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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA - INPA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA CAROLINA TAVARES DE FREITAS Manaus, Amazonas Novembro, 2013 Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central

Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de … · 2015-05-28 · família, pessoas que me proporcionaram momentos inesquecíveis e me fazem sentir que tenho uma

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INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA - INPA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA

CAROLINA TAVARES DE FREITAS

Manaus, Amazonas

Novembro, 2013

Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central

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CAROLINA TAVARES DE FREITAS

ORIENTADOR: DR. GLENN HARVEY SHEPARD JR

COORIENTADORA: DRA. MARIA TERESA FERNANDEZ PIEDADE

Dissertação apresentada ao Instituto Nacional de

Pesquisas da Amazônia como parte dos requisitos

para obtenção do título de Mestre em Biologia

(Ecologia).

Manaus, Amazonas

Novembro, 2013

Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central

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Relação da banca julgadora

1. Banca examinadora do trabalho de conclusão – Versão escrita

Dr. Nivaldo Peroni (Universidade Federal de Santa Catarina) – Aprovada com correções

Dr. Florian K. Wittmann (Max Planck Institute for Chemistry) – Necessita revisão

Dr. José Júlio de Toledo (Universidade Estadual de Roraima) - Aprovada

2. Banca examinadora do trabalho de conclusão – Defesa presencial

Dr. Florian K. Wittmann (Max Planck Institute for Chemistry) - Aprovada

Dr. Jansen A. S. Zuanon (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) - Aprovada

Dr. Charles R. Clement (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) - Aprovada

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F866 Freitas, Carolina Tavares de

Ecologia, etnoecologia e uso local de matupás na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central / Carolina

Tavares de Freitas. --- Manaus : [s.n], 2013.

xiii, 110 f. : il. color.

Dissertação (Mestrado) --- INPA, Manaus, 2013.

Orientador : Glenn Harvey Shepard Jr.

Coorientadora : Maria Teresa Fernandez Piedade.

Área de concentração : Ecologia.

1. Ilhas flutuantes 2. Turfeiras 3. Comunidade vegetal 4.

Conhecimento tradicional 5. Uso de recursos naturais 6. Lagos de

várzea I. Título.

CDD 574.5

Sinopse:

Unindo abordagens da ecologia e da etnoecologia, estudou-se a

composição florística dos matupás (ilhas flutuantes amazônicas),

aspectos estruturais dessas ilhas, seu processo de formação, a relação

entre sua ocorrência e fatores bióticos e abióticos, sua importância

ecológica e sua relevância para populações ribeirinhas da RDS Amanã

(Amazonas, Brasil).

Palavras-chave: Ilhas flutuantes, turfeiras, comunidade vegetal,

conhecimento tradicional, uso de recursos naturais, lagos de várzea

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Dedico este trabalho àqueles e àquelas

que buscam fazer deste mundo um lugar

mais bonito e justo.

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Agradecimentos

Ao INPA, incluindo seus pesquisadores e colaboradores, pela oportunidade do mestrado, por

contribuir muito para minha formação acadêmica e me proporcionar tantos aprendizados.

Ao CNPq, por me conceder uma bolsa de mestrado.

Aos meus orientadores, Glenn H. Shepard Jr. e Maria Teresa F. Piedade, que aceitaram ceder

parte de seu tempo para me ajudar a fazer o melhor possível. Sou muito grata pelo

acolhimento e por todas as sugestões, comentários e direcionamentos.

A Florian Wittmann, por ter sido sempre bastante solícito e ter compartilhado alguns de seus

conhecimentos e ideias comigo, contribuindo muito em diferentes etapas do trabalho.

A todos do projeto INPA-Max Planck e do grupo Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável

de Áreas Úmidas (MAUA), uma equipe que está sempre disposta a auxiliar em qualquer

necessidade, buscando fornecer as melhores condições para o desenvolvimento das pesquisas.

Ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) por financiar a pesquisa e

fornecer todo o apoio logístico.

À National Geographic Society por contribuir para o financiamento da pesquisa.

À equipe do Instituto Piagaçu (2011), em especial a Helô (Heloísa Brum) e o Duka (Eduardo

von Muhlen), que mostraram-se acolhedores e favoráveis à possibilidade de uma parceria e

estão de alguma forma ligados ao início do meu projeto. Agradeço especialmente também ao

Zeca (José Rabello), a primeira pessoa a me falar sobre os matupás e o cultivo de

comunitários nessas ilhas – provavelmente ele não imaginava que esses diálogos seriam tão

importantes para o restante da minha trajetória no mestrado.

Àqueles que aceitaram avaliar meu trabalho e dar sugestões para seu aprimoramento em uma

ou mais etapas do processo, incluindo o plano de mestrado, a aula de qualificação, a

dissertação e a defesa oral. Um agradecimento especial a Charles R. Clement, não apenas por

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ser um avaliador muito atencioso e dedicado, mas também por ter se colocado sempre à

disposição para contribuir com o desenvolvimento do meu projeto.

A todos aqueles que consultei e que tentaram contribuir de alguma forma, ainda que com

pequenos comentários e sugestões ou apenas com conversas descontraídas. Algumas ideias e

esclarecimentos surgem assim, nos diálogos informais, quando menos esperamos.

Ao “etnopeople”, grupo formado por pessoas muito queridas que se juntaram para trocar

ideias sobre o universo “etno”. Nossos encontros foram sempre muito enriquecedores e me

fortaleceram ao proporcionar a sensação de não estar sozinha em um contexto no qual a

pesquisa etnobiológica é ainda tão incipiente.

À Marina (Marina Vieira), por ter sido bem mais que minha “dupla acadêmica”. Por ter tido

tanta paciência com minhas dúvidas e inseguranças em relação ao mestrado, por ter

contribuído muito em todas as etapas. Por ser uma amiga querida e uma parceira acadêmica

das melhores que se pode ter.

À Ju (Juliana Lins) e ao Chico (Francisco Diniz), pela convivência harmoniosa em nossa casa,

por tantas ideias trocadas e pelo apoio de todas as horas.

Aos demais amigos de Manaus, pessoas que tantas vezes proporcionaram momentos de

alegria e amenizaram os de tensão. Os amigos foram (e são) parte essencial da minha vida

nessa cidade. Com eles, a caminhada até aqui certamente foi mais fácil e agradável. Agradeço

especialmente à Julia (Julia Tavares), pelo seu grande companheirismo e alto-astral, por tantas

coisas compartilhadas. À Dri (Adriane Morais) e à Nanda (Fernanda Rodrigues), pela sincera

disposição para ajudar em tudo. À Carolzinha (Carolina Levis), Pimentinha (Clarissa

Pimenta), Suiço (Stefan Ammann), Danete (Adriano Didonet), Jerê (Felipe Reis) e Estopa

(Henrique Seixas), os cariocas que me proporcionaram uma ótima chegada e início de

vivências em Manaus, pessoas que sempre me alegra encontrar e trocar ideias. À Mari

(Mariana Cassino), pelas aulas de yoga que me fizeram tão bem. Aos companheiros da turma

da ecologia 2011, com os quais tantos momentos compartilhei, especialmente Nayara Soto,

Maíra Rizzi, Gabi Soberón, Juliana Bonanomi e Thiago Couto, além daqueles já citados

anteriormente.

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Aos amigos de Recife e do Rio, pessoas que me trouxeram muitas vivências importantes e

que de alguma forma têm relação com minha estadia aqui. Eles me fazem ter cada vez mais

certeza de que a distância e o tempo não são capazes de afetar verdadeiras amizades. Em

especial agradeço à Marcinha, que, além de compartilhar e tentar amenizar minhas angústias

associadas ao mestrado, me trouxe muitas reflexões, aprendizados e sentimentos bonitos.

Agora tento trazer meus mais profundos agradecimentos para aqueles que as palavras e gestos

certamente não seriam suficientes para demonstrar toda a minha gratidão...

Aos moradores do Amanã, pessoas tão incríveis que me emocionaram tantas vezes e me

receberam de forma tão acolhedora. Um agradecimento especial aos que disponibilizaram

parte de seu tempo para participar das minhas entrevistas e compartilharam seus preciosos

conhecimentos comigo. Sou muito grata também àqueles que me acompanharam nos matupás

como assistentes de campo: Zezão, Alair e seu Roberto (comunidade Nova Jerusalém);

Hudson e Divino (Bom Socorro); Carica e Pequiá (Várzea Alegre); Marquinhos e Sena (Vila

Nova). Minha eterna gratidão ao Áquila, muito mais que um assistente de campo, um irmão

amazonense que a vida me presenteou. Todo seu apoio nas minhas idas ao Amanã foi

fundamental para a realização da pesquisa. Gratidão sincera e intensa também a toda sua

família, pessoas que me proporcionaram momentos inesquecíveis e me fazem sentir que tenho

uma família na Amazônia - lembrarei sempre dos momentos no Ubim, no Cacau e no Bom

Socorro com imensa saudade e muito carinho.

Ao Helder, esse maravilhoso companheiro que mudou completamente os meus dias, que me

faz tão feliz e me traz tanta paz. Agradeço por toda sua imensa ajuda no processo de

construção desse trabalho, mas ainda muito mais por tudo o que trouxe (e traz) de bonito,

agradável e inesquecível para a minha vida como um todo.

Por fim, à minha família extremamente querida - minha mãe, meu pai, minha vó, meus

irmãos. Pessoas que simplesmente nem tenho palavras para descrever. Pessoas lindas, que

tanto me ajudam a nunca perder o rumo. Que contribuíram (e contribuem) imensamente para

o meu crescimento, que sempre me proporcionaram tantos aprendizados e momentos

maravilhosos. Que me apoiam a cada passo. Que me fazem desejar a invenção do

teletransporte com muita frequência. Que me fazem tão mais feliz, somente por saber que

estamos conectados. Que me fazem acreditar em um mundo melhor.

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MATUPÁS

“- Que serão matupás?

- Eu vos direi, leitor:

- Entremos a floresta...À nossa frente, ha um lago...

Verde vegetação vicêja, à quieta, flôr...

Capinzaes...Lá no fundo, em seu palacio mago,

A Yára, a fascinar, com seus philtros de amôr,

o incola ou o pescador, de olhar sombrio e vago...

Canta!...e elle se encanta, ao inebriante dulçôr

da mysteriosa vóz, toda blandicia e afago...

Quando o nível da enchente aos igapós se alteia,

toda a flóra lacústre o grande veio ruma,

e vae, corrente em fóra...em vírides ilhotas...

Tudo ao capim se agrega: - a alvadia colmeia,

jacarés, jaçanãs, os cédros, a samaúma,

oiranas, assacús, repletos de gaivotas,

garças e maguarys; sapos, cóbras, guarás...

Em synthese, leitor, - o que são matupás?

- Um mundo vegetal, animado e sombrio,

pomposo, pontilhando a corrente do rio...

Fauna e flora – do valle as primitivas donas,

Em ronda secular, no dorso do Amazonas...”

(“Matupás do meu lago”, José Ferreira Sobrinho, 1935)

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Resumo

A pesquisa ecológica e a pesquisa etnoecológica possuem forte potencial para nos permitir

conhecer e compreender melhor elementos e processos ecológicos, a partir do uso de

diferentes métodos e formas de consolidar ideias. Essas duas abordagens podem ser

complementares, e estudos que busquem uni-las tendem a resultar em trabalhos mais

completos e informativos. Aqui, o conhecimento científico e o tradicional foram utilizados

conjuntamente na obtenção de informações sobre os matupás, ilhas flutuantes que ocorrem em

lagos de várzea da Amazônia. Os matupás são formados por um bloco de material orgânico

parcialmente decomposto em sua base e uma comunidade vegetal e animal em sua superfície.

Por possuírem um substrato orgânico com características de turfa, também podem ser

considerados turfeiras. Apesar de já existirem muitos estudos sobre os diversos tipos de ilhas

flutuantes e turfeiras no mundo, há pouca informação a respeito para a Amazônia. Sobre os

matupás, o conhecimento científico é ainda muito incipiente, não havendo sido feitos estudos

centrados apenas nessas ilhas. Por outro lado, povos ribeirinhos que vivem próximo a

matupás demonstram possuir bastante conhecimento sobre essas formações e utilizá-las em

atividades relacionadas à agricultura e pesca. No presente estudo, buscamos reunir

informações obtidas a partir da realização de um inventário florístico (espécies

herbáceas/lenhosas) em matupás na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã

(Amazonas, Brasil) e de entrevistas com ribeirinhos moradores da Reserva. Para tanto, (i)

amostramos 10 matupás, delimitando parcelas de 5 x 5 m para amostragem de espécies

lenhosas e obtenção de dados sobre a espessura do substrato do matupá, e subparcelas de 1 x

1 m para espécies herbáceas (n = 82 parcelas e subparcelas); e (ii) realizamos 35 entrevistas

com ribeirinhos de cinco comunidades, levantando informações sobre o processo de formação

dos matupás; fatores bióticos e abióticos relacionados à sua ocorrência; sua importância

ecológica; e sua utilidade para os ribeirinhos. A partir dos dados obtidos nas amostragens,

pudemos perceber que a espessura do substrato do matupá é um parâmetro de muita

importância na ocorrência e distribuição de plantas em sua superfície. Conforme o substrato

se torna mais espesso, o número de espécies lenhosas aumenta e ocorre uma substituição de

espécies, modificando sua fitofisionomia como um todo. Matupás mais espessos apresentam,

ainda, uma maior dissimilaridade florística entre locais em seu interior, o que indica que são

ambientes mais heterogêneos. A partir das entrevistas, obtivemos explicações detalhadas

sobre processos relacionados aos matupás, destacando-se informações ecológicas de muita

relevância que eram desconhecidas pela ciência. Dentre elas, a importância da dinâmica

sazonal de enchente/vazante para formação dos matupás e a relevância dessas ilhas para a

abundância de peixes de grande porte nos lagos. Dados sobre composição florística fornecidos

pelos entrevistados foram comparados aos resultados do inventário realizado nos 10 matupás,

havendo relação entre ambos. Para os ribeirinhos, os matupás são uma importante fonte de

adubo no cultivo em canteiros e um local propício para pesca do pirarucu (Arapaima gigas),

além de possuírem importância indireta na dieta desses povos ao favorecer a abundância de

peixes nos lagos.

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Ecology, ethnoecology and local use of matupás in Amanã Sustainable

Development Reservation, Central Amazon

Abstract

Ecological research and ethnoecological investigation have strong potential to allow us to

better know and understand ecological processes, by using different methods and approaches.

They can be complementary and studies that seek to connect them tend to result in more

complete and informative labors. In this study, traditional and scientific knowledge were used

together to obtain information about matupás, floating islands that occur in Amazonian

floodplain lakes. Matupás are formed by a block of partially decomposed organic material at

its base and a plant and animal community on its surface. By having an organic substrate with

characteristics of peat matupás can be also considered as peatlands. Although there are many

studies about the different types of floating islands and peatlands around the world, there is

little information within the Amazon. Scientific knowledge about matupás is still incipient,

there are actually no studies focusing solely on these islands. On the other hand, riverine

people who live near matupás show profound knowledge about these islands and use them in

activities related to agriculture and fishery. In this study, we gathered information from a

floristic inventory (herbaceous/woody plants) in matupás located in the Amanã Sustainable

Development Reservation (Amazonas, Brazil) and from interviews with riverine people living

in the Reservation. Therefore, we (i) sampled 10 matupás establishing plots of 5 x 5 m for

sampling woody species and substrate thickness and subplots of 1 x 1 m for sampling

herbaceous species (n = 82 plots and subplots), and we also (ii) conducted 35 interviews in

five riverine communities, getting information about the matupás formation process; biotic

and abiotic factors related to their occurrence, their ecological importance and its usefulness

to riverine people. According to data obtained from the inventory we conclude that substrate

thickness is an important parameter for the plants occurrence and distribution in matupás. As

the thickness increases, the number of woody species also increases and a species replacement

occurs, changing matupá physiognomy. Matupás thicker also exhibit greater floristic

dissimilarity between its sites, which indicates that they are more heterogeneous

environments. From the interviews, we obtained detailed explanations of processes related to

matupás, with points of high ecological relevance that were still unknown to science. Among

them are the importance of seasonal dynamics of water level fluctuations for matupá

formation and the relevance of these islands to the abundance of large fish in the lakes.

Floristic composition data provided by the interviewed were compared to results of our

inventory in matupás, showing relationships between them. For locals, matupás are an

important source of fertilizer in cultivation and a good place to fish pirarucu (Arapaima

gigas), and have indirect importance by favoring the greater abundance of fish in the lakes.

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Sumário

Lista de tabelas ....................................................................................................................... xii

Lista de figuras ...................................................................................................................... xiii

Introdução Geral ...................................................................................................................... 1

Objetivo Geral .......................................................................................................................... 4

Objetivos Específicos ................................................................................................................ 4

Capítulo 1: Matupás: composição florística e processo sucessional de ilhas flutuantes na

Amazônia....................................................................................................................................5

Capítulo 2: Conhecimento tradicional e uso de matupás por ribeirinhos na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central ....................................................... 39

Síntese ...................................................................................................................................... 82

Referências Bibliográficas ..................................................................................................... 84

Glossário .................................................................................................................................. 94

Apêndice A: Fotografias de matupás ....................................................................................... 97

Apêndice B: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)................................... 102

Apêndice C: Roteiro para entrevistas....................................................................................104

Anexos....................................................................................................................................106

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Lista de tabelas

Capítulo 1

Tabela 1. Número de parcelas amostradas, espessura do substrato e área estimada para cada

um dos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de entorno..........................................17

Tabela 2. Número de indivíduos, número de matupás em que ocorreu, densidade relativa,

frequência relativa, dominância relativa e índice de valor de importância (IVI) de cada espécie

lenhosa registrada nos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de

entorno......................................................................................................................................19

Tabela 3. Área de cobertura total, número de matupás em que ocorreu, área de cobertura

relativa, frequência relativa e índice de valor de importância adaptado (IVIa) de cada espécie

herbácea registrada nos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de

entorno......................................................................................................................................23

Capítulo 2

Tabela 1. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de

cada planta citada como presente nos “matupás em formação” segundo as listagens feitas por

ribeirinhos da RDS Amanã.......................................................................................................58

Tabela 2. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de

cada planta citada como presente nos “matupás desenvolvidos” segundo as listagens feitas por

ribeirinhos da RDS Amanã.......................................................................................................59

Tabela 3. Porcentagem de entrevistas em que cada animal foi citado como frequentador dos

“matupás em formação” e dos “matupás desenvolvidos”.........................................................63

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Lista de figuras

Capítulo 1

Figura 1. Localização da RDS Amanã e dos matupás amostrados..........................................12

Figura 2. Esquema representando a distribuição das parcelas amostrais nos matupás............13

Figura 3. Relação entre a dissimilaridade florística média e a espessura média de cada um dos

10 matupás amostrados na RDS Amanã e a área de entorno....................................................25

Figura 4. Ordenação direta das espécies lenhosas e herbáceas ao longo do gradiente de

espessura do substrato do matupá nas 82 parcelas amostradas em 10 matupás da RDS Amanã

e área de entorno.......................................................................................................................27

Capítulo 2

Figura 1. Localização da RDS Amanã e das comunidades onde a pesquisa foi

realizada....................................................................................................................................46

Figura 2. Relação entre o índice de saliência cognitiva (S) das plantas citadas nas 35

entrevistas como presentes nos “matupás desenvolvidos” e o índice de valor de importância

(IVI) das plantas encontradas em inventário realizado em 10 matupás localizados próximo às

comunidades entrevistadas........................................................................................................61

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Introdução Geral

“Para aqueles que não estão familiarizados, as ilhas flutuantes

geralmente parecem à primeira vista um mito, um paradoxo ou uma

impossibilidade: pedaços firmes de terra sólida e maciça nos quais

podemos ficar em pé não podem derivar facilmente sobre a superfície

de um corpo de água. No entanto, ilhas flutuantes existem em pelo

menos seis dos sete continentes, e às vezes nos oceanos que os

separam; podem ter árvores crescendo nelas, ter centenas de metros

de diâmetro e suportar o peso de uma centena de bois pastando em

sua superfície. Em alguns casos, elas têm inspirado veneração

religiosa, e em outros as canetas de paradoxógrafos1 (escritores de

maravilhas) e poetas.”2

(Van Duzer, 2004)

Apesar de já existirem muitos estudos sobre os diversos tipos de ilhas flutuantes

presentes no mundo, há pouca informação a respeito para a Amazônia. A maior parte do

material bibliográfico disponível corresponde apenas a observações feitas em expedições pela

região, conforme nos indica o extenso levantamento bibliográfico realizado por Van Duzer

(2004) em seu livro sobre ilhas flutuantes no mundo. Algumas das fontes aí citadas

correspondem a narrações contidas em revistas do século XIX, nas quais os autores discorrem

sobre a presença de ilhas flutuantes em diversos locais, inclusive na Amazônia3. Outras são

publicações mais recentes que abordam as “ilhas de capins” ou “bancos de macrófitas”,

destacando alguns de seus aspectos ecológicos (Chanton et al. 1989; Doyler e Fisher 1994;

Schiesari et al. 2003). Apenas duas delas, no entanto, falam explicitamente sobre os matupás

(Junk 1983; Junk e Piedade 1997), ilhas flutuantes amazônicas que possuem características

semelhantes àquelas descritas por Van Duzer (2004).

Os matupás são formados por uma camada de material orgânico parcialmente

decomposto em sua base e uma comunidade vegetal em sua superfície (Junk, 1983; Junk e

1 A palavra “paradoxógrafos” foi utilizada aqui como tradução do termo em inglês paradoxographers, que se

refere a escritores do gênero literário paradoxography, um tipo de texto clássico que reporta fenômenos

incríveis, extraordinários, inexplicáveis (Kazhdan 2012; Brill Online 2013).

2 Texto original em inglês.

3 Essas narrações não correspondem a artigos científicos, mas a publicações em revistas de divulgação.

Exemplos: “Floating Islands and Gardens”, Penny Magazine of the Society for the Diffusion of Useful

Knowledge, New Series 12(1843), p.326-328; “Sea-Drift”, Brooklyn Daily Eagle, January 28, 1870, p.1.

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Piedade 1997). Ocorrem em lagos localizados nas regiões de várzea, que são áreas de planície

alagável associadas a rios de água branca, ou seja, rios de origem andina e pré-andina nos

quais há uma grande carga de sedimentos ricos em nutrientes (Sioli, 1984; Junk et al. 2011).

Os matupás se formam a partir de uma série de estágios de sucessão autogênica na

comunidade vegetal, que se inicia com a aglomeração de plantas aquáticas na superfície da

água e, após certo tempo, resulta em um substrato consolidado onde podem crescer espécies

herbáceas, arbustivas e arbóreas (Junk 1983; Piedade 1997). O substrato do matupá pode

chegar a 3 m de espessura e sua área pode variar de poucos metros quadrados até alguns

hectares, sendo muitas vezes possível caminhar em sua superfície.

Além de ilhas flutuantes, os matupás também podem ser considerados turfeiras, uma

vez que possuem um substrato orgânico com características de turfa (Neiff et al. 2004).

Turfas são estruturas não consolidadas formadas pelo acúmulo de matéria orgânica

parcialmente decomposta em áreas que sofrem inundação (Neiff et al. 2004). A maioria das

turfeiras do mundo está localizada em regiões boreais e temperadas, mas também existem

extensas turfeiras em regiões tropicais, que vêm recebendo atenção cada vez maior devido à

sua importância ecológica (Lähtenoja et al. 2009a). Na Amazônia, pouco se conhece sobre a

existência de turfeiras. A maior parte das informações parece restrita a algumas observações

esporádicas em diferentes pesquisas ecológicas (Junk 1983; Batjes e Dijkshoorn 1999;

Schulman et al. 1999; Barbieri et al. 2000; Ledru 2001). No entanto, estudos recentes na

Amazônia peruana vêm revelando a existência de grandes depósitos de turfas, com espessura

de até 9 m (Lähteenoja et al. 2009b; Lähteenoja e Page 2011; Householder et al. 2012), o que

desperta a ciência para a necessidade de maiores estudos acerca da ocorrência, características

e papel ecológico de turfeiras amazônicas.

Desde o lançamento do livro de Van Duzer (2004), foram publicados outros estudos

acerca dos bancos de macrófitas amazônicos, mas nada novo surgiu sobre os matupás. Junk e

Piedade (1997) descreveram os matupás a partir de informações anteriormente publicadas por

Junk (1983) somadas a informações compiladas posteriormente pelos autores com base em

observações feitas em expedições à região do médio e alto Amazonas. Nessas duas

publicações, porém, os autores discutem diversos aspectos sobre as áreas alagáveis

amazônicas, não tendo como enfoque os matupás propriamente ditos. Assim, ainda não foram

publicados estudos desenvolvidos a partir de pesquisas sistemáticas nessas ilhas, sendo o

conhecimento científico sobre os matupás todavia muito incipiente.

Por outro lado, em uma viagem exploratória à Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Amanã (RDSA; médio Solimões, Amazonas), pude perceber que populações

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ribeirinhas que ali vivem possuem bastante conhecimento sobre os matupás e utilizam essas

ilhas em atividades relacionadas à agricultura e pesca. Isso indica que tais populações

tradicionais devem ser uma relevante fonte de informação sobre essas formações. Vale

ressaltar que o conhecimento ecológico tradicional vem sendo utilizado em diversas

pesquisas, mostrando-se muito útil especialmente para a compreensão detalhada de processos

de longa duração e para estudos em locais com áreas grandes a ponto de dificultar a pesquisa

ecológica convencional (Sheil e Lawrence 2004; Halme e Bodmer 2007; Brook e McLachlan

2008).

Sendo assim, no presente estudo busquei usar uma abordagem integrada, unindo o

conhecimento científico e o conhecimento tradicional para gerar maiores informações sobre

as características e importância ecológica dos matupás. Para tanto, realizei amostragens em

matupás e conduzi entrevistas com ribeirinhos na RDSA, apresentando e discutindo em dois

capítulos distintos os resultados obtidos em cada uma dessas abordagens. No Capítulo 1,

exponho os dados adquiridos a partir da realização das amostragens nos matupás. Com esses

dados, mostro quais espécies vegetais (herbáceas/lenhosas) ocorrem nos matupás e como elas

se apresentam em termos de densidade, frequência e dominância; relaciono a composição

florística à estrutura física dos matupás; e associo tais fatores a variações ocorridas ao longo

de seu processo sucessional. Já no Capítulo 2, apresento as informações obtidas nas

entrevistas. Com base nessas informações, discuto o que são os matupás; como eles se

formam; quais são as principais condições para que eles ocorram em um determinado local;

que características, animais e plantas estão associados aos seus diferentes estágios de

desenvolvimento; e quais são alguns de seus papéis ecológicos. Além disso, avalio a

importância que os matupás têm para as próprias populações ribeirinhas, abordando

especialmente os usos que costumam fazer dessas ilhas.

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Objetivo Geral

Compreender a estrutura e processo de formação de matupás, bem como as concepções e os

usos dessas ilhas flutuantes por ribeirinhos da RDS Amanã (Amazônia Central, Brasil).

Objetivos Específicos

1. Determinar a composição florística dos matupás (espécies herbáceas e lenhosas);

2. Avaliar a relação entre parâmetros florísticos (número e composição de espécies) e a

estrutura dos matupás (espessura do substrato);

3. Sumarizar as concepções de ribeirinhos da RDS Amanã acerca da formação,

desenvolvimento, composição de espécies e importância ecológica dos matupás;

4. Diagnosticar o uso dos matupás por populações ribeirinhas da RDS Amanã.

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Capítulo 1

Freitas, C.T.; Piedade, M.T.F.; Shepard, G.H.

Matupás: composição florística e processo

sucessional de ilhas flutuantes na Amazônia.

Manuscrito formatado segundo as regras do

periódico Acta Amazonica.

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Matupás: composição florística e processo sucessional de ilhas flutuantes na

Amazônia

Carolina T. de FREITAS*1, Maria T. F. PIEDADE

2 & Glenn H. SHEPARD

3

1 Programa de Pós Graduação em Ecologia - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

INPA/ V8

Av. André Araújo 2936, Petrópolis

69060-001

Manaus, AM

[email protected]

2 Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Departamento de Biologia Aquática e

Limnologia, Projeto Inpa-Max Planck

Av. André Araújo 2936, Petrópolis

69011-970

Manaus, AM

[email protected]

3 Museu Paraense Emilio Goeldi, Departamento de Antropologia

Av. Perimetral, 1901, Terra Firme

66077-530

Belém, PA

[email protected]

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7

Matupás: composição florística e processo sucessional de ilhas flutuantes na

Amazônia

RESUMO

Matupás são um tipo de turfeira presente em lagos de várzea da Amazônia. São ilhas

flutuantes formadas por um bloco de material orgânico parcialmente decomposto em sua base

e uma comunidade vegetal e animal em sua superfície. Servem como local de estabelecimento

para espécies vegetais e de nidificação e abrigo para animais. Há pouca informação sobre

matupás na literatura científica, não havendo sido publicados trabalhos com enfoque nessas

ilhas. Buscamos conhecer a composição florística lenhosa e herbácea dos matupás, e avaliar a

relação entre aspectos florísticos e a espessura do substrato dessas ilhas, associando tais

fatores a variações ocorridas ao longo de seu processo sucessional. Amostramos 10 matupás

na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (Amazonas, Brasil), com número de

parcelas amostrais variando de acordo com o tamanho do matupá. Usamos parcelas de 5 x 5

m para amostrar as espécies lenhosas e a espessura do substrato e subparcelas de 1 x 1 m para

amostragem de herbáceas (n = 82 parcelas e subparcelas). Utilizamos modelos de ANCOVA,

MANCOVA e regressão simples para testar se os dados florísticos possuíam relação com a

espessura do substrato e/ou com o local de coleta. Utilizamos uma ordenação direta para

visualizar padrões de composição da comunidade vegetal ao longo do gradiente de espessura

do substrato. Registramos 28 espécies lenhosas e 20 herbáceas. O número de espécies

lenhosas, a composição de espécies e a dissimilaridade florística dos matupás apresentaram

relação com a espessura do substrato. Conforme a espessura aumenta, maior é o número de

espécies lenhosas e a dissimilaridade florística entre parcelas, e ocorre uma substituição de

espécies ao longo do gradiente de espessura. Concluímos que a espessura do substrato é um

parâmetro importante para a ocorrência e distribuição de plantas nos matupás e pode ser um

bom indicador do momento sucessional destes ambientes.

Palavras-chave: Turfeira, lagos de várzea, comunidade vegetal

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Matupás: floristic composition and successional process of Amazonian

floating islands

ABSTRACT

Matupá is a type of peatland present in Amazonian floodplain lakes. It is formed by a block of

partially decomposed organic material at its base and a plant and animal community on its

surface. Matupás favour the establishment of plant species and offer nesting places and shelter

for animals. There is little information about matupás in scientific literature. This study aimed

at knowing the floristic composition of matupás (herbaceous/woody plants), to evaluate the

relationship between floristic data and matupá substrate thickness, and to associate these data

to successional development of matupás. We sampled 10 matupás in the Amanã Sustainable

Development Reservation (Amazonas, Brazil), with number of sample plots varying

according to the size of Matupá. We established plots of 5 m x 5 for sampling woody species

and substrate thickness and subplots of 1 m x 1 for sampling herbaceous species (n = 82 plots

and subplots). We used models of ANCOVA, MANCOVA and simple regression to test

whether floristic data were related to substrate thickness and/or to sample site; and a direct

ordination to visualize vegetal community composition patterns along the substrate thickness

gradient. We recorded 28 woody species and 20 herbaceous species. The number of woody

species, the floristic composition and floristic dissimilarity of matupás were related to

substrate thickness. As the thickness increases, the number of woody species and the

dissimilarity between plots increase, and species replacements occurs along the thickness

gradient. We conclude that the substrate thickness is an important parameter for the plants

occurrence and distribution in matupás and can be a good indicator of the succession phase of

these environments.

Keywords: Peatland, amazonian floodplain lakes, vegetation community

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1. INTRODUÇÃO

Em áreas alagáveis, condições anóxicas ou hipóxicas podem promover o acúmulo de

matéria orgânica parcialmente decomposta, resultando na formação de ambientes conhecidos

como turfeiras (Neiff et al. 2004; Lähtenoja et al. 2009a). Turfeiras ocorrem

predominantemente em regiões boreais e temperadas, mas também existem extensas turfeiras

em regiões tropicais (Lähtenoja et al. 2009a). A importância ecológica das turfeiras tropicais

vem sendo cada vez mais reconhecida, com destaque para sua participação no ciclo global do

carbono (Limpens et al. 2008). Na Amazônia, pouco se conhece sobre a existência de

turfeiras, a maior parte das informações restringe-se a observações esporádicas obtidas em

diferentes pesquisas ecológicas (Junk 1983; Batjes e Dijkshoorn 1999; Schulman et al. 1999;

Barbieri et al. 2000; Ledru 2001). No entanto, estudos recentes sobre turfeiras amazônicas

relataram extensos depósitos de turfa com espessuras de até 9 m na Amazônia Peruana

(Lähteenoja et al. 2009b; Lähteenoja e Page 2011; Householder et al. 2012), despertando a

atenção sobre a formação e importância desses ambientes no bioma amazônico.

Um tipo específico de turfeira existente na Amazônia são os matupás, ilhas flutuantes

formadas por uma camada de material orgânico parcialmente decomposto e uma comunidade

vegetal associada, composta de plantas herbáceas, arbustivas e arbóreas (Junk 1983; Junk e

Piedade 1997). Junk (1983) e Junk e Piedade (1997) descreveram a formação de matupás

como um processo que envolve uma série de estágios de sucessão autogênica na comunidade

vegetal. Os autores sugerem que esse processo geralmente apresenta o seguinte padrão:

plantas aquáticas flutuantes, como Eichhornia crassipes, Paspalum repens, Salvinia

auriculata e Pistia stratiotes, cobrem a superfície da água e produzem uma camada orgânica,

que é subsequentemente colonizada por espécies pertencentes principalmente às famílias

Cyperaceae e Poaceae, como Cyperus ferax, Eleocharis variegata, Leersia hexandra, e

Scirpus cubensis. Esses colonizadores secundários passam a dominar o local, enquanto as

espécies pioneiras tendem a ocorrer predominantemente na porção marginal da ilha de

vegetação flutuante. A presença constante da água e os processos de decomposição das

plantas aquáticas dão origem a condições hipóxicas ou anóxicas no local, o que faz com que a

decomposição do material orgânico seja retardada e a camada flutuante aumente. O processo

sucessional continua com a colonização por Montrichardia linifera (Araceae), planta comum

em áreas de várzea amazônicas, conhecida popularmente como aninga. A aninga chega a

ultrapassar 6 m de altura e possui robustos estolões, com os quais estabiliza e compacta ainda

mais a camada flutuante. O acúmulo de material orgânico produz, então, ilhas flutuantes com

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alguns metros de espessura, que acompanham a flutuação do nível de profundidade do corpo

de água onde estão localizadas. Quando a camada já está bem consolidada, espécies arbóreas,

como Pseudobombax munguba, Senna reticulata, Cecropia latiloba e Ficus spp. podem

colonizar essas ilhas (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). A camada de material orgânico dos

matupás pode atingir até 3 m de espessura e a área dessas ilhas pode variar de poucos metros

quadrados a alguns hectares, sendo muitas vezes possível caminhar em sua superfície (Junk

1983).

Os matupás geralmente se formam em pequenos lagos, mas também podem ser vistos

em canais isolados ou em braços de grandes lagos, sendo normalmente corpos de água que

não sofrem grandes variações anuais em área e mantêm condições aquáticas permanentes, o

que favorece o desenvolvimento dos matupás (Junk, 1983). Esses corpos de água estão

contidos em regiões de várzea, áreas de planície alagável sob influência de rios de água

branca, ricos em nutrientes e sedimentos (Sioli, 1984; Junk et al. 2011). As áreas de várzea

são um importante componente da paisagem amazônica, cobrindo 200.000 km2 da Amazônia

Brasileira (Junk 1993), o que indica que é importante conhecermos mais acerca das turfeiras

que podem se formar nesses ambientes, compreendermos as condições que favorecem o seu

desenvolvimento e avaliarmos sua importância ecológica. Vale ressaltar que as florestas que

circundam os corpos de água da várzea são as florestas alagáveis com a maior diversidade de

espécies vegetais do mundo (Wittmann et al. 2013), de maneira que, a partir da ação de

agentes dispersores, podem atuar como fonte de sementes de diversas espécies para as

turfeiras existentes nessas regiões. Junto a isso, o grande aporte de nutrientes promovido pelas

águas dos rios de água branca tende a aumentar a concentração de nutrientes no substrato das

turfeiras, o que deve favorecer o desenvolvimento das espécies vegetais nessas ilhas. Assim,

as turfeiras presentes em áreas de várzea devem apresentar uma elevada diversidade vegetal

em comparação a turfeiras existentes em outros locais do mundo.

Apesar de tudo isso, o conhecimento científico sobre os matupás é ainda muito

incipiente. Os únicos relatos existentes na literatura científica sobre sua formação e

composição florística foram feitos apenas com base em observações de campo (Junk 1983;

Junk e Piedade 1997), não havendo sido publicados estudos desenvolvidos a partir de

pesquisas direcionadas. Sendo assim, este trabalho é pioneiro na realização de inventários

florísticos em matupás, bem como na análise de padrões ecológicos com base nas

informações obtidas em amostragens. Tivemos por objetivo conhecer a composição florística

dos matupás e avaliar a relação entre seus aspectos florísticos e sua estrutura. Com base nas

descrições de Junk (1983) e Junk e Piedade (1997), partimos do pressuposto de que o

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substrato do matupá tende a ficar mais espesso conforme o tempo passa e que, portanto, a

espessura do substrato é um reflexo do grau de desenvolvimento do matupá. Neste sentido,

buscamos testar a hipótese de que a florística dos matupás estaria diretamente associada à

espessura de seu substrato, uma vez que esses dois parâmetros devem caminhar juntos ao

longo do processo de sucessão ecológica dessas ilhas. Para tanto, pretendemos responder às

seguintes questões: (1) Que espécies vegetais (herbáceas e lenhosas) compõem os matupás e

como elas se apresentam em termos de densidade, frequência e dominância? (2) Há relação

entre os dados florísticos (número ou composição de espécies) e a espessura do substrato do

matupá?

2. MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de estudo

O estudo foi realizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA),

na Amazônia Central Brasileira (Figura 1). A RDSA foi criada em 1998, possui 2.313.000

hectares e está localizada aproximadamente 650 km a oeste da cidade de Manaus, na região

do médio curso do rio Solimões, próximo à confluência deste com o rio Japurá (Amazonas,

Brasil; S 02º42', W 64º39'; IDSM 2013). A maior parte da reserva é composta por florestas de

terra firme, mas também há grandes extensões de áreas alagáveis. As áreas alagáveis sofrem

forte influência do regime flúvio-dinâmico local, que garante uma variação anual média de até

10 metros no nível da água entre as estações seca e cheia (IDSM 2013). As áreas de

amostragem do estudo foram restritas à porção sudoeste da RDSA, incluindo lagos em seu

entorno. Esta região corresponde a uma área de várzea onde há muitos lagos e na qual a

formação de matupás é comum (Figura 1).

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Figura 1. Localização da Reserva de Densenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) e dos matupás

amostrados. À esquerda: acima, mapa do Brasil com destaque para o estado do Amazonas e para a RDSA em

seu interior; abaixo, mapa da RDSA com destaque para a área de amostragem. À direita: imagem de satélite

(LandSat 5) da área de amostragem; os triângulos amarelos indicam a localização dos matupás amostrados; o

contorno em vermelho indica os limites da RDSA (Adaptado de imagens fornecidas pelo IDSM).

2.2 Delineamento amostral

Amostramos 10 matupás, localizados em seis corpos de água distintos (fotografias no

Apêndice A). A escolha dos matupás foi baseada em dois critérios principais: (i) facilidade de

acesso, já que a amostragem foi feita na época da seca, quando o acesso a muitos lagos se

torna difícil devido ao seu isolamento em relação ao canal principal; e (ii) viabilidade de

caminhar na superfície do matupá, uma vez que o delineamento amostral pressupunha a

abertura de trilhas ao longo de cada matupá e a coleta de dados sendo efetuada sempre no

interior do mesmo. Toda a amostragem foi realizada no mês de outubro de 2012,

correspondendo a um período de baixo nível de profundidade dos corpos de água da região.

Nesse período a amostragem é facilitada porque o substrato dos matupás fica menos

encharcado, sendo melhor o deslocamento em sua superfície.

Em cada matupá abrimos duas trilhas centrais perpendiculares entre si, buscando

sempre estabelecê-las no eixo de maior comprimento do matupá em cada direção. Tangente a

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essas trilhas, delimitamos uma parcela de 5 X 5 m a cada 30 m, intercalando entre os lados

direito e esquerdo da trilha (Figura 2). Em alguns casos não foi possível estabelecer parcelas

ao longo de todo o eixo devido à existência de trechos extremamente alagados. Nas parcelas

de 5 X 5 m coletamos os dados referentes às espécies vegetais lenhosas e à espessura do

substrato do matupá. A área das parcelas foi menor do que a usual em estudos florísticos por

considerarmos a necessidade de adequação ao tamanho limitado dos matupás. Para a coleta de

dados das espécies herbáceas, delimitamos uma subparcela de 1 x 1 m no centro de cada uma

das parcelas de 5 X 5 m (Figura 2).

2.3 Coleta de dados

Em cada parcela foram realizadas três medidas da espessura do substrato do matupá

para gerar um valor de espessura média por parcela. Para tanto, uma vara era inserida no

substrato, perfurando-o até que fosse alcançado o seu fim. A chegada ao fundo do matupá

podia ser percebida a partir da mudança na resistência quando a vara transpunha o substrato e

Figura 2. Esquema representando a distribuição das parcelas amostrais nos matupás. A elipse corresponde a um

matupá; as linhas perpendiculares no interior da elipse representam as trilhas centrais e os quadrados ilustram as

parcelas. As parcelas medem 5 X 5 m e estão distantes 30 m entre si em um mesmo eixo; nessas parcelas foram

amostradas as plantas lenhosas e a espessura do substrato do matupá. Abaixo, à esquerda, uma das parcelas

ampliada mostrando uma subparcela de 1 X 1 m em seu interior; nas subparcelas foram amostradas as plantas

herbáceas.

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alcançava a água abaixo dele. Então, a vara era retirada do substrato e a espessura medida

com uma trena.

Com base no comprimento das duas trilhas estimamos a área de cada matupá usando a

fórmula padrão para cálculo da área de uma elipse, dada por: A = π.a.b, onde A = área da

elipse; a = comprimento do semieixo maior; b = comprimento do semieixo menor. A elipse

foi a forma geométrica escolhida por ser considerada a mais próxima ao formato de um

matupá. Essa estimativa foi utilizada apenas como um descritor do tamanho dos matupás, não

sendo usada como um parâmetro nas análises estatísticas por apresentar uma grande margem

de erro, visto que, além de o formato do matupá variar bastante, em alguns casos foi

necessário estimar visualmente o comprimento de cada trilha devido à impossibilidade de

ultrapassar áreas demasiadamente alagadas para medir a trilha de uma ponta a outra.

Em cada parcela foram contabilizados os indivíduos de todas as morfoespécies

arbóreas e arbustivas que apresentavam Diâmetro à Altura do Peito (DAP) maior ou igual a 5

cm e das palmeiras que possuíam estipe maior ou igual a 1 m. Para cada indivíduo amostrado

registramos uma medida de DAP a partir do uso de fita diamétrica e uma medida de altura,

estimada visualmente. Nas subparcelas de 1 x 1 m, estimamos visualmente a cobertura (%)

preenchida por cada morfoespécie herbácea presente em seu interior, com exceção da aninga

(M. linifera) cujos indivíduos foram contabilizados nas parcelas de 5 x 5 m. A amostragem da

aninga foi diferente das demais herbáceas por se tratar de uma espécie com características de

porte mais semelhantes às de plantas lenhosas do que herbáceas.

Foi realizada coleta botânica de todas as morfoespécies para posterior identificação.

As morfoespécies foram herborizadas segundo metodologia usual (Fidalgo e Bononi 1984) e

receberam seus respectivos nomes científicos a partir de consultas a guias de identificação

botânica, especialistas e herbários. As plantas foram depositadas no Herbário do Instituto

Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (Herbário EAFM/IFAM),

localizado em Manaus (Amazonas, Brasil).

2.4 Análise dos dados

Para sistematizar as informações sobre a composição florística dos matupás,

calculamos o índice de valor de importância (Importance Value Index - IVI) de cada espécie

lenhosa, dado pela soma da densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa (área

basal relativa) de cada espécie no total de parcelas amostradas (Curtis e McIntosh, 1951). No

caso das herbáceas, não pudemos calcular um índice similar por não possuirmos dados de

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biomassa. Portanto, fizemos uma adaptação do IVI, gerando um “Índice de Valor de

Importância adaptado” (IVIa) dado pela soma da área de cobertura relativa e frequência

relativa de cada espécie no total de subparcelas amostradas.

Para testar se o número de espécies em cada parcela apresentava relação com a

espessura do substrato da parcela e/ou com o matupá no qual a parcela se encontrava

utilizamos uma análise de covariância (ANCOVA). Os matupás foram inseridos como uma

variável categórica por considerarmos que o número de espécies pode variar de acordo com a

história de formação e desenvolvimento de cada matupá e não apenas com a espessura do

substrato na parcela. Acrescentamos no modelo um termo de interação entre as variáveis

independentes para testar se a possível relação entre o número de espécies e a espessura do

substrato era afetada pelo matupá onde as parcelas estavam inseridas. Assim, o modelo gerado

pode ser representado como: número de espécies = espessura + matupá + espessura*matupá.

Este modelo foi utilizado para espécies herbáceas e para lenhosas separadamente. Os valores

de espessura foram transformados pelo log(x) buscando-se obter uma distribuição normal dos

dados para adequada realização da ANCOVA.

Para avaliar se havia relação entre a composição florística e a espessura do substrato

e/ou o matupá no qual a parcela se encontrava realizamos uma análise multivariada de

covariância (MANCOVA), acrescida de um termo de interação entre as variáveis

independentes pela mesma razão descrita acima para o modelo de ANCOVA. Os dados de

composição florística foram representados pelos dois eixos de ordenação obtidos a partir de

uma ordenação multivariada quantitativa por Escalonamento Multidimensional Não-Métrico

(NMDS). Para realizar a ordenação foram utilizados os dados de número de indivíduos/m2

(densidade) de cada espécie lenhosa e de M. linifera por parcela e o total de área ocupada por

cada herbácea em cada subparcela, utilizando-se o índice de Bray-Curtis como índice de

associação. Os valores referentes a cada coluna foram padronizados para que todas as

espécies tivessem dados quantitativos variando em uma mesma escala, com média igual a

zero e desvio padrão igual a um (Legendre e Legendre 1998). O modelo gerado para a

MANCOVA pode ser expresso como: eixo 1 NMDS + eixo 2 NMDS = espessura + matupá +

espessura*matupá. Os dados de espessura foram transformados por log(x) para atingir a

normalidade.

No intuito de avaliar a variação na composição de espécies ao longo do gradiente de

espessura do substrato, realizamos uma ordenação de gradiente direto a partir dos dados de

número de indivíduos de cada espécie lenhosa e de M. linifera por parcela, e de área de

cobertura de cada herbácea em cada subparcela. Esta ordenação gerou um gráfico composto

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no qual foi possível avaliar visualmente a abundância relativa (espécies lenhosas) ou a

cobertura relativa (herbáceas) de cada espécie nas diferentes medidas de espessura do

substrato.

Por fim, para testar se havia relação entre a heterogeneidade florística existente dentro

de cada matupá e a espessura média do substrato da ilha, utilizamos uma regressão linear

simples tendo como variável independente a espessura média do substrato de cada um dos 10

matupás e como variável dependente a dissimilaridade florística média entre as parcelas de

um mesmo matupá. O valor de dissimilaridade média de cada matupá foi calculado com o

índice de Bray-Curtis, utilizando-se os mesmos dados de composição florística padronizados

que foram usados para realização do NMDS. Todas as análises foram realizadas no programa

R (R Development Core Team 2011), utilizando-se, quando necessário, o pacote vegan

(Community Ecology Package; Oksanen et al. 2011).

3. RESULTADOS

A amostragem incluiu matupás de dimensões distintas, apresentando desde 0,5 ha até

9,7 ha (Tabela 1). O número de parcelas estabelecidas variou entre cinco e 14 por matupá,

sendo que na maioria dos matupás (70%) foram amostradas pelo menos sete parcelas (Tabela

1). No total, amostramos 82 parcelas e 82 subparcelas. A espessura média do substrato por

matupá variou de 0,7 m a 2,4 m, sendo o maior registro igual a 3 m (Tabela 1).

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3.1 Dados florísticos descritivos: espécies lenhosas

Nas 82 parcelas amostradas, registramos 170 indivíduos lenhosos, pertencentes a 28

espécies, de 23 gêneros e 17 famílias (Tabela 2). Dentre as 28 espécies, incluímos três

morfoespécies que puderam ser identificadas apenas ao nível de gênero.

Foi encontrada correlação positiva entre densidade e frequência (r = 0,99), densidade e

dominância (r = 0,86) e entre frequência e dominância (r = 0,90), indicando que, em geral, as

espécies com maior número de indivíduos são também as mais frequentes e as que

apresentam maior área basal. Os valores de IVI variaram de 1,4 a 54,5 entre as espécies.

Dentre as 28 espécies encontradas, as que apresentaram os maiores valores de IVI foram

Clusia cf. panapanari (Clusiaceae), Vismia sandwithii (Hypericaceae), Euterpe precatoria

(Arecaceae), Triplaris surinamensis (Polygonaceae), Pseudobombax munguba (Malvaceae) e

Tabela 1. Número de parcelas amostradas, espessura do substrato e área estimada para cada um dos 10 matupás

amostrados na RDS Amanã e área de entorno. A espessura do substrato está representada pela média da

espessura de todas as parcelas de cada matupá, junto ao desvio padrão e à amplitude de variação (entre

parênteses).

Matupás Número de parcelas Espessura

do substrato (m)

Área estimada

(ha)

01 14 1,4 ± 0,30 (0,8 - 2,0) 9,7

02 05 1,5 ± 0,05 (1,4 - 1,5) 0,5

03 07 2,4 ± 0,46 (1,5 - 3,0) 3,0

04 10 0,9 ± 0,24 (0,5 - 1,3) 1,3

05 10 0,8 ± 0,09 (0,7 - 1,0) 0,7

06 06 1,3 ± 0,36 (0,8 - 1,8) 3,8

07 06 0,7 ± 0,04 (0,7 - 0,8) 1,1

08 09 1,3 ± 0,18 (1,0 - 1,5) 0,9

09 08 1,0 ± 0,21 (0,7 - 1,4) 1,1

10 07 2,0 ± 0,36 (1,4 - 2,6) 1,6

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Ficus sp. (Moraceae), conhecidas popularmente como apuí, lacre, açaí, tachi, munguba e apuí,

respectivamente. Essas seis espécies corresponderam a 21,4% das espécies lenhosas

encontradas, mas abarcaram 72,3% dos indivíduos amostrados e 68,2% da área basal total

ocupada por eles (Tabela 2).

Em termos de estrutura do estrato arbóreo, o valor médio de DAP dos indivíduos

lenhosos amostrados variou entre 7,23 cm e 13,68 cm, sendo 32,0 cm o maior registro,

referente a um indivíduo de Macrolobium acaciifolium, espécie localmente conhecida como

arapari. A altura média dos indivíduos nos 10 matupás variou entre 4,6 m e 6,0 m, com o

maior valor registrado igual a 12 m, apresentado por um indivíduo de T. surinamensis.

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19

Tabela 2. Número de indivíduos, número de matupás em que ocorreu, densidade relativa, frequência relativa, dominância relativa e índice de valor de importância (IVI) de cada

espécie lenhosa registrada nos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de entorno. O IVI é dado pela soma da densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa (área

basal relativa) de cada espécie no total de parcelas amostradas.

Família

Espécie

Número de

indivíduos

Número de matupás

em que ocorreu

Densidade

relativa (%)

Frequência

relativa (%)

Dominância

relativa (%) IVI

Apocynaceae

Himatanthus sucuuba (Spruce ex Müll.Arg.) Woodson

1

1

0,6

0,8

0,2

1,7

Arecaceae

Euterpe precatoria Mart.

17

6

10,0

10,2

15,9

36,0

Calophyllaceae

Calophyllum brasiliense Cambess. 3 3 1,8 2,5 0,6 4,9

Clusiaceae

Clusia cf. panapanari (Aubl.) Choisy 39 6 22,9 16,9 14,6 54,5

Euphorbiaceae

Alchornea discolor Poepp.

1

1

0,6

0,8

0,2

1,6

Glycydendron amazonicum Ducke 1 1 0,6 0,8 2,3 3,7

Sapium glandulosum (L.) Morong 1 1 0,6 0,8 1,1 2,5

Fabaceae

Hydrochorea corymbosa (Rich.) Barneby & J.W.Grimes 3 2 1,8 2,5 1,1 5,4

Inga acreana Harms 1 1 0,6 0,8 0,2 1,6

Macrolobium acaciifolium (Benth.) Benth. 4 3 2,4 2,5 7,4 12,3

Acacia loretensis J.F. Macbr. 1 1 0,6 0,8 0,0 1,4

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20

Tabela 2. Continuação

Família

Espécie

Número de

indivíduos

Número de matupás

em que ocorre

Densidade

relativa (%)

Frequência

relativa (%)

Dominância

relativa (%) IVI

Hypericaceae

Vismia japurensis Reichardt

7

3

4,1

5,1

2,7

11,9

Vismia sandwithii Ewan 32 8 18,8 15,3 13,7 47,8

Lauraceae

Nectandra amazonum Nees

1

1

0,6

0,8

0,3

1,8

Malpighiaceae

Byrsonima japurensis A.Juss.

1

1

0,6

0,8

0,6

2,0

Malvaceae

Pseudobombax munguba (Mart. & Zucc.) Dugand 9 5 5,3 5,9 4,0 15,2

Melastomataceae

Miconia sp. Ruiz & Pav

1

1

0,6

0,8

0,2

1,6

Moraceae

Ficus cf. gomelleira Kunth & C.D.Bouché 2 1 1,2 1,7 1,0 3,8

Ficus cf. mathewsii (Miq.) Miq. 3 3 1,8 2,5 1,9 6,3

Ficus maxima Mill. 5 4 2,9 3,4 2,6 8,9

Ficus sp. 12 4 7,1 7,6 7,9 22,6

Ficus sp.2 1 1 0,6 0,8 0,7 2,2

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21

Tabela 2. Continuação

Família

Espécie

Número de

indivíduos

Número de matupás

em que ocorre

Densidade

relativa (%)

Frequência

relativa (%)

Dominância

relativa (%) IVI

Ochnaceae

Cespedesia spathulata (Ruiz & Pav.) G.Planch. 1 1 0,6 0,8 0,6 2,1

Ouratea coccinea Engl. 1 1 0,6 0,8 0,2 1,7

Phyllanthaceae

Hieronyma alchorneoides Allemão 2 2 1,2 1,7 1,7 4,6

Polygonaceae.

Triplaris surinamensis Cham.

14

3

8,2

8,5

13,5

30,2

Rubiaceae Juss.

Palicourea marcgravii A.St.-Hil. 4 1 2,4 1,7 0,1 4,1

Urticaceae Juss.

Cecropia latiloba Miq.

2

1

1,2

1,7

4,9

7,73

Abundância total 170 - - - -

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22

3.2 Dados florísticos descritivos: espécies herbáceas

Nas 82 subparcelas amostradas (82 m2), a cobertura de espécies herbáceas

correspondeu a um total de 38,1 m2. Registramos 19 espécies, pertencentes a 17 gêneros de 11

famílias (Tabela 3). Dentre as 19 espécies, incluímos duas morfoespécies que puderam ser

identificadas apenas ao nível de gênero.

Houve correlação positiva entre a cobertura e a frequência das espécies (r = 0,81), o

que indica que, em geral, as espécies que ocorrem em maior abundância são também as mais

frequentes. Dentre as 19 espécies encontradas, as que apresentaram maiores valores de IVIa

foram Rhynchospora corymbosa (Cyperaceae), Thelypteris interrupta (Thelypteridaceae),

Thelypteris angustifolia (Thelypteridaceae) e Panicum polygonatum (Poaceae), conhecidas

localmente como capim navalha, samambaia, samambaia e piri, respectivamente. Essas quatro

espécies representaram 21,1% das espécies herbáceas registradas, mas responderam por

72,1% da cobertura total de herbáceas nos 10 matupás. Além dessas 19 espécies, registramos

um total de 1.521 caules de aninga (Montrichardia linifera (Arruda) Schott, Araceae) nas 82

parcelas de 5 x 5 m. A aninga ocorreu em 35,4% das parcelas e esteve presente em seis dos 10

matupás amostrados.

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23

Tabela 3. Área de cobertura total, número de matupás em que ocorreu, área de cobertura relativa, frequência relativa e índice de valor de importância adaptado (IVIa) de cada espécie

herbácea registrada nos 10 matupás amostrados na RDS Amanã e área de entorno. O IVIa é dado pela soma da cobertura relativa e frequência relativa de cada espécie no total de

parcelas amostradas.

Família

Espécie

Cobertura

(m2)

Número de matupás em

que ocorreu

Cobertura

relativa (%)

Frequência

relativa (%) IVIa

Acanthaceae Juss.

Hygrophila costata Nees

0,4

1

0,9

0,7 1,8

Araceae

Philodendron sp.

0,1

1

0,3

0,7 1,1

Convolvulaceae Juss.

Ipomoea squamosa Choisy

0,8

4

2,0

5,5 8,8

Costaceae

Costus arabicus L.

0,3

4

0,7

6,2 8,4

Cyperaceae

Eleocharis variegata (Poir.) C.Presl.

Rhynchospora corymbosa (l.) Britton

0,9

17,0

4

9

2,4

44,5

4,1

19,2

7,5

68,4

Scleria muehlenbergii Steud. 0,1 1 0,3 0,7 1,1

Fabaceae Lindl.

Desmodium adscendens (Sw.) DC.

0,1

3

0,2

2,7 3,6

Lomariopsidaceae Alston

Nephrolepis biserrata (Sw.) Schott

2,9

4

7,6

4,1 12,7

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24

Tabela 3. Continuação

Família

Espécie

Cobertura

(m2)

Número de matupás em

que ocorreu

Cobertura

relativa (%)

Frequência

relativa (%) IVIa

Marantaceae R. Brown

Ischnosiphon sp.

0,7

1

1,8

0,7 2,7

Melastomataceae

Clidemia cf. bullosa DC.

0,2

1

0,5

0,7 1,4

Poaceae

Echinochloa polystachya (Kunth) Hitchc.

Oryza grandiglumis (Döll) Prod.

0,1

1,0

1

2

0,3

2,6

0,7

1,4

1,1

4,3

Panicum polygonatum Schrad. 4,2 4 10,9 4,8 16,9

Paspalum repens P.J.Bergius 0,5 1 1,3 0,7 2,2

Thelypteridaceae Pic.Serm.

Thelypteris angustifolia (Willd.) Proctor

3,2

5

8,3

7,5 17,7

Thelypteris interrupta (Willd.) K.Iwats. 3,2 7 8,4 15,8 28,1

Thelypteris membranacea (Mett.) R.M.Tryon 2,6 3 6,7 3,4 11,0

Vitaceae

Cissus erosa Rich.

0,2

1

0,4

0,7 1,3

Cobertura total 38,1 - - -

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25

3.3 Relações entre a florística e a estrutura dos matupás

A espessura do substrato do matupá esteve relacionada ao número de espécies

lenhosas (ANCOVA F1,62 = 5,60; P = 0,021), à composição florística das parcelas

(MANCOVA F1,62 = 6,43; P = 0,01) e à dissimilaridade florística média existente dentre as

parcelas de um mesmo matupá (r2 = 0,45; P = 0,034; Figura 3), mas não apresentou relação

com o número de espécies herbáceas presente nas parcelas amostradas (ANCOVA F1,62 0,15;

P = 0,70). Tanto o número de espécies herbáceas e o de lenhosas quanto a composição

florística das parcelas estiveram relacionados ao matupá em que as parcelas se encontravam

(respectivamente: ANCOVA F9,62 = 4,47, P = 0,0002; ANCOVA F1,62 = 3,24, P = 0,0028;

MANCOVA F9,62 = 3,00, P = 0,005). O número de espécies herbáceas ou lenhosas e a

composição florística não estiveram relacionados à interação entre a espessura e o matupá

(respectivamente: ANCOVA F9,62 = 1,25, P = 0,28; ANCOVA F9,62 = 0,84, P = 0,58;

MANCOVA F9,62 = 1,19, P = 0,32), sugerindo que a relação entre as variáveis dependentes e

a espessura não depende do matupá amostrado.

Figura 3. Relação entre a dissimilaridade florística média e a espessura média de cada um dos 10 matupás

amostrados na RDS Amanã e área de entorno. A dissimilaridade média foi calculada a partir dos dados de

composição florística de cada parcela (espécies herbáceas/lenhosas), utilizando-se o índice de Bray Curtis como

índice de associação.

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26

O gráfico composto gerado a partir da ordenação de gradiente direto com base nos

dados de composição florística apresentou um padrão em diagonal, indicando ocorrência de

substituição de espécies ao longo do gradiente de espessura do substrato (Figura 4). A ordem

das espécies na sequência vertical é determinada de acordo com a média ponderada da

abundância de cada espécie nas distintas medidas de espessura do substrato. Assim, espécies

cujos indivíduos ocorreram prioritariamente em valores baixos de espessura aparecem na

parte inferior do gráfico, enquanto as espécies predominantemente presentes em espessuras

maiores aparecem na parte superior. Em geral, as espécies que apresentaram maior

abundância nas parcelas com substrato mais fino foram herbáceas. E. precatoria foi a

primeira espécie lenhosa a aparecer em mais de uma parcela quando observamos o gráfico de

baixo para cima. Na parte superior do gráfico as espécies que ocorreram em maior frequência

e abundância foram arbóreas, destacando-se T. surinamensis, V. sandwithii, Ficus sp., C. cf.

panapanari, P. munguba e Vismia japurensis.

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Figura 4. Ordenação direta das espécies lenhosas e herbáceas ao longo do gradiente de espessura do substrato do matupá

nas 82 parcelas amostradas em 10 matupás da RDS Amanã e área de entorno. Cada linha apresenta os dados de

distribuição de uma espécie ao longo do gradiente de espessura, e o tamanho das barras corresponde à sua abundância

relativa (espécies lenhosas) ou cobertura relativa (herbáceas) em cada medida de espessura. A ordem das espécies na

sequência vertical é determinada de acordo com a média ponderada da abundância de cada espécie nas distintas medidas

de espessura do substrato. As espécies estão representadas pelo seu nome científico antecedido da sigla “arb” ou “herb”,

indicando se a espécie é lenhosa ou herbácea, respectivamente. Devido a questões gráficas, os nomes científicos estão

escritos em letra minúscula com o nome genérico separado do epíteto específico por um ponto.

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28

4. DISCUSSÃO

4.1 Dados florísticos: comparação entre matupás e outros ambientes

Em comparação a áreas de várzea adjacentes, os matupás apresentam um baixo

número de espécies e uma baixa densidade de indivíduos, considerando tanto as plantas

lenhosas (Wittmann et al. 2010a), quanto as herbáceas (Junk e Piedade 1997). Isto se deve

especialmente ao fato de os matupás apresentarem limitações para o estabelecimento e

distribuição das espécies, com destaque para a pouca consolidação de seu substrato, sua

espessura limitada e sua condição de alagamento constante em diversos trechos da ilha. Esses

fatores também tendem a limitar o porte das árvores que chegam a se estabelecer nos

matupás, de maneira que seu DAP e sua altura são, em geral, menores do que de indivíduos

da mesma espécie localizados em outras áreas (Wittmann et al. 2010b). Apesar disso, é válido

ressaltar que observamos muitos indivíduos arbóreos produzindo frutos nos matupás, o que

indica que esses indivíduos chegam à idade adulta, ainda que com porte menor do que aqueles

localizados em outros ambientes.

Contrastando a composição florística dos matupás com a de outras turfeiras e ilhas

flutuantes existentes no mundo, percebemos que apesar de o número e a densidade de

espécies herbáceas também serem relativamente baixos nos matupás (exemplos: Waughman

1980; Wells 1996; Mallison et al. 2001; Mason e Van Der Valk 2002; Wetzel 2002; Costa et

al. 2003; Whinam et al. 2003; Somodi e Botta-Dukat 2004; Warner e Asada 2006; John et al.

2009), o número de espécies arbóreas é alto (exemplos: Mason e Van Der Valk 2002; Wetzel

2002; Costa et al. 2003; Pellerin et al. 2009). O baixo número e a baixa densidade de espécies

herbáceas devem estar especialmente associados à inibição de seu desenvolvimento pelas

arbóreas e pela alta densidade de aninga, uma vez que a concentração dessas plantas tende a

sombrear o local, o que limita o estabelecimento de muitas espécies herbáceas bastante

exigentes de luz (Piedade et al. 2010a). O elevado número de espécies arbóreas em

comparação a outras turfeiras e ilhas flutuantes provavelmente se deve a uma combinação de

diversos fatores, dentre os quais destacamos: (i) o fato de os matupás estarem arrodeados

pelas florestas de várzea, que são as florestas alagáveis com maior diversidade vegetal do

mundo (Wittmann et al. 2006), podendo funcionar como fonte de sementes de diversas

espécies; e (ii) o fato de os rios de água branca oferecem sazonalmente um grande aporte de

nutrientes para os lagos onde os matupás estão localizados, possibilitando que parte desses

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nutrientes fique retida no substrato do matupá, o que favorece o desenvolvimento das plantas

nessas ilhas.

4.2 Dados florísticos: a ocorrência das espécies nos matupás

Dentre as espécies lenhosas e herbáceas que ocorrem nos matupás pudemos perceber

que poucas têm uma ampla distribuição nessas ilhas: 53,6% das espécies lenhosas e 40% das

herbáceas ocorreram em apenas um dos dez matupás amostrados; 32,1% das lenhosas e 40%

das herbáceas estiveram presentes em dois, três ou quatro matupás; e somente 14,3% das

lenhosas e 20% das herbáceas ocorrem em pelo menos metade dos matupás amostrados.

Considerando as espécies lenhosas que conseguem se desenvolver nos matupás, acreditamos

que a sua capacidade de tolerar o alagamento do substrato seja um dos fatores que mais

influenciem sua ocorrência. Neste sentido, as espécies que estão mais adaptadas à condição de

alagamento prolongado durante uma grande quantidade de dias no ano tenderiam a ter valores

de IVI mais altos e ocorrer em um maior número de matupás. É o caso, por exemplo, de C. cf.

Panapanari, V. sandwithii e E. precatoria, espécies que ocorreram em mais da metade dos

matupás amostrados e apresentaram os maiores valores de IVI. Tais espécies são comuns em

áreas de várzea, estando adaptadas a suportar a presença da água no substrato durante muitos

dias consecutivos (Wittmann et al. 2010a). Já Alchornea discolor, Glycydendron amazonicum

e Sapium glandulosum ocorreram em apenas um matupá, e, mais especificamente, em apenas

uma parcela, provavelmente por não terem a mesma tolerância ao alagamento constante, o

que restringe bastante o estabelecimento nessas ilhas.

Para as herbáceas que conseguem se desenvolver nos matupás a tolerância ao

alagamento não deve ser um dos principais fatores que influenciam sua distribuição nessas

ilhas, uma vez que muitas das espécies que ocorreram em apenas um ou dois matupás são

fortemente associadas a ambientes aquáticos, como é o caso de Paspalum repens, Oryza

grandiglumis e Echinochloa polystachya (Junk e Piedade 1997). A restrita distribuição dessas

plantas nos matupás deve estar mais relacionada ao fato de a amostragem ter sido realizada

apenas em matupás que não estavam nos estágios iniciais do processo sucessional de

desenvolvimento, uma vez que amostramos somente ilhas nas quais era possível caminhar.

Nos matupás já bem desenvolvidos é esperado que as novas espécies que foram se

estabelecendo, conforme o matupá evoluía em seu processo sucessional, tenham promovido a

inibição do estabelecimento das espécies herbáceas associadas às etapas mais iniciais do

processo.

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Rhynchospora corymbosa foi a espécie herbácea de maior destaque nas subparcelas, o

que acreditamos ser reflexo de sua importância na estruturação dos matupás. Essa espécie

possui rizomas, com os quais cria uma “malha” entremeada que deve contribuir para retenção

de sedimentos e matéria orgânica e, portanto, para a consolidação do substrato, assim como

observado para Leersia hexandra em matupás localizados nas cercanias de Manaus (Piedade,

com. pess.). Além das herbáceas amostradas nas subparcelas, devemos ressaltar a aninga,

espécie encontrada com bastante frequência nas parcelas amostradas. A importância da aninga

para a formação de matupás já havia sido citada por Junk (1983), ao afirmar que seu sistema

radicular contribuía para a estabilização do substrato. A aninga apresenta características que

nitidamente favorecem seu estabelecimento nos matupás: ao mesmo tempo em que consegue

sobreviver em condição de alagamento constante (Junk e Piedade 1997), ela chega a atingir a

altura média das plantas lenhosas encontradas nos matupás, de maneira que a presença dessas

plantas não prejudica sua exposição à luz solar, como tende a ocorrer com as demais

herbáceas. Além disso, a aninga se propaga vegetativamente, tendendo a formar grandes

agrupamentos que recebem o nome de aningais (Junk e Piedade 1997). Alguns matupás

chegam a ser chamados de aningais por ribeirinhos da RDSA, devido à elevada densidade de

aningas em sua superfície.

4.3 Relações entre a florística e a estrutura dos matupás

A relação positiva entre o número de espécies lenhosas e a espessura do substrato do

matupá nos mostra que conforme o matupá vai crescendo em espessura, novas espécies vão

conseguindo se estabelecer. A espessura do substrato certamente é um fator limitante para o

estabelecimento de muitas espécies, especialmente de arbóreas, que tendem a apresentar

raízes maiores do que plantas herbáceas ou arbustivas. Em espessuras menores, uma árvore

consegue iniciar seu processo de desenvolvimento no matupá, mas quando sua raiz ultrapassa

o substrato e chega à camada de água existente logo abaixo dele, o desenvolvimento da planta

é prejudicado e ela tende a morrer. Isto porque ainda que a maior parte das espécies lenhosas

que se estabelecem nos matupás seja comum em áreas de várzea e possua adaptações para

suportar exposição ao alagamento durante uma grande quantidade de dias por ano (Wittmann

et al. 2010a), a condição de alagamento permanente é um fator extremamente limitante para a

sobrevivência dessas espécies (Piedade et al. 2010b). A ausência de relação entre o número de

espécies herbáceas e a espessura do substrato do matupá deve ser consequência

principalmente da menor necessidade dessas plantas em ter um substrato espesso para

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conseguir se estabelecer em um local. A menor espessura do susbtrato registrada nas 82

parcelas amostradas foi 0,5 m, o que representa uma medida suficiente para o estabelecimento

da maior parte das espécies herbáceas encontradas nos matupás amostrados.

Com o aumento da camada orgânica do matupá e o estabelecimento de novas espécies

arbóreas, a densidade de raízes no substrato tende a aumentar, o que deve fazer com o que o

mesmo vá se tornando cada vez mais consolidado e, consequentemente, mais seco. Assim, o

substrato do matupá passa a oferecer melhores condições de fixação para as plantas e o fator

limitante do alagamento contínuo deixa de existir em muitos trechos. Isto deve favorecer o

estabelecimento de novas espécies arbóreas, o que, por sua vez, tende a prejudicar o

estabelecimento de muitas espécies herbáceas, especialmente por causar um maior

sombreamento no local. Portanto, ocorre uma substituição de espécies na superfície do

matupá ao longo do tempo, de maneira que os matupás com substrato menos espesso possuem

maior predominância de espécies herbáceas em seu interior, enquanto as ilhas que possuem

substrato mais espesso apresentam uma maior abundância de espécies arbóreas.

A relação positiva entre a dissimilaridade florística média dos matupás e a espessura

média do substrato indica que matupás mais espessos tendem a ser mais heterogêneos

floristicamente. Essa relação também deve estar diretamente relacionada ao processo

sucessional dos matupás. Matupás em estágios mais iniciais de sucessão devem ser mais

homogêneos porque poucas espécies os compõem e o ambiente ainda não fornece condições

estruturais que possibilitem o estabelecimento de outras espécies. Com o passar do tempo,

ocorre todo o processo descrito anteriormente em que o substrato do matupá vai ficando mais

espesso e mais consolidado e um maior número de espécies passa a compô-lo. Junto a isso, os

matupás ocasionalmente sofrem aumento lateral em sua área, possuindo trechos em estágios

iniciais de formação após a chegada de novos colonizadores primários em suas bordas. Assim,

a ilha passa a conter trechos em diferentes estágios de sucessão e, portanto, torna-se um

ambiente mais heterogêneo. Associado a esses fatores, o grau de alagamento do substrato

provavelmente varia nos diferentes trechos do matupá, de acordo com a ação das raízes das

plantas ali presentes e com o estágio de desenvolvimento de cada trecho, o que também deve

ter influência na determinação das espécies que se estabelecem nos diferentes locais. Assim, o

matupá como um todo parece se tornar cada vez mais heterogêneo, tanto estrutural quanto

floristicamente.

Essa heterogeneidade deve ser reforçada pelo fato de os matupás estarem

frequentemente expostos a situações de distúrbio, pois se encontram em corpos de água que

sofrem influência do regime de enchente e vazante local, havendo eventos de cheias ou secas

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extremas em alguns anos (Junk et al. 2011), que certamente afetam a dinâmica de sucessão

ecológica dos matupás. Uma cheia extrema pode provocar, por exemplo, a inundação de todo

o matupá e levar muitas plantas à morte. Já uma seca extrema pode fazer com que o lago em

que o matupá se encontra seque a ponto de o substrato do matupá encostar no fundo do lago, o

que possibilita o enraizamento de suas plantas naquele ponto; com a chegada da enchente,

então, os trechos enraizados não voltam a flutuar, provocando alterações na estrutura do

matupá como um todo. Além disso, os matupás estão desprendidos do fundo e, portanto,

vagam pelos lagos, estando constantemente expostos à ação dos ventos locais. Os ventos

podem afetar os matupás diretamente, causando destruição de suas partes, ou indiretamente,

devido à colisão com outras estruturas presentes nos lagos ou à ondulação que se forma na

água (Wittmann, com.pess.). Devido a essas situações de distúrbio, é comum que alguns

pedaços já consolidados da ilha se desprendam em distintos pontos, dando início a novos

processos sucessionais. Esta dinâmica seria similar àquela que ocorre em florestas de várzea

devido à influência do pulso de inundação. Nessas áreas, os periódicos eventos de inundação

e vazante geram processos de erosão e sedimentação, que acarretam na formação de mosaicos

na fitofisionomia da floresta como um todo (Wittmann et al. 2010b).

Tanto o número de espécies lenhosas e o de herbáceas quanto a composição florística

das parcelas amostradas apresentou relação com o matupá no qual as parcelas se

encontravam, o que significa que os dados florísticos variam de acordo com o local de

amostragem. Isso provavelmente se deve ao fator histórico de colonização dos matupás. Os

matupás são ilhas que costumam estar isoladas em lagos, o que significa que sua composição

florística deve variar de acordo com a vegetação do entorno do lago em que se encontram e

com a chegada de sementes carreadas por agentes dispersores. No entanto, apesar da

influência do local de coleta, vale ressaltar que a variação no número de espécies lenhosas e

na composição florística como um todo apresentou uma relação mais forte com a espessura do

matupá, o que podemos concluir ao comparar os valores da estatística F da ANCOVA e da

MANCOVA.

5. CONCLUSÃO

Matupás são ilhas que apresentam uma baixa densidade e um baixo número de

espécies herbáceas e lenhosas em comparação a áreas de várzea adjacentes, mas um alto

número de espécies arbóreas se comparados com outras turfeiras ou ilhas flutuantes presentes

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33

no mundo. A espessura do substrato do matupá é um parâmetro importante na ocorrência e

distribuição de plantas em sua superfície. Conforme o substrato se torna mais espesso, o

número de espécies lenhosas aumenta e ocorre uma substituição de espécies, o que faz com

que o matupá passe de um ambiente inicialmente dominado por herbáceas a um ambiente

onde espécies arbóreas são frequentes. Matupás mais espessos apresentam, ainda, uma maior

dissimilaridade florística entre locais em seu interior, o que indica que são ambientes mais

heterogêneos. Concluímos que as mudanças na florística dos matupás provocam alterações

estruturais nessas ilhas, como uma maior consolidação de seu substrato, e essas alterações

estruturais, por sua vez, influenciam a vegetação ali presente. Assim, as espécies vegetais e a

estrutura do matupá são fatores que caminham juntos e que devem se influenciar mutuamente

ao longo do desenvolvimento dessas ilhas. Associado a isso, os matupás tendem a compor um

mosaico estrutural e florístico, seja devido a processos de sucessão autogênica ou alogênica.

Em complementação ao nosso trabalho, seria muito interessante a realização de estudos que

buscassem acompanhar o desenvolvimento dos matupás em escala temporal, no intuito de

avaliar sua evolução de forma sistemática, podendo verificar as mudanças que ocorrem em

seus aspectos bióticos e abióticos ao longo dos anos.

6. AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer aos moradores da RDSA pela hospitalidade e acolhimento;

a Divino Áquila Araújo pelo apoio logístico e assistência em todas as etapas de campo; a José

Fernandes Ferreira, Alair Batalha, José Roberto da Silva, Hudson Araújo, Valdivino Feitosa,

Sulemilton Feitosa, Iranilson Feitosa, Jomilson Marcos de Freitas e Felipe Sena da Silva pela

assistência nas amostragens; a Florian Wittmann pelas contribuições para o delineamento do

trabalho; a Helder Espírito Santo pelo auxílio nas análises estatísticas; a Florian Wittmann,

Helder Espírito Santo, José Julio de Toledo, Nivaldo Peroni e Jansen Zuanon pelas sugestões

para a escrita do texto; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) pela bolsa de mestrado de CTF; ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável

Mamirauá (IDSM) pelo apoio financeiro e logístico; à National Geographic Society (NGS)

pelo apoio financeiro.

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34

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Capítulo 2

Freitas, C.T.; Shepard, G.H.; Piedade, M.T.F.

Conhecimento tradicional e uso de matupás por

ribeirinhos na Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Amanã, Amazônia Central.

Manuscrito formatado segundo as regras do

periódico Acta Amazonica.

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Conhecimento tradicional e uso de matupás por ribeirinhos na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central

Carolina T. de FREITAS*1, Glenn H. SHEPARD

2 & Maria T. F. PIEDADE

3

1 Programa de Pós Graduação em Ecologia - Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

INPA/CBIO/V8

Av. André Araújo 2936, Petrópolis

69060-001

Manaus, AM

[email protected]

2 Museu Paraense Emilio Goeldi, Departamento de Antropologia

Av. Perimetral, 1901, Terra Firme

66077-530

Belém, PA

[email protected]

3 Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Departamento de Biologia Aquática e

Limnologia, Projeto Inpa-Max Planck

Av. André Araújo 2936, Petrópolis

69011-970

Manaus, AM

[email protected]

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Conhecimento tradicional e uso de matupás por ribeirinhos na Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazônia Central

RESUMO

Matupás são ilhas flutuantes presentes em lagos de várzea da Amazônia. São formadas por

uma camada de material orgânico em sua base e uma comunidade vegetal em sua superfície.

Há pouca informação sobre matupás na literatura científica. Por outro lado, algumas

populações ribeirinhas amazônicas utilizam os matupás em atividades agrícolas e pesqueiras e

demonstram possuir bastante conhecimento acerca dessas ilhas. Este estudo buscou

diagnosticar o conhecimento local sobre matupás e investigar a importância dessas ilhas para

populações ribeirinhas. A partir de 35 entrevistas realizadas com ribeirinhos de cinco

comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (Amazonas, Brasil),

registrou-se informações sobre o processo de formação dos matupás; fatores bióticos e

abióticos relacionados à sua ocorrência; sua relevância ecológica; e seu uso pelos ribeirinhos.

Os entrevistados forneceram explicações detalhadas, destacando pontos relevantes em termos

ecológicos que eram ainda desconhecidos pela ciência. Dentre eles, a importância da

dinâmica sazonal de enchente/vazante para formação dos matupás e a relevância dessas ilhas

para a abundância de peixes de grande porte nos lagos. Dados sobre composição florística

fornecidos pelos entrevistados foram comparados a resultados de inventários realizados em

matupás, havendo forte relação entre ambos. Para os ribeirinhos, os matupás são uma

importante fonte de adubo para cultivo em canteiros e um local propício para pesca do

pirarucu (Arapaima gigas), além de possuírem importância indireta na dieta desses povos ao

favorecer a abundância de peixes nos lagos. O levantamento de informações junto aos

ribeirinhos mostrou-se uma valiosa ferramenta na compreensão de processos associados aos

matupás, permitindo melhor entendimento acerca desses ambientes.

Palavras-chave: Etnoecologia, etnoecologia da paisagem, conhecimento ecológico tradicional,

uso de recursos naturais, povos amazônicos, ilhas flutuantes, lagos de várzea

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Tradicional knowledge and use of matupás by riverine people in the Amanã

Sustainable Development Reservation, Central Amazon

ABSTRACT

Matupás are floating islands that occur in Amazonian floodplain lakes. They are formed by a

block of organic material at its base and a plant community on its surface. There is little

information about matupás in scientific literature. However some local people use matupás in

activities related to agriculture and fishery and shown to have profound knowledge about

these islands. In this study we investigate local knowledge about matupás and the relevance

of these islands to local people. We conducted 35 interviews in five riverine communities of

the Amanã Sustainable Development Reservation (Amazonas, Brazil), getting information

about the formation process of matupás; biotic and abiotic factors related to their occurrence,

their ecological importance and its usefulness to riverine people. Interviewes provided

detailed explanations, highlighting points of high ecological relevance that were still unknown

to science. Among them are the importance of seasonal dynamics of high/low water for

matupás formation and the relevance of these islands to the abundance of large fish in the

lakes. Floristic composition data provided by the interviewed were compared to results of

inventories in matupás, showing a strong relationship between them. For locals, matupás are

an important source of fertilizer in cultivation and a good place to fish pirarucu (Arapaima

gigas), and have indirect importance by favoring the abundance of fish in the lakes. The

survey information from riverine people proved to be a valuable tool in understanding the

processes associated with matupás, allowing us to better understand these environments.

Keywords: Ethnoecology, landscape ethnoecology, traditional ecological knowledge, use of

natural resources, amazonian people, floating islands, amazonian floodplain lakes

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1. INTRODUÇÃO

“Aquela terra do matupá vai formando desde o início. Vai formando,

vai formando, vai formando... Até ela ficar grandona mesmo. Aí é

quando as árvores crescem em cima dela, ela vai ficando aquele

estrume, é de invocar! Fica aquela terra ali em cima, uma terra tão

bonita daquela!”

Matupás são ilhas flutuantes amazônicas formadas por uma camada de material

orgânico em sua base e uma comunidade vegetal em sua superfície. Ocorrem em regiões de

várzea, áreas de planície alagável sob influência de rios de água branca, ricos em nutrientes e

sedimentos (Junk et al. 2011). Os matupás se formam a partir de uma série de estágios de

sucessão autogênica na comunidade vegetal, que se inicia com a aglomeração de plantas

aquáticas na superfície da água e, após certo tempo, resulta em um substrato consolidado onde

podem crescer espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). O

substrato do matupá pode chegar a 3 m de espessura e sua área pode variar de poucos metros

quadrados até alguns hectares, sendo muitas vezes possível caminhar em sua superfície (Junk

1983; Junk e Piedade 1997).

Na literatura científica, a maior parte das informações sobre matupás está concentrada

em apenas duas publicações (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). Essas publicações, no entanto,

discutem diversos aspectos sobre as áreas alagáveis amazônicas, não tendo como enfoque os

matupás propriamente ditos, de maneira que o conhecimento científico sobre essas ilhas é

ainda muito incipiente. Por outro lado, em uma viagem exploratória à Reserva de

Desenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA; médio Solimões, Amazonas), percebemos que

as populações ribeirinhas que ali viviam utilizavam os matupás em atividades relacionadas à

agricultura e pesca, e pareciam ter um bom conhecimento acerca dessas ilhas.

O conhecimento ecológico tradicional é um patrimônio imaterial valioso dos povos da

humanidade. Refere-se a um corpo de conhecimentos ecológicos que foram acumulados ao

longo de gerações por povos tradicionais4, sendo, em grande parte, transmitido oralmente e de

forma dinâmica, a partir das experiências de gerações passadas e presentes (Berkes 1993). Na

pesquisa ecológica, o conhecimento tradicional vem se mostrando uma ferramenta importante

na compreensão de eventos e processos, podendo ser muito relevante para a compreensão de

processos de longa duração e para trabalhos em locais nos quais a grande extensão da área de

4 O termo “povos tradicionais” é utilizado aqui para designar sociedades não-industriais ou com menor avanço

tecnológico, que reproduzem seu modo de vida historicamente com base em modos de cooperação social e

intensa relação com o meio natural (Berkes 1993; Diegues 2000).

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estudo dificulta a pesquisa ecológica convencional (Sillitoe 1998; Huntington 2000; Balram et

al. 2004; Sheil e Lawrence 2004; Halme e Bodmer 2007; Brook e McLachlan 2008).

Grande parte dos estudos que envolvem o conhecimento tradicional está centrada na

classificação taxonômica popular de plantas e animais, na listagem de espécies úteis, e na

caracterização do uso dessas espécies por diferentes culturas (Berlin 1973; Balick 1996;

Holman 2002; Jinxiu et al. 2004). No entanto, recentemente vêm surgindo diversos estudos

abordando o conhecimento tradicional acerca das paisagens ecológicas. Neste contexto,

Johnson e Hunn (2010a) sugeriram o termo “etnoecologia da paisagem” para abarcar os

trabalhos que buscam retratar a classificação, percepção e interação de povos tradicionais com

o ambiente em que vivem, considerando os diversos elementos e dinâmicas associados à

paisagem como um todo. Apesar do surgimento do termo ser recente, alguns estudos prévios

já vinham sendo desenvolvidos sob essa abordagem, a exemplo dos seguintes trabalhos: Fleck

e Harder (2000), em que os autores documentaram o sistema de classificação de ambientes

florestais pelos índios Matsés no nordeste da Amazônia Peruana; Shepard et al. (2001),

abordando o sistema de classificação florestal dos índios Matsigenka no sudeste da Amazônia

Peruana; Halme e Bodmer (2007), que avaliaram a classificação de tipos florestais por

ribeirinhos não-indígenas no nordeste da Amazônia Peruana; e Abraão et al. (2008), que

investigaram a classificação de tipos de florestas de campinarana pelos índios Baniwa no

noroeste da Amazônia Brasileira. Em todos esses trabalhos os povos entrevistados revelaram

possuir classificações minuciosas sobre os ambientes investigados, havendo relação entre

essas classificações e resultados obtidos a partir de inventários florísticos e/ou análises sobre

padrões de variância espectral observados em imagens de satélite na região do estudo (Fleck e

Harder 2000; Shepard et al. 2004; Halme e Bodmer 2007; Abraão et al. 2008).

As classificações de ambientes que vêm sendo documentadas nessas e em outras

pesquisas são baseadas em características bióticas (como espécies indicadoras, estrutura

florestal e estágio sucessional) e abióticas (como regimes de inundações, topografia e tipo de

solo). Essas características possuem importância adaptativa para as pessoas que mantêm sua

subsistência baseada na extração de recursos naturais e, portanto, são aspectos que lhes

chamam a atenção, sendo constantemente relacionados a eventos ou processos ecológicos.

Dessa forma, as características utilizadas por povos tradicionais para descrever ou classificar

paisagens tendem a refletir acuradamente aspectos ecológicos das mesmas (Shepard et al.

2001; Halme e Bodmer 2007).

Assim, partimos do pressuposto de que o conhecimento ecológico tradicional poderia

elucidar diversos aspectos também em relação aos matupás. Neste sentido, levantamos

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informações sobre os matupás a partir do conhecimento ecológico de povos ribeirinhos da

RDSA. Buscamos responder as seguintes perguntas com base na percepção dos ribeirinhos:

(i) O que são matupás?; (ii) Como os matupás se formam?; (iii) Quais são as condições

necessárias para que eles ocorram em um local?; (iv) Existem diferentes tipos de matupás?

Quais são as principais diferenças entre eles?; (v) Que animais e plantas ocorrem nos

matupás?; e (vi) Qual é a importância ecológica dos matupás? Além disso, questionamos a

importância que os matupás têm para os próprios ribeirinhos, explorando especialmente os

usos que costumam fazer dessas ilhas.

2. MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de Estudo

O estudo foi realizado na RDSA, na Amazônia Central Brasileira (Figura 1). A RDSA

foi criada em 1998, possui 2.313.000 hectares e está localizada aproximadamente 650 km a

oeste da cidade de Manaus, na região do médio curso do rio Solimões, próximo à confluência

deste com o rio Japurá (Amazonas, Brasil; S 02º42', W 64º39'; IDSM 2013). A maior parte

da reserva é composta por florestas de terra firme, mas também há grandes extensões de áreas

alagáveis. As áreas alagáveis sofrem forte influência do regime flúvio-dinâmico local, que

garante uma variação anual média de até 10 metros no nível da água entre as estações seca e

cheia (IDSM 2013).

A RDSA é habitada por aproximadamente 4.000 pessoas, distribuídas em 26

comunidades (IDSM 2013). As comunidades estão concentradas no lado oeste da reserva,

ocupando principalmente áreas de várzea ao longo das margens de igarapés e paranás que

compõem a bacia do rio Solimões (IDSM 2013). Os habitantes da reserva obtêm sua

subsistência por meio do uso dos recursos naturais da região, principalmente em atividades de

agricultura, pesca, caça e extração de madeira. A agricultura é a atividade que predomina

como fonte de renda nas comunidades de terra firme, enquanto a pesca é a predominante nas

comunidades de várzea (IDSM 2013).

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Figura 1. Localização da Reserva de Densenvolvimento Sustentável Amanã (RDSA) e das comunidades onde

a pesquisa foi realizada. À esquerda: acima, mapa do Brasil com destaque para o estado do Amazonas e para a

RDSA em seu interior; abaixo, mapa da RDSA com destaque para a área de estudo. À direita: imagem de

satélite (LandSat 5) da área de estudo; os pontos amarelos indicam as cinco comunidades onde foram feitas as

entrevistas, com seus respectivos nomes; o contorno em vermelho indica os limites da RDSA. (Adaptado de

imagens fornecidas pelo IDSM).

2.2 Comunidades envolvidas com a pesquisa

A pesquisa foi realizada em cinco comunidades ribeirinhas localizadas em uma área de

várzea na porção sudoeste da RDSA: Santo Estevão, Vila Nova, Bom Socorro, Nova

Jerusalém e Várzea Alegre (Figura 1). Essas comunidades possuem entre cinco e 30 famílias e

as principais atividades de subsistência de seus habitantes são a pesca e a agricultura. Tais

comunidades foram selecionadas por se localizarem em uma região onde há muitos matupás e

por seus moradores haverem demonstrado possuir um contato frequente com esses ambientes.

2.3 Aspectos éticos e legais da pesquisa

Como o estudo envolve o acesso ao conhecimento tradicional, obtivemos a aprovação

do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Desenvolvimento

Sustentável Mamirauá (CEP/IDSM) para realização da pesquisa (Protocolo 003/2012),

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conforme exigências legislativas e institucionais. Em cada comunidade escolhida para

realização da pesquisa convocamos uma reunião, convidando todas as famílias residentes a

comparecer, na qual foram explicados os objetivos e métodos do estudo e solicitada

aprovação e participação dos moradores. Nas cinco comunidades houve apoio consensual dos

moradores à execução da pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE;

Apêndice B) foi assinado por todas as comunidades envolvidas, conforme exigência do

CEP/IDSM. Após a análise dos dados, retornamos à RDSA para realizar uma reunião em cada

uma das cinco comunidades, na qual fizemos uma apresentação para os moradores sobre o

desenvolvimento e os resultados da pesquisa, havendo espaço para que eles expusessem

dúvidas e colocações acerca do trabalho.

2.4 Coleta de dados

Foram realizadas entrevistas semiestruturadas (Bernard 1994) com 45 habitantes da

RDSA, sendo 32 homens e 13 mulheres. Tivemos por objetivo entrevistar o maior número

possível de homens e mulheres moradores de cada uma das cinco comunidades, porém no

período de realização das entrevistas muitas famílias haviam se mudado temporariamente para

outros locais devido ao evento da grande cheia de 2012, que causou alagamento de muitas

comunidades localizadas em áreas alagáveis da Amazônia. No total, foram realizadas 35

entrevistas, compreendendo 28 (80%) individuais e sete (20%) coletivas. As coletivas foram

realizadas com duas ou três pessoas, correspondendo a casais ou a familiares que habitavam

uma mesma residência. A idade média dos entrevistados foi 50 anos, sendo que o entrevistado

mais novo tinha 18 e o mais velho 78 anos. As entrevistas foram feitas em junho de 2012 e

todas foram gravadas, com consentimento dos entrevistados, para posterior transcrição. O

roteiro utilizado para guiar as entrevistas foi sempre o mesmo, composto por perguntas

abordando aspectos sobre o conceito de matupá, suas características bióticas e abióticas, seu

processo de formação, fatores relacionados à sua ocorrência, sua importância e seu uso por

populações locais (roteiro das entrevistas no Apêndice C). Em uma parte da entrevista foi

utilizado o método da listagem livre (free-list), que consiste em estimular o entrevistado a

fornecer uma lista de itens referentes a um certo domínio a partir de uma pergunta aberta

(Borgatti 1998). Neste caso, foi solicitado aos entrevistados que listassem as plantas que

julgavam existir nos matupás.

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2.5 Análise dos dados

As respostas dos entrevistados foram transcritas e comparadas. Em alguns casos

apresentamos nos resultados a porcentagem de entrevistas em que surgiu uma determinada

informação; nesses casos, utilizamos o número total de entrevistas como base (35),

considerando aqueles que participaram de uma entrevista coletiva como uma única fonte de

informação. Alguns trechos de relatos dos ribeirinhos foram utilizados para ilustrar descrições

sobre aspectos dos matupás, mas mantivemos o anonimato dos autores por questões éticas.

Para elucidar o significado de palavras e expressões regionais contidas nesses trechos fizemos

um glossário (ver Glossário). A explicação para cada termo corresponde ao nosso

entendimento a partir de vivências e esclarecimentos junto aos ribeirinhos. Cada palavra

contida no glossário aparece nos trechos transcritos com um asterisco sobrescrito ao lado (*)

para indicação.

A partir dos dados florísticos obtidos com a listagem livre, determinamos o índice de

saliência cognitiva (cognitive salience index) de cada planta, conforme sugerido por Sutrop

(2001). O índice de saliência cognitiva (S) combina dois parâmetros: a frequência de citação

do item (F) e a posição média de citação do item nas listagens (mP), onde: S = F/(N mP),

sendo N o número total de listagens. S pode variar de 0 a 1; quanto maior o seu valor, maior

destaque o item possui nas listagens como um todo (Sutrop 2001). As plantas citadas apenas

uma vez não foram consideradas nas listagens.

O índice de saliência cognitiva das plantas citadas pelos entrevistados foi comparado

aos resultados do inventário que realizamos em 10 matupás presentes na região onde estão

localizadas as cinco comunidades envolvidas com a pesquisa (ver Capítulo 1 para detalhes

sobre o inventário). Para tanto, utilizamos apenas as informações referentes às espécies

lenhosas, visto que os inventários foram feitos em matupás já bem desenvolvidos e, na

maioria dos casos, os entrevistados listavam apenas árvores e a espécie herbácea

Montrichardia linifera ao descrever a florística dos matupás nesse estágio. Montrichardia

linifera, conhecida popularmente como aninga, é cientificamente considerada uma planta

herbácea, mas é vista pelos ribeirinhos como uma árvore devido ao seu porte. Ela não foi

incluída nos dados utilizados na regressão por não possuir um valor de IVI, visto que para

essa planta não se tem medidas de área basal (ver Capítulo 1). As espécies encontradas nos

inventários foram agrupadas de acordo com os nomes populares localmente associados a elas,

tendo em vista que em alguns casos mais de uma espécie possui um mesmo nome popular.

Foram excluídas as plantas representadas por apenas um indivíduo no total dos 10 matupás,

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exceto aquelas que também foram citadas nas entrevistas. A partir disso, utilizamos uma

regressão simples para testar se o índice de saliência cognitiva das plantas citadas pelos

entrevistados apresentava relação com o índice de valor de importância (Importance Value

Index - IVI) das plantas encontradas nos inventários. O IVI é dado pela soma da densidade

relativa, frequência relativa e dominância relativa (área basal relativa) de cada espécie no total

de parcelas amostradas (Curtis e McIntosh, 1951; ver capítulo 1). Para adequada realização da

regressão os dados foram transformados buscando-se aproximar à normalidade de distribuição

e reduzir o efeito de pontos extremos. Para tanto, utilizamos ln(x+0.5) para o IVI e ln(x+0.01)

para o índice de saliência cognitiva. Todo o procedimento envolvendo a análise estatística foi

realizado no programa R (R Development Core Team 2011).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 O conceito de matupá

Apesar de o termo “matupá” ser ainda muito pouco conhecido no meio acadêmico e

urbano, é nítido que para aqueles que vivem em locais onde essas ilhas ocorrem existe muita

clareza em relação ao seu significado. Em geral, os matupás foram descritos como ilhas que

flutuam nos lagos, possuindo uma grossa camada de “terra” em sua base e uma densa

vegetação em sua superfície:

Matupá é uma floresta que flutua em cima da água.

Na minha visão, matupá é uma terra fluvial. Naquela terra

fluvial, fica uma mata em cima.

Matupá é onde forma um capim que cria terras em cima [...] vai

formando igual uma terra só que em cima da água, com vários tipos

de planta em cima, árvores e aninga, bastante aninga.

Em 82,9% das entrevistas, os ribeirinhos destacaram a necessidade de existir um

substrato consolidado nas ilhas flutuantes para que as mesmas pudessem ser categorizadas

como matupás. Nesse ponto estabelecem uma forte distinção entre os bancos de macrófitas

flutuantes e os matupás, alegando que os primeiros não possuem substrato consolidado, sendo

possível cruzá-los de uma ponta à outra com a canoa por água, enquanto os matupás são

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estruturas firmes que normalmente abrigam uma maior diversidade de espécies vegetais em

sua superfície, inclusive espécies arbóreas.

Matupá é aquele matupá bem duro, que dá pra gente andar em cima,

que tem as árvores. Tem vários capins aí, mas não é matupá, porque a

gente vai embora com a canoa por dentro, é ralo.

O matupá tem uma camada de solo... Acho que é um solo que tem,

diferente desse daqui da terra. Então o matupá tem esse tipo de solo e

é considerado matupá por isso [...], pode ser uma pequena espessura

assim, mas ele tem que ter. E o capim, não, ele não tem solo nenhum,

ele é em cima da água mesmo, só as raízes na água.

Matupá é um batume* imenso, tem um monte de coisa ali naquele

mato [...] Tem capim navalha, tiririca, aninga, lacre, tem vários tipos

de mato, várias espécies. [...] Matupá inclui toda aquela diversidade

de plantas. Pra chamar de matupá ele tem uma mistura de tudo, é

uma sequência de mato mesmo, de vários matos, muito mato.

Esse conceito de matupá expresso pelos entrevistados apresenta grande congruência

com aquele utilizado pelos autores que definiram e descreveram os matupás no meio

científico (Junk 1983; Junk e Piedade 1997). Vale ressaltar que a distinção estabelecida pelos

ribeirinhos entre os bancos de macrófitas e os matupás, também subentendida nos textos de

Junk (1983) e Junk e Piedade (1997), é muito importante em termos classificatórios, uma vez

que esses dois conceitos parecem ser frequentemente confundidos no meio acadêmico e

urbano (“senso comum”).

3.2 O processo de formação do matupá

Os entrevistados também apresentaram bastante congruência entre si ao descrever o

processo de formação e desenvolvimento dos matupás. Como ponto de partida, os ribeirinhos

costumam citar a aglomeração de capins nos lagos, especialmente o piri (Panicum

polygonatum) e o membeca (Paspalum repens). A maioria dos entrevistados (74,3%)

ressaltou que esses capins, então, “sentam” no período da enchente, quando há um grande

aumento na vazão da água dos rios e uma consequente inundação dos lagos onde os matupás

estão localizados. O termo “sentar” é empregado nesse caso com o intuito de dizer que os

capins afundam e morrem, deixando de se fazer visíveis na superfície. Com a vazante, esses

blocos de capins voltam a boiar, mas não mais como capins verdes e sim como “capins

podres”, blocos de matéria orgânica parcialmente decomposta. Nesse substrato flutuante,

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então, espécies vegetais começam a se estabelecer e desencadeiar um gradual processo de

sucessão que culmina no estabelecimento de espécies arbóreas anos mais tarde. Segundo os

entrevistados, esse processo do bloco de capim “sentar” e voltar a boiar, sendo recolonizado,

pode se repetir algumas vezes e é uma etapa essencial para a formação do matupá.

Morre, vive, morre, vive. Aí, quando pensa que não, tá lá formado.

Na quebra da água, quando a água branca invade 5, ele morre [...].

Aí nesse período de seca ele boia só aquela massa, tipo uma terra, vai

parando a água e ele vai boiando. [...] Ele vai pro fundo, por causa

da água corrente; na seca, parou a água, a água não corre mais, ele

boia. Aí começa a nascer novos filhos e fica de novo do mesmo jeito.

Na minha opinião, pra virar esses matupás duro mesmo, que nasce

essas árvores em cima, ele morre primeiro. Aí aquele capim morre e

daí boia [...] Depois do capim morto, nasce uns outros matos e daí

que vai nascer as árvores no meio deles.

Assim, o processo de formação dos matupás provavelmente envolve não apenas a

sucessão autogênica da comunidade vegetal, conforme descrito por Junk (1983) e Junk e

Piedade (1997), mas também essa importante etapa de formação de um substrato flutuante

gerado a partir da dinâmica fluvial amazônica de enchente e vazante. O processo relatado

pelos ribeirinhos significaria uma espécie de “salto” existente dentro do processo descrito por

Junk (1983) e Junk e Piedade (1997), uma vez que a existência de um substrato flutuante

permitiria o estabelecimento de espécies que demorariam muito mais para colonizar o local se

dependessem apenas da aglomeração das plantas aquáticas e da consequente formação de um

substrato a partir da retenção e acúmulo de sedimentos e matéria orgânica conforme descrito

por Junk (1983) e Junk e Piedade (1997).

Além disso, a formação desse substrato flutuante em tão poucos meses, com a chegada

da enchente e posteriormente da vazante, deve contribuir para um aumento na probabilidade

de formação do matupá, visto que reduz (temporalmente) a exposição do matupá em início de

formação aos potenciais distúrbios causados pela instabilidade das condições aquáticas ao

longo do ano. Tal instabilidade deve-se a grande variação de profundidade dos corpos de água

amazônicos entre as estações seca e cheia (Junk et al. 1989), de maneira que com a

subida/descida das águas pode ocorrer, por exemplo, a fragmentação de um bloco de plantas

aquáticas flutuantes precursor de um matupá, comprometendo o seu processo de formação.

5 O entrevistado se refere à época da enchente, que corresponde ao período entre os meses de janeiro e maio.

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3.3 As plantas envolvidas no processo de formação do matupá

Em geral (74,3% das entrevistas), o piri foi destacado como uma planta fundamental

para o processo de formação dos matupás. Dizem que quando os piris colonizam o substrato

flutuante é que o matupá de fato começa a ser formado. Segundo os entrevistados, os piris se

entrelaçam uns nos outros e suas raízes vão criando uma espécie de malha, ajudando a reter

sedimentos e formar a “terra”, a camada de matéria orgânica que compõe a base do matupá.

Essa camada vai ficando cada vez mais grossa e novas espécies vão se estabelecendo, com

destaque para a aninga, uma planta também muito associada aos matupás na região.

Primeiramente tem um outro capim, que chama-se piri, é um fininho.

Aí vai, vai, vai... E vai formando uma estopa, aquela raizinha vai

emendando uma com a outra e vai formando aquela estopa. Aí vem o

navalha, que dá aquelas touceironas. Aí vai vindo semente de vários

tipos... Passa pra aninga e ela vai tomando conta. Aí vai criando

vários tipos de mato, como lacre, açaí, aninga...

Com a chegada da aninga, então, a camada orgânica se consolida ainda mais,

possibilitando o estabelecimento de espécies lenhosas, como o lacre (Vismia sp.), o apuí

(Ficus sp. ou Clusia sp.) e o açaí (Euterpe precatoria).

Quando a aninga chega, já tem terra, mas com ela vai engrossando

mais ainda, a raiz dela penetra muito embaixo e aí engrossa o

matupá.

Tem que ter pelo menos 1 m de terra pra criar árvore em cima. Por

isso que ele só cria árvore quando já tem aninga em cima, que ele já

tá mais duro.

Aí depois que tá aquele batume*, aquela sequência lá de espécies de

capim, aí os passarinhos e morcegos é que conduzem, levam as frutas

do lacre e de outros tipos de plantas, que caem ali e ali eles têm

condição de crescer.

Essas árvores, por sua vez, vão contribuir para a consolidação do substrato, deixando-

o cada vez mais seco e firme. Nesse ponto, é possível caminhar sobre o matupá e ele já não

está mais vulnerável aos eventos de enchente e vazante como no início de sua formação, de

maneira que só “senta” se ocorrem eventos climáticos extremos, como uma cheia muito forte.

Aninga, açaizeiro, lacreiro, embaubeira, batatarana... E outros tipos

de mato - acho que os matupás dependem muito desses matos pra

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formar um matupá que dê a sustância de a gente andar em cima,

porque só o capim mesmo afunda com a gente. Com essas árvores

grandes, a gente anda por cima como anda aqui nesse jirau*.

Tem que ter as plantas pra aguentar ele, pra ter a raiz que é pra

aguentar o matupá – principalmente o lacre, a embaubeira, o

açaizeiro... A mungubeira também costuma dar. Sem essas plantas, o

matupá forma, mas é aquele matupá alagado, não é o matupá que tem

mesmo a terra em cima, que fica flutuado.

Às vezes quando tá se formando e a água vem, ele senta*. Aí depois

boia aquele pedaço seco, aí depois vai tornando a nascer capim de

novo. Mas quando já tá com a aninga e as árvores, ele não senta

mais, não. Quando encher, ele sobe; se a água descer, ele desce.

3.4 Ocorrência de matupás: condições ambientais

Os entrevistados destacaram a correnteza como um fator extremamente limitante para

a ocorrência de matupás em corpos de água, o que acreditam justificar o fato de essas ilhas

serem encontradas com maior frequência em lagos, especialmente aqueles que não recebem

muita água do rio no período da enchente. Alguns entrevistados alegaram, ainda, que os

matupás normalmente começam a se formar nas beiras dos lagos ou em áreas de “ressaca”,

que correspondem a reentrâncias dos corpos de água onde a correnteza é sempre muito fraca.

Depois de já estarem bem consolidados podem ser levados pelo vento para outras áreas do

lago sem sofrer fragmentação. O vento foi colocado como um fator de risco para os matupás,

por proporcionar sua destruição tanto de forma direta, ao impedir a aglomeração das plantas

ou promover colisões, quanto indireta, ao gerar ondulações na superfície da água,

denominadas localmente de “banzeiro”.

Se tiver muita correnteza, o matupá não resiste. Ali, naquele lago, ele

não tem saída, ele teve que ficar lá, aí ficou ali amontoando,

amontoando e virou aquele matupá grande. Se fosse um igarapé* que

tivesse uma corrente forte, ele não tinha ficado lá.

Lago com mais ressaca* dá mais matupá. Matupá sempre se forma na

ressaca, nas beiras do lago. No lago, dá muito banzeiro*, muito vento

e o capim que fica no meio sai.

Os entrevistados afirmaram também que os matupás ocorrem sempre na água preta,

porém em locais que sofrem influência da água branca sazonalmente, com a entrada da água

dos rios na época da enchente. Em geral, explicam a restrição dos matupás aos corpos de água

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preta alegando que a água branca está associada à correnteza, de maneira que os corpos de

água nos quais não há correnteza, como os lagos onde ocorrem matupás, são sempre

compostos de água preta6, exceto quando ocorre a entrada sazonal de água branca. Por outro

lado, alguns entrevistados utilizaram o argumento de que a água branca é “pesada”, por ter

muito sedimento, de maneira que ela tenderia a fazer o matupá “sentar”, sofrendo alagamento

de seu substrato e uma consequente destruição.

Ele dá na água preta*, mas sempre aonde já foi um lugar que a água

branca* já visitou.

Água branca é água de rio, e no rio não tem [matupá] em canto

nenhum. Lago é água preta, qualquer lago é água preta; só fica

branca quando alaga, que vem a água do rio.

Água do rio faz ele sentar* por causa do barro, porque ela é uma

água muito pesada, a água preta é leve. A água branca bateu, o

matupá senta, não tem jeito.

No entanto, a água dos lagos onde há matupás não poderia ser cientificamente

classificada como água preta, mas sim como água branca. O que ocorre é que para os

ribeirinhos a coloração da água é o fator que determina sua categorização, visto que é o

elemento visual de que disponibilizam; para eles, a água de coloração barrenta é considerada

água branca e a de coloração escura, água preta. Portanto, eles chamam de “água preta” não

apenas a que possui características físicas de água preta na definição científica (Sioli 1984;

Junk et al. 2011), mas também a água branca (definição científica; Sioli 1984; Junk et al.

2011) que fica isolada em um corpo de água durante um período. Isto porque a água branca

possui sua cor barrenta devido a grande quantidade de partículas em suspensão que contém,

de maneira que nos locais onde não há correnteza ocorre sedimentação dessas partículas e a

água consequentemente muda de coloração, aproximando-se visualmente da água preta.

Contudo, ela continua possuindo características químicas e físicas de água branca. A água

branca é um importante condicionante para a formação dos matupás porque garante a intensa

proliferação de espécies vegetais aquáticas e semiaquáticas que participam ativamente do

processo de formação dessas ilhas. Tais espécies costumam ocorrer em abundância muito

maior nas bacias de rios de água branca do que de água preta, uma vez que os rios de água

preta possuem uma quantidade bem menor de nutrientes e baixos valores de pH (Sioli 1984;

Junk et al. 2011).

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Por fim, outro aspecto ambiental destacado pelos entrevistados corresponde à variação

na profundidade dos corpos de água onde ocorrem matupás. Eles afirmam que os matupás não

podem se formar em locais que secam completamente no período da seca, uma vez que isso

faz com que as plantas que estão nos matupás possam enraizar no fundo dos lagos e com que,

então, o matupá não volte a flutuar com a chegada da enchente, sofrendo um consequente

alagamento que provocará a morte de suas plantas e a sua destruição.

Se o lago fica sequinho, sequinho, não tem condições de criar matupá,

não, porque são quatro meses de enchente, né, não ia ter condições de

criar matupá...

Ele tem que ficar todo fora da terra, porque se ele triscar* na terra, a

raiz prende no fundo e, quando vem a cheia, ele morre.

Os ribeirinhos alegam que, em geral, esse processo não ocorre com os matupás mais

desenvolvidos, que tendem a conter sempre água embaixo de seu substrato. Acreditamos que

isso se deve a dois motivos principais: (i) o matupá só conseguiu chegar a um estágio

avançado de desenvolvimento por estar em um local onde há sempre a presença da água; e (ii)

os matupás atuam como uma espécie de “esponja”, acumulando e represando água onde se

encontram, de maneira que ainda que o lago seque bastante, embaixo do matupá continua

existindo um pouco de água. Essa ideia foi relatada por alguns entrevistados, que alegavam

que o matupá “segurava” a água do lago.

Ele não deixa secar, ele mantém aquela água todo tempo ali, não vaza

água pra nenhum canto, não. Os mais velhos dizem que é o matupá

que sustenta a água.

3.5 Aspectos estruturais dos matupás

Alguns entrevistados afirmaram que existem diferentes tipos de matupá, enquanto

outros alegaram que existe somente um tipo, sendo as diferenças entre os matupás associadas

apenas aos estágios sucessionais de seu desenvolvimento. Nos dois casos, os ribeirinhos

distinguiam duas possibilidades: um matupá composto apenas por espécies herbáceas e outro

composto principalmente por aningas e espécies arbóreas.

Tem aqueles que têm as árvores grandes e aninga em cima e têm

aqueles que só têm o capim, que só tá aquele piri, aquele rabo de

cavalo...

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Depois que vira matupá desse daí, eu só tenho visto desse jeito

mesmo, com esses matos em cima - açaí, lacre, esses matos assim...

Matupá que a gente conhece é só esse.

Só é um tipo só, mas tem a variação, a transformação dele.

Quando questionados sobre a espessura da camada orgânica do matupá, os

entrevistados que distinguiam essas duas etapas/tipos, sempre atribuíam uma menor espessura

aos matupás formados apenas por herbáceas do que àqueles que possuíam árvores em sua

superfície. Considerando os valores estimados por todos os entrevistados, tem-se que os

matupás compostos apenas por herbáceas possuiriam, em média, um substrato com espessura

de 40 (± 20) cm, enquanto os matupás com árvores, 1,4 (± 0,8) m. O aspecto do substrato é

sempre descrito de forma similar, correspondendo a uma terra fofa e úmida, frequentemente

caracterizada como um “paú”. O termo “paú” é empregado pelos ribeirinhos para designar um

substrato formado pela decomposição imcompleta de matéria orgânica vegetal, geralmente

visto como um bom adubo para o plantio. Quanto ao tempo de formação dos matupás, os

entrevistados demonstraram muita incerteza, especialmente tratando-se do matupá já bem

desenvolvido. A estimativa para a formação dos matupás compostos apenas por herbáceas foi,

em média, 2,5 (± 1,7) anos, enquanto para aqueles com árvores em sua superfície, 8,7 (± 4,9)

anos. Já o tamanho que um matupá pode alcançar foi colocado como relativo ao tamanho do

lago, sendo este o principal fator limitante para o crescimento da área do matupá, além dos

eventos ambientais que venham a interferir em sua estrutura.

Assim, os dois “tipos de matupás” distinguidos por alguns entrevistados

aparentemente correspondem a estágios sucessionais do desenvolvimento dessas ilhas, uma

vez que, além de muitos entrevistados acreditarem justamente nessa transformação temporal,

os que alegavam existir dois tipos sempre estimavam uma espessura e um tempo de formação

menor para os matupás compostos apenas por herbáceas do que para o outro “tipo”, composto

principalmente por arbóreas. Essa constatação é um forte indício de que as diferenças

associadas a cada “tipo” são, na verdade, mudanças que ocorrem na estrutura e fitofisionomia

do matupá ao longo do seu processo de desenvolvimento.

Vale ressaltar que alguns utilizam o termo “matupá” para nomear essas ilhas desde o

momento em que o “capim podre” flutua, enquanto para outros esse momento corresponde

apenas ao início da formação do matupá, de maneira que denominam de “matupás” somente

as ilhas que já possuem um substrato bem consolidado e uma densa vegetação em sua

superfície, incluindo espécies arbóreas e aningas.

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No piri já tá virado o matupá, aí vai nascendo mato pelo meio,

aqueles mata-pasto, lacre... Aqui, acolá um apuizinho pelo meio.

Aquele piri vai morrendo, aí já nasce o canafiche, aí nasce caxinguba,

munguba... Aí ele já tá quase feito. Depois que nasce essas coisas,

açaí pelo meio... Aí já tá virado mesmo de uma vez, aí é matupá

mesmo!

Neste contexto, pode-se perceber que o termo “matupá” é polissêmico, sendo utilizado

de duas formas: existe o termo “matupá” lato sensu, que engloba o que é ou será matupá, e o

termo “matupá” stricto sensu, que é o matupá propriamente dito. Na etnobiologia, a

polissemia já foi diagnosticada e bem discutida no âmbito da classificação de espécies por

povos tradicionais (Berlin 1972; Berlin et al. 1973; Brown et al. 1986). Berlin (1972) alega

que a polissemia faz parte de um processo regular em que um termo passa a representar, ao

mesmo tempo, uma forma de vida e um gênero mais “culturalmente saliente”, seja por ser

mais abundante ou mais útil; ou, ainda, um gênero e uma espécie mais culturalmente saliente.

Algo similar parece ocorrer com os matupás, o que fica bem claro nessa frase de um dos

entrevistados: Matupá [stricto sensu] é aquele matupá [lato sensu] bem duro, que dá pra

gente andar em cima, que tem as árvores. Isso explica o porquê de algumas pessoas

considerarem o “matupá em formação” como matupá e outras não, enquanto todas classificam

o “matupá desenvolvido” como matupá. O “matupá desenvolvido” corresponde ao matupá

stricto sensu, ao matupá propriamente dito. O “matupá em formação” dará origem ao “matupá

desenvolvido”, sendo chamado por alguns de matupá (lato sensu), mas por outros não.

3.6 Aspectos biológicos dos matupás: flora

Os ribeirinhos citaram poucas espécies vegetais associadas aos matupás, havendo

algumas espécies que se repetiram com muita frequência nas diferentes entrevistas (Tabelas 1

e 2). Aqueles que distinguiam dois tipos ou estágios de matupás listaram as espécies

associando-as a cada um deles, enquanto os que julgavam que o matupá correspondia apenas

à ilha já bem desenvolvida citaram as espécies que acreditavam estar presentes nessa ilha.

Assim, em todas as entrevistas (35), foi feita uma listagem de plantas para o matupá

desenvolvido, mas em apenas 25 entrevistas foram listadas as plantas associadas ao matupá

em formação.

No matupá em formação, a planta de maior destaque foi o piri (P. polygonatum),

apresentando o maior índice de saliência cognitiva (0,59; Tabela 1). O capim navalha

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(Rhynchospora corymbosa) foi a segunda planta mais associada ao matupá em formação, com

índice de saliência cognitiva igual a 0,24; as demais plantas tiveram índice sempre menor que

0,14 (Tabela 1). O piri e o capim navalha devem ser espécies estruturadoras dos matupás na

região, uma vez que possuem rizomas com os quais criam uma “malha” entremeada que deve

contribuir para retenção de sedimentos e matéria orgânica e, portanto, para a consolidação do

substrato, assim como observado para Leersia hexandra em matupás localizados nas

cercanias de Manaus (Piedade, com. pess.).

No matupá já desenvolvido, a planta com maior índice de saliência cognitiva foi o

lacre (Vismia spp.; S = 0,38), apesar de o açaí (E. precatoria) ter sido a planta mais citada

(Tabela 2). Acreditamos que a alta citação do açaí não se deve necessariamente à percepção

do açaí como a espécie que ocorre em maior frequência ou abundância nos matupás, mas ao

destaque que essa planta tem na região devido ao valor alimentício que lhe é atribuído. Os

frutos do açaí são bastante utilizados para a produção do “vinho de açaí”, um produto muito

6 Mureru é um nome genérico utilizado para designar diversas espécies herbáceas flutuantes, especialmente

aquelas que não se prolongam acima da superfície da água, mantendo suas folhas na superfície. Alguns

exemplos são: Pistia stratiotes, Hydrocotyle ranunculoides, Azolla caroliniana, Azolla microphylla, Limnobium

spongia, Ludwigia helminthorrhiza, Phyllanthus fluitans, Pontederia rotundifolia, Eichornia crassipes, Salvinia

minima.

Tabela 1. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de cada planta citada

como presente nos “matupás em formação” segundo as listagens feitas por ribeirinhos da RDS Amanã. O índice

de saliência cognitiva (S) foi obtido a partir da fórmula: S = F/(N mP), onde F = frequência de citação do item;

mP = posição média de citação do item; e N = número total de listagens. Número total de listagens para os

matupás em formação = 25.

Planta Frequência de

citação

Posição média de

citação

Índice de saliência

cognitiva

Piri (Panicum polygonatum) 20 1,35 0,59

Capim navalha (Rhynchospora corymbosa) 11 1,82 0,24

Membeca (Paspalum repens) 06 1,67 0,14

Batatarana (Ipomoea squamosa) 06 2,00 0,12

Aninga (Montrichardia linifera) 07 3,29 0,09

Rabo de cavalo (Hymenachne amplexicaulis) 04 2,50 0,06

Mureru6 02 2,00 0,04

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consumido e apreciado pelos povos locais. Considerando-se tanto a frequência quanto a

posição de citação, o açaí foi a segunda planta de maior destaque, seguida da aninga (M.

linifera), do apuí (Ficus sp. ou Clusia sp.) e da embaúba (Cecropia sp.). As demais espécies

tiveram índice de saliência cognitiva inferior a 0,10 (Tabela 2).

Houve relação positiva entre o índice de saliência cognitiva das plantas listadas pelos

entrevistados e o índice de valor de importância (IVI) das plantas encontradas no inventário

(r2 = 0,30; P = 0,03; Figura 2). Apuí, lacre e açaí foram as plantas de maior destaque tanto nas

entrevistas quanto no inventário. A quarta espécie arbórea de maior destaque nas entrevistas

foi a embaúba (Cecropia sp.), que, embora não tenha sido visualizada de forma similar no

Tabela 2. Frequência de citação, posição média de citação e índice de saliência cognitiva de cada planta citada

como presente nos “matupás desenvolvidos” segundo as listagens feitas por ribeirinhos da RDS Amanã. O

índice de saliência cognitiva (S) foi obtido a partir da fórmula: S = F/(N mP), onde F = frequência de citação do

item; mP = posição média de citação do item; e N = número total de listagens. Número total de listagens para os

matupás desenvolvidos = 35.

Planta Frequência de citação Posição média de

citação

Índice de saliência

cognitiva

Lacre (Vismia sp.) 31 2,32 0,38

Açaí (Euterpe precatoria) 33 2,94 0,32

Aninga (Montrichardia linifera) 19 2,05 0,26

Apuí (Ficus sp. ou Clusia sp.) 20 3,20 0,18

Embaúba (Cecropia sp.) 20 3,45 0,17

Munguba (Pseudobombax munguba) 14 4,14 0,10

Caxinguba (Ficus maxima) 10 3,70 0,08

Tachi (Triplaris surinamensis) 4 3,75 0,03

Matapasto (Chromolaena maximilianii) 4 3,50 0,03

Jauari (Astrocaryum jauari) 3 5,33 0,02

Jacareúba (Calophyllum brasiliense) 2 3,50 0,02

Rabo de camaleão (Acacia loretensis) 2 3,00 0,02

Piranheira (Piranhea trifoliata)

2 6,50 0,01

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inventário, foi um dos gêneros vegetais citados por Junk (1983) e Junk e Piedade (1997) ao

falar sobre as espécies arbóreas que costumam colonizar os matupás, de maneira que espécies

de Cecropia devem ser comuns em matupás, apesar de não terem sido encontradas com muita

frequência nas parcelas amostradas em nosso inventário. A munguba (Pseudobombax

munguba) e a caxinguba (Ficus maxima) foram mais salientes nas entrevistas do que o tachi

(Triplaris surinamensis), que teve maior destaque no inventário. Por outro lado, a munguba e

a caxinguba estiveram distribuídas em um maior número de matupás no inventário do que o

tachi (ver capítulo 1), o que significa que talvez seja de fato mais comum vê-las nessas ilhas

de maneira geral, justificando um maior destaque dessas plantas para os ribeirinhos. As

demais espécies apresentaram baixo índice de saliência cognitiva e IVI.

A congruência entre o inventário florístico e as informações concedidas pelos

entrevistados sobre as espécies arbóreas presentes nos matupás reafirma o conhecimento

ecológico dos ribeirinhos acerca do ambiente em que vivem. A existência de relação entre

dados obtidos em inventários e entrevistas também foi verificada em outros trabalhos

envolvendo povos tradicionais, como o de Abraão et al. (2008) e o de Halme e Bodmer

(2007), mostrando que o conhecimento empírico desses povos realmente reflete aspectos

ecológicos detectados através de métodos científicos.

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3.7 Aspectos biológicos dos matupás: fauna

Em geral, os matupás são tidos pelos ribeirinhos como ambientes frequentados por

muitos animais, tanto na sua superfície, quanto na região logo abaixo deles, dentro da água.

Os animais mais citados são: jacarés (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger); tracajá

(Podocnemis unifilis); peixe-boi (Trichechus inunguis); peixes, principalmente pirarucu

(Arapaima gigas) e tambaqui (Colossoma macropomum); capivara (Hydrochoerus

hydrochaeris); onça (Panthera onca ou Puma concolor); cobras; pássaros, em especial jaçanã

Figura 2. Relação entre o índice de saliência cognitiva (S) das plantas citadas nas 35 entrevistas como presentes

nos “matupás desenvolvidos” e o índice de valor de importância (IVI) das plantas encontradas em inventário

realizado em 10 matupás localizados próximo às comunidades entrevistadas. S = F/(N mP), onde F = frequência

de citação do item; mP = posição média de citação do item; e N = número total de listagens. O IVI corresponde à

soma da densidade relativa, frequência relativa e dominância relativa (área basal relativa) de cada planta no total

de parcelas amostradas. Os pontos estão acompanhados pelo nome popular que as plantas recebem na região,

correspondendo aos seguintes táxons científicos: lacre = Vismia sp.; açaí = Euterpe precatoria; apuí = Ficus sp.

ou Clusia sp.; embaúba = Cecropia sp.; munguba = Pseudobombax munguba; caxinguba = Ficus maxima; tachi

= Triplaris surinamensis; jacareúba = Calophyllum brasiliense; ; rabo de camaleão = Acacia loretensis; mata-

pasto = Chromolaena maximilianii; joari = Astrocaryum jauari; piranheira = Piranhea trifoliata; paricá =

Hydrochorea corymbosa; erva de rato = Palicourea marcgravii; arapari = Macrolobium acaciifolium; pau pedra

= Hieronyma alchorneoides.

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(Jacana jacana), cigana (Opisthocomus hoazin) e alencorne (Anhima cornuta); e insetos

(Tabela 3).

Segundo os entrevistados, os jacarés costumam frequentar bastante os matupás em

estágios sucessionais mais avançados para construir ninhos em sua superfície. O tracajá

também desova nos matupás, tanto nos mais desenvolvidos quanto naqueles em formação,

desde que disponham de uma área aberta, com substrato seco, sob incidência direta do sol. O

pirarucu, o tambaqui e o peixe-boi foram mencionados como estando presentes tanto nos

matupás em formação quanto naqueles já bem desenvolvidos, porém mais frequentemente sob

esses últimos.

Peixe-boi dá mesmo é no matupá grosso. Pode ser grosso que for,

mas tem aqueles buracos onde eles boiam. Ele gosta de lá, é uma casa

boa pra ele, é o mesmo que nós tá embaixo do mosquiteiro!

A capivara, a onça e as cobras frequentam principalmente os matupás em estágios

sucessionais mais avançados, já os demais animais ocorrem de forma similar nos matupás

ainda pouco desenvolvidos e naqueles já bem estruturados.

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Tabela 3. Porcentagem de entrevistas em que cada animal foi citado como frequentador dos “matupás em

formação” e dos “matupás desenvolvidos”. Entre parênteses está o número de entrevistas em que o animal foi

citado. Para o matupá em formação, o número total de entrevistas foi 25 e para o matupá desenvolvido, 35,

pois nem todos os entrevistados consideravam o matupá em formação como sendo um matupá de fato, listando

apenas o que julgavam existir no matupá desenvolvido.

Animal

Frequência de citação (%)

Matupá em formação Matupá desenvolvido

Jacaré (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger) 72,0 (18) 85,7 (30)

Cobras 64,0 (16) 80,0 (28)

Tracajá (Podocnemis unifilis) 60,0 (15) 71,4 (25)

Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) 28,0 (7) 65,7 (23)

Onça (Panthera onca ou Puma concolor) 8,0 (2) 48,6 (17)

Peixe-boi (Trichechus inunguis) 52,0 (13) 45,7 (16)

Insetos 60,0 (15) 42,9 (15)

Pirarucu (Arapaima gigas) 36,0 (9) 42,9 (15)

Tambaqui (Colossoma macropomum) 32,0 (8) 42,9 (15)

Peixes7 28,0 (7) 25,7 (9)

Pássaros 28,0 (7) 25,7 (9)

Aranhas 12,0 (3) 8,6 (3)

Rato 20,0 (5) 5,7 (2)

Sapos 8,0 (2) 2,9 (1)

3.8 Importância ecológica dos matupás

Quando questionados acerca da importância dos matupás, todos os entrevistados

afirmaram que essas ilhas são muito relevantes para a manutenção dos peixes nos lagos, em

especial os de grande porte. Na categoria de peixes de grande porte, os ribeirinhos incluem

7 A frequência de citação relativa aos peixes correspondeu à proporção de pessoas que utilizaram esse termo de

forma genérica, não incluindo aquelas que falaram do pirarucu e/ou do tambaqui, mas não utilizaram esse termo

também. Isto porque, em geral, ao falar “peixes” as pessoas referem-se aos peixes de menor porte, destacando

separadamente o pirarucu e o tambaqui quando querem se referir a eles.

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principalmente o pirarucu, o tambaqui e o peixe-boi8. Segundo eles, lagos com matupás

concentram um número muito maior desses animais do que aqueles que não possuem tais

ilhas flutuantes.

O matupá acho que é que nem um assoalho, que mora porco, galinha

debaixo do jirau*. Acho que os bichos moram debaixo.

Lago que não tem matupá tem mais esses peixes miúdos, mas onde

tem matupá fica mais pirarucu, tambaqui...

Ele é muito importante pros peixes. Lago que não tem matupá, não

cria peixe, tem pouco peixe, pelo menos os peixes que gostam de estar

debaixo: tambaqui, tucunaré, pirarucu, peixe-boi... Lago que não tem

matupá, eles não gostam de estar lá.

O matupá faz uma parte da preservação. Pode ver que se um lago não

tem matupá, o peixe vai embora logo. Quando tem matupá, o peixe

fica lá. Então o matupá tem uma grande importância. Não tem um

canto que junte tanto peixe, quanto aonde tem matupá.

Em geral, os ribeirinhos atribuem a maior abundância de peixes em áreas com matupás

ao fato dessas ilhas funcionarem como um importante abrigo para esses animais, atraindo-os e

potencializando sua permanência no local ao fornecer proteção e temperaturas mais amenas.

Alguns afirmam, ainda, que servem também como fonte de alimento.

Tem muita importância [O matupá]. Pelo menos pra esses bichos que

moram lá debaixo... Protege muito eles. Acho que foi Deus que deixou

aquilo pra proteger esses bichos, pra ser uma casa pra eles. Onde tem

o matupá a água não esquenta tanto como na parte limpa*. Lá eles

tão na casa deles, de noite saem pro limpo e vão passear.

É aonde é a proteção dos bichos, dos peixes. Se não existir o matupá,

como é que os pobres ficam fora, na água?! Se tiver fora e tiver

matupá, ele fica fora e vai pro matupá, fica fora e vem pro matupá. O

matupá é a proteção.

O principal do lago é o matupá, que é o esconderijo do peixe. Além de

ser um esconderijo, é um alimento muito forte pros peixes, que comem

a raiz dele, dos matos que dão nele. Aqui dá muito peixe por causa

disso, porque os lagos têm muito matupá. Os lagos daqui só é de

matupá, tem lago aqui que você entra e tem só um abertinho, você

olha e aquilo some, só é um puro matupá, coisa linda mesmo de ver.

8 Apesar de taxonomicamente ser classificado como um mamífero, o peixe-boi costuma ser classificado como

um peixe pelos povos da Amazônia (Calvimontes 2009).

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Alguns entrevistados acreditam que o maior número de peixes em áreas com matupás

também está associado à maior dificuldade de captura pelos pescadores, uma vez que os

matupás representam barreiras que impõem uma limitação para a sobrepesca no local.

Pra pesca, ele é um protetor dos peixes, um esconderijo [...]. Com o

matupá, o homem não faz o que quer, vai pegando os peixes conforme

a saída deles dos matupás. Tem muito peixe embaixo do matupá, é a

casa do tambaqui, do pirarucu. Matupá é a casa dos peixes, lago que

tem muito matupá é lago que ajunta muito peixe.

No Mamédio9, pode matar os [peixes] que boiam no buraco ou os que

saem pra fora, mas depois que ele se entocar embaixo do matupá,

minha filha, não tem como tirar ele dali.

Onde tem matupá, tem muito peixe; fica muito tambaqui, pirarucu. O

tambaqui aqui é tão sabido, que se a gente coloca uma malhadeira

num dia, quando é no outro dia nem coloque, que não pega; eles se

entocam tudo pra debaixo, vão tudo pra debaixo do matupá e só

quando tá muito silêncio que ele sai.

Na literatura científica não há reconhecimento a respeito da importância ecológica dos

matupás para os peixes, mas já é bastante conhecida a relevância dos bancos de macrófitas,

que funcionam não apenas como local de abrigo e fonte de alimento, mas também como

berçário para muitas espécies (Petr 2000; Sánchez-Botero e Araújo-Lima 2001; Agostinho et

al. 2007). Os matupás, com sua espessa camada de matéria orgânica parcialmente

decomposta, devem funcionar de forma parecida ao oferecer uma cobertura natural na

superfície da água e uma série de potenciais micro-habitats a serem explorados, além de

possuir, em sua estrutura como um todo, muito material biológico que pode servir como

alimento para diversos animais. Sobre o uso dos matupás pelos peixes-boi, há registros na

publicação de Nunes Pereira (1944) em que o autor faz um amplo levantamento de

informações sobre o peixe-boi amazônico e destaca a relevância dos matupás para esse

mamífero aquático, alegando que estão entre as suas zonas ecológicas preferidas como abrigo.

Houve citações também sobre a importância dos matupás para outros animais,

principalmente jacarés, tracajás e pássaros. Os ribeirinhos afirmam que os matupás funcionam

tanto como local de abrigo, quanto de nidificação para esses animais. Isto já foi registrado

para C. crocodilus por Hoogmoed (1993) e para M. niger por Villamarín et al. (2011). Para

Villamarín et al.(2011) a deposição de ovos nos matupás deve ser interessante por reduzir os

riscos de inundação dos ninhos de M. niger, uma vez que essas ilhas se mantêm sempre

9 Mamédio é o nome de um lago.

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flutuando, mesmo com a chegada da enchente. Alguns entrevistados salientaram, ainda, a

relevância dos matupás para espécies vegetais ao representar um local de estabelecimento e

fornecer substrato fértil para seu desenvolvimento.

É um esconderijo pros animais [o matupá], serve de apoio pras

árvores, é um local de ninhos de muitos pássaros.

Bichos gostam de desovar lá... Tracajá desova muito e jacaré

também.

O jacaré gosta muito do matupá, porque lá se junta muito peixe. Além

dos peixes, ele usa o matupá como casa dele [...]. Na hora que ele

quer desovar, como aquele batume*, aquela coisa ali, é muito funda,

ele faz o lugar pra desovar ali. Ele puxa as folhas e faz um ninho bem

alto e se mete ali debaixo do folharal* pra desovar.

Outro papel ecológico associado aos matupás por alguns entrevistados é o de

conservação da água do lago, existindo até mesmo relatos sobre a retirada de matupás de

lagos e uma consequente redução drástica do seu volume de água. Esta ideia entra em

congruência com a do papel do matupá em atuar como uma “esponja”, conforme discutido

anteriormente.

Já aconteceu aí nesse laguinho: uma vez o menino cortou o matupá,

aí saiu o matupá, e a água desceu, ficou só a mortandade de peixe.

Antes não acontecia isso, os peixes tavam tudo aí, tambaqui, tudo

tambaquizão assim, tudo grande os tambaquis... Mesmo na seca,

ficava água; aonde tava o matupá ficava água.

3.9 Importância dos matupás para os ribeirinhos: usos locais

Em 85,7% das entrevistas foi destacado o valor do substrato do matupá como fonte de

matéria orgânica para cultivo em canteiros. Segundo os ribeirinhos, o matupá é mais fértil do

que o esterco de boi, sendo considerado um excelente adubo natural para o plantio,

especialmente de temperos bastante utilizados na culinária regional, como a cebolinha (Allium

fistulosum), a pimenta de cheiro (Capsicum chinense) e a cebola (Allium cepa).

É um adubo muito bom pras plantas. A planta que não nascer

no matupá eu acho que é porque ela tava contaminada de alguma

doença, porque não tem planta que não nasça, que não cresça, que

não produza, e muito, na terra do matupá. É muito bom, muito bom

mesmo.

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A planta sempre se dá melhor, cresce mais, é uma terra com certeza

de mais potência pras plantinhas, elas ficam bonitas.

Serve pra plantar cebola*, pimenta, cebola de cabeça

*... É o que a

gente mais usa pra plantar.

O substrato do matupá é sempre coletado no período da seca e normalmente é retirado

de matupás que ainda estão no início do processo de formação, já possuindo a camada

orgânica em sua base, mas não apresentando espécies de grande porte em sua superfície.

Segundo os entrevistados, quando o nível de profundidade da água diminui com a vazante, o

matupá em formação muitas vezes “fica em terra”, ou seja, encosta na beira dos lagos e fica

ressecado devido à exposição ao sol e à ausência de contato com a água. É esse matupá

“morto”, então, que costuma ser utilizado pelos ribeirinhos nos canteiros. Eles afirmam que

também é possível usar matupás em estágios sucessionais mais avançados, contanto que eles

também sejam levados para a beira do lago na vazante e percam o contato com a água,

ficando ressecados e “mortos”, além de mais acessíveis para a coleta; no entanto, alegam que

é raro que isso ocorra com matupás mais desenvolvidos.

Quando enche, fica na água, mas quando seca, muitos ficam em

terra*. É aí que a gente vai tirar o paú

*. Quando tá em terra, ele seca

todinho. [...] Esses que têm árvore não vão pra terra, ficam só

naquele local, é difícil sair de lá.

É quando vem o sol, sempre é na época de junho, julho, agosto, que

ele sai [em terra]. Ele morre com a quentura do sol e aí já fica o

adubo. Mas depois que ele fica grossão, adulto mesmo, aí não morre

mais, não.

Os ribeirinhos costumam concentrar a coleta do matupá em uma vez ao ano, quando já

levam a quantidade necessária para preencher os seus canteiros. Para alguns, o acesso

logístico aos matupás na época da seca é difícil, mas aqueles que possuem fácil acesso tendem

a utilizá-lo sempre no cultivo de seus temperos.

Ah, eu não deixo de usar matupá, que as coisas dão bem bonitas. [...]

A cunhada do meu marido fez uma hortinha lá e colocou só o matupá,

vai lá pra tu ver como tão as pimentas dela! Tão lindas, lindas,

lindas... Só com o matupá!

Pode colocar na cebola*! Espia minha cebola, depois tu vai olhar

minha cebola pra ver como tá. Cebola de palha*, pimenta de cheiro

*,

cheiro verde... Pode adubar; pode plantar no matupá pra tu ver só

como dá lindo, lindo, lindo. Nós só planta assim aqui.

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Muitos misturam o matupá com o esterco de boi, seja para aumentar o rendimento, já

que às vezes não conseguem coletar uma quantidade de matupá suficiente para preencher os

canteiros, seja por achar que o matupá está muito úmido, o que dizem que pode prejudicar a

produção de certos itens. No entanto, alguns afirmam que a mistura não é muito vantajosa,

porque o esterco de boi potencializa o desenvolvimento de muitos capins no canteiro, o que

não ocorre no caso do matupá puro.

O uso do substrato do matupá como matéria prima na preparação de adubo chegou a

ser recomendado por Junk (1977) devido à sua elevada fertilidade e à facilidade de acesso e

transporte do mesmo. Posteriormente, Noda et al. (1978) realizaram um experimento

buscando avaliar o valor do matupá como fonte de matéria orgânica em adubações para o

cultivo de feijão-de-asa (Psophocarpus tetragonolobus). Os autores concluíram que dentre

todos os tratamentos utilizados o matupá foi o que resultou em um maior rendimento, sendo

um adubo melhor do que o esterco de galinha ou restos de hortaliças e frutas (Noda et al.

1978). Sendo assim, o substrato do matupá mostra-se realmente uma interessante fonte de

matéria orgânica natural para cultivos que pode ser utilizada pelas populações locais. O uso

desse recurso demonstra-se sustentável, não comprometendo a manutenção e

desenvolvimento dos matupás, uma vez que as pessoas costumam utilizar apenas os matupás

no início do processo de formação que perderam o contato com a água. Por um lado, esses

matupás poderiam vir a servir como substrato para colonizadores secundários e originar o

processo de sucessão que resulta na formação de matupás desenvolvidos; por outro lado, a

coleta é realizada em uma proporção muito pequena em comparação à quantidade de blocos

de capim que boiam na superfície depois do período de enchente, de maneira que essa

atividade não parece comprometer a persistência de matupás na região.

Houve alguns relatos também sobre a utilização do matupá como área de cultivo

propriamente dita, algo nunca registrado na literatura científica. Tais relatos são raros e essa

prática parece tratar-se de algo muito esporádico, sempre associada a uma experimentação. As

plantas escolhidas para o cultivo no matupá geralmente são o milho (Zea mays), a melancia

(Citrullus lanatus) e o maxixe (Cucumis anguria), principalmente as duas primeiras. O

plantio costuma ser realizado no matupá em formação que perdeu o contato com a água

durante o período da seca, a mesma condição anteriormente relatada para o caso do uso do

matupá nos canteiros domésticos. Nas entrevistas, cinco pessoas (13,9%) afirmaram já ter

tentado plantar no matupá, das quais três obtiveram sucesso, mas duas tiveram sua colheita

prejudicada devido a eventos de enchente que alagaram a área que estavam usando para

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cultivo. Alguns citaram a tentativa de plantio no matupá feita por outros três moradores, que

não foram entrevistados por não estarem presentes na região. Alegaram que um deles já

tentou algumas vezes e obteve sucesso, enquanto os outros dois tentaram apenas uma vez e

não conseguiram realizar a colheita. Um deles foi prejudicado pela ação de ratos que atacaram

a produção, enquanto o outro realizou o cultivo em um matupá que estava flutuando e a

chegada de um temporal, que provocou fortes ondulações na água, causou sua destruição e a

perda de tudo o que ele havia plantado.

Minha irmã, ali dá um adubo pra qualquer planta! Plantei um

milharal [no matupá] com uma menina que é mãe da minha cunhada

que mora ali no Acará10

, deu milho, milho, que se estragou.

Vovô uma vez plantou melancia em cima e deu bonito!

O irmão do Bioca, ali no Itanga11

, plantou melancia em cima de um,

mas os ratos comeram tudo. Só que ele ficou em terra*, não ficou na

água, secou e ele ficou lá numa ponta. O do Chico Pereira não deu

rato, mas o temporal bagunçou. O [matupá] do tio Chiquinho ficou na

água mesmo, pra onde o vento levava, ele ia [...], mas aí veio o

temporal e ele foi parar no lago grande e parece que o banzeiro* foi

forte lá e despedaçou o pobre todinho...

Essa última citação corresponde ao único relato sobre alguém que chegou a cultivar

em um matupá que estava flutuando, apesar de outros terem falado dessa possibilidade como

algo interessante:

Meu marido dizia assim “Se a gente plantasse melancia aqui em

cima, como não dava bonito os pés de melancia! Dava fruto aqui em

cima, porque é o mesmo que terra!”. É dessa alturona o matupá. É

bonito aquele matupá dali, tem açaizeiro, tem lacre... Tudo tem em

cima.

Esse rapaz que pescava com a gente até falava “rapaz, bicho, eu

ainda vou fazer um bananal aqui em cima...porque aqui não vai pro

fundo e eu tenho certeza que dá banana, porque dá açaí, dá capim, dá

lacre, dá tudo!”

O uso dos matupás como local de cultivo nos remete aos chinampas, canteiros

agrícolas construídos pelos Aztecas em lagos na região do Vale do México. O chinampa é

uma espécie de ilha artificial formada por uma estrutura retangular firmemente fixada ao

10

Acará é o nome de um lago. 11

Itanga é o nome de um lago.

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substrato dos lagos na qual são colocadas camadas alternadas de plantas aquáticas, lama do

fundo dos lagos e terra (Chapin 1988). Os chinampas são um dos sistemas agrícolas mais

intensivos e produtivos já desenvolvidos no hemisfério ocidental e continuaram existindo

após a colonização europeia, sendo usados até hoje, ainda que com abrangência muito menor

(Denevan 1970; Chapin 1988; Onofre 2005). No entanto, no caso dos matupás nota-se que

existe um risco muito grande associado ao seu uso como local de cultivo, principalmente

devido ao dinamismo do sistema hidrológico local. Apesar dos rios da região serem regidos

por um pulso monomodal e apresentarem uma dinâmica sazonal previsível (Junk et al. 1989),

os corpos de água onde os matupás se localizam estão vulneráveis a eventos de inundação

extemporâneos. Esses eventos ocorrem usualmente e são conhecidos localmente como

“repiquetes”. Além dos repiquetes, sempre existe o risco de ocorrência de temporais, que

podem aumentar subitamente o nível de água dos lagos, especialmente daqueles de dimensões

pequenas. Como os matupás cogitados para realização de cultivo geralmente são aqueles em

formação que “ficaram em terra” e não estão mais flutuando, essas alterações na profundidade

da água podem provocar alagamento desses matupás e, portanto, um prejuízo para a

produção. O cultivo nos matupás já desenvolvidos e que se mantêm flutuando não é

interessante para os ribeirinhos porque eles consideram que seria necessário retirar todas as

árvores dos matupás e queimar a região onde seria realizado o cultivo, assim como fazem nas

áreas de plantio na terra firme. Como disponibilizam de áreas de terra firme para cultivar, não

precisam realizar esse esforço e alterar a estrutura do matupá. Isto pode ser encarado como

algo positivo, visto que esse impacto seria bastante oneroso para os matupás e conduziria

certamente à sua completa destruição e à consequente supressão de suas importantes funções

ecológicas na paisagem.

Em 57,1% das entrevistas os ribeirinhos destacaram a importância dos matupás para as

pessoas associando-os à questão da pesca. Nesse caso, existe tanto uma abordagem de

relevância direta, quanto indireta. A indireta refere-se ao papel dos matupás na manutenção e

maior abundância de peixes nos lagos, o que consideram algo de muita valia, uma vez que os

peixes são um item essencial da sua dieta.

Pra procriação do alimento da gente é importante [o matupá]. Lá eles

se criam. Quando vem a cheia, os peixes saem e a gente pega eles no

igapó*, em outro lugar. Lá [no matupá] é difícil de pegar, mas eles tão

guardados lá.

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Já o uso direto está relacionado à pesca no próprio matupá, em especial a captura de

pirarucus. Os entrevistados alegam que os pirarucus costumam permanecer embaixo dos

matupás e boiar em buracos existentes em seu substrato. Os pescadores, então, abrem uma

trilha para caminhar no matupá e posicionam-se na beira de um buraco para arpoar o pirarucu

quando ele vem à superfície respirar.

Pescadores vão por cima do matupá, os pirarucus sempre fazem o

boiador* dele no matupá. Aí o pescador já faz um caminhozinho por

cima do matupá, que aguenta ele bacana, e fica lá esperando.

Abria um caminho, deixava passar uns três dias e ia lá

devagarzinho... Aí tinha o peixe. Agora [na época da seca] só onde

tem é lá mesmo. Quando amanhece o dia eles tão tudo lá debaixo, no

limpo* não. Pirarucu boia sempre lá.

Daqui pra lá tem aqueles buracos [no matupá], que é o boiador* dos

peixes, do pirarucu. Lá onde tem o buraco, o cara vai se escorar lá.

Nenhum dos entrevistados alegou manter esta prática, mas em 18 das 20 entrevistas

nas quais a questão da pesca foi comentada pelos entrevistados foram relatados casos de

pescadores que já haviam frequentado os matupás no intuito de pescar pirarucus, de maneira

que esse uso nitidamente ocorria no passado. Hoje possivelmente esse uso continua existindo,

porém com a proibição permanente da pesca do pirarucu exceto em áreas de cultivo ou sob

plano de manejo aprovado pelos órgãos competentes (Brasil, Instrução Normativa 34/2004;

Amazonas, Instrução Normativa 1/2005) deve existir um certo receio na execução e/ou no

relato dessa prática. Algumas das comunidades envolvidas com a pesquisa estão inseridas

dentro do Programa de Manejo da Pesca, promovido pelo Instituto de Desenvolvimento

Sustentável Mamirauá (IDSM), de maneira que, em geral, seus moradores falavam mais

abertamente sobre o assunto, ainda que também tenham alegado não mais fazer esse tipo de

uso. Seria necessária uma exploração especificamente voltada a esse aspecto para diagnosticar

informações mais detalhadas sobre esse tipo de uso do matupá.

Houve, ainda, alguns relatos acerca da coleta de ovos de tracajá e de jacarés nos

matupás. Os ovos desses animais são muito apreciados como alimento pela população local,

especialmente os de tracajá. No entanto, a coleta de ovos nos matupás mostrou-se associada a

certo oportunismo e baixa frequência, visto que aparentemente os ribeirinhos coletam ovos

apenas quando estão nas proximidades de matupás e avistam sinais de nidificação de jacarés

ou tracajás nas beiras dessas ilhas.

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3.10 Universo cosmológico dos matupás: a cobra grande

Durante a realização das entrevistas foi muito comum ouvir relatos associando a

ocorrência de matupás à presença da “cobra grande”. A cobra grande é um ser bastante

presente no cenário mitológico amazônico, havendo diversas histórias sobre sua existência e

relação com eventos da natureza (Galvão 1955; Cascudo 2001; Monteiro 2006).

Diz a ciência que não existe cobra grande, né, mas, aqui, a gente que

mora aqui no interior percebe que existe.

Nas comunidades envolvidas com a pesquisa ela costuma ser vista como um animal

que vive sempre nos lagos, sendo muito importante para a manutenção da água no local em

que se encontra, chegando a ser denominada como “mãe dos lagos” ou “mãe das águas”. Os

ribeirinhos demonstravam sempre temor em relação à cobra grande, alegando ser um animal

perigoso, de dimensões muito grandes, capaz de fazer todo o lago tremer, provocar estrondos

e até mesmo temporais.

Se você ver o remanso* dela, você vai ter medo [...]. Ela que faz o

temporal vir. Toda vez que vem o temporal forte, é porque a cobra tá

boiada em algum lugar.

Muitos entrevistados (51,4%) se referiram aos matupás como um importante local de

abrigo para a cobra grande. Comumente ouvíamos as pessoas denominando-os como “a casa

da cobra grande” e alguns ressaltaram que a presença desse animal é essencial para que a ilha

possa se formar em um local. Dizem que é devido à presença da cobra grande que não chega a

secar totalmente embaixo dos matupás, de maneira que se a cobra grande sair do lago, o

matupá se acaba e o lago seca. Houve também associações entre o tamanho do matupá e a

probabilidade da cobra grande viver embaixo dele, de maneira que quanto maior o matupá,

maior o receio em relação à presença da cobra grande.

Matupá só cria onde tem cobra; ele tem mãe. Se não tiver mãe, não

cria matupá [...] Se matar a mãe, acaba. Não pode ser qualquer

cobra, tem que ser uma cobra grande...dizem que não existe, mas

existe.

Tem um lago ali que nós chama lago do Antônio Paulino. Ele

não tinha um fio de capim, era um olho de água. Hoje, o lago tem

mais ou menos uns 200 m de comprimento por 100 m de largura e tá

todo tapado de matupá. Nós acha que aquilo foi uma cobra que foi

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pra lá. Nós acha que a cobra tem um ímã pro matupá nascer onde ela

mora. Ela, então, atrai o matupá, com certeza.

Eu vejo dizer que a cobra ajuda [a criar o matupá]. Ajuda porque é o

lugar que ela fica, é a casa dela, então ela forma aquele matupá. Meu

avô que dizia isso pra mim. Ele dizia que onde tem cobra tem matupá

que cria grande mesmo, porque é a casa dela.

Alguns entrevistados acreditavam que a relação entre o matupá e a cobra grande se

dava em outro sentido: uma vez formados, os matupás atrairiam uma série de animais que

gostam de viver no espaço localizado abaixo deles ou frequentá-los esporadicamente,

incluindo a cobra grande. Assim, a presença da cobra grande no lago não seria necessária para

que o matupá se formasse.

O matupá não cria porque tem um animal ali e ele nasce, não. Eu

acho que ele nasce e aí alguns bichos que tem vão pra lá.

Apesar da crença na cobra grande não ser unânime entre os moradores das

comunidades visitadas, é nítido que se trata de algo muito presente no imaginário coletivo. A

negação à crença parecia estar vinculada, na maioria dos casos, a certa timidez, sendo muito

mais comum entre entrevistados jovens do que entre aqueles com idade avançada; em alguns

casos, entrevistados jovens chegaram a dizer que a crença na cobra grande era “coisa dos

antigos”. No entanto, a associação entre a existência da cobra grande e do matupá em um

mesmo local parece ser um forte motivo para os ribeirinhos terem receio ao frequentar lagos

onde há matupás, em especial as ilhas propriamente ditas ou áreas próximas a elas. Pôde-se

perceber que este receio é generalizado, existindo mesmo no caso daqueles que negam

acreditar na cobra grande.

Depois que tem um matupá em qualquer lago, o cara já fica logo com

medo, pode ter uma cobra...

O pessoal diz “o matupá quem faz é a cobra” [...] mas eu acho que o

medo é que se tem um lago que uma parte é limpa* e a outra é

matupá, os animais não querem tá no limpo, eles vão pra lá, pra ficar

escondidos, por isso é o medo. A gente já fala “olha, matupá eu não

passo, não, quem sabe tem um bicho aí”.

Assim, além dos papéis ecológicos dos matupás e de sua importância direta e indireta

para os ribeirinhos, essas ilhas também merecem destaque por estarem inseridas em um

contexto cosmológico, envolvendo um ser bastante presente no imaginário coletivo dos povos

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amazônicos. Acreditamos que a associação entre os matupás e a cobra grande seja um

elemento importante para a preservação dessas ilhas, uma vez que o temor a esse ser faz com

que as pessoas tenham certo receio em frequentar os matupás e áreas próximas a eles. Como

os matupás são um local utilizado como abrigo por muitos animais, esse receio pode ser

positivo na medida em que tende a intensificar o potencial que essas ilhas têm de proteger as

espécies que as frequentam.

4. CONCLUSÃO

Com base em todas as informações destacadas e discutidas neste trabalho podemos

concluir que os ribeirinhos possuem um valioso conhecimento sobre os matupás, explicitando

uma série de aspectos relacionados a essas ilhas e conseguindo destacar pontos de grande

relevância em termos ecológicos. Considerando-se a existência de tão pouca literatura

científica acerca dos matupás, o levantamento de informações junto a esses povos mostrou-se

uma ótima ferramenta na compreensão dos processos associados a essas ilhas. Além disso,

vale ressaltar que algumas das informações obtidas certamente exigiriam anos de observação

em campo para serem detectadas por pesquisadores. Neste sentido, nosso trabalho entra em

congruência com os estudos de Fleck e Harder (2000), Shepard et al. (2001), Shepard et al.

(2004), Halme e Bodmer (2007) e Abraão et al. (2008), dentre outros, ao verificar o potencial

do conhecimento tradicional em ser uma importante fonte de informação sobre o ambiente e

seus elementos. Tal conhecimento pode agregar ao conhecimento científico novos pontos de

vista e novas informações, oriundos da estreita relação desses povos com o meio natural e da

transmissão de conhecimentos ao longo das gerações.

Além de contribuir para a compreensão de processos ecológicos, a etnoecologia da

paisagem pode desempenhar um importante papel na gestão de recursos e conservação

ambiental. Em geral, políticas de desenvolvimento tendem a privilegiar o conhecimento

acadêmico como base para definir planos de manejo e uso de recursos em ambientes naturais.

Com isso, deixa-se de incorporar estratégias de povos tradicionais na gestão da sua terra, água

e recursos bióticos, que poderiam ser positivas para a conservação ambiental (Johnson e Hunn

2010b). Assim, o conhecimento ecológico tradicional e o conhecimento ecológico acadêmico,

com seus diferentes métodos e fontes de informação, deveriam ser vistos como

complementares na compreensão do ambiente, gerando diagnósticos mais completos e

informativos.

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5. AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer aos moradores da RDSA pela hospitalidade e acolhimento,

especialmente aos entrevistados por terem compartilhado seus conhecimentos conosco; a

Divino Áquila Araújo pelo apoio logístico e assistência em todas as etapas de campo; a

Helder Espírito Santo pelo auxílio na análise estatística e sugestões para aprimoramento do

texto; a Marina Vieira, Flávia Santoro, Nivaldo Peroni e Jansen Zuanon pelas sugestões para

aprimoramento do texto; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq) pela bolsa de mestrado de CTF; ao Instituto de Desenvolvimento Sustentável

Mamirauá (IDSM) pelo apoio financeiro e logístico; à National Geographic Society (NGS)

pelo apoio financeiro.

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Síntese

No presente trabalho, dois tipos de abordagem bastante distintos se mostraram

complementares: a pesquisa ecológica convencional e a pesquisa etnoecológica. Cada uma

delas abrange diferentes métodos, perspectivas, fontes de informação e formas de consolidar

ideias, tendo ambas forte potencial para nos permitir conhecer e compreender melhor os

fenômenos biológicos. Aqui, o conhecimento científico e o tradicional foram utilizados

conjuntamente na obtenção de informações sobre os matupás, ilhas flutuantes que ocorrem na

Amazônia.

A partir de amostragens biológicas e ambientais realizadas em matupás na RDS

Amanã, pudemos concluir que essas ilhas apresentam uma baixa densidade e um baixo

número de espécies herbáceas e lenhosas em comparação às áreas de várzea adjacentes, mas

um alto número de espécies arbóreas se comparadas com outras turfeiras ou ilhas flutuantes

que ocorrem em diversos locais do mundo. Diagnosticamos também que a espessura do

substrato do matupá é um parâmetro de muita importância na ocorrência e distribuição de

plantas em sua superfície. Conforme o substrato se torna mais espesso, o número de espécies

lenhosas aumenta e ocorre uma substituição de espécies, modificando sua fitofisionomia

como um todo. Matupás mais espessos apresentam, ainda, uma maior dissimilaridade

florística entre locais em seu interior, o que indica que são ambientes mais heterogêneos.

Assim, acreditamos que o matupá tende a passar, ao longo do tempo, de uma ilha com

substrato pouco espesso e composta apenas por plantas herbáceas para uma estrutura cada vez

complexa, com substrato mais firme e consolidado e uma fisionomia que nos remete a uma

pequena floresta.

Com a realização de entrevistas na RDS Amanã, percebemos que os ribeirinhos que ali

vivem possuem um rico conhecimento sobre os matupás. A partir de seus relatos notamos a

importância da dinâmica sazonal de enchente e vazante dos corpos de água amazônicos para a

formação dessas ilhas. Pudemos também descrever com detalhes o processo de formação dos

matupás, incluindo a importância de algumas espécies-chave, como o piri (Panicum

polygonatum) e a aninga (Montrichardia linifera). Confirmamos que existe congruência entre

os dados encontrados no inventário florístico e as informações fornecidas pelos entrevistados

quanto à composição de espécies arbóreas dos matupás. Diagnosticamos que essas ilhas são

ambientes de elevada relevância potencial para diversos animais, em especial peixes de

grande porte, como o pirarucu (Arapaima gigas) e o tambaqui (Colossoma macropomum),

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peixes-boi (Trichechus inunguis), jacarés (Caiman crocodilus e Melanosuchus niger) e

tracajás (Podocnemis unifilis). Os matupás parecem servir como local de abrigo, fonte de

alimento e/ou nidificação para essas e outras espécies. Avaliamos, ainda, a importância dos

matupás para os próprios ribeirinhos, registrando e descrevendo o uso que fazem do substrato

dessas ilhas como fonte de matéria orgânica para adubação de canteiros. Por fim, percebemos

que os ribeirinhos estabelecem uma estreita relação entre os matupás e a cobra grande, um ser

de grande destaque no cenário mitológico da Amazônia. Tal relação parece atuar como um

importante fator na conservação dos matupás e, consequentemente, na manutenção de seus

relevantes papéis ecológicos.

Sendo assim, os dados obtidos a partir de amostragens em matupás e entrevistas com

populações ribeirinhas permitiram reunir novas informações sobre essas ilhas e complementar

algumas já existentes na literatura científica. O conhecimento científico e o tradicional

possuem distintas potencialidades e limitações. É de suma importância que valorizemos esses

diferentes tipos de conhecimento e reconheçamos o potencial que possuem de se

complementar, sem julgamentos sobre qual deles é mais “correto”. Ambos possuem sua

história de construção, baseada em observações, reflexões e processos dinâmicos de criação e

recriação, devendo ser reconhecidos e legitimados.

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Glossário

Água branca – Água com coloração barrenta. No meio acadêmico a “água branca” é aquela

proveniente dos rios de origem andina e pré-andina, que carregam uma grande carga de

sedimentos ricos em nutrientes e possuem pH relativamente neutro (Sioli 1984; Junk et al.

2011). A origem dos rios e os fatores associados a ela garantem certas características físico-

químicas que são levadas em consideração para classificar a água como “água branca” (Sioli

1984; Junk et al. 2011). Para os ribeirinhos, no entanto, a coloração da água é o fator que

determina sua categorização, visto que é o elemento visual de que disponibilizam.

Água preta – Água com coloração escura. No meio acadêmico, a “água preta” é aquela

proveniente dos rios originados no escudo pré-cambriano das Guianas, que possuem baixa

quantidade de matéria em suspensão e alta proporção de ácidos húmicos, que lhes

proporcionam sua cor escura (Sioli 1984; Junk et al. 2011). A origem dos rios e os fatores

associados a ela garantem certas características físico-químicas, que são levadas em

consideração para classificar cientificamente a água como “água preta” (Sioli 1984; Junk et

al. 2011). Para os ribeirinhos, no entanto, a coloração da água é o fator que determina sua

categorização, visto que é o elemento visual de que disponibilizam. Assim, eles chamam de

“água preta” não apenas àquela que possui características físicas de água preta (na definição

científica), mas também a água branca (definição científica) que fica isolada em um corpo de

água durante um período. Isto porque, com a água parada, ocorre sedimentação das partículas

que estavam em suspensão e uma consequente modificação na cor da água, aproximando-a

visualmente da água preta.

Banzeiro - Ondulações na superfície da água.

Batume – Estrutura aglomerada, compactada. No caso do matupá, a palavra é utilizada

especialmente para se referir ao seu substrato, por ser um bloco de matéria orgânica

acumulada.

Boiador – Local onde os animais aquáticos vão à superfície respirar. Termo utilizado

especialmente para pirarucus (Arapaima gigas) e peixes-boi (Trichechus inunguis).

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Cebola / Cebola de palha – Allium fistulosum, planta conhecida como “cebolinha” em

muitos lugares do Brasil.

Cebola de cabeça – Allium cepa, planta conhecida como “cebola” em muitos lugares do

Brasil.

Ficar em terra – Ficar em local aonde a água não chega. Para estruturas que costumam ficar

na água (como o matupá) significa dizer que elas ficaram na beira do corpo de água, perdendo

o contato com o mesmo.

Folharal – Acúmulo de folhas.

Igapó – Floresta alagável. No meio acadêmico, o igapó refere-se apenas às florestas alagáveis

que sofrem influência dos rios de água preta (ver verbete “água preta” para definição desse

termo), sendo “várzea” o termo utilizado para designar as florestas alagáveis sob influência

dos rios de água branca (ver verbete “água branca” para definição desse termo). No entanto,

as populações ribeirinhas da Amazônia costumam denominar ambas de igapó.

Igarapé – Riacho.

Jirau – Extensão das casas de palafita onde geralmente lava-se a louça e prepara-se os

ingredientes das refeições que serão levados ao fogo dentro da casa. Normalmente

corresponde a um espaço construído com piso de madeira e sem paredes, em frente a uma das

portas da casa.

Limpo/a (para corpos de água) – Local sem vegetação.

Paú - Substrato formado pela decomposição imcompleta de matéria orgânica vegetal,

geralmente visto como um bom adubo para o plantio.

Remanso (na água) – Movimento na água, especialmente aquele semelhante a um

redemoinho. É utilizado também para designar o rastro de animais na água.

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Ressaca (de corpos de água) – Reentrâncias dos corpos de água onde geralmente há pouca

correnteza.

Sentar (em um corpo de água) – Afundar, passar a ter água lhe cobrindo. No caso do

matupá é um termo muito utilizado para se referir ao fato de ele não estar mais flutuando na

superfície da água.

Triscar - Encostar.

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Apêndice A

Fotografias de matupás

Fotografia aérea de matupás localizados em um lago na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã,

Amazonas, Brasil. (Foto: Florian Wittmann).

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Fotografia de um matupá localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto:

Carolina Freitas)

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Fotografia de um matupá localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. O

matupá corresponde ao estrato mais baixo e de coloração mais clara do que a floresta ao fundo da fotografia.

(Foto: Carolina Freitas).

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Fotografia de um dos matupás onde foi realizada a

amostragem, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável

Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto: Carolina Freitas).

Fotografia de um dos matupás onde foi realizada a

amostragem, na Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto:

Carolina Freitas).

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Fotografia de um dos matupás onde foi realizada a amostragem, na Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Amanã, Amazonas, Brasil. (Foto: Carolina Freitas).

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Apêndice B

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

Projeto: Ecologia, etnoecologia e uso tradicional de matupás na Reserva de Desenvolvimento

Sustentável Amanã, Amazônia Central

Eu, Carolina Tavares de Freitas, estou fazendo uma pesquisa sobre os matupás.

Gostaria de pedir a sua colaboração em responder algumas perguntas sobre a formação e

desenvolvimento dos matupás e sobre os usos que as pessoas podem fazer dos matupás.

Essa pesquisa é o meu projeto de mestrado. Vou usar os conhecimentos tradicionais

para realizar minha pesquisa, e por isso estou pedindo que assine esse documento, se desejar

contribuir na realização do meu estudo.

Os seus conhecimentos estarão protegidos, não correndo o risco de serem patenteados

(ou seja, não haverá qualquer direito exclusivo dos pesquisadores sobre as informações

fornecidas pelo(a) senhor(a), tampouco lucro financeiro relacionado a essas informações).

A participação é voluntária e se o(a) senhor(a) participar não terá nenhuma despesa

nem receberá algo em troca.

Caso o senhor(a) permita, a entrevista que farei com o senhor(a) será gravada. Mesmo

após a sua autorização o(a) senhor(a) terá o direito e a liberdade de retirar seu consentimento

em qualquer momento da pesquisa, independente do motivo e sem levar qualquer prejuízo.

O seu nome não será revelado em nenhum momento e as informações fornecidas serão

utilizadas apenas na realização desse projeto.

Eu me comprometo a validar as informações com os entrevistados, avaliar os dados e

a apresentar os resultados para a comunidade.

Se o(a) senhor(a) quiser saber mais detalhes ou tirar qualquer dúvida, pode entrar em

contato comigo, com algum dos integrantes do projeto, com o Comitê de Ética do Instituto de

Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (CEP-IDSM) ou com o Programa de Pós-

Graduação em Ecologia do INPA (PPG ECO – INPA). Os contatos seguem abaixo:

Carolina Freitas – Telefone: (92) 81377392; Email: [email protected]

Glenn Shepard – Telefone: (91) 3656-6572; Email: [email protected]

Maria Teresa Piedade – Telefone: (92) 3643-3266; Email: [email protected]

CEP-IDSM – Telefone: (97) 33434672; Email: [email protected]; Endereço: Estrada

do Bexiga, nº 2584, Bairro Fonte Boa, Tefé-AM.

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PPG ECO-INPA – Telefone: (92) 3643-1820; Email: [email protected]; Endereço:

Av. André Araújo, 2936, Bairro Aleixo, Manaus-AM

Eu, ________________________________________________ morador(a) da comunidade

_________________________________________ entendi o que a pesquisadora vai fazer e

aceito participar de livre e espontânea vontade. Por isso, dou meu consentimento para

inclusão como participante da pesquisa e atesto que me foi entregue uma cópia desse

documento.

Data:...........................................................................

......................................................................................................

Assinatura do(a) entrevistado(a)

......................................................................................................

Responsável pela entrevista

Impressão do polegar caso não saiba

escrever o nome

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Apêndice C

Roteiro para entrevistas

Data:

Informações gerais sobre os entrevistados

1. Nome:

2. Idade/Sexo:

3. Em que comunidade mora? Há quanto tempo?

4. Seus ascendentes moravam aqui?

5. De onde seus ascendentes vieram?

6. Quais são as fontes de sustento de sua família? (em ordem de importância)

Informações sobre conceito, características, processo de formação e fatores relacionados

à ocorrência de matupás

7. O que é um matupá?

8. Como os matupás se formam?

9. O que tem que ter ou não pode ter (fatores bióticos/abióticos) para que haja formação de

matupás em certo local?

Cor da água:

Correnteza:

Profundidade Lago:

Variação Profundidade Lago (cheia X seca):

Formato Lago:

Área Lago:

Distância pro Rio:

Conectividade com Rio:

Presença Animais:

Presença Plantas:

Outros:

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10. Existem diferentes tipos/estágios de matupás? Quais? Como você os distingue?

Tipo

Estágio

Tempo Formação

Tamanho

Profundidade

Substrato

Espécies Vegetais

Aspecto

Substrato

Espécies Animais

Informações sobre a importância e o uso local dos matupás

11. Os matupás têm alguma importância? Qual?

12. Os matupás podem ser úteis para as pessoas que vivem aqui na reserva? Como?

13. Você faz ou já fez algum tipo de uso do matupá? Qual? Com que frequência?

14. Quais são as vantagens e desvantagens de utilizar esse(s) recurso(s) dos matupás?

15. Você acha que esse(s) uso(s) têm influência sobre a integridade e continuidade do

matupá? Qual?

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Anexo A

Ata da defesa oral

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Anexo B

Ficha de avaliação do revisor José Júlio de Toledo

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Anexo C

Ficha de avaliação do revisor Florian K. Wittmann

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Anexo D

Ficha de avaliação do revisor Nivaldo Peroni

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Anexo E

Ata da aula de qualificação