muito embora elas não sejam conclusivas. Mas ele está disposto também a reconhecer a importância dos argumentos do opositor. Em suma, a controvérsia é um quase-diálogo constituído e elaborado por peças de discurso. Envolve uma ou mais de uma inconsistência entre as declarações de dois personagens que são oponentes. Nesse caso o princípio de cooperação entre eles é bloqueado e o que geralmente é deixado implícito numa conversação precisa, nesse caso, ser amplamente negociado. A controvérsia não consegue ser resolvida no nível do conteúdo, pois envolve uma dimensão existencial (a reputação do debatedor). No fundo, o que se busca é a legitimidade social e por isso mesmo toda declaração se dirige não ao oponente, mas ao público que opera qual uma audiência de um espetáculo. No campo da ciência, as controvérsias são indispensáveis para a formação, a evolução e a avaliação das teorias. A crítica pública permite o controle e o seu aperfeiçoamento. O estudo de tais embates teóricos oferece uma descrição da história e da prática da ciência. Esse é o ambiente natural em que devem viver os pesquisadores. Assim, as teorias vão se sucedendo até que se cristalizem. Mudança e inovação são autorizadas, desde que consigam vencer as resistências. Há controvérsia quando há pelos dois interlocutores que utilizam algum tipo de linguagem para se dirigir ao outro. Assim, confrontam opiniões, argumentos, teorias, etc. Há nela a dimensão lógica e afetiva do emissor e a recepção crítica pelo público ou adversário. Na controvérsia há sempre um elemento de imprevisibilidade já que se assegura ao adversário o direito de resposta. E sua reação é desconhecida. Acaba se tornando ‘um jogo estratégico’, um dá lá toma cá. Inclui documentos e referências a estudos passados dos interlocutores. Um amplo leque de fontes pertinentes ao embate é trazido à tona, visando sustentar um ponto de vista. Assim, o público é levado a navegar numa larga tradição de pensamento e saber.

Fontes: Adaptado de DASCAL, Marcelo. Types of Polemics and Types of Polemcial Moves. In: C. MEJRKOVÁ, S.; H OFFMANNOVÁ, J.; MÜLLEROVÁ, O. & SVETLÁ, J. (eds.) (1998). DialoganalyseVI. Referate der 6. Arbeitstagung, Prag 1996. Beiträge zur Dialogforschung. Tübingen: Niemeyer, 2 volumes./ Sara Greco. Dascal on Interpretation and Understanding. Studies in Communication Sciences 5/1(2005) 217-230

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

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Aquela descrição da memória traumática serve para os quadros mais

sérios de frustração e depressão coletiva. Sua solução passa pelo

desaquecimento do embate, tornando a disputa uma controvérsia e esta por fim

numa discussão. Como referido, o oposto também pode ocorrer, e com frequência

acontece. É o que se vê nas fases anteriores e posteriores aos conflitos abertos,

em muitos casos armados. Todas as técnicas de propaganda e incitação são

utilizadas para fazer o ódio ao inimigo crescer. Há acusações e ameaças de parte

a parte até que se consiga um cessar-fogo, algum tratado e acordo. Na verdade,

o conflito aberto é um tipo de comunicação que todos entendem. A incapacidade

de ouvir atentamente o outro marca esse período em que todos dizem alguma

coisa e ninguém ouve. As variadas técnicas de resolução de conflitos foram

desenvolvidas exatamente para permitir que surja um campo intermediário de

interesses mútuos capaz de fazer a violência cessar. A paz é o resultado mais

dramático desse processo que começa com o silenciar das línguas ferinas. Entre

as técnicas usualmente utilizadas nesse esforço de desacelerar o choque e evitar

o infortúnio estão as reparações e restituições, o perdão mútuo, a penitência, o

julgamento e a punição, a anistia, as comissões de diálogo e verdade, a

dramaterapia, o luto conjunto, a reconstrução e a convivência e o karma.3

Também as variadas formas de negociação, mediação, arbitragem, e curas por

técnicas orientais como o Ho’o Pono Pono têm oferecido exemplos de esforços

bem sucedidos no alívio às crises e confrontos entre os seres humanos.4

3 Recolhemos em nossas vidas aquilo que semeamos em nosso passado. Senão entendermos isso não escaparemos à cadeia de consequências e não saberemos o porquê dos nossos sofrimentos. Quando uma pessoa semeia desgraças, provocando dano aos demais, colherá ela própria os efeitos deste infortúnio. Essa é a lei do Karma. Ela ajusta o efeito a sua causa.

4 GALTUNG, Jonah. Pax Pacifica. Pluto Press. 2005.

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AS CONTROVÉRSIAS E OS TIPOS DE DISCURSO _______________________________________________________________________________________

Portanto, pode-se afirmar que esses dois personagens querem coisas

distintas do mundo. De um lado, está o polemista inquieto, que visa solapar a paz

que o irrita. Ele a considera inadmissível. Pretende com sua agitação provocar

alguma mudança. As consequências de sua intervenção nas controvérsias

naturais da vida podem ser boas, mas podem ser igualmente devastadoras.

Nesse caso, sua cara metade – o pacificador – entra em cena. Seu labor é mais

difícil. Construir pontes é sempre tarefa mais ingrata do que destruí-las. Demanda

muito mais humildade que as ações revolucionárias para as quais sempre há

candidatos disponíveis. O passo lento e não heroico da produção da paz afasta

esse tipo de gente imediatista que imagina ser capaz de produzir um novo mundo

desferindo um único golpe. Mesmo a imprensa não dá atenção ao pacificador.

Como se sabe, ela é turbinada em boa medida pela violência humana e social. A

felicidade das redações é a dor do mundo.

Às vezes é difícil saber o que o enfrentamento de fato é. Possui um pouco

da controvérsia, outro pouco da discussão e por vezes também elementos da

disputa. Também é verdade que o discurso interageracional de tom polemista

pode aparecer sob os disfarces de um discurso proferido no palco mágico de um

evento e momento histórico; de uma nota de aparência despretenciosa publicada

na imprensa ou num panfleto; de uma carta aberta assinada em favor de uma

causa, pronunciando uma queixa e clamando por alguma solução; de uma carta-

testamento de despedida, usual nos casos de morte desesperançada; em

debates públicos televisionados, e das músicas de protesto em que a letra e o

ritmo se combinam para evocar a emoção do público. Boa parte dessas

manifestações funciona como tipos diferenciados de testamento ético que às

vezes os pais deixam aos filhos e netos em sua velhice. A força de tais falas é

conhecida. Esses momentos são de encantamento. O debatedor envolvido numa

celeuma pública encontra as palavras certas, o slogan mágico, o público-alvo

sedento por sua orientação e o contexto disponível a sua pregação. Assim, a

manifestação acaba adquirindo a força de uma revelação. Consegue reunir nos

parágrafos o dilema de um tempo e encaminha sua superação, ou ainda trata de

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

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remeter ao futuro certa interpretação de um instante, de uma vida e de suas

experiências. São falas estratégicas que possuem uma coloração profética,

redentora, amorosa e intimista que expressam uma força comunicativa que

ultrapassa as fronteiras geográficas e do tempo.

É verdade também que o tom melancólico de despedida acompanha certas

manifestações como são os casos das cartas dos suicidas. Desencontros

amorosos, ciúme, doença avançada, remorso, raiva, vingança, vergonha, orgulho

ferido, solidão, problemas financeiros, dívidas, entre outras razões são apontadas

para esse tipo de situação.5

Usualmente, na origem, na tradição judaica, tais textos éticos eram escritos

na calma da idade madura, antes ainda da morte se aproximar do indivíduo.

Faziam referências a tratados e ensinamentos variados. Eram peças filosóficas

destinadas ao consumo interno dos lares. O hábito se difundiu principalmente

entre os judeus a partir do século XIII. No Brasil, ele é também conhecido e tem

sido utilizado. A carta testamento de Mário de Andrade de 1944 é um exemplo.

Ela serve como referência ao estudo de sua obra até hoje.

Sendo pessoas comuns e sem projeção social essas

declarações acabam não interessando à história. Mas o curioso é que mesmo não

suicidas são mobilizados com frequência a deixar aos herdeiros não só bens

materiais como mensagens ”espirituais” desse tipo. Gravam depoimentos,

depõem com entusiasmo em projetos de história oral, organizam acervos

fotográficos, e escrevem cartas, os testamentos éticos que surgiram na tradição

judaica. Esse hábito continua até hoje em várias partes do mundo. A prática foi

recomendada pela revista BusinessWeek e pela American Bar Association como

um elemento a ser agregado aos testamentos tradicionais de repartição de bens

entre herdeiros. Muitos escritórios de advocacia têm ajudado e sugerido aos

clientes incorporarem nesse tipo de documento tais falas com mensagens

capazes de influenciarem as decisões das futuras gerações das famílias.

6

Já personagens históricos preocupados em legar também uma mensagem

política e em buscar um lugar nobre nas páginas da história escrevem cartas-

5 Fragmentos (auto) biográficos nas mensagens de adeus de suicidas, Yonissa Marmitt Wadi /Keila Rodrigues de Souza. Em: http://www.anpuh.uepg.br/xxiii-simposio/anais/textos/YONISSA%20MARMITT%20WADI%20E%20KEILA%20RODRIGUES%20DE%20SOUZA.pdf 6 ANDRADE, Mário. In Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira. (Org.) MORAES, Marcos Antonio de. São Paulo: Editora EDUSP; IEB. 2ª Ed. – 2001 – p. 556.

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testamento. Elas tentam projetar ao futuro seu dizer sobre o sentido da vida

social. Assim como os anciões tribais de antigamente, que falavam e contavam as

histórias comunais como narrativas de encantamento e doutrinação dos jovens,

essa peça de oratória tenta comprometer os seguidores de uma liderança

qualquer a certos vínculos morais que dão identidade a um grupo. Ela é uma

tentativa de manter vigoroso um tipo de discurso, permitindo que o orador, mesmo

que do além, continue a influenciar as controvérsias dos novos tempos. Tais falas

vêm disfarçadas por vezes de conversas de aparência casual. A longa entrevista

que Fidel Castro deu a Ignácio Ramonet, o editor espanhol do Le Monde

Diplomatique, em várias oportunidades no período de janeiro de 2003 a dezembro

de 2008, tem sido interpretada como um testamento político desse tipo.

Já a mensagem oferecida em 20 de novembro de 1975, pelo Generalísimo

de los Ejército de Tierra, Mar y Aire, Caudillo de España por la Gracia de Dios,

Vencedor Invicto por Dios y por España Francisco Franco Bahamonde foi mais

formal. Seu testamento político é uma breve, mas categórica declaração ao povo

da Espanha. Resume sua mensagem num parágrafo grave e solene:

Não esqueçam que os inimigos da Espanha e da Civilização Cristã estão alertas. Mantenham a vigilância e abram mão de todos seus interesses pessoais em nome dos interesses supremos da pátria espanhola. Não enfraqueçam na busca de alcançar a justiça social e a cultura para todas as pessoas da Espanha, e façam disso seu principal objetivo. Mantenham a unidade das terras espanholas, exaltando a rica variedade de suas regiões como fonte de força e unidade da pátria.

Saddam Hussein divulgaria em 2006 uma carta de despedida similar. Um

dia antes de ser ferido em combate, o herói cubano José Marti escreveu uma

carta a seu amigo mexicano Manuel Mercado na qual faz revelações que são hoje

consideradas seu testamento político. Muitos interpretam os discursos sobre o

Estado da União proferidos pelos presidentes americanos e realizados todos os

anos com imponência imperial no parlamento como uma oportunidade para que

fique gravado à história seu ideário. Outro exemplo ainda é o documento escrito

em 1752 por Frederico o Grande, o déspota esclarecido da Prússia entre 1740-

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

17

1786, no qual descreve sua teoria política e refere o papel do soberano.7

Em 29

de abril de 1945, pouco antes de se matar, Hitler deixaria o seu testamento

político pronto para a posteridade. Refere sua história pessoal, culpa os judeus

dos infortúnios da Alemanha, interpreta os principais fatos do período de seu

governo, e se despede do povo alemão. No Brasil a Carta-testamento de Getúlio

Vargas é o documento desse tipo mais famoso. Aparentemente essa declaração

política de despedida foi escrita por um ghost-writer, José Soares Maciel Filho, o

que leva a crer que a redação do documento não foi um ato intempestivo e

inesperado. A análise de sua retórica tem dado oportunidade a todo tipo de

inferência e interpretação. Diz o documento numa das passagens mais

marcantes:

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

Também o Novo Testamento acabaria eternizando epístolas. Treze foram

escritas (aparentemente) por Paulo. Nove são doutrinárias com lições práticas.

Três foram práticas e pastorais. Uma é fraternal. Algumas foram dirigidas a igrejas

locais, outras a grupos e a pessoas. Outras ainda escritas por líderes cristãos

acabaram não integrando o Novo Testamento. Os A Pedidos publicados na

imprensa hoje em dia por grupos de pressão variados são outra forma muito

comum de intervenção nos debates públicos e que acabam tomando por vezes

7 Frederick II, Political Testament, in Europe in Review, eds. MOSSE, George L. et al. (Chicago: Rand MacNally, 1957), p. 110-112. Reprinted in SHERMAN, Dennis, ed., Western Civilization: Sources, Images, and Interpretations, Vol. II, (New York; McGraw-Hill, 1995) p. 41-42.

JACQUES A. WAINBERG

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um caráter histórico cuja influência se eterniza num tempo indeterminado. É o

caso do panfleto Eu Acuso de Émile Zola que marcou sua posição no famoso

Caso Dreyfus. A Carta da Prisão escrita por Martin Luther King em 1963 após ser

preso numa manifestação contrária à segregação racial em Birmingham é outro

exemplo. Com menos impacto, mas igualmente relevante ao objetivo de

documentar as formas através das quais o polemista intervém nas controvérsias

públicas, é a música Dear Mr. President de autoria de Pink, nome artístico de

Alecia Moore e gravada pelas Indigo Girls no álbum I’m Not Dead. Trata-se de

uma carta aberta ao Presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Esse tipo

de música de protesto desenvolveu-se amplamente no período da ditadura no

Brasil. Intérpretes nacionais como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Caetano

Veloso, Toquinho e Gilberto Gil entre outros marcaram época fazendo

declarações políticas nesse tipo de manifestação. Tal forma de intervir na

polêmica foi marcante pelo efeito que teve na cultura popular e no imaginário

social brasileiro do período. O rap e o funk são as manifestações desse tipo de

expressão no século XXI. Há nessas obras uma queixa e uma denúncia. Blown’In

the Wind de Bob Dylan e Imagine de John Lennon protestaram contra a

intervenção americana no Vietnã. Depois In a World Gone Mad dos Beastie Boys

e To Washington de John Mellencamp protestaram contra a presença das tropas

do país no Iraque.

Além dos Testamentos Éticos, dos A Pedidos, das Cartas-Testamentos e

das músicas também os discursos formais frente às multidões têm ensejado a

participação marcante de personalidades na vida política e na história. Em

oportunidades graves tais pronunciamentos adquirem um tom épico. Por isso,

passam a fazer parte do patrimônio não só de uma nação como da humanidade.

Na Grécia antiga a prática foi estabelecida no fim do século V. Nos funerais

públicos dos mortos nas guerras de Atenas, os restos eram deixados três dias

numa tenda. Oferendas eram oferecidas à memória dos falecidos. Depois um

funeral levava cada corpo a uma das tribos. No túmulo era proferido então um

discurso por um cidadão proeminente. O julgamento que acabaria condenando a

morte Sócrates foi eternizado no discurso ”Apologia de Sócrates” escrito por

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

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Xenofon de Atenas. Platão escreveria igualmente em ”Apologia” relato similar.8

O poder de uma fala desse tipo pode também ser ilustrado pelo discurso

proferido por Winston Churchi ll. ”Sangue, Suor e Lágrimas”, as três palavras que

ele emprestou do ex-presidente americano Theodore Roosevelt que as utilizou

em 1897 numa manifestação ao Colégio Naval, surtiram efeito mágico em 1940.

Nesse ano, o novo Primeiro-Ministro da Inglaterra, em substituição ao fracassado

Nevi lle Chamberlaim, inspiraria seus soldados e os civis do país a enfrentar os

inimigos nazistas que estavam naquele momento invadindo a França. Nesse

mesmo ambiente do conflito internacional, a referência ao ataque japonês a Pearl

Harbor como o ”Dia da Infâmia” no discurso proferido em 8 de dezembro de 1941,

pelo presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt aos seus habitantes,

marcaria a história para sempre. Outros exemplos de manifestações memoráveis

desse tipo não faltam. George Wallace diria em 1963, logo após ser eleito

governador do Alabama, em protesto a uma lei federal que punha fim a

segregação racial nas escolas do país, pronunciou o slogan que nunca mais

abandonaria a sua imagem de homem público: Segregation Now, Segregation

Tomorrow, Segregation Forever. Na verdade, este slogan foi incluído no seu

discurso por um assessor racista e antisemita, membro da Ku Kux Klan, Asa

Carter.

Ambos visavam defender e inocentar o filósofo das acusações.

Em Berlim, John Kennedy diria, em 26 de junho de 1963, “Ich bin ein

Berliner” (Eu sou um berlinense). Aquelas palavras ficaram eternizadas e

marcaram o início da fase mais dura da Guerra Fria em que os americanos

declararam apoio à Alemanha Ocidental. O slogan e o discurso foram

pronunciados no exato momento em que o muro erguido pelos soviéticos dividiria

o país até 1989. I Have a Dream, o sonho de Martin Luther King, expresso em seu

discurso a um público de 250 mil manifestantes no Lincoln Memorial, é outro

exemplo desse tipo de manifestação que encontra eco no espírito de um tempo e

que perdura na história como marco moral indestrutível. Salvador Allende se

despediria da história e da vida num último discurso proferido em 11 de setembro

de 1973 no qual procurava legar às futuras gerações sua mensagem derradeira,

mas essencial. Agradece o apoio da população. Acusa o capital estrangeiro, o 8 Ver http://socrates.clarke.edu/aplg0100.htm

JACQUES A. WAINBERG

20

imperialismo e os setores reacionários da sociedade chilena de fazerem o

exército do país quebrar a tradição de respeitar a Constituição.

Por fim, cabe referir o debate público como uma das técnicas mais usuais e

poderosas de argumentação e persuasão utilizadas para perpetuar uma

mensagem e uma presença no palco da história. Nele, a polêmica rapidamente

aflora, se expande, toma conta da audiência que observa o confronto entre os

oradores com a mesma expectativa que aguarda a derrapagem numa corrida de

automóveis numa pista molhada. Exemplo da história brasileira é o embate que

reuniu em 1985, Luis Carlos Prestes, o carismático líder comunista brasileiro, e

seu adversário ideológico mais poderoso, Roberto Campos, à frente das câmeras

de televisão. Depois, em 1988, foi a vez do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva

enfrentar Theóphilo de Azeredo Santos, representante dos banqueiros. No debate

reina todo o poder da retórica. Consistência lógica e apelo à emoção da audiência

combinam-se como que num petardo poderoso dirigido à mente e ao coração dos

observadores. Tem uma aparência de espetáculo e os falantes na verdade

interpretam papéis cênicos. Muitos parlamentares, advogados e promotores,

candidatos a algum cargo de governança, falam em contextos mediados por tais

regras dramatúrgicas de interpretação. Mesmo assim o conflito de ideias foge

com frequência do seu controle. No campo da ciência, da cultura, da política e da

religião não faltaram momentos como esse. Por exemplo, a polêmica produzida

pelo físico Alan Sokal que desmoralizou a revista de estudos culturais Social Text

ao remeter um artigo non-sense, mas compatível com os slogans tradicionais da

publicação. Como se sabe, o mesmo foi aceito e publicado. Outro debate célebre

desse tipo é o confronto realizado entre Noam Chomsky e Jean Piaget em 1975.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

21

AS ESTRATÉGIAS RETÓRICAS E A ETIQUETA LINGUÍSTICA _______________________________________________________________________________________

Considerando essas e muitas outras evidências disponíveis um observador

vê-se forçado a admitir que o conflito aflora mais facilmente entre as pessoas que

a cooperação. Ele acaba bloqueando a comunicação, impedindo a ponderação

desapaixonada e racional. E quanto maior for a diferença entre os interlocutores

mais esforço de tolerância será exigido dos mesmos. Os atributos altruístas

concentrados num único ator não são fáceis de conseguir. Nem todos nascem

com esse grau de virtudes. Uma larga maioria dos indivíduos é naturalmente

egocêntrica. Já as qualidades humanistas resultam do esforço que se faz para

controlar essa vocação que todos têm de se sentirem o centro do mundo. Como

se vê, a santidade demanda formação e treino.

Outra dura constatação é que a maior parte das pessoas teme a liberdade.

Sabem que o preço a pagar por ela é alto. O ceticismo com frequência gera o

ostracismo, como se aprende do treino escolar. Produz eventualmente o exílio, a

excomunhão e a abominação. A maior parte prefere, por isso mesmo, seguir os

passos do líder e da tradição. É menos sofrível. A obediência aos dois remunera

sempre com o apreço, a sensação de conforto e o acolhimento comunitário. Esse

fato explica também porque as pessoas preferem em suas vidas seguir sendo

crianças.

Não por acaso a deusa da polêmica é Éris. Irritada por não ter sido

convidada à festa de casamento de Peleus e Thetis, jogou a fruta da inimizade

entre os convidados. Seu nome latino é Discórdia. Seu oposto grego é Harmonia

que em Roma foi denominada Concórdia. Éris ensina que as disputas só podem

ser resolvidas por combate frontal. Suas filhas são a Fadiga, a Fome e a Dor. A

deusa da Discórdia foi a responsável pela Guerra de Tróia. Sempre que entra em

ação produz com seus dilemas a angústia, a ansiedade, a agonia, a suspeita e a

incerteza.

Assim, ao contrário da lógica, a erística cultiva a dúvida e o enfrentamento

incessante. Segundo Zeno, considerado o inventor da dialética, a verdade só é

alcançável através da razão. Pergunta e resposta foi o método utilizado por

Sócrates na sua consecução. Testa-se uma proposição visando apontar suas

JACQUES A. WAINBERG

22

falhas. Aos olhos de Platão a dialética era a única forma segura de se alcançar o

verdadeiro objetivo da filosofia. Ao contrário da erística, a conversação em torno

de proposições (tese) e contra proposições (antítese) em busca de uma síntese

deve estar (como dito) despojada de sentimentos.

Por isso, o raciocínio deve estar atento à esperteza e aos jogos de

linguagem. Busca identificar os objetivos dos participantes em diferentes tipos de

diálogo. Depois observa a conclusão oferecida e as premissas em que o

argumento está baseado. Exige de quem fala provas capazes de sustentar a

veracidade da afirmativa. Busca falhas na argumentação, ora atacando suas

premissas, ora oferecendo contraexemplos, identificando falácias ou ainda

demonstrando que a conclusão oferecida não deriva das proposições

apresentadas.

As Estratégias Retóricas: a Prova, o Estratagema e o Argumento

1. Prova

A VERDADE ACIMA DE TUDO: Visa eliminar qualquer dúvida sobre certa proposição. Utiliza regra de inferência capaz de levar de forma explícita e

reconhecível à conclusão a ser provada. A regra e a evidência devem ser aceitas e reconhecidas pelo opositor. A prova não

se refere à demonstração dedutiva formal, como utilizado em lógica e matemática. Refere-se a outras formas de inferência

(indutiva e presuntiva, por exemplo) capazes de afirmar a verdade de uma declaração. Não se refere também à

comprovação como a obtida num experimento, numa observação, num

testemunho e no senso comum. Deve ser neutro em relação às crenças e interesses

dos interlocutores. A verdade deve ser fator decisivo em afirmar determinada crença. Para fazer frente às provas o

interlocutor deve ser capaz de oferecer contraprovas.

2. Estratagema

SEM FALA: Visa provocar no público certa reação induzindo-a a crer que certa

proposição é verdadeira. Pode eventualmente fazer uso da inferência,

mas não obrigatoriamente. Caso faça uso, nem a inferência nem a evidência

precisam ser consideradas de antemão

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

23

verdadeiras. Precisam acima de tudo ser efetivas. O estratagema pode envolver a farsa e a dissimulação. Não precisa ser nem explicíta nem reconhecível pela

audiência desde que alcance seu efeito. Visa deixar o opositor sem argumentos,

‘sem fala’, incapaz de reação. Schopenhauer descreve o estratagema

como um truque desonesto.

3. Argumento

PERSUASÃO: Visa fazer o opositor crer que certa proposição seja verdadeira. Apresenta razões para induzi-lo a ter

certos desejos. O argumento não precisa estar baseado em inferência ou evidência.

Apresenta proposições que o opositor possa aceitar. Leva-o a uma espécie de obrigação a acolher sua conclusão e a

cooperar. Difere da prova por poder ser logicamente inválido. Exemplo do campo

da política é o argumento relativo ao “efeito dominó". Logicamente ele não se sustenta. O efeito em cadeia pode ser interrompido em qualquer ponto. No

entanto, no período da Guerra do Vietnã, serviu como argumento potente. Mesmo

uma falácia pode ser persuasiva.

Fonte: Adaptado de DASCAL, Marcelo. Types of Polemics and Types of Polemcial Moves. In: C. MEJRKOVÁ, S.; H OFFMANNOVÁ, J.; MÜLLEROVÁ, O. & SVETLÁ, J. (eds.) (1998). Dialoganalyse VI. Referate der 6. Arbeitstagung, Prag 1996. Beiträge zur Dialogforschung. Tübingen: Niemeyer, 2 volumes.

Já na erística o gozo está mais na disputa que no desenlace da

controvérsia. As polêmicas que se observam no dia a dia vêm geralmente

cobertas pela tintura dissimuladora da lógica. Mas na verdade, o que os

polemistas como intérpretes da realidade querem é simplesmente o suspiro final

do oponente. Não raro, na falta de melhor alternativa repetem sem cesssar como

tagarelas o mesmo argumento. Sabe-se da experiência que essa estratégia

funciona. Se não fosse isso, que justificativa se teria para a publicidade e a

propaganda que incessantemente martelam em nossos ouvidos o mesmo e

incessante tilintar? O apelo à razão, cabe repetir, requer disciplina, capacidade de

introspecção e desejo honesto de ceder à evidência. Não é o que ocorre

usualmente com as pessoas, possuídas por crenças, sonhos e esperanças, e

especialmente com estas envolvidas no jogo da sedução.

JACQUES A. WAINBERG

24

A verdade é que a retórica desfruta hoje muito pouco da confiança que

sofistas como Protágoras, Górgias e Isócrates costumavam lhe dar na Grécia

antiga. Seu prestígio perdurou em graus variados nas universidades europeias

até o século XVIII. Ocupava lugar de destaque ao lado da teologia, da ciência

natural e moral e do estudo da lei. Por fim, sua reputação cairia em desgraça com

a ascensão do positivismo e do empirismo. A retórica passou a ser vista como

uso manhoso da linguagem. Um discurso que em suma é vazio e ineficiente

embora eloquente e que visa simplesmente produzir efeito encantador. Abdica,

pois da busca da verdade. Foi reduzida pelos sofistas a um sistema que podia ser

ensinado. A ”invenção” era sua primeira parte. Tratava da descoberta de material

relevante à argumentação. À organização ou arranjo cabia sua estruturação.

Depois vinha a dicção, preocupada com o esti lo da oratória; a memória,

interessada em estratagemas que ajudassem o orador a lembrar o discurso, e por

fim a apresentação que se dedicava a explorar as técnicas de discurso.

Uma das causas do descrédito popular a tal tipo de prédica é a insistência

com que os sofistas afirmavam que todo argumento pode ser contrariado por

argumento oposto. Para eles o relevante é a maneira como ele é apresentado à

audiência. O que deveria pesar é que o dito parecesse verdadeiro.

Sem dúvida, os demagogos daquele tempo e do nosso aprenderam bem a

lição. O que explica o interesse renovado que a temática do discurso e da

hermenêutica acabaria tendo na modernidade. Nietzche, Foucault e muitos outros

filósofos, pensadores e autores denunciariam a relação existente entre linguagem

e poder. É o caso também de George Orwell. Em seu livro 1984 ele critica a

pobreza do inglês coloquial de seu tempo. Diz que esse fato impedia o

pensamento crítico e a capacidade expressiva dos indivíduos. Ou seja, a

destruição das palavras acaba servindo aos propósitos dos regimes totalitários.

Sugere naquela novela uma língua fictícia adequada ao reino da opressão. Entre

outras medidas, ela deveria ser mais enxuta eliminando os sinônimos e os

antônimos. Palavras com significados opostos seriam removidas como

redundantes. O objetivo era empobrecer o vocabulário e por decorrência o próprio

pensamento, pois o que não pode ser pensado não existe. No seu ensaio Politics

and the English Language de 1946, escrito após lançar com sucesso A Revolução

dos Bichos, e pouco antes de completar 1984, Orwell vai direto ao ponto: a

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

25

limitada amplitude do pensamento das pessoas de seu tempo acabava permitindo

e autorizando a prática de uma política desonesta. Diz que há uma associação

perversa entre a prosa desqualificada e a ideologia desumana.

Esse tipo de denúncia fez parte de seu esforço particular de combater o

comunismo. Denunciou em 1949 numa lista secreta enviada ao Ministério do

Exterior inglês 38 intelectuais simpatizantes de Moscou, entre eles Charles

Chaplin. Seu livro A Revolução dos Bichos receberia ajuda do IRD (Information

Research Department), órgão secreto do governo inglês, para ser editado em

Burma, na China e nos países árabes. Da mesma forma, ajuda foi dada à edição

deste livro no formato de revista infantil (o porco maior receberia uma barba tipo

Lênin e o porco Napoleão um bigode tipo Stalin).

Esse é um detalhe de uma vasta batalha cultural, ideológica e de palavras

desencadeada já no alvorecer da guerra fria, termo criado por Orwell e depois

popularizado por Wiston Churchi ll num de seus veementes discursos. Como

muitos outros intelectuais, Orwell participou do enfrentamento aos comunistas

temendo que as nações democráticas perdessem o conflito. Três livros de

Bertrand Russel (Why Communism Must Fail, What Is Freedom? e What Is

Democracy) foram igualmente patrocinados pelo IRD. Da mesma forma The

Democratic Revolution de Bryan Magee. Tal artifício de patrocinar autores e obras

foi amplamente utilizado igualmente pelos sovéticos e pela CIA em várias partes

do mundo ao longo do tempo. No pós-guerra havia grande simpatia da opinião

pública e dos intelectuais aos soviéticos pelo papel que desempenharam na

vitória sobre o nazismo. Preponderava nos meios escolarizados um entendimento

que Orwell considerava inocente do regime comunista. A Revolução dos Bichos

era panfleto contra o regime de Moscou.9

Outra forma ainda de ressaltar a relevância que a palavra tem é destacar

sua capacidade de incitar e influenciar o comportamento humano. As palavras

podem mover montanhas, diz o dito popular. Podem também fazer a paz e a

guerra. Ou seja, os conflitos nos quais os polemistas se envolvem geralmente são

iniciados com ”palavras incendiárias”. Esse tipo de declaração quando dita em

lugar público não está protegida pela Primeira Emenda da Constituição dos

9 Ver ASH, Timoth Garton. Orwell ’s List. The New York Review of Books. V.50, n.14. 25 de setembro de 2003.

JACQUES A. WAINBERG

26

Estados Unidos (Chaplinsky versus New Hampshire, 1942) que define e protege a

liberdade de expressão. É considerada uma agressão que visa provocar a

violência. O mesmo ocorre no Canadá (seção 319 do Código Criminal), embora

nesse país se enfatize o tipo de risco que o discurso poderá causar. Por exemplo,

é crime advogar o genocídio e incitar e promover publicamente o ódio contra

algum grupo identificável. A apologia pública (instigar, provocar e excitar por

qualquer meio, inclusive a internet, ou forma) à prática de qualquer fato delituoso

tipificado também é crime segundo o Código Penal do Brasil. A doutrina o

qualifica como ”crime sem fronteira”. Mesmo o indivíduo que simplesmente se

vangloria de algum ato desse tipo é considerado culpado. Nesse tipo de situação

não é necessário que a declaração provoque qualquer resultado prático que

perturbe a paz pública.

Esse cuidado com a palavra explica ainda porque a Presidência do Brasil

publicou em 2004, uma cartilha denominada Politicamente Correto & Direitos

Humanos. Diz seu preâmbulo que

todos nós – parlamentares, agentes e delegados de polícia, guardas de trânsito, jornalistas, professores, entre outros profissionais com grande influência social util izamos palavras, expressões e anedotas, que, por serem tão populares e corriqueiras, passam por normais, mas que, na verdade, mal escondem preconceitos e discriminações contra pessoas ou grupos sociais. Muitas vezes ofendemos o “outro” por ressaltar suas diferenças de maneira francamente grosseira e, também, com eufemismos e formas condescendentes, paternalistas.

A cartilha propõe então um glossário de termos espinhosos que deveriam

ser ou banidos do vocabulário dos servidores públicos do país ou referidos com

cuidado, evitando conotações e eufemismos pejorativos de forma a “eximir o

falante de qualquer tipo de prejuízo quanto ao entendimento daquilo que ele

pretende informar.”10

10 ROSSONI, Roberta Justo. A Escolha Lexical do Uso da Linguagem Politicamente Correta: uma análise de acordo com a teoria das implicaturas de Grice. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Letras. PUCRS. 2008, p.7.

São eles: A coisa ficou preta, Africano, Aidético, Aleijado,

Analfabeto, Anão, Barbeiro (para motorista inábil), Beata, Bebum, Branquelo,

Bugre, Burro, Caipira, Ceguinho, Comunista, Coxo, Crioulo, De menor, Denegrir,

Elemento, Está russo, Fanático, Gilete, Judiar, Macumbeiro, Mongoloide, Perneta,

Samba do crioulo doido, Turco, Vadia e Xiita.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

27

A cultura popular brasileira tem sido igualmente vigiada. Algumas

expressões foram denunciadas por esse novo tipo de mentalidade que tenta

purificar não só o discurso político e coloquial como o das artes. Por exemplo,

letras de músicas têm sido criticadas por seu conteúdo machista.11

Palavras problemáticas em certos contextos agem que nem pólvora.

Noutros, elas adormecem e hibernam. ”Como as pessoas, textos podem viver ou

morrer”, diz Philip Jenkins em Does the harsh language in the Koran explain

Islamic violence? Don't answer till you've taken a look inside the Bible.

Exemplos são

”Se Essa Mulher Fosse Minha” (Sinhô, 1926), ”Ai que Saudades da Amélia”

(Mário Lago, 1941), ”Os Homens são uns Anjinhos” (Zeca Ivo e Custódio

Mesquita, 1932), ”Mulher Indigesta” (Noel Rosa, 1932), ”Minha Namorada”

(Vinicius de Moraes e Carlos Lyra, 1962), ”Silvia” (Marcelo Nova, 1983), ”Loira

Burra” (Gabriel, o Pensador, 1993), ”Mesma que Seja Eu” (Roberto e Erasmo

Carlos, 1982), ”Eu Gosto é de Mulher” (Ultraje a Rigor, 1987), ”Vou Contar Tintim

por Tintim” (Cartola, década de 1950). O politicamente correto fez também com

que a cantiga infantil ”Atirei o Pau no Gato” se tranformasse na nova versão em

”Não atire o Pau no Gato”.

12

11 O Sul. Porto Alegre, 4/10/2008, p.8.

Nestes

tempos de terrorismo islâmico é comum a referência ao Alcorão como um livro

que comanda o martírio e o assassinato. Mas a verdade é que passagens

igualmente numerosas desse tipo aparecem na Bíblia. E no passado, elas foram

utilizadas como justificativas a morticínios variados. Ao que parece, seus efeitos

dependem também do leitor e da forma como as ideias e os argumentos são

apresentados. O fato explica o fenômeno da polissemia. Frente a um mesmo

estímulo há sempre uma variedade de entendimentos e julgamentos de valor. No

caso da Bíblia, por exemplo, as palavras ”guerra” e “batalha” aparecem cada uma

mais de 300 vezes no texto, além de outras ações violentas como estupros e

decapitações. Tudo leva a crer, portanto que a maldição ocorre quando o discurso

odioso encontra a interpretação maligna na hora certa e no lugar exato para

provocar o desastre. O mesmo poder-se-ia dizer de qualquer doutrina, mesmo as

12 Texto publicado em 8 de março de 2009. Professor da Penn State University. É autor de The Lost History of Christianity: The Thousand-Year Golden Age of the Church in the Middle East, Africa, and Asia - and How It Died. O Alcorão (5.33) diz: “Aqueles que combatem a Deus e seu apóstolo (...) deve ser morto ou crucificado.” Um texto da Sura (capítulo 47) começa: “O fiel crente, quando você encontrar o infiel, corte fora sua cabeça.” Na Bíblia, nos livros de Samuel e Reis, inúmeros versículos justificam a morte dos inimigos de Deus. Ver igualmente Deut. (33:42).

JACQUES A. WAINBERG

28

ideológicas, que têm servido de justificativa e têm sido acusadas de promover e

justificar a violência.

Ocorre que esse desejo de imposição de uma etiqueta linguística é

ind gest aos polemistas. Usualmente, uma de suas marcas mais características

é a subversão desse tipo de expressão asséptica cuja pretensão máxima é ser

neutra. Críticos afirmam que o movimento PC (Politicamente Correto) é na

verdade um tipo dissimulado de censura que quer em última instância limitar a

liberdade de expressão.

Hoje em dia parece predominar o ponto de vista de que a linguagem é de

fato poderosa porque tem a capacidade de controlar o pensamento (hipótese de

Whorf-Sapir). Os linguistas cognitivistas afirmam que a escolha das palavras não

é inocente e tem importantes efeitos no enquadramento das ideias, da memória e

no condicionamento das atitudes e das ações de uma pessoa. Denunciam,

portanto, a rotulação, a estereotipia e o preconceito que vêm juntos com termos e

expressões. De qualquer forma, o embate em torno do movimento PC não se

encerrou. No campo da ciência, por exemplo, há uma tendência que se opõe a

esse tipo de disciplina. Por exemplo, Tom Bethell divulga no Guia Politicamente

Incorreto à Ciência sua voz dissidente às teorias e paradigmas científicos

convencionais, como é o caso da teoria evolucionista, o aquecimento global, a

AIDS e o fumo passivo. Outros inúmeros polemistas editaram guias similares em

outras áreas.13

13

Há inclusive um manifesto rebelde que ironiza o movimento PC

(Anexo 1).

The Politically Incorrect Guide to American History por Thomas E. Woods; The Politically Incorrect Guide to Islam (And the Crusades) by Robert Spencer; The Politically Incorrect Guide to Women, Sex, and Feminism by Carrie L Lukas; The Politically Incorrect Guide to Darwinism and Intelligent Design by Jonathan Wells; The Politically Incorrect Guide to English and American Literature by Elizabeth Kantor; The Politically Incorrect Guide to the South (and Why It Will Rise Again) by Clint Johnson;The Politically Incorrect Guide to Global Warming and Environmentalism by Christopher C Horner (February 2007) ISBN 1596985011;The Politically Incorrect Guide to Capitalism by Robert P. Murphy (April 2007); The Politically Incorrect Guide to the Constitution by Kevin R.C. Gutzman;The Politically Incorrect Guide to Hunting by Frank Miniter;The Politically Incorrect Guide to the Bible by Robert J. Hutchinson;The Politically Incorrect Guide to the Middle East by Martin Sief; The Politically Incorrect Guide to Western Civilization by Anthony Esolen; The Politically Incorrect Guide to the Civil War by Harold William Crocker III; The Politically Incorrect Guide to the Vietnam War by Phillip Jennings.

i o

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

29

O CLIMA PSICOSSOCIAL E AS EMOÇÕES _______________________________________________________________________________________

Cabe salientar que por vezes a polidez reflete menos um esforço artificial

para evitar um discurso ofensivo e mais uma tendência natural de certa sociedade

indisposta a expressar abertamente desconforto, emoções e disposição ao

embate teórico. Estudos interculturais têm feito comparações dos traços dessas

“personalidades coletivas”.

Uma das pioneiras contribuições a essa temática dos marcadores culturais

dos povos foi a obra de E. T. Hall, The Silent Language de 1959, considerada

uma das mais influentes no estabelecimento da área dos estudos interculturais. O

livro chamou a atenção às distintas formas de comunicação não verbal dos

grupos humanos. Referiu-se à variedade dos tipos de linguagens corporais, de

organização dos espaços e dos signos paralinguísticos, entre outros fatores.

Depois, em 1969, em The Hidden Dimension, este autor classificou e diferenciou

as culturas humanas como Altamente Dependente de Contexto e Levemente

Dependente de Contexto. No primeiro caso, os interlocutores levam em conta o

não dito. É o caso de culturas tradicionais usualmente referidas como as

existentes nos países árabes e mediterrâneos além do Japão, da França, da

Alemanha e da Rússia entre outros. Nas Culturas Levemente Dependentes de

Contexto seria o contrário, ou seja, a maior parte da informação que está sendo

transmitida precisa estar na mensagem. Precisa ser explicitada. Exemplos

referidos desse tipo de cultura são as existentes em países como os da

Escandinávia, a Alemanha, a Suíça, a China e os Estados Unidos. Nessas

culturas nacionais, o que vale é o que está escrito e afirmado às claras. Tais

sociedades são contratuais e o peso dos usos e costumes é menor.

As tensões políticas internacionais e as trocas comerciais mobilizam e

motivam agora também os negociadores globais a levarem em consideração esas

máximas dos estudos interculturais. Muitos desses levantamentos comparados

entre povos, nações e grupos humanos são realizados por pesquisadores das

relações internacionais, do comércio internacional e de áreas afins como o

marketing e a publicidade internacional. Na verdade, predomina nesses

ambientes acadêmicos e científicos o interesse aplicado pelas temáticas da

JACQUES A. WAINBERG

30

cooperação, resolução de conflitos e persuasão. O que está em jogo é a

capacidade desses homens e mulheres de negócios e da política levar em conta

fatores subjetivos e comportamentais graves de seus interlocutores.

Os autores do livro Riding the Waves of Culture, F. Trompenaars e C.

Hampden-Turner, denominaram tal habilidade de “competência transcultural”, a

única que, em suas opiniões, realmente importa para um administrador e/ou

negociador global e que permite em última instância conciliar dilemas e/ou

integrar opostos.14 Afinal, é através do estabelecimento de alianças, dizem eles,

que se produzem riquezas e “70% do fracasso de tais associações ocorre em

conseqüência de causas relacionais”, como, por exemplo, a falta de confiança

mútua.15

Os autores daquela obra constituíram um banco de dados baseando-se

nas informações coletadas através de um questionário aplicado a 70 mil

executivos de um vasto número de organizações de países diversos. As culturas

foram então classificadas considerando-se os padrões de comportamento e os

valores desses respondentes.

Fonte: F. Trompenaars e C. Hampden-Turner

O mais antigo estudo comparado desse tipo foi realizado no período de

1967 a 1973, por Geert Hofstade.16

14 Esta é a temática da obra 21Leaders for the 21st Century dos autores.

O autor descreveu as culturas nacionais com

base nos dados coletados pela IBM entre seus funcionários de 64 países.

15 Culture Club: an interview with Fons Trompenaars. Business Strategy Review, 2002, Volume 13 Issue 1, p. 31-35. 16 Professor Emérito de Antropologia Organizacional e Administração Internacional da Universidade de Maastricht da Holanda.

Percentual dos respondentes que afirmam não estarem dispostos a mostrar emoções em público Kuwait 15 Argentina 28 Brasil 40 Inglaterra 45 Portugal 47 Austrália 48 Áustria 59 Etiópia 81

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

31

Posteriormente, esse levantamento foi expandido para 75 países, sendo replicado

por outros pesquisadores.

As Categorias de Hofstade: Individualismo/Colet ivismo (em % dos respondentes)

No que se refere à dimensão Individualismo, o Brasil tem escore superior à média da população latino-americana (38 contra 21). No entanto, esse levantamento considera todas as sociedades desse continente, a brasileira inclusive, coletiv ista. Ou seja, preferem assumir compromissos de longo prazo junto a seus grupos de pertinência que são coesos (como, por exemplo, a família) e ao qual estão integradas e que os protege, exigindo em troca lealdade. O termo coletiv ismo não tem aqui sentido político e não se refere ao estado. Nas sociedades indiv idualistas os laços entre os indivíduos são tênues. Nesse caso, espera-se que os indiv íduos cuidem mais de suas próprias vidas do que de suas famílias.

Indiv idualismo é contrastado com coletiv ismo e diz respeito ao grau que se espera que as pessoas atuem com autonomia ao contrário do que propõe o conceito coletiv ista que espera que as pessoas atuem em organizações ou grupos. As culturas latino-americanas apresentam os mais baixos indicadores de indiv idualismo.

Estados Unidos 91, Austrália 90, Bélgica 75, Irlanda 70, Suíça 68, África do Sul 65, Áustria 55, Espanha 51, Argentina 46, Irã 41, BRASIL 38, Turquia 37, México 30, Portugal 27, Chile 23, Singapura 20, Colômbia 13, Guatemala 6.

As Categorias de Hofstade: Masculinidade/Feminilidade Masculinidade diz respeito a valores como competitividade, decisão, ambição, acumulação de riqueza e bens materiais, enquanto os valores opostos, geralmente descritos como femininos, valorizam mais os relacionamentos e a qualidade de vida. Quanto mais alto o escore mais alto o grau de ”masculinidade”. O Brasil está numa posição bem intermediária entre o Feminino (valores de modéstia e fraternidade) e o Masculino (assertivo e competitivo). Japão 95, Hungria 88, Itália 70, México 69, Filipinas 64, Estados Unidos 62, Índia 56, Bélgica 54, Líbano 52, Paquistão 50, BRASIL 49, Nigéria 46, Gana 46, Irã 43, Espanha 42, Zâmbia 41, Guatemala 37, Chile 28, Dinamarca 16, Noruega 8.

JACQUES A. WAINBERG

32

As Categorias de Hofstade: Intolerância à Incerteza Já o indicador de Intolerância à Incerteza mostra em que medida uma cultura programa seus membros a sentirem-se confortáveis ou desconfortáveis em situações desestruturadas, novas, desconhecidas e surpreendentes. O estudo de Hofstede mostra que o Brasil tem baixo nível de tolerância à incerteza. Para minimizar ou reduzir esse efeito é necessário a adoção de regras claras, leis, políticas, medidas de segurança, regulamentações e crença religiosa na verdade absoluta. Tais populações são mais emocionais, e motivadas por uma energia interna. O objetivo final dessa população é eliminar ou evitar o imprevisível. O dado revela que o Brasil tem uma sociedade adversa ao risco e indisposta à mudança. Distinta, portanto, dos grupamentos que toleram outras opiniões, e que tenta regular o mínimo possível o ambiente social. Sociedades que são mais relativistas e autorizam que circulem lado a lado correntes opostas. Esse tipo de cultura tende a ser fleumática e contemplativa, não autorizando às pessoas a expressão de suas emoções em público. Reflete o grau que uma sociedade tenta enfrentar a ansiedade minimizando a incerteza. As culturas com grau elevado de intolerância à incerteza preferem as regras claras e as estruturas, e os empregados tendem permanecer mais tempo vinculados aos seus empregadores. Quanto mais alto o escore mais alta a Intolerância à Incerteza. Grécia 112, Guatemala 101, Japão 92, Argentina 86, Coréia do Sul 85, Hungria 82, BRASIL 76, Paquistão 70, Egito 68, Tailândia 64, Finlândia 59, Suíça 58, Quênia 52, Austrália 51, Nova Zelândia 49, Estados Unidos 46, Malásia 36, Dinamarca 36, Singapura 8.

No Brasil o apego a formulações que dão ênfase a tais marcas subjetivas

das nações é antigo. Seus cronistas e comentaristas do cotidiano têm apelado por

vezes ao conceito de “mentalidade” para explicar um sem número de mazelas e

qualidades dos cidadãos do país. Noutros casos, obras clássicas da sociologia,

história, economia, psicologia e antropologia nacional elaboraram sobre o papel

que o “imaginário social” tem tido na vida política, econômica e social do Brasil.

Autores como Gregório de Matos, Mario de Andrade, Gonçalves Dias, José de

Alencar, Castro Alves, Octavio Ianni, Sílvio Romero e Euclides da Cunha trataram

de maneiras distintas da mesma temática da ”identidade brasileira” e dos traços

do ”caráter” dos habitantes do país.

Exemplos clássicos desse tipo de formulação são obras, como Raízes do

Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, na qual se divulga a figura do ”homem

cordial”; Retrato do Brasil, de Paulo Prado, ensaio no qual o autor criticava em

1928 os ufanistas e expunha as mazelas da sociedade brasileira, entre elas a

exploração social, o conformismo e os desmandos; Etnias e Culturas no Brasil,

obra na qual Manuel Diégues Junior elabora sobre o pacifismo brasileiro, seu

espírito de liberdade e a mestiçagem.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

33

A verdade é que o grau de violência da sociedade brasileira torna difícil

defender o argumento amplamente difundido de que há um traço cordial na

mentalidade brasileira. Medido por esse parâmetro a cordialidade seria

característica de outros povos e culturas. Como visto nos dados apresentados

nas tabelas, o que certamente existe no país é à disposição de 60% de sua

população de expressar abertamente as emoções, algo incomum e inaceitável em

muitas sociedades. A mentalidade brasileira é tida como mais coletivista do que a

existente em muitos outros povos. Ou seja, o cidadão brasileiro dá proteção a

seus compadrios e espera reciprocidade. Mas paradoxalmente os mesmos dados

coletados revelam que a competição também é bem vinda no país.

Aparentemente essa situação não causa desconforto moral e espiritual à

população. Ela aprendeu a viver e a valorizar esse ambiente complexo. Há em

sua mentalidade ainda uma leve tendência conservadora, favorável às velhas

ideias e sensível às mudanças bruscas na rotina da vida.

Examinando também alguns dos indicadores coletados nas duas versões

da pesquisa realizadas pelo Ibope no Brasil em 1991 e 1997 para o World Values

Survey é possível dizer também que entre as marcas culturais de sua população

está a moderação política. Embora haja mais pessoas posicionadas na extrema

direita e na extrema esquerda do que a média de uma amostra de 61 países

examinada, o posicionamento político do brasileiro é de centro (com leve

tendência à direita). Sua moderação é expressa igualmente na sua oposição à

violência política à semelhança do que ocorre em boa parte do mundo, como

indica uma média de 89 países. Tolera muito mais que uma média de 31 países a

extrema esquerda, e muito mais que uma média de 33 países a extrema direita.

Da mesma forma não se atormenta com raças diferentes (o que ocorre segundo

os dados do WVS em grau maior com belgas, finlandeses, italianos, japoneses,

noruegueses e suecos, por exemplo).

JACQUES A. WAINBERG

34

Os valores do brasileiro. 1991/1997. Em % do total de respondentes.

Ideias que resistiram ao tempo são geralmente

melhores que as novas

Competição é algo bom e

positivo

Devemos ser cautelosos sobre

mudanças bruscas em nossas vidas

Preocupo-me com as

dificuldades que as mudanças podem causar

Autoposicionamento numa escala

política

Esquerda

1. 23,5 41,9 40,3 18,2 11,5 2. 4,7 8,8 6,5 3,7 3,9 3. 5,4 8,7 6,7 3,8 7,3 4. 5,1 9,4 7,3 4,2 6,3 5. 14,8 10,6 12,6 10,0 28,7 6. 5,8 3,2 4,0 5,0 7,8 7. 6,4 3,2 4,6 6,7 6,7 8. 9,1 3,4 5,2 11,6 7,2 9. 5,0 2,4 2,3 7,7 3,4

Novas ideias são geralmente

melhores que as velhas

Competição é algo prejudicial

Devemos ser corajosos na

busca de realizações

Dou boas-vindas à possibilidade de que algo novo possa começar

Direita

20,1 8,5 10,4 29,1 17,4 Total/Base: 2868 2839 2875 1730 2501

Média: 5,42 3,51 3,88 6,34 5,65 Fonte: World Values Survey (WVS)

Em suma, o que estes dados querem salientar é a necessidade de se

definir o clima psicossocial de determinada sociedade. Em algumas há clara

propensão à controvérsia (exemplo é a sociedade israelense). Noutras a

tendência é ao consenso (o exemplo é a sociedade japonesa). Nesse último caso,

a polidez social não só previne a confrontação aberta, mas também esconde a

polêmica.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

35

OS ELEMENTOS DA ERÍSTICA: O CETICISMO, A IRONIA E O HUMOR

_______________________________________________________________________________________

É possível ressaltar ainda que o polemista com frequência lança mão de

artifícios retóricos variados. Esse tipo de jinga verbal é bastante comum na

tradição da política brasileira disponível aos discursos utopistas, salvacionistas,

estatistas, messiânicos e populistas. Com frequência, esse tipo de retórica

mistura maliciosamente em sua argumentação “maçãs com laranjas” para

confundir. Apela a meias verdades para enganar. Apoia-se em fontes que

desfrutam de nenhuma autoridade. Propõe falsos dilemas. Aponta bodes

expiatórios e os demoniza. Afirma sem provas que o opositor tem determinada

posição a qual passa a criticar. Faz ataques pessoais e emocionais.

A propósito cabe lembrar que os talmudistas, em seus estudos bíblicos,

teológicos e filosóficos, criariam um método exegético polêmico e igualmente

controverso. O denominaram Pilpul. O termo hebraico tem como raiz a palavra

pilpel (pimenta). Avot (6:5) (um dos tratados do Talmud) considera esse método

hermenêutico como uma das 48 virtudes que permitem um estudioso adquirir a

sabedoria da Torá. Ou seja, a função de um debatedor é jogar pimenta na

controvérsia visando eternizá-la. O pilpulista por hábito e costume tem que olhar

nesta e naquela direção, nisto e naquilo. Busca examinar as discrepâncias

existentes entre diretivas legais contraditórias e nos paradoxos existentes nas

falas dos sábios ao longo dos tempos, visando de alguma forma conciliar suas

máximas numa norma. Cabe a esse tipo de debatedor primeiro constatar as falas

dos intérpretes bíblicos eternizadas nas páginas talmúdicas. Depois, e só depois,

pode e deve afirmar o que os sábios pretendiam ter dito, o que os sábios

poderiam ter dito e o que os sábios poderiam ter evitado dizer. Dessa forma,

constroem uma ampla argumentação, etapa por etapa, apoiando logicamente a

nova tese na precedente. Em muitos casos, vista como um todo, a peça retórica

de um pilpulista acaba culminando num absurdo. Exemplo é apresentado na

Guemara (Eruvin 13b) (outro tratado do Talmud). Nessa porção um estudante da

Academia de Iavne produziu 150 provas de que um roedor é ritualmente puro.

JACQUES A. WAINBERG

36

Esse tipo de conclusão é inimaginável e inaceitável, pois se sabe perfeitamente

que a Torá o considera treif ou impuro.

Essa tradição de estudo propõe ainda dois personagens. O primeiro é o

polemista ponderado e circunspeto, o douto-sábio, de bagagem enciclopédica. O

segundo é o debatedor agudo, ferino e cortante qual o fio de uma navalha. A

mesma porção da Guemará (uma das porções dos comentários talmúdicos) diz:

“Foi revelado pelo Poderoso que criou o mundo, que não houve em sua geração

outro igual ao Rabino Meir. Por que então a Halachá (a lei judaica) não foi

determinada de acordo com o ponto de vista de R’ Meir?” Diz a resposta: “Porque

seus colegas não puderam imitar a extensão de seu raciocínio.” O mesmo realce

à existência de intérpretes da lei que se destacavam por sua profunda capacidade

hermenêutica, e por isso mesmo incompreendidos, é assinalada noutros

comentários que tentavam entender a disputa pelo cargo de diretor de uma

Ieshivá (escola religiosa) entre Rabino Yosef e o Rabbah, um amora (17

Por fim, a tradição consolidada transformou esse tipo de embate entre

polemistas ferinos e enciclopédicos numa atividade meramente educativa e

acadêmica. Dela não se poderia esperar muito, e muito menos tomar decisões

práticas e legais. Afinal, as controvérsias nas quais se engalfinhavam uns e outros

não visavam encontrar a verdade e não provavam nada.

)

babilônico que dirigira a academia de Pumbedita. Num deles pergunta-se: “Entre

os de ‘Sinai’ (alguém que sabe toda a Torá, o douto sábio) e um ‘desgarrado das

montanhas’ (o polemista agudo e ferino), qual é preferível?”.

O “pilpul” tornou-se proeminente em muitas escolas religiosas da Polônia e

Lituânia até a Segunda Guerra Mundial e é praticada hoje em muitas dessas

academias religiosas em várias partes do mundo. Na visão dos críticos, esse

entusiasmo em comparar as falas de sábios de diferentes períodos acaba

geralmente culminando num ”bilbul”, na confusão pura e simples. Em suma, tal

esforço exegético seria perda de tempo. Mero exercício de erudição desprovido

de sentido e rumo. O famoso Rabino Yehudah ben Bezalel Levai de Praga (1525-

1609) chegou a comentar que “aqueles que vêm a essência do estudo na

esperteza do pilpul revelam desrespeito à Torá e estão perdendo seu tempo

erroneamente, e fariam melhor se aprendessem carpintaria”. 17 Professores de Mishná, a lei oral, no período de 219 a 500 a.e.c.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

37

Hábito exegético similar ao pilpul é denominado hoje no ambiente jurídico

de “epiqueia”. Frente à ambiguidade, vazio e contradição da lei o intérprete passa

a afirmar o não dito. Os manuais realçam o perigo de seu uso. Temem o desvio e

o enfraquecimento do direito positivo. Por outro lado, afirmam que a epiqueia

“convida o homem a ultrapassar a letra da lei”. A razão disso deveria “ser buscada

no desejo de uma maior justiça em situações concretas forçosamente imprevistas

pela lei positiva”.18

Menos por seus méritos e mais por seus vícios o hábito de debater um

tema à exaustão acabou também sendo rotulado pejorativamente como

”casuística”. O conceito remete à ideia de que os envolvidos nas controvérsias

utilizam as mais variadas sutilezas que visam justificar determinada ação ou ponto

de vista. Também os gregos viram-se autorizados a preencher as lacunas do

discurso e a resolver contradições e enigmas da linguagem. Aristóteles diz que

quando

a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão. 19

Desconfiado por práticas discursivas em que a vitória sobre o oponente é o

objetivo único do debatedor, o já referido filósofo alemão Arthur Schopenhauer

identificou na sua Dialética Erística 38 estratagemas retóricos desonestos

utilizados pelos polemistas 20

Portanto, a dissidência parece ser o rebento nobre de Éris. O que mobiliza

esse tipo de manifestação é o ceticismo. Tal estado de espírito, ora expressa a

descrença, ora a desesperança de que o conhecimento seja possível, ou ainda

algo mais modesto, a dúvida. O cético incomoda. Sua implicância é notória não só

na prática do colunismo jornalístico contemporâneo, mas também em áreas como

a moralidade, a ciência, a religião, a política e muitas outras. Filósofos como

Michel de Montaigne (1533-1592), Pierre Bayle (1647-1706) e David Hume (1711-

(Anexo 2).

18 JUNQUEIRA, Luís Zenun. Dano Moral. Breves Anotações. Ajuris. 19 Ética a Nicômano 1137f. 20 Optamos em manter os títulos dados às categorias na obra Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão. No original nem todas as categorias foram tituladas. Evitamos criar novos títulos para não confundir os leitores.

JACQUES A. WAINBERG

38

1776) são alguns dos pensadores que seguiram os passos de Pirron de Elis (360-

272 a.C), referido como o pai do ceticismo. Pirron renunciou ao desejo de buscar

a verdade considerado um objetivo inalcançável. Suspendeu assim qualquer

julgamento. Sua posição extrema acabaria gerando o pirronismo ou ceticismo

pirrônico, corrente fundada por Enesidemo de Cnossos (I d.C) e difundida na

Renascença graças ao trabalho realizado por Sexto Empírico (200 d.C). Na

origem, seu método tratava de abalar as verdades estoicas. A suspensão de

julgamento dos pirronistas acabou gerando um estilo de vida que chamaríamos

hoje de contemplativo, usual em ambientes místicos e nos ermos destinos dos

eremitas.

Montaigne popularizou o ensaio, o gênero preferencial dos polemistas

desde os seus dias. Mesclou a especulação teórica com a ruminação, anedotas e

autobiografia. Julgava que a única forma de capturar a verdade era seu próprio

julgamento. Bayle, por sua vez, ao retornar ao calvinismo após breve conversão

ao catolicismo, acabaria perseguido como herético. Nessa oportunidade

familiarizou-se com as ideias de René Descartes o que lhe ajudou a consolidar

um temperamento crítico. Seu racionalismo visava subverter a autoridade

eclesiástica e filosófica dos seus antecessores. Tal visão contribuiu para seu

alinhamento a uma concepção humanista em ascensão à época. Ela afirmava a

tolerância intelectual, política e religiosa. Já Hume foi figura proeminente do

iluminismo escocês tornando-se polêmico por sua rejeição do deísmo. Era

favorável aos métodos empíricos e de observação como únicas formas de obter o

conhecimento.

Um curioso subproduto contemporâneo dessa tradição rebelde, de crítica

incessante, geraria nos Estados Unidos ”A Sociedade dos Céticos” que visa agora

desmascarar a pseudociência, a superstição, e as crenças irracionais em todo o

mundo. A revista Skeptic tem tratado de temas como percepção extrassensória,

teorias conspiratórias, o monstro do Lago Ness, o poder da pirâmide,

criacionismo, histeria de massa, gênios, bruxaria e a pseudo-história. A

Sociedade afirma que ceticismo é a aplicação da razão e o reconhecimento da

necessidade de se coletar evidência para sustentar ideias. Outro resultado

igualmente contemporâneo dessa tradição é a ”publicidade subversiva” que faz

paródia dos anúncios publicitários das grandes corporações. Seus autores

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

39

definem a subvertsing como produto de resistência cultural que denuncia o

consumismo e a imagem das empresas. A deformação da logotipia das marcas

dessas organizações famosas é frequente nesse tipo de ativismo político.

Portanto, o ceticismo se expressa de formas e maneiras distintas. Entre

elas está, além da exemplificada paródia, também a sátira. Ambas andam muito

próximas no seu objetivo comum de caricaturar. Costuma-se afirmar que a sátira

é pretensiosa, pois almeja certo grau de mudança da realidade enquanto a

paródia brinca com os fatos não por despeito e oposição, mas pelo afeto que

cultiva ao objeto ironizado. A sátira expõe e ridiculariza as falhas e os limites de

personagens do cotidiano e da sociedade. Sua função é política. Tem pretensão

cívica, pois reflete certo grau de indignação pública. Sua origem é romana

enquanto que a paródia já era conhecida dos gregos. Nesse caso, o da paródia, o

épico era imitado através de um tratamento jocoso e carnavalesco. A obra era

retirada do contexto e não raro, contrastada com um novo ambiente e um novo

tempo.

Emergem dessas comparações as diferenças e são elas que servem de

objeto à reflexão. James Joyce, por exemplo, fez isso em ”Ulisses” ao incorporar

elementos da Odisséia de Homero ao ambiente escocês do século XX. Fica claro

à audiência que há um parodiado. E é a ele que são dirigidas as críticas. A

paródia pode ocorrer também nas circunstâncias em que elementos que

caracterizam uma obra são utilizados noutra com fins humorísticos e irônicos. Não

raro, sua reputação é maior do que a obra original que a inspirou. É o caso da

fama de Dom Quixote (1605) muito superior a da novela Amadis de Gaula. O

cinema tem utilizado esse recurso para ironizar os clássicos que a maioria do

público conhece. Não raro, um cineasta faz numa nova obra-paródia de suas

próprias obras anteriores.

Da mesma forma, as peças e as obras burlescas dos séculos XVII e XVIII

costumavam ridicularizar na Inglaterra e nos Estados Unidos um tema ou um

personagem solene num estilo indigno. O burlesco também tratava com seriedade

indevida um assunto trivial. Essa forma de comédia alcançava seus objetivos

através da caricatura e de distorções ridicularizando com frequência os hábitos

sociais da aristocracia. Ao contrário da sátira, não tem compromissos éticos. A

crítica é exposta por esse contraste e incongruência entre o alvo do humor e o

JACQUES A. WAINBERG

40

tratamento que lhe era dado. O show burlesco tipicamente costumava incluir a

comédia, a dança, o strip tease e a linguagem rude. Muitos comediantes, entre

outros atores desse gênero, acabariam migrando ao vaudeville, uma forma de

entretenimento similar, mas mais respeitado socialmente. Ele tornou-se popular

nos séculos XIX e início do XX nos Estados Unidos. Incluíam em cada ato de 10 a

15 quadros de mágicos, acrobatas, comediantes, animais treinados, cantores e

dançarinos. Hoje há certo renascimento do gênero – o neoburlesco – que apela

menos para a crítica social e mais para a ação cênica, de dança e strip tease .

Já o que caracteriza a sátira é o seu tom. Ele pode variar desde um polo no

qual predomina a crítica moderada a outro em que expressa uma ríspida e

amarga indignação. Ela é encontrada na literatura, na cinematografia, nas artes

visuais, nos panfletos, no jornalismo, na música, na poesia, no teatro, entre outras

formas de comunicação, confundindo-se por vezes com a comédia. Ela combina a

amargura e a raiva com o humor servindo frequentemente a propósitos políticos

variados. Visa ridicularizar o opositor de alguma forma.

Exemplo moderno é o filme de Charles Chapplin, O Grande Ditador, no

qual a vítima de sua ironia é Adolf Hitler. South Park é outro exemplo. Esta série

de TV satiriza o cristianismo, o catolicismo, o mormonismo, o judaísmo, a

cientologia e o Islã entre outras religiões. Outro exemplo, ainda, são as

caricaturas de Maomé que publicadas em vários jornais, em 2006, causaram

emotivas reações por parte das comunidades islâmicas em várias partes do

mundo. Da mesma forma, o fi lme Borat provocou indignação de grupos distintos.

A Família Simpson igualmente faz alguma sátira, no caso religiosa, através do

Ramo Ocidental da Igreja Reformista Americana Presbiluteranista, denominação

a qual pertence a maioria dos habitantes de Springfield, a fictícia cidade em que

vivem esses personagens. É uma paródia das denominações protestantes dos

Estados Unidos. Seria uma divisão da Igreja Católica durante o também fictício

“Cisma de Lourdes” em que os rebelados lutaram pelo direito de irem à igreja com

o “cabelo molhado”. Também o fi lme A Vida de Brian satiriza temas bíblicos.

Outra película, Dogma, faz ironia religiosa ao brincar com a ideia de que o último

descendente de Jesus Cristo é uma mulher que trabalha numa clínica de aborto

de Illinois.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

41

Em 2001, após intensa campanha realizada pela internet, 0,7% da

população britânica declarou nos censos que sua religião era ”Jedi”, ou seja, uma

fé originária do filme Guerra nas Estrelas. Tratava-se de uma brincadeira. No

entanto, antes ainda do filme, desde o fim da década de 50, surgiram várias

”religiões parodiadas” similares. Entre elas estão o ”Eventualismo” (uma paródia

da Cientologia), a “Igreja do Monstro Espaguete Voador” (uma paródia à teoria do

design inteligente como forma de explicar o surgimento da vida), o “Invisível

Unicórnio Cor-de-Rosa” (uma paródia das definições deístas), “Kibologia” (paródia

da Cientologia), a “Igreja do Google” (paródia que afirma haver mais evidência de

que o Google é Deus do que existe para a existência dos deuses de outras

religiões), e o “Discordianismo”. Essa fé reconhece o caos, a discórdia e a

dissidência como qualidades válidas e desejáveis. Contrasta assim com a

harmonia e a ordem pregadas pelas igrejas convencionais. Como não poderia

deixar de ser, a deusa Eris reina nesse universo em que o jocoso é sério. Na

verdade, é indisfarçável a motivação anarquista nesse tipo de pregação. Nela,

incentivam-se os cismas, as intrigas e as conspirações.

O sarcasmo e a ironia também andam com frequência de mãos dadas. A

primeira é uma forma de expressão intencional que visa insultar de alguma forma

o opositor. Já a ironia lhe fornece o humor como companhia. Ameniza-lhe a

agressividade. É uma discrepância entre o que é dito e o que isso significa. Dito

de outra forma há uma evidente contradição e incongruência entre a intenção do

discurso e o que é realmente pronunicado. Há um autor e uma vítima.

O interesse pela função social do humor presente na maioria dessas

manifestações é antigo. Hipócrates (460-377 a.C), o pai da medicina, costumava

afirmar que a fleuma, o sangue, a bílis amarela e a bílis negra determinavam a

saúde, a doença, a dor e o temperamento das pessoas. Mais tarde, Galeno de

Pérgamo, outro médico influente da antiguidade, os relacionou com o fogo, a

água, o ar e a terra. Da combinação desses oito elementos teriam surgido os tipos

de humor: o sanguíneo, o fleumático, o colérico e o melancólico.

Na verdade, essa capacidade de provocar o sorriso, por vezes a

gargalhada do público e dos interlocutores, é uma potente arma de arsenal

retórico do polemista. O sorriso obtido da audiência simboliza sua vitória. É

também uma espécie de escudo que parece proteger a parte que se considera a

JACQUES A. WAINBERG

42

mais fraca no embate. Nas disputas retóricas o humor é bem vindo ainda porque

aumenta a tolerância à dor e provê energia ao público estimulando-lhe o prazer

de viver. Ao relaxar a mente e o corpo 21

As razões do humor

, dá vazão à ansiedade do público. O

ouvinte ri provocado por vários estímulos, entre eles a tragédia e a deformidade

alheia, o ridículo, o absurdo, a incongruência entre um conceito e um objeto real,

o exagero, a distorção, a malícia e a hostilidade, entre outras causas. Em todas

elas o sorriso surge numa fração de segundo, pois é propriedade do humor

surpreender e ser decodificado sem dificuldades. Como afirmado, através de suas

“tiradas”, o polemista provoca a sensação no ouvinte de que triunfou e se

sobrepôs ao adversário. Por isso, o humor é visto como uma atividade social e

uma arma intelectual que serve de vetor à agressividade dos debatedores. Eleva

o polemista a um nível superior a do rival que lhe serve de alvo. Na imprensa

brasileira contemporânea um exemplo desse gênero de crítica bem-humorada é a

coluna de José Simão, na Folha de São Paulo. Um dos segredos é que este

gênero comunica muito mais do que diz através de implícitos variados. Além

disso, o alcance de suas máximas é universal. Ou seja, (1) o humor é um

fenômeno inato, e que é essencial à sobrevivência das espécies (o humor existe

também em primatas e outros animais); (2) é uma das emoções mais primitivas;

(3) os sorrisos e as gargalhadas expressam prazer; (4) cada proposição

humorística é de certa forma ilógica, por vezes contraditória. No entanto, (4) a

piada é percebida diferentemente pelo humorista e seus ouvintes de um lado, e o

“objeto da agressão” do outro.

COGNITIVA SOCIAL PSICOA NA LÍTICA Incongruência Hostilidade Alívio

Contraste

Agressão Sublimação Superioridade Liberação

Triunfo Economia Escárnio

Depreciação Fonte: S. Attardo (1994) 21 Foi estimado que rir 100 vezes ao dia equivale a 10 minutos de esteira de ginástica ou a 15 minutos de bicicleta estacionária. Rir exercita o diafragma, o abdômen, a respiração, a face, as pernas e os músculos das costas. Alivia a ansiedade, protege o coração, diminui o nível de açúcar no sangue, melhora o fluxo sanguíneo, o sistema imunológico, o sono, a disposição física, embora desencadeie em ¾ dos casos a asma.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

43

O que provoca o humor

Absurdo Ambiguidade Conclusões inesperadas Trocadilho Alegoria

Contraste Simplicidade aparente Caricatura Similaridade Contradição

Expectativa não resolvida Ironia Metáfora Escárnio Ditos populares

Surpresa Subestimação Compreensão

literal das palavras

Paradoxo Exagero

(hipérbole)

Eufemismo Conexão entre

termos incompatíveis

Mistura de estilos Pista a uma cadeia de

associações Repetição

Duplo sentido Contradição Incompatibilidade Fuga do perigo Estabelecimento da superioridade

Transferência Excessiva racionalidade

Desvio do senso comum

Rima imprópria Grotesco

Fontes: Cicero em “O Orador”; Thomas C. Veatch: A Theory of Humor; Miroslav Voinarovsky: http://psi-logic.narod.ru/steb/steb.htm

JACQUES A. WAINBERG

44

A VIGILÂNCIA E A PUNIÇÃO À DISSIDÊNCIA _______________________________________________________________________________________

Há um preço a pagar pela ousadia de não temer a liberdade. Michel

Foucault realizou em sua obra ampla denúncia dos mecanismos de vigilância e

punição social aplicados aos desviantes. Instituições como a prisão e o sistema

judicial foram analisados. Não só a opinião, como também a loucura e a

sexualidade foram vistas pelo filósofo francês como comportamentos a serem, ora

dominados e coagidos ao enquadramento e ora banidos.

Exemplos de punição a essa ousadia de caminhar por rotas desconhecidas

não faltam. O “cherem” foi aplicado no caso célebre de expulsão do filósofo judeu

holandês, de origem portuguesa, Baruch Spinoza da vida comunitária. O conceito

cristão equivalente é excomunhão. Por vezes utiliza-se em sua tradução o termo

anátema que no Novo Testamento implica em denúncia e banimento. Em

Romanos (9:3) a expressão “anátema de Cristo” significa excluído da aliança. Em

I Coríntios (16:22) o termo denota entre outras interpretações a que afirma que os

que não amam o Senhor devem ser execrados de todas as coisas sagradas,

merecendo a mais severa das condenações. Entre as ofensas puníveis estão:

pregar outro evangelho (Gálatas 1:8-9), não amar a Deus (I Coríntios 16:22) e a

blasfêmia contra o Espírito Santo (Mateus 12:31). O termo passou a significar a

extrema medida tomada pela Igreja contra os hereges. O Papa de Alexandria

(378-444) pronunciou 12 anátemas contra Nestório (340-451), um monge que se

tornaria o patriarca de Constantinopla. No século V consolidou-se uma distinção

entre anátema e excomunhão. A primeira passou a significar o afastamento de

uma pessoa ou grupo do rito da Eucaristia e a segunda a completa separação do

dissidente da Igreja.

O dissidente pecador pode ainda ser abominado. O ato de ”Pulsa DeNora”

embora controverso e mesmo negado pelas correntes e autoridades religiosas

judaicas de maior prestígio, possuí hoje um tom secreto e mágico usualmente

referido como cabalístico. Sua origem está no tratado Hagigah 15A do Talmud

Babilônico. Na passagem há uma referência a 60 maldições que visavam

disciplinar o anjo Metatron. É também referido no Zohar, um dos principais livros

do misticismo judaico. Adquiriu proeminência após a morte do ex-Primeiro-

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

45

Ministro de Israel, Itzhak Rabin. A mídia desse país acusou grupamentos da

direita de terem ”abominado” a figura do líder nacional incitando seus inimigos a

assassiná-lo. Aparentemente, o mesmo ritual de ”Pulsa DeNora” foi realizado

contra Ariel Sharon, visando evitar que ele pusesse fim às colônias judias

instaladas em Gaza.

Ainda no século V, outro tipo de punição à dissidência foi utilizado na

Grécia antiga. O indivíduo que se aventurasse ao populismo e tendesse à tirania

corria o risco de ser banido por 10 anos. Ou seja, o objetivo principal da

democracia ateniense era menos estabelecer o governo do povo pelo povo e

mais evitar a ditadura. Nas assembleias de cidadãos a penalidade era votada.

Cada um escrevia numa espécie de cédula o nome do indivíduo que considerava

um perigo ao bem-estar social e colocava sua sugestão na urna. Se no mínimo

seis mil cidadãos escolhessem a mesma pessoa esta era então desterrada. Não

havia necessidade de acusação formal. E ao condenado não se permitia a

defesa. Entre as 13 personalidades que sofreram essa pena estão Tucídides,

líder da oposição aristocrática ao imperialismo ateniense; o pai de Péricles,

Xanthippus (em 484), que nas Guerras Persas tinha comandado a frota

ateniense; Aristeides, estadista ateniense que acabou sendo desterrado em 482

após ter entrado em conflito com o influente Themistoclés, um dos principais

idealizadores da construção da frota ateniense. Este por sua vez acabaria

igualmente em desgraça e no ostracismo em 472. O general Cimon, um dos

heróis da Batalha de Salamis contra os persas, se indispôs contra Péricles que o

acusou de colaborar com a Macedônia e Esparta acabando igualmente em

desterro em 461. Esses e outros condenados ao ostracismo tinham 10 dias para

abandonar a cidade. Se voltassem antes do fim da pena eram condenados a

morte. Desafiados pelas ameaças militares dos vizinhos, os atenienses

promulgaram uma anistia, permitindo que seus militares exilados Xanthippus,

Aristides o Justo e Cimon, retornassem a tempo de participar das batalhas. A

ideia de marginalizar os indivíduos por algum tempo ou para sempre como se vê

nesses distintos casos e tradições, tem função disciplinar, visa preservar e

sustentar a solidariedade comunitária assim como alterar o comportamento de um

membro ou afasta-lo do convívio. Ou seja, o dissidente pode ser visto pelo poder

e pela sociedade constituída como ameaça.

JACQUES A. WAINBERG

46

Na União Soviética comunista, muitos dissidentes acabaram exilados na

Sibéria, como se sabe. A medida foi aplicada em especial no período de 1965 a

1985. A crítica interna ao regime levada a cabo por essa gente, muitos deles

intelectuais, acabaria produzindo a imprensa alternativa e dissidente samizdat.

Nela os próprios autores editavam artesanalmente seus livros. Obras banidas

começaram a circular clandestinamente principalmente em Moscou e Leningrado

(atual São Petersburgo), em cópias de carbono e datilografadas. Entre os autores

underground famosos do período estão Alexander Solzhenitsin e Andrei Skharov,

rotulados posteriormente como refuseniks. Outro autor, ganhador do prêmio

Nobel de Literatura, Boris Pasternak, não conseguiu publicar em 1958, em seu

país a obra Dr. Jivago. Ela acabaria sendo intensamente difamada apesar do

sucesso internacional. Outros autores ainda foram presos e condenados a

períodos de trabalho forçado em campos de prisioneiros (são os casos de Andrei

Sinyavsky e Yuli Daniel). Como no Brasil, no período da ditadura, essa imprensa

alternativa cresceria à medida que a repressão aumentava.

A militância samizdat alterou o significado pejorativo que era dado até

então ao termo ”dissidente”. Passou a nomear menos os criminosos e mais os

não conformistas. Nesse caso, como noutros (os expedientes do ostracismo,

desterro e trabalho forçado foram usados também na China maoísta), o controle

do pensamento pela ameaça e coerção policial parece ter sido bastante aplicado.

O efeito em muitos desses casos foi devastador. Noutros foi libertador, tornando o

herege em divulgador da ideia rebelada. Radicalizou os pontos de vista na

sociedade, provocando a ira crescente da opinião pública. Costuma-se referir a

esse estágio de ruptura social como “cisma”. Ele tem ocorrido também em

grupamentos políticos e religiosos variados em praticamente todas as tendências

ideológicas e teológicas.

Na história das religiões um dos principais temores das burocracias

eclesiais foi sempre a possibilidade de ocorrência desse tipo de divisão, o que

explica o feroz combate à apostasia, à idolatria e ao sectarismo. O termo takfir

(herege) tornou-se conhecido no Ocidente depois que os grupamentos da

ortodoxia islâmica não só festejaram os ataques terroristas realizados pela Al

Qaeda contra as torres gêmeas de Nova York em 2001, como difundiram a ideia

da guerra civilizacional contra os hereges. Ele foi usado contra o escritor Salman

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

47

Rushdie autor de ”Versos Satânicos”, à somali Ayaan Hirsi Ali, autora de ”Infiel”, e

à Tasleema Nasreen, de Bengladesh, autora de ”Lajja”. Muitos teólogos

muçulmanos liberais e pensadores como estes se refugiaram em países

democráticos de onde continuam a desferir – alguns deles protegidos pela polícia

– seus petardos retóricos. Tal confronto não é novo no Islã. Exemplo de polemista

ferrenho do século XI na Espanha moura é Ibn Hazm. É descrito nas fontes

islâmicas como debatedor feroz, dotado de uma virulência incomum que atacava

seus opositores com veemência e ardorosamente. Faltava-lhe tato e delicadeza.

Acabou, como é usual nesses casos, isolado, excomungado, perseguido e

odiado.

No Islã a apostasia é denominada ”ridda”. Embora o Alcorão não defina

quais punições devam ser aplicadas aos apóstatas, o ato é visto como insultante.

Os que rejeitam o Islã nascidos no seio da ”ummah” (a comunidade islâmica

mundial) são denominados pejorativamente como ”murtad fitri” e os que se

converteram e após se arrependeram são nomeados como ”murtad milli”. Não

raro, e segundo algumas interpretações teológicas, a pena de morte pode ser

aplicada aos homens apóstatas (é o que ocorre na Arábia Saudita, Iêmen, Irã,

Sudão, Afeganistão, Mauritânia e Camarões) e prisão perpétua às mulheres. Os

literalistas aplicam o hadith “Quem mudar sua religião, mate-o”. Alguns

interpretam essa tradição como traição e não somente apostasia. A medida é

bastante controversa e teólogos liberais islâmicos recusam essa leitura da

passagem. No judaísmo ele é rotulado como yetzia bisheila, o que abandona o

pacto.

No período da Guerra Fria, o traidor da fé política era usualmente rotulado

como “desertor”. Foram os casos de inúmeros alemães e soviéticos (entre outros)

que partiram rumo aos países democráticos, e de ocidentais que se refugiaram no

oriente, entre eles, 21 prisioneiros americanos e um britânico que desistiram da

repatriação após a Guerra da Coréia, elegendo permanecer na China. Foi o caso

também do espião britânico Kim Philby. Ele fugiu em 1963, após ser descoberto

que trabalhava para a KGB soviética. Morreria na Rússia em 1988.

Nesse país o destino destes pensadores polemistas tem sido mais cruel.

No alvorecer do regime comunista, cerca de dois terços deles pereceram ao lado

das forças opositoras aos comunistas ou emigraram rumo aos países bálticos

JACQUES A. WAINBERG

48

vizinhos. Lênin costumava definir essa inteligentsia como “podre” e Stalin, após

perseguir e assassinar muitos deles iria substituí-los por uma nova classe de

autores e pensadores fíéis, disciplinados e acima de tudo temorosos de seu

governo. No Camboja, onde igualmente se instalou um cruel regime comunista, a

hostilidade aos intelectuais era tanta que em alguns setores do regime do Khmer

Rouge (1975-1979) pessoas que usassem óculos eram mortas. Ou seja, os

óculos eram interpretados como marcas de educação, refinamento, elitismo e

intelectualismo. O regime islâmico do Irã provocaria também uma nova onda de

emigrados entre seus mais importantes intelectuais. Entre 1980 e 1982, o

currículo universitário foi ”purificado” e autores foram perseguidos e mortos (o

poeta Said Soltanpour, por exemplo, foi executado).

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

49

O PAPEL SOCIAL, COGNITIVO E EMOCIONAL DOS DILEMAS _______________________________________________________________________________________

Pode-se afirmar que na essência da vida cultural e espiritual estão as

escolhas que os dilemas nos oferecem. Por isso, tende-se a pensar sempre em

duas alternativas de curso à solução dos desafios intelectuais e existenciais. Na

verdade, esta é uma simplificação rude. Com frequência, ocorrem também

trilemas, tetralemas e assim por diante. E nesses casos o número de opções é

maior. Exemplo de trilema na religião foi formulado por Epicuro ou Carneades, um

escritor cético. Ele diz:

1. se Deus é poderoso, mas incapaz de prevenir o mal, ele não é

onipotente; 2. se Deus é capaz, mas não deseja prevenir o mal, ele não é bom; 3. se Deus é poderoso e capaz de prevenir o mal, então por que há

o mal?

Outro exemplo: ao ponderar sobre a declaração feita por Jesus, implícita

ou explicitamente, de que ele era Deus, o pensador cristão (anglicano) C.S.Lewis

(1898-1963) diz que para isso ser verdade, uma das três alternativas abaixo tem

que ser verdadeira:

1. Lunático: Jesus não era Deus, mas acreditava equivocadamente

que era; 2. Mentiroso: Jesus não era Deus, mas afirmava que era apesar de

saber que não era; 3. Senhor: Jesus é o Senhor.

A moderna educação aos valores tem feito uso da polêmica e de seus

dilemas. Evita assim a pregação pura e simples de códigos de postura. Parece

ser mais produtivo o monitoramento dos enfrentamentos teóricos em torno de

controvérsias existenciais, científicas, filosóficas e morais do que a ineficiente

imposição de mandamentos às pessoas. O sentido da vida e sua dimensão

sagrada aparecem mais facilmente aos olhos do educando quando ele

acompanha passo a passo os embates que procuram dar solução a algum tipo de

controvérsia. A estratégia evangelizadora é autoritária. Geralmente encontra

ouvidos surdos. Não há envolvimento afetivo e intelectual por parte do público. A

JACQUES A. WAINBERG

50

passividade do receptor deriva do espírito dogmático do pregador. Já a segunda

alternativa é mais envolvente, pois enriquece o ouvinte tornando certo elenco de

preceitos relevante. Ou seja, é a existência de dilemas e do debate em torno

deles o que estimula e permite a sociedade refletir sobre seu destino e o

significado de sua própria existência.

Hoje em dia não faltam controvérsias capazes de provocar ansiedade

moral. Aborto, suicídio assistido, ação afirmativa, clonagem, mutilação genital

feminina, criacionismo e darwinismo, imigração ilegal, multiculturalismo,

separação entre estado e religião, gravidez na adolescência, corrupção, pobreza

e riqueza são alguns entre milhares de temas capazes de dividir a opinião pública.

Confrontados com desafios existenciais deste tipo os educandos podem ser

expostos aos ensinamentos dos sábios, ao debate filosófico e moral entre eles e

às diferentes opções de solução aos paradoxos e dilemas éticos. Para este

objetivo de se educar aos valores, os polemistas e a polêmica parecem ser

indispensáveis.

A Teoria dos Jogos é outra área que se interessou pelos dilemas.

Desenvolveu empiricamente modelos de comportamento e decisão. Seu interesse

está no entendimento do tipo de cálculo que uma pessoa faz ao adotar certo

percurso e rota. Deseja entender a lógica das decisões dos indivíduos nas suas

interações sociais, ora competindo, ora colaborando, e ora, ainda, adotando

posturas surpreendentemente altruístas. Seus ensinamentos têm sido utilizados

em inúmeras áreas, entre elas a estratégia militar, a economia, o comércio e as

relações internacionais. O Dilema do Prisioneiro concebido na Rand Corporation

por Merril Food e Melvin Dresher, em 1950, é um dos mais conhecidos e

difundidos. Outros jogos similares são o Dilema de Platonia, o Dilema do Viajante,

o Dilema de Segurança, o Dilema do Porco-Espinho e o Dilema de Warnock.

Nestes desafios de laboratório, assim como nas situações reais da vida, as

pessoas são constrangidas a tomarem decisões quando enfrentam escolhas

difíceis. A opção preferencial acaba expondo o indivíduo e os valores que o

constituem. A escolha desnuda seu caráter. As situações extremas são

especialmente reveladoras. Nelas, a decisão do jogador vem envolta em agonia e

ambiguidade. O que muda nesse caso é o grau máximo de sofrimento provocado

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

51

ao ator. Revela o princípio moral que por fim é consagrado ou ferido na trilha e no

percurso adotado pelo indivíduo.

Por isso, os livros de ética estão cheios de exemplos de dilemas radicais.

O exame dos casos permite observar a polêmica e o cálculo moral dos envolvidos

na controvérsia. Os exemplos de dilemas morais ponderam sobre os limites e as

possibilidades da ação humana. Aos nossos fins, cabe simplesmente assinalar

essa virtude do dilema: gera discussão, produz a dúvida, e não raro, predomina

na sua solução o desejo das pessoas em não se distinguirem com sugestões

atípicas e originais. Tendem a dizer o que o senso comum diz; repetem o que

ouvem; seguem as lideranças. Certamente esse não é o caso dos polemistas que

vieram ao mundo para divergir e atormentar o comportamento de horda das

multidões. A vocação e ação subversora dos polemistas vêm por isso envolta em

certa angústia moral, e produz sempre sua consequência inevitável – a

dissonância cognitiva que abala o comportamento de parcela do público envolvido

na celeuma. Ela permite que se vislumbre alternativas e que se rompa com a

tradição dos costumes.

No caso das disputas teológicas a hostilidade entre os debatedores foi

denominada de Odium theologicum. Ele esteve presente, por exemplo, em

inúmeros embates que teólogos judeus e cristãos travaram ao longo do tempo,

mas em especial nos realizados em Paris em 1240, em Barcelona em 1263, em

Burgos em 1375, em Tortosa em 1413, em Roma em 1450 e na Alemanha em

1500. Foram na verdade espetáculos realizados em praça pública, assistidos por

multidões e pelos dignitários da Igreja, que visavam acusar o Talmud de ser uma

peça literária que em essência era difamatória de Jesus e do dogma cristão.

Visavam também amedrontar as comunidades judaicas forçando-as à conversão

ou à expulsão. Certamente não foram os únicos embates do tipo. O conflito entre

cristãos e muçulmanos foi intenso na Península Ibérica durante o período do

domínio mouro da região. Hostilidade similar desenvolveu-se também entre os

dissidentes protestantes e a Igreja. E agora, mais intensamente, o mesmo tipo de

ódio teológico prevalece entre os diversos ramos do islamismo. Por isso,

inúmeras vozes falam hoje da necessidade de aparecer no seio da ummah uma

espécie de ecumenismo islâmico, principalmente entre xiitas e sunitas.

JACQUES A. WAINBERG

52

Na análise das disputas teóricas e entre paradigmas, o historiador e

filósofo da ciência americano Thomas Samuel Kuhn afirmou, em 1962, em seu

estudo seminal ”A Estrutura das Revoluções Científicas” que afinco ”teológico”

similar surge nos embates entre correntes teóricas. Afirmou que raramente os

cientistas debatem explicitamente sobre suas decisões mais básicas de pesquisa

e que os consensos são construídos menos por observações e evidências e mais

por cometimento de grupo. Ou seja, o autor identificou um amplo campo de

preconceitos parti lhados que controlam as expectativas dos pesquisadores. Ele

chamou esse campo de ”matriz disciplinadora”. Imre Lakatos faz afirmação

similar. Para ela, programas de pesquisa são constituídos tomando por base

crenças metafísicas. Não raro, tais crenças resistem à falsificação devido ao

desejo do cientista em sustentar sua crença apesar dos problemas ou apesar da

descoberta de evidências opostas à crença original.

Muitos desses embates científicos, filosóficos, políticos e teológicos

resultam de falsos dilemas, litígios que apontam para um desenlace que autoriza

somente uma de duas opções excludentes. A controvérsia fabricada teria assim a

função estratégica de retardar a consolidação na opinião pública de certa

convicção. Para isso, o debatedor amplifica a incerteza em torno do tópico em

debate e demanda que se dê guarida ao ponto divergente e desprestigiado.

Protágoras ensinava que sempre há duas rotas de solução a uma questão e que

a missão do sofista era fazer o lado mais fraco parecer mais forte. Incomodado

com tal arte do engano é que Aristóteles acabaria escrevendo sua obra Retórica.

Esse tipo de ilusionismo verbal tem sido bastante utilizado em temas

graves como o tabagismo, a existência do holocausto judeu, a AIDS e o

aquecimento global. No primeiro caso é conhecido o esforço da indústria do

cigarro em postergar, sufocar e impedir o debate sobre os malefícios do fumo,

optando por fim e em desespero colocar em dúvida as evidências científicas que

denunciam esse hábito e esse vício como causadora de inúmeras doenças fatais.

No segundo, os revisionistas históricos contestam a veracidade da ”solução final”

de Hitler e seu projeto de extermínio dos judeus nas câmaras de gás dos campos

de concentração, apesar das evidências documentais existentes. No terceiro

exemplo, em 2000, o presidente da África do Sul colocou em dúvida a relação

entre HIV e AIDS e a própria epidemia que contaminava boa parcela da

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

53

população de seu país. Depois, comportamento similar ocorreu em 2008 no

Zimbabwe quando denúncias (verdadeiras) apontavam para uma epidemia de

cólera no país, amplamente desmentidas pelas autoridades locais. Polêmica

similar sobre o aquecimento global tem postergado em alguns países a adoção de

medidas que evitam o agravamento do problema.

A espetacularização obtida de muitos desses embates entre atores que

disputam as preferências das audiências em enfrentamentos realizados nos

palcos montados pela mídia (entrevistas coletivas, discussões políticas, mesas-

redondas, colóquios, etc.) tem uma clara repercussão social inexistente nas

discussões entre indivíduos na intimidade de seus lares. A argumentação sobre

temas públicos apresentada por tais personagens em tais contextos é cada vez

mais comum. Ouvintes e telespectadores acompanham tais discursos despertos

em boa medida pela dúvida sobre o que é dito como também pela simpatia e a

hostilidade ao que é pronunciado. O ruído dessas vozes na TV e no rádio é

incessante e crescente. Com tantas horas à disposição em centenas de canais,

há certamente hoje um vazio na programação das emissoras em todo o mundo.

Aparentemente, o mais fácil é pôr no ar gente a falar. Gente com boa e

consistente opinião, mas também gente com ideias superficiais, impressões

coletadas aqui e ali para impressionar. E como se observa facilmente, tagarelam

sem parar.

JACQUES A. WAINBERG

54

O DEBATE E A MÍDIA _______________________________________________________________________________________

Nem o tema polêmico nem a cobertura polêmica demandam uma mídia

polemista. Ela existe, mas esse é um terceiro e distinto caso. Na história do

jornalismo sempre foi possível distinguir esse segmento da contracultura e de

oposição política na qual se confunde a informação com a propaganda. A

imprensa polemista vive desses embates e seu público é sectário sempre. Vale

recordar a experiência da imprensa partidária da República de Weimar e de Viena

no entre-guerras. Os jornalistas tornaram-se nesse curto e trágico período mais

militantes de partidos políticos em luta pelo poder e bem menos agentes do

esclarecimento público. Suas coberturas jornalísticas mesclavam

intencionalmente fatos e opiniões, o que resultou no abalo da ética e minou a

crença do público na informação difundida pelos jornais. Não são poucos os

autores que apontam essa prática como uma das causas da crise moral da

Alemanha e da Áustria, o que justificou a intervenção de censores e

“reeducadores” aliados na imprensa daqueles países e no Japão no pós-guerra.22

A ação de um tipo de imprensa sensacionalista marcou também a história

norte-americana. Os jornais de propriedade de William Randolph Hearst e Joseph

Pulitzer no fim do século XIX representavam o desejo de seus editores de pagar

qualquer preço na ampliação do mercado leitor, mesmo ao custo da verdade e da

manipulação dos eventos e dos fatos. A imprensa socialista e radical daquele país

igualmente escreveu um capítulo de polêmicas históricas. Entre os personagens

dessa fase radical da década de 1910 destacam-se as revistas denominadas

muckrackers, em especial a McClure's Magazine de forte apelo político em defesa

dos trabalhadores.

Hoje em dia não faltam nos Estados Unidos exemplos de revistas

devotadas à militância e ao engajamento ideológico, político e filosófico. Uma

delas, The American Dissident, fundada em 1998, afirma que se enquadra na

categoria da tradição samizdat estimulando ”Ensaios Contra a Máquina”. Sua

missão prioritária é denunciar o lado corrupto do Complexo

Industrial/Literário/Acadêmico. Retoma para isso o conceito grego de parresía, a 22 Ver A nova Imprensa da nova/velha Alemanha. Revista Brasileira de Comunicação. Intercom, v.XVIII, n. 1, Jan/Julho de 1995, São Paulo/SP, p. 50-66

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

55

ousadia de alguns poucos cidadãos de criticar o poder, mesmo ao preço de

arriscar a vida e a sobrevivência, o que nesse ambiente significa ser despojado de

anos sabáticos, editores, financiamento de pesquisa, estabilidade no emprego,

convites para palestras e bancas de avaliação, tudo o que faz e constitui o

ambiente universitário.

Outro exemplo é a revista Dissent, devotada à temática da política, cultura

e sociedade. Fundada em 1954, deu voz a um número expressivo de intelectuais

de Nova York desde então. Embora classificada usualmente como de esquerda,

na verdade adotou uma postura de centro. No período da Guerra Fria seus

ensaístas foram críticos mordazes da URSS e China, dos experimentos

comunistas em Cuba, Vietnã e muitos outros lugares do mundo. Seu objetivo era

divulgar ideias pouco ortodoxas que não encontravam espaço na mídia

convencional.

Outros exemplos desse tipo de mídia, por vezes rotulada também como

independente e engajada, são as revistas de esquerda New Politcs, The

Progressive e The Nation. No lado oposto do espectro ideológico estão

publicações como The American Interest, The American Spectator, The National

Interest, The New American, Commentary, entre outras. Na lista de publicações

alternativas geralmente aparecem publicações como Mother Jones, Boston

Phoenix e Whole Earth. Já o Village Voice é exemplo de revista usualmente

referida como underground. Noutros países democráticos como a Inglaterra, a

Austrália e a França experiências similares ocorrem.

Esse amplo mercado editorial da dissidência e do protesto encontra

também guarida qualificada nos blogs e sites que se multiplicam rapidamente na

Internet. É nesse ambiente virtual que se desfraldam hoje bandeiras diversas em

confronto direto e mortal. Recorda o espírito anárquico e mágico da panfletagem

de antigamente. Esse tipo de literatura possuía muito dos elementos que

constituíram o polemismo, em especial sua virulência. Na origem, animou-se dos

conflitos do seu tempo, em especial as guerras religiosas e os debates filosóficos

e teológicos. A panfletagem, desde então, serve aos fins da persuasão e da

incitação.

Exemplo de panfleto foi a publicação de La Satyre Ménippé de la vertu du

Catholicon d’Espagne, publicado em Tours em 1594. Trata-se de uma crítica

JACQUES A. WAINBERG

56

política contra a Liga Católica e as pretensões da Espanha na França neste

período da Guerra das Religiões. Defendia a ideia de uma França independente,

mas católica. Seu título derivou de um gênero relevante ao estudo da polêmica, a

sátira menipeia. Ela está diretamente relacionada aos cínicos, escola de

pensamento fundada em III a.C por Diógenes. O cão é o emblema dessa

corrente. Ou seja, afirmava o ponto de vista de que a filosofia deveria ser

acessível, assim como deveria despojar-se de seus ornamentos, de sua aura e

arrogância. O mundo deveria ser visto desde baixo, desde o chão, como faz o

cachorro. Expunha o que havia de pior nas pessoas e na sociedade. Pregava a

renúncia ao prazer, ao dinheiro, à propriedade, ao casamento, à família, à

educação e à pátria. Por isso, Diógenes vivia num tonel. Seu pensamento foi

resgatado por Luciano de Samósata, em Diálogo dos Mortos. São trinta diálogos

entre as figuras mais famosas da Grécia antiga. Neles predominam a sátira, o

humor e a ironia. Desmascaram a cultura de seu tempo. Profanizam seus valores

mais caros. Como toda e qualquer paródia, carnavalizam o senso comum. Não

poupam ninguém. O cinismo, a virulência e o sarcasmo são respostas aos

diálogos platônicos e sua esperança na razão, no equi líbrio e na harmonia

interior. Os cínicos realçam o grotesco contrapondo-se ao saber e ao ideal

filosófico.

O panfleto também deu vazão aos debates literários do século XVII e

permitiu na França, em 1655, o ataque de Blaise Pascal aos jesuítas em defesa

de Antoine Arnauld que havia sido condenado pela Sorbonne por heresia. Na

verdade, esse era um capítulo a mais do embate entre o movimento fundado por

Cornelis Jansen e a Igreja Católica que não aceitava sua ênfase na

predestinação, negação do livre arbítrio, e sua descrença na bondade da natureza

humana. O panfleto foi também o canal para o debate sobre o ”quietismo”, uma

corrente mística fundada no seio da Igreja Católica por Miguel de Molinos no

século XVII. Sua reputação crescente e suas ideias sobre submissão à vontade

divina, com humildade e passividade, provocaram a oposição de alguns jesuítas e

dominicanos que temiam um novo cisma no seio da Igreja.

Depois, no século XVIII, autores como Voltaire e Abbé Sieyés e vários

outros no período revolucionário francês e napoleônico fizeram amplo uso da

tipografia para divulgar em panfletos impressos suas ideias. O Caso Dreyfus

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

57

constituiu-se em verdadeiro laboratório para uma guerra de incitação e

propaganda levada a cabo por uma panfletagem virulenta e agressiva. Emile Zola

sairia em defesa de Dreyfus publicando brochuras. Depois, esse tipo de

manifestação migraria aos jornais, tornando desde então articulistas variados em

celebridades por vezes internacionais.

Os jornais acabariam igualmente acolhendo em suas páginas a crítica

musical que até então circulava igualmente em panfletos, dando vazão aos gritos,

ora de simpatia e ora de hostilidade entre grupos opostos, os simpatizantes da

ópera italiana e da francesa. O mesmo passou a ocorrer na Alemanha, na

Inglaterra e noutros países. O primeiro crítico musical foi contratado pelo The

Times de Londres, em 1845. Publicações especializadas de crítica musical e de

arte começaram a circular a partir de então. No século XIX, muitos compositores

tornaram-se eles próprios críticos musicais. Na Europa os nomes de George

Bernard Shaw, Hugo Wolf, Smetana, Tchaikovsky e Debussy passaram a ser

conhecidos nos círculos especializados. Cabe ressaltar, portanto, que a música

ajudou a abrir espaço na mídia à controvérsia e acostumou aos poucos o público

leitor aos embates teóricos e de opinião que se alastraram à literatura, à arte e ao

cinema, entre outras formas de expressão e comunicação.

No Brasil foi igualmente longo o período da imprensa polemista. Hipólito

José da Costa, desde o alvorecer, e do exílio inglês, discute com veemência em

artigos interpretativos as diretivas do rei português que se refugiara no Rio de

Janeiro. Gregório de Matos tornar-se-á o poeta panfletário do Brasil colônia. Após

escrever a sátira “Juízo Anatômico dos Achaques que Parece o Corpo da

República em todos os seus Membros, e Inteira Definição do que em todos os

Tempos é a Cidade da Bahia," Matos é preso incomunicável e degradado para

Angola, e anos depois só volta com a condição de não mais fazer versos.23

23 Jornal, História e Técnica- História da Imprensa Brasileira. São Paulo: Ed. Ática. 1990. p.32.

Já o

padre Antônio Vieira fará em sua época um discurso mais circunspeto e reflexivo,

mas igualmente controverso. Pequenos veículos envolver-se-ão em disputas

políticas após 1822. Símbolos dessa época são A Malagueta, de Luís Augusto

May, e Aurora Fluminense, de Evaristo Veiga. Destacam-se ainda O Buscapé, o

Doutor Tirateimas, O Narciso, o Novo Conciliador e O Enfermeiro dos Doidos que

circulam nos últimos meses do Primeiro Reinado.

JACQUES A. WAINBERG

58

Em especial, a panfletagem constituiu-se na marca da imprensa brasileira

no período de 1808 a 1880. A restauração e a liberdade dos negros da escravidão

são alguns dos dilemas daquela época que alimentavam as disputas. Cipriano

José Barata de Almeida tornar-se-á no campeão das liberdades públicas. Surge à

época a caricatura que introduz a sátira na reportagem gráfica. Nos tempos bem

mais recentes apareceria fenômeno similar com a imprensa alternativa cujo papel

histórico foi o de criticar e desvendar a lógica e os desmandos do regime militar

iniciado no país em 1964. Tais publicações provocaram o “establishment”, fizeram

crítica social e tentaram alterar o ambiente político através da denúncia e da

cobertura engajada.

Os que temem o polemista, e eles não são poucos, manterão sua pena sob

judice e seu espaço sempre será precário e provisório. O jornalismo comunitário é

um bom exemplo desse tipo de tratamento. A matéria jornalística nessa mídia que

inclui a pequena imprensa interiorana, o jornalismo étnico e religioso, e a

panfletagem política e sindical dos nossos dias, visa mais o congraçamento e a

retórica evangelizadora, e menos o debate de assuntos controversos, seja na

regular e inevitável cobertura de todos os dias, seja na verbe afiada de tais

personagens malditos. A meta desses veículos é dar ao leitor a sensação de

pertinência ao corpo orgânico da comunidade. Deseja-se aqui o consenso e o

estreitamento de laços. Serve mais aos fins da animação cultural e menos, outra

vez, aos fins da reflexão crítica. Uma palavra inovadora, uma ideia não trivial e um

tema polêmico geram nesse tipo de contexto enorme mal-estar. O gatekeeper

desse tipo de veículo sabe de antemão que ele serve mais aos fins educacionais.

Por isso, um veículo comunitário perde em grande medida seu poder

comunicacional. O jornalismo é polêmico por natureza, cercado por opinião

dilacerante. No comunitário a margem para tal provocação é estreita e o conteúdo

vigiado. Trabalha-se na esfera do consenso. Trata-se de um discurso que se

destina a ouvidos que buscam o conforto e a paz.

Como afirmado, hoje em dia muitos polemistas buscam espaço e alcançam

repercussão na Internet. Nas eleições à presidência dos Estados Unidos de 2008,

por exemplo, esse novo canal de comunicação tornou-se a mídia preferencial de

24% dos norte americanos, o dobro da audiência verificada na campanha de

2004. O impacto é especialmente forte entre os jovens. Na faixa etária de 18 a 29

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

59

anos conquistou 42% de preferência, um crescimento de 22% desde 2004. A

nova geração usa a Internet mais intensamente também para socializar, ver

vídeos e se informar. Um total de 8% do público declarou que visitou sites

satíricos relacionados à temática eleitoral.

Onde o Público Norte-A mericano se Informou sobre a Campanha Presidencial de 2008

2000 2004 2008 2008/2004 Idade: 18/29

2008/2004 Idade: 30/49

2008/2004 Idade: 50+

Noticiário de TV local 48% 42% 40% 25% - 39% - 50% -

Noticiário de TV a Cabo 34% 38% 38% 35% - 36% - 41% -

Noticiário de fim de noite na TV 45% 35% 32% 24% - 28% - 40% -

Jornal Diário 40% 31% 31% 25% - 26% - 38% -

Internet 9% 13% 24% 42% 20% 26% 16% 15% 7%

Documentários de TV 29% 25% 22% 21% - 19% - 25% -

Programas Matutinos de TV 18% 20% 22% 18% - 21% - 25% -

Rádio Nacional Pública 12% 14% 18% 13% - 19% - 19% -

Programas de Entrevista e Debate no Rádio 15% 17% 16% 12% - 16% - 17% -

Programa de Entrevista e Debate Político na TV a Cabo

14% 14% 15% 12% - 11% - 18% -

Programas Políticos de TV aos domingos 15% 13% 14% 4% - 12% - 21% -

Programas na TV Pública 12% 11% 12% 6% - 12% - 14% - Revistas 15% 10% 11% 8% - 9% - 13% - Programas de Entrevistas de Fim de noite na TV 9% 9% 9% 10% - 8% - 9% -

Rádios religiosas 7% 5% 9% 5% - 8% - 12% - CSPAN 9% 8% 8% 6% - 9% - 9% - Programas de humor na TV 6% 8% 8% 12% - 7% - 6% - Lou Dobbs Tonight 7% 7% - 5% - 8% - Fonte: Pew Research Center for the People & the Press

JACQUES A. WAINBERG

60

A NATUREZA DA POLÊMICA _______________________________________________________________________________________

Do que foi dito até aqui cabe recordar a mensagem de que a polêmica

pública envolve uma dimensão educativa que visa influenciar de algum modo o

estado de espírito das pessoas que observam o embate. Não é por consequência

um mero diálogo ou uma conversação intimista. Simples discordância de opinião

não é fator suficiente para evocar uma polêmica. O que entra em jogo aqui é a

potencialidade de seus efeitos. A controvérsia deve ter um peso maior. Deve

envolver uma quantidade de tópicos entrelaçados. Deve provocar a polarização

dos pontos de vista. Suas consequências são existenciais. Há acusadores e há

defensores que buscam, ora negar a suspeita, ora apresentar desculpas e ora

ainda justificar determinado comportamento, decisão, ideia e preferência.

Como afirmado, é condição da polêmica a existência de um dilema 24

Ao contrário da referida agonia esportiva, a da polêmica não tem hora para

acabar. O espetáculo proporcionado é a exegese, a capacidade de espremer a

palavra. É isso que diverte as massas. O espetáculo do embate é público, mas

geralmente não é frontal. Como os diplomatas, raramente um polemista enfrenta

seu adversário como boxeador num ringue. O choque é indireto, geralmente

,

natural ou provocado. A ambiguidade inerente a tais impasses do pensamento

provoca ansiedade, e por decorrência desejo de resolução. É esse fator que dá

ânimo ao embate. Tem-se aqui, por isso mesmo, gladiadores em luta, com a

agressividade que caracteriza tais disputas. No caso, há uma simulação de um

jogo de vida e morte. A agonia esportiva que atrai multidões aos ginásios e

estádios é o mesmo fator mágico que anima o toma-lá-dá-cá de tais falas. Sabe-

se de antemão que haverá sempre torcidas em oposição. Para cada ginga de

corpo da pena haverá sempre um suspiro de surpresa do público, que treme, ora

de prazer, ora de ódio com o tilintar dos verbos.

24 No campo científico a opção por modificar genes de vacas leiteiras para permitir que um rebanho produza em média 60 litros por dia tem como ameaça a possibilidade de que um determinado vírus passe automaticamente de um animal para outro. Outro exemplo: já se tornou comum a produção de certos medicamentos, como a insulina, por bactérias modificadas com o implante de genes humanos. O próximo passo é a implantação de porções de DNA humano em grandes mamíferos, para produção de compostos sanguíneos úteis. Ovelhas modificadas já produzem experimentalmente o fator de coagulação humano, usado para tratar hemofílicos. O dilema é que como o DNA não é uma molécula estável, teme-se sua contaminação por genes animais.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

61

através da mídia. Esse fato torna o polemista em personagem da indústria

cultural.

Ao explicar porque não tolerava enfrentamentos desse tipo, Michel

Foucault afirma que o polemista comporta-se como se estivesse numa guerra. A

pessoa que lhe enfrenta é vista como um adversário, um inimigo que está errado

e cuja simples existência constitui uma ameaça. O desejo é aboli-lo como um

interlocutor de qualquer diálogo imaginável. Para ele tudo isso não passa de

teatro. “Anátemas, excomunhões, condenações, batalhas, vitórias e derrotas não

são outra coisa do que formas de expressão”. Classifica o embate como uma

comédia em que se imita a guerra, aniquilamentos e rendições incondicionais. O

que os polemistas expressam com mais clareza é seu instinto assassino.25 Já o

exercício da inquirição é de outra natureza, diz ele. No diálogo, o questionador

tem o direito “de permanecer em dúvida, de perceber a contradição, de demandar

mais informação, de enfatizar diferentes postulados, de assinalar falhas na

argumentação, e assim por diante”. Esse tema, o do diálogo, ocupou igualmente

outros filósofos. Gabriel Tarde, por exemplo, pondera que o mesmo não tem

propósito imediato.26 É aberto, espontâneo, ao contrário do monólogo usual dos

discursos persuasivos. Todos os participantes têm o direito a se pronunciar. A

audição lhes é assegurada. O diálogo emerge da conversação, muito embora

nem toda conversação o produza. Não visa à deliberação. Portanto, predomina no

diálogo a reciprocidade. Entra-se nele admitindo como pressuposto que pode se

estar errado.27

Ao que parece, toda mediação vê-se obrigada a utilizar esse único canal

disponível para a construção da paz. Nesse tipo de ambiente menos propício à

confrontação as partes buscam encontrar áreas de interesse comum. Tentam

contemplar os justos interesses da outra parte. Evitam o exercício do ódio e do

autoódio. Esforçam-se em evitar que a violência, sempre à espreita, possa pôr fim

a reconci liação.

25 Entrevista concedida a Paul Rabinow em maio de 1984, pouco antes de sua morte. 26 TARD, G. L’Opinion et la foule. Paris:Presses Universtaires de France. 1989 p.87 In KIM, Joohan; KIM, Eun Joo. Theorizing Dialogic Deliberation. Coomunication Theory v.18, n.1, feb 2008. p. 51-70. 27 WELSH, S. Deliberative democracy and rethorical production of political culture. Rethoric and Public Affairs 5, p.682 In NOLA, J. Heidlebaugh. Invention and Public Dialogue. Communication Theory. V.18, n.1, feb 2008, p. 27-50.

JACQUES A. WAINBERG

62

O diálogo é, de acordo com a obra de Martin Buber, um dar e um receber

cooperativo no qual se tem plena consciência do interlocutor. Não é um jogo

narcíseo no qual impera o silêncio tático, em que jogador espera o momento certo

para dar o bote. Afinal a ausência de expressão também comunica e não deve ser

vista simplesmente como o contexto do discurso.28

Exemplo desse tipo de recolhimento à quietude ocorreu em 2005, no

Brasil, após a imprensa ter desmascarado a profunda corrupção da administração

federal. O silêncio de proeminentes intelectuais que apoiavam fervorosamente o

novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, e que tão cheios de si costumavam em

governos anteriores disparar receitas salvacionistas, chamou a atenção, provocou

a ira de muitos e despertou o debate sobre o papel que eles devem desempenhar

na sociedade brasileira. Por que calaram, logo agora que a realidade lhes

desmentia o verbo e a estampa, perguntavam articulistas e comentaristas.

Não é também o silêncio

obsequioso que tão bem caracteriza o repentino cessar das prédicas e tagarelices

dos intelectuais engajados.

É verdade também que nem todo diálogo é honesto. Nele pode imperar a

manipulação, a mentira e a distorção. Pode ocorrer um tipo de cálculo no qual o

interlocutor é classificado como amigo ou inimigo dependendo do interesse do

que está em jogo e de como ele atua na conversação.29 Nesse caso de

comunicação teleológica, de acordo com a formulação de Habermas, o sucesso é

avaliado se certo efeito ou resultado é obtido. Já o autêntico “diálogo

comunicativo” ocorre quando os atores envolvidos estabelecem relações

interpessoais, visando a compreensão mútua. Habermas alerta, no entanto que

falhas podem ocorrer, especialmente nas discussões e debates, pois nesses

casos acaba-se bloqueando e confundindo ”a ação social”.30

Dito de outra forma, esse tipo de ponderação filosófica almeja um resultado

terapêutico cuja obtenção não é nem fácil nem simples. Não esconde, por isso

mesmo, sua natureza utópica face à dificuldade que os indivíduos têm de colocá-

lo em prática. Como referido, o diálogo nesses termos ideais serve aos fins da

28 ACHESON, Kris. Silence as Gestura: Rethinking the nature of communicative silences. Communication Theory.v.18, n.4. nov.2008, p. 535. 29 HABERMAS, J. The theory of communicative action. Vol.1: Reason and the rationalization of society. Boston. Beacon Press. In Joohan Kim and Eun Joo Kim. Theorizing Dialogic Deliberation. Coomunication Theory v.18, n.1, Feb 2008. p.51-70. 30 HOVE, Thomas. Understanding and Efficiency: Haberma’s Concept of Communication Relief. Communication Theory, v.18, n.2, maio de 2008. p.240-254.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

63

resolução de conflitos variados, seja no âmbito familiar, seja entre grupos

humanos e nações. Tem sido utilizado com frequência por mediadores sociais. O

que se observa, no entanto, é que há sempre uma causa, uma ideia e um

interesse caro e distinto que comove sobremaneira os que estão interagindo,

dividindo-os. O afago e a tolerância pela ponderação alheia muitas vezes ou vem

cercado pela polidez do politicamente correto (que disfarça certo tipo de cálculo

egoísta) ou surge falsamente na ruminação da militância. Em suma, a polêmica

sobrepõe-se com facilidade ao diálogo. A guerra é mais facilmente obtida que a

paz. Essa tem sido uma das críticas mais frequentes às formulações

esperançosas de Habermas. O ”diálogo comunicativo” demanda um tipo de

discurso racional, difícil de obter e produzir. Ele deve ser não ideológico e livre de

restrições e disponível ao melhor argumento.31

Contrariado com o papel desempenhado por boa parte dos intelectuais

nesse tipo de desencontros e noutros, Karl Popper manifesta mal-estar contra a

”arrogância dos pretensamente instruídos”. Denuncia a ”verborreia”, definida por

ele como “o pretensiosismo de uma sabedoria que não possuímos.

32” Rejeita as

palavras grandiloquentes, obscuras, impressivas e ininteligíveis, um “estilo que

deveria deixar de ser admirado ou sequer tolerado pelos intelectuais.33” Diz que o

verdadeiro iluminista, o racionalista genuíno, jamais pretende persuadir. “Na

realidade ele nem sequer deseja convencer, pois está sempre consciente de que

pode enganar-se.34” Rejeita intensamente o utopismo presente no discurso de

muitos desses pregadores, uma espécie de doença que acaba afetando o

linguajar e o trejeito dos falsos messias.35

O papel em boa medida diversional que esse tipo de confronto entre

polemistas acabou assumindo aos olhos do público é uma mutação que responde

Por isso dá ênfase ao esforço crítico

que deve colocar em xeque formulações teóricas. Isso é mais importante do que

tentar colecionar evidências em seu favor. Não se deve justificar teorias. Deve-se

tentar refutá-las. As que sobreviverem ao bombardeio crítico são as que devem

ser saudadas.

31 Ver WEHRENFENNIG, Daniel. Conflict Management and Communicative Action. Communication Theory. V.18, n.3, agosto de 2008. p. 356-377. 32 Em busca de um mundo melhor. p. 90. 33 Ibid, p.173. 34 Ibid, p.187. 35 A Sociedade Democrática e Seus Inimigos. p.179.

JACQUES A. WAINBERG

64

ao novo contexto social que obrigou a retórica política a se adaptar às condições

do público receptor. Cabe recordar que mais de 42 milhões de adultos norte-

americanos, 20% dos quais terminaram 12 anos de escolaridade básica, não

conseguem ler. Outros 50 milhões leem como se lê na quarta ou quinta série. Um

terço da população dos Estados Unidos é levemente alfabetizada. Um terço dos

graduados das escolas médias junto com 42% dos graduados universitários

nunca leram um livro depois que terminaram a formação escolar. Em 2007, 80%

das famílias dos Estados Unidos não compraram um único exemplar. Esses

dados ilustram o tipo de linguagem que os persuasores são obrigados a utilizar

por decorrência em seus enfrentamentos levados a cabo de forma indireta

geralmente através da mídia.

Um estudo da revista The Princeton Review analisou as transcrições dos

debates entre Al Gore e George Bush, em 2000, entre Bill Clinton e Ross Perot,

em 1992, entre John Kennedy e Richard Nixon, em 1960 e entre Abraham Lincoln

e Stephen A. Douglas, em 1858. Utilizando um vocabulário padrão, capaz de

indicar um nível mínimo que habilita um indivíduo compreender a leitura de um

texto, o estudo concluiu que George Bush falou como se fala aos estudantes da

sexta série (6.7) e Al Gore aos alunos da sétima (7.6). Em 1992, Bill Clinton falou

no nível da sétima série (7.6) enquanto George H.W. Bush falou no nível da sexta

(6.8) assim como H. Ross Perot (6.3). Kennedy e Nixon falaram no nível dos

estudantes que completaram 10 anos de escolaridade. Lincoln e Douglas por sua

vez falaram respectivamente num padrão de vocabulário equivalente a 11ª. série

e a 12ª. série. Ou seja, a retórica política de hoje naquele país está no nível médio

aproximado de um jovem com até 10 anos de estudos ou de um adulto com

capacidade de leitura equivalente à sexta série.

Segundo Chris Hedges, no blog Truthdig (12 de novembro de 2008), isso

ocorre porque esse é o padrão linguístico que a maioria dos cidadãos dos

Estados Unidos utiliza nas suas conversações, nas suas reflexões e com o qual

se diverte. Isso também explica porque a obra cultural mais sofisticada está sendo

marginalizada. Chris Hedges diz com ironia que enquanto no século XVIII Voltaire

era o personagem mais famoso hoje em dia ele é Mickey Mouse.

A situação brasileira é ainda pior. Dados de 2007 do PNDA mostram que

21,6% dos brasileiros são analfabetos funcionais e 10% são analfabetos

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

65

absolutos. Ou seja, 31,6% da população do país não possui domínio pleno da

leitura, da escrita e das operações matemáticas. Estima-se que entre 800 e 900

milhões de pessoas no mundo estejam nesta situação, ou seja, não podem ler

uma história para seus filhos, não podem consultar o cardápio de restaurantes,

não podem ler os ingredientes de uma embalagem de alimento ou remédio, não

podem ler e entender um jornal ou uma revista, não podem ler as instruções de

segurança de um equipamento.

Por tudo isso, Chris Hedges denomina esse novo tempo de pós-literário.

Nele as ideias mais complexas são inacessíveis a maior parte das pessoas.

Estímulos frequentes e incessantes são sempre necessários para atrair e dominar

a atenção do público. O produto cultural é julgado não por seu mérito, mas por

sua capacidade de entreter. Deriva desse fato a ojeriza que este e outros

intelectuais sentem em relação a esse tipo de ambiente em que a cultura

denominada de elite tornou-se inacessível e impenetrável a maior parte das

pessoas. Ele recorda que Hanna Arendt já tinha chamado a atenção ao fato de

que a mercanti lização da cultura poderia por fim degradá-la. Nessas condições a

capacidade de um indivíduo conseguir pensar com autonomia e divergir fica muito

restrita ou até mesmo inviabilizada.

Agora que a mídia audiovisual deslocou a imprensa e abalou a tradição da

leitura, além da imprensa radical, alternativa e independente também a nova e

emergente blogosfera serve de abrigo e refúgio aos comentaristas mais

indispostos e arredios ao enquadramento que o gênero infotainment procura fazer

desses personagens. Tornando-os celebridades da TV e do rádio, tornam-se

palatáveis ao público. Convertem-se também em estrelas de um firmamento que

alimenta o cardápio de atrações das emissoras e de seus departamentos de

marketing. Nessas circunstâncias de exposição massiva, as línguas ferinas são

geralmente dobradas. O apelo ao senso comum é quase irresistível, e o

tratamento que dão a temas graves ocorre entre quadros de receitas de bolo, a

cantoria de alguma estrela da música rancheira e o desfile de lingeries da nova

estação. Essa limitação explica porque agora a blogosfera é uma das novas

fronteiras do polemismo mais autêntico. Ela autoriza a expressão e o pensamento

sem as limitações que o caráter diversional da televisão impõe aos comentaristas

sociais mais críticos e inquietos.

JACQUES A. WAINBERG

66

O tom de aparência anárquica das postagens de mensagens, informação,

comentário e crítica na web prometem ao polemista grau superior de liberdade e

ousadia. Não raro, eventual sucesso nesse ambiente virtual remete o blogueiro a

uma exposição maior na mídia convencional. Curiosamente, há hoje um

crescente tráfego entre as emissoras tradicionais e esse ambiente alternativo.

Celebridades da televisão lançam blogs triviais e os ácidos críticos sociais

convertem-se em personagens do jornalismo eletrônico e da imprensa. Alguns

deles lançam livros que vendem como best-sellers. Foram os casos de Salam

Pax, Ellen Simonetti e Jéssica Cutler. Hoje há inclusive um prêmio para este tipo

de obra, o Blooker Prize, cujo vencedor de 2007 foi Colby Buzzell, autor de My

War – Killing Time in Iraq.

O protesto blogueiro permite a muitos desses personagens evitarem o filtro

usual exercido ao fluxo das informações nas redações de jornais, revistas e

emissoras de rádio e TV. Respeitando hábitos e costumes da rotina diária,

jornalistas vinculados à mídia tradicional acabam produzindo blogs comedidos

enquanto outros abandonam as empresas e encontram nesse espaço virtual uma

rota de fuga ao jornalismo independente.

Outra experiência bem sucedida desse mundo virtual foi realizada por John

Brockman, fundador do site Edge (http://www.edge.org). É na verdade um dos

mais consagrados endereços intelectuais da web. Nele reúnem-se para conversar

personagens de todas as ciências, as humanas, as sociais, as tecnológicas e as

científicas. E os temas são os palpitantes, os capazes de provocar a curiosidade,

a ira e a incerteza de muitos. Com frequência, ficcionistas encontram-se com

biólogos num tipo de evento raro de acontecer. Esses ”intelectuais públicos”

incluem hoje também autores interessados em temas bem distantes das reflexões

utópicas, ensaísticas e políticas tão comuns no ambiente latino-americano e

brasileiro. Bronckman denomina essa tendência de ”Terceira Cultura”. Ela reúne

cientistas e outros pensadores do mundo empírico que em sua opinião estão

tomando o lugar dos intelectuais tradicionais na tarefa de tornar visível o sentido

mais profundo de nossas vidas. Afirma que nos Estados Unidos o intelectual

tradicional está sendo marginalizado.

Hoje, já não basta uma qualificação sobre os ensinamentos de Freud, Marx

e outros pensadores. Diz que os intelectuais de seu país estão tornando-se

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

67

reacionários e orgulhosamente ignorantes de muitas realizações marcantes de

nosso tempo. A cultura que eles praticam desconsidera a ciência e com

frequência não é empírica. Usam um jargão superado. Fazem comentários de

comentários perdendo-se qual pilpulistas pós-modernos. Brockman rebela-se

contra a aplicação do termo intelectual somente aos autores ”literários”. Agora é a

hora de incluir no termo cientistas como o astrônomo Edwin Hubble, o matemático

John von Neuman, o pai da cibernética Norbert Wiener, o físico Albert Einstein e

outros como Niels Bohr e Wener Hsisenberg. Agora a ciência tornou-se visível, ao

contrário de décadas passadas. Revistas e jornais estão dando a atenção devida

aos ensinamentos dessa nova classe de pensadores. E os cientistas começaram

a se comunicar diretamente com o grande público numa forma compreensível e

inteligente.

O termo ”Terceira Cultura” acabou emprestado de C.P. Snow que propôs

na segunda edição de seu livro The Two Cultures (1963) o surgimento dessa

nova categoria. No caso, a ciência e os seus protagonistas, os cientistas. Temas

como a biologia molecular, a inteligência artificial, vida artificial, a teoria do caos e

redes neuronais já são de domínio público. Da mesma forma tópicos como

fractais, sistemas complexos adaptativos, biosfera espacial, realidade virtual,

ciberespaço tornaram-se igualmente populares. E o que diferencia esses

”intelectuais públicos” de outros é que eles ”podem tolerar desacordos sobre que

ideias podem ser consideradas sérias”. Não há dogmas nem cânones. A ”Terceira

Cultura” não resulta de questões menores e marginais, mas de problemas que

afetam a vida de todos no planeta.

Para Bronckman, um intelectual deve se comunicar e assim formatar os

pensamentos de sua geração. É um sintetizador de ideias e do conhecimento.

Agora, no entanto, não é um pequeno grupo de pessoas que tem essa

capacidade de influenciar a sociedade. A tocha do saber estaria trocando de

mãos. Das mãos dos literatos a dos cientistas, os personagens centrais da

”Terceira Cultura”. E os que estão presentes no Edge são estes. São eles que

estão na fronteira do saber.

Por isso, intelectual é um termo que inclui hoje biólogos como Stephen Jay

Gould e Richard Dawkins, essa última celebridade que aparece nas listas dos

autores mais influentes do mundo na atualidade; psiconeurologistas como Daniel

JACQUES A. WAINBERG

68

C. Dennet e Steven Pinker; físicos como Murrey Gell-Mann e Stephen Hawking e

pesquisadores de sistemas complexos como Stuart Kauffmann e W. Daniel Hi llis.

Por fim, cabe assinalar o mérito que Edge tem: proporciona ao público aquilo que

os pesquisadores universitários têm tanta dificuldade de realizar em seus estudos,

a interdisciplinaridade.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

69

O PAPEL MARGINAL DO POLEMISTA _______________________________________________________________________________________

A missão de um polemista é romper com o trivial. Tal tarefa é ameaçadora,

pois desqualifica em certa medida o equilíbrio existente. Torna o senso comum

absurdo. Abala a autoestima de quem se considerava donatário de verdades

absolutas. Verdades estas, muitas vezes, obtidas com esforço existencial. Por

isso há sempre uma dimensão afetiva em tais conflitos de ideias. A torcida se

apega emocionalmente à fala de um debatedor tornando-se surda à

argumentação do outro. Busca reforço às suas crenças, multiplicando anticorpos

(racionais e afetivos) capaz de fazer frente ao que lhe é estranho. É propriedade

do pensamento o conservadorismo, e qualquer distúrbio a tal estrutura através da

qual vemos o novo com as lentes embaciadas pelo velho faz o corpo todo

adoecer.

Tal exposição seletiva às mensagens é, em certa medida, uma reação

física do aparelho perceptor que, como antessala da recepção, torna o emergente

nalgo ameaçador. Sabe-se há muito tempo que a comunicação humana está

permeada por tais obstáculos, por essa rara incapacidade humana de ouvir

verdadeiramente o outro. O que não é trivial tem, como se vê, forte barricada a

enfrentar. Nela habita em especial o amor próprio, fustigado, nesses casos, pelo

dissabor de ver a incerteza chegar.

É o posicionamento estratégico do polemista no sistema que lhe assegura

a ousadia e a coragem que tal tarefa demanda. Como malabarista da fala, cabe-

lhe sempre surpreender a guarda, seja do inimigo, seja da audiência. É próprio de

quem vive ou se coloca à margem ser um fronteiriço, ser alguém que está na

beirada de vários mundos ao mesmo tempo. É um inovador que junta peças

dispersas e cria um novo ser.

A polêmica, por isso, é sempre um show de esgrima no qual o inimigo é

visível, mas distante para conseguir mobilizar seus efeitos de cólera e paixão, tal

controvérsia é pública sempre e não titubeia em aprisionar no alvo o opositor. Ele

é inimigo mesmo, cabe ressaltar. A disputa é pessoal, raivosa. A luta disfarça-se

da retórica da razão, mas é cabra mandada do coração. O opositor é citado à

exaustão. Não cabe nesse tipo de confronto disfarces em profusão. Ao contrário:

JACQUES A. WAINBERG

70

a troca de farpas é frontal, sempre. Nessas condições, provocações são feitas de

ambas as partes. É da natureza da performance o dedo acusador e a fala

rotuladora. É mais fácil assim: revela-se ao público o que se espera mesmo de

galos de rinha – bico afiado e coragem teatral. Ou seja, observando-se os insultos

fica-se a pensar que tais personagens não medem as consequências de suas

aparições. O rompante é uma verdadeira avalanche simbólica. Passa como um

estrondo, atordoante. Deixa marcas, feridas. Pretende-se arrasador. O opositor

não lhe foge à mira: é tratado de forma rude. Nesse ambiente viciado, todos são

impiedosos.

O polemista com frequência faz também o papel de Advogado do Diabo

(Advocatus Diaboli). Em poucas ocasiões como essa o Diabo é tão celebrado. A

imagem cabe-lhe perfeitamente. Curiosamente, esse realce foi dado pela própria

Igreja Católica preocupada em evitar que alguém fosse beatificado e canonizado

sem os devidos méritos. Para testar a santidade do candidato um advogado

canônico era apontado para fazer o papel de contestador. Tinha a obrigação de

examinar e duvidar dos méritos e das evidências do provável santo e de seus

milagres. Esse rito foi estabelecido em 1587 pelo Papa Sisto V, sendo finalmente

abolido pelo Papa João Paulo II em 1983. Isso lhe permitiu canonizar mais

rapidamente quase 500 pessoas e beatificar mais de 1300 (os papas que o

tinham antecedido no século XX tinham canonizado somente 98).

Ao longo da história o apologista lhe fez oposição. Este tipo de polemista

tem missão contrária, a de defender uma fé. Exemplos foram os apologistas

judeus em seus enfrentamentos teológicos e políticos contra o helenismo, o

paganismo e o cristianismo entre outros alvos. Eles apareceram também nas

páginas do Talmud, nos embates filosóficos travados entre rabinos e pagãos. Na

Idade Média e Renascença destacaram-se ente muitos David Kimhi, Jospeh

Kimhi, Judá Halevi e Moises Mendelson. A estratégia retórica destes sábios, entre

outros, utilizada à exaustão até hoje por debatedores variados (editorialistas, por

exemplo), foi citar o argumento opositor e refuta-lo integralmente. Defenderam-se

de acusações, explicaram sua crença, denunciaram calúnias. Na verdade, essas

ações são típicas de apologistas variados que atuam hoje nos programas

evangelizadores do Islã36

36 Ver o site

e de outras religiões. Exemplos são o anglicano C. S.

http://www.examinethetruth.com/

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

71

Lewis, o evangélico Norman Geisler, o luterano John Warwick Montgomery, o

presbiteriano Francis Schaeffer, e os calvinistas Gordon Clark e Cornelius Van Til.

Na Igreja Católica obras como Cidade de Deus de Santo Agostinho e

Summa Teológica de Santo Tomás de Aquino são referidas como exemplos do

seu esforço apologético. Como mencionado, o catolicismo enfrentou ao longo da

história disputas, ora contra os judeus, ora contra os protestantes, e ora ainda

contra os muçulmanos, ateus, comunistas, agnósticos e muitos outros. Hoje tais

disputas envolvem igualmente enfrentamentos de seus teólogos e filósofos com

atores variados e sobre temas controversos do cotidiano.

E da mesma forma que polemistas seculares e agnósticos tornaram-se

celebridades da indústria cultural contemporânea por exercerem esse papel

arisco de provocar e rebater, os apologistas tornaram-se na história da Igreja

celebridades exatamente por exercerem a missão oposta, ou seja, a da defesa do

cristianismo. Tal debate de ideias ideológicas e teológicas não cessou, embora

apareça hoje em dia sob o disfarce da polidez e do politicamente correto. Ele é

intenso e mais agressivo hoje em dia na web. O número de sites dedicados tanto

à difusão dessas visões religiosas e ideológicas como de combate a elas não

para de crescer.

Como insinuado nas linhas anteriores, há quem provoca o embate com

prazer e com sabor, a despeito da existência de tema polêmico, da imprensa anti-

establishment e de eventuais coberturas jornalísticas controversas. Por isso, o

polemista é um personagem raro para existir independe desses três fatores. É, na

verdade, um ser sui generis: deseja estar onde todos recusam ficar, na margem

do que se convenciona chamar "senso comum."

Sobre esse tema cabe lembrar o que nos diz Jody Berland, especialista em

geografia das comunicações da York University. “Que é uma margem?”,

perguntou ele, a um amigo seu.37

A reflexão da autora sobre tal descrição da margem permitiu-lhe listar uma

série de perguntas que ajudam a construir uma teoria do polemista como

“É o que está fora do corpo do texto”,

respondeu-lhe o amigo. “É o que mantém a página unida. É também onde você

escreve as notas”.

37 Space at the Margins: critical theory and colonial space after Innis, In ACLAND, Charles & Buxton, WILLIAM, J. Harold Innis in the New Century. Reflections and Refractions. McGill-Queen’s University Press, 1999. p.281-308.

JACQUES A. WAINBERG

72

marginal. Pergunta-se ela: “que texto está na margem, e como lá se mantêm? Em

que medida a forma da margem é determinada pelo texto? E o texto, é definido

também por sua margem? Ainda: o texto marginal reivindica posicionamento e

inclusão no corpo principal do texto do qual ele está distante, observando?”.

O polemista ao desempenhar o papel marginal trata de por em contato

mundos entre si, geralmente o conhecido com outro que está por vir, vivo

somente em sua mente de profeta maldito. Tais personagens agitam a vida

comunitária, causam desconforto e vivem a ambígua situação de serem

amaldiçoados e venerados ao mesmo tempo.

Ao longo da história da imprensa brasileira essa figura do polemista

surgiria no cenário jornalístico repetidamente. Ele se destaca por uma rara

habilidade: animar-se do tempo e problematizar, por vezes com ousadia e falta de

decoro, a rotina mesma de todos os dias, ocupando por vezes espaço nas

publicações mainstream. É seu repentino surgimento no jornalismo de aparência

circunspeta que dá a sua intervenção um vigor que tais manifestações

usualmente não possuiriam. Ou seja, uma aparência de nítido caráter

oposicionista ou crítico.

Sua arte é peculiar: faz emergir a disputa onde ninguém esperava. Por

hipótese, qualquer tópico tem a potencialidade da controvérsia. Basta, para isso,

que intervenha esse agente perturbador. Ele possui a rara habilidade de propor a

ambiguidade onde antes reinava a certeza. Se ele ali não estivesse, não haveria

naturalmente o embate. É sua provocação que faz eclodir o confronto. Age

sempre embalado por causas de aparência nobre, como que disfarçado de um

civismo radical.

A tese é que também no jornalismo tal personagem consagrou um gênero

especial de narrativa. Por isso, cabe a poucos o rótulo de polemista. Embora

comentaristas possam se valer de temas polêmicos, da imprensa polêmica ou

ainda de coberturas polêmicas, a marca do polemista é original: esse personagem

vive no seio do sistema para dele nutrir-se e apresentar, qual sanguessuga, um

olhar inesperado sobre o mais usual dos hábitos e costumes sociais.

Afirma-se aqui, por decorrência, que há no jornalismo em geral, e no

brasileiro em particular, um gênero esquecido. Figuras como Assis

Chateaubriand, Samuel Wainer, Odorico Mendes, Eça de Queiroz, Plínio Correa

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

73

de Oliveira, Paulo Francis, Machado de Assis, Glauber Rocha, Nelson Rodrigues,

Roberto Campos, Carlos Lacerda, Hélio Fernandes, Rui Barbosa, Gregório de

Matos, Olavo de Carvalho, José Guilherme Merquior entre outros, em diferentes

períodos da história da imprensa brasileira, têm algo em comum: como articulistas

e cronistas provocaram e desafiaram as certezas estabelecidas. É disso que trata

a polêmica na qual todos foram e são mestres.

Um dos exemplos marcantes desse tipo de personalidade é Paulo Francis.

Ele afirmava que era um saltimbanco que gostava de uma plateia. Sua conversão

do trotskismo ao conservadorismo foi provocadora. Uma conversão em largo

estilo. Ao optar por seguir os passos de Roberto Campos, o polemista que

habitualmente fazia contraponto à esquerda brasileira, trocou de plateia e

manteve a audiência sob êxtase, como sempre. A semelhança dos polemistas em

geral, não agiu como repórter. Por vezes, desconsiderava totalmente a coleta de

dados. O que importava eram as imagens que tinha do mundo. Sua língua era

agressiva, como agressivos são os polemistas. Disse que a Avenida Brasil tinha

fedor de carniça; acusou o embaixador do Papa de garantir um descontrole da

natalidade; lembrou que em seu tempo de vida no Rio Copacabana era limpa,

"chique até e habitada por gente que parecia banhada e vestida decentemente

(...). O chiqueiro atual é fruto da referida ignorância, pobreza e doença (...)."

Após sua morte, o galardão de principal polemista do país tornou-se

emblema em disputa. Passaram a concorrer com estilos diferentes ao título

Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor e Olavo de Carvalho, entre

outros. Este último, ao criticar a esquerda brasileira, a quem fustiga

permanentemente em seus ácidos artigos, diria, por exemplo, ao estilo de

Francis: "(...) meus objetores pertencem em geral a um mesmo grupo social, pelo

qual não se poderia avaliar a inteligência dos demais brasileiros: o grupo dos

intelectuais esquerdistas e das pessoas afetadas, de algum modo, pela linguagem

deles. Não me surpreende que esse grupo reúna o grosso do contingente de

cretinos e incapazes, pois as formas direitistas de cretinice saíram da moda e

refluíram para o círculo fechado dos grupelhos pseuso-esotéricos que vivem de

uma inofensiva auto-adoração.” 38

38 O Irracional Superior, Época 12 de fevereiro de 2001. Seus livros de filosofia são Aristóteles em Nova Perspectiva, O Jardim das Aflições, O Futuro do Pensamento Brasileiro. Suas traduções

JACQUES A. WAINBERG

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Outro personagem ferino, de outro tempo, marcou a paisagem brasileira.

Carlos Lacerda ficou conhecido pelo seu gênio e humor. Por exemplo, ao criticar

a televisão, diria:

A geração que cresce com os olhos pregados na televisão, ouvindo a voz dos estranhos mais do que a do pai, mãe e professora, tem o direito de esperar que façamos da eletrônica um instrumento da educação e não da cretinização. A tevê não é, não pode ser apenas um meio de alguns ganharem dinheiro, com intervalos lúcidos. A famosa ’civilização cristã’ não pode ser defendida o dia inteiro pelo Batman e, de vez em quando, pelo monólogo de um figurão que vende seu peixe, ou um debate que usa muitas palavras para dizer coisa nenhuma, lançando mais confusão do que idéias. 39

O já referido Gregório de Matos, de formação nobre e sofisticada, também

surpreendeu. Sua sátira marcou época. Rompeu com a Corte e libertou-se dos

controles. Posicionou-se estrategicamente, na margem: ao lado dos brasileiros e

das classes pobres.

Em “Torna a Definir o Poeta os Maos Modos de Obrar na Governança da Bahia, Principalmente Naquela Universal Fome, que Padecia Cidade” Gregório de Matos diz: Epílogos 1. Que falta nesta cidade? ................................. Verdade Que mais por sua desonra.............................. Honra Falta mais que se lhe ponha .......................... Vergonha O demo a viver se exponha Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, Honra, Vergonha. 2. Quem a pôs neste socrócio? ............................ Negócio Quem causa tal perdição? ............................... Ambição E o maior desta loucura? ................................ Usura. Notável desaventura De um povo néscio, e sandeu Que não sabe, que o perdeu Negócio, Ambição, Usura.

anotadas são Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter Razão, de Schopenhauer. Entre seus livros de polêmica está O Imbecil Coletivo. 39 Rosas e pedras do meu caminho.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

75

Sua popularidade entre os marginalizados vem daí. Escreve para eles. A

igreja tenta calar-lhe o verbo. Oferece-lhe a batina. Ele a recusa. E vai além:

abandona a mulher e fi lho, fecha o escritório de advocacia, deixa-se absorver pela

civilização baiana de seu tempo. Clama em seus versos sua opção, a denúncia

social. Como diz seu comentarista, James Amado: "Os engenhos são seu hotel;

ele come, bebe e ama sem ter dinheiro, a poesia esquece a sátira moralizante e

assume a alegria saudável dos novos valores.”40

Assis Chateaubriand marcou igualmente sua época. Sua lista de inimigos é

infindável. Sua tática: a guerrilha difamatória e o achaque econômico. É o ator

estratégico de um tempo no qual tal personagem era híbrido, verdadeiramente:

visão profética de um Brasil que se faz cultivada num espírito de bandoleiro que

massacra com prazer. Em mais de 20 mil artigos desenvolve esse espírito de

cabra da peste. Esse polemista cria o maior conglomerado de comunicação do

país para fazer valer a sua voz – e a de seus articulistas, que lhe multiplicam o

verbo. Verdadeira artilharia pesada que desenha uma ideologia, um mesmo

sonho e lista os mesmos inimigos para desmanche. Nesses textos estão

presentes todos os elementos da polêmica acima assinalados. Aproveita-se do

trivial e problematiza o senso comum. Aponta o dedo acusador e desfere com

vigorosa voz impropérios à direita e esquerda, qual um esgrimista. Seu inimigo

preferido: Getúlio Vargas. Mas também Samuel Wainer, Roberto Marinho e tantos

outros. Quem, num dia, lhe faz afagos na esperança de obter salvo-conduto,

poderá repentinamente receber traição ampla, como muito bem sabem os

militares brasileiros, que lhe cultivaram apoio em 1964, para em seguida terem-no

como inimigo na trincheira.

Nesse zigue-zague no tempo cabe um retorno aos anos de 1800. No caso,

o mestre Machado de Assis também nos ensina algo sobre polêmica em suas

mais de 600 crônicas, da série Bons Dias, publicadas na Gazeta de Notícias.

Como nos diz a resenha de John Gledson,41

40 Crônicas do viver baiano seiscentista. 1969.

tais textos não foram escritos para a

posteridade e sim para os leitores que partilhavam esse tempo. Interessava a

Machado de Assis os escândalos triviais de 1889. De resto, é o que interessa a

qualquer cronista – esse é o estilo que dá conta do tempo corrente. Sob

41 ASSIS, Machado de. Bons Dias. Ed. Hucitec/Unicamp. SP:1990.

JACQUES A. WAINBERG

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pseudônimo, abandona a ficção. Seus textos "pretendem sacudir o leitor e levá-lo

a uma consciência crítica de que elas não são meras apresentadoras da

realidade", diz Gledson. Entre seus temas preferidos estava seu ceticismo em

relação a certos tipos de medicina; caçoava do político César Zama; do

pedantismo linguístico de Antônio de Castro Lopes e do espiritualismo.

Outro polemista oitocentista é Rui Barbosa. Elabora no Radical Paulistano

– ”A Emancipação Progride”. No Diário da Bahia alardeia ”Pelos Escravos”. NO

País afirma em ”O Bezerro de Palha” que

Há, entre as populações rurais da Escócia, um costume singular que os partidos políticos parecem ter parodiado em algumas das suas artes. Quando a teta, mungida com insistência, recusa ao campônio o leite saboroso, um couro de novilho, ajeitado e recheado de palha, basta para fazer verter copiosamente. Há espantalhos contra o progresso das boas causas, que são verdadeiros empalhamentos, ou empalhações partidárias, amanhadas para extrair à população incauta e honesta o leite da sua força sob a forma de votos.

No Diário de Notícias argumenta sobre ”O Nosso Rumo, Nossa coerência, Nossa

veracidade, Nossa democracia, Nossa Ingratidão”.

Nesse mesmo tempo Tobias Barreto também lançava mão da polêmica

para fazer circular no nordeste brasileiro e no país suas ideias reformadoras. Os

comentaristas chamam atenção para o caráter ”azedo e acintoso de seus textos,

a visão asperamente depreciativa do seu meio cultural” e seu deslumbramento

com a filosofia europeia.42 Afirma, ao ponderar criticamente sobre a situação de

isolamento do Brasil no século XIX, que “é preciso sujeitar-se à dolorosa

operação de si mesmo, a fim de conseguir uma cura radical”.43 Também Silvio

Romero, mestre e companheiro de Barreto na Escola do Recife 44

42 CALAFATE, Pedro. O Pensamento filosófico de Tobias Barreto. Universidade de Lisboa.

, era um

polemista inveterado que depenava “quem lhe caísse nas unhas”. José Veríssimo

afirma que “a tinta de escrever embriagava-o” a ponto de perder a cabeça. Araripe

Júnior, companheiro de Veríssimo na Faculdade de Direito, costumava comentar

que quando historiador sergipano chegou ao Rio de Janeiro comentava-se “que

43 BARRETO, T. Sobre a Filosofia do Inconsciente 1874. Estudos de Filosofia, edição dirigida por Luiz Antonio Barreto. SP, p.181 In Ibid. 44 Trata-se de um frente formada por intelectuais reunidos na faculdade de Direito de Recife. Inspira-se nas ideias de Comte, Darwin, Taine e na filosofia evolucionista de Spencer entre autores e pensadores. Advoga também o monismo e reage à filosofia oficial do império. Sua missão política era opor-se à monarquia.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

77

uma cascavel, vinda dos sertões de Sergipe, tinha-se emboscado à rua do

Ouvidor e ameaçava a todo mundo com a violência de sua mortífera peçonha”.

Era nessa rua, em seus cafés, confeitarias e na Livraria Garnier45 que se

reuniam em ”igrejinhas” esses intelectuais venenosos que utilizavam a polêmica

para desbancar os inimigos de ideias. Ali, no aconchego, costumavam elogiar os

amigos do clube, sempre considerados gênios. Aos inimigos do lado sobravam os

impropérios. Ou seja, esse estado de coisas foi a marca daquele tempo no qual a

polêmica constituiu um tipo de diversão dessas ”panelinhas literárias” que lutavam

entre si pelo escasso público leitor então existente. O espírito belicoso desse

tempo foi registrado nos depoimentos coletados por João do Rio em O Momento

Literário. “Quem deseja vencer, deverá começar demolindo”, diz nessa obra Félix

Pacheco. Já Elísio de Carvalho se define como ”um homem de ideias

extremas.”46

Outra coletânea

47

45 Machado de Assis ia às tardes à Livraria para se encontrar com José Veríssimo, Lúcio de Mendonça e vários outros. Desse grupo e desses encontros nasceria a Academia Brasileira de Letras.

reuniu 16 polêmicas não políticas que movimentaram o

Brasil num século. Ali estão registrados os artifícios retóricos já referidos nesse

tipo de enfrentamento. Por exemplo, José de Alencar agride em cartas remetidas

ao Diário do Rio do Janeiro o poema épico ”A Confederação dos Tamoios”, de

Gonçalves de Magalhães que por sua vez ganharia o apoio de vários aliados,

entre eles até mesmo de Dom Pedro II. O embate se alastraria aos jornais Correio

da Tarde e Jornal do Commercio. Joaquim Nabuco, por sua vez, enfrenta José de

Alencar. Em pauta estava a influência da Europa na literatura brasileira. Outros

personagens envolvidos nesse tipo disputa naquele período são, como já

mencionado, Rui Barbosa (que enfrenta seu ex-aluno, o linguista baiano Carneiro

Ribeiro), Oswald de Andrade e Monteiro Lobato. João do Rio é atacado em 1925,

pelo cronista Antônio Torres que o chama de “uma manta de toucinho com dois

olhos”. Sílvio Romero e Lafayette Rodrigues Pereira debatem com fervor sobre

Machado de Assis.

46 PEREIRA, Milena da Silveira. A Polêmica no final do oitocentos brasileiro. http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao20/materia01/texto01.pdf 47 BUENO, A. e ERMKOFF, G(org) Duelos no serpentário: uma antologia da polêmica inetelectual no Brasil 1850-1950. RJ: G. Ermakoff Casa Editorial, 2005.

JACQUES A. WAINBERG

78

Uma forma doce de polêmica e de aparência inocente acabaria sendo

incorporada à cultura popular brasileira através da literatura de cordel e dos

embates rimados entre repentistas. A característica central dos repentes é o

desafio improvisado e trovado através do qual os músicos fazem suas

apresentações, ora com instrumentos (viola, sanfona e pandeiro), ora sem eles

(como ocorre no nordeste), com letras que, ora insultam, ora fazem adivinhações,

tratam de enigmas, de histórias sagradas e de outros assuntos diversos. A prática

já era comum na Idade Média quando então os trovadores perambulavam entre

os feudos cantarolando seus versos satíricos.

Cabe perguntar agora por que tais polemistas são populares? Por que

gozam de status social? Por que balançam na corda bamba entre a veneração e

o descrédito odioso de opositores ferrenhos? Que efeitos são esses que tornam o

polemista uma celebridade?

Há que se assinalar que como gênero é um sucesso, embora seja temido

e, por isso mesmo, raro na imprensa brasileira atual. A Folha de São Paulo diz em

seu Manual de Redação que "estimula polêmicas em suas páginas. Elas devem

estar presentes em artigos e críticas, assim como refletir-se em reportagens e

entrevistas. A Folha publica também discordâncias conceituais entre seus

jornalistas". Esse jornal, à semelhança de vários outros, remete a presença do

polemista e da polêmica em suas páginas à própria ideia de pluralismo e

democracia. Simula nesses debates a controvérsia existente sobre os mais

diversos assuntos na sociedade. Ao dar guarida a tais personagens vê cumprir

seu papel de vigiar o meio ambiente, retratar a complexidade dos fatos e evitar

um jornalismo panfletário e sectário.

A verdade é que o polemista sente-se mais confortável no polo

indisciplinado desse continuum que se origina no politicamente correto e termina

no incorreto. Por isso, pelo menos no Brasil, sua presença é escassa na televisão,

rara no rádio, ausente no jornalismo comunitário. Na mídia convencional, seu

reduto são alguns jornais diários, geralmente das grandes capitais do país (como

exemplificado), algumas poucas revistas semanais e alguns programas de

jornalismo na televisão a cabo e emissoras de TV educativa e universitária.

Depois lhe resta a mídia engajada, a imprensa alternativa (também escassa no

Brasil democrático), a produção editorial e a Internet. O que se vê em profusão

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

79

são cronistas disciplinados que criticam o que todos criticam, dizem o que todos

dizem, exaltam-se quando todos se exaltam, calam quando todos calam. Evitam

migrar – nem que seja por descuido – ao pantanoso campo das ideias

inesperadas.

JACQUES A. WAINBERG

80

O INTELECTUAL: ENTRE A FÉ E A DESCRENÇA _______________________________________________________________________________________

É possível, portanto, acomodar o polemista na já referida categoria

“intelligentsia”, palavra russa criada em 1860 e que remetia tanto aos pensadores

independentes como aos oposicionistas. Ou ainda, na de ”homem de letras”.

Depois, o já referido conceito “intelectual” passou a distinguir a classe de pessoas

envolvida na produção de ideias e teorias, na sua disseminação e produção e que

eventualmente possui uma especialidade que lhe provê a condição de autoridade

cultural.

Embora impreciso esse último termo permanece carregado de pompa, aura

e veneração pública. Isso parece se justificar pela reverência que a sociedade

tem dado ao longo da história aos pregadores em geral, os que denotam ou

aparentam ter sabedoria, autoridade, segurança e, sobretudo confiança e ousadia

profética. É verdade que certo percentual de intelectuais de boa aparência

acrescenta pouco ou nada ao saber e à ilustração pública. Jogam o jogo da

influência pública com a pose de douto sábio, muito embora se nutra

simplesmente do aplauso da confraria e da estima dos afiliados. Por isso, o termo

assumiu também tom pejorativo pelo descrédito público ao dilentantismo de

muitos deles, assim como pela ojeriza que a gente comum sente à verborragia

estéril. O termo foi também abalado pelo preconceito marxista ao ”intelectual

orgânico”, o pensador que está a serviço dos poderosos e do ”sistema” político.

Gramsci difere os intelectuais tradicionais (que como os professores, clérigos e

administradores fazem durante uma vida e durante gerações a mesma coisa), dos

que estão ligados a classes ou empresas na luta por mais poder e controle.

Deve-se recordar que mesmo os intelectuais críticos não foram exceção a

essa relação promíscua denunciada. Muitos deles serviram como cordeirinhos às

ditaduras comunistas e outras em várias partes do mundo. Deram como ainda

dão em muitos casos álibi moral à opressão política e ao terrorismo político e

religioso. Essa denúncia não é nova e foi formulada em 1927 pelo crítico cultural e

novelista francês Julien Benda (1867-1956) em sua obra A Traição dos

Intelectuais. Ele celebrizou o ponto de vista oposto ao de Gramsci. A traição a

qual ele se refere dizia respeito ao abandono à razão por pensadores

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

81

autodenominados radicais/críticos/progressistas que aderiram cegamente às

paixões e ódios nacionais, de raça e de classes. Não raro as três apareciam

juntas numa espécie de coquetel explosivo. Tal ódio serve, diz Benda, de

amálgama à constituição de massas compactas e homogêneas, devotadas à

disciplina, à militância e à ação. Os intelectuais denunciados não só tinham

deixado de se interessar pela verdade como passaram a negá-la. As turbas

enfurecidas e mobilizadas por essa gente passaram à luta de conquista de

territórios, de conforto material e de poder. Estavam contaminados com as ideias

do martírio e da honra.

Benda criticou Nietzsche, Kipling, D'Annunzio, Sorel, Péguy, Maurice

Barrès e a Ação Francesa liderada pelo direitista Charles Maurras. Reagiu

também com vigor aos seus comentaristas, entre eles Gabriel Marcel, Jacques

Maritain, Daniel Halévy e Jacques Rivière. Propôs algo difícil de imaginar hoje em

dia: o afastamento do intelectual da temática mundana. O reino do pensamento é

outro, propõe ele. A missão de um intelectual é apresentar os ideais de justiça e

moralidade que não podem ser traídos por reis, monarcas e assemelhados. Esse

tipo de militância no mundo celestial da cátedra têm sido repelido pelos engajados

apaixonados e pelos intelectuais públicos midiáticos de hoje.

Segundo Benda (1927),

Os intelectuais não só adotam paixões políticas, mas o fazem com todos os traços de paixão: tendência à ação, avidez do resultado imediato, preocupação única com o objetivo, desprezo pelo argumento, exagero, ódio, idéia fixa. A adesão dos intelectuais a esta paixão serve como fortalecimento dessas paixões no coração dos leigos, pois além de remover o obstáculo de considerar interesses acima do mundo, ainda contribui com sua sensibilidade, sua força persuasiva e seu prestígio moral.

No Brasil, mal-estar similar foi expresso pelo professor Roberto Romano.

Em ”Intelectuais e Universidade”48

ele afirma:

Os intelectuais pretendem atingir o conceito mesmo do universal, com ele confundindo a sua pessoa particular. Deste modo, ser “crítico” significa anunciar, sem interrupção, a “verdade” do próprio discurso, e a mediocridade alheia. Este tipo interessante de pessoa forma-se na luta

48 Palestra proferida em 18 de junho de 1998 em debate promovido pela Associação de Docentes da UERJ.

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82

para “ter razão” em todos os níveis da cultura, das ciências à ética. Mas como o universal concreto, o Eterno, não se abala com esta guerra de formigas (satirizada pelo riso amargo de Luciano, de Erasmo, de Diderot, de Voltaire, de Swift, de Joyce, de Kafka...) os intelectuais, rápido, dão-se conta que suas “verdades” limitam-se ao tempo, e com ele desaparecem. Donde a invenção de conceitos fantasmagóricos: a hispóstase das verdades na Verdade, em maiúscula, seguida pela Beleza, pelo Bem. Assim, os intelectuais nunca se interessariam pelas pequenas coisas, eles se dirigem ao Absoluto. Donde, imaginariamente, seria uma perda de substância, de sua parte, “tomar partido”, ou se prender a esta ou aquela causa “mesquinha.” Todos os intelectuais autênticos julgam-se puros, dignos de unirem seu nome às divindades acima indicadas, ou seja, ao verdadeiro com maiúscula, ao belo, ao bom. Mas como todos estão imersos no tempo, e todos querem, simultaneamente, atingir o Absoluto, todos passam a maior parte de seu trabalho procurando destruir a obra dos demais. Sua realização, ilusória, passa pelo suicídio coletivo. Rápido, todos descobrem que o “desinteresse” alegado é uma impostura (Betrug). “Assim, o intelectual, sobretudo o que se deseja grande e célebre”, não se interessa de fato pela sociedade, pelo Estado, etc. Ele sonha com o "sucesso de sua obra; ele quer atingir uma 'situação', ter um 'lugar', um 'posto', no mundo dado (natural e social). Assim, ele não se sacrifica pelo Verdadeiro, pelo Belo, pelo Bem (...) o universo ideal que ele opõe ao mundo é fictício. O que o intelectual oferece aos outros não possui valor efetivo; ele os engana, pois. E os outros, admirando ou invectivando a obra e o autor, o enganam por sua vez, pois não o ‘levam a sério’. Eles enganam a si mesmos, pois acreditam na importância de seu ofício (a ‘elite intelectual’). A república das letras é um mundo de ladrões roubados”.

Aos olhos do economista Friedrich Hayek, o intelectual é um vendedor de

ideias de segunda mão, orgulhoso de “não possuir um conhecimento especial de

algo em particular”, que não “assume responsabilidade direta pelos assuntos

práticos” e que não necessita ser “nem mesmo particularmente inteligente” para

levar a cabo sua “missão”.

Outra razão de hostilidade aos intelectuais rebeldes é a percepção pública

de que esses personagens são elitistas, dominam o cenário público com pompa e

boa dose de falsidade. São vistos como pessoas que não são do povo e que não

sentem os problemas comuns das camadas mais pobres e marginalizadas. Por

isso, a perseguição aos mesmos não encontra por vezes reação popular. Em

culturas religiosas, são percebidos com hostilidade como ateus indispostos às

tradições mais caras das comunidades. Noutras são atormentados por desafiarem

ditaduras e governos teocráticos, trazendo ideias cosmopolitas e universais hostis

ao nacionalismo; por desviarem os jovens de uma educação prática,

contaminando suas mentes com teorias e ideias radicais e pouco aplicadas.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

83

Exemplo recente de crítica desse tipo é a militância do intelectual David

Horowitz nos Estados Unidos. Ex-trotskista, convertido ao neoconservadorismo,

tem denunciado o que ele considera ser a doutrinação dos jovens do país a uma

postura antiamericana por uma militante classe de acadêmicos de esquerda. Sua

lista na qual denúncia 100 professores (The Professors. Most Dangerous

Academics in America) provocou intensas discussões e fortes reações. Horowitz

afirma que os radicais dos anos 60 obtiveram estabilidade funcional nas cátedras

universitárias e agora transformam seus cursos em atividade ideológica e

doutrinária. Diz que numa democracia deve-se ensinar os estudantes a pensar, e

não o que pensar. Rebela-se contra iniciativas do tipo que transformou na

Universidade da Califórnia (Santa Cruz) o Departamento de Estudos sobre a

Mulher em Departamento de Estudos Feministas. Diz que há uma politização dos

currículos. A liberdade de expressão deve ser assegurada a todos os cidadãos e

aos professores para expressar-se em espaços públicos fora da sala de aula. Dos

professores se espera, no entanto, que mantenham, como no caso de outras

atividades, um comportamento profissional que os habilite aos privilégios do

emprego. Em temas controversos sempre há dois lados e eles precisam ser

equilibradamente apresentados, o que não ocorre em muitos casos, diz ele.

A esquerda tem dada uma vigorosa réplica a esse tipo de afirmativa. O

anti-intelectualismo dessa gente conservadora seria cobra mandada dos

poderosos. Fazem de tudo para justificar o poder econômico e político

concentrado em suas mãos. Manufaturam o consenso. A democracia liberal seria

por decorrência uma falsa democracia. No caso brasileiro, os filósofos

conservadores Olavo de Carvalho e Denis Rosenfeld são exemplos de alvo desse

tipo de campanha de esquerda. No caso norte-americano não faltam exemplos,

sendo Rush Limbaugh e Bill O’Reilly dois dos mais aguerridos comentaristas

conservadores profundamente hostilizados pelos radicais e liberais do país.

Na definição de Edward Said49

um intelectual

é um indivíduo dotado de uma vocação para representar, dar corpo e articular uma mensagem, um ponto de vista, uma atitude, filosofia ou opinião para (e também por) um público. E esse papel encerra uma certa agudeza, pois não pode ser desempenhado sem a consciência de se ser alguém cuja função é levantar publicamente questões embaraçosas,

49 Representações do Intelectual, Cia das Letras.

JACQUES A. WAINBERG

84

confrontar ortodoxias e dogmas (mais do que produzi-los); isto é, alguém que não pode ser facilmente cooptado por governos ou corporações, e cuja raison d'être é representar todas as pessoas e todos os problemas que são sistematicamente esquecidos ou varridos para debaixo do tapete. Assim, o intelectual age com base em princípios universais: que todos os seres humanos têm direito de contar com padrões de comportamento decentes quanto à liberdade e à justiça da parte dos poderes ou nações do mundo, e que as violações deliberadas ou inadvertidas desses padrões têm de ser corajosamente denunciadas e combatidas.

Para este autor e pensador a morada de um intelectual é a fronteira. Vive

entre mundos, como um náufrago e exilado. Desacomodado, inquieto, perturbado

deve se empenhar em “não sentir-se em casa em sua própria casa”. Como um

Sartre, como um Bertrand Russel, Susan Sontag e Theodor Adorno. Irritava-lhe a

alma tanto o profissionalismo acadêmico que parecia poder domar o espírito

endiabrado tão vocacionado ao controverso, como a especialização que impede a

opinião fora de um campo específico de conhecimento. Atormentava-lhe o

pragmatismo e os valores da competência. Na verdade, ”intelectual” é um termo

que surgiu em ambiente inóspito, no fogo cerrado dos debates franceses sobre

cidadania no já referido Caso Dreyfus. Ali a erudição de Émile Zola serviu ao

propósito da crítica social, a despeito do senso comum e da adversidade política.

Superou a mesquinhez e denunciou a mediocridade. Sua carta J’Acuse, publicada

no L’Aurore, ganhou o apoio de escritores como Proust e Anatole France que

junto com Zola assinaram o ”Manifesto dos Intelectuais” em defesa de Dreyfus. A

partir dali o engajamento de pensadores e autores em causas públicas e políticas

passou a ser tradição especialmente no campo da esquerda.

O filósofo francês Jean Paul Sartre tem sido referido como exemplo

recente mais bem acabado de ”intelectual engajado”. Envolveu-se na luta

anticolonial ao lado dos argelinos, apoiou o regime comunista russo no pós-

guerra, distanciou-se de Raymond Aron por divergências ideológicas, tornou-se

maoísta e manifestou-se sobre praticamente todos os problemas de seu tempo.

No caso dos Estados Unidos termo similar e mais difundido é o já referido

”intelectual público”. Ele foi lançado por Russel Jacoby em seu livro de 1987, The

Last Intellectuals: American Culture in the Age of Academe.50

50 Ver The Chronicle Review. Volume 54, Issue 18, Page B5.

O conceito foi

amplamente utilizado pelas revistas Foreign Policy (FP) e Prospect para organizar

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

85

os rankings dos intelectuais mais influentes do mundo, na Inglaterra e no espaço

ibero-americano. O mesmo fez a revista O Debatedouro no Brasil. FP e Prospect

definiram intelectual público como alguém que ”possui uma sólida obra e tem a

habilidade de comunicar idéias e influenciar o debate internacional em temas

distintos ao de sua especialidade”. Além disso, os incluídos nos rankings

precisavam estar vivos e ativos na vida pública no momento da compilação dos

nomes. Portanto, as listas (veja anexos) expressam a influência pública, e não o

mérito de uma realização acadêmica ou científica. Ou seja, o que é realçado no

conceito e avaliado no ranking é seu traço de polemista vibrante. Na obra, Jacoby

lamentou a falta de sucessores a uma geração de pensadores que tinha

dominado a cena por mais de 20 anos. Na sua visão a profissionalização

acadêmica estava pondo a pique uma tradição de especulação teórica que tinha

produzido autores originais e autodidatas do porte de um Daniel Bell, Gore Vidal e

Kenneth Galbraith. Ele lembrou que Lewis Mumford e Edmund Wilson se

distanciaram propositadamente da universidade e de seus hábitos. A prosa de

ambos destinava-se a ganhar a popularidade de uma audiência não profissional.

Recorda que Edmund Wilson remetia a todos que lhe pediam algo um postal no

qual estava impresso: “Edmund Wilson não escreve artigos ou livros sob

encomenda; não escreve prefácios ou introduções; não dá entrevistas ou aparece

na televisão, e não participa de simpósios”.

Não é o que se vê hoje em dia. Poucos intelectuais querem abandonar o

conforto das universidades. Na verdade, dizem os críticos, estão entricheirados

nela. Outro autor, o jurista Richard A. Posner, é ácido igualmente contra essa

tendência. Na obra Public Intellectuals: a Study of Decline (2001) afirma que

quanto mais atenção os intelectuais públicos ganham menos credibilidade acaba

tendo o trabalho científico e teórico por eles produzido. Quanto mais eles se

referem a temas fora de seu campo de especialidade, menos servem de

referência aos colegas, “e por boas razões”. Na verdade, esse é um fenômeno

cada vez mais comum nos países democráticos. A mídia distribui à população

muita opinião, mas não qualquer opinião. Esses intelectuais são fontes

consultadas porque aparentam ter alguma dose de credibilidade. Mas o que falta

nesse mercado dos palpites é “controle de qualidade”, diz Posner. Com

frequência tais pensadores acabam tendo algo a dizer sobre qualquer coisa,

JACQUES A. WAINBERG

86

“muitas vezes de forma irresponsável”. E a audiência tem demonstrado

dificuldade em avaliar com inteligência as opiniões que essa gente lhes oferece.

Em boa medida, o que atrai os ouvidos e os olhos do público são a fama e

o currículo desses falantes que passam a ocupar um papel similar aos dos astros

do cinema. O que dizem e argumentam fica em segundo lugar. O que as pessoas

buscam nesse tipo de manifestação é mais apoio as suas próprias crenças do

que ilustração. Posner sente saudades dos livre-pensadores que não dependiam

das regras universitárias. Hoje, ao contrário, é o professor o que ocupa com mais

frequência esse palco dos microfones. Esse tipo de intelectual público, diz

Posner, está numa posição muito confortável para dizer besteira e sair impune.

“Não são cautelosos o suficiente.” Aponta como exemplo os truques de retórica

de Noam Chomsky. "Seu método de discussão consiste simplesmente em mudar

de assunto. Se alguém afirma que a intervenção ocidental em Kosovo foi um

esforço justificável, ainda que ineptamente implementado, de evitar o genocídio

da população albanesa, sua resposta é perguntar por que falhamos em proteger

os curdos dos turcos". Paradoxalmente, apesar de ser crítico dos rankings dos

intelectuais mais influentes, Posner acabaria criando sua própria lista dos mais

citados (anexo 3).51 No exame realizado por Dawisson Belém Lopes (52) da lista

dos ”50 intelectuais públicos mais influentes do Brasil contemporâneo” de 2005,

(anexo 4) foram assinaladas várias características desse novo personagem no

país. Ele destaca o fato de que, de uma forma geral, os intelectuais públicos

nacionais também se adaptaram aos meios de comunicação. Por isso, são por

vezes depreciados e chamados pejorativamente de ”papagaios da mídia”.53

51 Como todos os rank ings desse tipo também o apresentado no livro de Posner encontrou forte reação e crítica. Ver Reactions to Richard Posner’s Public Intellectuals. Complete Review Quarterly. V. III n.2, may 2002.

A

opção por essa ave que fala sem originalidade, repetindo o que outros já

disseram, é intencional, como se vê. Como ela, esses oradores parecem dóceis e

sedutores. Quando movem a cabeça e os músculos do pescoço demonstram

afeto. Quando se esfregam querem dizer que gostam do interlocutor. Quando

exibem a cauda querem afirmar que estão emocionados. Se arrancarem as asas

é porque estão estressados. Estes traços que parecem ser as marcas desse

52 Observatório da Imprensa. Intelectuais Bons de Mídia. 7/11/2005. 53 Ver BELÉM, Euler de França. Chomsky não é o intelectual mais importante. Jornal Opção. 20 a 26 de novembro de 2005.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

87

personagem em outros países foi lamentado por Russel Jacoby. Este

comentarista parece ver a imprensa como um agente corruptor de um espírito que

por vocação deve ser modesto e que no passado se mantinha propositadamente

distante das discussões mundanas. Alguém que não se interessava em intervir

nos debates corriqueiros da pauta jornalística e que concentrava sua energia na

produção de uma obra capaz de sobreviver ao desgaste do tempo.

O novo intelectual público da era eletrônica por vezes tem ou deseja ter

igualmente uma obra pretenciosa, mas sua prosa alimenta e nutre agora em

especial o que se convencionou chamar de jornalismo de opinião. Tornou-se por

isso muito mais engajado, militante e participativo do que os pensadores da era

tipográfica. O fato é comum também e em especial na França onde o intelectual

desfruta de uma reverência pública excepcional. A geração de Sartre (Barthes,

Althuser, Lacan, Foucault, Lévy-Strauss, Aron) já dava sinais de que os encontros

nos salões literários e conferências intimistas entre ilustres não bastavam mais.

Passaram a frequentar as páginas dos jornais e os debates públicos sobre os

temas palpitantes, escrevendo, falando e também liderando manifestações de

rua. Aprenderam como ninguém a utilizar os novos meios de comunicação para

popularizar suas ideias e livros. Deram exemplo à nova geração de filósofos do

país que se tornaram agora celebridades midiáticas por excelência. No caso

brasileiro, boa parcela dos listados é de acadêmicos que ao atuar também como

colunista e/ou articulista tenta influenciar o debate político do país. São os casos,

por exemplo, de Marilena Chauí, Roberto DaMatta, Renato Janine Ribeiro, Emir

Sader, Demétrio Magnoli, Marcelo Gleiser, José Murilo de Carvalho, Roberto

Mangabeira Unger e Boris Fausto.

Outras características assinaladas por Lopes na nominata apresentada no

ranking nacional são: (1) a personalidade versátil do intelectual público do país

(Chico Buarque de Holanda, Arnaldo Jabor, Ariano Suassuna, Jô Soares,

Fernando H. Cardoso, Antônio Delfim Neto e Millôr Fernandes); (2) o fato de que

a maioria é paulista e carioca, estados que desfrutam dos principais veículos

nacionais de comunicação. A lista apresenta ainda (3) um traço de ”homem

cordial”, graças à presença de personagens de aparência dócil e doce como

Chico Buarque de Holanda, Luis Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro,

Ariano Suassuna, Caetano Velloso e Paulo Coelho. No caso brasileiro, (4) os

JACQUES A. WAINBERG

88

cientistas ”duros” permanecem bastante distantes da arena pública (somente

Marcelo Gleiser, físico que conquistou certa notoriedade graças à sua coluna na

Folha de São Paulo, aparece no ranking). A lista (5) é machista, com uma única

mulher (Marilena Chauí) presente. A maioria está ligada (6) à esquerda brasileira,

muito embora o intelectual ibero-americano escolhido pelos leitores em 2008,

Reynaldo de Azevedo, seja um crítico ferrenho do PT e da esquerda brasileira e

latino-americana, em geral. Sua antiga revista, Primeira Leitura, expressava esse

ponto de vista arredio aos gritos de guerra lançados desde as barricadas

chavistas, lulistas, petistas e comunistas. Sua prosa é crítica, afiada e sarcástica.

Quando apresenta suas lições de como um polemista deve se comportar é

irônico. Recomenda que ele deve ser “O primeiro a acusar o outro de agressivo”.

O polemista deve “mudar sempre o objeto da polêmica”. O interlocutor deve ser

acusado de vaidoso. “Diga que ele invadiu sua privacidade”, recomenda. Nas

lições seguintes sugere: “Faça da dúvida sua única certeza”, “Seja um

cosmopolita”, “Abuse do futuro-do-pretérito”, “Acuse o outro de fazer apenas o

debate ideológico”, “Seja um bom pessimista”, “Renuncie ao triunfo, mesmo que

(e especialmente), de fato, você não tenha triunfado”.54

O físico Alan Lightman

Já os dados do Google

mostram a frequência e o grau de exposição dos personagens do telejornalismo

brasileiro na web. 55

54

, professor do MIT, descreve três níveis nos quais

atua o intelectual público. Ele o define como uma pessoa treinada numa

disciplina, pertencente a uma instituição, e que decide em certo momento de sua

carreira comunicar-se com uma audiência muito maior do que a usual no

ambiente universitário. O nível mais baixo é o restrito ao seu campo de

especialidade. Limita-se a escrever e a se manifestar sobre temáticas limitadas a

ele. O segundo nível é aquele no qual o intelectual faz relações entre seu campo

de conhecimento e o ambiente social, cultural e político circundante. No terceiro e

mais alto nível ele passa a simbolizar algo maior do que sua disciplina. Fala a

grandes audiências sobre uma variedade de temas. É o caso de Einstein. Depois

www.supersitegood.com/atento/texto.php?mat=503 55 Alan Lightman é Professor de humanidades do MIT. É autor de duas novelas, Einstein's Dreams e Good Benito. Seus títulos de obras que não são de ficção incluem Origins: the Lives and Worlds of Modern Cosmologists (com R. Brawer), Ancient Light: Our Changing View of the Universe, e Great Ideas in Physics. Ver também The Role of the Public Intellectual.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

89

de 1919 começou a se pronunciar sobre religião, educação, ética, filosofia e

política internacional. O ensaísta e polemista Christopher Hitchens pondera que é

necessário distinguir entre o ”verdadeiro intelectual” e os demais líderes de

opinião, especialmente os vinculados ao mundo da televisão.56 Ele se refere ao

tipo de pensador que se estabelece fora da academia, sem ligação com editoras

poderosas, e que inicia uma carreira de forma independente ou ligado a revistas

alternativas. Ele recorda que Daniel Bell acabou entrando na universidade, mas

só depois de receber o título de doutor (PhD) em reconhecimento a sua obra já

produzida. Susan Sontag nunca teve um emprego regular, nem uma fonte de

renda estável. Gore Vidal nunca estudou na universidade. O professor Ulrich

Oslender, da Universidade de Glasgow, afirma que os intelectuais franceses

estão cometendo um ”harakiri” coletivo. Não haveria em sua opinião um novo

nome capaz de ocupar o lugar do falecido Pierre Bordieu, por exemplo.57

Nesse mesmo espírito de repulsa aos ”novos filósofos” o Le Monde

Diplomatique tem manifestado sua repulsa aos novos filósofos franceses. Eles

(André Glücksman, Philippe Sollers, Alain Minc, Pascal Bruckner, André Comte-

Sponvi lle, Luc Ferry, Lévy, Jean-Paul Dollé, entre outros) deram uma guinada à

direita, lamenta o periódico. Repudiam a figura do intelectual engajado. Refugiam-

se na universidade. Estão confinados em seus gabinetes. Dedicam-se à

“pesquisa da verdade”. Dão ao capitalismo um aspecto humano. São ”intelectuais

de paródia”. Poucos se dedicam ao trabalho minucioso de investigação e coleta

de dados, correndo riscos. Não estão a serviço de uma causa. São narcisistas.

Promovem-se nas empresas. As acusações não cessam. São comparados aos

gigantes. Zola teve que se exilar. Saint-Exupéry, George Bernanos, François

Mauriac e André Malraux, entre outros, denunciaram o fascismo. François

Mauriac, André Mandouze e Pierre-Henri Simon denunciaram a tortura do exército

francês na guerra da Argélia. Estes e mais 121 outros intelectuais apoiaram os

O tão

celebrado Bernard-Henri Lévy não passaria de um acomodado, um personagem

da mídia.

56 Ver seu texto How to be a public intellectual. www.prospect.magazine.co.uk/article_details.php?id=10163 57 Ver seu texto The Resurfacing o the Public Intellectual: towards the proli feration of public spaces of critical intervention. www.acme-journal.org/vol6/UO.pdf

JACQUES A. WAINBERG

90

desertores nesse conflito. A nostalgia por aqueles dias é grande. O luto e a

saudade por aqueles tempos heroicos ainda perdura.

Para o sociólogo Sérgio Miceli uma das marcas dos intelectuais mais

”populares” do Brasil é sua cooptação pelo Estado. Cita como exemplo clássico o

Estado Novo, um dos regimes mais hábeis na atração, sedução e controle do

verbo dos bem-pensantes da história do Brasil. O mecanismo da cooptção nunca

foi desligado, diz ele. O fato explica porque intelectuais engajados ficam no Brasil

engasgados, optanto, como dito, pelo ”silêncio obsequioso” nos casos em que

seus protegidos são desmascarados. Comenta em sua obra Intelectuais e a

Classe Dirigente no Brasil (1979), vários exemplos, entre eles o do poeta Carlos

Drumond de Andrade, que foi chefe de gabinete de Gustavo Capanema, e

Fernando Henrique Cardoso, que após o retorno do exílio saiu do Departamento

de Sociologia da USP (onde reinava Florestan Fernandes) e se fixou na ciência

política. Acabou virando político profissional, abandonando a academia e seus

requintes de soberba imparcialidade. Em muitos casos, no entanto,não procede a

usual afirmativa de que os intelectuais só têm compromissos com as ideias e com

nada mais. O fato parece ser verdade também nos Estados Unidos onde o

fenômeno da ”porta giratória” já foi registrado por inúmeros analistas. Ou seja,

numa administração o acadêmico deita o verbo na sua cátedra universitária. Na

outra, assume o poder em distintos órgãos governamentais. Na seguinte, volta

para a sala de aula, seu refúgio permanente. Isso também ocorre com inúmeras

personalidades da imprensa nos dois países.

Na língua ferina de Olavo de Carvalho, a intelectualidade brasileira é

constituída por ”idiotas presunçosos”. A prédica desses personagens resulta de

”uma quantidade ínfima ou nula de conhecimentos”. Nunca sabem responder

como chegam a determinadas conclusões, não sabem responder. Improvisam

justificativas. Confundem o presente com o passado. Já Noam Chomsky é outro

engodo. É o que é porque é o intelectual com maior presença na mídia, o mais

citado em trabalhos estudantis nos Estados Unidos e o mais permanente ativista

em campanhas políticas. Têm um corpo permanente de colaboradores, editores,

tradutores, divulgadores e relações públicas que o acompanham, disseminando

cada vocábulo que sai de sua boca por todo o mundo. “Nem mesmo Voltaire, o

Chomsky do século XVIII, teve uma infra-estrutura tão sólida e tão vasta à sua

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

91

disposição. No mínimo, ele teve de escrever pessoalmente cada palavra dos

cento e tantos volumes de suas Obras Completas. Chomsky apenas ejeta pela

boca a matéria-prima. A indústria faz o resto. Por esses detalhes mede-se a

hipocrisia do sujeito quando, notificado da vitória (no ranking dos mais influentes),

declarou que ’não presta atenção nessas coisas.’ Na verdade, ele nunca presta

atenção em nada mais (ou seja, no que a mídia publica).58

No passado, eram doadores privados que mantinham em suas cortes e

áreas de influência os intelectuais de sua preferência. Autores célebres como

Marx, Spencer, Shakespeare, Goethe, Descartes, Locke e mesmo os críticos

contemporâneos afiliados à Escola de Frankfurt (Theodor Adorno e Max

Horkheimer principalmente) não fugiram a essa regra de dependerem da boa

vontade de algum financista, seja ele pertencente à nobreza real ou econômica.

Quando um falhava, logo procuravam outro. Com frequência moviam-se na busca

de um bom e confortável padrinho. Hoje em dia muitos entre eles tornaram-se

empregados públicos beneficiados com a estabilidade funcional. Esse fato torna

suspeita suas posições ideológicas. Por exemplo, muitos deles suportam e

advogam numa bem elaborada retórica o estatismo. Rebelam-se contra as regras

do mercado (competição, produtividade e eficiência), justificando a posição como

sendo de interesse público e progressista. Aos olhos de Friedrich Hayek (1899-

1992), economista austríaco-britânico, o pecado original de ser pago pelo Estado

torna o labor de muitos intelectuais suspeito. Não são neutros. Preferem ideias

que lhes dão emprego, renda, poder e prestígio. Como não são responsáveis

diretos pelas consequências de suas ideias, gastam o tempo com visões e

utopias. E o socialismo apela a esse tipo de prédica redentora.

Raymond Aron é outro autor que bateu forte nesse vício que torna

dependente o intelectual moderno do aparato estatal. Em O Ópio dos Intelectuais

ele compara as doutrinas reformista e revolucionária.59

58 A origem das opiniões dominantes. 25 de outubro de 2005. Diário do Comércio.

Mostra que o que falta no

primeiro sobra no segundo: o discurso grandioso pela boa nova. Esses

intelectuais mais radicais criticam a economia de mercado e sua distribuição

injusta da riqueza, em especial a dirigida aos seus próprios bolsos vistos por eles

59 The Intellectuals and Socialism: As Seen from a Post-Communist Country Situated in Predominantly Post-Democratic Europe. Václav Klaus, Comentários preparados para o Mont Pelerin Society Regional Meeting, Reykjavik, Iceland, august 22, 2005.

JACQUES A. WAINBERG

92

próprios muito mais meritórios do que quaisquer outros. Como o regime

comunista sucumbiu de vez esse tipo de discurso acabou migrando à social-

democracia que aprendeu da experiência que a melhor maneira de calar essa

gente é financiá-la em alguma medida. Como o mundo ocidental é rico, pelo

menos mais rico que outras partes do mundo, ele pode se dar ao luxo de manter

viva essa tradição do mecenato do século XIX.

Esse tipo de denúncia sobre tal relação promíscua tem sido feita por uma

geração de intelectuais-anti-intelectuais liberais.60

Há nos comentários críticos publicados sobre essas listas e rankings de

intelectuais influentes uma nostalgia pelo tempo dos ”gigantes”. No caso

brasileiro, nomes como Gilberto Freyre, Celso Furtado, Sérgio Buarque de

Holanda, Raymundo Faoro, Roberto Campos, Nelson Rodrigues, Carlos

Drummond de Andrade e Paulo Francis são referidos. No caso inglês a saudade é

por gente do porte de Isaiah Berlim, Boek Wittgenstein e Eric Hobsbawn. Na lista

inglesa há poucos jovens. Predominam cientistas e historiadores. O escritor

americano David Herman rotula esses autores como “as crianças de Orwell,

falando de temas graves em boa prosa”, todos eles partilhando um sentido de

moralidade política e internacionalismo.

Mas a verdade é que mesmo

intelectuais liberais célebres foram financiados por fundações privadas. São os

casos Ludwig Von Mises que recebia seu salário do Lawrence Fertig e William

Volker Fund (que financiava sua cátedra na Universidade de Nova York). Essa

prática não cessou até hoje, como se sabe.

O ranking da FP e Prospect de 2008 mostra que os únicos intelectuais que

mantiveram as mesmas posições de 2005 foram Samuel Huntington (28ª.) e

Harold Varnus (94ª.). Os que mais ascenderam foram Yusuf Al Qaradawi que

passou da 56ª. à terceira posição. A maior queda foi o do já referido Richard

Posner que passou da 32ª. à 84ª. Naomi Klein, uma das mais bem posicionadas

em 2005, não foi incluída em 2008. Sessenta nomes apareceram nas duas listas,

o que mostra estabilidade no grau de influência que esses intelectuais públicos

exerceram no período. Por aparecerem em várias listas os mais influentes entre 60 HOPPE, Hans-Hermann. Natural Elites, Intellectuals, and the State. Hans-Hermann Hoppe, professor de economia da University of Nevada, Las Vegas. Pertence ao Ludwig von Mises Institute e é coeditor de Review of Austrian Economics. Concluiu seu doutorado e pós-doutorado na Goethe University de Frankfurt, Germany, e é autor, entre outros trabalhos de A Theory of Socialism and Capitalism e The Economics and Ethics of Private Property.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

93

todos parecem ser Noam Chomsky, Richard Dawkins, Salman Rushdie, Vargas

Llosa e Ayaan Hirsi Ali.

O que lhes dá destaque é a obra intelectual, a biografia e a militância,

juntas ou em separado. Ayaan Hirsi Ali aliou intensa militância contra os preceitos

islâmicos à sua história pessoal (seu drama apresentado na obra autobiográfica

Infiel tornou-a celebridade internacional). Rushdie, por sua vez, desfruta, como

Ali, dessa especial condição de perseguido político devido à fatwa iraniana que,

como já referido, o condenou à morte por seu romance: Versos Satânicos (1988).

Os outros três, Chomsky, Dawkins e Vargas Llosa combinam suas obras

acadêmicas com a militância política e social. Todos os cinco despertam fortes

simpatias e críticas. Dividem as opiniões. Causam celeumas.

Noam Chomsky, professor do MIT, tornou-se celebridade do mundo da

linguística quando em 1957 publicou em seu livro Syntatic Structures sua teoria

sobre gramática transformacional generativa. Depois gradativamente fez o que se

espera que faça um intelectual público: passou a publicar e opinar sobre temas

políticos e sociais variados. Tornou-se também um ativista. E foi mais nesta

condição de socialista libertário, anarquista, ou liberal radical (os rótulos variam)

que passou à condição de celebridade internacional. Denunciou em vários de

seus livros a mídia, as corporações e a política externa americana. Os livros

Manufacturing Consent (1988), Propaganda and the Public Mind (2001), American

power and the new mandarins (1969), For Reasons of State (1973), entre outros o

tornaram uma espécie de novo guru intelectual da esquerda no mundo.

Dawkins, por sua vez, dedicou sua carreira em Oxford aos estudos

zoológicos. Sua obra The Selfish Gene (1976) tornou-o uma celebridade

científica. Nesse estudo descreveu o comportamento altruísta de pássaros que

sacrificavam suas vidas para alertar os bandos da aproximação de um predador.

O fato foi apresentado pelo autor como o comportamento de um gene egoísta

interessado em assegurar sua sobrevivência. Aplicaria depois a teoria

evolucionista ao estudo da difusão das ideias (a teoria da ”meme”). Sua fama se

ampliaria ainda mais com a militância social e política na promoção do ateísmo,

combatendo o criacionismo e difundindo o racionalismo. Como Chomsky, tem um

estilo vigoroso que confronta e ataca opositores.

JACQUES A. WAINBERG

94

O caso de Salman Rushdie é, como dito, peculiar. A perseguição que lhe

foi desferida pelo regime islâmico do Irã em decorrência da forma como

apresentou em sua obra figuras centrais do islamismo, entre elas Maomé, o

tornaram paradoxalmente uma celebridade internacional solicitada agora a se

pronunciar sobre inúmeros temas graves do cenário internacional. Além de

ficcionista tornou-se, como não poderia deixar de ser nessa circunstância,

também num ensaísta de renome. Da mesma forma, a referida Ayaan Hirsi Ali,

refugiada da Somália na Holanda, tornou-se personagem da mídia internacional.

Militava, em 2008, sob a proteção do American Enterprise Institute, um think thank

conservador norte-americano. Seu estilo vigoroso, ácido e corajoso lhe

proporcionou ao mesmo tempo muitas simpatias e forte oposição. Sua denúncia

de que o Islã ortodoxo é uma nova forma de fascismo a obrigou a viver como

Rushdie sob proteção policial em muitas partes do mundo.

Finalmente temos o caso de Mario Vargas Llosa, um dos mais renomados

ficcionistas peruanos e latino-americanos, que abandonaria em certo momento

sua carreira de ficcionista para envolver-se com os destinos políticos de seu país.

Livros como La ciudad y los perros (1963/1966), La casa verde (1985/1968),

Conversación en la catedral (1969/1975) o consagraram em todo o mundo. Ao

abandonar a esquerda e o fascínio, que cultivava pela revolução cubana, passou

a advogar um ideário liberal. Ajudou a criar o Movimento Liberal em seu país. Foi

candidato à presidência da República do Peru em 1990, recebendo 34% dos

votos, sendo derrotado por Alberto Fujimori.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

95

O REFÚGIO UNIVERSITÁRIO _______________________________________________________________________________________

A despeito do mau humor de Lewis Munford e Edmund Wilson à

universidade, a verdade é que boa parte dos 361 polemistas listados nos rankings

dos intelectuais mais influentes do mundo se abriga (em não poucos casos se

refugia) hoje em dia naquela instituição (Anexo 5). É bom salientar criticamente

que uma fração dos mesmos, inclusive e em especial no Brasil, transforma o

aluno em público cativo, a sala de aula num púlpito e sua docência numa prática

evangelizadora. Face à diversidade de ideias e teorias que circulam nos campi, a

instituição fez por bem (embora em muitos casos a contragosto) advogar em

muitos países a causa da liberdade acadêmica. Na verdade, não teve escolha.

O que está em jogo nesse caso é o livre fluxo de informação e ideias na

sociedade. Por isso a universidade trata de protegê-lo. Esse tipo de postura

começou a se consolidar a partir do século XVI e XVII em algumas academias

como é o caso da Universidade de Leiden (1575). Esse espírito de tolerância

emergiu também do cansaço europeu da luta travada entre católicos e

protestantes. Depois foi impulsionada com o amadurecimento do estado liberal e

de sua concepção e valorização da competição comercial e de ideias. Hoje está

claro que tal liberdade acadêmica protege o direito do professor estudar,

investigar, expressar o que pensa e apresentar a verdade como ele a entende. Da

mesma forma, consolidou-se em muitos países também o direito dos alunos

aprenderem. A premissa que sustenta ambas as liberdades afirma que a única

forma de obter a verdade e fazer avançar o saber é com o livre confronto de

ideias, com a investigação liberta de constrangimentos em que o erro pode ser

exposto, “por colisão de mente com mente, e do conhecimento com o

conhecimento.” 61

Na universidade ideal e livre o direito de divergir deve ficar assegurado a

professores e a alunos. Não é possível nem desejável evitar dentro de seus

muros a controvérsia. Ela é condição para uma sociedade saudável. Sem uma

Ou seja, a erudição é incompatível com um ambiente de

desconfiança e suspeita. Nessa visão, a sala de aula deve funcionar como uma

espécie de mercado no qual se troca, se observa, se namora e se compra ideias.

61 Cardinal Newman. What is a University? Historical Sketches [1872], I, 16.

JACQUES A. WAINBERG

96

não há a outra. Sabe-se que a liberdade do professor está sob fogo cerrado de

diferentes grupos de pressão e interesses e a Instituição vê-se forçada de tempo

em tempo fazer valer com vigor esse princípio que é sua marca registrada nas

democracias.

No entanto, e como exposto, a coerção e a perseguição ao pensamento

livre existe há tempo e em muitos lugares. Na China, por exemplo, durante a

Dinastia Qin (213 e 206 a.C.) todas as publicações clássicas foram queimadas,

visando suprimir a liberdade de expressão, unificar o pensamento e as opiniões

políticas. Motivado pelo medo à dissidência, o primeiro imperador do país, Qin Shi

Huang resolveu escrever seus próprios livros de história. Os que debatessem as

obras do seu índex deveriam ser mortos. Os que uti lizassem exemplos antigos

para satirizar a política daqueles dias deveriam igualmente ser eliminados. E os

que não queimassem os livros listados em 30 dias seriam remetidos ao exílio

como condenados a trabalhar na construção da Grande Muralha. Em 213 a.C.

todos os livros de Confúcio foram igualmente queimados, com exceção de uma

cópia de cada obra guardada na biblioteca estatal. Mas como acontece com

frequência, o que é banido e perseguido num regime, torna-se culto no próximo.

O confucionismo superaria as demais escolas de pensamento, tornando-se a

ideologia oficial do estado imperial chinês após a queda da Dinastia Qin.

A fuga desde regimes fechados aos abertos tem sido a rota comum de

pensadores e autores na história, em especial a partir do século XV quando

acadêmicos gregos se dirigiram à Itália. Esse tipo de perseguição aos intelectuais

foi intenso no período da Segunda Guerra Mundial, em que luminares de todas as

áreas do conhecimento deixaram o Velho Mundo fugindo do nazismo em direção

à América, em especial a do norte. Depois, continuou com a eventual fuga do

regime comunista, das ditaduras militares da América Latina e de regimes

autoritários de outros continentes e mais recentemente de países árabes e

islâmicos.

Por outro lado, entre as críticas mais comuns que se ouve em muitas

partes é a de que os professores doutrinam os alunos, apresentando um único

ponto de vista de uma controvérsia ou de um tema polêmico; que enganam

disfarçando nos seus roteiros de cursos suas verdadeiras intenções ideológicas;

que colocam suas atividades docentes a serviço de causas pelas quais militam

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

97

fora do campus; e de que sofrem influência também de grandes empresas e de

órgãos do governo que patrocinam seus projetos de pesquisa.

O conceito filosófico referente à liberdade acadêmica que protege o

professor, a despeito daquelas críticas (por vezes procedentes), foi consolidado

aos poucos nos tribunais superiores dos Estados Unidos. No período do

Macartismo, o termo ”liberdade acadêmica” surgiu no parecer minoritário do juiz

William O. Douglas no caso Adler versus Board of Education de 1952. Discordou

da maioria que manteve a proibição das escolas públicas de Nova York de

contratar professores que pertencessem a ”organizações subversivas”. Hoje em

dia, a decisão de Adler não é mais acompanhada pela jurisprudência do país. Os

funcionários públicos, incluindo os professores, têm o mesmo direito de expressão

dos demais cidadãos. No famoso caso Sweezy versus New Hampshire (1957) a

corte aceitou que um professor marxista recusasse responder perguntas sobre

suas crenças políticas.

Hoje em dia, em muitos países, a liberdade acadêmica está diretamente

relacionada à estabilidade no emprego. Ela é oferecida ao professor após um

período probatório. Depois, ele só perderá sua posição caso seja condenado em

processo legal que determine seu afastamento por razões que não estejam

diretamente ligados as suas opiniões e visões. Pode-se verificar que em 5 dos 23

países da Comunidade Europeia há um alto nível de proteção à liberdade

acadêmica. Curiosamente, três deles são originários do antigo bloco soviético. Na

Finlândia, por exemplo, a liberdade de expressão e acadêmica estão protegidas

na Constituição. Leis específicas asseguram nesse país que os funcionários das

universidades tenham maioria nas decisões institucionais. O reitor é eleito e

apontado internamente sendo oferecida estabilidade no emprego a todos os

acadêmicos. Os professores têm status de servidores públicos. Já a Inglaterra

oferece o caso mais complexo, já que não há proteção constitucional nem à

liberdade de expressão nem à liberdade acadêmica. Os professores e

pesquisadores têm um papel pequeno na tomada das decisões administrativas. O

reitor é nomeado por órgãos externos. A estabilidade é oferecida somente a

poucos acadêmicos.

Em 13 países há um alto nível de proteção constitucional à liberdade de

expressão, um baixo nível em dois, enquanto nos demais há um nível médio. No

JACQUES A. WAINBERG

98

que se refere à legislação específica, protegendo ambos os direitos, ela ocorre

em 11 estados. Em outros seis esse nível de proteção por lei específica é baixo.

Os demais têm um nível médio de proteção legal. Por fim cabe assinalar que, ao

contrário do que ocorre nos Estados Unidos, é pouco frequente a oferta de

estabilidade no emprego aos acadêmicos. Isso acontece somente em 11 nações.

Há uma proteção média do emprego em nove. Ou seja, a sala de aula é outro dos

poucos refúgios que restou a esse tipo de personagem inquieto.

Grau de Proteção Const itucional e Específica à Liberdade de Expressão e Acadêmica e

Estabilidade no Emprego ao Professor Universitário na Comunidade Europeia

País Proteção Constitucional

Proteção Legislat iva Específica Estabilidade no emprego

Finlândia Alta Alta Alta Eslovênia Alta Alta Alta

Rep. Checa Alta Alta Alta Hungria Alta Alta Alta Espanha Alta Alta Alta Lituânia Alta Alta Média Lituânia Alta Alta Média

Eslováquia Alta Alta Média Polônia Alta Média Alta Áustria Alta Média Alta França Média Alta Média

Portugal Alta Média Alta Itália Alta Baixa Média

Estônia Alta Média Média Grécia Média N/D Alta

Alemanha Média Alta Média Irlanda Média Alta Alta

Luxemburgo Média Média Média Suécia Média Baixa Alta

Malta Média N/D Baixa Dinamarca Média Média Baixa

Holanda Baixa Baixa Média Inglaterra N/D Baixa Baixa

Fonte: KARRAN, Terence. Academic Freedom in Europe: A Preliminary Comparative Analysis. Higher Education Policy (2007) 20, 289-313.

A despeito da incompreensão de muitos, a universidade não só continua a

acolhê-lo em boa parte do mundo democrático, como continua a protegê-lo do

mau tempo, dando ao polemista prestígio, evitando sua extinção por perseguição.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

99

É bem verdade que paga o preço de nem sempre acalentar o mais lúcido, o mais

ilustrado e equilibrado.

É verdade que a docência acaba se transformando no reino de uma só

pessoa. E o que se vê nela então, é um pouco de tudo: educação, mas também

alguma dose de alucinação. Por serem narcisistas e personagens de si próprios,

os polemistas não se caracterizam num bom número de casos pela modéstia.

Acompanham-lhe os passos por decorrência as já mencionadas ”palavras

grandiloquentes" e suas coirmãs, as ”incendiárias”. Aparentemente, esse é o

preço que a sociedade é obrigada a pagar por ter que tolerar tais línguas ferinas.

Tolerar não é gostar, cabe recordar. É aprender a suportar a diferença. O preço é

pago porque com a tolerância pode se obter algum benefício, certamente. No

caso, é a inovação, sempre tão necessária, sempre tão temida. Os que favorecem

esse ponto de vista afirmam que sem a ousadia, a liberdade e a tolerância não

teriam surgido notáveis contagiados pelo espírito da desconfiança e da rebeldia.

A premissa é conhecida. Como o sistema social é formado por pessoas

pensantes, ele depende do que essas pessoas pensam. O fato explica porque

tanto esforço é feito pelos atores sociais e políticos para influenciar as imagens

que carregamos em nossas mentes. Afinal, todos sabem que há uma interação

entre ação e pensamento. Se mudarmos o que pensamos mudaremos da mesma

forma a maneira como nos comportamos. Se essa mudança atingir um grande

número de pessoas haverá uma alteração no próprio sistema. O papel que líderes

de opinião têm na manutenção da ordem e na provocação da desordem dos

sistemas parece compreensível. O desempenho desses personagens que atuam

em nossas cabeças é estratégico e o que sai de suas bocas em direção aos

nossos ouvidos é com frequência matéria de disputa. Por ser combustível puro,

seus efeitos são conhecidos, desejados por uns e temidos por outros. As ideias

que tais polemistas difundem através de movimentos intelectuais variados podem,

por consequência, ser monitoradas. Podemos perguntar que ideias novas tais

movimentos advogam? Por que pensam que o que dizem é importante? Que

novo problema ou perspectiva nova de um velho problema eles percebem? Que

tipo de grupo a nova ideia apoia ou se opõe? Quem é o alvo de sua pregação

persuasora? Em que direção a sociedade se encaminhará uma vez aplicada a

nova ideia? Que tipo de lacuna a nova ideia pretende preencher?

JACQUES A. WAINBERG

100

Compreendendo e Criando Movimentos Intelectuais

1. Qual é o problema? O que é necessário?

2. Por que o problema é importante? Quem o considera importante?

3. O problema ainda não é reconhecido como importante pelas pessoas? Por que não? Que tipo de valor ou crença impede que ele seja reconhecido como tal?

4. Em vez de atentar para o novo problema, no que a atenção das pessoas está interessada então?

5. Por que no passado o foco da atenção direcionado a outro tema era adequado?

6. Que razões levam agora à exigência de mudança do foco da atenção das pessoas?

7. A mensagem capaz de conquistar a atenção ao novo problema é adequada? Há uma filosofia, uma teoria e um método de comunicação apropriada? 8. A frequência da emissão da mensagem ao público-alvo é suficiente? Os canais dessa difusão de ideias são adequados? Quais são eles?

9. A difusão das novas mensagens está sendo monitorada e avaliada? Como?

10. Quais são as evidências que revelarão a obtenção dos objetivos desejados pelo persuasor? Em quanto tempo se espera que os primeiros resultados sejam obtidos?

11. Que mudanças de comportamento são esperadas caso as pessoas de fato alterarem crenças e valores? Adaptado de Stuart A. Umpleby. The design of intellectual movements. Research Program in Social and Organizational Learning. The George Washington University

É bom salientar que num bom número de casos a irritação que essa gente

causa nos leitores, nos alunos, nos telespectadores e nos crentes é justificável.

Com frequência os polemistas são implicantes e rabugentos. Alguns escondem

nas profecias alguma dose de melancolia por sonhos acalentados e frustrados,

por fantasias revolucionárias e decepções políticas e existenciais. Como

incendiários, também escondem o prazer que sentem em ver a agitação tomar

conta do ambiente. E não são poucos entre eles que atuam também como se

mafiosos fossem: caridosos em casa e cruéis nas páginas dos jornais no embate

aos inimigos.

Noutros casos são as ideias as culpadas. Elas são subversivas mesmo.

Teme-se nelas o ”efeito galileu”. Honra ao mérito é dada a Galileu Galilei (1564-

1564), o primeiro a confirmar a teoria de Copérnico (1473-1543), o astrônomo que

em seu tempo havia sugerido que a Terra não era o centro do universo. Por

perspicácia, e sabedor das consequências de tal ideia perigosa, Copérnico evitou

divulgar sua publicação com essa notícia até os últimos dias de sua vida.

Trabalhou em segredo. Durante 30 anos coletou informações. Propositadamente

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

101

sua explanação foi confusa. Dissimulou as evidências para assim evitar a

perseguição da Inquisição. Sua obra Revolutionibus orbium coelestium (Sobre as

Revoluções das Esferas Celestes) entraria por fim na lista dos livros proibidos, no

Índex Librorum Prohibitorum da Igreja Católica em 1616. “No meio de tudo habita

o sol”, disse ele. “Sentado no trono real, ele rege a família dos planetas que

circulam à sua volta (...) Encontramos, assim, neste arranjo a harmonia do

mundo.”62

Já Galileu, mesmo sendo amigo do Papa Urbano VIII e um dos mais

famosos cientistas de sua época, não conseguiu evitar o choque com a Igreja

Católica. Pensou que sua forma de apresentar no livro Diálogo os dois grandes

sistemas do mundo, o de Ptolomeu e o de Copérnico, não causaria celeuma.

Estava enganado. Dez cardeais o acusaram de heresia

63

Não foi o caso de Giordano Bruno (1548-1600), considerado um dos

primeiros mártires da ciência. Seus dois livros baseados na obra de Copérnico o

levariam à fogueira. Recusou-se a compatibilizar a ciência de Copérnico com a

crença no Deus católico. Ao longo do tempo, outras 87 pessoas seriam

queimadas nas fogueiras da Inquisição, 9 hereges foram executados pela Igreja

Anglicana, 3 pelas Igrejas ortodoxas e 1 pelos calvinistas.

. Para sobreviver,

voltaria atrás em sua convicção heliocêntrica.

Como exemplificado, naquele tempo e em todos os tempos ”ideias

perigosas” causam temor e fortes reações. Cada tempo e cada comunidade têm

62 Esta lista inclui, entre inúmeras obras e autores, as seguintes: Rabelais (CW) Montaigne (Essais), Descartes (Méditations Métaphysiques et 6 autres livres, 1948), La Fontaine (Contes et Nouvelles), Pascal (Pensées), Montesquieu (Lettres Persanes, 1948), Voltaire (Lettres philosophiques; Histoire des croisades; Cantiques des Cantiques), Jean-Jacques Rousseau (Du Contrat Social; La Nouvelle Héloïse), Denis Diderot (CW, Encyclopédie), Helvétius (De l'Esprit; De l 'homme, de ses facultés intellectuelles et de son éducation), Casanova (Mémoires), Sade (Justine, Juliette), Mme De Stael (Corinne ou l 'Italie), Stendhal (Le Rouge et le noir, 1948), Balzac (CW), Victor Hugo (Notre Dame de Paris; Les misérables jusqu'en 1959), Gustave Flaubert (Mme Bovary; Salammbô), Alexandre Dumas (divers omans) Emile Zola (CW), Maeterlinck (CW), Pierre Larousse (Grand Dictionnaire Universel), Anatole France (prix Nobel en 1921, CW à l'Index en 1922), Andre Gide (prix Nobel, CW à l'Index en 1952), Jean Paul Sartre (Prix Nobel (refusé), CW à l 'Index en 1959), Peter Abelard, Erasmus, Nicholas. Machiavelli, John Calvin, John Milton, Malebranche, Baruch Spinoza, John. Locke, Bishop Berkeley, David Hume, Condillac d'Holbach, d'Alembert, La Mettrie, Condorcet, Daniel. Defoe, Jonathan. Swift, Swedenborg Laurence. Sterne Emmanuek. Kant, H. Heine, J. S. Mill, G. D'Annunzio, H. Bergson. 63 Os movimentos heréticos são os seguintes: Anabaptistas, Paulícianos, Montanismo, Ofismo, Marcionismo, Adocionismo, Adamismo, Monarquianismo, Gnosticismo, Sabelianismo, Maniqueismo, Donatismo, Arianismo, Apolinarianismo, Monotelismo, Nestorianismo, Pelagianismo, Monofisismo, Catarismo, Bogomilismo, Socianismo, Quietismo, Americanismo, Calvinismo, Luteranismo e Protestantismo.

JACQUES A. WAINBERG

102

atores que acabam tornando-se porta-vozes da novidade. Como alertado, nem

todas as ”ideias perigosas” promovem o progresso. As mudanças podem também

levar a humanidade para trás. Com frequência também boas ideias têm um mau

destino. Sem Einstein muito provavelmente não haveria a bomba atômica.

Outro exemplo são as ideias de Charles Darwin. Hoje em dia, ele continua

provocando furiosos debates. O neodarwinista Daniel C. Dennet descreve A

Origem das Espécies (1859) como um “ácido universal; corroe todo e qualquer

conceito tradicional e deixa no seu rastro uma visão de mundo revolucionada”. 64

Também Olavo de Carvalho é um crítico feroz do darwinismo.

Não é o que pensa o pensador brasileiro José Osvaldo de Meira Penna. E seu

livro Polemos. Uma Análise Crítica do Darwinismo é, segundo suas palavras

introdutórias, “Uma modesta tentativa de contrariar a tese de Wilson (Edward

Wilson, entomólogo de Harvard, fundador da sociobiologia), segundo a qual a

moral, o sentimento de ‘altruísmo’ ou, em outras palavras, a ética se pode e deve

sustentar sobre premissas materialistas.” Polêmica deriva de polemos, termo

referido no título e que expressa o grau de violência presente nesse tipo de

enfrentamento. É uma arte do ataque e contra-ataque que se distingue do

diálogo. 65

O apreço

que Hitler demonstrou às ideias evolucionistas não foi acaso, diz ele. O

darwinismo

é um esforço para camuflar a ideologia genocida que está embutida na própria lógica interna da teoria da evolução. Quando os apologistas do cientista britânico admitem a contragosto que a evolução ’foi usada’ para legitimar o racismo e os assassinatos em massa, eles o fazem com monstruosa hipocrisia. O darwinismo é genocida em si mesmo, desde a sua própria raiz. Ele não teve de ser deformado por discípulos infiéis para tornar-se algo que não era.

Passagens de Darwin como a que segue é referida pelo polemista

brasileiro para comprovar aquela tese:

Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos (...) serão sem dúvida exterminados. A distância entre o

64 JOHNSON, Phillip E.. Daniel Dennett ’s Dangerous Idea. University of California. 65 Por que não sou um fã de Charles Darwin. Diário do Comércio, 20 de fevereiro de 2009.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

103

homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila.

Diz Darwin ainda: “Olhando o mundo numa data não muito distante, que incontável número de raças inferiores terá sido eliminado pelas raças civilizadas mais altas!”

Para completar, diz Carvalho, há ainda um apelo explícito à liquidação dos

indesejáveis:

Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento (...). Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.

Outra fonte de reação ao darwinismo resiste à capacidade dessa teoria ser

capaz de explicar a qualidade mental do ser humano, em especial a linguagem.

São os casos de Noam Chomsky e Stephen Jay Gold, por exemplo. Há também

círculos de opinião que querem de alguma forma manter viva a necessidade de

um Criador. Para Daniel C. Dennet, autor de Evolution and the Meaning of Life

(1995),

O deus bondoso que amorosamente moldou cada um de nós e salpicou o céu com estrelas brilhantes para nosso encanto – esse deus é um mito da infância, nada em que um adulto de mente sã e sem ilusões possa acreditar literalmente.

Essa polêmica sobre o ”design inteligente” é hoje uma das mais intensas e

envolve um esforço concentrado de instituições, intelectuais e igrejas variadas em

todo o mundo que se articulam contra a militância crescente de ateístas e

agnósticos, muito deles posicionados nos círculos científicos. O Discovery

Institute, um think thank cristão e conservador dos Estados Unidos, criaria a

International Society for Complexity, Information and Design, uma sociedade

JACQUES A. WAINBERG

104

profissional dedicada a tomar parte nessa disputa, criticar o darwinismo e

promover o design inteligente. Também o Center for Science and Culture,

fundado em 1996, faz parte daquele Instituto. Seu objetivo é militar pela inclusão

do criacionismo no currículo das escolas públicas e fazer com que a descrição

bíblica seja uma explicação aceitável da origem da vida e do universo. Em torno

dessa instituição circulam todos os intelectuais envolvidos na luta contra o

darwinismo no país, entre eles, por exemplo, Stehpen Meyer, Phi llip E. Johnson,

Michael Denton, Michael Behe e William Dembski. O objetivo dessa instituição e

desses personagens é, de acordo com a estratégia montada por eles, “derrotar o

materialismo científico e seu legado moral, cultural e político destrutivo”. Segundo

o New York Times, entre 2004 e 2005, os criacionistas promoveram 78

campanhas em 31 estados, gastando mais de um milhão de dólares ao ano.

Oferecem bolsas de estudo e suas atividades incluem também a gravação de

especiais de TV, patrocínio de exposições públicas e a publicação de livros. Em

resposta, seus críticos dizem que não há controvérsia a enfrentar já que o

evolucionismo está consagrado no ambiente científico. Essa disputa é fabricada e

falsa. Acusam aqueles militantes de serem intelectualmente desonestos.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

105

AS IDEIAS PERIGOSAS E O PENSAMENTO _______________________________________________________________________________________

O que é certo é que ”ideias perigosas” sempre estão à espreita para

atormentar. Hoje em dia, são os cientistas que promovem uma revolução sem

precedentes nas crenças habituais. Suas ideias são explosivas e politicamente

incorretas. Despertam o rancor e o ódio de grupos variados. Seus estudos e

visões têm promovido modificações profundas na forma como entendemos a

sociedade, a natureza e o universo. As ”ideias perigosas” são motivo de grande

agitação e especulação também no Edge. Cientistas, autores e pensadores têm

sido estimulados por este site a apresentar suas ideias malditas. Entre as que

surgiram em 2006, por exemplo, está a de que os seres humanos não terão

problemas para se adaptar na utilização de um corpo não humano. Seria uma

questão de tempo antes que a Realidade Virtual ou a Engenharia virtual ou a

Robótica produza algo assim. Irene Pepperber afirma que não há diferença real

entre os humanos e os animais. Os bancos tornar-se-ão irrelevantes no futuro, diz

Douglas Rushkoff. Juan Enriquez afirma que a tecnologia destruirá os Estados

Unidos. Judith Rich Harris polemiza ao afirmar que os pais não têm qualquer

influência na forma como os filhos se tornam adultos. Em breve a manipulação de

genes será tão trivial como manipular os códigos de computador hoje em dia,

afirma Freeman Dyson. As bombas de plutônio podem explodir a qualquer

momento uma vez que não entendemos como funciona esse elemento químico (o

alerta é de Jeremy Bernstein).

Outras provocações são afirmações como “antidepressivos que aumentam

a produção de serotonina (como o Prozac) podem colocar em xeque sentimentos

de amor romântico e podem acabar com o amor materno” (Helen Fisher,

antropóloga da Universidade de Rutgers); “a revelação da base genética da

personalidade criará conflitos sociais” (J. Craig Venter); “o livre-arbítrio está

desaparecendo” (Clay Shirky, da Universidade de Nova York); “o governo é o

problema, não a solução” (Matt Ridley); “a escola faz mal para as crianças – as

deixam tristes e não ensinam muito” (Roger C. Schank, da Universidade Trump);

“se o que você entende por alma é algo imaterial e imortal, que funciona de forma

independente do nosso cérebro, então alma não existe” (Paul Bloom,

JACQUES A. WAINBERG

106

Universidade Yale); “povos tribais também destróem o meio ambiente e travam

guerras” (Jared Diamond, geógrafo, autor de Colapso).

Com esse mesmo espírito de provocar e surpreender, Richard Dawkins

(Universidade de Oxford), diz:

Pergunte às pessoas por que elas apóiam a pena de morte ou longas prisões e as razões normalmente envolverão retribuição. Elas querem matar um criminoso como troco pelos horrores que fez, ou para dar "satisfação" às vítimas do crime. Mas retribuição como princípio moral é incompatível com a visão científica do comportamento humano. Acreditamos que nossos cérebros – ainda que não funcionem como computadores – são governados pelas leis da física. E, quando um computador não funciona, não o punimos: o consertamos. Será que um assassino não é apenas uma máquina com um componente defeituoso? Ou uma educação defeituosa? Ou genes defeituosos?

A Revista Foreign Policy (edição de setembro/outubro de 2004) provocou

oito intelectuais de renome a proporem as ideias mais perigosas e destrutivas que

a humanidade está condenada a enfrentar nos próximos anos. Francis Fukuyama,

por exemplo, chamou a atenção para a revolução na biotecnologia. Como

decorrência da mesma poderia surgir em breve o transhumanismo, uma

modificação grave e profunda em nossos corpos e cérebros.

“Nossas boas características estão intimamente conectadas com as más: se não fossemos violentos e agressivos, não seríamos capazes de nos defender; se não tivessemos sentimentos de exclusividade, não seríamos leais aos que estão próximos de nós; se não sentíssemos ciúmes, também, não sentiríamos amor” diz ele.

Cabe explicar que essa tendência ao pós-humanismo, ou humanismo

transitório (transhumanismo), é hoje um movimento intelectual e cultural que visa

ampliar a capacidade física e mental das pessoas. A bioteconologia e outras

tecnologias emergentes como a nanotecnologia, a biotecnologia, a tecnologia da

informação, a ciência cognitiva, a realidade virtual, a inteligência artificial, a

superinteligência e a criônica serviriam a este propósito. Tal corrente futurista está

hoje bem estabelecida na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Ela crê que

será possível transformar o ser humano em algo maior, mas que a nova criação

respeitará a liberdade morfológica e a liberdade dos seres. Espera-se que o

desempenho prático desse novo ser humano seja de grau superior ao atual. Foca

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

107

sua atenção no corpo individual, visando melhorar sua qualidade de vida. Alguns,

como o teórico Raymond Kurzweil, acreditam que haverá nos próximos 50 anos

uma mudança real na natureza humana. Os perigos que cercam essa nova

tendência de ”se brincar de Deus” provocaram uma série de tendências, entre

elas a abolicionista (uma ideologia que visa aplicar as novas tecnologias para

aliviar o sofrimento humano), o transhumanismo democrático, o extropianismo

(defende uma postura pró-ativa sobre a evolução humana); o imortalismo (uma

ideologia baseada na fé que a imortalidade tecnológica é possível e desejável), o

transhumanismo libertário (conjuga libertarianismo e transhumanismo), o pós-

gênero (deseja eliminar a diferenciação entre homem e mulher através da

aplicação de avanços da biotecnologia e tecnologias reprodutivas), o

singularitarianismo (ideologia moral baseada na crença de que a singularidade

tecnológica é possível), e o tecnogainismo (uma ideologia ecológica sobre o

poder que as tecnologias têm de restaurar o ambiente). Esse tipo de provocação

do Edge continuou em 2009 com a pergunta feita a 151 cientistas: ”O que

modificará tudo? Que ideias científicas e desenvolvimento você espera viver para

ver?”. (Anexo 6)

O livro Grandes Idéias Perigosas apresenta uma boa coleção desse tipo de

profecias e alertas. Geralmente elas vêm sob a forma de perguntas. Por exemplo,

Steven Pinker questiona: “terão os homens aptidões e emoções diferentes das

mulheres?” (SIM); “os acontecimentos descritos na Bíblia são fictícios?” (SIM); “as

vítimas de estupro sofrem conseqüências por toda a vida?” (NÃO); “os homens

têm uma tendência ao estupro” (NÃO); “o estupro cairá quando a prostituição for

legalizada?” (SIM); “a sociedade teria mais benefícios se a heroína e a cocaína

forem legalizadas?” (SIM); “as pessoas religiosas mataram mais pessoas que os

nazistas?” (SIM); “mais pessoas seriam salvas se um livre mercado de comércio

fosse implantado para órgãos a serem transplantados?” (SIM) “as pessoas

deveriam ter o direito de se clonar e melhorar as características genéticas dos

seus filhos?” (SIM).

Saber perguntar parece ser um mérito e um atributo de polemistas

vocacionados ao embate erístico e aos cientistas dispostos a abalar crenças com

ideias ”tóxicas”. É a pergunta que anima qualquer tipo de investigação, seja ela

jornalística, acadêmica, médica, policial ou científica. A vocação de todas é a

JACQUES A. WAINBERG

108

mesma. Para que se cumpra sua missão não cabe a pergunta retórica e

protocolar. A que se impõe nesses casos é a que permite acesso à informação

relevante, o primeiro e decisivo degrau rumo ao conhecimento. Os demais

estágios do pensamento, a compreensão, a aplicação, a análise, a síntese e a

avaliação derivam dessa decisiva fase que está na base do pensamento.

Quem não pergunta não conhece, não pensa e não sofre. Quem não sabe

perguntar não descobre. Essa propriedade, é bom reconhecer, é de poucos. A

maior parte pensa como ”empilhador”. Põe dado recém coletado sobre dado já

arquivado e tenta com dificuldade fazer sentido dos mesmos. Com frequência,

apela a intérpretes e provedores de pistas. É uma minoria que pensa como

”cartógrafo”, capaz de descobrir novos mundos e de criar novos mapas mentais

para orientar as pessoas a trilharem novos caminhos, chegando muito

provavelmente onde outros nunca estiveram antes. É uma jornada perigosa que a

maioria das pessoas tenta evitar.

Outra tendência natural é evitar também de pronunciar a opinião dissidente

quando os indivíduos percebem que estão em minoria. Por isso, no conflito entre

a fala e o silêncio, o que é sufocado leva por vezes uma centena de anos para

mover a balança da opinião pública a seu favor. As pessoas tendem a se proteger

na zona de conforto. O desconforto acaba surgindo na voz desses personagens

todos, e dependendo do vigor do novo discurso a fé pública na tradição acaba aos

poucos combalida. E até que a maioria se torne minoria muito embate, e com

frequência, muito sangue corre solto nas páginas dos jornais.

Como é comum em muitas organizações, em muitas universidades e na

sociedade em geral, os servis concordinos parecem avançar mais facilmente e

rapidamente nas carreiras. Encorajar a dúvida e ensinar a perguntar é missão

escolar e educativa com frequência traída. Eterniza-se em muitos desses

ambientes concorridos não só a polidez, mas o hábito. Aprende-se por fim a dizer

o que todos querem ouvir. Predomina o wishful thinking.

A boa investigação demanda outra coisa. A dúvida fertiliza a mente. Ela

provoca as boas perguntas. Traz a novidade a tona. A boa dúvida é construtiva e

está animada pelo encanto de uma nova verdade. As mentes duras e as

personalidades rígidas e inflexíveis acusam incomodadas essas mentes inquietas

de serem desleais, infiéis, destrutivas e hostis.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

109

Exemplos de pensamentos: a diferença entre absorver e aprender

MEMORIZA R E ABSORVER APRENDER, GERA R E PRODUZIR

1. Arquivar 1. Julgar 2. Calcular 2. Suspeitar

3. Incorporar 3. Desafiar 4. Condensar 4. Persuadir 5. Abstrair 5. Rejeitar

6. Memorizar 6. Destruir

7. Compreender 7. Descobrir 8. Revelar 9. Teorizar

10. Generalizar 11. Planejar 12. Prever 13. Criar

14. Adaptar 15. Inventar

Fonte: MCKENZIE, Jaime. Learning to Question to Wonder to Learn.

Em suma, o medo as ideias ”tóxicas” pode ser comprensível, mas não é

aceitável, segundo Steven Pinker, professor de psicologia da Universidade de

Harvard. Por isso “a luz do sol é o melhor desinfetante”. Esta declaração proferida

pelo juiz norte-americano Louis Brandeis (1856-1941) numa de suas sentenças,

envolvendo um caso sobre liberdade de expressão e pensamento é referida por

Pinker em sua argumentação contra a intimidação intelectual que os inovadores

sofrem. Afinal, a ciência não leva e não pode levar em consideração se e que

sentimentos são feridos. Por vocação, ela é fonte de heresia. E graças à internet

os heréticos têm hoje mais condições de se encontrarem, fortalecerem,

solidarizarem e apoiarem.

Eles foram combatidos no passado e são perseguidos na atualidade

porque as pessoas ”comuns” temem pelas consequências da sua pregação.

Pinker admite que o tabu é inaceitável no esforço que se faz para descobrir como

o mundo funciona e como se governa um país. “É difícil imaginar algum aspecto

da vida pública onde a ignorância e a enganação sejam melhores que a

consciência à verdade, mesmo que não prazeirosa”. Somente crianças envolvem-

se em ”pensamento mágico”, diz ele.66

66 Ver In Defense of Dangerous Ideas. 15 de julho de 2007.

JACQUES A. WAINBERG

110

A CANTORIA DOS SABIÁS E DOS ROUXINÓIS NOS PAMPAS _______________________________________________________________________________________

Como exposto, a polêmica é um fenômeno complexo de conversação.

Entre todos os seus tipos, a que ocorre através da mídia tem especial relevância

política e social. É por vocação um mecanismo público de ponderação. Os

debatedores funcionam como provedores de pistas e intérpretes da realidade à

população. Para muitos telespectadores e ouvintes essas vozes são as mais

influentes na formulação de uma visão de mundo e na consolidação de uma

opinião. Por isso, cabe salientar o fato de que toda sociedade tem sempre um

estoque de vozes à sua disposição. Vozes em posição stand by e a um braço dos

microfones para entrar em ação. Como recusamos acima a imagem do papagaio

para descrever essa gente propomos outras aves nessa catagolação. Operam

como os sabiás. O canto que lhes sai da boca se parece a de uma flauta doce. É

um canto sem cortes, agradável, nem muito alto, nem muito baixo. O timbre é

constante e inspirador. Mesmo com toda sua agitação, muitos querem tê-lo por

perto. Gostam de ouvir o seu vozeio e o cantarolar dos seus versos. Quando

choca algum ovo, fase em que a libido está em alta, quase não canta. Quando

regurgita alguma prosa, ela nos chega embalada. Em volume baixo, é raiva. Num

tilintar como o das castanholas é provocação. Em volume alto, é discurso

desafiador. Quando mia quer seduzir.

O levantamento dessas vozes em confronto nos programas de debate mais

expressivos na mídia de uma determinada comunidade num período de tempo

permite que se tenha ideia do perfil desses debatedores e dos temas em

discussão. Esse tipo de cadastro esclarece quem fala, com que frequência e

porque razão. Logo fica claro que em todo lugar há sempre um limite a esse

estoque de discursos predispostos à pregação. Percebe-se também que quem

fala tende a falar periodicamente, em inúmeros lugares, ao longo do tempo e por

muito tempo sobre tópicos variados, além dos que envolvem sua especialidade de

origem e vocação. Sua exposição cumulativa à mídia acaba lhe conferindo

reputação. Isso ajuda a dar a essa gente certa aura e por decorrência produz

veneração. São vozes que querem falar, mas que aprenderam a esperar. De

tempos em tempos, por necessidade mesma da programação, a mídia os incita à

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

111

confrontação. Provocadas, elas saem então da toca e passam a tagalerar. São

vozes que contam um conto. Vozes que são dispostas ao consumo e que gozam

desse especial privilégio de também cantar um canto. São vozes por vezes

ambíguas por serem muito precavidas. Algumas são vozes didáticas. Outras são

teatrais, eventualmente coléricas. Não são vozes inocentes. Para melhor cantoria,

aprenderam a se posicionar nos arbustos mais altos. Levantam bandeiras,

provocam conflitos, evitam a negociação, eternizam a ruminação só para

continuar a falar. Noutras oportunidades buscam ”sarna para se coçar”. Assim,

tornam-se porta-vozes e dizem o que todos pensam, mas temem afirmar. Nem

sempre falam o que têm a dizer para convencer. Preferem irritar, discordar,

retrucar. Visam, sobretudo, eternizar o embate, e assim a própria voz, e o

interesse dos veículos de comunicação no seu discursar. Há certamente, vozes

bem intencionadas, que desejam também elucidar. Ao produzir o seu coquetel

diário de vozes os programas de debate escolhem assim uma variedade de sons.

Vozes carismáticas. Vozes cínicas. Vozes bem humoradas. Vozes cheias de

pompa e autoridade. A arte, a boa arte da mídia é saber misturar.

O exame empírico de tal cantoria permite observar que lá no meio dos

sabiás estão cheios de prosas outros pássaros, os rouxinóis da mídia. São

cantores ainda mais notáveis. São conhecidos pela pureza de suas notas e pela

variedade de suas melodias. Têm um extenso repertório, com trinados fluidos

terminando em crescendo. Ficam muito no solo, observando e buscando

alimento. Adoram engolir em especial os insetos. Perambulam muito. Estão na

Europa. Foram vistos na África tropical. No verão migram à Ásia Menor.

Frequentam lugares estranhos: charnecas, matas e bosques. O rouxinol é um

cosmopolita. Seu ninho, no entanto, é montado sempre no mesmo lugar.

Perambula, mas sabe de onde veio e para onde deve voltar. Esse grupo, o dos

rouxinóis, é formado por número restrito de debatedores.

Por alguma razão é provocado numa frequência superior a dos sabiás da

mídia. A verdade é que tanto entre os sabiás como entre os rouxinóis há vozes

que falam sem parar. Há também vozes que costumavam assobiar, mas que de

repente, sem se saber bem porque, calam sem esperar. Há vozes que hibernam

para se pronunciar. Na sociedade, há também outras vozes que cantam e das

quais nunca se ouve falar. Há vozes fóbicas, que têm medo de se expressar. Há

JACQUES A. WAINBERG

112

vozes pernósticas que só dizem o que tem a dizer com muito floreio e jinga de

corpo nas salas de estar.

Há vozes que só falam aos sussurros, queixosas. Há vozes que fazem um

jogo de esconde-esconde, como crianças a brincar. Há vozes rimadas, vozes

mimadas e agitadas, vozes que se escondem na ficção e na imaginação. Vozes

que só falam por via indireta, por metáforas, através de personagens, alguma

trama e à prestação. Para elas a realidade é a fantasia. Na verdade, são vozes

que vivem no mundo da lua. Para dizer às claras o que pensam demoram um

tempão. Até lá fica esse jogo de faz de conta a exigir muita interpretação e

concentração.

Debatedor x polemista etc.

Exemplo de aplicação dessa metodologia é o cadastro realizado pelo autor

de todas as vozes convocadas, em 2008, por dois programas de debates da

mídia eletrônica de Porto Alegre.

O estoque de vozes no mercado de Porto Alegre. Polêmica e Conversas Cruzadas. 2008

Número de edições do programa

Polêmica da Rádio Gaúcha

em 2008

Número de Vozes que falaram no

Programa Polêmica da Rádio Gaúcha

em 2008

Número de debatedores que

falaram no Programa Polêmica da Rádio Gaúcha

em 2008

Número de edições do

programa CC da TV Com em

2008

Número de Vozes que falaram no

Programa CC da TV Com em

2008 1. 2. 3. 4. 5.

249 980 636 286 902

Média de vozes/ Programa Polêmica

Média de debatedor-

Programa Polêmica

Média de Vozes/ CC

Média de debatedor/

Programa CC

Número de debatedores

que participaram

em mais de um debate

10. (2/1) 11. (3/1) 12. (5/4) 13. (6/4) 14.

4 2,5 3,0 2 1128 Número de Vozes que falaram no

Programa CC da TV Com em

2008

Número de debatedores que

falaram no Programa CC da TV

Com em 2008

Total de programas Total de vozes Total de

debatedores

5. 6. 7 (1+4) 8.(2+5) 9 (3+6) 902 572 535 1882 1208

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

113

Número de debatedores que participaram em

mais de um debate

Média geral de debatedor repetido

por programa

Número de debatedores com participação nos dois programas

Média geral de debatedor por

programa

14. 15. (14/7) 16. 17. (9/7) 1128 2,1 62 2,25

Os sabiás da mídia – Porto Alegre. 2008.

Tipos de debatedores

Os mais frequentes: número de

participações no Polêmica

Os mais frequentes: número de

participações no CC Total Ranking

Professor/Acadêmico 113 80 193 2º.

Parlamentar 110 186 296 1º.

Advogado 91 70 161 4º.

Func. Público 63 122 185 3º.

ONG/Associação 57 53 110 5º.

Jornalista 52 15 67 10º.

Médico 52 18 70 9º.

Cientista Político 42 5 47 11º.

Economista 41 66 107 6º.

Sindicalista 40 60 100 7º.

Juiz 32 39 71 8º.

Psicólogo 30 12 42 14º.

Psiquiatra 29 7 38 15º.

Militante 25 21 46 12º.

Policial 24 20 44 13º.

Militar 20 15 35 15º.

Promotor 12 20 32 16º.

Procurador 8 14 22 17º. Fonte: FP em Espanhol / Obs: Criadores (Autores e Artistas)

Observa-se que essa espécie de ave que canta e assobia muito na mídia é

fenômeno mundial. No exame comparado entre esse vozerio dos pampas e os

dos intelectuais mais influentes no mundo parecem estar representados, entre

outros, principalmente, os cientistas políticos, os economistas, os filósofosos,

ativistas/militantes e os jornalistas. O que faltou na lista gaúcha são os cientistas.

Sua influência parece ser menor que a observada no cenário internacional.

JACQUES A. WAINBERG

114

100 Mais influentes em 2008

02468

1012141618

C.Polí

tico

Econom

.

Filóso

fo

Cientista

Jorna

lista

Criado

res

Historia

dor

Ativist

a

Religios

o

Ecologis

ta

Série1

A Origem dos 100 Mais Influentes

05

10152025303540

A.Nort

e

Europa

Ásia

O.Méd

io

A.Latina

África

S.Asiátic

o

Série1

Fonte: FP em Espanhol. 2008.

Um total de 1.882 vozes de 1.208 debatedores foi listado nas 535 edições

do “Polêmica” da Rádio Gaúcha e ”Conversas Cruzadas” da TVCom. Ou seja,

uma média de 2,25 debatedores por programa. É fácil entender que o número de

vozes superou o número de debatedores, porque 1.128 debatedores participaram

mais de uma vez nos debates ao longo do ano. Um total de 62 debatedores

frequentaram ambos os programas. É verdade que outros programas similares

existem noutras estações de TV e rádio de Porto Alegre. Também é verdade que

estes números (1.208 debatedores) não incluem fontes exclusivas de outras

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

115

emissoras. De qualquer forma, considerando a importância jornalística do

”Polêmica” e ”Conversas Cruzadas”, sua periodicidade diária, sua sólida

audiência, afirmamos que esse total é relevante e serve como banco de dados

confiável ao fim de se avaliar as principais características desses protagonistas da

controvérsia naquela cidade.

Portanto, os dados coletados revelam que: (1) entre as mais frequentes

vozes presentes nesse tipo de debate na mídia gaúcha estão a dos

parlamentares (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e muito

raramente senadores), a dos professores (principalmente acadêmicos), a dos

funcionários públicos (geralmente representantes de todos os níveis e órgãos do

poder executivo), a dos advogados e a dos representantes de associações e

órgãos de classe. Por terem preferências editoriais distintas o recrutamento das

vozes pelos dois programas também se distingue. Geralmente quem fala num

programa não fala no noutro. Geralmente quem fala o faz mais de uma vez ao

longo do tempo (somente 80 não participaram em mais de um programa).

Somente uma minoria, cerca de 5% (62 debatedores) participou dos dois

programas. Ou seja, as vozes escolhidas constituem uma espécie de acervo

intelectual acionado pela produção. São vozes mobilizadas em rotação.

O que se vê também é que a pauta que os mobiliza gira principalmente em

torno de temas ligados aos atos de governo, às crises sociais, econômicas e

políticas e aos dilemas existenciais do cotidiano das pessoas como educação,

amor, segurança e comunicação.

Os parlamentares e os advogados são os que mais se parecem com os

polemistas. Acima de tudo, desejam a vitória nos embates. Os professores

carimbados pelos amuletos de prestígio de suas cátedras e universidades batem

o ponto com alguma pose de saber e pompa. Aparentam ser intelectuais

persuasivos, alguns exibidos, dispostos a troca de farpas embora sob o disfarce

da lógica e da razão. Os funcionários públicos são os mais angustiados. Tem a

dura tarefa de justificar, defender, levar trombadas de todos que têm queixas e

lamúrias a cultivar. Por fim, é a vez dos representantes de classe. A missão desse

personagem é a ruminação. Queixam-se exigindo reparação.

Esse tipo de palco tem muitas outras atrações. O cardápio completo tem

outros pratos além da política, sindicatos, leis e constituição. Entre eles estão o

JACQUES A. WAINBERG

116

medo à insegurança e a catarse da corrupção. Na sobremesa surge a política e

tudo que diga respeito à saúde e ao corpo são. Ou seja, em boa medida as

controvérsias mediadas por rádio e televisão são um tipo de embate destinado a

formar cidadãos. Como dito, o cardápio é variado o que facilita a digestão. No

entanto, a presença deste trio – segurança, escândalo e política – parece fazer

parte de boa parte da transmissão (Anexo 7).

Percebe-se que (2) na ”gaiola” em que estão reunidos os rouxinóis da

mídia (anexo 8) há cantores com timbres variados. Fazem parte dessa nobre

estirpe os representantes de oito categorias de personagens: os economistas, os

cientistas políticos, os professores, os psiquiatras, os parlamentares, os

militantes, os advogados e os policiais militares. O que distingue os indivíduos

desse grupo varia. Alguns são virtuosos da boa retórica. Outros funcionam como

símbolos. Ou seja, representam algo além deles próprios. Os acadêmicos tentam

dar um tom sóbrio aos embates. Já os militantes, os advogados e os

parlamentares são ”galos de rinha”. Do outro lado do picadeiro estão os

psiquiatras a balancearem em voz pausada esse tipo de apetite por luta e algum

sangue.

Dois personagens posicionados em primeiro lugar entre os rouxinóis são

acadêmicos de boa prosa. Quando solicitados demonstram sabedoria. Falam com

calma sem afetação. Têm aparência de bonachão. Em seus discursos, parece

imperar sempre o cálculo frio da boa argumentação. O que lhes acompanha o

passo nessa posição de liderança é personalidade distinta, representa e simboliza

claramente uma facção. Por isso, é provocado a fazer o contraste, iniciar a

labareda e alguma confusão. Já o número dois é chamado assim porque quando

fala representa um povo e uma multidão. Seu verso é ideológico, claro e cristão.

O outro é duro no jargão. O Militar, representa uma instituição. O número três, o

advogado, é craque da polêmica. Diz o que diz com senso de humor, mesmo não

agradando os companheiros de partido que estão de plantão. Dá a impressão de

ser honesto e sincero, qualidades muito úteis à persuasão. São algumas

características que podem eventualmente explicar porque esses personagens são

os preferidos pela produção.

O temário exclui uma ampla agenda de tópicos que poderia acolher mais

facilmente o ‘intelectual público’ ausente nesse tipo de transmissão. Como se

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

117

sabe, esse tipo de gente está menos interessada na pequenez do dia a dia e mais

focada nas tendências, na memória, no futuro, na ciência, nos sonhos e fantasias.

Nesse cardápio diário de controvérsias provocadas há até mesmo esporte, mas

muito pouco de arte, literatura, ciência, biografia e antropologia. Esse tipo de

temário encontrou um restrito refúgio nas emissoras educativas. Mas nada que se

compare ao gosto pelo desgosto da mídia massiva.

Tipologia das vozes

Tipos de vozes Características Atores Est ilos de Vozes

1. Institucional

Representa figura jurídica, sela ele o

governo ou sindicatos. Engaja-se no debate

para explicar seus atos, justificar ações fazer e responder às críticas.

Representantes de instituições políticas e/ou representativas que se enfrentam no cenário

público.

Carismática

2. Militante

Representa parte interessada.

Usualmente se queixa e rumina. Exige

reparação. O discurso é em boa medida

emocional.

Representantes de ONGs, associações, independentes

ideologicamente comprometidos, parlamentares e advogados.

Intelectuais engajados.

Humorada

Crítica

3. Independente

Mantém equidistância das partes envolvidas

na celeuma. Faz o papel crítico. Analisa

friamente o dilema. Sua postura aparenta ser racional. Seu prestígio

provém de sua expertise.

Os acadêmicos com frequência buscam esse espaço do analista. Mas outros personagens podem

igualmente exercê-lo.

Sarcástica

Afetiva

4. Simbólica

Esse atributo parece estar presente e bem

distribuído em todas as categorias anteriores.

Ou seja, todo debatedor deve

representar algo além dele próprio. Por vezes há vozes convocadas

por terem esse atributo mais forte.

Títulos acadêmicos, história de vida, e honrarias ajudam dar credibilidade ao orador. São atributos de prestígio. Mas o

importante é que seu discurso remeta a audiência para algo

maior e mais importante do que sua figura particular. Quanto

mais dotado for o orador desta virtude mais apelo terá sua figura

à participação nesse tipo de programação.

Provocadora

Diplomática

Humilde

JACQUES A. WAINBERG

118

Cabe afirmar, por fim, que o polemismo é a circunstância do maldito que

vive sempre à beira dos desfiladeiros. Ora nele cai. Ora dele se recupera. Mas é

ali, sempre à disposição do desastre, que se anima e encontra o que de melhor

tem de si para dar ao público.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

119

CONCLUSÃO E DISCUSSÃO _______________________________________________________________________________________

No cerne de tudo há sempre um tema sobre o qual os polemistas pensam

que vale a pena sustentar um confronto. Por ser um embate aberto a controvérsia

acaba adquirindo uma relevância política e social. Diferencia-se daquele outro tipo

de desassosego, a conversa intimista em que o caloroso diálogo é intrapessoal.

Na meditação inaudível o indivíduo pondera e sofre.

Mas ao sair da toca, ao aparecer à vista, esse personagem adquire uma

aparência nada discreta. Acusa o opositor e defende suas ideias num jogo

usualmente referido como estratégico. Justifica, apresenta provas, dá exemplos,

faz analogias, discorda, objeta, critica, ironiza e espera em posição de defesa o

revide do adversário. Envolve-se na ponderação sobre a resolução de dilemas

que por natureza são complexos. O debate traz a tona tópicos entrelaçados e

divergências polarizadas. Desde uma perspectiva otimista, esse tipo de

interlocução não deixa de ser uma conversação. É verdade que é uma troca de

ideias atormentada, movida à paixão e pelo gosto nem sempre sereno de se

vencer e superar o adversário a qualquer custo. As discussões, as controvérsias e

as disputas são fenômenos de aparência universal. Não se pode fugir a essa

circunstância vital e humana da discórdia, sempre presente em nossas vidas. Em

algumas culturas ela existe, mas é constrangida. Quando aparece, vem tímida e

pálida. Seu aparecimento no meio social provoca medo e apreensão. Temem

todos que possa provocar a deserção e a desagregação. Noutros ambientes,

mais coléricos, o choque é explícito. Nas nossas sociedades massivas a polêmica

e os polemistas estão presentes na mídia, nos tribunais, nas salas de aula, nos

parlamentos, nos colóquios científicos, nos artigos dos articulistas, nos ensaios

filosóficos e agora, principalmente, também nos sites e na blogosfera.

Aparentemente, é isso o que as pessoas querem. Precisam consumir palavras.

Desejam poder fazer sentido dos fatos e das ocorrências que estão à volta. E se

nutrem com frequência dessas vozes que falam sem cessar. Com frequência,

lhes impressiona também a aparência, a petulância, a soberba e o verbo

frequentemente ríspido de tais línguas ferinas – isso quando elas não se curvam

JACQUES A. WAINBERG

120

envergonhadas no silêncio obsequioso ou amedrontadas pela ameaça da

perseguição, da abominação e do exílio.

Portanto, cabe ressaltar, que a distância entre o pilpul (a interpretação) e o

bilbul (a confusão de ideias) é pequena. Basta observar que qualquer diferença

de forma (como a existente entre P e B) é capaz de gerar a controvérsia. Basta

uma sutil alteração de sonoridade (como entre [P] e [B]) para que a labareda se

forme. Talvez esse caos potencial seja o que atraia ao ringue midiático os

polemistas, os gladiadores da palavra. O que eles gostam mesmo, o que os

anima, é o embate. O que os provoca é o dilema. O que essa gente parece fazer

melhor é trocar farpas. A existência de uma corrente de pensamento origina de

imediato o aparecimento de outra, no outro lado da barricada. E logo se formam

as seitas de seguidores e as cátedras como que cultos a obras e autores. Nesses

ambientes de compadrio, o polemista com frequência atua caridoso com os

companheiros que lhe bajulam o verbo e violento com os que lhe desafiam a

estampa.

Sua presença no palco social tem efeito paradoxal. Por vezes, anima a

conversação comunal. Desafia verdades estabelecidas. Rompe com o trivial.

Noutras, faz de tudo para eternizar embates que clamam por solução. Sua voz

antes bem-vinda torna-se rabugenta. Nesse caso mais pernicioso, seu discurso

desmoraliza os esforços de pacificação. O que explica porque o intelectual é ao

mesmo tempo venerado e odiado.

Hoje em dia esse ”homem de letras”, originário da tradição renascentista,

parece mesmo fadado a dar lugar ou juntar-se numa coabitação pouco

confortável ao cientista. As ”ideias perigosas” e ”tóxicas” parecem se originar

agora com mais intensidade nos silenciosos laboratórios de pesquisa do que nos

exercícios diletantes da pura retórica erística.

Como exposto, a voz do polemista é pronunciada também sob disfarces

variados. Nas cartas-testamento, nas notas de imprensa, nos debates públicos

televisionados e nos discursos frente às multidões sua verbe parece evocar uma

mensagem que se propõe à eternidade. Há nela sempre um tom profético, não

raro épico. Noutras oportunidades mais modestas trata de contestar o dito e o

repetido. Rompe com o senso comum e com a linguagem polida.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

121

Ameaçado pela tradição, o polemista busca refúgios, espaços de

sobrevivência. Os mais tradicionais, que ainda cultuam a imagem dos livre-

pensadores do passado, se irritam com esse esforço dos novos rebentos da

oratória grandiloquente de buscar na universidade guarida e conforto. Ficam

bravas porque, na verdade, essas personalidades, hoje eméritas em muitas

oportunidades do passado, tiveram elas próprias que pedir talvez constrangidos o

carinho e o patronato de alguma alma caridosa.

Na imprensa são eventualmente bem-vindos embora temidos. Esse tipo de

jornalismo polemista é subproduto do articulismo. O que se observa é que com

sua presença a circulação e audiência aumentam na proporção direta da raiva e

do amor que esses debatedores envolvidos em controvérsias provocam no

público. No entanto, o que predomina é a timidez de muitos veículos no

acolhimento de tais profetas malditos. O polemista não nasceu para aquela linha

de conforto da mesmice. Seu espaço é outro: viverá sempre distante do consenso

e do debate burocrático e enfadonho usual no cotidiano das pessoas. Seu mundo

é o da transgressão dos sentidos.

A polêmica pública estimulada por esse tipo de personagem não é

fenômeno recente. A panfletagem mostra que houve na história universal e

brasileira, inúmeros confrontos de ideias estimulados por debatedores que se

deleitavam com os embates públicos. A erística, por sua vez, revela que ocorreu

no alvorecer da história ocidental uma ruptura profunda entre a filosofia

mobilizada pela razão e a retórica persuasiva que movida à paixão caracteriza a

guerra de nervos dos propagandistas, as operações psicológicas dos exércitos

em combate, e a guerra de ideias levada a cabo por intelectuais armados com

sonhos, ideias, visões e palavras, muitas palavras. Hoje em dia sabe-se também

que é um traço das democracias a defesa desses dissidentes e a proteção de

suas opiniões por vezes minoritárias. Apesar de doloroso e difícil de suportar, as

democracias aprenderam a lição de que a verdade é fruto do choque entre

narrativas dominantes e periféricas.

A polêmica vive esparramada em vários recantos. Na ficção televisiva e

cinematográfica, nos programas jornalísticos de debate, na produção fonográfica,

na boca de personagens irônicos e debochados que desafiam os costumes. Ela

varia de cultura a cultura. Em algumas é dura e inflamada. Noutras a emoção

JACQUES A. WAINBERG

122

arrebatada é contida e aprisionada. Este estudo mostrou que entre tantos tipos de

polemistas há um em especial cujo atributo intelectual é demandado. Combina

uma obra de fôlego com sua capacidade e desejo de influenciar o destino

comunitário. Aparentemente, o ”intelectual público” está em todos os lugares, no

ocidente e no oriente, e não raro, coagido, foge em direção às sociedades livres

de onde, protegido, continua a disparar seus petardos retóricos contra seus

opositores, por vezes inimigos.

Nesse tipo de discurso há de tudo um pouco: sátira, ironia, sarcasmo e

humor. O polemista com esse tipo de coquetel retórico e politicamente incorreto e

indisciplinado cumpre um papel que cabe ao diabo. Atormenta a sociedade ora

com ideias brilhantes, ora com alucinações inconsequentes. Foi dito e é agora

repetido que os polemistas tornam-se por vocação celebridades da mídia. Ao

contrário dos autores da era tipográfica, acostumados ao silêncio das bibliotecas

e a sisudez de maçantes e por vezes incompreensíveis compêndios, os de agora,

os deste tempo eletrônico, assumiram um papel menos austero e mais disponível

às massas. Servem-lhes como conselheiros e intérpretes da realidade. Como

exposto, há quem não goste do rebaixamento vocabular a que se submetem para

se comunicar. No entanto, é da adequação de seu verbo às audiências

superficialmente educadas que depende esse seu papel de guia e pároco das

sociedades secularizadas.

A luta entre o velho e o novo encontra assim esse mediador e interlocutor.

O fato de sofrer o ostracismo, a perseguição, a abominação, o exílio e

eventualmente a morte por pensar e dizer o impensável é preço a pagar em

certos ambientes por deflagrar uma luta incerta por corações e mentes. Até que

vença e faça sucumbir seu opositor entricheirado na tradição, no senso comum e

nas verdades incontestáveis terá que suportar estoicamente a desconfiança

pública.

Ao desafiar o senso comum, o polemista faz surgir o novo. Mas o novo não

surge nunca facilmente. Muitos o temem pelo efeito devastador que pode causar

nos equilíbrios existentes. Tal dinâmica pode ser observada nos comportamentos

humanos, nas opiniões expressas sobre temas públicos, nos hábitos cotidianos, e

na ruminação psicológica que impede as pessoas verem os velhos problemas de

um novo jeito. O polemista tem a coragem que falta à maioria dos indivíduos. Na

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

123

verdade, a torcida vibra em seu favor por expressar o que essa parcela da opinião

pública sente, mas evita pronunciar. Esconde-se atrás de sua verbe, como que

entrincheirada num si lêncio sepulcral. E há certo gozo nesse desfrute da

petulância de se dizer o indizível. Como paladino do não dito, mas existente,

desafia o establishment. Esse efeito é surpreendente. Há uma ousadia que

encontra ouvidos desconfiados, de mentes que abominam o jogo de forças que

nas sombras empurram a história de um lado para o outro. O polemista educa,

pois estimula o embate. Acorda mentes adormecidas como que narcotizadas pelo

que é usual. Ele está presente nas disputas teológicas, nas controvérsias

científicas, políticas, literárias, culturais e sociais.

Afinal, é a diferença sempre que é percebida. É o estranho que faz os

olhos ver por vezes o que estava já a nossa disposição, mas era desconsiderado.

A sociedade da informação não assegura esse efeito mágico do encantamento

que o entendimento dos fenômenos e processos produz. Como exegeta, sua

ação tem também efeito terapêutico. Com frequência o polemista também irrita.

Desafia e desacomoda com a inquietude o padrão moral estabelecido pela

tradição. Em boa medida, como todo intelectual é um atormentado. Os genuínos

pensadores estão em sofrimento. A busca da cura os leva a problematizar os

dilemas visando à resolução dos impasses humanos. Nesse sentido, a obra, o

discurso, o que sai da alma desses personagens expressa a luta que sustentam

contra os fantasmas que habitam seus espíritos.

JACQUES A. WAINBERG

124

ANEXOS _______________________________________________________________________________________

ANEXO 1

O MANIFESTO PC Saul Jerushalmy & Rens Zbignieuw X. “Para forjar um acordo cósmico sobre uma unidade e harmonia sem precedentes, o Movimento do Politicamente Correto exige que todas as pessoas, a despeito de suas condições sociais, aceitem a incipiente ordem mundial que oferecerá felicidade e alegria ilimitada. Dammit.” Prof. Dr. Skipyy “Houng Lau” Whitmore Berkeley CA, 1965 O que é PC? PC significa Politicamente Correto. Nós, da filosofia Politicamente Correto, acreditamos na tolerância crescente para uma diversidade de culturas, raças, gêneros, ideologias e estilos de vida alternativos. O Politicamente Correto é a única perspectiva social e moral aceitável. Quem discordar dessa filosofia é um fanático, preconceituoso, sexista, e/ou conservador. Por que eu deveria ser PC? Ser PC é legal. O PCismo é não só uma atitude, é um estilo de vida! PC oferece a satisfação de saber que você está combatendo as maldades sociais de séculos de opressão. Sou um homem branco. Ainda assim posso ser PC? Certamente. Na verdade, a maior parte da vanguarda do grande destino PC são homens brancos. Mas lembre, como homem branco, você deve sempre sentir-se culpado. Por quê? Se você é um homem branco, seus ancestrais foram responsáveis por praticamente todas as injustiças do mundo: escravidão, guerra, genocídio e os xales dos casacos esportivos. Isso significa que você é parcialmente responsável por estas atrocidades. Agora é tempo de equilibrar as balanças da justiça para os descendentes daqueles indivíduos cujos ancestrais seus ancestrais oprimiram. Como ? É simples. Você tem que ser cuidadoso com o que diz, com o que pensa, e com o que faz. Você não quer ofender a quem quer que seja. Você quer dizer que devo evitar ofender alguém? Exato. Ser ofensivo é destrutivo, e não tornará o mundo uma Utopia harmoniosa, como em Imagine de John Lennon. O que mais posso fazer para ser um PC? Oh, há muitas maneiras. Por exemplo, por que comprar sorvete se você pode comprar algo comestível da Floresta Amazônica? Segregue – opa-opa – separe tudo em diferentes containers: vidro, metal, papel, plástico, etc. Tenha certeza que sua maquiagem não foi testada em animais. Tente encontrar pelo menos 60 maneiras de usar sua água, quando você toma banho, escove os dentes na mesma hora. Então não deixe a água escoar, use-a para irrigar seu gramado. Ou melhor ainda, troque seu gramado por uma horta. Não use aerosol. De jeito algum, não queime ou deforme nossa bandeira. Lembre, como cidadão dos Estados Unidos, você está vivendo no país de Deus. [Na versão brasileira poderíamos sugerir: Lembre-se que Deus é brasileiro.] Se você for suficientemente afortunado em saber sua origem étnica, vista-se de acordo. Não use drogas. Você deve ouvir a pelo menos um dos seguintes músicos PC: U2, REM, Sinead O’Connor, Sting ou k d lang. Assedie as pessoas que usarem casacos com peles de animais. Lembre-se que uma inocente foquinha foi espancada sem misericórdia. Ou simplesmente grite, “FUR!” Eles odeiam este grito. E nunca coma carne. Nunca comer carne? Por que não? Vacas são animais, assim como seres humanos são animais. Isso significa que eles têm direitos. Quando você come carne, você está oprimindo os animais! Então toda matança é ruim?

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

125

Não, não sempre. Às vezes a matança pode ser justificada, como no Golfo Pérsico. Você tem que ser capaz de dizer quando um animal tem direito, e quando não. Como posso saber quando um animal tem direitos? A regra geral é a seguinte: se o animal é raro, bonito, grande, simpático, peludo, doce ou amável, então ele tem direitos. Examine a lista abaixo:

DIREITOS SEM DIREITOS

vacas baratas coelhos mosquitos baleias tubarões

esquilos vermelhos esquilos cinzas corujas madereiros

marinheiros crustáceos

Ufa. O que mais posso fazer para ser um PC? Suba numa árvore. Alegre-se todos os dias por conta de nossas diferenças culturais, já que elas dão sabor a nosso grande país. Tome consciência de sua identidade sexual. Dê uma olhada no seu refrigerador para ver se há vazamento de gás. Assine a National Geographic. Procure nela as tradições culturais e costumes não ocidentais. Depois de lê-la, use o papel como fonte de energia alternativa. Tente vestir roupas com a letra X gravada nelas se elas forem de fibras naturais. Acima de tudo, sempre desafie a autoridade! Espere um pouco, pensei que — Não se preocupe, isso não é importante. Bem, não estou convencido disso. Se você está inseguro sobre sua motivação, basta recordar. Você está certo. É simples. Você, como um guerreiro PC, está certo. Como posso saber quando uma ação é ant i-PC? Boa pergunta. É importante saber quando alguém está dizendo algo inadequado de forma que você possa afastar essa pessoa da sociedade. A orientação é a seguinte: O confronto é entre duas pessoas brancas? Sim: o liberal está certo. Não: o branco está oprimindo o outro. Aqui está um exercício legal para você: Veja quantos artigos de jornal você pode escrever sobre histórias preconceituosas. É legal! Alguns PCistas são tão bons que eles conseguem tornar a previsão do tempo parecer um panfleto da Klu Klux Klan! O que posso fazer se vejo alguém fazer algo que não seja PC? Tudo dependerá da situação. Se você está numa posição de autoridade, trate de imediato de comunicar o fato a seja lá quem for o responsável. Se o líder de sua escola, empregador, ou superior for simpático às tendências dos anos 90, ele ou ela adotará as medidas necessárias contra o agressor. Mas isso não é censura? A Constituição nunca pretendeu que o racismo, o sexismo e a insensibilidade fossem defendidos por alguém. Não é disso que trata a liberdade de expressão. Dizer algo negativo sobre uma determinada raça ou gênero é tão prejudicial como, digamos, dar-lhes um soco na cara. Não podemos admitir esse tipo de assalto verbal. Ouvi muito dizer que o PC está substituindo palavras como ”Negro”, ”Índio”, etc. Sim. Isso faz parte do movimento PC. Você vê, parte do que pensamos sobre as pessoas vem diretamente das palavras que usamos para descreve-la. Veja ”negro”, por exemplo. Por que uma pessoa deve ser julgada pela cor de sua pele? Você quer dizer que é preferível ser julgado pelo conteúdo de seu caráter? Não, quis dizer que eles devem ser julgados pela origem de seus ancestrais. Se seus avós tiverem vindo da África, ou Ásia, ou seja lá de onde for, então você deve ser identificado por este fato. Você pode inclusive se candidatar a bolsas de estudo! Sou uma mistura de francês, alemão, inglês e russo. Como posso ganhar uma? Não, não há bolsas de estudo para este tipo. Mas se você for mulher poderá haver.

JACQUES A. WAINBERG

126

Opa, uma pessoa branca da Líbia ou Egito tecnicamente poderá ser afro-americano? Tecnicamente sim. Mas não é este tipo de afro-americano que eles se referem. Referimos-nos a afro-americanos negros. Outro exemplo: um imigrante branco da África do Sul também não é afro-americano. Gostaria que meu filho fosse PC. O que devo fazer? Bem, deveríamos encorajar os estudantes a dedicar de forma voluntária seu tempo com filantropia. Também, deveríamos reenfatizar perspectivas não ocidentais da história. Finalmente, deveríamos reestruturar testes e questionários para reflet ir preconceitos culturais. Não entendi. Bem, este é o jeito que o sistema funciona agora, “selecione” as minorias sub-representadas que tendem a se sair pior nos testes de seleção, que têm os piores desempenhos na escola e no trabalho e eles recebem tratamento preferencial. Isso é injusto e errado. É? Sim. O verdadeiro jeito PC de ser tem um escala de avaliação para grupos diferentes de grupos que dá ou subtrai pontos do escore final, dependendo quem está fazendo o teste. Se você é branco, então você foi beneficiado pela sociedade durante sua vida. Isso significa que você perde de dez a quinze pontos para tornar o teste justo para todos os demais. Suspeito que isso seja correto. Está correto. Isso é que é belo no PC. Com que mais devo tomar cuidado? Humor. O pessoal PC leva todo comentário muito seriamente. Não aceitamos qualquer comentário, piada, consideração, ou qualquer coisa que pareça ser insulto racial ou étnico. Isso é tudo? Sim. A crença Politicamente Correto é essencialmente o reconhecimento que as pessoas são diversamente iguais. Alegramos-nos nesta igualdade tratando as pessoas diferentemente baseada em sua individualidade igualitária. Seja bem-vindo no nosso trem... Seja PC. Ou então você é um intolerante, racista, sexista e um porco insensível.

ANEXO 2

Estratégias retóricas segundo Arthur Schopenhauer

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

1. Extensão

Levar a afirmação do adversário para além

de seus limites naturais. Toma-lo no sentido mais amplo possível. Por outro lado, restringir ao máximo a própria

afirmação.

Quanto mais geral uma afirmação se torna mais ataque pode se dirigir a

ela.

Eu disse: “Os ingleses são a primeira nação no gênero

dramático.” O adversário: “Todo mundo sabe que na música e, por conseguinte

na ópera, eles nunca foram importantes.” Repliquei: “a

música não está compreendida no gênero dramático; este

corresponde unicamente à tragédia e à comédia.”

2. Homonímia

Tornar a afirmação apresentada extensiva àquilo que pouco ou nada tem em comum com a coisa de que se

trata.

Isso permite refutar a segunda

afirmação dando a impressão de ter

refutado a primeira

A: “Você ainda não está iniciado nos mistérios da filosofia de

Kant.” B. “Ah! De mistérios nem quero

saber.”

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

127

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

3. Mudança de Modo

A afirmação que foi apresentada em modo relativo é tomada como

se tivesse sido apresentada em modo

absoluto.

A afirmação relativa pode ser assim

refutada com base neste segundo

contexto.

Numa conversação sobre filosofia, reconheci que meu sistema

defendia e elogiava os quietistas. Pouco depois surgiu uma

conversa sobre Hegel e afirmei que grande parte dos seus

escritos não tem sentido ou, ao menos, em muitas de suas

passagens o autor colocava as palavras e o leitor tinha de

colocar o sentido. Meu adversário não tentou refutar esta crítica. Disse que eu havia elogiado os

quietistas embora estes escreveram também muitas

coisas sem sentido. Aceitei este fato, mas corrigi sua afirmação dizendo que não elogiara os

quietistas enquanto filósofos e escritores, mas como pessoas,

por seus atos, apenas sob ponto de vista prático. Mas no caso de

Hegel, ao contrário, de realizações práticas. Deste modo,

o ataque cessou.

4. Pré-Silogismos

Se quiser chegar a certa conclusão,

devemos evitar que esta seja prevista.

Temendo a argúcia do adversário,

apresentaremos as premissas das

premissas, fazendo pré-silogismo.

Deve-se atuar de modo que o

adversário admita as premissas uma

de cada vez e dispersas e sem

ordem na conversação.

Procura-se fazer com que admita as

premissas de muitos dos pré-silogismos, sem

ordem e confusamente,

ocultando o nosso jogo.

5. Uso Intencional de premissas falsas

Se o adversário não quiser aceitar as

proposições verdadeiras, fazer uso de proposições falsas

Adotaremos proposições que são falsas em si mesmas, mas verdadeiras e

argumentaremos a partir do modo de

pensar do adversário.

Se alguém é militante de alguma seita com a qual não estamos de acordo, podemos adotar contra ele, as máximas dessa seita.

JACQUES A. WAINBERG

128

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

6. Petição de princípio oculta

Ocultar o que se quer afirmar.

Para isso deve se usar um nome

distinto ou conceitos

intercambiáveis para fazer com que

se aceite o que parece

controvertido e que na verdade quer se

afirmar.

“Boa reputação” em vez de “honra”; “virtude” em vez de

“virgindade.”

7. Perguntas em desordem

Fazer de uma só vez muitas perguntas

pormenorizadas. Em contrapartida, expor rapidamente a sua

própria argumentação, fundada nas

concessões da outra parte.

Ocultar o que queremos que seja admitido. Os que

compreendem com lentidão não conseguem

acompanhar a discussão e não se darão conta das

eventuais falhas e lacunas da

demonstração.

8. Encolerizar o adversário

Provocar a raiva do adversário com algo

injusto, humilhando-o e tratando-o com

insolência.

Enfurecido o adversário não é

capaz de raciocinar o que o impede

eventualmente de ver sua vantagem

no embate.

9. Perguntas em ordem alterada

Fazer as perguntas numa ordem distinta da exigida pela conclusão que dela pretendemos.

O adversário não conseguirá saber onde queremos chegar e não

poderá prevenir-se. Poderemos servir-

nos de suas respostas para tirar várias conclusões,

até mesmo contraditórias, conforme as respostas o permitam.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

129

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

10. Pista Falsa

Se o adversário responde pela negativa

às perguntas cuja resposta afirmativa poderia confirmar

nossas proposições, então devemos

perguntar o contrário da proposição que

queremos usar, como se quiséssemos que fosse aprovada, ou então por as duas à

escolha.

Impede que o adversário perceba

qual proposição queremos afirmar.

11. Salto Indutivo

Se fizermos alguma indução e o adversário

admitir os casos particulares em que esta se baseia, não

devemos perguntar-lhe se admite também a verdade geral que

deriva desses casos.

Devemos introduzir a verdade geral

desde logo como se estivesse

estabelecida e aceita, pois às

vezes ele poderá crer que a admitiu, e o mesmo pode acontecer aos

ouvintes.

12. Manipulação Semântica

Este é o que mais se usa de maneira

instintiva. É preciso escolher a metáfora que mais favoreça a

nossa tese.

Aquilo que se quer dizer é introduzido já na palavra, na denominação, da qual se deriva por um simples juízo

analítico.

O nome ”protestante” foi escolhido por eles mesmos. O

nome herege, em contrapartida, foi escolhido pelos católicos.

13. Alternativa Forçada

Apresentar a tese contrária a nossa e

deixar que o adversário escolha.

Ressaltar com veemência a

oposição entre as duas teses de

modo que escolha a nossa por ser

muito mais provável.

Desejamos que alguém admita que um homem tem que fazer tudo o que seu pai lhe ordene.

Para isso, perguntamos: “Deve-se obedecer ou desobedecer aos

pais em todas as coisas?”

14. Falsa proclamação de vitória

Tratar como prova o que não é prova.

Se o adversário for tímido ou tolo

poderá aceitar o golpe.

15. Anulação do paradoxo

Propor ao adversário para que aceite uma

proposição correta cuja exatidão não é

totalmente evidente. Ou então aplicaremos o estratagema anterior.

Se ele suspeitar e recusar,

provaremos o absurdo da tese,

mostrando que ela leva a pelo menos uma consequência

absurda.

JACQUES A. WAINBERG

130

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

16. Modalidades do argumentum ad hominem

Se fizer uma afirmação devemos perguntar-lhe senão está de algum modo em contradição

com algo que anteriormente disse ou

aceitou, ou com princípios de uma

escola ou seita que ele elogie ou aprove.

De uma maneira ou de outra sempre

estamos sujeitos a nos deixar apanhar

por semelhante tramoia.

Se alguém defende o suicídio, logo gritamos: “Por que você não

se enforca?”

17. Distinção de emergência

Quando a questão admite algum tipo de dupla interpretação ou dois casos diferentes, fazer alguma distinção

sutil.

Responder a uma prova contrária a

nossa apresentada pelo adversário.

18. Uso Intencional da mutatio controverse

Evitar e interromper o debate a tempo de não

ser derrotado, ou desvia-lo de rumo.

Responder ao uso de argumentação que ameaça nos

abater.

19. Fuga do específico para o geral

Enfocar o aspecto geral da tese e ataca-la

assim.

Responder à objeção do

adversário contra um ponto concreto

da tese.

Se tivermosmos de dizer por que uma determinada hipótese física

não é crível, falaremos da incerteza geral do saber humano,

ilustrando-a com toda sorte de exemplos.

20. Uso da premissa falsa previamente aceita pelo adversário

Se já interrogamos o adversário acerca de

nossas premissas e ele as aceitou não

devemos perguntar-lhe mais nada.

Devemos tirar nós mesmos a

conclusão dessas premissas. A presumiremos como aceita e tiraremos a conclusão.

21. Preferir o argumento sofístico

Responder o argumento sofístico

com outro argumento sofístico

O objetivo não é a verdade, mas a

vitória.

22. Falsa alegação de petitio principii

Se o adversário exigir que admitamos algo do qual deriva o problema em discussão devemos

recusar.

Nosso adversário e os ouvintes

enxergarão como sendo idêntica ao

problema uma proposição que lhe seja muito afim. Desse modo lhe subtrairemos seu

melhor argumento.

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

131

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

23. Impelir o adversário ao exagero

Podemos provocar o adversário

contradizendo-o e induzindo-o ao exagero

para além do que é verdade uma afirmação

que em si pode ser verdadeira. Quando o

adversário nos contradisser devemos

cuidar para não exagerar nossa tese.

Ao refutar o exagero parece termos refutado

também a proposição original. Com frequência o adversário buscará

também nossa afirmação para além do que havíamos

expressado.

24. Falsa redução ao absurdo

Tiram-se falsas consequências da

proposição do adversário e fazem-se

distorções dos conceitos.

Tira-se a força dos argumentos do

adversário.

25. Falsa instância

Apresentar um único caso para o qual o princípio não seja

válido.

Assim, o argumento é demolido.

Todos os ruminantes têm chifres. Mas o camelo é ruminante e não

tem chifres.

26. Retorsio argumenti

Considerar o argumento do

adversário para seus fins de argumentação.

O argumento que o adversário usa a

seu favor pode ser usado com mais razão contra ele.

O adversário diz: “É apenas um menino, devemos deixá-lo fazer o

que quiser.” Retorsio: “Precisamente porque é um

menino, deve-se castigá-lo para que não persevere em seus maus

hábitos.”

27. Provocar a raiva

Frente a um argumento o adversário fica

nervoso.

Nesse caso devemos usar o argumento com

frequência já que ao que parece

tocamos seu lado fraco. Assim, dominamos a

situação.

28. Argumento ad auditores

No caso de uma pessoa culta discutir com um auditório inculto faz-se uma objeção inválida a

um argumento.

Tal invalidade só um conhecedor do

assunto pode captar. E esse não

é o caso dos ouvintes. O

adversário estará assim derrotado

aos olhos do público.

Na formação da crosta rochosa primária, a massa que mais tarde

se cristalizou para formar o granito e outras rochas por efeito

era líquida e teria que ser fundida. O falso argumento é: a temperatura a 250 graus teria

feito a água evaporar. A explicação esconde que a

ebulição depende também da pressão atmosférica.

JACQUES A. WAINBERG

132

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

29. Desvio

Se percebermos que vamos ser derrotados, recorremos de forma

modesta ou insolente a um desvio.

Podemos falar de algo totalmente

diferente como se fosse pertinente à

questão e constituísse um

argumento contra o adversário. Na discussão só se

deve usá-lo na falta de algo melhor.

Se um debatedor lança ao outro reprovações pessoais, este não responde com uma refutação,

mas sim com reprovações pessoais ao primeiro, deixando

subsistir os lançados contra ele e, portanto, quase os admitindo.

30. Argumento que apela à credibilidade e à honra de alguém

Utilizamos uma autoridade que é

respeitada por nossos adversários para estar ao nosso lado. Ou a

citamos. Ou podemos falsificá-lo para os

nossos fins.

As pessoas comuns têm profundo respeito pelos especialistas.

Para evitar ter de pavimentar a rua em frente a sua casa um

padre francês citou uma frase da Bíblia: paveant il li, ego non

pavebo (“eles que se apavorem, eu não me apavorarei”). Para os

ouvintes de língua francesa, paver soou como pavimentar.

31. Incompetência irônica

Declara-se frente ao adversário como incompetente

Damos a impressão de que o

argumento do adversário é

insensato. Esse passo pode ser

dado quando temos a certeza de que o público tem estima maior por nós do

que pelo adversário.

“O que você diz ultrapassa minha débil capacidade de

compreensão. Não posso compreendê-lo e renuncio a todo

julgamento.”

32. Rótulo odioso

Reduzir o argumento do adversário a uma

categoria odiosa.

Assim, tornamos suspeita a

afirmação do adversário.

“Isso é maniqueísmo”, “Isso é panteísmo”, “Isso é ateísmo”.

33. Negação da teoria na prática

Pode ser verdadeiro em teoria, mas na prática é

falso.

Aceita-se os fundamentos, mas

negam-se as consequências.

Contradiz a regra: da premissa à consequência a conclusão é

obrigatória.

34. Resposta ao meneio de esquiva

Se o adversário não dá uma informação ou

uma resposta direta a uma questão ou a um

argumento e se esquiva significa que

encontramos um ponto fraco no seu argumento.

Refugia-se numa proposição que não

tem nada a ver com o tema. Isso corresponde a um mutismo relativo.

Devemos persistir no ponto e não deixar o adversário sair do lugar

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

133

Estratagema Retórico Conceituação Objetivo Alguns exemplos

35. Persuasão pela vontade

Em vez de fornecer razões ao

entendimento, influi-se com motivações na

vontade, e o adversário e os ouvintes são

ganhos para a nossa opinião.

Fazemos o adversário perceber

que sua opinião faria um dano notável a seus

próprios interesses.

Um eclesiástico defende um dogma religioso. Fazemo-lo

observar que isso está indiretamente em contradição

com um dogma fundamental de sua igreja, e ele o abandonará.

36. Discurso incompreensível

Aturdir o adversário com um caudal de

palavras sem sentido.

Podemos impressionar o

adversário oferecendo, com ar grave, um absurdo que soe como algo douto e profundo, e

como se fosse prova incontestável de nossa própria

tese.

37. Tomar a prova pela tese

Se o adversário tem razão, mas escolheu

para defender-se uma prova ruim, será fácil

refutar, e daremos isto como refutação da

própria tese.

Se ao adversário ou aos ouvintes não lhes vem à mente uma prova melhor, então vencemos.

Se alguém emprega, para provar a existência de Deus, o

argumento ontológico que é fácil refutar. Essa é a forma pela qual

bons advogados perdem uma causa boa. Querem defendê-la

com uma lei que não é aplicável e aquela que é aplicável não lhes

vem à mente.

38. Último estratagema.

Quando percebemos que o adversário é

superior e que acabará por não nos dar razão, então nos tornamos

pessoalmente ofensivos, insultuosos,

grosseiros.

Já que a partida está perdida, ataca-

se a pessoa do opositor para assim evitar o objeto da

discussão.

Essa regra é popular e todo mundo é capaz de aplicá-la.

ANEXO 3

Lista dos intelectuais mais citados na mídia e na academia segundo Richard Posner

Os intelectuais mais citados na mídia americana Os intelectuais mais citados na academia americana Richard Posner/Lista Publicada na Revista Veja* Richard Posner/Lista publicada na Revista Veja*

1. Henry Kissinger Michel Foucault 2. Daniel Moynihan Pierre Bordieu 3. George F. Will Jürgen Habermas

4. Lawrence Summers Jacques Derrida 5. William J. Bennett Noam Chomsky

6. Robert Reich Max Weber 7. Sidney Blumenthal Anthony Giddens

JACQUES A. WAINBERG

134

Os intelectuais mais citados na mídia americana Os intelectuais mais citados na academia americana 8. Arthur Miller Stephen Jay Gould 9. William Safire Stephen Posner

10. George Orwell John Dewey 11. Alan Dershowitz Cass Sunstein 12. Toni Morrison Roland Barthes 13. Antonin Scalia Amartya Sen

14. Tom Wolfe Erik Erikson. 15. Norman Mailer. Richard Rorty

16. George Bernard Shaw William James 17. Václav Havel Jerome Bruner

18. William Kristol James Coleman 19. William F. Jr. Buckley Paul Krugman

20. Kurt Vonnegut Edward Wilson 21. H.G. Wells Edward Said

22. John Steinbeck Carol Gilligan 23. Stephen G. Breyer Theodor Adorno

24. Gore Vidal Milton Friedman 25. Robert Bork William Justus Wilson

26. Herbert Stein Judith Butler 27. Timothy Leary Paul Ehrlich

28. Thomas Friedman Ronald Dworkin 29. E.J. Dionne Claude Levi-Strauss 30. C.S. Lewis Jared Diamond 31. Philip Roth Charles Taylor 32. John Silber Jean-Paul Sartre

33. Milton Friedman Robert Putman. 34. Bill Moyers Robert Merton

35. Doris Kearns Goodwin George Stigler 36. H.L. Mencken Joseph Stiglitz

37. Jonathan Turley James Q. Wilson 38. W.H. Auden Samuel Huntington 39. Saul Bellow Richard Lewontin

40. Arthur Jr. Schlesinger Jr. Richard Epstein 41. Joyce Carol Oates Paul Samuelson

42. Bertold Brecht Richard Dawkins 43. Ayn Rand Umberto Eco

44. Benjamin Spock Hilary Putnam 45. Gabriel García Marquez William Eskridge Jr.

46. David Halberstam Raymond Willians 47. Betty Friedan Albert Hirschman. 48. Paul Krugman Homi Bhabha 49. Aldous Huxley Akhil Amar 50. Thomas Mann John Seymour Lipset 51. Anthony Lewis John Maynard Keynes 52. James Baldwin Friedrich Hayek 53. E. M. Forster Howard Gardner.

54. Henry Louis Gates Jr. Richard Herrnstein 55. Stephen Jay Gould Laurence Tribe

56. Susan Estrich Michael Walzer 57. Susan Sontag. Amitai Etzioni 58. Rachel Carson Martha Nussbaum

59. Ezra Pound Martin Feldstein 60. E. L. Doctorow Do 60º a 100º

Bruce Ackerman, Robert Solow, Theda Skocpol, E.J. Hobsbawm, Herbert Simon, James Buchanan, Stanley Fish, Thomas Schelling, Catharine MacKinnon, H.L.A

61. Gloria Steinem

62. Richard Dawkins

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

135

Os intelectuais mais citados na mídia americana Os intelectuais mais citados na academia americana

Do 63º a 100º Jean-Paul Sartre, John Maynard Keyne, Camille

Paglia, Oliver Wendell Holmes, Andrew Ross, John Kenneth Galbraith, Richard Posner, Ralph Ellison,

Aleksandr Solzhentsyn, Lillian Helmann, Ann Coulter, David Horwitz, Albert Camus, Christina Hoff, W.E.B. Du Bois, Allen Ginsburg, Archibald Cox, Jeffrey Sachs, Marshall Mcluhan, Zbigniew Brzezinky, Laurence Tribe, David Brooks, Henry Luce, Pauline Kael, Paul Johnson, Garry Wills,

Isaiah Berlin, Noam Chomsky, Floyd Abrams, John Hope Franklin, Margaret Mead, James Q. Wilson,

David Frum, William Butler Yeats, Alan Wolfe, Lanu Guinier, George Stigler.

Hart, Hannah Arendt, Robert Nozick, Robert Bellah, Francis Fukuyama, Thomas Nagel, Daniel Bell, Ernest Gellner, Cornel West, Eve Kosofsky, Georg Lukacs,

Kenneth Boulding, Erich Fromm, Cristopher Jencks, C. Wright Mills, Henry Louis Gates Jr., Robert Reich, Michael Sandel, Duncan Kennedy, Guido Calabresi,

Isaiah Berlin, Robert Bork, Owen Fish, E.P. Thompson, Robert Frank, Michael McConnell,

Lawrence Lessig, Gunnar Myrdal, Antonin Scalia, Jeffrey Sachs, Alfred Kinsey.

* O critério de Posner para a inclusão de um nome em sua lista foi uma combinação de menções na mídia, referências na web e citações em publicações acadêmicas.

ANEXO 4

Os intelectuais brasileiros mais

influentes

Os Líderes Intelectuais do

Brasil

Os 50 intelectuais brasileiros mais

influentes

Os intelectuais mais influentes do

mundo ibero-americano

Fonte: Revista O Debatedouro (506 respondentes que

votaram).

Fonte: Google (Número de referências

encontradas)

Fonte: Revista O Debatedouro (720 respondentes que

votaram).

Fonte: Foreign Policy/edição em

Espanhol

Ano da divulgação: 2005

Ano de Divulgação: 2007

Ano da divulgação: 2008

Ano da divulgação: 2008

1. Fernando Henrique Cardoso -

1. Arnaldo Jabor/ TV Globo

1. Paulo Coelho

1. Reinaldo de Azevedo

Eleito o Intelectual Ibero-Americano pelos leitores da

Revista. 2. Chico Buarque de

Holanda 2. Reinaldo Azevedo 2. Chico Buarque de Holanda

2. Gabriel Garcia Marques

3. Arnaldo Jabor 3. Diogo Mainardi 3. Oscar Niemeyer 3. Mario Vargas Llosa 4. Luís Fernando

Veríssimo e Olavo de Carvalho

4. Luís Fernando Veríssimo 4. Ariano Suassuna 4. Fidel Castro

5. Marilena Chaui 5. Olavo de Carvalho 5. Luis Fernando Veríssimo 5. José Saramago

6. Ariano Suassuna 6. Emir Sader 6. Cristóvão Buarque 6. Yoani Sánchez 7. Roberto DaMatta

Jô Soares 7. Paulo Henrique

Amorim 7. Arnaldo Jabor 7. Fernando H. Cardoso

8. Millôr Fernandes Renato Janine Ribeiro 8. Franklin Martins 8. Marilena Chauí 8. Eduardo Galeano

9. Emir Sader 9. Elio Gaspari 9. Diogo Mainardi 9. Fernando Savater

10. Demétrio Magnoli 10. Carlos Heitor Cony

10. Fernando Henrique Cardoso 10. Carlos Fuentes

JACQUES A. WAINBERG

136

Os intelectuais brasileiros mais

influentes

Os Líderes Intelectuais do

Brasil

Os 50 intelectuais brasileiros mais

influentes

Os intelectuais mais influentes do

mundo ibero-americano

11. Cristovam Buarque Francisco de Oliveira João Ubaldo Ribeiro

Rubens Ricupero

11. Augusto Nunes 11. Millor Fernandes 11. Felipe Gonzalez

12. Eduardo Suplicy Marcelo Gleiser 12. Tereza Cruvinel 12. Ferreira Gular

13. José Murilo de Carvalho

Roberto Mangabeira Unger

13. Alexandre Garcia 13. Boris Fausto

14. Alberto Dines Elio Gaspari Paulo Coelho

14. Clóvis Rossi/ Folha de S. Paulo/ 14. Eduardo Suplicy

15. Antônio Augusto Cançado Trindade

Antônio Delfim Netto Caetano Veloso

Dalmo de Abreu Dallari Diogo Mainardi

15. Eliane Castanhede 15. Olavo de Carvalho

16. Boris Fausto Eduardo Giannetti da

Fonseca Fernando Morais

Ives Gandra Martins Leonardo Boff Rubem Alves

16. Boris Casoy/ Jornal do Brasil 16. Tom Zé

17. Celso Lafer Clóvis Rossi

Luiz Felipe de Alencastro

Luiz Gonzaga Belluzo Roberto Pompeu de

Toledo Aziz Nacib Ab'Saber

Miguel Reale

17. Stephen Kanitz 17. Reinaldo de Azevedo

18. Luiz Carlos Bresser-Pereira

José Sarney Mino Carta

Reinaldo Azevedo José Ângelo Gaiarsa

Boris Casoy Enéas Carneiro

Manfredo Araújo de Oliveira

Paulo Ghiraldelli Jr.

18. Joelmir Beting/ 18. Roberto DaMatta

19. Fausto Wolff/ Jornal do Brasil 19. João Ubaldi Ribeiro

20. Mauro Santayana/ Jornal do

Brasil 20. Aziz Ab’Saber

21. Caetano Velloso

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

137

Os intelectuais brasileiros mais

influentes

Os Líderes Intelectuais do

Brasil

Os 50 intelectuais brasileiros mais

influentes

Os intelectuais mais influentes do

mundo ibero-americano

22. Gilberto Gil 23. José Murilo de

Carvalho 24. Tostão

25. Ali Kamel 26. Antônio Ermírio de

Moraes 27. Fernando Meirelles

28. Lilia Morits Schwartz

29. Demétrio Magnoli 30. Antônio Delfim Neto 31. Carlos Heitor Cony

32. Elio Gaspari 33. Fernando Novais

34. José Serra 35. Marcelo Gleisser

36. MV Bill 37. Renato Janine

Ribeiro 38. Roberto Pompeu

39. Rui Castro 40. Soninha

41. Carlos Lessa 42. Celso Laffer

43. Eduardo Gianetti 44. Gilberto Dimenstein

45. José Arbex Jr. 46. Luis Felife de

Alencar 47. Mano Brown 48. Miriam Leitão 49. Nelson Motta

50. Roberto Schwartz

ANEXO 5

100 Intelectuais mais influentes no mundo

100 Intelectuais mais influentes no mundo

Os 100 intelectuis mais influentes da Grã-

Bretanha Fonte: Foreign

Policy/Prospect** Fonte: Foreign Policy/Prospect Fonte: Prospect

Ano da divulgação 2005

Ano da Divulgação: 2008

Ano da Divulgação: 2004

1. Noam Chomsky 1. Fettulah Güllen 1. Tariq Ali 2. Umberto Eco 2. Muhammad Yunnis 2. Martin Amis

3. Richard Dawkins 3. Yusuf Al-Qaradawi 3. Perry Anderson 4. Václav Havel 4. Orhan Pamuk 4. Karen Armstrong

5. Christopher Hitchens 5. Aitzaz Ahsan 5. Colin Blakemore 6. Paul Krugman 6. Amr Khaled 6. Philip Bobbitt

JACQUES A. WAINBERG

138

100 Intelectuais mais influentes no mundo

100 Intelectuais mais influentes no mundo

Os 100 intelectuis mais influentes da Grã-

Bretanha 7. Jürgen Habermas 7. Abdolkarim Soroush 7. Samuel Brittan

8. Amartya Sem 8. Tariq Ramadan 8. Gordon Brown 9. Jared Diamond 9. Mahmood Mamdani 9. Ian Buruma

10. Salman Rushdie 10. Shirin Ebadi 10. Melvyn Bragg 11. Naomi Klein 11. Noam Chomsky 11. AS Byatt 12. Shirin Ebadi 12. Al Gore 12. David Cannadine

13. Hernando de Soto 13. Bernard Lewis 13. John Carey 14. Bjørn Lomborg 14. Umberto Eco 14. Linda Colley

15. Abdolkarim Soroush 15. 15. Robert Cooper 16. Thomas Friedman 16. 16. Michael Craig-Martin 17. Papa Benedict XVI 17. Fareed Zakaria 17. Bernard Crick

18. Eric Hobsbawm 18. Garry Kasparov 18. Matthew D’Ancona 19. Paul Wolfowitz 19. Richard Dawkins 19. Richard Dawkins 20. Camille Paglia 20. Mario Vargas Llosa 20. Terry Eagleton

21. Francis Fukuyama 21. Lee Smolin 21. David Elstein 22. Jean Baudrillard 22. Jürgen Habermas (7) 22. Brian Eno

23. Slavoj Zizek 23. Salman Rushdie 23. Niall Ferguson 24. Daniel Dennett 24. Sari Nusseibeh 24. Michael Frayn 25. Freeman Dyson 25. Slavoj Zizek 25. Lawrence Freedman 26. Steven Pinker 26. Vaclav Havel 26. Timothy Garton Ash 27. Jeffrey Sachs 27. Christopher Hitchens 27. Anthony Giddens

28. Samuel 28. Samuel Huntington 28. Paul Gilroy 29. Mario Vargas Llosa 29. Peter Singer 29. Charles Grant

30. Ali al-Sistani 30. Paul Krugman 30. John Gray 31. E.O. Wilson 31. Jared Diamond 31. AC Grayling

32. Richard Posner 32. Papa Benedict XVI 32. David Green 33. Peter Singer 33. Fan Gang 33. Susan Greenfield

34. Bernard Lewis 34. Michael Ignatieff 34. Germaine Greer 35. Fareed Zakaria 35. Fernando Henrique Cardoso 35. Fred Halliday 36. Gary Becker 36. Lilia Shevtsova 36. David Hare

37. Michael Ignatieff 37. Charles Taylor 37. Seamus Heaney 38. Chinua Achebe 38. Martin Wolf 38. Peter Hennessy

39. Anthony Giddens 39. E. O Wilson 39. Christopher Hitchens 40. Lawrence Lessig/Estados 40. Thomas Friedman 40. Eric Hobsbawn

41. Richard Rorty 41. Bjørn Lomborg 41. Richard Holmes 42. Jagdish Bhagwati 42. Daniel Dennett 42. Michael Howard

43. Fernando H. Cardoso 43. Francis Fukuyama 43. Will Hutton 44. J.M. Coetzee 44. Ramachandra Guha 44. Michael Ignatieff 45. Niall Ferguson 45. Tony Judt 45. Lisa Jardin 46. Ayaan Hirsi Ali 46. Steven Levitt 46. Charles Jencks

47. Steven Weinberg 47. Nouriel Roubini 47. Anatole Kaletsky 48. Julia Kristeva 48. Jeffrey Sachs 48. John Kay

49. Germaine Greer 49 Wang Hui 49. Frank Kermode 50. Antonio Negri 50. VS Ramachandran 50. Mervyn King 51. Rem Koolhaas 51. Drew Gilpin Faust 51. Thomas Kirkwood

52. Timothy Garton Ash 52. Lawrence Lessig 52. Richard Layard/ 53. Martha Nussbaum 53. JM Coetzee 53. Julian Le Grand

54. Orhan Pamuk 54. Fernando Savater 54. James Lovelock 55. Clifford Geertz 55. Wole Soyinka 55. Noel Malcolm

56. Yusuf Al- Qaradawi 56. Yan Xuetong 56. David Marquand 57. Henry Louis Gates, Jr. 57. Steven Pinker 57. Peter Maxwell-Davies

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

139

100 Intelectuais mais influentes no mundo

100 Intelectuais mais influentes no mundo

Os 100 intelectuis mais influentes da Grã-

Bretanha 58. Tariq Ramadan 58. Alma Guillermoprieto 58. Robert May

59. Amos Oz 59. Sunita Narain 59. Ian McEwan 60. Lawrence Summers 60. Anies Baswedan 60. Neil MacGregor

61. Hans Küng 61. Michael Walzer 61. Mary Midgley 62. Robert Kagan 62. Niall Ferguson 62. Jonathan Miller 63. Paul Kennedy 63. George Ayittey 63. George Monbiot

64. Daniel Kahneman 64. Ashis Nandy 64. Geoff Mulgan 65. Sari Nusseibeh 65. David Petraeus 65. VS Naipaul 66. Wole Soyinka 66. Olivier Roy 66. Tom Nairn 67. Kemal Dervis 67. Lawrence Summers 67. Onora O’Neill

68. Michael Walzer 68. Martha Nussbaum 68. David Pannick 69. Gao Xingjian 69. Robert Kagan 69. Bhikhu Parekh

70. Howard Gardner 70. James Lovelock 70. Adam Phill ips/ 71. James Lovelock 71. J Craig Venter 71. Melanie Phillips 72. Robert Hughes 72. Amos Oz 72. Philip Pullman

73. Ali Mazrui 73. Samantha Power 73. Martin Rees 74. Craig Venter 74. Lee Kuan Yew 74. Matt Ridley

75. Martin 75. Hu Shuli 75. Richard Rogers 76. James Q. Wilson 76. Kwame Anthony Appiah 76. Steven Rose 77. Robert Putnam 77. Malcolm Gladwell 77. WG Runciman 78. Peter Sloterdijk 78. Alexander De Waal 78. Salman Rushdie

79. Sergei Karaganov 79. Gianni Riotta 79. Malise Ruthven 80. Sunita Narain 80. Daniel Barenboim 80. Jonathan Sacks

81. Alain Finkielkraut 81. Thérèse Delpech 81. Ziauddin Sardar 82. Fan Gang 82. William Easterly 82. Simon Schama

83. Florence Wambugu 83. Minxin Pei 83. Roger Scruton 84. Gilles Kepel 84. Richard Posner 84. Amartya Sen

85. Enrique Krauze 85. Ivan Krastev 85. Gitta Sereny 86. Ha Jin/ Novelista 86. Enrique Krauze 86. Robert Skidelsky 87. Neil Gershenfeld 87. Anne Applebaum 87. Quentin Skinner

88. Paul Ekman 88. Rem Koolhaas 88. David Starkey 89. Jaron Lanier 89. Jacques Attali 89. George Steiner

90. Gordon Conway 90. Paul Collier 90. Tom Stoppard 91. Pavol Demes 91. Esther Duflo 91. Raymond Tallis 92. Elaine Scarry 92. Michael Spence 92. Adair Turner

93. Robert Cooper 93. Robert Putnam 93. Mary Warnock 94. Harold Varmus 94. Harold Varmus 94. David Willetts

95. Pramoedya Ananta Toer 95. Howard Gardner 95. Rowan Williams 96. Zheng Bijian 96. Daniel Kahneman 96. Robert Winston

97. Kenichi Ohmae 97. Yegor Gaidar 97. Jeanette Winterson 98.Wang Jisi 98. Neil Gershenfeld 98. Martin Wolf

99.Kishore Mahbubani 99. Alain Finkielkraut 99. Lewis Wolpert 100.Shintaro Ishihara 100. Ian Buruma 100. James Wood

JACQUES A. WAINBERG

140

ANEXO 6

As ideias tóxicas

Nome Tema 1. Kevin Kelly Um novo tipo de mente

2. Howard Gardner Abrindo o cofre dos talentos 3. Timothy Taylor 4. John Gottamn Colônias terrestres no espaço

5. Ed Regis A manufatura molecular

6. Douglas Rushkoff Descobrindo vida inteligente em algum outro lugar

7. Juan CEO Enriquez A evolução humana 8. Roger C. Schank O renascimento da sabedoria 9. Stuart Kauffamn O universo aberto 10. Karl Sabbagh O adeus à ofensa 11. Marc Hauser O real, o possível e o inimaginável

12. Rodney Brooks A vida (ou não) em marte 13. Marcelo Gleiser Administrando a morte 14. Nick Bostrom Superinteligência 15. William Calvin Mudança climática mudará tudo 16. Chris Anderson Uma mudança no ensino graças a web

17. Gregory Paul O primeiro grande avanço no cérebro humano e a mente desde o pleistoceno

18. George Dyson Vírus interestelar 19. Michael Shermer Energia e economia: o caminho à civilização 20. Daniel Everett Desfazendo a Babilônia

21. Thomas Metzinger Viagem da alma ao altruísmo 22. Jesse Bering Deus não precisa ter existido para evoluir

23. Richard Foreman Nada mudará tudo 24. Clifford A. Pickover Prova da hipótese de Riemann 25. Nicholas Humphrey Por que a natureza humana irá se rebelar

26. Freeman Dyson Radiotelepatia: a comunicação direta de sentimentos e pesnamentos de cérebro à

cérebro. 27. Ian Mcewan O florescimento da teconologia solar

28. Irene Pepperberg Pensando pequeno: compreendendo o cérebro 29. Haim Harari Finalmente: teconologia mudará a educação

30. Paul Steinhardt Os buracos negros: a última fronteira 31. Mark Pagel Estamos aprendendo a fazer fenótipos

32. Brian Goodwin O próprio organismo como significante emergente

33. Carlo Rovelli E se a grande mudança não ocorrer?

34. Jonathan Haidt Evolução mais veloz significa mais diferenças étnicas

35. Andy Clark Auto re-enegenharia celebratória 36. Leo Chalupa Controlando a plasticidade do cérebro

37. Laurence Smith Antártica occidental e sete outros gigantes adormecidos

38. Alison Gopnik A infância que nunca acaba 39. John D. Barrow Uma bateria muito, muito boa

40. Lawrence Krauss O uso das armas nucleares contra a população civil

LÍNGUAS FERINAS: UM ESTUDO SOBRE A POLÊMICA E OS POLEMISTAS

141

Nome Tema 41. Stephen H. Schneider Conservando o clima

42. Aubrey de Grey Desmascarando a verdadeira natureza humana 43. Donald D. Hoffman O laptop quantum 44. James J. O’Donnell África 45. Gregory Benford Viver até os 150

46. Steve Nadis Descobrindo outro universo em nosso universo

47. Barry Smith Pequenas modificações fazem as maiores diferenças

48. Susan Blackmore Máquinas de memes artificiais e auto-reprodutoras

49. Kenneth W. Ford Lendo as mentes 50. Ernst Poppel O futuro como presente: um experimento final 51. Charles Seife A fome por informação malthusiana

52. Gino Segre A existência de dimensões adicionais de espaço-tempo

53. Steven Pinker Se você insistir: genômica pessoal? 54. Lewis Wolpert Fazendo a computação do cérebro

55. Stephon H. Alexander No campo do basquete e a ciência 56. Robert R. Provine O que muda tudo?

57. Alan Alda Cercando um círculo vicioso sem fim

58. Gerald Holton O transporte de um significativo aparato nuclear nocivo

59. David Darrylmple Escapando o tonel da gravidade 60. Keith Devlin O telefone móvel

61. Frank J. Tipler Mas nós todos devemos nos modificar 62. Terrence Sejnowski Computadores são os novos microscópios

63. Helen Fisher Os persuasores escondidos

64. Lera Boroditsky O conhecimento sobre como nós sabemos o que modificará tudo

65. Tor Norretranders Dentro e fora: a epistemologia de tudo 66. Emanuel Derman ”No more time decay” 67. Gregory Cochran Formas melhores de medir

68. Howard Rheingold A alfabetização social sobre a mídia

69. Brian Knutson Neurofenomenologia + estimulação direcionada = otimização psicológica?

70. Eric Drexler A disseminação do conhecimento 71. Nicholas A. Christakis A antroposfera

72. Neil Gershenfeld A re-implantação da vida em materiais inventados

73. Anton Zeilinger O colapso de todos os computadores 74. Yochai Benkler Recombinações do próximo possível

75. Paul Davies A biosfera na escuridão 76. Stewart Brand Clima

77. David Myers Barato, consumível, interativo e textos para o uso global

78. Martin Seligman Pessoas muito mais inteligentes 79. Max Tegmark Uma guerra nuclear acidental

80. Stephen M. Kosslyn Superando as diferenças 81. Lee Smolin A liberação do tempo 82. Marti Hearst O declínio do texto 83. April Gomik Os sentimentos dos animais

84. Joel Garreau A erupção das novas religiões causada pela revolta

JACQUES A. WAINBERG

142

Nome Tema 85. Rupert Sheldrake O crédito ao materialismo 86. Roger Highfield “Star Power” 87. Alun Anderson O óleo verde 88. Patrick Bateson Adotando a racionalidade e a sustentabilidade 89. David Gelernter ”Tracks & Clusters”

90. Monica Narula O aumento no tempo de vida dos indivíduos

constrangido pela diminuição do tempo de vida das espécies

ANEXO 7

Os tópicos mais populares de debates

Tópico Frequência Tópico Frequência 1. Segurança Pública 53 7. Regras e Leis 19

2. Escândalos 46 8. Educação 18 3. Política Estadual 38 9. Transporte 14 3. Comportamento 38 10. Esporte 12 4. Política Nacional 34 11. Economia Intern. 10

5. Ciência e Saúde 28 12. Movimentos sociais/sindicais

11

6. Porto Alegre 24 13. Ambiente/ Pol. Municipal/ Crise/Litoral 8

ANEXO 8

Os Rouxinóis da Mídia Gaúcha. 2008

Nome Atividade Freqüência Total: Polêmica e CC

1. Paulo Moura Cientista Político e acadêmico 13

1. Marcelo Portugal Economista e acadêmico 13 1. Raul Pont Parlamentar 13

2. Percival Pugina Colunista e Militante 12 3. Cel. Paulo Mendes Militar 12 2. Ricardo Giugliani Advogado 12 3. Rogrigo Gonzáles Cientista Político 11 3. André Azevedo Economista 11 4. André Marenko Cientista político 10 4. Ibsen Pinheiro Parlamentar 10 4. Fabiano Pereira Parlamentar 10

4. Fernando Ferrari Filho Parlamentar 10 5. Ático Chassot Acadêmico 9

6. Gabriel Camargo Psiquiatra 9 7. Zila B. Parlamentar 9