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E, no seu clamor, às praias estendera Mas hoje, já de forças exaurida, É fraca a sua voz ante essa tumba; Do peito vem, porém já não retumba Nos ecos das nações mais poderosas. Apenas sua irmã, a mais vizinha, Que quase a mesma linguagem fala, Compassiva parece lamentá-la, Ouvindo suas queixas dolorosas. Poeta, dorme pois: a tua campa Não ficará sem lágrimas nem flores, As liras soltam fúnebres clamores E os ventos reproduzem suas queixas. Dorme, dorme, poeta, que o teu sono A turba inquietaria com os seus passos; Mas qual o infante nos maternos braços, Dorme ao som dessas lânguidas endeixas. Dorme, dorme em sossego... mas, silêncio! Para que solto a voz? Cala-te ó lira! Se o génio da poesia não te inspira, Para que o seu cultor lamentas triste? Diante da mudez deste sepulcro Os teus ais de dor, ó coração, suspende; Vê em silêncio o Sol, que ao ocaso pende Como em silêncio no zénite o viste. Março de 1860. Nota do Autor. — Obedeci a um impulso irresistível escrevendo esta poesia. Admirei Soares de Passos durante a vida, como poeta, no seu livro; como homem, nas sempre lembradas noites em que, entre poucos mas escolhidos amigos, víamos na sua casa correrem as horas como instantes e passarem as longas noites de Inverno como um sonho delicioso e aprazível.

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  • E, no seu clamor, s praias estendera

    Mas hoje, j de foras exaurida,

    fraca a sua voz ante essa tumba;

    Do peito vem, porm j no retumba

    Nos ecos das naes mais poderosas.

    Apenas sua irm, a mais vizinha,

    Que quase a mesma linguagem fala,

    Compassiva parece lament-la,

    Ouvindo suas queixas dolorosas.

    Poeta, dorme pois: a tua campa

    No ficar sem lgrimas nem flores,

    As liras soltam fnebres clamores

    E os ventos reproduzem suas queixas.

    Dorme, dorme, poeta, que o teu sono

    A turba inquietaria com os seus passos;

    Mas qual o infante nos maternos braos,

    Dorme ao som dessas lnguidas endeixas.

    Dorme, dorme em sossego... mas, silncio!

    Para que solto a voz? Cala-te lira!

    Se o gnio da poesia no te inspira,

    Para que o seu cultor lamentas triste?

    Diante da mudez deste sepulcro

    Os teus ais de dor, corao, suspende;

    V em silncio o Sol, que ao ocaso pende

    Como em silncio no znite o viste.

    Maro de 1860.

    Nota do Autor. Obedeci a um impulso irresistvel escrevendo esta poesia.

    Admirei Soares de Passos durante a vida, como poeta, no seu livro; como

    homem, nas sempre lembradas noites em que, entre poucos mas escolhidos

    amigos, vamos na sua casa correrem as horas como instantes e passarem as

    longas noites de Inverno como um sonho delicioso e aprazvel.

  • Foi ento que pudemos apreciar a pureza daquele caracter, aquela rigidez de

    princpios, que nesta poca de indiferentismo e egosta especulao, causava

    assombro a quantos o ouviam.

    Por isso, quando morreu, senti-o. como todos que prezavam as letras ptrias e

    como todos que respeitam os caracteres elevados; mas senti-o tambm, como

    ningum, pela dor que a sua morte deixava no corao do seu irmo, o mais

    sincero, desinteressado e generoso amigo que nunca hei encontrado.

    Tudo isto me levou a lamentar a sua morte, temerria empresa de onde me

    no podia sair bem.