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1 ECONOMIA DO TURISMO: UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA SOB A ÓTICA DOS BENS PÚBLICOS E DAS EXTERNALIDADES Dax Peres Goulart RESUMO Decorrente dos desvios de mercado, os bens públicos e as externalidades configuram-se como um dos principais pontos relevantes à teoria microeconômica. Suas singulares características são obstáculos que motivam todos aqueles que se preocupam com as possíveis alternativas para se alcançar uma melhor alocação de recursos. Seguindo os conceitos teóricos de bens públicos e externalidades e observando algumas características inerentes à atividade turística constatou-se que muitos desvios de eficiência do turismo de um potencial Município Turístico poderiam ser solucionados quando os mecanismos de mercado pudessem vigorar. No caso da sua ausência, o Estado através de seus instrumentos de políticas públicas deveria criar condições para a sua implementação, pois deve-se considerar a dificuldade da teoria econômica em definir a melhor alocação para bens públicos no sentido do Ótimo de Pareto”, bem como os ineficientes arranjos que ocorrem no processo político através da democracia representativa. De modo geral, desvios de eficiência devem ser solucionados. No entanto, cabe ao Estado e à sociedade analisar as circunstâncias em que a intervenção das autoridades públicas certamente poderá promover, da melhor forma possível, o bem-estar social. PALAVRAS-CHAVE Finanças Públicas Bens Públicos Externalidades 1 - INTRODUÇÃO Na teoria econômica diversos autores têm dispensado grande empenho em função das suas inquietações, gastando tempo e latim na tentativa de reproduzir modelos que expliquem, da melhor forma possível, a eficiência na alocação racional de recursos. Grande parte desses teóricos afirma que a economia de mercado é o melhor sistema para se alcançar eficiência na alocação de bens privados. No entanto, quando se trata de bens públicos (bens que devem ser consumidos na mesma quantidade, ou seja, onde se configura o princípio da não-exclusão e a não-rivalidade) este sistema torna-se impotente, pois a ocorrência de “rent-seeking” ou “caroneiros” não permite revelar a verdadeira demanda por estes bens e, certamente, em caso de contribuição voluntária, os indivíduos poderiam optar em não pagar pelo uso coletivo, tornando necessário o emprego de um processo político para garantir a eficiência econômica. Em outras circunstâncias, ao longo da atividade econômica podem existir externalidades, ou seja, custos ou benefícios adicionais que não são considerados pelos agentes econômicos e, por isso, não aparecem no mecanismo de preços gerado numa economia de mercado. Dentro desta ótica, a alocação de bens públicos e a ocorrência de externalidades seriam relevantes no que concerne à teoria microeconômica na análise da oferta turística de qualquer Município, pois a partir desse enfoque algumas constatações poderão ajudar a entender tal mercado local, esperando que políticas públicas e privadas de desenvolvimento possam ser recomendadas como alternativas para o futuro turístico desta cidade. Desvios de mercado como a alocação de bens públicos turísticos e externalidades provenientes da atividade turística serão abordados ao longo dos capítulos que compõem este trabalho. O estudo restringe-se a uma abordagem inicial da teoria microeconômica referente aos bens públicos e externalidades, numa tentativa de fazer algumas associações com o turismo econômico objetivando delinear soluções que garantirão uma maior satisfação da demanda turística e, principalmente, contribuir na busca do bem-estar da sociedade.

ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

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ECONOMIA DO TURISMO: UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA SOB A ÓTICA DOS BENS

PÚBLICOS E DAS EXTERNALIDADES

Dax Peres Goulart

RESUMO

Decorrente dos desvios de mercado, os bens públicos e as externalidades configuram-se como um dos principais pontos relevantes à teoria microeconômica. Suas singulares características são obstáculos que motivam todos aqueles que se preocupam com as possíveis alternativas para se alcançar uma melhor alocação de recursos. Seguindo os conceitos teóricos de bens públicos e externalidades e observando algumas características inerentes à atividade turística constatou-se que muitos desvios de eficiência do turismo de um potencial Município Turístico poderiam ser solucionados quando os mecanismos de mercado pudessem vigorar. No caso da sua ausência, o Estado através de seus instrumentos de políticas públicas deveria criar condições para a sua implementação, pois deve-se considerar a dificuldade da teoria econômica em definir a melhor alocação para bens públicos no sentido do “Ótimo de Pareto”, bem como os ineficientes arranjos que ocorrem no processo político através da democracia representativa. De modo geral, desvios de eficiência devem ser solucionados. No entanto, cabe ao Estado e à sociedade analisar as circunstâncias em que a intervenção das autoridades públicas certamente poderá promover, da melhor forma possível, o bem-estar social.

PALAVRAS-CHAVE

Finanças Públicas Bens Públicos Externalidades

1 - INTRODUÇÃO

Na teoria econômica diversos autores têm dispensado grande empenho em função das suas

inquietações, gastando tempo e latim na tentativa de reproduzir modelos que expliquem, da melhor forma

possível, a eficiência na alocação racional de recursos. Grande parte desses teóricos afirma que a

economia de mercado é o melhor sistema para se alcançar eficiência na alocação de bens privados. No

entanto, quando se trata de bens públicos (bens que devem ser consumidos na mesma quantidade, ou seja,

onde se configura o princípio da não-exclusão e a não-rivalidade) este sistema torna-se impotente, pois a

ocorrência de “rent-seeking” ou “caroneiros” não permite revelar a verdadeira demanda por estes bens e,

certamente, em caso de contribuição voluntária, os indivíduos poderiam optar em não pagar pelo uso

coletivo, tornando necessário o emprego de um processo político para garantir a eficiência econômica.

Em outras circunstâncias, ao longo da atividade econômica podem existir externalidades, ou

seja, custos ou benefícios adicionais que não são considerados pelos agentes econômicos e, por isso, não

aparecem no mecanismo de preços gerado numa economia de mercado.

Dentro desta ótica, a alocação de bens públicos e a ocorrência de externalidades seriam

relevantes no que concerne à teoria microeconômica na análise da oferta turística de qualquer Município,

pois a partir desse enfoque algumas constatações poderão ajudar a entender tal mercado local, esperando

que políticas públicas e privadas de desenvolvimento possam ser recomendadas como alternativas para o

futuro turístico desta cidade.

Desvios de mercado como a alocação de bens públicos turísticos e externalidades

provenientes da atividade turística serão abordados ao longo dos capítulos que compõem este trabalho.

O estudo restringe-se a uma abordagem inicial da teoria microeconômica referente aos bens

públicos e externalidades, numa tentativa de fazer algumas associações com o turismo econômico

objetivando delinear soluções que garantirão uma maior satisfação da demanda turística e, principalmente,

contribuir na busca do bem-estar da sociedade.

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2 - BENS PÚBLICOS E EXTERNALIDADES

Este capítulo compreenderá toda a base teórica necessária para o desenvolvimento deste

artigo, ou seja, os conceitos, as definições e as dificuldades provenientes das questões que envolvem bens

públicos e externalidades.

Ainda que não seja uma abordagem profunda do assunto (bens públicos e externalidades) a

idéia principal é analisar algumas dificuldades derivadas da teoria microeconômica oriundas das

imperfeições do mercado, para que nos capítulos seguintes tais dificuldades e suas possíveis soluções

possam servir de parâmetros que possibilitem demonstrar as interações existentes entre a oferta turística,

os bens públicos turísticos e as externalidades geradas pela atividade turística de qualquer Município.

2.1 - Bem Público e o Caroneiro

De acordo com MUSGRAVE (1974), as atribuições econômicas do governo dividem-se em três

partes: alocação de recursos, ajustamento na distribuição de renda e estabilidade econômica. Na alocação

de recursos, o governo estabelece um conjunto de bens públicos que devem ser utilizados pela sociedade

para satisfazer suas necessidades. O ajustamento na distribuição de renda refere-se à função distributiva

do governo a qual prioriza uma adequação equilibrada em termos de renda e riqueza. A estabilidade

econômica está associada com a manutenção de um elevado nível de emprego, o controle da inflação, a

condução consciente de uma política cambial e o crescimento econômico.

Apesar das diversas contradições semânticas envolvendo a questão da interferência ou não do

governo no sistema econômico, o escopo deste trabalho restringe-se apenas a analisar, do ponto de vista

da eficiência econômica, soluções para alocações de recursos (primeira das atribuições governamentais),

baseadas nos conceitos de bens públicos e externalidades.

Para assegurar uma satisfatória alocação de recursos, as forças de mercado são as melhores

sinalizadoras, pois caso exista numa sociedade interesses conflitantes e valores opostos, apesar das

inerentes contradições o mercado ainda é o único meio para que todos alcancem suas satisfações. Apesar

de existirem opiniões contraditórias, o mercado possibilita que os indivíduos realizem seus desejos e

vontades mediante algumas relações econômicas.

No mercado existem muitas pessoas envolvidas que não conhecemos, portanto a única

informação que pode-se observar é o processo de preços. Eliminar o mercado da vida desses indivíduos,

seria como privá-los dos benefícios que dele provém. Como concluiu Hayek na sua visita ao Brasil, quando

proferiu seu discurso na Universidade de Brasília em 1981:

“O mercado foi a grande força que deu vida à comunidade. E agora estamos em face de

uma situação - quer gostemos dela quer não - em que um número quatrocentas vezes

superior de pessoas vivem hoje no mundo em comparação com as que viviam há dez mil

anos, e que só há um meio de alimentá-las: utilizando muito mais informação do que a de

que dispõe qualquer pessoa ou autoridade, informação da qual o mercado é o instrumento

de alimentação em uma espécie de computador central, e para destinar recursos de uma

forma melhor do que em qualquer outro lugar” (HAYEK, 1981, p. 3).

No entanto, em algumas situações específicas o mercado não consegue garantir melhores

resultados para alocações de recursos. Neste caso, é necessário a interferência do governo para que a

eficiência econômica seja alcançada. A primeira situação estabelecida envolve a criação de externalidades,

pois as mesmas decorrem de operações econômicas que não estão incluídas nos custos das empresas e,

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dessa forma, não são expressas pelo mercado. A segunda refere-se à alocação de bens e/ou serviços que

devem ser consumidos nas mesmas quantidades, não podendo sofrer nenhum tipo de rivalidade e exclusão

(bens públicos). Essa não-exclusão permite que ocorram desvios de eficiência, pois muitos indivíduos

podem optar por “não pagar” (pegar carona) pelos benefícios recebidos, o que torna complicado para o

mercado indicar a melhor alocação desses recursos no sentido de revelar as suas preferências pelos bens

públicos. Para isso, torna-se necessária a intervenção do governo através de políticas públicas que induzam

compulsoriamente todos consumidores, a fim de revelarem as suas preferências. Entretanto, mesmo que se

conheça tais preferências, existem diversas maneiras para satisfazer essa demanda, bem como diversas

formas para encontrar a alocação eficiente destes recursos.

Para REZENDE (1986), geralmente diversos fatores influenciam a provisão de um bem público,

porém pode-se identificar facilmente que por exemplo, o aumento populacional e o aumento da renda per

capita geram necessidades sociais imediatas.

Observa-se que, com o crescimento da população aumenta a necessidade de expansão da

segurança, saúde, educação, serviços assistenciais, etc. Caso seja verificado na pirâmide etária taxas de

crescimento populacional distintas, ou seja, se na base da pirâmide a taxa de crescimento populacional for

elevada, há prioridade por bens públicos que atendam as necessidades dos mais jovens. Por outro lado,

caso seja verificado um crescimento da população idosa (pico da pirâmide), outros tipos de necessidades

deveriam ser priorizadas.

Com o crescimento da renda per capita e consequentemente elevação do padrão de vida,

surge a necessidade por parte do governo de ampliar e manter uma determinada quantidade de muitos

bens públicos. Pode-se afirmar que com o aumento do padrão de vida, aumenta também o tempo

disponível para o lazer. Parte desse tempo livre pode ser despendida no turismo. Assim, o governo de uma

cidade ou região turística deve priorizar boa parte do orçamento público e alocar os recursos para manter e

ampliar os bens públicos que são demandados por esta atividade turística.

Independente do tipo de economia em que o Estado está inserido, seja ele “maximalista”, ou

seja, que prega a máxima intervenção do Estado ou “minimalista”, e mesmo vigorando as características

inerentes à qualidade dos bens públicos (não-exclusividade e não-rivalidade), as necessidades sociais

devem ser supridas:

“A função do Estado (...) deve-se restringir, sem exclusividade, a preservar a liberdade, os

valores éticos e morais da cultura social, promover a eficiência econômica e prover, para

aqueles que, por razões diversas, não conseguiram prosperar, uma assistência

humanitária” (CARVALHO, 1993, p. 12).

Todavia, a iniciativa privada não teria instrumentos a priori para analisar a demanda e

posteriormente fornecer esses recursos. Pode-se defender que não haja necessidade de o Estado intervir,

pois, de uma forma ou de outra, a preferência da demanda por bens públicos com o tempo seria revelada.

No entanto, torna-se evidente que para os bens públicos, devido as eminentes imperfeições do mercado e

mesmo considerando-se os argumentos dos defensores da mínima intervenção, no máximo “o Estado

“provê” total ou parcialmente um bem ou serviço produzido “privadamente” ” (LONGO, 1990, p. 16). Por

exemplo, o Estado provê o serviço de Defesa Nacional, embora grande parte do processo possa envolver o

setor privado.

Dentre os principais objetivos da intervenção do Estado através de políticas públicas, observa-

se a satisfação das necessidades sociais, que em parte refere-se à alocação de recursos para

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disponibilização de bens públicos. A diferenciação básica entre um bem privado e um bem público,

corresponde as características de não-rivalidade e de não-exclusão entre todos os consumidores, avaliadas

as proporções para ocorrer um possível congestionamento. Apesar da distinção, MUSGRAVE (1974) não

se depara com nenhum grande obstáculo em avaliar os benefícios oferecidos pela instalação de um bem

público, com os mesmos obtidos pela satisfação das necessidades privadas, mesmo considerando-se o

princípio da não-exclusão, a dificuldade de conhecer a demanda, e a aplicação de políticas públicas. Para a

produção de bens privados, configura-se a exclusão. Assim, a curva de demanda total é representada pela

soma horizontal da demanda individual para cada nível de preço. Caso sejam definidas as curvas de

demandas para os bens públicos (revelação das preferências):

“(...) a demanda total é obtida pela soma vertical das demandas individuais, devido à

indivisibilidade no consumo. Agora, vários indivíduos estariam dispostos a pagar preços

diferentes pela mesma quantidade, sendo que a soma desses “preços individuais”

corresponde ao “preço coletivo” do produto” (REZENDE, 1986, p. 86).

Identifica-se melhor a característica peculiar dos bens públicos a partir de uma elaboração

gráfica das curvas de demandas individuais (Da e Db) e da curva de demanda total (DT) para um

determinado bem (Figura 1):

Figura 1

CURVAS DE DEMANDA PARA DEFINIÇÃO DA PRODUÇÃO DE UM DETERMINADO BEM PÚBLICO

Assim, pode-se estabelecer diversas curvas de demanda individuais para o diferentes níveis de

preços. Para isso, será utilizado o Modelo de Equilíbrio Parcial, considerando-se a decisão para a produção

de um bem público independente da inter-relação existente entre um bem privado qualquer (Figura 2):

Figura 2

MODELO DE EQUILÍBRIO PARCIAL PARA BENS PÚBLICOS:

Quantidade Q0

Preço

Pa

Pb

P0 = Pa + Pb

0 Da

Db

DT = Da + Db

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Na Figura 2, a quantidade de bens públicos é representada pelo eixo horizontal e o preço que

cada indivíduo estaria disposto a pagar pelo bem público é representado pelo eixo vertical. As curvas

individuais de demanda do indivíduo A e do indivíduo B, são respectivamente Da D’a e Db D’b. DT (a+b)

representa a curva de demanda total, ou seja, o somatório vertical das curvas de demanda individuais, e a

reta SS’ (paralela ao eixo horizontal) representa a curva de oferta de bens públicos, considerando

constantes os custos para a produção do bem. Finalmente, o Ponto E representa a posição de equilíbrio,

pois no local da interseção de SS’ com DT, todas as demandas individuais expressas conjuntamente

tornam-se iguais ao custo total para produção do bem público. É importante deixar claro a respeito do ponto

principal que está relacionado com a revelação das preferências que configuram o modelo:

“A premissa básica (...) é a de que os indivíduos estariam dispostos, voluntariamente, a

revelar essas preferências a priori, especificando o montante de contribuição tributária

que ele estaria disposto a efetuar em troca da produção de um bem público qualquer.

Entretanto, uma vez que a quantidade consumida será a mesma para todos os indivíduos,

independentemente das respectivas contribuições, não há nenhum incentivo para tal

procedimento” (REZENDE, 1986, p. 94).

A consequência fundamental da análise de um bem público, derivada do princípio da não-

exclusão, é possuir um custo marginal para um novo consumidor igual a zero. Por isso, todos aqueles que,

de uma forma ou de outra, se beneficiam com a sua utilização, não percebem o quanto deveriam pagar pelo

seu consumo, dificultando assim, a definição de uma quantidade ideal para o seu fornecimento:

“Os bens públicos freqüentemente são encarados como bens que geram recursos externos

positivos pelos quais os indivíduos não “deveriam” ter que pagar, pois o custo marginal

do fornecimento destas externalidades é zero, depois que o bem público já foi produzido. O

problema com este tipo de análise é que não permite que os membros individuais do

público consumidor se defrontem com a sua parte do custo total da produção do bem

público” (MILLER, 1981 p. 469).

Por exemplo, em PINDYCK & RUBINFELD (1994), o nível eficiente para a alocação de um bem

público será atingido somando-se o valor que cada cidadão estaria disposto a pagar pela adição de uma

unidade a mais deste bem público ofertado (Curvas de Demanda Individuais D1 e D2), e igualando este valor

à curva de oferta S. Neste ponto de interseção (Ponto E), entre a soma vertical dos benefícios marginais

(soma vertical das curvas de demanda do bem) e a curva de oferta, estaria definida a quantidade eficiente

ofertada de um bem público (Figura 3):

Quantidade

Imposto

(Preço)

DT (a+b)

D’b

D’a

Db Da

S S’

0

E

B

A

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Figura 3

NÍVEL DE EFICIÊNCIA DE UM BEM PÚBLICO:

Contudo, alguns cidadãos podem não revelar a sua demanda, tal problema pode ser chamado

de “o caroneiro”, “rent-seeking” ou “o usuário que não paga”:

“Como é difícil ou impossível excluir os que não pagaram dos que pagaram por um bem

público, é difícil conseguir que um número de indivíduos suficientemente grande revele sua

demanda verdadeira, e portanto concorde voluntariamente em pagar pela produção do

bem público” (MILLER, 1981, p. 468).

Portanto, vários indivíduos podem contribuir muito pouco ou até mesmo não contribuir em

nada. Esta decisão de não contribuir, ou esperar que outro indivíduo o faça, denotaria o termo “pegando

carona”. Analisando este fato sob o prisma das consequências causadas na sociedade como um todo,

pode-se constatar que esta atitude de “não pagar” pelo bem público levaria a uma situação de ineficiência,

ou seja, não estaria satisfazendo a “condição de Pareto” a qual determina que, “quando a condição é

satisfeita, é impossível que um indivíduo ganhe sem que outro tenha uma perda” (MILLER, 1981, p. 440).

2.2 - O Processo Político

É importante destacar que MUSGRAVE & MUSGRAVE (1980) denominam as curvas de

demanda de “pseudocurvas”, pois estas não são voluntariamente reveladas já que podem existir

“caroneiros”, dado a aplicação do princípio da não-exclusão.

Assim, torna-se evidente a necessidade da utilização de uma técnica que permita revelar de

forma verdadeiramente consistente a demanda individual por bens públicos para cada cidadão:

“Na realidade, um processo político (um processo de voto) deve ser utilizado para compelir

os indivíduos a revelarem suas preferências, pois, na medida em que eles se comprometem a

aceitar a decisão eleitoral, eles tenderão a votar coerentemente com os seus desejos e assim

revelarão suas preferências” (MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 46,).

Considerando-se o princípio da não-exclusão, o mercado não teria instrumentos eficazes para

fazer com que um grande número de pessoas revelassem suas preferências pelos tipos e pelas

quantidades de bens públicos que deveriam ser alocados na sociedade. Portanto, neste caso torna-se

necessário por parte do governo utilizar do processo político (votação) para induzir os indivíduos a

revelarem suas preferências.

S

Quantidade Produzida

Benefícios

Expressos

em Unidades

Monetárias

D1

D2

DT

Q0

E

0

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No âmbito dessa questão, apesar de existirem várias regras para determinar qual seria o tipo

de votação para escolha das necessidades sociais que deveriam ser alocadas pelo governo, a premissa

básica define que cada voto deverá expressar o mesmo peso e que os eleitores não poderão se relacionar

no período de votação (ausência de estratégias).

Pragmaticamente, em todo processo político há ocorrência de estratégias de votação, e essas

podem alterar o resultado das decisões e contribuir negativamente no sentido de não revelar as verdadeiras

preferências dos contribuintes:

“Os eleitores (...) não desperdiçarão seus votos em opções que não tenham chances de

ganhar, mesmo que essas sejam suas opções preferidas (...) invés disso, eles podem

concentrar seu apoio sobre suas segundas opções, de forma a evitar que a terceira opção

seja a escolhida (...)” (MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 91).

Além disso, MUSGRAVE & MUSGRAVE (1980) enfatizam outro aspecto na utilização de

estratégias diferentes, de acordo com a regra de votação adotada. Paradoxalmente, o sistema que pode

medir a intensidade das preferências e revelar sensivelmente as preferências dos eleitores, sem dúvida

poderá ser de alguma forma mais influenciado e sofrer fortemente a ação de estratégias políticas:

“Portanto, deve-se buscar uma solução de compromisso que leve em conta esses vários

aspectos e, no fim, a melhor escolha talvez seja a de um sistema menos elaborado, como a

votação majoritária, já que esse é menos sujeito a manipulações” (MUSGRAVE &

MUSGRAVE, 1980, p. 91).

O processo político ainda que democrático, participativo e amadurecido, não estaria à altura do

mercado para garantir uma melhor eficiência na alocação de recursos:

“A experiência universal tem demonstrado que o sistema político é um excelente promotor

de favorecimentos e está altamente sujeito à ação de grupos de interesse (...) Como os

benefícios de uma norma são altamente concentrados em um pequeno grupo ou

coletividade e os custos dela decorrentes são diluídos em toda a sociedade, lobbies têm

facilidade para, através do sistema político, conseguir apropriar-se de rendimentos, às

expensas de toda a sociedade” (CARVALHO, 1993, p. 30 e 31).

Nesse sentido, fica claro que, na “administração de bens de propriedade comum, a solução a

ser perseguida deve ser a da caracterização do direito de propriedade para que o mercado possa funcionar

e, por conseguinte, racionar o uso do bem em questão” (CARVALHO, 1993, p. 31).

2.3 - Externalidades

Para uma firma a eficiência na alocação de recursos é alcançada quando o custo marginal se

iguala ao benefício marginal. Porém, além de existirem custos explícitos e implícitos (custos de

oportunidade) normalmente computados por cada firma para a produção de um determinado bem, deve-se

considerar outros custos que podem ser externalizados para toda sociedade. O somatório dos custos

explícitos, implícitos e aqueles que são externalizados denomina-se custo social:

“Os custos sociais incluem todos os custos privados das partes de uma transação, sejam

implícitos ou explícitos, mais quaisquer custos adicionais transferidos para outros

indivíduos” (MILLER, 1981, p. 461).

Portanto, para que seja alcançado o máximo bem-estar social, o custo marginal social deverá

ser igual ao benefício marginal social. Segundo MILLER (1980), geralmente os custos privados não são

iguais aos custos sociais, e esta diferença (custo adicional externalizado) permite a definição de

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externalidades. Neste caso, as empresas privadas apenas consideram seus custos privados para a

produção de um determinado bem, desprezando os custos adicionais externos (Figura 4):

Figura 4

GERAÇÃO DE EXTERNALIDADES

Na Figura 4, a curva de demanda é denominada de Da e a curva de oferta (somatório horizontal

das curvas de oferta individuais, que refletem os custos marginais privados) é Sa. Quando a empresa não

considera os custos externos a quantidade produzida é Qe, o preço é Pe e o ponto de equilíbrio Ee. Caso

sejam considerados os custos externos, a verdadeira curva de oferta é Ss, que estaria representando o

custo social para a produção do bem. Nesse caso a verdadeira posição de equilíbrio deveria ser alcançada

no ponto E0 ao invés de Ee. O exemplo poderia estar associado à poluição do ar, decorrente da produção de

um determinado bem por uma empresa qualquer, gerando uma externalidade negativa.

Por outro lado, de acordo com VARIAN (1994), existem situações em que ocorrem

externalidades positivas.

Entretanto, para ambos os casos, não existe nenhuma indicação que oriente as decisões dos

agentes econômicos para que sejam computados corretamente todos os custos envolvidos na produção de

um determinado bem:

“A característica crucial das externalidades é que há bens com os quais a pessoa se

importa e que não são vendidos nos mercados (...) a falta destes mercados para

externalidades que causa problemas” (VARIAN, 1994, p.597).

As questões que envolvem custos sociais podem ser relacionadas com a geração de

externalidades. Quando os indivíduos são afetados (positivamente ou negativamente) pelas externalidades,

ou seja, quando uma parcela do custo ou benefício social é representada pela ocorrência de um desvio do

mercado, necessariamente para se alcançar alguma eficiência na alocação dos recursos, esta parcela do

custo ou benefício social deverá ser medida e internalizada economicamente (quantificação em valores

monetários).

No entanto, caso não seja bem definido o direito de propriedade entre aqueles que geram

externalidades e aqueles que consequentemente são afetados, provavelmente não existirá nenhum

incentivo para correção ou desenvolvimento dessas mesmas externalidades. Dificuldade maior poderá ser

encontrada quando a análise de externalidades envolve propriedades de uso comum:

“(...) você mais que provavelmente não tem o direito de parar com a poluição do ar ou de

obter compensações pela destruição do ar ao seu redor. Isto acontece porque você não tem

Preço

do

Bem

Quantidade do Bem Q0 Qe

Pe

P0 E0

Ee

Da

Sa

Ss

0

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o direito de propriedade sobre o ar; nem você nem ninguém. O ar é chamado de recurso de

propriedade comum” (MILLER, 1981, p. 465).

No caso da propriedade comum, os direitos de propriedade dificilmente existirão. Entretanto,

esta peculiaridade deve ser encarada sob o ponto de vista em que a sociedade poderá encontrar um meio

legal que possa transformar a propriedade comum em uma propriedade de interesse de um grupo de

pessoas diretamente atingido pela geração de externalidades:

“Se os direitos de propriedade estão bem definidos, e existem mecanismos para permitir a

alocação entre as pessoas, então as pessoas podem negociar seus direitos de produzir

externalidades da mesma forma que trocam direitos de produzir e consumir bens comuns”

(VARIAN, 1994, p. 601).

Nesse sentido, poderia ser encontrada uma alternativa praticamente viável, que dependendo

do direito de propriedade sobre o ar e considerando a sua importância para a saúde das pessoas que

habitam a região da fábrica, as empresas poluidoras deveriam ser punidas ou compensadas de acordo com

o grau de poluição atingido. Com a definição de um mecanismo prático para correção das externalidades,

talvez continue ainda existindo um certo nível de poluição, mas certamente haveria redução na emissão de

poluentes e além disso seria criado um incentivo para que de alguma forma, as empresas não poluíssem o

ar.

No entanto, as coisas não são tão fáceis quanto aparentam. A poluição do ar por uma ou

diversas firmas pode envolver várias pessoas. Por este motivo, o custo da transação realizada entre as

firmas e estas pessoas seria muito elevado e provavelmente os custos privados não seriam iguais ao custo

social. Supondo-se que, neste caso, as externalidades envolvessem apenas dois indivíduos (o produtor e o

receptor das externalidades), seria muito fácil encontrar uma solução a partir de um acordo tácito ou até

mesmo um contrato entre as partes para definir o quanto cada um estaria disposto a pagar para fazer

prevalecer seus interesses. Após estabelecido o acordo, poderia ser estabelecido o custo individual e

consequentemente o seu valor seria igual ao custo social:

“Note-se que direitos de propriedade não constituem um problema, se a contratação pode

ser feita com custo barato. Contudo, quando há grande número de pessoas envolvido, os

acordos são difíceis e, em muitos casos, os custos reais são difíceis de medir e/ou os

criadores destes custos são difíceis de identificar” (MILLER, 1981, p. 467).

Para uma sociedade onde existem milhares de pessoas, uma solução satisfatória seria “definir

mais precisamente os direitos de propriedade; a transação teria então que ser feita entre os poluidores

potenciais e os que estão sofrendo a poluição” (MILLER, 1981, p. 467). Mesmo que pareça arbitrário, para

MILLER (1981), as autoridades governamentais poderiam definir os direitos de propriedade fazendo com

que os moradores que são atingidos pela poluição das potenciais empresas poluentes tenham o direito de

respirar ar puro. Assim, as decisões governamentais garantiriam o direito de propriedade dos habitantes e

através de algum mecanismo, converteriam os custos privados externos em valores monetários no sentido

de tentar aproximar o valor dos custos privados ao valor do custo social.

No exemplo anterior, a poluição seria um exemplo de externalidade negativa. Todavia, na

geração de um tipo de externalidade positiva a obtenção de um benefício individual poderia estender-se à

toda sociedade. Entende-se como sociedade uma numerosa quantidade de indivíduos. Nesse sentido,

torna-se mais uma vez uma dificuldade em revelar as preferências individuais e, por isso, necessária a

presença de um mecanismo orçamentário (política de subsídios) para garantir um nível ótimo de consumo

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dos bens por esses indivíduos. A partir de uma elaboração gráfica envolvendo uma curva de oferta SS’ e a

demanda de mercado (D2) para obtenção de um determinado bem privado e por outro lado a

“pseudodemanda” (D1), proveniente da geração de externalidades positivas, pode-se adicionar

verticalmente ambas as curvas, que originará uma nova curva de demanda (DT) mais elevada que

corresponderá aos benefícios sociais em virtude do consumo dos bens em questão (Figura 5):

Figura 5

EXTERNALIDADES POSITIVAS

Na Figura 5, a eficiência seria alcançada, no âmbito de toda sociedade, com o consumo de B

unidades de um determinado bem e o ponto de equilíbrio seria E. Entretanto, a posição de equilíbrio do

mercado privado seria no ponto G e a eficiência seria o consumo de A unidades do bem. Para internalizar

os benefícios gerados pela produção de externalidades positivas o governo deveria fornecer um subsídio

para expandir a produção de A para B. O valor total do subsídio corresponderia à área do retângulo CDEF.

Para o consumo de B unidades do bem, os indivíduos pagarão o preço C e o governo subsidiaria o restante

até o preço D. Assim, os “benefícios internalizados pelo consumidor individual se somam aos benefícios que

são externalizados” (MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 48).

De modo geral, pode-se constatar que:

“Numa sociedade onde se valoriza a liberdade e os direitos fundamentais do homem são

preservados, com base na definição apropriada do direito de propriedade, a ação livre dos

agentes econômicos produz o maior bem-estar possível.(...) Assim, a melhor qualidade de

vida atingível se dará num contexto de livre mercado quando a ação subsidiária do Estado

for economicamente eficiente, isto é, quando os bens e serviços promovidos pela ação do

Estado forem obtidos a custos menores que se, exclusivamente, promovidos pelo setor

privado. (CARVALHO, 1993, p. 26).

3 - O TURISMO COMO MERCADORIA

O turismo pode ser entendido como um conjunto de atividades que se desenvolve e torna-se

cada vez mais dinâmico, sofisticado e diversificado à medida que, ao longo do tempo, as práticas comercias

abrangem dimensões espaciais maiores e utilizam de mecanismos próprios que permitam a realização de

trocas com maior facilidade, rapidez e segurança.

Esse conjunto de atividades determina o potencial turístico de uma cidade ou localidade e

integra a oferta turística a ser comercializada. Dentre os componentes que compõem esta oferta turística,

pode-se atribuir a alguns destes a característica de bem público.

S’

S D1

D2

DT

Preço

Quantidade do

Bem

A B

C

D

F

E

G

0

Page 11: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

11

À medida que a sociedade evolui e se modifica, o significado aparente das realizações

humanas sofre mudanças e determina o próprio momento no qual o indivíduo está inserido.

A partir da Revolução Industrial, com o desenvolvimento do comércio, o crescimento das

cidades e o constante aprimoramento dos transportes, os deslocamentos ganham dimensões menores de

tempo e maiores de espaço. No início do século XIX as viagens são substituídas por uma nova prática

comercial e organizada, contrastando campo/cidade, ou seja, essa nova atividade mundana e

preferencialmente urbana é denominada de “villegiatura” – prática incipiente de turismo. Esse turismo, ainda

em formação, correspondia a um período que compreendia as estações do ano mais propícias para

desfrutar-se das amenidades dos campos ou das praias, como forma de descanso ou pela curiosidade,

necessidades que caracterizavam os habitantes das cidades. Para muitos a “villegiatura” tinha aspecto

privado, pois nela estava inserida a fuga da rotina habitual exercida nas cidades e pela procura nos campos

e nas praias da melhor maneira de empregar, preferencialmente de forma anônima, o “tempo livre”. Esse

anonimato começa a ser violado pela democratização dos espaços decorrentes dos avanços dos meios de

transporte, dando origem ao turismo como uma atividade de massa, organizada e preponderantemente

comercial. De fato, todo esse processo de mudança no cenário sócio-econômico legitima a atividade

turística como um componente extremamente dinâmico nas economias mundiais:

“O turismo beneficia-se diretamente da nova ordem que surgiu nas sociedades pós-

industriais, fruto de uma nova conjuntura internacional, das mudanças culturais e do

crescimento econômico em alguns setores do mundo. A atividade turística passou a ser um

espaço privilegiado da produção, na medida em que se tornou uma das ocupações

sofisticadas do setor terciário” (TRIGO, 1993, p. 65).

Atualmente o turismo representa um conjunto de atividades de suma importância para a

economia e a sua popularização, bem como o seu desenvolvimento, pode-se atribuir às seguintes causas:

“(...) a paz, a prosperidade, o aumento da população, a urbanização, a industrialização, a

expansão dos níveis de negócios, uma maior disponibilidade de renda, a ampliação do

tempo livre e, por fim, os avanços tecnológicos especialmente nos meios de comunicação,

de transporte e de comercialização dos bens e serviços turísticos” (LAGE & MILONE,

1991, p. 21).

Esse conjunto de atividades (bens e serviços) é denominado produto turístico. Para LAGE &

MILONE (1991) o produto turístico pode ser abordado considerando três aspectos importantes: suas

atrações, suas facilidades e suas acessibilidades.

As atrações (oferta turística natural e artificial) correspondem aos motivos que determinam a

escolha de um lugar em relação a outro. As facilidades (infra-estrutura) garantem e complementam as

atrações oferecidas. As acessibilidades (transporte e comunicação) permitem que os deslocamentos se

realizem.

Para ANDRADE (1992) o produto turístico pode ser compreendido como o conjunto de

recursos naturais e artificiais, que beneficiam a prática da atividade turística.

A oferta turística natural determina a vocação turística de uma localidade devido a disposição

de recursos naturais que são ou podem tornar-se atrações turísticas. O potencial desses recursos naturais

está expresso pela propriedade de alguns elementos da natureza indispensáveis para atividade turística, ou

seja, o clima favorável, a localização geográfica, a vegetação, a flora e a fauna, o ar, a água e outros

elementos que podem, de uma maneira ou de outra, preservar ou melhorar a saúde humana.

Page 12: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

12

A oferta turística artificial são as adaptações, serviços e atitudes que complementam os

recursos naturais com o objetivo de melhorar a capacidade turística. A oferta turística artificial pode ser

dividida considerando os seguintes aspectos: os bens históricos, os bens culturais e os bens religiosos da

região, a infra-estrutura e as estradas e os meios de transporte.

Do ponto de vista da demanda por esses produtos, todos aqueles que buscam de uma forma

ou de outra, seja ela física ou psíquica, maximizar a satisfação em suas viagens, podem ser considerados

turistas. Essa demanda apresenta características distintas:

“Os resultados estatísticos demonstram que a demanda turística é um fenômeno composto

de indivíduos e grupos de formação social heterogênea, que praticam turismo induzidos

por causas múltiplas e diferenciadas. A viagem, como meio indispensável à realização do

fenômeno e para permitir o deslocamento, é o único elemento efetivamente comum entre

eles. Não há, pois, identidade de gostos, de desejos, de necessidades, de preferências e de

atrativos que construam a imagem única e comum a todos os turistas. Nem mesmo os

padrões de nacionalidade, profissão, idade, nível ou classe social, estrutura familiar, sexo

e domicílio se prestam como bases para determinar a estratificação socioeconômica da

demanda” (ANDRADE, 1992, p. 116).

É importante salientar que o turismo é uma atividade de cunho comercial expressa em “pacotes

turísticos” (os consumidores tornam-se eficientes maximizando a sua utilidade). Vale ressaltar que a viagem

e o turismo são atividades distintas quando observados sob a ótica da visibilidade percebida pelos

consumidores/turistas. Esta visibilidade está demonstrada na história e nas relações sociais. Enquanto a

viagem pressupõe uma visão cinética e dispersa no tempo, o turismo concentra-se visualmente em suas

atrações comercialmente oferecidas na forma de produtos turísticos.

Assim, com a chegada da Revolução Industrial, as práticas comerciais atingem uma ampla

magnitude espacial. As viagens começam a apresentar um novo sentido e a natureza desses

deslocamentos adquire novos moldes, pois uma parte dessas práticas comerciais começa a se concentrar

no tempo e no espaço tornando as viagens um instrumento de cunho estritamente comercial. Surge uma

nova modalidade comercial: o turismo, que corresponde a um conjunto de atividades comercializadas na

forma de produto turístico.

Alguns desses produtos turísticos possuem características de bens públicos, ou seja, pode-se

atribuir a alguns dos recursos naturais e artificiais que compõem a oferta turística a característica de bens

públicos quando esses produtos apresentarem, segundo PINDYCK & RUBINFELD (1994), as qualidades de

não-rivalidade e não-exclusividade.

Um produto é considerado não-rival quando no momento do seu consumo não é eliminada a

chance de uma outra pessoa consumi-lo. A não-rivalidade significa a oportunidade de consumo simultâneo

da mesma unidade de um determinado produto. Uma auto-estrada com capacidade ociosa na sua utilização

é um exemplo de não-rivalidade, pois a adição de mais um carro no tráfego não impossibilitaria a entrada de

outro, ao mesmo tempo que o custo marginal permaneceria igual a zero.

A não-exclusividade de um produto pode ser entendida como um consumo geral em que todos

poderão beneficiar-se da sua utilização sem sofrer nenhuma restrição. Um exemplo clássico de um bem

público que ao mesmo tempo é não-excludente e não-rival e consequentemente possui custo marginal igual

a zero é a Defesa Nacional. Da mesma forma, a oferta turística natural (recursos naturais) e a evidência de

alguns elementos da natureza que beneficiam a atividade turística, ou seja, o clima favorável, a vegetação,

a flora e a fauna, o ar e a água; e por outro lado, a oferta turística artificial (adaptações, serviços e atitudes)

Page 13: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

13

considerando os aspectos dos bens históricos, culturais e religiosos da cidade, a infra-estrutura e as

estradas, podem ser caracterizados como bens públicos.

VARIAN (1994) refere-se a bem público como “um bem que tem que ser fornecido na mesma

quantidade para todos os consumidores afetados” (VARIAN, 1994, p. 622). Todavia, no caso da Defesa

Nacional, não cabe ao cidadão comprar uma quantidade de segurança que necessita. Nesse sentido, pode-

se afirmar que a Segurança Nacional está disponível para qualquer cidadão em quantidades comum a

todos, porém, por apresentar características peculiares inerentes à qualidade de um bem público, muitos

indivíduos poderiam não estar dispostos a contribuir, ou seja, “pegar carona” e deste modo a demanda por

este bem não seria revelada.

4 - BENS PÚBLICOS, EXTERNALIDADES E ASPECTOS TURÍSTICOS

Pode-se considerar como bem público todo componente da oferta turística artificial de uma

localidade que possuir a característica de não-rivalidade e de não-exclusividade. Esses componentes são:

os monumentos históricos; as festas tradicionais; as músicas, danças e figuras folclóricas; etc.

Por outro lado, pode-se considerar como bem público, alguns elementos que podem compor a

oferta turística natural desta localidade. Esses elementos são: o ar; o clima; a flora e fauna; as ilhas; as

cachoeiras; as praias; lagos e lagoas; os parques nacionais e áreas de preservação ambiental; etc.

É importante salientar que as estradas de acesso (governamentais) apesar de estarem

relacionadas com a infra-estrutura de suporte ao turismo e na maioria das vezes não representarem a

atividade fim de todo processo, ou seja, podem ser definidas como insumos, também são consideradas

bens públicos desde que apresentem as características de não-exclusão e não-rivalidade.

Para CASTELLI (1990), as relações do setor público com a atividades turística estão

separadas praticamente em três momentos: o primeiro momento baseou-se na vigilância, policiamento,

proibições e determinações de regras no âmbito de toda atividade turística; o segundo, foi caracterizado

pelo incentivo através de facilidades concedidas àqueles que estavam relacionados com o turismo; e o

terceiro momento (a partir da década de 70) observa-se o “intervencionismo”, no qual o governo insere-se

na atividade turística, não apenas como um regulador e/ou promotor do turismo, mas sim como interventor

direto, através de empresas estatais e autarquias. No entanto, havendo “a necessidade da intervenção do

poder público, esta se extingue a partir do momento em que o grupo ou o indivíduo podem andar sozinhos”

(CASTELLI, 1990, p. 51). Apesar de existirem diversas causas que possam justificar a intervenção do

Estado na atividade turística, o aspecto principal a ser abordado neste capítulo restringe-se a analisar e

propor soluções, no tocante aos bens públicos e às externalidades, para as ineficiências provenientes dos

desvios de mercado e as formas de atuação do governo, mesmo não considerando-o como o melhor

instrumento capaz de garantir uma maior eficiência na alocação de recursos.

Ainda em CASTELLI (1990), o governo pode se manifestar de forma contrária à atividade

turística por não considerá-la importante no presente momento ou por não identificar as potencialidades que

permitiriam o desenvolvimento do setor, direcionando suas atenções para outros setores considerados mais

importantes. Geralmente, o principal argumento que determina uma posição contrária à expansão

desordenada do turismo em virtude dos seus “efeitos predatórios” - até por ser mais focalizado pela maioria

dos teóricos que estuda os aspectos turísticos de uma cidade e/ou região - é a análise da atividade turística

como um processo dialético, que relaciona intrinsecamente o crescimento do turismo às consequências

derivadas dos seus negativos impactos (devastação das paisagens artificiais e naturais e descaracterização

Page 14: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

14

dos usos e costumes) os quais não só prejudicariam os turistas e os moradores locais, mas também

contribuiriam decisivamente para a falência de toda atividade turística:

“O turismo tem sim uma característica marcante de degradação ambiental (...) Apesar de

não ser o responsável histórico pelo aumento dos problemas ambientais na Ilha de Santa

Catarina, podemos afirmar que, a partir dos anos oitenta, a expansão turística passa a ter

um papel determinante na ampliação desta “destruição criativa” da paisagem natural (...)

Muitas destas construções, com anuência ou omissão do poder público (que obviamente

representa interesses de classes e não está acima do bem e do mal, no sentido de Hobbes),

constituíram-se verdadeiros atentados ao meio-ambiente (...) Assim, contrariamente, a

atividade turística em Florianópolis, baseada principalmente sob sua base natural

privilegiada, desenvolve-se “destruindo” sua força motriz. Melhor dizendo, reconstrói os

espaços de forma negativa e predatória” (OURIQUES, 1997, p. 13, 14 e 15).

Uma vez que são enfatizadas algumas constatações a respeito da existência de negativos

impactos atribuídos à falta de conscientização dos agentes econômicos com o futuro do turismo da sua

cidade ou região, através de um raciocínio análogo e de certa forma mais otimista, pode-se relacionar os

mesmos impactos negativos utilizando-se da teoria dos bens públicos e principalmente das questões que

envolvem externalidades, pois em outros casos algumas externalidades podem ter impactos positivos e

implicar em benefícios sociais.

No que tange a oferta turística de bens públicos, os benefícios específicos proporcionados aos

turistas pela contemplação dos monumentos históricos; as festas tradicionais; as músicas, danças e figuras

folclóricas; os recursos naturais e a utilização de insumos necessários para o funcionamento da atividade

turística com a finalidade do consumo do bem público, podem ser abordados a partir da demanda turística

por esses bens.

De acordo com MUSGRAVE & MUSGRAVE (1980), para determinar o preço de instalações

públicas deve-se considerar o nível de congestionamento decorrente da demanda. Assim, para determinar o

preço para a utilização de um bem público turístico torna-se necessário utilizar o princípio da não-exclusão e

consequentemente considerar a possibilidade de ocorrer um congestionamento.

Tendo em vista a análise dos componentes da oferta turística de qualquer localidade

caracterizados como um bem público turístico, em casos específicos, cada monumento histórico visitado,

além sofrer os efeitos da não-exclusão, deve-se observar as consequências da sazonalidade da demanda

turística, ou seja, os períodos de alta e baixa temporada.

A principal dificuldade para aplicação da microeconomia objetivando a análise de um

determinado bem público decorre da sua característica intrínseca, pois o mesmo apresenta custo marginal

nulo após a sua produção (com a adição de mais um indivíduo no consumo de um bem público o custo

permaneceria zero como consequência do princípio da não-exclusão) e custo de produção positivo. Dessa

forma, através do modelo clássico de oferta/demanda torna-se impossível traçar o nível de produção

adequado a partir do ponto de vista do lado da oferta.

Desta forma, para a análise de um bem público turístico observa-se o aspecto da demanda

referente ao bem público e suas características, concomitantemente com o aspecto da demanda em relação

a um produto turístico. Assim, um bem público turístico deve ser analisado considerando-se a relação

existente entre a incidência de um possível congestionamento e a ocorrência de sazonalidades.

No período da alta temporada um bem público turístico pode sofrer um possível

congestionamento. Nesse período de pico da demanda o bem público turístico é intensamente utilizado

pelos turistas, porém em outros períodos a sua utilização não é tão acentuada. Portanto:

Page 15: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

15

“Uma tarifa eficiente, que leve em conta o custo de congestionamento, deverá ser mais

elevada durante o período de pico da demanda do que no período fora de pico. Isso

induzirá aqueles usuários que podem mais facilmente substituir o período de uso da

referida instalação a procurarem o período fora de pico, redundando num racionamento

do uso da instalação durante o período de pico, e favorecendo aqueles usuários que estão

dispostos a pagar mais caro pela utilização da mesma durante este espaço de tempo”

(MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 607).

Alguma dificuldade para estabelecer o preço ideal da tarifa que represente o custo de

congestionamento, como por exemplo as visitas turísticas às igrejas, museus, centros culturais e outras

construções públicas que atraem os turistas, deriva das duas principais características de uma demanda por

um bem público turístico, porém a receita obtida poderia de certa forma garantir os custos de manutenção

do bem. A primeira característica refere-se ao problema da sua revelação, e a segunda está relacionada

com sua heterogeneidade e por conseguinte, a diversidade de variáveis que motivam o turista. Tal problema

poderia ser equacionado da seguinte maneira:

“(...) uma avaliação objetiva dos recursos turísticos (...) de modo a poder ser estabelecida

de maneira mais exata possível uma “vocação turística” que serviria (...) como

instrumento para a descoberta de qual é o tipo de demanda que melhor se ajusta (...),

podendo assim concentrar racionalmente os seus esforços (...)” (WAHAB, 1991, p. 153).

Outra medida importante que poderia ser estabelecida conjuntamente com a cobrança de taxas

de acordo com o custo do congestionamento para amenizar a ocorrência de sazonalidades, ou seja, os

impactos causados pelas flutuações na demanda turística, seria o uso de algumas estratégias específicas

realizadas fora do período de pico da demanda . Para LAGE & MILONE (1991), essas estratégias

específicas seriam o “uso múltiplo” e uma “política de preços”. A idéia básica seria a criação de atrativos

turísticos e a diferenciação dos preços no período de baixa temporada. Tais estratégias requerem uma

observação:

“A importância de fomentar a demanda fora de temporada se acentua cada vez mais,

principalmente devido ao fato de que, na maioria dos negócios turísticos, os custos fixos são

bastante elevados em relação aos gastos operacionais” (LAGE & MILONE, 1991, p. 64).

Historicamente, as atrações turísticas de qualquer localidade e que podem ser definidas como

bens públicos turístico são as festas tradicionais e pelo ponto de vista do calendário anual devem estar em

sintonia com a estratégia de uso múltiplo. Porém, pelo ponto de vista da demanda turística pode-se

observar que, na sua grande maioria, estas festas tradicionais não alcançam um raio de abrangência em

termos de produto turístico e por isso não podem ser caracterizadas como uma estratégia de combate às

flutuações da demanda.

Assim, o governo deveria incentivar a ampliação destas festas tradicionais bem como aumentar

a sua relevância no cenário turístico nacional e, desta forma, internalizar alguns custos (divulgação,

marketing, infra-estrutura, melhorias e sinalização nas estradas, etc.) e com isso ampliar os benefícios

gerados por estas festas, não apenas aos turistas que visitariam este Município, mas também a toda

sociedade. Nesse sentido, medidas para incentivar a oferta de outros serviços que complementassem o

conjunto as atrações turísticas de uma cidade no período de baixa temporada ampliariam o leque de

possibilidades que reforçariam o turismo.

Apesar do uso de estratégias para amenizar as flutuações da demanda, segundo WAHAB

(1991), o governo poderá incentivar o turismo através de subsídios, empréstimos com taxas de juros abaixo

das estipuladas no mercado, garantias de crédito, isenções de impostos, dedução de despesas de capital,

Page 16: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

16

fornecimento de serviços públicos com taxas reduzidas, elaboração de projetos para obtenção de recursos

e através de captação de recursos externos para investimento na atividade turística.

Finalmente, a geração de incentivos que possam determinar uma razoável estabilidade da

demanda e com isso permitir uma melhor alocação dos bens públicos turísticos de uma cidade, tais como

os monumentos nacionais, as festas tradicionais e os recursos naturais, os espaços e a passagem das

tradições entre as gerações para apresentação das músicas, danças e figuras folclóricas, estariam quase

que garantidos.

Todavia, quando os aspectos turísticos envolvem bens públicos, CASTELLI (1990) defende a

atuação do governo no sentido de direcionar a iniciativa privada através da utilização de instrumentos legais

para que sejam resguardados os benefícios sociais provenientes desses bens. Mesmo assim, ineficiências

podem ser constatadas.

Outro caso específico a ser analisado pela ótica dos bens públicos turísticos refere-se aos

recursos naturais. Os parques nacionais e as áreas de preservação ambiental são criados através de

decretos governamentais com o objetivo de preservar o meio ambiente da descaracterização da paisagem e

proteger as tradições das comunidades nativas que habitam as áreas em toda extensão de terra que está

compreendida pelos decretos:

“Em 1981, através da Lei no 6.938, de 31 de agosto, retoma-se de forma explícita na

legislação brasileira o monopólio estatal no que se refere ao meio ambiente. O Estado é o

guardião do meio ambiente isso porque não se identificam os problemas ambientais com

imperfeições na definição do direito de propriedade ou mesmo com o uso de propriedade

comum e, por isso, atribui-se ao Estado poder coercitivo sobre os cidadãos no uso desses

bens. Mais tarde em 1995, através das Leis nos 6.938 e 7.347, instituiu-se a ação civil

pública da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens

e direitos de valor histórico, artístico, estético e paisagístico” (CARVALHO, 1993, p. 7).

No entanto, os órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização são ineficientes no

controle da caça, na extração criminosa da vegetação nativa e no desmatamento da mata. Para os

problemas ambientais defende-se equivocadamente a intervenção do Estado:

“Supõem os intervencionistas que, nesses casos, o mercado falha (o problema ambiental

não é um problema de preços) e, por isso, a preservação do ambiente requer uma ação

estatal, direta ou através de regulamentação. Essa argumentação tem-se espalhado por

todo o mundo, e nas mais variadas sociedades já podemos encontrar um razoável

emaranhado de normas e leis que procuram preservar o meio ambiente. No Brasil também

temos uma vasta legislação que aparentemente não tem resolvido nossos principais

problemas associados ao uso de bens de propriedade comum” (CARVALHO, 1993, p. 5).

Nesse sentido, por muito destes territórios serem considerados bens públicos turísticos e a sua

preservação, bem como os benefícios que deverão ser legados às próximas gerações em virtude da sua

manutenção, os custos sociais poderiam ser amenizados quando tais decretos fossem direcionados no

sentido de incluir dispositivos e mecanismos legais de controle social para garantir às comunidades

residentes o direito de propriedade sobre todos os recursos naturais contemplados pelos parques e pelas

áreas de preservação considerados como bens públicos turísticos, ou seja, atrativos turísticos ou

potencialmente turísticos relacionados com a flora e fauna, as praias, as cachoeiras, lagoas, etc. e de certa

forma o ar atmosférico (custo das queimadas que atingem a flora, fauna e o próprio ar). Para que as

comunidades residentes e nativas se sintam como verdadeiros proprietários e atuem como tal, seria

necessário um programa de educação com o objetivo de esclarecer a respeito deste novo mecanismo de

controle social de preservação e seus impactos sócio-econômicos.

Page 17: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

17

CARVALHO (1993) revela que muitas vezes a resolução dos problemas de uso da propriedade

comum que envolvem custos de transação muito elevados a imposição estatal na regulamentação de

normas e leis tem originado mais problemas que soluções.

Com relação a parte urbana de uma cidade potencialmente turística, todo o conjunto

arquitetônico (casas, sobrados, monumentos históricos e o calçamento das ruas) deveria ser tombado pelo

IPHAN através de decreto, declarando a cidade como Monumento Histórico Nacional com o objetivo de

preservar o patrimônio histórico, artístico e cultural construído ao longo dos séculos. No entanto, com o

desenvolvimento da atividade turística a grande maioria dessas casas e sobrados são de propriedade dos

turistas que as utilizam para veraneio e em grande parte as transformam em hotel, pousada, restaurante ou

bar. Assim, pode-se observar a ocorrência de dois iminentes problemas: a perda de identidade com o

acervo histórico que afeta as novas gerações em virtude da transferência das famílias para outros bairros

da periferia, aumentando a incidência de atos de vandalismo e destruição do patrimônio histórico e o não

comprometimento por parte dos “turistas proprietários” em relação à importância da preservação da

arquitetura original das construções, a preservação do meio-ambiente e, principalmente, em relação às

tradições culturais da cidade.

Uma vez que um dos maiores atrativos para a demanda turística é o conjunto arquitetônico e

os recursos naturais da cidade, a sua destruição mesmo que extensiva, poderia diminuir o fluxo de turistas e

comprometer no futuro toda a atividade turística. Tais problemas podem ser associados com a geração de

externalidades, pois não só os turistas seriam afetados por não poderem mais contemplar o acervo

arquitetônico, os moradores locais teriam sua fonte de renda e suas origens a perderem de vista, os

“turistas proprietários” deixariam de lucrar e desfrutar das amenidades locais, mas também toda a nação

brasileira seria afetada com a perda das características de uma cidade considerada patrimônio histórico

nacional.

Seguindo esse enfoque, independente do nível da diversidade em que as externalidades estão

afetando negativamente a sociedade é passível de constatação que a priori as suas conseqüências atingem

o turismo e geram um custo externo adicional. Estabelecendo-se que o principal objetivo do turismo em toda

cidade e/ou região turística seria criar uma oferta turística e um nível de infra-estrutura que maximize a

satisfação da demanda turística, consequentemente pode-se conceder aos turistas que estão na cidade

naquele momento, mesmo que de forma subjetiva, o direito de propriedade a todos os bens e/ou serviços

públicos que, de uma maneira ou de outra, sejam profícuos para a satisfação das suas necessidades.

Dessa forma, todos aqueles que prejudicarem o desenvolvimento e a manutenção dos produtos turísticos,

poderiam estar gerando uma externalidade negativa.

Para correção dessas externalidades negativas Governos poderiam taxar diretamente os

proprietários das construções históricas tomando-se como base o valor histórico da propriedade, revertendo

esses recursos para a manutenção da cidade e beleza dos monumentos e implementar uma política de

incentivos fiscais através de subsídios, isenções de impostos e fornecimento de serviços públicos com taxas

reduzidas para os agentes privados que desenvolverem programas educacionais visando esclarecer às

novas gerações da importância da preservação do patrimônio histórico e os recursos naturais, a fundação

de instituições que tenham como objetivo manter viva a história e as tradições culturais da cidade, e a

participação direta como promotores das festas tradicionais que se realizam ao longo dos anos.

Por outro lado, a intervenção estatal que visa o bem-estar comum pode estar em conflito com o

interesse individual:

Page 18: ECONOMIA DO TURISMO - UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA

18

“O processo de industrialização promoveu a urbanização devido aos ganhos da

aglomeração populacional em áreas relativamente reduzidas.Com a aceleração do

crescimento industrial, acelerou-se também o processo de urbanização. A ação livre dos

indivíduos precisava ser ordenada em nome do bem comum. Zoneamento urbano e licença

para construção passaram a limitar a liberdade daqueles que viviam ou que se transferiam

para as cidades. Em todo o mundo há fortes evidências de que normas como essas, que

visam a eliminar o possível conflito entre a ação individual, fundada no interesse pessoal, e

os interesses da coletividade, produziram mais mal do que bem” (CARVALHO, 1993, p.

49).

CARVALHO (1993), refere-se como exemplo dicotômico entre intervenção do Estado e

liberdade individual e seus impactos as 17 reconstruções que sofreu o bairro de Copacabana na cidade do

Rio de Janeiro nos últimos 80 anos, agredindo os recursos naturais, a comunidade residente e a todos que

por ali transitavam.

Para CARVALHO (1993) é possível admitir uma visão conciliadora entre racionalidade

individual e racionalidade coletiva, pois o direito de liberdade individual não pode estar abaixo das regras

impostas pelo Estado para combater as disparidades da vida em sociedade que resultem na perda desta

mesma liberdade. Através de um sistema comunitário análogo ao realizado na cidade norte-americana de

Fort Collins, a formação de um conselho comunitário, a partir de parâmetros pré-determinados a respeito da

construção e reforma de casas coloniais, aspectos sociais, impactos ambientais e aspectos turísticos, os

diversos projetos poderiam ser avaliados pela comunidade, concedendo uma oportunidade de “os

munícipes serem responsáveis pelo presente e pelo futuro das suas cidades, pois eles são igualmente os

responsáveis pelas suas propriedades urbanas” (CARVALHO, 1993, p. 52).

5 - CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

De modo geral, para os problemas de desvios de mercado que englobam a oferta turística de

bens públicos e a presença de externalidades provenientes da atividade turística de qualquer cidade e/ou

região, a ação estatal através de seus instrumentos legais que legitimam a sua intervenção devem estar

direcionadas para que de alguma forma o mecanismo de mercado seja estabelecido para se alcançar uma

melhor eficiência na alocação de recursos, visto que, mesmo considerando-se as características intrínsecas

dos bens públicos e das externalidades, a debilidade sistêmica do processo político também poderia causar

ineficiências.

De outra forma, os bens públicos turísticos de uma cidade turística podem sofrer com a

hipótese de um congestionamento e os efeitos negativos da sazonalidade do fluxo da demanda turística.

Nesse sentido, a opção de cobrança de uma tarifa baseada no custo do congestionamento e direcionada

para o padrão da demanda seria uma alternativa viável para garantir a manutenção dos monumentos

históricos e amenizar os impactos da sazonalidade. Seguindo esta mesma linha, a adoção de estratégias

específicas como o uso múltiplo e uma política de preços, as autoridades públicas poderiam aumentar o

fluxo turístico nos períodos de baixa temporada. Além disso, cada governo municipal deveria aproveitar o

calendário anual das festas tradicionais e ampliar o raio de abrangência destas através da internalização de

alguns custos e torná-las acontecimentos regionais ou até mesmo de relevância nacional como a

Oktoberfest em Blumenau, Santa Catarina. Além das estratégias específicas, o governo municipal também

deveria adotar políticas fiscais e conceder outros benefícios para garantir a ampliação destas festas e

estabilizar a demanda turística, bem como promover incentivos para o surgimento de serviços turísticos no

período de baixa temporada.

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19

Quanto aos recursos naturais da região, os direitos de propriedade sobre os atrativos turísticos

pertencentes aos parques nacionais e as áreas de preservação ambiental deveriam ser geridos pelas

comunidades locais, pois os órgãos governamentais são ineficientes para garantir o principal objetivo da

criação destas reservas ambientais, ou seja, a preservação do meio ambiente em conjunto com a cultura e

a tradição local. Para isso, seria necessário também um programa educacional de conscientização da

comunidade.

Referente ao conjunto arquitetônico legado por uma cidade, externalidades negativas como a

depredação inconsciente dos monumentos públicos, casas e sobrados coloniais e o descaso dos “turistas

proprietários” com o acervo histórico e cultural da cidade, o meio-ambiente e as tradições locais (atrativos

turísticos da cidade) poderiam ser corrigidas com o pagamento direto de taxas baseadas no valor histórico

da propriedade as quais seriam destinadas para a manutenção do patrimônio como um todo.

Paralelamente, incentivos governamentais poderiam ser concedidos aos agentes privados que

promovessem as festas tradicionais e que desenvolvessem programas educacionais que orientassem a

sociedade para a importância da preservação do patrimônio histórico, os recursos naturais e as tradições e

culturas locais.

Com relação ainda ao patrimônio histórico, outra solução importante, decorrente da ineficiência

governamental nas questões em que a regulamentação arbitrária das autoridades públicas pode gerar

conflitos sociais ao invés de bem-estar social, seria através de um sistema comunitário de decisões o qual

possibilitasse definir a melhor alternativa possível para o futuro da cidade, considerando-se os impactos

ambientais, históricos, culturais e sócio-econômicos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, José Vicente de. Turismo: fundamentos e dimensões. São Paulo:

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