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ECONOMIA DO TURISMO: UMA ABORDAGEM MICROECONÔMICA SOB A ÓTICA DOS BENS
PÚBLICOS E DAS EXTERNALIDADES
Dax Peres Goulart
RESUMO
Decorrente dos desvios de mercado, os bens públicos e as externalidades configuram-se como um dos principais pontos relevantes à teoria microeconômica. Suas singulares características são obstáculos que motivam todos aqueles que se preocupam com as possíveis alternativas para se alcançar uma melhor alocação de recursos. Seguindo os conceitos teóricos de bens públicos e externalidades e observando algumas características inerentes à atividade turística constatou-se que muitos desvios de eficiência do turismo de um potencial Município Turístico poderiam ser solucionados quando os mecanismos de mercado pudessem vigorar. No caso da sua ausência, o Estado através de seus instrumentos de políticas públicas deveria criar condições para a sua implementação, pois deve-se considerar a dificuldade da teoria econômica em definir a melhor alocação para bens públicos no sentido do “Ótimo de Pareto”, bem como os ineficientes arranjos que ocorrem no processo político através da democracia representativa. De modo geral, desvios de eficiência devem ser solucionados. No entanto, cabe ao Estado e à sociedade analisar as circunstâncias em que a intervenção das autoridades públicas certamente poderá promover, da melhor forma possível, o bem-estar social.
PALAVRAS-CHAVE
Finanças Públicas Bens Públicos Externalidades
1 - INTRODUÇÃO
Na teoria econômica diversos autores têm dispensado grande empenho em função das suas
inquietações, gastando tempo e latim na tentativa de reproduzir modelos que expliquem, da melhor forma
possível, a eficiência na alocação racional de recursos. Grande parte desses teóricos afirma que a
economia de mercado é o melhor sistema para se alcançar eficiência na alocação de bens privados. No
entanto, quando se trata de bens públicos (bens que devem ser consumidos na mesma quantidade, ou seja,
onde se configura o princípio da não-exclusão e a não-rivalidade) este sistema torna-se impotente, pois a
ocorrência de “rent-seeking” ou “caroneiros” não permite revelar a verdadeira demanda por estes bens e,
certamente, em caso de contribuição voluntária, os indivíduos poderiam optar em não pagar pelo uso
coletivo, tornando necessário o emprego de um processo político para garantir a eficiência econômica.
Em outras circunstâncias, ao longo da atividade econômica podem existir externalidades, ou
seja, custos ou benefícios adicionais que não são considerados pelos agentes econômicos e, por isso, não
aparecem no mecanismo de preços gerado numa economia de mercado.
Dentro desta ótica, a alocação de bens públicos e a ocorrência de externalidades seriam
relevantes no que concerne à teoria microeconômica na análise da oferta turística de qualquer Município,
pois a partir desse enfoque algumas constatações poderão ajudar a entender tal mercado local, esperando
que políticas públicas e privadas de desenvolvimento possam ser recomendadas como alternativas para o
futuro turístico desta cidade.
Desvios de mercado como a alocação de bens públicos turísticos e externalidades
provenientes da atividade turística serão abordados ao longo dos capítulos que compõem este trabalho.
O estudo restringe-se a uma abordagem inicial da teoria microeconômica referente aos bens
públicos e externalidades, numa tentativa de fazer algumas associações com o turismo econômico
objetivando delinear soluções que garantirão uma maior satisfação da demanda turística e, principalmente,
contribuir na busca do bem-estar da sociedade.
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2 - BENS PÚBLICOS E EXTERNALIDADES
Este capítulo compreenderá toda a base teórica necessária para o desenvolvimento deste
artigo, ou seja, os conceitos, as definições e as dificuldades provenientes das questões que envolvem bens
públicos e externalidades.
Ainda que não seja uma abordagem profunda do assunto (bens públicos e externalidades) a
idéia principal é analisar algumas dificuldades derivadas da teoria microeconômica oriundas das
imperfeições do mercado, para que nos capítulos seguintes tais dificuldades e suas possíveis soluções
possam servir de parâmetros que possibilitem demonstrar as interações existentes entre a oferta turística,
os bens públicos turísticos e as externalidades geradas pela atividade turística de qualquer Município.
2.1 - Bem Público e o Caroneiro
De acordo com MUSGRAVE (1974), as atribuições econômicas do governo dividem-se em três
partes: alocação de recursos, ajustamento na distribuição de renda e estabilidade econômica. Na alocação
de recursos, o governo estabelece um conjunto de bens públicos que devem ser utilizados pela sociedade
para satisfazer suas necessidades. O ajustamento na distribuição de renda refere-se à função distributiva
do governo a qual prioriza uma adequação equilibrada em termos de renda e riqueza. A estabilidade
econômica está associada com a manutenção de um elevado nível de emprego, o controle da inflação, a
condução consciente de uma política cambial e o crescimento econômico.
Apesar das diversas contradições semânticas envolvendo a questão da interferência ou não do
governo no sistema econômico, o escopo deste trabalho restringe-se apenas a analisar, do ponto de vista
da eficiência econômica, soluções para alocações de recursos (primeira das atribuições governamentais),
baseadas nos conceitos de bens públicos e externalidades.
Para assegurar uma satisfatória alocação de recursos, as forças de mercado são as melhores
sinalizadoras, pois caso exista numa sociedade interesses conflitantes e valores opostos, apesar das
inerentes contradições o mercado ainda é o único meio para que todos alcancem suas satisfações. Apesar
de existirem opiniões contraditórias, o mercado possibilita que os indivíduos realizem seus desejos e
vontades mediante algumas relações econômicas.
No mercado existem muitas pessoas envolvidas que não conhecemos, portanto a única
informação que pode-se observar é o processo de preços. Eliminar o mercado da vida desses indivíduos,
seria como privá-los dos benefícios que dele provém. Como concluiu Hayek na sua visita ao Brasil, quando
proferiu seu discurso na Universidade de Brasília em 1981:
“O mercado foi a grande força que deu vida à comunidade. E agora estamos em face de
uma situação - quer gostemos dela quer não - em que um número quatrocentas vezes
superior de pessoas vivem hoje no mundo em comparação com as que viviam há dez mil
anos, e que só há um meio de alimentá-las: utilizando muito mais informação do que a de
que dispõe qualquer pessoa ou autoridade, informação da qual o mercado é o instrumento
de alimentação em uma espécie de computador central, e para destinar recursos de uma
forma melhor do que em qualquer outro lugar” (HAYEK, 1981, p. 3).
No entanto, em algumas situações específicas o mercado não consegue garantir melhores
resultados para alocações de recursos. Neste caso, é necessário a interferência do governo para que a
eficiência econômica seja alcançada. A primeira situação estabelecida envolve a criação de externalidades,
pois as mesmas decorrem de operações econômicas que não estão incluídas nos custos das empresas e,
3
dessa forma, não são expressas pelo mercado. A segunda refere-se à alocação de bens e/ou serviços que
devem ser consumidos nas mesmas quantidades, não podendo sofrer nenhum tipo de rivalidade e exclusão
(bens públicos). Essa não-exclusão permite que ocorram desvios de eficiência, pois muitos indivíduos
podem optar por “não pagar” (pegar carona) pelos benefícios recebidos, o que torna complicado para o
mercado indicar a melhor alocação desses recursos no sentido de revelar as suas preferências pelos bens
públicos. Para isso, torna-se necessária a intervenção do governo através de políticas públicas que induzam
compulsoriamente todos consumidores, a fim de revelarem as suas preferências. Entretanto, mesmo que se
conheça tais preferências, existem diversas maneiras para satisfazer essa demanda, bem como diversas
formas para encontrar a alocação eficiente destes recursos.
Para REZENDE (1986), geralmente diversos fatores influenciam a provisão de um bem público,
porém pode-se identificar facilmente que por exemplo, o aumento populacional e o aumento da renda per
capita geram necessidades sociais imediatas.
Observa-se que, com o crescimento da população aumenta a necessidade de expansão da
segurança, saúde, educação, serviços assistenciais, etc. Caso seja verificado na pirâmide etária taxas de
crescimento populacional distintas, ou seja, se na base da pirâmide a taxa de crescimento populacional for
elevada, há prioridade por bens públicos que atendam as necessidades dos mais jovens. Por outro lado,
caso seja verificado um crescimento da população idosa (pico da pirâmide), outros tipos de necessidades
deveriam ser priorizadas.
Com o crescimento da renda per capita e consequentemente elevação do padrão de vida,
surge a necessidade por parte do governo de ampliar e manter uma determinada quantidade de muitos
bens públicos. Pode-se afirmar que com o aumento do padrão de vida, aumenta também o tempo
disponível para o lazer. Parte desse tempo livre pode ser despendida no turismo. Assim, o governo de uma
cidade ou região turística deve priorizar boa parte do orçamento público e alocar os recursos para manter e
ampliar os bens públicos que são demandados por esta atividade turística.
Independente do tipo de economia em que o Estado está inserido, seja ele “maximalista”, ou
seja, que prega a máxima intervenção do Estado ou “minimalista”, e mesmo vigorando as características
inerentes à qualidade dos bens públicos (não-exclusividade e não-rivalidade), as necessidades sociais
devem ser supridas:
“A função do Estado (...) deve-se restringir, sem exclusividade, a preservar a liberdade, os
valores éticos e morais da cultura social, promover a eficiência econômica e prover, para
aqueles que, por razões diversas, não conseguiram prosperar, uma assistência
humanitária” (CARVALHO, 1993, p. 12).
Todavia, a iniciativa privada não teria instrumentos a priori para analisar a demanda e
posteriormente fornecer esses recursos. Pode-se defender que não haja necessidade de o Estado intervir,
pois, de uma forma ou de outra, a preferência da demanda por bens públicos com o tempo seria revelada.
No entanto, torna-se evidente que para os bens públicos, devido as eminentes imperfeições do mercado e
mesmo considerando-se os argumentos dos defensores da mínima intervenção, no máximo “o Estado
“provê” total ou parcialmente um bem ou serviço produzido “privadamente” ” (LONGO, 1990, p. 16). Por
exemplo, o Estado provê o serviço de Defesa Nacional, embora grande parte do processo possa envolver o
setor privado.
Dentre os principais objetivos da intervenção do Estado através de políticas públicas, observa-
se a satisfação das necessidades sociais, que em parte refere-se à alocação de recursos para
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disponibilização de bens públicos. A diferenciação básica entre um bem privado e um bem público,
corresponde as características de não-rivalidade e de não-exclusão entre todos os consumidores, avaliadas
as proporções para ocorrer um possível congestionamento. Apesar da distinção, MUSGRAVE (1974) não
se depara com nenhum grande obstáculo em avaliar os benefícios oferecidos pela instalação de um bem
público, com os mesmos obtidos pela satisfação das necessidades privadas, mesmo considerando-se o
princípio da não-exclusão, a dificuldade de conhecer a demanda, e a aplicação de políticas públicas. Para a
produção de bens privados, configura-se a exclusão. Assim, a curva de demanda total é representada pela
soma horizontal da demanda individual para cada nível de preço. Caso sejam definidas as curvas de
demandas para os bens públicos (revelação das preferências):
“(...) a demanda total é obtida pela soma vertical das demandas individuais, devido à
indivisibilidade no consumo. Agora, vários indivíduos estariam dispostos a pagar preços
diferentes pela mesma quantidade, sendo que a soma desses “preços individuais”
corresponde ao “preço coletivo” do produto” (REZENDE, 1986, p. 86).
Identifica-se melhor a característica peculiar dos bens públicos a partir de uma elaboração
gráfica das curvas de demandas individuais (Da e Db) e da curva de demanda total (DT) para um
determinado bem (Figura 1):
Figura 1
CURVAS DE DEMANDA PARA DEFINIÇÃO DA PRODUÇÃO DE UM DETERMINADO BEM PÚBLICO
Assim, pode-se estabelecer diversas curvas de demanda individuais para o diferentes níveis de
preços. Para isso, será utilizado o Modelo de Equilíbrio Parcial, considerando-se a decisão para a produção
de um bem público independente da inter-relação existente entre um bem privado qualquer (Figura 2):
Figura 2
MODELO DE EQUILÍBRIO PARCIAL PARA BENS PÚBLICOS:
Quantidade Q0
Preço
Pa
Pb
P0 = Pa + Pb
0 Da
Db
DT = Da + Db
5
Na Figura 2, a quantidade de bens públicos é representada pelo eixo horizontal e o preço que
cada indivíduo estaria disposto a pagar pelo bem público é representado pelo eixo vertical. As curvas
individuais de demanda do indivíduo A e do indivíduo B, são respectivamente Da D’a e Db D’b. DT (a+b)
representa a curva de demanda total, ou seja, o somatório vertical das curvas de demanda individuais, e a
reta SS’ (paralela ao eixo horizontal) representa a curva de oferta de bens públicos, considerando
constantes os custos para a produção do bem. Finalmente, o Ponto E representa a posição de equilíbrio,
pois no local da interseção de SS’ com DT, todas as demandas individuais expressas conjuntamente
tornam-se iguais ao custo total para produção do bem público. É importante deixar claro a respeito do ponto
principal que está relacionado com a revelação das preferências que configuram o modelo:
“A premissa básica (...) é a de que os indivíduos estariam dispostos, voluntariamente, a
revelar essas preferências a priori, especificando o montante de contribuição tributária
que ele estaria disposto a efetuar em troca da produção de um bem público qualquer.
Entretanto, uma vez que a quantidade consumida será a mesma para todos os indivíduos,
independentemente das respectivas contribuições, não há nenhum incentivo para tal
procedimento” (REZENDE, 1986, p. 94).
A consequência fundamental da análise de um bem público, derivada do princípio da não-
exclusão, é possuir um custo marginal para um novo consumidor igual a zero. Por isso, todos aqueles que,
de uma forma ou de outra, se beneficiam com a sua utilização, não percebem o quanto deveriam pagar pelo
seu consumo, dificultando assim, a definição de uma quantidade ideal para o seu fornecimento:
“Os bens públicos freqüentemente são encarados como bens que geram recursos externos
positivos pelos quais os indivíduos não “deveriam” ter que pagar, pois o custo marginal
do fornecimento destas externalidades é zero, depois que o bem público já foi produzido. O
problema com este tipo de análise é que não permite que os membros individuais do
público consumidor se defrontem com a sua parte do custo total da produção do bem
público” (MILLER, 1981 p. 469).
Por exemplo, em PINDYCK & RUBINFELD (1994), o nível eficiente para a alocação de um bem
público será atingido somando-se o valor que cada cidadão estaria disposto a pagar pela adição de uma
unidade a mais deste bem público ofertado (Curvas de Demanda Individuais D1 e D2), e igualando este valor
à curva de oferta S. Neste ponto de interseção (Ponto E), entre a soma vertical dos benefícios marginais
(soma vertical das curvas de demanda do bem) e a curva de oferta, estaria definida a quantidade eficiente
ofertada de um bem público (Figura 3):
Quantidade
Imposto
(Preço)
DT (a+b)
D’b
D’a
Db Da
S S’
0
E
B
A
6
Figura 3
NÍVEL DE EFICIÊNCIA DE UM BEM PÚBLICO:
Contudo, alguns cidadãos podem não revelar a sua demanda, tal problema pode ser chamado
de “o caroneiro”, “rent-seeking” ou “o usuário que não paga”:
“Como é difícil ou impossível excluir os que não pagaram dos que pagaram por um bem
público, é difícil conseguir que um número de indivíduos suficientemente grande revele sua
demanda verdadeira, e portanto concorde voluntariamente em pagar pela produção do
bem público” (MILLER, 1981, p. 468).
Portanto, vários indivíduos podem contribuir muito pouco ou até mesmo não contribuir em
nada. Esta decisão de não contribuir, ou esperar que outro indivíduo o faça, denotaria o termo “pegando
carona”. Analisando este fato sob o prisma das consequências causadas na sociedade como um todo,
pode-se constatar que esta atitude de “não pagar” pelo bem público levaria a uma situação de ineficiência,
ou seja, não estaria satisfazendo a “condição de Pareto” a qual determina que, “quando a condição é
satisfeita, é impossível que um indivíduo ganhe sem que outro tenha uma perda” (MILLER, 1981, p. 440).
2.2 - O Processo Político
É importante destacar que MUSGRAVE & MUSGRAVE (1980) denominam as curvas de
demanda de “pseudocurvas”, pois estas não são voluntariamente reveladas já que podem existir
“caroneiros”, dado a aplicação do princípio da não-exclusão.
Assim, torna-se evidente a necessidade da utilização de uma técnica que permita revelar de
forma verdadeiramente consistente a demanda individual por bens públicos para cada cidadão:
“Na realidade, um processo político (um processo de voto) deve ser utilizado para compelir
os indivíduos a revelarem suas preferências, pois, na medida em que eles se comprometem a
aceitar a decisão eleitoral, eles tenderão a votar coerentemente com os seus desejos e assim
revelarão suas preferências” (MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 46,).
Considerando-se o princípio da não-exclusão, o mercado não teria instrumentos eficazes para
fazer com que um grande número de pessoas revelassem suas preferências pelos tipos e pelas
quantidades de bens públicos que deveriam ser alocados na sociedade. Portanto, neste caso torna-se
necessário por parte do governo utilizar do processo político (votação) para induzir os indivíduos a
revelarem suas preferências.
S
Quantidade Produzida
Benefícios
Expressos
em Unidades
Monetárias
D1
D2
DT
Q0
E
0
7
No âmbito dessa questão, apesar de existirem várias regras para determinar qual seria o tipo
de votação para escolha das necessidades sociais que deveriam ser alocadas pelo governo, a premissa
básica define que cada voto deverá expressar o mesmo peso e que os eleitores não poderão se relacionar
no período de votação (ausência de estratégias).
Pragmaticamente, em todo processo político há ocorrência de estratégias de votação, e essas
podem alterar o resultado das decisões e contribuir negativamente no sentido de não revelar as verdadeiras
preferências dos contribuintes:
“Os eleitores (...) não desperdiçarão seus votos em opções que não tenham chances de
ganhar, mesmo que essas sejam suas opções preferidas (...) invés disso, eles podem
concentrar seu apoio sobre suas segundas opções, de forma a evitar que a terceira opção
seja a escolhida (...)” (MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 91).
Além disso, MUSGRAVE & MUSGRAVE (1980) enfatizam outro aspecto na utilização de
estratégias diferentes, de acordo com a regra de votação adotada. Paradoxalmente, o sistema que pode
medir a intensidade das preferências e revelar sensivelmente as preferências dos eleitores, sem dúvida
poderá ser de alguma forma mais influenciado e sofrer fortemente a ação de estratégias políticas:
“Portanto, deve-se buscar uma solução de compromisso que leve em conta esses vários
aspectos e, no fim, a melhor escolha talvez seja a de um sistema menos elaborado, como a
votação majoritária, já que esse é menos sujeito a manipulações” (MUSGRAVE &
MUSGRAVE, 1980, p. 91).
O processo político ainda que democrático, participativo e amadurecido, não estaria à altura do
mercado para garantir uma melhor eficiência na alocação de recursos:
“A experiência universal tem demonstrado que o sistema político é um excelente promotor
de favorecimentos e está altamente sujeito à ação de grupos de interesse (...) Como os
benefícios de uma norma são altamente concentrados em um pequeno grupo ou
coletividade e os custos dela decorrentes são diluídos em toda a sociedade, lobbies têm
facilidade para, através do sistema político, conseguir apropriar-se de rendimentos, às
expensas de toda a sociedade” (CARVALHO, 1993, p. 30 e 31).
Nesse sentido, fica claro que, na “administração de bens de propriedade comum, a solução a
ser perseguida deve ser a da caracterização do direito de propriedade para que o mercado possa funcionar
e, por conseguinte, racionar o uso do bem em questão” (CARVALHO, 1993, p. 31).
2.3 - Externalidades
Para uma firma a eficiência na alocação de recursos é alcançada quando o custo marginal se
iguala ao benefício marginal. Porém, além de existirem custos explícitos e implícitos (custos de
oportunidade) normalmente computados por cada firma para a produção de um determinado bem, deve-se
considerar outros custos que podem ser externalizados para toda sociedade. O somatório dos custos
explícitos, implícitos e aqueles que são externalizados denomina-se custo social:
“Os custos sociais incluem todos os custos privados das partes de uma transação, sejam
implícitos ou explícitos, mais quaisquer custos adicionais transferidos para outros
indivíduos” (MILLER, 1981, p. 461).
Portanto, para que seja alcançado o máximo bem-estar social, o custo marginal social deverá
ser igual ao benefício marginal social. Segundo MILLER (1980), geralmente os custos privados não são
iguais aos custos sociais, e esta diferença (custo adicional externalizado) permite a definição de
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externalidades. Neste caso, as empresas privadas apenas consideram seus custos privados para a
produção de um determinado bem, desprezando os custos adicionais externos (Figura 4):
Figura 4
GERAÇÃO DE EXTERNALIDADES
Na Figura 4, a curva de demanda é denominada de Da e a curva de oferta (somatório horizontal
das curvas de oferta individuais, que refletem os custos marginais privados) é Sa. Quando a empresa não
considera os custos externos a quantidade produzida é Qe, o preço é Pe e o ponto de equilíbrio Ee. Caso
sejam considerados os custos externos, a verdadeira curva de oferta é Ss, que estaria representando o
custo social para a produção do bem. Nesse caso a verdadeira posição de equilíbrio deveria ser alcançada
no ponto E0 ao invés de Ee. O exemplo poderia estar associado à poluição do ar, decorrente da produção de
um determinado bem por uma empresa qualquer, gerando uma externalidade negativa.
Por outro lado, de acordo com VARIAN (1994), existem situações em que ocorrem
externalidades positivas.
Entretanto, para ambos os casos, não existe nenhuma indicação que oriente as decisões dos
agentes econômicos para que sejam computados corretamente todos os custos envolvidos na produção de
um determinado bem:
“A característica crucial das externalidades é que há bens com os quais a pessoa se
importa e que não são vendidos nos mercados (...) a falta destes mercados para
externalidades que causa problemas” (VARIAN, 1994, p.597).
As questões que envolvem custos sociais podem ser relacionadas com a geração de
externalidades. Quando os indivíduos são afetados (positivamente ou negativamente) pelas externalidades,
ou seja, quando uma parcela do custo ou benefício social é representada pela ocorrência de um desvio do
mercado, necessariamente para se alcançar alguma eficiência na alocação dos recursos, esta parcela do
custo ou benefício social deverá ser medida e internalizada economicamente (quantificação em valores
monetários).
No entanto, caso não seja bem definido o direito de propriedade entre aqueles que geram
externalidades e aqueles que consequentemente são afetados, provavelmente não existirá nenhum
incentivo para correção ou desenvolvimento dessas mesmas externalidades. Dificuldade maior poderá ser
encontrada quando a análise de externalidades envolve propriedades de uso comum:
“(...) você mais que provavelmente não tem o direito de parar com a poluição do ar ou de
obter compensações pela destruição do ar ao seu redor. Isto acontece porque você não tem
Preço
do
Bem
Quantidade do Bem Q0 Qe
Pe
P0 E0
Ee
Da
Sa
Ss
0
9
o direito de propriedade sobre o ar; nem você nem ninguém. O ar é chamado de recurso de
propriedade comum” (MILLER, 1981, p. 465).
No caso da propriedade comum, os direitos de propriedade dificilmente existirão. Entretanto,
esta peculiaridade deve ser encarada sob o ponto de vista em que a sociedade poderá encontrar um meio
legal que possa transformar a propriedade comum em uma propriedade de interesse de um grupo de
pessoas diretamente atingido pela geração de externalidades:
“Se os direitos de propriedade estão bem definidos, e existem mecanismos para permitir a
alocação entre as pessoas, então as pessoas podem negociar seus direitos de produzir
externalidades da mesma forma que trocam direitos de produzir e consumir bens comuns”
(VARIAN, 1994, p. 601).
Nesse sentido, poderia ser encontrada uma alternativa praticamente viável, que dependendo
do direito de propriedade sobre o ar e considerando a sua importância para a saúde das pessoas que
habitam a região da fábrica, as empresas poluidoras deveriam ser punidas ou compensadas de acordo com
o grau de poluição atingido. Com a definição de um mecanismo prático para correção das externalidades,
talvez continue ainda existindo um certo nível de poluição, mas certamente haveria redução na emissão de
poluentes e além disso seria criado um incentivo para que de alguma forma, as empresas não poluíssem o
ar.
No entanto, as coisas não são tão fáceis quanto aparentam. A poluição do ar por uma ou
diversas firmas pode envolver várias pessoas. Por este motivo, o custo da transação realizada entre as
firmas e estas pessoas seria muito elevado e provavelmente os custos privados não seriam iguais ao custo
social. Supondo-se que, neste caso, as externalidades envolvessem apenas dois indivíduos (o produtor e o
receptor das externalidades), seria muito fácil encontrar uma solução a partir de um acordo tácito ou até
mesmo um contrato entre as partes para definir o quanto cada um estaria disposto a pagar para fazer
prevalecer seus interesses. Após estabelecido o acordo, poderia ser estabelecido o custo individual e
consequentemente o seu valor seria igual ao custo social:
“Note-se que direitos de propriedade não constituem um problema, se a contratação pode
ser feita com custo barato. Contudo, quando há grande número de pessoas envolvido, os
acordos são difíceis e, em muitos casos, os custos reais são difíceis de medir e/ou os
criadores destes custos são difíceis de identificar” (MILLER, 1981, p. 467).
Para uma sociedade onde existem milhares de pessoas, uma solução satisfatória seria “definir
mais precisamente os direitos de propriedade; a transação teria então que ser feita entre os poluidores
potenciais e os que estão sofrendo a poluição” (MILLER, 1981, p. 467). Mesmo que pareça arbitrário, para
MILLER (1981), as autoridades governamentais poderiam definir os direitos de propriedade fazendo com
que os moradores que são atingidos pela poluição das potenciais empresas poluentes tenham o direito de
respirar ar puro. Assim, as decisões governamentais garantiriam o direito de propriedade dos habitantes e
através de algum mecanismo, converteriam os custos privados externos em valores monetários no sentido
de tentar aproximar o valor dos custos privados ao valor do custo social.
No exemplo anterior, a poluição seria um exemplo de externalidade negativa. Todavia, na
geração de um tipo de externalidade positiva a obtenção de um benefício individual poderia estender-se à
toda sociedade. Entende-se como sociedade uma numerosa quantidade de indivíduos. Nesse sentido,
torna-se mais uma vez uma dificuldade em revelar as preferências individuais e, por isso, necessária a
presença de um mecanismo orçamentário (política de subsídios) para garantir um nível ótimo de consumo
10
dos bens por esses indivíduos. A partir de uma elaboração gráfica envolvendo uma curva de oferta SS’ e a
demanda de mercado (D2) para obtenção de um determinado bem privado e por outro lado a
“pseudodemanda” (D1), proveniente da geração de externalidades positivas, pode-se adicionar
verticalmente ambas as curvas, que originará uma nova curva de demanda (DT) mais elevada que
corresponderá aos benefícios sociais em virtude do consumo dos bens em questão (Figura 5):
Figura 5
EXTERNALIDADES POSITIVAS
Na Figura 5, a eficiência seria alcançada, no âmbito de toda sociedade, com o consumo de B
unidades de um determinado bem e o ponto de equilíbrio seria E. Entretanto, a posição de equilíbrio do
mercado privado seria no ponto G e a eficiência seria o consumo de A unidades do bem. Para internalizar
os benefícios gerados pela produção de externalidades positivas o governo deveria fornecer um subsídio
para expandir a produção de A para B. O valor total do subsídio corresponderia à área do retângulo CDEF.
Para o consumo de B unidades do bem, os indivíduos pagarão o preço C e o governo subsidiaria o restante
até o preço D. Assim, os “benefícios internalizados pelo consumidor individual se somam aos benefícios que
são externalizados” (MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 48).
De modo geral, pode-se constatar que:
“Numa sociedade onde se valoriza a liberdade e os direitos fundamentais do homem são
preservados, com base na definição apropriada do direito de propriedade, a ação livre dos
agentes econômicos produz o maior bem-estar possível.(...) Assim, a melhor qualidade de
vida atingível se dará num contexto de livre mercado quando a ação subsidiária do Estado
for economicamente eficiente, isto é, quando os bens e serviços promovidos pela ação do
Estado forem obtidos a custos menores que se, exclusivamente, promovidos pelo setor
privado. (CARVALHO, 1993, p. 26).
3 - O TURISMO COMO MERCADORIA
O turismo pode ser entendido como um conjunto de atividades que se desenvolve e torna-se
cada vez mais dinâmico, sofisticado e diversificado à medida que, ao longo do tempo, as práticas comercias
abrangem dimensões espaciais maiores e utilizam de mecanismos próprios que permitam a realização de
trocas com maior facilidade, rapidez e segurança.
Esse conjunto de atividades determina o potencial turístico de uma cidade ou localidade e
integra a oferta turística a ser comercializada. Dentre os componentes que compõem esta oferta turística,
pode-se atribuir a alguns destes a característica de bem público.
S’
S D1
D2
DT
Preço
Quantidade do
Bem
A B
C
D
F
E
G
0
11
À medida que a sociedade evolui e se modifica, o significado aparente das realizações
humanas sofre mudanças e determina o próprio momento no qual o indivíduo está inserido.
A partir da Revolução Industrial, com o desenvolvimento do comércio, o crescimento das
cidades e o constante aprimoramento dos transportes, os deslocamentos ganham dimensões menores de
tempo e maiores de espaço. No início do século XIX as viagens são substituídas por uma nova prática
comercial e organizada, contrastando campo/cidade, ou seja, essa nova atividade mundana e
preferencialmente urbana é denominada de “villegiatura” – prática incipiente de turismo. Esse turismo, ainda
em formação, correspondia a um período que compreendia as estações do ano mais propícias para
desfrutar-se das amenidades dos campos ou das praias, como forma de descanso ou pela curiosidade,
necessidades que caracterizavam os habitantes das cidades. Para muitos a “villegiatura” tinha aspecto
privado, pois nela estava inserida a fuga da rotina habitual exercida nas cidades e pela procura nos campos
e nas praias da melhor maneira de empregar, preferencialmente de forma anônima, o “tempo livre”. Esse
anonimato começa a ser violado pela democratização dos espaços decorrentes dos avanços dos meios de
transporte, dando origem ao turismo como uma atividade de massa, organizada e preponderantemente
comercial. De fato, todo esse processo de mudança no cenário sócio-econômico legitima a atividade
turística como um componente extremamente dinâmico nas economias mundiais:
“O turismo beneficia-se diretamente da nova ordem que surgiu nas sociedades pós-
industriais, fruto de uma nova conjuntura internacional, das mudanças culturais e do
crescimento econômico em alguns setores do mundo. A atividade turística passou a ser um
espaço privilegiado da produção, na medida em que se tornou uma das ocupações
sofisticadas do setor terciário” (TRIGO, 1993, p. 65).
Atualmente o turismo representa um conjunto de atividades de suma importância para a
economia e a sua popularização, bem como o seu desenvolvimento, pode-se atribuir às seguintes causas:
“(...) a paz, a prosperidade, o aumento da população, a urbanização, a industrialização, a
expansão dos níveis de negócios, uma maior disponibilidade de renda, a ampliação do
tempo livre e, por fim, os avanços tecnológicos especialmente nos meios de comunicação,
de transporte e de comercialização dos bens e serviços turísticos” (LAGE & MILONE,
1991, p. 21).
Esse conjunto de atividades (bens e serviços) é denominado produto turístico. Para LAGE &
MILONE (1991) o produto turístico pode ser abordado considerando três aspectos importantes: suas
atrações, suas facilidades e suas acessibilidades.
As atrações (oferta turística natural e artificial) correspondem aos motivos que determinam a
escolha de um lugar em relação a outro. As facilidades (infra-estrutura) garantem e complementam as
atrações oferecidas. As acessibilidades (transporte e comunicação) permitem que os deslocamentos se
realizem.
Para ANDRADE (1992) o produto turístico pode ser compreendido como o conjunto de
recursos naturais e artificiais, que beneficiam a prática da atividade turística.
A oferta turística natural determina a vocação turística de uma localidade devido a disposição
de recursos naturais que são ou podem tornar-se atrações turísticas. O potencial desses recursos naturais
está expresso pela propriedade de alguns elementos da natureza indispensáveis para atividade turística, ou
seja, o clima favorável, a localização geográfica, a vegetação, a flora e a fauna, o ar, a água e outros
elementos que podem, de uma maneira ou de outra, preservar ou melhorar a saúde humana.
12
A oferta turística artificial são as adaptações, serviços e atitudes que complementam os
recursos naturais com o objetivo de melhorar a capacidade turística. A oferta turística artificial pode ser
dividida considerando os seguintes aspectos: os bens históricos, os bens culturais e os bens religiosos da
região, a infra-estrutura e as estradas e os meios de transporte.
Do ponto de vista da demanda por esses produtos, todos aqueles que buscam de uma forma
ou de outra, seja ela física ou psíquica, maximizar a satisfação em suas viagens, podem ser considerados
turistas. Essa demanda apresenta características distintas:
“Os resultados estatísticos demonstram que a demanda turística é um fenômeno composto
de indivíduos e grupos de formação social heterogênea, que praticam turismo induzidos
por causas múltiplas e diferenciadas. A viagem, como meio indispensável à realização do
fenômeno e para permitir o deslocamento, é o único elemento efetivamente comum entre
eles. Não há, pois, identidade de gostos, de desejos, de necessidades, de preferências e de
atrativos que construam a imagem única e comum a todos os turistas. Nem mesmo os
padrões de nacionalidade, profissão, idade, nível ou classe social, estrutura familiar, sexo
e domicílio se prestam como bases para determinar a estratificação socioeconômica da
demanda” (ANDRADE, 1992, p. 116).
É importante salientar que o turismo é uma atividade de cunho comercial expressa em “pacotes
turísticos” (os consumidores tornam-se eficientes maximizando a sua utilidade). Vale ressaltar que a viagem
e o turismo são atividades distintas quando observados sob a ótica da visibilidade percebida pelos
consumidores/turistas. Esta visibilidade está demonstrada na história e nas relações sociais. Enquanto a
viagem pressupõe uma visão cinética e dispersa no tempo, o turismo concentra-se visualmente em suas
atrações comercialmente oferecidas na forma de produtos turísticos.
Assim, com a chegada da Revolução Industrial, as práticas comerciais atingem uma ampla
magnitude espacial. As viagens começam a apresentar um novo sentido e a natureza desses
deslocamentos adquire novos moldes, pois uma parte dessas práticas comerciais começa a se concentrar
no tempo e no espaço tornando as viagens um instrumento de cunho estritamente comercial. Surge uma
nova modalidade comercial: o turismo, que corresponde a um conjunto de atividades comercializadas na
forma de produto turístico.
Alguns desses produtos turísticos possuem características de bens públicos, ou seja, pode-se
atribuir a alguns dos recursos naturais e artificiais que compõem a oferta turística a característica de bens
públicos quando esses produtos apresentarem, segundo PINDYCK & RUBINFELD (1994), as qualidades de
não-rivalidade e não-exclusividade.
Um produto é considerado não-rival quando no momento do seu consumo não é eliminada a
chance de uma outra pessoa consumi-lo. A não-rivalidade significa a oportunidade de consumo simultâneo
da mesma unidade de um determinado produto. Uma auto-estrada com capacidade ociosa na sua utilização
é um exemplo de não-rivalidade, pois a adição de mais um carro no tráfego não impossibilitaria a entrada de
outro, ao mesmo tempo que o custo marginal permaneceria igual a zero.
A não-exclusividade de um produto pode ser entendida como um consumo geral em que todos
poderão beneficiar-se da sua utilização sem sofrer nenhuma restrição. Um exemplo clássico de um bem
público que ao mesmo tempo é não-excludente e não-rival e consequentemente possui custo marginal igual
a zero é a Defesa Nacional. Da mesma forma, a oferta turística natural (recursos naturais) e a evidência de
alguns elementos da natureza que beneficiam a atividade turística, ou seja, o clima favorável, a vegetação,
a flora e a fauna, o ar e a água; e por outro lado, a oferta turística artificial (adaptações, serviços e atitudes)
13
considerando os aspectos dos bens históricos, culturais e religiosos da cidade, a infra-estrutura e as
estradas, podem ser caracterizados como bens públicos.
VARIAN (1994) refere-se a bem público como “um bem que tem que ser fornecido na mesma
quantidade para todos os consumidores afetados” (VARIAN, 1994, p. 622). Todavia, no caso da Defesa
Nacional, não cabe ao cidadão comprar uma quantidade de segurança que necessita. Nesse sentido, pode-
se afirmar que a Segurança Nacional está disponível para qualquer cidadão em quantidades comum a
todos, porém, por apresentar características peculiares inerentes à qualidade de um bem público, muitos
indivíduos poderiam não estar dispostos a contribuir, ou seja, “pegar carona” e deste modo a demanda por
este bem não seria revelada.
4 - BENS PÚBLICOS, EXTERNALIDADES E ASPECTOS TURÍSTICOS
Pode-se considerar como bem público todo componente da oferta turística artificial de uma
localidade que possuir a característica de não-rivalidade e de não-exclusividade. Esses componentes são:
os monumentos históricos; as festas tradicionais; as músicas, danças e figuras folclóricas; etc.
Por outro lado, pode-se considerar como bem público, alguns elementos que podem compor a
oferta turística natural desta localidade. Esses elementos são: o ar; o clima; a flora e fauna; as ilhas; as
cachoeiras; as praias; lagos e lagoas; os parques nacionais e áreas de preservação ambiental; etc.
É importante salientar que as estradas de acesso (governamentais) apesar de estarem
relacionadas com a infra-estrutura de suporte ao turismo e na maioria das vezes não representarem a
atividade fim de todo processo, ou seja, podem ser definidas como insumos, também são consideradas
bens públicos desde que apresentem as características de não-exclusão e não-rivalidade.
Para CASTELLI (1990), as relações do setor público com a atividades turística estão
separadas praticamente em três momentos: o primeiro momento baseou-se na vigilância, policiamento,
proibições e determinações de regras no âmbito de toda atividade turística; o segundo, foi caracterizado
pelo incentivo através de facilidades concedidas àqueles que estavam relacionados com o turismo; e o
terceiro momento (a partir da década de 70) observa-se o “intervencionismo”, no qual o governo insere-se
na atividade turística, não apenas como um regulador e/ou promotor do turismo, mas sim como interventor
direto, através de empresas estatais e autarquias. No entanto, havendo “a necessidade da intervenção do
poder público, esta se extingue a partir do momento em que o grupo ou o indivíduo podem andar sozinhos”
(CASTELLI, 1990, p. 51). Apesar de existirem diversas causas que possam justificar a intervenção do
Estado na atividade turística, o aspecto principal a ser abordado neste capítulo restringe-se a analisar e
propor soluções, no tocante aos bens públicos e às externalidades, para as ineficiências provenientes dos
desvios de mercado e as formas de atuação do governo, mesmo não considerando-o como o melhor
instrumento capaz de garantir uma maior eficiência na alocação de recursos.
Ainda em CASTELLI (1990), o governo pode se manifestar de forma contrária à atividade
turística por não considerá-la importante no presente momento ou por não identificar as potencialidades que
permitiriam o desenvolvimento do setor, direcionando suas atenções para outros setores considerados mais
importantes. Geralmente, o principal argumento que determina uma posição contrária à expansão
desordenada do turismo em virtude dos seus “efeitos predatórios” - até por ser mais focalizado pela maioria
dos teóricos que estuda os aspectos turísticos de uma cidade e/ou região - é a análise da atividade turística
como um processo dialético, que relaciona intrinsecamente o crescimento do turismo às consequências
derivadas dos seus negativos impactos (devastação das paisagens artificiais e naturais e descaracterização
14
dos usos e costumes) os quais não só prejudicariam os turistas e os moradores locais, mas também
contribuiriam decisivamente para a falência de toda atividade turística:
“O turismo tem sim uma característica marcante de degradação ambiental (...) Apesar de
não ser o responsável histórico pelo aumento dos problemas ambientais na Ilha de Santa
Catarina, podemos afirmar que, a partir dos anos oitenta, a expansão turística passa a ter
um papel determinante na ampliação desta “destruição criativa” da paisagem natural (...)
Muitas destas construções, com anuência ou omissão do poder público (que obviamente
representa interesses de classes e não está acima do bem e do mal, no sentido de Hobbes),
constituíram-se verdadeiros atentados ao meio-ambiente (...) Assim, contrariamente, a
atividade turística em Florianópolis, baseada principalmente sob sua base natural
privilegiada, desenvolve-se “destruindo” sua força motriz. Melhor dizendo, reconstrói os
espaços de forma negativa e predatória” (OURIQUES, 1997, p. 13, 14 e 15).
Uma vez que são enfatizadas algumas constatações a respeito da existência de negativos
impactos atribuídos à falta de conscientização dos agentes econômicos com o futuro do turismo da sua
cidade ou região, através de um raciocínio análogo e de certa forma mais otimista, pode-se relacionar os
mesmos impactos negativos utilizando-se da teoria dos bens públicos e principalmente das questões que
envolvem externalidades, pois em outros casos algumas externalidades podem ter impactos positivos e
implicar em benefícios sociais.
No que tange a oferta turística de bens públicos, os benefícios específicos proporcionados aos
turistas pela contemplação dos monumentos históricos; as festas tradicionais; as músicas, danças e figuras
folclóricas; os recursos naturais e a utilização de insumos necessários para o funcionamento da atividade
turística com a finalidade do consumo do bem público, podem ser abordados a partir da demanda turística
por esses bens.
De acordo com MUSGRAVE & MUSGRAVE (1980), para determinar o preço de instalações
públicas deve-se considerar o nível de congestionamento decorrente da demanda. Assim, para determinar o
preço para a utilização de um bem público turístico torna-se necessário utilizar o princípio da não-exclusão e
consequentemente considerar a possibilidade de ocorrer um congestionamento.
Tendo em vista a análise dos componentes da oferta turística de qualquer localidade
caracterizados como um bem público turístico, em casos específicos, cada monumento histórico visitado,
além sofrer os efeitos da não-exclusão, deve-se observar as consequências da sazonalidade da demanda
turística, ou seja, os períodos de alta e baixa temporada.
A principal dificuldade para aplicação da microeconomia objetivando a análise de um
determinado bem público decorre da sua característica intrínseca, pois o mesmo apresenta custo marginal
nulo após a sua produção (com a adição de mais um indivíduo no consumo de um bem público o custo
permaneceria zero como consequência do princípio da não-exclusão) e custo de produção positivo. Dessa
forma, através do modelo clássico de oferta/demanda torna-se impossível traçar o nível de produção
adequado a partir do ponto de vista do lado da oferta.
Desta forma, para a análise de um bem público turístico observa-se o aspecto da demanda
referente ao bem público e suas características, concomitantemente com o aspecto da demanda em relação
a um produto turístico. Assim, um bem público turístico deve ser analisado considerando-se a relação
existente entre a incidência de um possível congestionamento e a ocorrência de sazonalidades.
No período da alta temporada um bem público turístico pode sofrer um possível
congestionamento. Nesse período de pico da demanda o bem público turístico é intensamente utilizado
pelos turistas, porém em outros períodos a sua utilização não é tão acentuada. Portanto:
15
“Uma tarifa eficiente, que leve em conta o custo de congestionamento, deverá ser mais
elevada durante o período de pico da demanda do que no período fora de pico. Isso
induzirá aqueles usuários que podem mais facilmente substituir o período de uso da
referida instalação a procurarem o período fora de pico, redundando num racionamento
do uso da instalação durante o período de pico, e favorecendo aqueles usuários que estão
dispostos a pagar mais caro pela utilização da mesma durante este espaço de tempo”
(MUSGRAVE & MUSGRAVE, 1980, p. 607).
Alguma dificuldade para estabelecer o preço ideal da tarifa que represente o custo de
congestionamento, como por exemplo as visitas turísticas às igrejas, museus, centros culturais e outras
construções públicas que atraem os turistas, deriva das duas principais características de uma demanda por
um bem público turístico, porém a receita obtida poderia de certa forma garantir os custos de manutenção
do bem. A primeira característica refere-se ao problema da sua revelação, e a segunda está relacionada
com sua heterogeneidade e por conseguinte, a diversidade de variáveis que motivam o turista. Tal problema
poderia ser equacionado da seguinte maneira:
“(...) uma avaliação objetiva dos recursos turísticos (...) de modo a poder ser estabelecida
de maneira mais exata possível uma “vocação turística” que serviria (...) como
instrumento para a descoberta de qual é o tipo de demanda que melhor se ajusta (...),
podendo assim concentrar racionalmente os seus esforços (...)” (WAHAB, 1991, p. 153).
Outra medida importante que poderia ser estabelecida conjuntamente com a cobrança de taxas
de acordo com o custo do congestionamento para amenizar a ocorrência de sazonalidades, ou seja, os
impactos causados pelas flutuações na demanda turística, seria o uso de algumas estratégias específicas
realizadas fora do período de pico da demanda . Para LAGE & MILONE (1991), essas estratégias
específicas seriam o “uso múltiplo” e uma “política de preços”. A idéia básica seria a criação de atrativos
turísticos e a diferenciação dos preços no período de baixa temporada. Tais estratégias requerem uma
observação:
“A importância de fomentar a demanda fora de temporada se acentua cada vez mais,
principalmente devido ao fato de que, na maioria dos negócios turísticos, os custos fixos são
bastante elevados em relação aos gastos operacionais” (LAGE & MILONE, 1991, p. 64).
Historicamente, as atrações turísticas de qualquer localidade e que podem ser definidas como
bens públicos turístico são as festas tradicionais e pelo ponto de vista do calendário anual devem estar em
sintonia com a estratégia de uso múltiplo. Porém, pelo ponto de vista da demanda turística pode-se
observar que, na sua grande maioria, estas festas tradicionais não alcançam um raio de abrangência em
termos de produto turístico e por isso não podem ser caracterizadas como uma estratégia de combate às
flutuações da demanda.
Assim, o governo deveria incentivar a ampliação destas festas tradicionais bem como aumentar
a sua relevância no cenário turístico nacional e, desta forma, internalizar alguns custos (divulgação,
marketing, infra-estrutura, melhorias e sinalização nas estradas, etc.) e com isso ampliar os benefícios
gerados por estas festas, não apenas aos turistas que visitariam este Município, mas também a toda
sociedade. Nesse sentido, medidas para incentivar a oferta de outros serviços que complementassem o
conjunto as atrações turísticas de uma cidade no período de baixa temporada ampliariam o leque de
possibilidades que reforçariam o turismo.
Apesar do uso de estratégias para amenizar as flutuações da demanda, segundo WAHAB
(1991), o governo poderá incentivar o turismo através de subsídios, empréstimos com taxas de juros abaixo
das estipuladas no mercado, garantias de crédito, isenções de impostos, dedução de despesas de capital,
16
fornecimento de serviços públicos com taxas reduzidas, elaboração de projetos para obtenção de recursos
e através de captação de recursos externos para investimento na atividade turística.
Finalmente, a geração de incentivos que possam determinar uma razoável estabilidade da
demanda e com isso permitir uma melhor alocação dos bens públicos turísticos de uma cidade, tais como
os monumentos nacionais, as festas tradicionais e os recursos naturais, os espaços e a passagem das
tradições entre as gerações para apresentação das músicas, danças e figuras folclóricas, estariam quase
que garantidos.
Todavia, quando os aspectos turísticos envolvem bens públicos, CASTELLI (1990) defende a
atuação do governo no sentido de direcionar a iniciativa privada através da utilização de instrumentos legais
para que sejam resguardados os benefícios sociais provenientes desses bens. Mesmo assim, ineficiências
podem ser constatadas.
Outro caso específico a ser analisado pela ótica dos bens públicos turísticos refere-se aos
recursos naturais. Os parques nacionais e as áreas de preservação ambiental são criados através de
decretos governamentais com o objetivo de preservar o meio ambiente da descaracterização da paisagem e
proteger as tradições das comunidades nativas que habitam as áreas em toda extensão de terra que está
compreendida pelos decretos:
“Em 1981, através da Lei no 6.938, de 31 de agosto, retoma-se de forma explícita na
legislação brasileira o monopólio estatal no que se refere ao meio ambiente. O Estado é o
guardião do meio ambiente isso porque não se identificam os problemas ambientais com
imperfeições na definição do direito de propriedade ou mesmo com o uso de propriedade
comum e, por isso, atribui-se ao Estado poder coercitivo sobre os cidadãos no uso desses
bens. Mais tarde em 1995, através das Leis nos 6.938 e 7.347, instituiu-se a ação civil
pública da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens
e direitos de valor histórico, artístico, estético e paisagístico” (CARVALHO, 1993, p. 7).
No entanto, os órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização são ineficientes no
controle da caça, na extração criminosa da vegetação nativa e no desmatamento da mata. Para os
problemas ambientais defende-se equivocadamente a intervenção do Estado:
“Supõem os intervencionistas que, nesses casos, o mercado falha (o problema ambiental
não é um problema de preços) e, por isso, a preservação do ambiente requer uma ação
estatal, direta ou através de regulamentação. Essa argumentação tem-se espalhado por
todo o mundo, e nas mais variadas sociedades já podemos encontrar um razoável
emaranhado de normas e leis que procuram preservar o meio ambiente. No Brasil também
temos uma vasta legislação que aparentemente não tem resolvido nossos principais
problemas associados ao uso de bens de propriedade comum” (CARVALHO, 1993, p. 5).
Nesse sentido, por muito destes territórios serem considerados bens públicos turísticos e a sua
preservação, bem como os benefícios que deverão ser legados às próximas gerações em virtude da sua
manutenção, os custos sociais poderiam ser amenizados quando tais decretos fossem direcionados no
sentido de incluir dispositivos e mecanismos legais de controle social para garantir às comunidades
residentes o direito de propriedade sobre todos os recursos naturais contemplados pelos parques e pelas
áreas de preservação considerados como bens públicos turísticos, ou seja, atrativos turísticos ou
potencialmente turísticos relacionados com a flora e fauna, as praias, as cachoeiras, lagoas, etc. e de certa
forma o ar atmosférico (custo das queimadas que atingem a flora, fauna e o próprio ar). Para que as
comunidades residentes e nativas se sintam como verdadeiros proprietários e atuem como tal, seria
necessário um programa de educação com o objetivo de esclarecer a respeito deste novo mecanismo de
controle social de preservação e seus impactos sócio-econômicos.
17
CARVALHO (1993) revela que muitas vezes a resolução dos problemas de uso da propriedade
comum que envolvem custos de transação muito elevados a imposição estatal na regulamentação de
normas e leis tem originado mais problemas que soluções.
Com relação a parte urbana de uma cidade potencialmente turística, todo o conjunto
arquitetônico (casas, sobrados, monumentos históricos e o calçamento das ruas) deveria ser tombado pelo
IPHAN através de decreto, declarando a cidade como Monumento Histórico Nacional com o objetivo de
preservar o patrimônio histórico, artístico e cultural construído ao longo dos séculos. No entanto, com o
desenvolvimento da atividade turística a grande maioria dessas casas e sobrados são de propriedade dos
turistas que as utilizam para veraneio e em grande parte as transformam em hotel, pousada, restaurante ou
bar. Assim, pode-se observar a ocorrência de dois iminentes problemas: a perda de identidade com o
acervo histórico que afeta as novas gerações em virtude da transferência das famílias para outros bairros
da periferia, aumentando a incidência de atos de vandalismo e destruição do patrimônio histórico e o não
comprometimento por parte dos “turistas proprietários” em relação à importância da preservação da
arquitetura original das construções, a preservação do meio-ambiente e, principalmente, em relação às
tradições culturais da cidade.
Uma vez que um dos maiores atrativos para a demanda turística é o conjunto arquitetônico e
os recursos naturais da cidade, a sua destruição mesmo que extensiva, poderia diminuir o fluxo de turistas e
comprometer no futuro toda a atividade turística. Tais problemas podem ser associados com a geração de
externalidades, pois não só os turistas seriam afetados por não poderem mais contemplar o acervo
arquitetônico, os moradores locais teriam sua fonte de renda e suas origens a perderem de vista, os
“turistas proprietários” deixariam de lucrar e desfrutar das amenidades locais, mas também toda a nação
brasileira seria afetada com a perda das características de uma cidade considerada patrimônio histórico
nacional.
Seguindo esse enfoque, independente do nível da diversidade em que as externalidades estão
afetando negativamente a sociedade é passível de constatação que a priori as suas conseqüências atingem
o turismo e geram um custo externo adicional. Estabelecendo-se que o principal objetivo do turismo em toda
cidade e/ou região turística seria criar uma oferta turística e um nível de infra-estrutura que maximize a
satisfação da demanda turística, consequentemente pode-se conceder aos turistas que estão na cidade
naquele momento, mesmo que de forma subjetiva, o direito de propriedade a todos os bens e/ou serviços
públicos que, de uma maneira ou de outra, sejam profícuos para a satisfação das suas necessidades.
Dessa forma, todos aqueles que prejudicarem o desenvolvimento e a manutenção dos produtos turísticos,
poderiam estar gerando uma externalidade negativa.
Para correção dessas externalidades negativas Governos poderiam taxar diretamente os
proprietários das construções históricas tomando-se como base o valor histórico da propriedade, revertendo
esses recursos para a manutenção da cidade e beleza dos monumentos e implementar uma política de
incentivos fiscais através de subsídios, isenções de impostos e fornecimento de serviços públicos com taxas
reduzidas para os agentes privados que desenvolverem programas educacionais visando esclarecer às
novas gerações da importância da preservação do patrimônio histórico e os recursos naturais, a fundação
de instituições que tenham como objetivo manter viva a história e as tradições culturais da cidade, e a
participação direta como promotores das festas tradicionais que se realizam ao longo dos anos.
Por outro lado, a intervenção estatal que visa o bem-estar comum pode estar em conflito com o
interesse individual:
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“O processo de industrialização promoveu a urbanização devido aos ganhos da
aglomeração populacional em áreas relativamente reduzidas.Com a aceleração do
crescimento industrial, acelerou-se também o processo de urbanização. A ação livre dos
indivíduos precisava ser ordenada em nome do bem comum. Zoneamento urbano e licença
para construção passaram a limitar a liberdade daqueles que viviam ou que se transferiam
para as cidades. Em todo o mundo há fortes evidências de que normas como essas, que
visam a eliminar o possível conflito entre a ação individual, fundada no interesse pessoal, e
os interesses da coletividade, produziram mais mal do que bem” (CARVALHO, 1993, p.
49).
CARVALHO (1993), refere-se como exemplo dicotômico entre intervenção do Estado e
liberdade individual e seus impactos as 17 reconstruções que sofreu o bairro de Copacabana na cidade do
Rio de Janeiro nos últimos 80 anos, agredindo os recursos naturais, a comunidade residente e a todos que
por ali transitavam.
Para CARVALHO (1993) é possível admitir uma visão conciliadora entre racionalidade
individual e racionalidade coletiva, pois o direito de liberdade individual não pode estar abaixo das regras
impostas pelo Estado para combater as disparidades da vida em sociedade que resultem na perda desta
mesma liberdade. Através de um sistema comunitário análogo ao realizado na cidade norte-americana de
Fort Collins, a formação de um conselho comunitário, a partir de parâmetros pré-determinados a respeito da
construção e reforma de casas coloniais, aspectos sociais, impactos ambientais e aspectos turísticos, os
diversos projetos poderiam ser avaliados pela comunidade, concedendo uma oportunidade de “os
munícipes serem responsáveis pelo presente e pelo futuro das suas cidades, pois eles são igualmente os
responsáveis pelas suas propriedades urbanas” (CARVALHO, 1993, p. 52).
5 - CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
De modo geral, para os problemas de desvios de mercado que englobam a oferta turística de
bens públicos e a presença de externalidades provenientes da atividade turística de qualquer cidade e/ou
região, a ação estatal através de seus instrumentos legais que legitimam a sua intervenção devem estar
direcionadas para que de alguma forma o mecanismo de mercado seja estabelecido para se alcançar uma
melhor eficiência na alocação de recursos, visto que, mesmo considerando-se as características intrínsecas
dos bens públicos e das externalidades, a debilidade sistêmica do processo político também poderia causar
ineficiências.
De outra forma, os bens públicos turísticos de uma cidade turística podem sofrer com a
hipótese de um congestionamento e os efeitos negativos da sazonalidade do fluxo da demanda turística.
Nesse sentido, a opção de cobrança de uma tarifa baseada no custo do congestionamento e direcionada
para o padrão da demanda seria uma alternativa viável para garantir a manutenção dos monumentos
históricos e amenizar os impactos da sazonalidade. Seguindo esta mesma linha, a adoção de estratégias
específicas como o uso múltiplo e uma política de preços, as autoridades públicas poderiam aumentar o
fluxo turístico nos períodos de baixa temporada. Além disso, cada governo municipal deveria aproveitar o
calendário anual das festas tradicionais e ampliar o raio de abrangência destas através da internalização de
alguns custos e torná-las acontecimentos regionais ou até mesmo de relevância nacional como a
Oktoberfest em Blumenau, Santa Catarina. Além das estratégias específicas, o governo municipal também
deveria adotar políticas fiscais e conceder outros benefícios para garantir a ampliação destas festas e
estabilizar a demanda turística, bem como promover incentivos para o surgimento de serviços turísticos no
período de baixa temporada.
19
Quanto aos recursos naturais da região, os direitos de propriedade sobre os atrativos turísticos
pertencentes aos parques nacionais e as áreas de preservação ambiental deveriam ser geridos pelas
comunidades locais, pois os órgãos governamentais são ineficientes para garantir o principal objetivo da
criação destas reservas ambientais, ou seja, a preservação do meio ambiente em conjunto com a cultura e
a tradição local. Para isso, seria necessário também um programa educacional de conscientização da
comunidade.
Referente ao conjunto arquitetônico legado por uma cidade, externalidades negativas como a
depredação inconsciente dos monumentos públicos, casas e sobrados coloniais e o descaso dos “turistas
proprietários” com o acervo histórico e cultural da cidade, o meio-ambiente e as tradições locais (atrativos
turísticos da cidade) poderiam ser corrigidas com o pagamento direto de taxas baseadas no valor histórico
da propriedade as quais seriam destinadas para a manutenção do patrimônio como um todo.
Paralelamente, incentivos governamentais poderiam ser concedidos aos agentes privados que
promovessem as festas tradicionais e que desenvolvessem programas educacionais que orientassem a
sociedade para a importância da preservação do patrimônio histórico, os recursos naturais e as tradições e
culturas locais.
Com relação ainda ao patrimônio histórico, outra solução importante, decorrente da ineficiência
governamental nas questões em que a regulamentação arbitrária das autoridades públicas pode gerar
conflitos sociais ao invés de bem-estar social, seria através de um sistema comunitário de decisões o qual
possibilitasse definir a melhor alternativa possível para o futuro da cidade, considerando-se os impactos
ambientais, históricos, culturais e sócio-econômicos.
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