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QUERIDAS BACTÉRIAS The Good Gut Taking Control of Your Weight, Your Mood, and Your Long-term Health Traduzido do inglês por Jorge Nunes ERICA SONNENBURG, PhD e JUSTIN SONNENBURG, PhD

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QUERIDAS BACTÉRIAS

The Good GutTaking Control of Your Weight, Your Mood,

and Your Long-term Health

Traduzido do inglês por

Jorge Nunes

ERICA SONNENBURG, PhD e JUSTIN SONNENBURG, PhD

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CONTEÚDOS

PREFÁCIO 9

INTRODUÇÃO 13

1. O que é a microbiota e que importância tem? 21

2. A formação da nossa comunidade vitalícia de companheiros 45

3. Regular o sistema imunitário 69

4. Visitantes de passagem 93

5. Biliões de bocas para alimentar 119

6. Uma sensação visceral 145

7. Comer cocó e sobreviver 171

8. O envelhecimento da microbiota 193

9. Gerir a fermentação interna 215

EMENTAS E RECEITAS 233

AGRADECIMENTOS 269

ANEXO 271

NOTAS 273

BIBLIOGRAFIA 285

ÍNDICE REMISSIVO 295

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PREFÁCIODR. ANDREW WEIL

Em meados dos anos sessenta, aprendi na faculdade de medicina que o cólon humano albergava um grande número de bactérias neces-sárias à correta digestão e assimilação dos nutrientes, e que o uso prolongado de antibióticos poderia causar perturbações intestinais, fruto do crescimento excessivo de organismos indesejáveis. Nesse tempo, quem comia iogurte para manter a boa saúde digestiva ou tomava suplementos com acidófilos era considerado um “lunático da saúde”, e eram poucas as autoridades médicas que acreditavam que a flora intestinal tinha qualquer influência fora do trato gastrointes-tinal. Desconhecia -se a existência de um microbioma humano que compreende todos os microrganismos do interior e exterior do corpo e cujo conteúdo total de ADN é superior ao do ADN humano.

Hoje em dia, a investigação do microbioma humano é uma das áreas em maior expansão na ciência médica, preconizando uma verdadeira revolução no conhecimento da fisiologia e prometendo novas formas de melhorar a saúde e controlar a doença. As espécies de bactérias e fungos que colonizam o intestino podem determinar as interações que estabelecemos com o ambiente, protegendo -nos ou predispondo -nos para o desenvolvimento de alergias e autoimuni-dade. Esses microrganismos podem proteger -nos ou predispor -nos para a obesidade ou a diabetes. Podem inibir ou intensificar as infla-mações no corpo. Podem interagir com os adoçantes artificiais provo-cando resistência à insulina e aumento de peso em alguns indivíduos. Podem até influenciar a função mental e o bem -estar emocional.

A primeira vez que ouvi falar desta nova visão do microbioma foi nas palavras de um dos autores deste livro, Justin Sonnenburg. Ele e a mulher, Erica, são proeminentes investigadores neste campo, dirigindo o seu próprio laboratório no Departamento de Microbio-logia e Imunologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Stanford. Em 2013, convidei o Justin para uma palestra sobre as

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suas investigações, inserida na 10.a Conferência Anual de Nutrição e Saúde, organizada pelo Centro de Medicina Integrativa da Universi-dade do Arizona. A conferência teve lugar em Seattle e contou com a presença de centenas de médicos, dietistas e outros profissionais de saúde. A palestra do Justin foi, para mim, o momento alto do evento, transmitindo o entusiasmo das descobertas feitas acerca do micro-bioma humano e sugerindo respostas para perguntas intrigantes que eu tinha em relação a problemas de saúde que têm vindo a aumentar.

A asma, as alergias e a autoimunidade registaram, todas elas, um crescimento na América do Norte e noutras regiões desenvolvidas do mundo. Porque será, hoje em dia, a incidência da alergia ao amen-doim tão superior à que existia quando eu era criança, nos anos cin-quenta? E qual é a explicação para o espetacular aumento da sensibi-lidade ao glúten?

Esta última pergunta preocupava -me muito. Mesmo sabendo que a intolerância ao glúten é um diagnóstico centrado no paciente que carece de exames objetivos, há cada vez mais pessoas cujos sintomas desaparecem ao retirar -se o glúten da respetiva alimentação e reapa-recem ao voltar a ser introduzido. Refuto a ideia de que os cereais em geral, e o trigo em particular, são alimentos prejudiciais, e não me convence o argumento de que a genética do trigo evoluiu o suficiente nos últimos anos para ser a causa do problema. A sensibilidade ao glúten parece ter uma maior proeminência entre a população norte--americana. Na China, onde a maioria dos restaurantes serve pratos de glúten – como glúten com molho de feijão preto e glúten agridoce – a sensibilidade a esta proteína é desconhecida. O que mudou na América do Norte que possa explicar este fenómeno?

Justin Sonnenburg fez -me perceber que a causa poderá residir nas alterações do nosso microbioma. Há quatro fatores responsáveis por uma grande alteração da nossa flora intestinal nas últimas décadas. São eles: 1) o aumento do consumo de alimentos processados indus-trialmente; 2) o uso generalizado de antibióticos; 3) o aumento alar-mante de cesarianas, que representam já um terço dos nascimentos; e 4) o declínio da amamentação materna. Neste livro, vai ficar a saber como cada um destes fatores contribui para as alterações drásticas no microbioma humano e de que forma essas alterações poderão ser res-ponsáveis pelo aumento da incidência de vários problemas de saúde

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PREFÁCIO

crónicos, entre os quais o autismo, a depressão, e outras perturbações mentais e emocionais.

O casal Sonnenburg discute ainda as possibilidades de classificar o microbioma como uma nova modalidade de diagnóstico e analisa igualmente a importantíssima questão de saber se (e como) podere-mos modificar o nosso microbioma para reduzir os riscos de doença e melhorar a nossa saúde. Como fazê -lo é uma questão muito indi-vidual, e a resposta vai mudando à medida que envelhecemos. Deve-mos tomar suplementos alimentares probióticos? Funcionam? Quais são os mais eficazes? E os alimentos fermentados, tão presentes nas dietas das populações da Ásia oriental? (Acho que devíamos produzir e comer mais desse tipo de alimentos.) Este livro diz -lhe como lidar com todas estas questões.

Considero este trabalho de leitura obrigatória para todos os pro-fissionais de saúde e para todos quantos se interessam por ter um conhecimento mais alargado da saúde e bem -estar. Estou certo de que o leitor chegará ao fim deste livro com o mesmo entusiasmo que os autores e eu próprio sentimos perante estas novas descobertas acerca dos microrganismos que constituem uma parte tão impor-tante de nós próprios.

TUCSON, ARIZONA

Outubro de 2014

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INTRODUÇÃO

Todos sabemos que a nossa saúde é, em grande medida, predetermi-nada pelos nossos genes. Também sabemos que podemos melhorar a saúde, de um modo geral, através de uma alimentação equilibrada, fazendo exercício e gerindo o nosso stresse. Mas como fazer tudo isso é motivo de grande discussão. Muitos programas de saúde bem--intencionados centram -se exclusivamente na perda de peso ou na saúde cardiovascular, mas, e se houvesse outra solução para cuidar-mos do nosso estado geral de saúde? Um segundo genoma maleável que pudesse influenciar o nosso peso, o nosso humor e bem -estar a longo prazo? E se pudéssemos influenciar esse genoma através de escolhas muito específicas (e tantas vezes surpreendentes) rela-tivamente ao nosso estilo de vida? Pois bem, esse segundo genoma existe. Pertence às bactérias que habitam no nosso intestino e é vital, de inúmeras formas, para o nosso bem -estar geral. Os pormenores acerca da relação direta entre essa comunidade microbiana, conhe-cida por microbiota, e a saúde e a doença estão a começar a ver a luz do dia e a transformar o significado do que é ser-se humano.

À medida que os cientistas tentam deslindar as causas por detrás da prevalência de males predominantemente ocidentais, como o cancro, a diabetes, as alergias, a asma, o autismo e as doenças inflamatórias do intestino, começa a ser claro que a microbiota desempenha um papel importante no desenvolvimento de todas essas doenças e em muitos outros aspetos da nossa saúde. Os nossos habitantes bacteria-nos afetam, de uma maneira ou de outra, direta ou indiretamente, todos os aspetos da nossa biologia.

Há milénios que os habitantes do nosso intestino têm evoluído den-tro de nós, mas hoje enfrentam novos desafios. O mundo moderno alterou o modo como comemos (alimentos produzidos industrial-mente, altamente processados e ricos em calorias) e como vivemos (casas desinfetadas com produtos de limpeza antibacterianos e o uso

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QUERIDAS BACTÉRIAS

excessivo de antibióticos), e essas alterações ameaçam a saúde da nossa microbiota intestinal.

O sistema digestivo é muito mais do que um conjunto de células a rodear as nossas refeições mais recentes; também contém um denso consórcio de bactérias e outros micróbios. Apesar de todas as superfícies, orifícios e cavidades do nosso corpo estarem repletos de micróbios, a grande maioria encontra -se no interior do intestino grosso. Entre os seus muitos atributos, essas bactérias decompõem quimicamente e consomem as fibras alimentares não digeríveis, convertendo -as depois em compostos que o cólon absorve. Alguns desses compostos são vitais para a nossa saúde e são a última opor-tunidade de recuperar os nutrientes das fibras alimentares de difí-cil digestão. Cuidar das bactérias intestinais para que produzam os compostos de que o corpo necessita é uma das escolhas mais impor-tantes que podemos fazer em termos de saúde.

A microbiota intestinal regula, muito mais do que imaginávamos, o nosso sistema imunitário, essencial para todos os aspetos da nossa saúde. Quando o sistema imunitário funciona bem, conseguimos combater as infeções com eficácia e acabar com as malignidades mal se manifestam. Quando o funcionamento do sistema imunitá-rio é deficitário, há inúmeras enfermidades que podem surgir. Se as bactérias intestinais estiverem saudáveis, é provável que o sis-tema imunitário esteja a funcionar bem. Se as bactérias intestinais não estiverem saudáveis, aumenta o risco de desenvolvermos doen-ças autoimunes e cancro. As substâncias químicas produzidas pela microbiota podem influenciar o nível de inflamação – a resposta do nosso sistema imunitário a ferimentos ou potenciais ameaças, que se manifesta através de inchaço, vermelhidão e irritação – nos intes-tinos e em todo o corpo. A inflamação pode ter um efeito de cascata sobre todo o tipo de problemas de saúde.

Algumas das substâncias químicas produzidas pela microbiota podem até comunicar diretamente com o nosso sistema nervoso cen-tral através do eixo cérebro -intestinal. Continuamos a aprender muito sobre o modo como a microbiota pode afetar o nosso cérebro. O eixo cérebro -intestinal influencia profundamente o nosso bem -estar e tem um papel que vai muito para além de nos avisar que está na hora

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INTRODUÇÃO

de comer. As bactérias intestinais podem afetar o humor e o compor-tamento e até alterar a evolução de alguns problemas neurológicos.

A aliança que todos temos com os micróbios estabelece -se à nas-cença. Apesar de sermos estéreis no ventre materno, quando che-gamos ao mundo exterior, os micróbios rapidamente colonizam o habitat virgem do corpo. Esses micróbios provêm das nossas mães, dos nossos amigos e familiares, e também do ambiente. Como disse, certa vez, o reputado biólogo Stan Falkow, “o mundo está coberto por uma pátina de merda”. Ou, se preferir, está coberto por uma pátina de bactérias. O que não é mau. Por isso, da próxima vez que o seu bebé puser um novo objeto na boca, a menos que corra o perigo de sufocar, em vez de ir a correr tirar -lho ou limpá -lo com um desinfe-tante, pense que a pátina bacteriana lhe está a fornecer micróbios valiosos para ajudar a formar a nova microbiota. À medida que a vida avança, as nossas comunidades bacterianas residentes vão sendo moldadas por fatores como termos nascido de parto natural ou de cesariana, termos sido amamentados com leite materno ou adaptado, os antibióticos que tomamos e com que frequência, se temos um cão, e o tipo de alimentação que fazemos.

O número crescente de provas de que essas bactérias são funda-mentais para a nossa saúde e bem -estar significa que as opções que fazemos a nível médico, alimentar e de estilo de vida devem pas-sar por uma ponderação cuidadosa sobre as consequências que têm para os micróbios intestinais. A tecnologia de sequenciação de ADN do século XXI dá -nos uma visão pormenorizada dos mais de dois milhões de genes microbianos – o chamado microbioma – e trouxe à tona algumas questões surpreendentes. A primeira delas é que todos nós temos uma microbiota tão única como a nossa impressão digital, que afeta a predisposição para diferentes doenças. A segunda é que a microbiota pode funcionar mal e contribuir para o desenvolvimento de doenças e problemas de saúde, como a obesidade, que, outrora, julgávamos resultarem exclusivamente do estilo de vida. E a terceira é que, dado que a microbiota tem capacidade de se alterar, também a nossa saúde pode mudar à medida que envelhecemos.

Cuidar da microbiota e dar -lhe a devida atenção é essencial para a saúde. Podemos usar estas novas informações para dar resposta a muitas questões. Entre elas, de que forma poderemos orientar a

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formação da microbiota logo no momento do parto para que as crian-ças possam vir a ter uma microbiota saudável? Como poderemos oti-mizar a nossa microbiota ao longo da vida adulta para reforçarmos o sistema imunitário e reduzirmos o risco de doenças autoimunes e alergias? O que poderemos mudar especificamente na alimentação para nutrirmos a nossa microbiota? Depois de um tratamento com antibióticos, como poderemos voltar a ter uma microbiota saudável? Como poderemos minimizar o declínio da microbiota à medida que envelhecemos? Qual a combinação certa de micróbios para o nosso intestino?

Apesar de ainda haver muito por descobrir sobre a microbiota, na última década assistimos a enormes progressos no conhecimento que temos sobre essa comunidade de micróbios e sobre a relação que tem com a saúde e a doença dos seres humanos. Há dez anos, já se sabia que a microbiota era uma parte importante, muito embora mal compreendida, da biologia humana. A quantidade de perguntas que permaneciam sem resposta constituía um terreno fértil para se ini-ciar uma carreira na área da ciência biomédica; e era evidente que se tratava de uma área que viria a tornar -se essencial para muitos dos aspetos da saúde humana.

No nosso intestino vivem mais de cem biliões de bactérias. Se as puséssemos todas em fila indiana, chegavam à lua. Estas bactérias estão distribuídas por todo o sistema digestivo e, consoante o tipo, podem viver no estômago (apesar de a maioria não o fazer devido ao ambiente ácido e inóspito) ou no intestino delgado, mas a maioria acaba no intestino grosso. Centenas de espécies de bactérias, tota-lizando uma população de biliões, vivem no intestino grosso, com uma densidade de 500 mil milhões de células por colher de chá de conteúdo intestinal.

Claramente, não temos falta de bactérias nos intestinos, pelo que pode ser difícil de acreditar na afirmação seguinte. As bactérias intestinais estão na lista das espécies ameaçadas de extinção. O ame-ricano adulto médio tem aproximadamente 1200 espécies diferentes de bactérias no trato gastrointestinal. Pode parecer muito até pensar-mos que o ameríndio médio da Amazónia venezuelana tem apro-ximadamente 1600 espécies, um terço a mais. E há outros grupos

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INTRODUÇÃO

de seres humanos, com uma alimentação e um estilo de vida mais semelhantes aos dos nossos antepassados remotos, que possuem maior diversidade de bactérias intestinais do que os ocidentais. Por-que é que isto acontece? A nossa dieta ocidental cheia de alimentos processados, o excesso de antibióticos e as casas esterilizadas estão a ameaçar a saúde e a estabilidade dos habitantes do nosso intestino.

Se as bactérias intestinais pudessem ir ao supermercado do cos-tume comprar alguma coisa para comer, teriam a mesma dificul-dade de um humano que procurasse comida numa loja de bricolage. As prateleiras de doces ao lado das caixas registadoras não contam, pois, como muito bem disse Michael Pollan, estão cheias não de comida, mas sim de “substâncias semelhantes a comida”. Graças à nossa dieta típica, as bactérias intestinais do ocidental médio estão a morrer de fome. Para piorar a situação, uma ou duas vezes por ano, receitam -nos veneno para bactérias, os antibióticos, como lhe cos-tumam chamar. E, para cúmulo, os americanos gastam quase 700 dólares por ano em produtos de limpeza para deixar as casas quase tão esterilizadas como uma sala de operações. Já para não falar daquelas embalagens de desinfetante para as mãos que se tor-naram quase omnipresentes.

É difícil dizer qual será o rumo disto tudo. Será que, no futuro próximo, vamos ter metade das espécies bacterianas dos nossos antepassados ou ainda menos? E se isso acontecer, quais serão as consequências? Já começámos a ver os efeitos do estilo de vida oci-dental na nossa saúde em termos de obesidade, diabetes e doenças autoimunes. Estas doenças normalmente não surgem em socieda-des com uma microbiota mais diversificada. Será que vão aumentar ainda mais, aparecer cada vez mais cedo na vida de uma pessoa ou espalhar -se pelo globo à medida que o mundo adota um estilo de vida inimigo da microbiota? É possível que algumas espécies bac-terianas importantes para a nossa saúde se extingam ou se tornem tão raras a ponto de a nossa microbiota deixar de se assemelhar à dos primeiros humanos, o que em certa medida pode até já ter acontecido.

Tornámo -nos viciados em comida de plástico e estamos a doutrinar os nossos jovens para esta existência extremamente perigosa; eles são as vítimas inconscientes do nosso estilo de vida, prejudicial para

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QUERIDAS BACTÉRIAS

a microbiota, e esse estilo de vida está a pô -los doentes e vai encurtar a esperança de vida deles.

No nosso trabalho de cientistas, escrevemos artigos sobre as nossas pesquisas nesta área, mas a linguagem que usamos não é acessível ao grande público. Ou seja, é só para cromos da ciência. Os cientistas aprendem a ser altamente céticos, por isso, não é da sua natureza fazer recomendações, a menos que as mesmas tenham passado pelos rigores de um estudo duplo -cego controlado com placebo. Contudo, já alterámos muitos hábitos na nossa casa, devido às descobertas fei-tas no nosso laboratório ou nos laboratórios de outros cientistas que estudam a microbiota. À medida que as nossas filhas cresciam e inte-ragíamos com outras famílias com filhos pequenos, vimos pais que tentavam tomar decisões informadas acerca da alimentação. Esses pais, porém, não tinham em consideração um elemento central para a saúde, que é o desenvolvimento da microbiota dos filhos. Mas como poderiam fazê -lo se não dispunham dessa informação? Sabía-mos que tínhamos acesso a informação privilegiada sobre a biologia do trato digestivo e dos respetivos micróbios, e que isso acabava por influenciar a nossa alimentação e a das nossas filhas, além de outros aspetos do nosso estilo de vida.

Empenhámo -nos neste livro, na esperança de compilarmos toda a informação necessária para quem não dispõe de conhecimentos científicos, para que consiga compreender as novas descobertas nesta área. Usámos os dados atualmente disponíveis para darmos conse-lhos práticos e sugerirmos opções no que se refere à alimentação e estilo de vida – uma forma de melhorar a saúde com ênfase na enti-dade em que se centra uma grande parte da nossa biologia: a micro-biota intestinal.

Organizámos o livro com o objetivo de lhe apresentar as descobertas mais interessantes e relevantes nesta área, e de lhe mostrar o impacto que têm ao longo da nossa vida. Vamos ver o que é a microbiota e como nos coloniza; como podemos nutri -la; as propriedades extraor-dinárias que possui; quais são as grandes fronteiras desta área; como envelhece a microbiota; e como cuidar dela ao longo da vida.

Após uma breve introdução à microbiota, explicamos o desenvol-vimento da mesma, começando pelo nosso sistema digestivo estéril antes do nascimento e sua evolução ao longo da primeira e segunda

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INTRODUÇÃO

infância. Esta parte inclui sugestões para motivar as crianças a terem hábitos alimentares amigos da microbiota na altura em que fazem a transição para os alimentos sólidos, e é de leitura obrigatória para futuros pais ou pais recentes que procuram uma forma de ajudar os filhos a tornarem -se adultos saudáveis. Os capítulos seguintes debruçam -se sobre a ligação entre a microbiota e o nosso sistema imunitário e metabolismo. Apontamos os erros das sociedades modernas no que se refere aos cuidados a ter com a microbiota intes-tinal, e propomos maneiras de corrigir a alimentação e estilo de vida no sentido de promover uma boa saúde e combater o aparecimento de doenças crónicas. Falamos da estimulante ligação entre a micro-biota intestinal e o cérebro, designadamente das últimas descobertas nesta área de investigação em pleno crescimento, que ligam a micro-biota ao humor e ao comportamento. No Capítulo 7, descrevemos os mais recentes avanços no tratamento de microbiotas problemá-ticas (que incluem a reprogramação de microbiotas doentes através do transplante fecal) e falamos do futuro auspicioso desta nova área de investigação terapêutica. O declínio da microbiota à medida que envelhecemos é o tema central do Capítulo 8, que inclui sugestões para minimizar esse declínio e melhorar a saúde digestiva e o bem--estar geral nessa idade mais avançada. Por fim, reunimos todos os conselhos práticos dispersos ao longo do livro num plano em sepa-rado, para que possa pôr a sua microbiota no rumo certo e manter a forma sempre com o objetivo de usufruir do máximo de benefícios a longo prazo. Esse capítulo final inclui receitas e planos de refeição para ajudar as pessoas e famílias mais ocupadas a alcançarem, de forma eficiente e deliciosa, uma microbiota saudável.

Temos de salientar o facto de a investigação da microbiota ser uma área recém -nascida ou que, na melhor das hipóteses, está a dar os pri-meiros passos, mas podemos, sem dúvida, utilizar o conhecimento de que dispomos atualmente para orientar as decisões que tomamos, e achamos que há informação suficiente para dar recomendações gerais. É importante que cada pessoa consulte o seu médico antes de pôr em prática essas recomendações, em particular caso exista um quadro clínico que inspire cuidados especiais.

O nosso objetivo é também o de elucidar sobre a importância que esta comunidade tem em toda a nossa saúde. Esperamos que este

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livro possa ser uma plataforma para aprender a interpretar e com-preender novas descobertas e permita incorporar esses conhecimen-tos nas opções em relação à alimentação e ao estilo de vida em geral. Ao contrário do genoma humano, que está praticamente definido antes do nascimento, o microbioma pode ser alterado ao longo da vida através de escolhas estratégicas que podemos controlar. A plasti-cidade do microbioma é uma grande oportunidade de o modelarmos de forma a otimizar a nossa saúde.

Somos organismos compostos que possuem partes humanas e microbianas e temos de reconhecer que a biologia de ambas está inti-mamente interligada. Esses micróbios são nossos parceiros para a vida; se conseguirmos nutri -los e cuidar deles, eles retribuem prote-gendo o corpo humano que é o seu lar.

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CAPÍTULO 1

O QUE É A MICROBIOTA E QUE IMPORTÂNCIA TEM?

O mundo microbiano

Gostamos de pensar que o mundo é dominado pelo ser humano. A nossa espécie criou sociedades complexas, construiu cidades ela-boradas e produziu extraordinárias obras de arte, música e literatura. Os vestígios da atividade humana no planeta, como autoestradas, barragens e cidades iluminadas, são visíveis até do espaço! Apesar de ser evidente que tivemos um grande impacto na Terra, a realidade é que os seres humanos representam uma minoria dos habitantes rela-tivamente recentes do planeta. O mundo em que vivemos é micro-biano. O planeta está coberto de microrganismos, ou micróbios, e é assim há milhares de milhões de anos. Os micróbios são formas de vida microscópicas, como as bactérias e as arqueobactérias. Há mais micróbios nas nossas mãos do que pessoas no mundo. Se se amontoasse todas as bactérias da Terra, formava -se uma biomassa maior do que todas as plantas e animais juntos. (Tenha esta imagem presente quando chegarmos à parte sobre a guerra dos antibióticos a esses micróbios, como se descreve mais à frente.) Há uma esti-mativa que situa o número de bactérias que habitam o planeta nos cinco milhões de biliões de biliões ou, em termos mais herméticos, cinco quintiliões. Se quiser escrever o número, é um cinco seguido de trinta zeros.

As bactérias estão por todo o lado, desde lagos frios e escuros a mais de 800 metros de profundidade, sob o gelo da Antártida, a fontes hidrotermais, nas profundezas oceânicas, que atingem temperaturas superiores a 90oC, e até na sua garganta, onde se formou esse nó ao pensar numa tal quantidade de bactérias. Se

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QUERIDAS BACTÉRIAS

alguma vez encontrarmos vida extraterrestre, é provável que seja na forma de micróbios. (É por isso que uma das missões das son-das enviadas para a superfície de Marte é procurar sinais de um ambiente capaz de suportar vida microbiana.) Com mais de 3,5 milhões de anos de idade, os micróbios unicelulares constituem a mais antiga forma de vida na Terra. Por comparação, os seres humanos surgiram há apenas 200 mil anos. Se condensarmos a história da Terra em vinte e quatro horas, com a criação do planeta à meia -noite, os micróbios surgem pouco depois das quatro horas, ao passo que o ser humano entra em cena apenas escassos segun-dos antes do fim do dia. Sem micróbios, os seres humanos não existiriam, mas se nós desaparecêssemos, poucos deles dariam pela nossa falta.

Apesar das suas formas aparentemente primitivas, os micróbios dos nossos dias são o produto de milhares de milhões de anos de evolução. Os micróbios são, portanto, tão evoluídos como nós; na realidade, considerando que existiram muito mais gerações de micróbios (reproduzem -se no espaço de minutos ou horas), pode-ríamos argumentar que estão mais bem adaptados ao ambiente atual do que nós. Por exemplo, no local em que se deu o desastre de Chernobil, no espaço de poucas décadas desenvolveram -se fun-gos capazes de recolherem energia a partir da radiação, tornando--se a espécie dominante. Na eventualidade de uma grande catás-trofe atingir o nosso planeta, por certo que haveria micróbios capazes de se adaptarem e proliferarem no novo ambiente. Em contrapartida, os seres humanos não teriam a mesma facilidade em se adaptar.

Cada recém -nascido é um novo habitat para os micróbios se insta-larem. E sendo os micróbios tão abundantes e enorme a sua capaci-dade de se adaptarem rapidamente a novos ambientes, eles fixam de imediato residência em cada novo ser vivo do planeta, humano ou não. Eles encontram um lar na nossa pele, nos nossos ouvidos e na boca, bem como em todas as partes do nosso corpo, incluindo todo o sistema digestivo, onde vive a maior parte deles. Apesar de os micró-bios que nos habitam inicialmente procurarem apenas alimento e abrigo, ao longo da nossa coevolução tornaram -se uma parte funda-mental da nossa biologia.

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O QUE É A MICROBIOTA E QUE IMPORTÂNCIA TEM?

O tubo cheio de bactérias (também conhecido por ser humano)

O corpo humano, no essencial, é um tubo altamente elaborado que começa na boca e termina no ânus. O trato digestivo, ou gastrointes-tinal, é o interior desse tubo. Como referiu Mary Roach no seu diver-tido livro Gulp: Adventures on the Alimentary Canal*, neste aspeto não somos muito diferentes da minhoca. A comida entra por uma das extremidades do tubo, é digerida enquanto passa no seu interior e é excretada como resíduo pela outra extremidade. Antes de ficar deprimido com a “falta de sofisticação” do nosso sistema digestivo, é bom que se recorde que o tubo com duas aberturas representou um enorme avanço em relação a tubos anteriores, com uma única aber-tura. A hidra, um animal microscópico que vive em lagos, só tem uma boca. Isso significa que os alimentos são ingeridos e os resíduos excretados pela mesma abertura. Agora, o nosso “tubo” já não lhe parece tão desprezível, pois não?

Ao contrário da minhoca, o nosso tubo dispõe de uma variedade de acessórios que evoluíram para o nutrir e para o proteger. Para dar ali-mento ao nosso tubo, temos braços e mãos que servem para alcançar e agarrar a comida. Desenvolvemos pernas e pés que nos ajudam a ir de um lado para outro em busca de mais alimento. Todos os nossos sentidos e o nosso cérebro altamente complexo podem ser considera-dos “extras” para conseguirmos mais comida para o nosso tubo, para o proteger e para criar e produzir, assim, mais tubos. Novos tubos representam novos habitats para serem ocupados por mais bactérias.

Apesar do tremendo impacto que os micróbios que vivem no nosso sistema digestivo têm sobre a digestão, a comida percorre a maior parte do nosso trato digestivo até encontrar o grosso desses micróbios. Os alimentos que ingerimos descem pelo esófago até ao estômago, onde caem num banho de ácido e enzimas encarre-gues de iniciar o processo da digestão e a extração de nutrientes. Após duas ou três horas de agitação nesse ambiente inóspito e ácido relativamente desprovido de micróbios, os alimentos parcialmente

* Em tradução livre, Engolir: Aventuras no Tubo Alimentar. (N. do T.)

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QUERIDAS BACTÉRIAS

digeridos são lentamente esvaziados para o intestino delgado. É aí que o sistema digestivo começa verdadeiramente a parecer -se com um tubo. Este corredor flexível tem aproximadamente sete metros de comprimento e três centímetros de diâmetro, e está amontoado como um prato de esparguete no meio do nosso corpo. O interior do intestino delgado está coberto por saliências com a forma de um dedo, chamadas vilosidades, que absorvem os nutrientes para a nossa corrente sanguínea.

Micrografia eletrónica de varrimento de vilosidades no interior do intestino delgado do rato.

Os alimentos que passam através do intestino delgado são inun-dados por enzimas segregadas pelo pâncreas e fígado, que ajudam a digerir as proteínas, as gorduras e os hidratos de carbono que ingeri-mos. Aqui, no intestino delgado, a quantidade de micróbios é relati-vamente escassa, apenas cerca de 50 milhões de bactérias por colher de chá de conteúdo.

A última paragem nesta viagem de aproximadamente cinquenta horas é o intestino grosso, ou cólon, que os alimentos percorrem a

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passo de caracol. O intestino grosso não é tão comprido como o del-gado – tem, em média, um metro e meio – e deve o nome ao diâmetro de cerca de dez centímetros. Uma camada de muco viscoso reveste o interior do intestino grosso. É aí que o que resta dos alimentos que ingerimos encontra pela primeira vez a comunidade densa e voraz de micróbios denominada microbiota. (O intestino grosso contém cerca de 10 mil vezes mais bactérias por colher de chá do que o intestino delgado.) As bactérias intestinais vivem e proliferam, na realidade, de restos, sobretudo os polissacarídeos vegetais complexos conhecidos por fibras alimentares. Tudo o que as bactérias não consomem (ou não conseguem consumir), como, por exemplo, sementes ou a pele exterior dos grãos de milho, é excretado entre 24 horas a 72 horas após o início da descida pelo esófago. Nesses resíduos encontram--se inúmeras bactérias, algumas mortas, outras ainda vivas, que são arrastadas na corrente. Perto de metade da massa fecal é composta por bactérias, mas que vão deixando para trás irmãs suficientes para garantir que o tubo permanece densamente povoado. Dependendo dos padrões sanitários existentes, alguns micróbios sobreviventes podem propagar -se até uma fonte de água próxima, o que lhes per-mite chegar até uma nova casa, ou seja, o tubo de outra pessoa.

Mas como é que essas bactérias entraram no nosso sistema diges-tivo? Normalmente, costumamos achar que o interior do nosso corpo está… bem… dentro de nós. Na realidade, o nosso tubo digestivo está tão exposto ao ambiente exterior como a nossa pele, no exterior do corpo. Afinal, a natureza de um tubo é essa. Através da exposição repetida aos microrganismos que nos rodeiam – nas mãos, nos pés e nos nossos animais de estimação –, o nosso tubo digestivo está cons-tantemente exposto aos micróbios. Alguns passam simplesmente por nós, mas outros ficam a viver connosco durante anos ou mesmo a vida inteira.

Apesar da sua prevalência no cólon, a vida de um micróbio intes-tinal não é fácil. Primeiro, tem de suportar o banho de ácido que é o nosso estômago e, por fim, tem de procurar abrigo na caverna escura e húmida do cólon, habitada por mais de mil espécies dife-rentes. Apesar de chegar regularmente comida à caverna, a competi-ção pelos recursos no interior do intestino é feroz, e a sobrevivência depende do que se consegue apanhar antes que outros lhe deitem

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QUERIDAS BACTÉRIAS

as mãos microbianas. Entre refeições, alguns micróbios sobrevivem alimentando -se da camada mucosa que reveste o intestino.

A vida sempre foi uma luta para os micróbios intestinais, mas isso nunca foi tão verdade como hoje em dia, dado o que têm de enfrentar no mundo ocidental.

Micrografia eletrónica de varrimento de um membro da microbiota humana, em forma de bastonete,

integrado na mucosa.

Os destroços da microbiota ocidental

Imagine que a primeira imagem que via de um avião era a fotogra-fia de um campo pejado de destroços após ele se ter despenhado. Se não soubesse nada acerca de aeronáutica, teria muita dificuldade em formar a imagem original do avião, antes do acidente, a partir dos destroços. Esta analogia é semelhante àquilo com que os inves-tigadores se deparam ao tentarem compreender como funciona a microbiota humana. A esmagadora maioria da investigação sobre

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a microbiota foi desenvolvida em indivíduos originários dos Estados Unidos ou da Europa, os mesmos que têm predisposição para as doenças ocidentais. Quando os cientistas comparam a microbiota de pessoas com doenças inflamatórias do intestino (DII) com a de pessoas que não sofrem desse problema, estão conscientes de que o grupo “saudável”, tendo um estilo de vida ocidental, poderá não lhes garantir a definição rigorosa do que é a microbiota saudável. Um dos perigos da sociedade moderna é o aumento do risco de desen-volvimento de DII. Ainda que um indivíduo possa não ter ainda DII, a sua microbiota poderá já estar num estado pouco saudável, com tendência para desenvolver a doença num futuro relativamente pró-ximo. Seria como comparar alguém que estivesse constipado, com febre e tosse, com outra pessoa que tivesse febre mas ainda não tivesse desenvolvido tosse. Num tal cenário, poderia parecer nor-mal ter febre (até a pessoa “saudável” tem febre) e que o problema seria a tosse. Uma vez que a nossa definição de microbiota saudável provém do estudo de indivíduos americanos e europeus, é provável que a nossa visão daquilo que é normal esteja altamente distorcida.

Desde o nascimento da humanidade até há cerca de doze mil anos (um período de cerca de duzentos mil anos), o ser humano sempre obteve o seu alimento exclusivamente a partir da caça e da recoleção. A dieta dos primeiros homens era composta por plantas selvagens, azedas e fibrosas, e carne de caça, magra, ou peixe. O emergir da agricultura marcou uma alteração profunda na alimentação das pes-soas. Os frutos e vegetais domesticados (criados seletivamente para produzirem uma polpa mais doce, carnuda e menos fibrosa), os ani-mais alimentados a cereais, os produtos de origem animal, como os laticínios, e os cereais cultivados, como o arroz e o trigo, tornaram -se alimentos comuns para a nossa espécie. Ao longo dos últimos quatro séculos, a Revolução Industrial trouxe mudanças rápidas, sem prece-dentes, para a nossa dieta, que passou a depender, cada vez mais, de alimentos produzidos em massa. A tecnologia moderna, nos últimos cinquenta anos, resultou em supermercados repletos de uma oferta aparentemente interminável de alimentos altamente processados, com excesso de açúcar e de calorias, que foram desprovidos de fibras alimentares e esterilizados para prolongar o seu prazo de validade. Uma dieta à base destes novos produtos alimentares representa um

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enorme desvio daquilo que comemos durante a maior parte da nossa história evolutiva. A microbiota intestinal tem andado nesta mon-tanha russa dietética ao longo de toda a nossa história, ajustando--se constantemente a cada mudança da tecnologia alimentar e dos padrões alimentares. Infelizmente, hoje em dia, parece ter entrado numa trajetória potencialmente desastrosa.

Uma das maravilhas da microbiota intestinal é a rapidez com que se ajusta às alterações alimentares. As bactérias do intestino dividem--se rapidamente, podendo duplicar o seu número no espaço de trinta ou quarenta minutos. As espécies que proliferam com o tipo de alimentos regularmente ingeridos pelo indivíduo podem tornar -se abundantes com relativa rapidez. Contudo, as espécies que necessi-tam de alimentos que não fazem parte da nossa dieta normal, podem ficar marginalizadas, relegadas para uma subsistência na mucosa intestinal ou, nas situações mais extremas, enfrentar a extinção. Na biologia, esta capacidade de transformação é conhecida por plastici-dade e abunda na microbiota intestinal. A plasticidade da microbiota foi a garantia de que, quando a dieta de caçador -recoletor dos nossos antepassados mudava de acordo com as estações do ano, a sua micro-biota conseguia facilmente ajustar -se para obter o maior benefício nutricional possível. No entanto, essa plasticidade também significa que espécies outrora abundantes, bem adaptadas a uma dieta de for-rageadores, já desapareceram da nossa alimentação moderna. Em contrapartida, a maioria da microbiota começa a ser composta pelos micróbios que proliferam nos modernos ambientes à base de ham-búrgueres e batatas fritas. É essa microbiota ocidental que a maioria de nós alberga no intestino, mesmo aqueles que se consideram sau-dáveis; infelizmente, é provável que a imagem se assemelhe mais a um avião que se despenhou do que a um completamente operacional.

Para se ter uma ideia do possível aspeto de uma microbiota com-pletamente operacional, podemos olhar para a última tribo exclusiva-mente caçador -recoletor de África, os Hadza. Eles vivem no berço da evolução humana, o Grande Vale do Rift, na Tanzânia, onde foram encontrados alguns dos vestígios mais antigos dos nossos antepas-sados, com milhões de anos. A dieta e a microbiota deste povo são o exemplo atual que mais se aproxima da dos nossos antepassados que viveram antes do advento da agricultura. Os Hadza consomem a