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Maur Esteva * 1933 - † 2014 E nunca desesperar da misericórdia de Deus (Regra de São Bento, 4,74)

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Maur Esteva * 1933 - † 2014

E nunca desesperar da misericórdia de Deus (Regra de São Bento, 4,74)

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Autora do retrato: Dina Bellotti, Roma, 1998.

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AGNUM IUGITER SEQUI

… seguir o cordeiro onde quer que ele vá(Ap 14,4)

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Felicitação do Abade Presidente da Congregação Augien-se, Dom Kassian Lauterer, Decano dos Abades Presiden-tes, ao recentemente eleito Abade Geral da Ordem Cister-ciense, na Sala Capitular de Poblet.

Reverendísimo Padre, estimado amigo:

Como Abade Geral recentemente eleito, tu ainda és joven, aindaque já não sejas um menino, porque tua língua é a pena de umágil escriba1. Como Abade deste Mosteiro de Santa Maria dePoblet já és ancião, pois dentro de pouco recordaremos o dia detua eleição abacial que teve lugar há vinte e cinco anos.

Em nome de toda a Ordem, das monjas e monges, eu, como omais antigo dos Abades Presidentes, te felicito por esta festa e tedesejo a ajuda de Deus e a paciência de Cristo em teu novo ofício.Por deliberação, o Capítulo Geral elegeu um abade que, desdemuitos anos, regia este Mosteiro e a Congregação da Coroa deAragão, e demonstrava ser um homem edificante tanto na vidaespiritual e litúrgica, como também no sentido de experimentadoarquiteto. Talvez por esta razão foste eleito Abade Geral, porque,depois de longa experiência de serviço a esta comunidade, apren-deste –como diz a carta aos Hebreus2 a respeito de Cristo– a mi-sericórdia, já que tu também foste provado em muitas ocasiões.

Caminha em frente confiando em teu ofício! Pastoreia o rebanhoda Ordem, dá força à tua voz. Como nosso pai São Bernardo es-

1 Sl 44,2.2 Hb 4,16.

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crevia em uma carta ao jovem Abade Balduíno do Mosteiro doSanto Pastor, de Rieti3:

Pastoreia o teu rebanho com estas três coisas que nãofalham nunca:

- com a sã doutrina- com o bom exemplo- orando sen desfalecer.

Na medida em que nos seja possível, estamos dispostos a prestaruma ajuda fiel e eficaz. Também quero agradecer à Comunidadede Poblet vosso sacrificio, porque destes à Ordem o vosso Pai.Deus lhes pague!

+ Kassian, Abade Presidente, Mehrerau

Poblet, novembro de 1995.

3 SÃO BERNARDO, Epístola 201, Ad Balduinum, Abbatem Reatini Monas-terii, Sämtliche Werke III, Tyrolia-Verlag, Innsbruck 1992.

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AGNUM IUGITER SEQUI

… seguir o cordeiro onde quer que ele vá (Ap 14,4)

Faz-me ver a luz de teu rosto e serei salvo (Sl 79,4)

Depois do acidente sofrido no dia 25 de setembro do anode 2006 –que para mim foi como uma queda similar à dePaulo no caminho de Damasco4—, faz-se a mim sempremais vivo o pressentimento de aproximar-me, de maneirainexorável, do final de minha vida, vendo com serenida-de como declina seu curso.

Pela maneira como desenvolveu-se o fato, já poderia tersido aquele mesmo dia o último, ou ter ficado tetraplégi-

4 A pesar de que na Bíblia (At 9) somente achamos o relato da queda,Caravaggio (1573-1610), entre outros, pintou a conversão com umPaulo sob o cavalo, como podemos ver na Igreja de Santa Maria delPopolo, em Roma. Josef HOLZNER, em sua biografia Paulus, sein Le-ben und seine Briefe, tantas vezes editada e traduzida em diversosidiomas, faz uma descrição da queda do cavalo, quando começou oencontro de Paulo com o Senhor.

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co ou em coma crônico, mas o Senhor se apiedou de mim eme deu uma nova trégua5, uma última oportunidade, umtempo de graça para meditar sobre meu passado e relê-locom coração sincero, confrontando-o com o Sermão daMontanha, coisa que contudo não havia feito nunca.Devo confessar que já contaba quarenta e oito anos noMosteiro, vinte e cinco anos como Abade de Poblet e onzecomo Abade Geral; que havia visto muitas coisas da Igreja (eda Ordem), havia falado muito e escrito, mas ainda não haviachegado a ser cristão, mas que, selvagem e rebelde, continuavasendo o único dono de mim mesmo […]. A Bíblia, e em particu-lar o Sermão da Montanha, me libertaram disso. Depois tudomudou. Uma libertação imensa. Compreendi claramente que avida de um servidor de Cristo deve pertencer à Igreja e, passo apasso, efetuou-se essa exigencia absoluta6.

Passado pouco mais de um ano do acidente e depois daúltima revisão médica, as palabras do papa Bento XVI em

5 A Regra de São Bento, pról. 36-37, o diz com estas palavras: Por issonos são oferecidos como tregua os dias desta vida, para emenda de nossasmaldades, tal como diz o Apóstolo: “Não queres reconhecer que a bondade deDeus te convida à conversão?” (Rm 2,4).

6 O parágrafo precedente é a adaptação de um texto de Dietrich Bo-nhoeffer, literalmente transcrito nesta nota de pé de página desta me-ditação, mas mudando algumas palavras dela a fim de apropriá-las àminha vida. Ver Fulvio FERRARIO, Dietrich Bonhoeffer, Claudiana Edi-trice, Torino 1999, p. 22. O texto literal de Bonhoeffer diz assim: Euhavia visto muito da Igreja e disso havia falado muito e escrito, porém aindanão havia chegado a ser cristão, mas, selvagem e rebelde, continuava sendo oúnico dono de minha vida […]. A Bíblia, e em particular o Sermão da Mon-tanha, me livraram disso. Depois tudo mudou. Dei-me conta claramente etambém os damais ao redor de mim. Uma libertação imensa. Compreen-di claramente que a vida de um servidor de Cristo deve pertencer àIgreja; e, passo a passo, efetuou-se essa exigência absoluta.

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sua segunda encíclica, promulgada em 30 de novembrode 2007, iluminaram minha mente naquele tempo de re-flexão: É o encontro com Ele o que, nos queimando, nos trans-forma e nos liberta para chegar a ser verdadeiramente nós mes-mos. Nesse momento, tudo o que se construiu durante a vidapode manifestar-se como palha seca, fanfarrice vazia, e derru-bar-se. Mas na dor deste encontro, no qual o impuro e malsãode nosso ser se nos apresenta com toda claridade, está a sal-vação. Seu olhar, o toque de seu coração, nos cura através deuma transformação, certamente dolorosa, “como através dofogo”7, mas um fogo de chama iluminadora8. No comentá-rio de Santo Agostinho ao capítulo oitavo do Evangelhode São João, acaba o encontro de Cristo com a mulheradúltera dizendo: Ficaram a sós a miséria e a misericórdia, ouseja, o fogo e a palha.

O contato com esse fogo que é Cristo, a encíclica Spe salvi,em tom consolador, no-lo explica assim: Alguns teólogosrecentes pensam que o fogo que arde, e que ao mesmo temposalva, é o próprio Cristo, o Juiz e Salvador. O encontro com Eleé o ato decisivo do Juízo. Diante do seu olhar, toda falsidade sedesfaz. É o encontro com Ele o que, queimando-nos, transfor-ma-nos e nos liberta para chegar a ser verdadeiramente nósmesmos9. Esse encontro com o Senhor, fogo que arde e faz

7 BENTO XVI, Encíclica Spe salvi, 47.8 Que nos recorda o texto do Sl 118,105: Tua palavra é uma lâmpadapara meus passos, luz em meu caminho.9 Cf. Spe salvi, 47 e também Joseph RATZINGER, Escatología § 7, F. Pus-tet, Regensburg 1977 e quarta edição de Cittadella Editrice, 2005. Nãosão somente os teólogos modernos que fazem esta identificação deCristo fogo, mas, afortunadamente, também o era para um monge cis-terciense do século XII, para quem o carvão aceso é São Bento e nóscarvões frios. Com efeito, o Abade Elredo de Rievaux tem um belo

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conhecer a própria verdade de nossa vida real –não a quefrequentemente aparentamos–, parece ter sido antecipadapara mim, porque, transcorrido um mês de convalescença–depois daquela queda que me deixou inconsciente e re-quereu duas intervenções cirúrgicas com anestesia geralno espaço de quatro dias–, voltei à minha frenética ativi-dade de antes, com a intenção, surgida enquanto recupe-

texto que transcrevo literalmente em língua latina:

Quid enim est sanctus Benedictus, nisi quasi quidam carbo ardens inillo altari coram Deu? Quid sumus nos, nisi quasi carbocnes adhuc fri-gidi, qui non sentimus illum mirabilem ignem divini amoris quo ipse ar-det? Ergo, fratres adiungamus nos ad ipsum; consideremus fervorem vi-tae eius, caritatem cordis eius, et inde accendamur, inde ardeamus. Nul-lo enim modo possumus melius et perfectius vincere concupiscentiamcarnis quam si adhibeamus ei ignem caritatis. Quid est enim illa concu-piscentia carnis quae concupiscit adversus Spiritum, nisi quaedam natu-ralis rubigo animae? Ideo adhibeamus ignem.

Nemo enim potest salvus esse nissi per ignem. Sed est ignis tribulationiset est ignis amoris. Uterque hic ignis consumit rubiginem animae. Da-vid purgatus est per ignem tribulationis, Maria Magdalenae per ignemamoris. Nam sicut dicit Dominus, dimissa sunt ei peccata multa quon-dam dilexit multum. Verum fratres, ut mihi videtur, uterque purgatusest per per ignem tribulationis, uterque per ignem amoris. Nam in Da-vid erat magna vis amoris, qui ait: Diligam te domine, fortitudo mea. Etin penitentia sanctae Mariae fuit magnus ignis tribulationis.

(Que é São Bento senão uma brasa ardente no altar sagrado diantede Deus? [cf. Ez 1,13] O que somos nós senão carvões ainda friosque não sentimos aquele admirável fogo do amor divino no qualele está ardendo? Portanto, irmãos, juntemo-nos a ele; pensemosno fervor de sua vida, o amor de seu coração, e depois prendamo-nos fogo e ardamos. De nenhum modo melhor e mais perfeito po-demos vencer a concupiscência da carne que aplicando o fogo doamor. Pois o que é essa concupiscência da carne que anseia contrao Espírito [cf. 1 Jo 2,16; Gl 5,17], mas uma ferrugem natural daalma? Portanto, unamo-nos ao fogo.

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rei a consciência, e ainda dentro da ambulância, de mos-trar que não tinha havido nenhum vazio de poder, comodizemos comumente, e que tudo estava sob controle. Po-rém, depois de duas viagens centroeuropéias e duas in-tercontinentais feitas no espaço de um par de meses, foiquando começou, passo a passo, meu ruminar, estimula-do pelo encontro luminoso e ardente, portador de paz ede verdade através do qual Ele mesmo quis dizer: Eis queestou à porta e bato10, aviso de que até então não me haviaapropriado, a pesar de saber que como um tecelão eu ia te-cendo a minha vida, mas cortaram-me a trama11.

Ninguém pode salvar-se se não é através do fogo [cf. 1 Cor 3,15].Porém há um fogo da tribulação e um fogo do amor. Ambos os fo-gos tiram a ferrugem da alma. Davi foi purificado com o fogo datribulação; Maria Madalena pelo fogo do amor. Pois como diz oSenhor, lhe perdoam seus muitos pecados porque mostrou muitoamor [cf. Lc 7,47]. Em realidade, irmãos, parece-me que ambos fo-ram purificados pelo fogo da tribulação e pelo fogo do amor. EmDavi era tão grande a força do amor que disse: Te amo, Senhor,minha fortaleza [cf. Sl 17,2]. E, na penitência de Santa Maria, gran-de foi o fogo da tribulação).

Opera Sancti Aelredi Rievallensis, vol. II Sermón 37 In Natali Sancti Be-nedicti, n.os 21-22.10 Pela importância que teve para mim sua leitura naquele momento,creio necessário transcrever todo o fragmento de Ap 3,17-20: Porquedizes: “Eu sou rico, enriqueci e não tenho necessidade de nada”; e não sabesque tu és infeliz, digno de lástima, pobre, cego e nu. Aconselho-te que com-pres de mim ouro acrisolado no fogo para que te enriqueças; e vestes brancaspara que te vistas e não apareça a vergonha tua nudez; e colírio para untar-te os olhos a fim de que vejas. Eu corrijo e repreendo os que amo; Tem, pois,fervor e converte-te. Eis que estou à porta e bato. Foi um tímido chamadoa mais, porém, pasados alguns meses, fez-se cada dia mais persisten-te e clara a sua voz.11 Is 38,12.

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Porém a faísca, a centelha que inflamou a palha seca e a va-zia fanfarrice das coisas edificadas durante a minha vida,também foi –e de que maneira!–, a recordação da medi-tação de Paulo VI sobre a morte, lida e relida tantas vezesem seu testamento póstumo: Aqui aflora à memoria a pobrehistória de minha vida, entremeada, por um lado, com o urdu-me de singulares e imerecidos benefícios, provenientes de umabondade inefável (é esta que espero poder ver um dia e “cantareternamente”); e, de outro, cruzada por uma trama de míserasações que seria preferível não recordar, por tão defeituosas, im-perfeitas, equivocadas, tolas, ridículas. “Tu scis insipientiammeam”: Deus meu, tu conheces minha ignorância (Sl 68,6).Pobre vida débil, adoentada, mesquinha, tão necessitada de pa-ciência, de reparação, de infinita misericórdia. Sempre me pare-ce suprema a síntese de Santo Agostinho: miséria e misericór-dia. Miséria minha, misericórdia de Deus. Que ao menos possahonrar a Quem Tu és, o Deus de infinita bondade, invocando,aceitando, celebrando tua dulcíssima misericórdia12.

Fazer a leitura de meu próprio comportamento ao longoda vida, as atitudes que tive, os sentimentos que alimen-tei, as motivações que me moveram a atuar como por umdeterminismo impulsionado pelo defeito de fabricação,me fez ver que, se tudo era vontade de Deus, o produtofinal, que sou eu, também o é. Como sair disso?

Somente depois de ter conhecido e assumido a inconsis-tência de fundo, o defeito de fabricação –melhor dito, deautofabricação, porque provém de raízes que brotam em

12 PAULO VI, Meditación ante la muerte. Texto póstumo publicado noOsservatore Romano de 5 de agosto de 1979.

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um determinado contexto sócio-econômico- religioso epolítico que me configuraram tal como sou–, se pode co-meçar a recapitulação em Cristo e encontrar novas moti-vações, novos sentimentos e atitudes, novos comporta-mentos, enfim, a transformação em Cristo da qual falaPaulo aos Efésios: Rogo-vos que vivais como pede a vocação àqual fostes convocados. Sede sempre humildes e amáveis, sedecompreensivos, suportai-vos mutamente com amor, esforçando-vos por manter a unidade do Espírito com o vínculo da paz; eque repete aos Colossenses: Assim, pois, como eleitos deDeus, santos e amados, revesti-vos de compaixão afetuosa, bon-dade, humildade, mansidão, paciência13.

Essa transformação a encontramos em outros textos dosescritos de Paulo: Ele nos elegeu na pessoa de Cristo, antes decriar o mundo, para que fôssemos santos e irreprováveis diantedele por amor. Ele nos destinou na pessoa de Cristo, por purainiciativa sua, a ser seus filhos, para que a glória de sua graça,que tão generosamente nos concedeu em seu querido Filho, re-dunde em seu louvor. Por este filho, por seu sangue, recebemosa redenção, o perdão dos pecados. O tesouro de sua graça, sabe-doria e prudência foi uma profusão para conosco, dando-nos aconhecer o mistério de sua vontade. Este é o plano que haviaprojetado realizar por Cristo quando chegasse o momento cul-minante: recapitular em Cristo todas as coisas do céu e da te-rra14.

Eis aqui, pois, como começou meu contato com Cristofogo, luz que brilha nas trevas15 e me faz ver as coisas de mi-

13 Ef 4,1-3; Cl 3,12.14 Ef 1,4-10.15 Cf. Sl 111,4.

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nha vida como palha seca, fanfarrice vazia; por isso, não pos-so jactar-me de nada, senão chegar a ser verdadeiramente eumesmo16. Compreender que Deus não atua na irrealidade,mas no concreto da miséria de cada um, na realidade dopecado, ainda que pareça um paradoxo: o que acreditáva-mos e admitíamos como pecado, Deus o aproveitava paraestablecer seu diálogo e reconduzir-nos até Ele, como nosdisse: Vinde a mim todos os que estais cansados e angustiados,e eu vos aliviarei. Carregai meu jugo e aprendei de mim, quesou manso e humilde de coração, e encontrareis vosso descanso,porque meu jugo é suave e meu fardo é leve17. Porém é precisosaber ler esta atuação de Deus no concreto de minha mi-séria, enquanto se queima a palha de minha vida. O que mequer fazer ler no concreto de minha miséria? Paulo VI fa-lava de miséria minha e misericórdia de Deus, citando SantoAgostinho em seu comentario ao Evangelho da mulheradúltera18, onde escrevia: Ficaram a sós a miséria e a miseri-

16 BENTO XVI, Spe salvi, 47. Este juízo, que é o contato com Cristo fogodo qual fala a encíclica, encontramo-lo em outras palavras: É inútilbuscar sinais misteriosos da vinda do Reino. O Reino já está presente emqualquer lugar onde a ação de Cristo é continuada e atualizada. Juntamentecom o Reino de Deus, o Juízo do Filho do Homem se realiza na história: elevem para manifestar a verdade de vida de todos. Esta manifestação do Filhodo Homem é sempre um mometo grave e decisivo: dele depende a salvaçãoou a destruição de cada um. Serão salvos aqueles que, como Jesus, fizeram desuas vidas um dom para os demais. Cf. Bíblia Sagrada, Edição pastoral,Paulus, São Paulo 1990, nota ao cap. 17,20-21; 22-39 do Evangelho deLucas. Tanto Dietrich Bonhoeffer como Paulo VI, Joseph Ratzinger eJoão Paulo II falaram de Cristo como um homem para os outros.17 Mt 11,28-30.18 Jo 8,6-7. O papa Bento XVI, no domingo 25 de março de 2007, naparóquia de Santa Felicidade e filhos, mártires, depois de comentarJo 8,7: Aquele dentre vós que está livre de pecado, que atire a primeira pe-dra, considerando o silêncio dos acusadores da cena da adúltera, o

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córdia, o fogo e a palha. Mais ou menos como ocorreu coma Samaritana, depois de haver tido com ela no diálogo daàgua viva19 e adivinando seu estado civil – havia tido cin-co maridos e o atual não era o seu –. Porém ainda maissurpreendente foi a resposta dela: “Sei que virá o Messias, oCristo; quando vier, ele nos dirá tudo”. Jesus disse: “Sou eu, oque fala contigo”20. Revelou-se a ela, e precisamente a elaque havia tido cinco maridos! Porque Deus não atua noirreal – já o temos dito e repetido antes –, mas no concretoda miséria de cada um, na realidade do pecado, ou seja,por via negativa, pois Deus nos encerrou a todos na desobe-diência para ter misericórdia de todos21.

Se os outros julgam que tinha havido coisas mais ou me-nos bem sucedidas em meu trabalho, se equivocam larga-mente, porque são as que Ele levou a termo através deseus filhos, os homens, surgidos em torno de mim; porémnão são minhas tal e qual diz São Bento: O bom que vejaem si, o atribua a Deus, não a si mesmo; o mal, em troca, saibaque é sempre obra sua e a si mesmo o atribua22.

Então, como uma espécie de realista conclusão lógica, co-mecei também a dar-me conta de que devia deixar mi-nhas responsabilidades e, desde algum tempo, comecei a

Papa, ao dito, acrescentou o contundente comentario de Santo Agos-tinho, conciso e eficaz, ao Evangelho de Jo 8,7 ss: Ficaram dois: a míse-ra e a misericórdia.19 Jo 4,7-26. Não somente o sermão da água viva, mas também a con-fissão de Jesus: Sou eu, que fala contigo.20 Jo 4,24-26.21 Rm 11,32.22 RB 4,42-43.

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tomar medidas para transmiti-las – o menos complicadaspossível – a quem deverá continuá-las melhor do que euo fiz, e a quem peço desculpas, já agora, tanto pelas coisasnão terminadas como pelas situações ainda não solucio-nadas.

Quando estiver exonerado, espero que, de uma maneiraou outra, e talvez também com nova força e clareza – as-sim o desejo –, novamente, com certeza, aflorará à memóriaa pobre história de minha vida, entremeada, por um lado, com ourdume de benefícios…; e, de outro, cruzada por uma trama demíseras ações que seria preferível não recordar, por tão defei-tuosas, imperfeitas, equivocadas, tolas, ridículas. “Tu scis insi-pientiam meam”: Deus meu, tu conheces minha ignorância (Sl68,6)23, feita evidência em minha incompetência para asfunções que exerci. Assim, deixando-me queimar nestaconfrontação com Cristo, o fogo que devora, esperar a horado último encontro com Ele, juiz justo, lento para a ira erico em piedade24, acolhedor dos não religiosos, acolhedordos publicanos25, tal como lemos no Evangelho.

Quem sou e aonde estou? Como cheguei até aqui e porque cheguei? Quantos erros cometidos e sofrimentos cau-sei! Do cristão disse muitas vezes que, imitando o Mestre,deve ser um com os outros e para os outros26; mas quando o

23 PAULO VI, Meditación ante la muerte, 1979.24 Nm 14,18.25 Cf. Mt 9,9-13.26 Frase de Dietrich Bonhoeffer muito conhecida e que Joseph Ratzin-ger utilizou em seu livro Introdução ao Cristianismo, Ed. Sígueme,1969, e à qual Paulo VI deu novo valor ao citá-la durante uma au-diência geral em 29 de março de 1972. O cardeal Wojtyla também a

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fiz pessoalmente? E quando, frequentemente, repeti que ocristão é precisamente aquele que “mundanamente” participa(sofre com), nesta vida, da dor de Deus27 presente ali onde vi-vem os mais pobres, os mais humildes e perdidos28, não foramtambém somente palavras? Meu coração não sabe encon-trar tua vereda, o caminho dos solitários…, por onde tu ca-minhas entre os mais pobres, os mais humildes e perdidos. Po-rém, se sou um desses perdidos, não será que talvez tu jáestás perto de mim e sofres em mim como o Cordeiro, oLogos que arrasta sobre mim a natureza humana? Se é as-

empregou para explicar aos seminaristas da Eslováquia, acolhidosem Cracóvia, a figura do sacerdote. Veja-se no filme, em DVD, Karol:o homem que se tornou Papa.27 Dietrich BONHOEFFER, Resistenza e resa, Ed. S. Paolo 1988, pról. deAlberto Gallas, p. 11.28 Rabindranath TAGORE na introdução à Biblia sagrada, Edição pasto-ral do Brasil p. 10, onde li e traduzi eu mesmo este texto do portu-guês:

Aqui é o estrado para os teus pés, que repousam aqui, onde vivem os maispobres, mais humildes e perdidos.Quando tento inclinar-me diante de ti, a minha reverência não conseguealcançar a profundidade onde os teus pés repousam, entre os mais pobres,mais humildes e perdidos.O orgulho nunca pode se aproximar desse lugar onde caminhas com asroupas do miserável, entre os mais pobres, mais humildes e perdidos.O meu coração jamais pode encontrar o caminho onde fazes companhia aoque não tem companheiro, entre os mais pobres, mais humildes e perdidos.

Minha busca posterior me fez chegar à referência exata: Oferenda Líri-ca, nº 10 (Gitánjali) Rabindranath Tagore, Prêmio Nobel de Literatura1913. A tradução espanhola foi feita por Juan Ramón Jiménez e suaesposa Zenobia Camprubí, a quem o autor deu a exclusividade. Estetexto leva atrás de si uma extensa antologia bíblica, principalmenteem Os humildes possuirão a terra.

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sim, tu sabes quão grandes são, Senhor, as dores que sofro29, etambém conheces as que sofri e quão cansado estou desuportar-me! Como cada um ao vir ao mundo, levo umalei que, instalada justamente no meio de minha existência, metem prisioneiro do pecado30, como escreve Paulo, ou seja, aprópria inconsistência de fundo, seu defeito de fabricação–todo mundo conhece por triste experiência o seu– que omanterá em contato permanente com o fogo purificador queé Cristo. Saber isto poupará outra dor, fruto de distinçõespróprias de uma determinada filosofia31, e evitará ex-pressões como esta: Não projetar sobre a pessoa humana maisdor: já tem suficiente pelo fato de ter nascido32, que parecequerer dizer: já tem o inferno aqui.

29 Cf. Sl 118,107.30 Cf. Rm 7,23.31 Joseph RATZINGER, Introdução ao Cristianismo, Ed. Sígueme, Sala-manca 1969. Concretamente, na segunda parte, no número 9, quandotrata do Desenvolvimento da profissão cristã nos artigos de fé cristológica,nas pp. 263-272, onde fala de Jesus Cristo e nos diz: Cristo ressuscitoupara a vida definitiva, para a vida que não cai dentro das leis químicas e bio -lógicas (não confundir ressurreição com reencarnação), além de mui-tas outras coisas que nos fazem crer em nossa fé, como, por exemplo,a ressurreição da carne e o problema da ressurreição do corpo, queencontramos nas pp. 307-315. Se as tivéssemos conhecido a tempo,teríamos evitado expressões que encontraremos no ponto seguinte,recordando Les hores de Josep Pla, que me permito ler assim: “Cadaum já tem bastante com a própria cruz”, ou seja, “a própria degene-ração pessoal, o próprio defeito de fabricação, sem etiologiasbíblicas” (cf. Aldo MAGRIS, El mito del jardín del Edén, Morcelliana2008), para explicar a dicotomia que carregamos em nós e que estádesenvolvida em nosso contexto sócio-econômico-religioso, o quenos pouparia dizer: Já tem bastante pelo fato de ter nascido.32 Josep PLA, Les hores, Obra Completa, 20, Ediciones Destino, 1971, p.417. É preciso ler a frase –me parece– na chave da nota anterior.

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Quarenta anos de inútil função abacial! Como o permitis-te, Senhor? Minha passagem por essas responsabilidadesnão serviram para nada, nem a Poblet, nem à Ordem. En-vergonhado, recordo os muitos e graves erros. Por isso, atodos os que tivestes que suportá-los, vos peço perdão.Tudo deveria ser meditado e feito novamente. Porém, en-contrando-me já neste ocaso revelador à luz de Cristo,nesta hora vespertina, somente ocupa meu pensamento oafã de aproveitar a hora undécima para acabar de tirarimpedimentos do caminho dos que vêm atrás de mim:que as Congregações de monjas da Ordem se consolideme os jovens tenham oficialmente a oportunidade de rece-ber a formação que eu não tive; deixar o Arquivo da CasaGeral (ACGOC) organizado e a economia da Cúria sanea-da. E isto fazê-lo, se Deus o permite, antes de que seja de-masiado tarde, e não para glória minha, mas para o bemde todos os que vêm atrás de mim. Porém, como repararas más ações, os escândalos? Como recuperar o tempoperdido? Como obter, escolher –nesta última possibilida-de de eleição- o único necessário33? Pois confrontando-mesinceramente com o Cristo fogo, a quem tantas coisas ante-pus, apesar de ter professado segundo a Regra de SãoBento, que nos diz: Nada antepor ao amor de Cristo34.

Ao menos agora, quando finalmente aprendi, sem medo,de que fogo se trata, é preciso que me deixe queimar semantepor nada às chamas de Cristo fogo, o Mestre do Ser-mão da Montanha que me fez sentir desnudado e enru-bescido escutando-o, porque se não se chega a ser justo33 Cf. Lc 10,41-42.34 RB 4,21.

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como estes homens que lutam e sofrem pela justiça, a verdade ea humanidade, não se pode reconhecer a Cristo35. Isso é o fogo.Assim se encontram o mísero e a misericórdia. Quem não sedeixa interrogar por Ele e queimar a própria palha seca?36

Desde que se iniciaram os Cursos de Formação Monásticano Colégio São Bernardo da Ordem Cisterciense, emRoma, comecei uma velada narração biográfica que estácontida entre as linhas daquelas páginas dirigidas aos jo-vens monges e monjas, a fim de que possam aprender demeus erros, aquilo que eles não devem fazer. Passados es-tes anos trabalhando para os jovens da Ordem, senti-meobrigado a dizer e escrever coisas para eles, e tambémpermitir àqueles com os que convivi e puderam fazeruma leitura de minhas ações, relê-las agora com nova ereveladora luz. Deste diálogo entre a misericórdia de35 Mario MIEGGE, premissa ao livro de Alberto CONCI - SilvanoZUCAL, Dietrich Bonhoeffer, Morcelliana 1997, p. 26, onde se encontraliteralmente esta expressão para representar o efeito da incorporaçãodas bem-aventuranças à própria vida.36 Transcrevo um impressionante testemunho desse encontro com ofogo de Cristo: Creio ter chegado a compreender que teria sido verdadeira-mente claro e sincero, ao menos interiormente, se começasse a trabalhar se-riamene a partir do Sermão da Montanha… Há coisas, finalmente, pelasquais vale a pena comprometer-se sem reservas. E me parece que a paz e ajustiça social, ou propriamente Cristo, são coisas dese tipo. DietrichBONHOEFFER, Gesammelte Schriften II (Gesammelte Schriften I-III a cargode Eberhard Bethge, München 1959-1974) pp. 24 ss. Mencionadotambém por Renate WIND, Dietrich Bonhoeffer, Ed. Piemme, CasaleMontferrato 1995, p. 53 ss, que transcreve uma carta escrita ao seu ir-mão mais velho Karl Friedrich Bonhoeffer no dia 14 de janeiro de1935. Assim, pois, até então (1935), não foi dado a Dietrich Bonho-effer experimentar a materialização de Deus tomando seriamente oSermão da Montanha, quando já tinha 29 anos e era docente já faziatempo. A mim, porém, me foi dado experimentá-lo 48 anos mais tar-de do que tinha ele quando se deu conta disso.

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Deus e minha miséria, saiu de mim, por graça como umaespécie de confissão ao ver, nos fatos de minha vida, apalha que vai queimando-se ao contato com o Cristo fogopurificador37 nestes dias de trégua, para fazer emergir mi-nha verdade carente de autenticidade, amabilidade, sim-plicidade e modéstia.

Agora não me resta mais que refugiar-me na misericórdiade Deus38, pois já não posso fazer nenhum ato de repa-ração. Não há tempo para retificar, nem posso voltar atrásporque a vida caminha em sentido único. Somente meresta assumir deus desacertos, reconhecer a trama de míse-ras ações que seria preferível não recordar, por tão defeituosas,imperfeitas, equivocadas, tolas, ridículas como são39, ou seja,palha seca queimada lentamente ao calor de Cristo fogo, ebasta! Não vejo que nas cinzas sobre rastro da presençadaqueles principios sociológicos, fundados no direito natural,que nestes últimos tempos foram percebidos com maior nitideze proclamados com grande insistência pelo Magistério da Igreja(Mater et Magistra, Pacem in terris…). Entre os quais sãomuito importantes para nós os princípios correlativos de perso-nalismo e solidariedade, e também os de subsidiaridade e legíti-mo pluralismo dentro da unidade necessária que a Ordem, há

37 Cf. Spe salvi e também Santo AGOSTINHO em Comentarium in c. 8Evangelii Sancti Joannis, o encontro com a mulher surpreendida emadultério e apresentada a Cristo para que a julgasse.38 Cf. RB 4,74, frase lapidar posta no último lugar da lista dos instru-mentos das boas obras, como se quisessse dizer: ainda que todos osoutros instrumentos tenham-te falhado, que este fique firme.39 PAULO VI, Meditación ante la muerte, 1979.

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anos, havia proclamado40, e que eu havia repetido à direi-ta e à esquerda.

Meus familiares tiveram tanta paciencia comigo! Comotambém a tiveram os que me receberam em Poblet e, apesar de tudo, se fizeram responsáveis por mim, semimaginar –nem eles nem eu– o caminho que me virampercorrer e que, pela misericórdia deles e a de Deus,avançou em frente –mas não bem!–; pois nem isto soubeler com agradecimento e arrependimento. Tampouco po-sso falar de perseverança, nem de fidelidade à vocação,porque se me apresenta amiúde a pregunta: verdadeira-mente tinha vocação?; não havia outro caminho paramim? Também alguém escreveu: Ninguém deve pedir a or-denação sem a certeza de ter sido chamado41. Por que, pois, meparecia ter a segurança de ter sido chamado como poruma espécie de determinismo? Que sinais tinha para con-tinuar adiante? Às vezes, inclusive, pensei nisto: a falta decandidatos pode fazer com que se abram as portas domosteiros a todos os que batem e…, não poderia ter sidoeste o meu caso?

Depois do padecimento sofrido, causado por essas últi-mas perguntas, vivendo no fogo, não posso, como PauloVI em sua meditação sobre a morte, perguntar-me: Porque me chamaste? Por que me escolheste? Tão inepto, tão tei-moso, tão pobre de mente e de coração? O sei: “Quae stulta

40 Declaração do Capítulo Geral (1968-1969) sobre os principais elementosda vida cisterciense hodierna, nº 83, tão importante para nossa identida-de monástica.41 Dietrich BONHOEFFER, La Parola predicata. Corso di omiletica a Finken-walde, Ed. Claudiana, Torino 1994, p. 33.

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sunt mundi elegit Deus… ut non glorietur omnis caro in cons-pectu eius”: Deus escolheu o absurdo do mundo… para queninguém possa gloriar-se diante de Deus (1 Cor 1,27-28). Mi-nha eleição indica duas coisas: minha pequenez e tua liberdade,misericordiosa e potente, que não se deteve nem diante de mi-nhas infidelidades, minha miséria, minha capacidade de trair-te: “Deus meus, Deus meus, audebo dicere… in quodam aesta-sis tripudio de Te praesumendo dicam: nisi quia Deus es, inius-tus esses, quia peccavimus graviter… et Tu placatus es. Nos Teprovocamus ad iram, Tu autem conducis nos admisericordiam”: Meu Deus, meu Deus, atrever-me-ei a dizer...em um regozijo enlevado de Ti com pretensão: se não fossesDeus, serias injusto, porque pecamos gravemente... e Tu teaplacaste. Nós a ti provocamos a ira e Tu, em troca, nosconduzes à misericórdia (PL 40,1150)42. Estas palavras meserviriam de consolo, mas foram ditas por ele, o papaPaulo VI! –respondo-me sem para mim apropriá-las–, eassim, me encontro no fogo devorador e também,afortunadamete, purificador.

Agora, nestes dias que são os penúltimos, nesta tréguaque Deus me dá, quando meus familiares e os mongesque me conheceram e suportaram já passaram rio abaixo,cabe a mim fazer a reconciliadora leitura, mais viva doque nunca, de meu pobre contexto sócio-econômico-reli-gioso e político que me configurou tal como sou, tanto nainfância e juventude, como no mosteiro e na Ordem. Ouseja, reconciliar-me com minha cultura da pobreza paraaprender que, apesar de toda a decadência vivida nasfontes culturais de baixo extrato e a confusão interior cria-

42 PAULO VI, Meditación ante la muerte, 1979.

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da43, finalmente, com a forte sacudida que foi aquele aci-dente do ano de 2006, o Senhor me fez ver, já no final dajornada, que o Evangelho também é para mim, ainda queseja entre os últimos chamados: Ide ao mundo inteiro e pro-clamai o Evangelho a toda criatura44. Porém agora sobram aspalavras e os escritos de reconciliação, porque já não souquem era quando, vivendo na cegueira, era o momento

43 Antonio GAMONEDA, La cultura de la pobreza. Discurso pronunciadopelo autor no momento de receber o Prêmio Cervantes em 23 de abrildo ano de 2007, momento em que fala com uma grande sinceridadede suas fontes culturais de baixo extrato. Outros como ele podemossubscrever-nos a tudo o que o laureado disse nesta ocasião, inclusiveo que calou, mas que poderia ter completado se tivesse feito umadescrição de outros aspectos vividos na cultura da pobreza e do sofri-mento. Fazendo-o assim nos teria poupado desnudar-nos a fim demostrar as semelhanças existentes entre ele e nós. Recentemente,também escreveu algo parecido Sílvia ALCÀNTARA que, em sua nove-la Olor de Colonia, Barcelona 2009, Edicions de 1984, descreve o con-texto sócio-econômico e político-religioso de um dos centros indus-triais têxteis, chamados colônias, construídas para aproveitar a forçahidráulica do rio Llobregat e quase todos os outros: Ter, Fluvià, Car-doner…, quando no século XIX chegou a Revolução Industrial à Ca-talunha. Seu contexto não estava longe daquele em que eu nasci evivi até a idade de doze anos. Quem bebeu nas fontes culturais debaixo extrato conserva delas, geralmente, o próprio léxico e um típicotemperamento de evasão –às vezes inclusive sarcástico– para dissi-mular, tentando por um momento esconder as angústias, tristezas,privações e frustrações que as envolvem, mas que se manifestam emuma certa maneira de comer primitiva e um estilo particular na for-ma de vestir; inclusive na forma de brincar, sem os brinquedos quetêm os meninos, e na maneira de divertir-se na juventude; em umasingular visão do mundo e no ridículo estilo de deformar a toponí-mia e de utilizar a gramática: por exemplo, em lugar de dizer “allíarriba” troca-se por “allí p’arriba”. Isto poderia ilustrar-se com mui-tos outros exemplos, segundo o contexto vital. Sair dessas fontes cul-turais de baixo extrato é quase impossível, por muito que alguém se

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de fazê-lo e não o soube fazer. Neste momento, explicadocom palabras lidas e tomadas emprestadas nas páginasda “razão narrativa”, posso formulá-lo, mais ou menosassim:

Das pessoas que passaram rio abaixo já não recordamos os de-feitos, os inconvenientes, aquelas reações que tiveram conosco eque nos impulsionaram a tratá-las com dureza e, às vezes,amiúde, com absoluto desprezo. Das pessoas que passaram rioabaixo não se recorda delas mais que os momentos de silêncio,de frieza, de malícia, de ódio que tivemos para com eles. Osmortos gozam desta vantagem; deixam de ser pesados, sua ges-ticulação já não é ridícula, não vemos mais seu rosto, suas pala-bras já não ferem. Convertem-se em sombras melancólicas denossa memória incerta. E os vivos temos esta desvantagem:sentir o espinho do que podíamos fazer e não fizemos, do que te-

envergonhe de ter tido que beber nelas e se esforce por afastar-se de-las, até o ponto de crer ter-se libertado, já que sempre aparecerá algoque porá em evidência suas origens. Assim, pois, a ninguém é dadopoder de escolher entre nascer em um palácio real, ou no portal deBelém.Não se pode dizer que o tema esteja superado porque as distânciassociais se encurtaram, pois o contexto cultural somente se assume,mas sair de todo dele é muito difícil, quase impossível, e é possívelchegar a dizer a si mesmo: sou de baixo extrato cultural e basta; chei-ro a colônia, um odor que não se pode dissimular com nenhuma es-pécie de perfume, ainda que tenha frequentado a universidade, ouainda chegado a ser dela doutor honiris causa. Fica somente, como re-médio consolador, reconciliar-se com o contexto. É preciso dizer, en-tretanto, que ninguém nasce ensinado, culturizado: compete ao con-texto vital que coube a cada um, sem poder escolher outro. O fato deter nascido em uma família endinheirada não quer dizer que não sejapobre culturalmente. Em nosso tempo, afortunadamente, chegou-se anivelar as diferenças sociais.44 Mc 16,15.

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ríamos podido poupar e não poupamos, do que teríamos podidodar e não demos. Do que teríamos podido fazer, poupar, entre-gar, dizer com tão pouco esforço ou com um mínimo esforço!Mas já é tarde. As lamentações são inúteis, vazios nossos arre-pendimentos, as reparações são estéreis. E isso põe em nossavida uma projeção de sombra e de tristeza. A vida da memórianos invade e pressiona nossa existência presente. Porém já nãohá remédio, tudo é inútil, as lamentações não têm nenhum sen-tido. O tempo é irreversível, e o que foi, foi, pura e simplesmen-te. Envenenamos a vida das pessoas que mais amávamos. Àspessoas indiferentes não lhes fizemos, talvez, nenhum dano,precisamente por que o eram, porque não havíamos entrado emsua vida. Em troca, amargamos a vida das pessoas que maisamávamos. O que devem pensar de nós essas pessoas que che-garam à paz definitiva? O que devem pensar de nós os nossosmelhores amigos? Devem pensar, talvez, que mais lhes teria va-lido uma atenção, um olhar amável, um sorriso, um gesto cor-dial, em vida, do que todos estes vãos remorsos póstumos45.

45 Josep PLA, Les hores, Ediciones Destino. Obra Completa, 20, Barce-lona 1971, pp. 409-410. Ao falar dos fiéis defuntos, o autor, a quemum conhecido escritor denomina “a razão narrativa” (cf. Josep. M.CASTELLET, Josep Pla o la raó narrativa, Barcelona 1978), além de ter-nos ensinado a escrever, nos falou de outras coisas, como, por exem-plo, dos sentimentos de arrependimento e agradecimento por nossosdefuntos, e também a não confundir ressurreição com reencarnação,para não espantar as pessoas com o fogo eterno (ver a citação de Jose-ph Ratzinger e também a de Aldo Magris na nota 31 desta medi-tação). Muitos anos antes, Dietrich Bonhoeffer escreveu: o que pas-sou regressa a nós como a parte mais viva de nossa vida através doagradecimento e do arrependimento (cf. Ugo PERONE e MarcoSAVERIANO, Dietrich Bonhoeffer. Eredità cristiana e modernità, Claudiana2006, p. 216. E também Dietrich BONHOEFFER, Resistencia y sumisión,Ed. Ariel 1969, p. 88).

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Porém a encarnação de Deus em Cristo uniu de tal modojuízo e misericórdia que a justiça vem estabelecida comfirmeza: Todos nós esperamos nossa salvação “com temor etremos” (Fl 2,12). Não obstante, a graça nos permite a todos es-perar e encaminar-nos cheios de confiança ao encontro do Juiz,que conhecemos como nosso “advogado”, o paráclito (cf. Jo2,1), lemos na Spe salvi46. E por isso também posso dizer:Faz-me ver, Senhor, a luz de teu rosto e serei salvo47, que deveser a via mais fácil para mim, a que está ao alcance de to-dos, pois sabemos que na Igreja existe um “estado de perfei-ção”no qual alguém se obriga a cumprir aquilo que não estámandado, superando assim a Lei. Porém os que pertencem a elesão os primeiros a afirmar que sempre estão começando, quesempre desejam algo mais. O “estado de perfeição” revela dra-maticamente a perpétua imperfeição do homem48. Por isso,porque pertenço à classe dos que devem fazer esta dra-mática confissão, tenho que amparar-me sob a luz de teuolhar, o único caminho através do qual posso caminar, e omais adequado para mim, porque sei que aquilo que éimpossível para os homens é possível para Deus49; e me man-tenho nele porque está feito à minha medida, pois por eleavançam os vestidos com roupas miseráveis, os mais pobres, osmais humildes e perdidos50, ou seja, aqueles no sofrimento46 Spe salvi, 47.47 Cf. Sl 79,4.48 Joseph RATZINGER, Introducción al Cristianismo, Ed. Sígueme, Sala-manca 1969, p. 223; e RB 73, onde lemos que a Regra de São Bento foiescrita para principiantes, para aqueles que se encontram no início,que são siempre noviços.49 Lc 18,27.50 Rabindranath TAGORE, ver nota 28 deste escrito. A estampa do Ag-nus Dei que encabeça o texto, em lugar de uma tradicional cruz, re-corda-me o texto de Tagore, porque o Logos, a Palabra de Deus se fez

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dos quais Deus está presente51. E sou eu um deles, umdos perdidos.Agora, na impossibilidade de fazer nem manifestar nada,recordo as perguntas do salmista: O Senhor nos rechaçapara sempre e já não voltará a favorecer-nos? Já esgotou-se suamisericórdia, terminou-se para sempre sua promessa? Deus seesqueceu de sua bondade, ou a cólera fecha suas entranhas? 52 Etambém se há de recordar: Pois Deus nos encerrou a todosna desobediência para ter misericórida de todos53.

carne (Jo 1,14), tomou nossa própria natureza (a ovelha prisioneiradas paixões) e nos ensinou o caminho de retorno a Deus (o Sermãoda Montanha). Tomou sobre si –nas palavras de Tagore– as roupas do mi-serável, viveu entre os mais pobres, os mais humildes e perdidos. Eis aqui oCordeiro de Deus que leva sobre si o pecado do mundo, ou seja, a na-tureza humana prisioneira de seu defeito de fabricação pessoal. OCordeiro, pois, leva nossa natureza onde quer que vá: Agnum iugitersequuntur (cf. Jo 1,36 e Ap 14,4).51 Dissemos e repetimos que não é somete o ato religioso (a graça abom preço, tarifada) o que faz o cristão, mas sua participação na dorde Deus, no sofrimento do mundo, ou seja, nas obras de misericór-dia, tal como Cristo no juízo final disse: Tive fome e me destes de comer,tive sede e me destes de beber (Mt 25,31-46); também encontramos nasbem-aventuranças: Felizes os que choram, porque serão consolados (Mt5,4); e o repete o Compêndio do Catecismo da Igreja Católica no Apêndice,onde enumera as sete obras de misericórdia espirituais, em concretoa quinta: Consolar os aflitos. Cristo se identifica, pois, com todos osque sofrem moral e fisicamente, ou seja, com aqueles nos quais a dorde Deus se manifesta. Isto é: “ser” um com os demais e “para” os de-mais, atitude que requer um esforço: “a graça que custa”. DietrichBonhoeffer falou-nos sobre “a graça a bom preço” e “a graça que cus-ta” em El precio de la Gracia, Ed. Sígueme, Salamanca 1968.52 Sl 76,8-10.53 Rm 11,32.

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Para dar-me uma resposta, unicamente falta-me escutar,cabisbaixo, aquilo que o Mestre e Juiz misericordioso dis-se em uma conhecida cena evangélica54, e que, ao chegar ahora de meu encontro final com Ele –assim o espero, ain-da sem saber a hora, nem como, nem onde será–, repetirádiretamente para mim:

—Ninguém te condenou?—Ninguém, Senhor.—Tampouco eu te condeno55.

Então, diante da misericórdia, eu, o mísero, sinceramenteagradecido e envergonhado, com voz baixa –se naquelahora ainda me restarem forças e estou consciente, porquea recordação do acidente, que me deixou sem consciência,sempre paira sobre mim–, lhe responderei:

Senhor, tende piedade! Cristo, tende piedade! Senhor, tende piedade!

1933-2008Roma, 10 de julho de 2008.

54 A mulher adúltera a ponto de ser apedrejada, mas que foi final-mente salva.55 Cf. Jo 8,10b-11a. Sem pedir-lhe nada sobre as circunstâncias de pes-soa, de lugar, nem número de vezes, não a condenou.

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P.S.: Isso que escrevi, ao cumprir setenta e cinco anos,com a mente ainda clara, é antes uma confissão fruto docontato com o Cristo fogo, do que aquilo que agora se cha-ma de um “testamento espiritual”, porque não vos possodeixar nada, já que nada possuo. Só devo pedir, uma vezmais e ao modo de Viático, a misericórdia de Deus e a vos-sa56.

56 Ritual Cisterciense para começar o noviciado e na hora de emitir asprofissões.

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Fragmentos extraídos de distintas alocuções do AbadeGeral Maur Esteva dirigidas aos joves monges e monjas,alunos dos Cursos de Fomação Monástica no Colégio SãoBernardo da Ordem Cisterciense, em Roma.

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1. Extrato da alocução de 24 de agosto de 2008

Da Opção pelos jovens, esperança para o futuro, aos que épreciso fazer crescer, nem se podia falar, a menos que se tratas-se daqueles para os quais se tinha uma certa preferência e selhes considerava os únicos aptos, até o ponto que os outros, osexcluídos, chegavam a repelir de maneira natural os particula-rismos concedidos aos favoritos, sem atrever-se a formular essesentimento. A Opção pelos jovens, quer dizer tomar parte naguerra generacional? Não, obrigado! Quer dizer, simplesmente,oferecer-lhes, em um tempo e de forma geral, a formação, ouseja, o desenvolvimento de seus dons e talentos, coisa que nãotivemos em nosso tempo.

A igualdade de oportunidades culturais era impensável. Os jo-vens que, por uma ou outra razão, não haviam recebido a pre-paração para entrar na universidade, não tinham, de maneirageral, nenhuma porta aberta como a que, afotunadamente, ago-ra se lhes dá, se têm necessidade de recuperar aquilo que nãohaviam recebido ao estar em uma cultura da pobreza, de modoque a igualdade reine na comunidade, sem nenhum exclusivis-mo social nem cultural, e, menos ainda, por arbitrariedades dequalquer tipo. Isso é optar pelos jovens.

[…] Daqui nasceram os Cursos de Formação Monástica, comoexpressão concreta da Opção pelos jovens, e que quiseram seruma espécie de resposta ao papa João Paulo II, guia luminoso efascinante, que confiou na nova geração, e já desde o primeiromomento de seu Pontificado os chamou “sua esperança”, dizen-do-lhes que deles necessitaria. Ou seja, confia neles e cria paraeles a Jornada Mundial da Juventude que lhe fez manter-se em

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contato e sintonia com as futuras gerações, atitude que lhe con-servou o coração joven, até o ponto que milhões de meninos emeninas, jovens e também adultos, lhe acompanharam e chora-ram, como jamais se havia visto até então em uma manifestaçãode lástima e adesão por um Papa defunto.

2. Extrato da conclusão do curso 2009, em 26 de setem-bro

Deveis ser criadores de um novo monaquismo, que só tenha emcomum com o antigo a ausência de outras aspirações que nãosejam as de uma vida segundo o Sermão da Montanha, na Se-quela Christi.

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3. Em 28 de agosto de 2010, antes de sair da Casa Geralpara ir inaugurar o último Capítulo Geral como Aba-de Geral, despediu-se, na aula do Colégio São Bernar-do, dos jovens estudantes do Curso de Formação Mo-nástica, que –segundo ele os chamava– haviam sidosua opção. A modo de recapitulação de todas as men-sagens pronunciadas durante os cursos dos três trie-nios, usou em sua última alocución, uma vez mais,umas palabras de Dietrich Bonhoeffer tiradas de Re-sistência e submissão (Edições Ariel, Barcelona 1969, pp.26-27), que transcrevem literalmente:

A verdadeira nobreza se origina e se mantém pormeio do sacrifício, da coragem e de uma consciênciaaguda daquilo que devemos a nós mesmos e daquiloque devemos aos demais. Finalmente, a nobreza semantém pela exigência evidente do respeito que co-rresponde à pessoa humana, e pela salvaguarda,igualmente evidente, do respeito devido aos supe-riores e aos inferiores.

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Chorin, Pomerânia, perto de Finkenwalde, fevereiro 2008.

Mas, ao progredir na vida monástica e na fé,dilatado o coração pela doçura de um amor inefável,

percorre a alma o caminho dos mandamentos de Deus

(Regra de São Bento, pról. 49)

Fotógrafo: Ignacy Rogusz

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