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ECONOMIA INFORMAL EM
PORTUGAL
Relatório Final
Julho de 2008
Estudo elaborado para a COTEC e IAPMEI
pelo CEGEA da Universidade Católica Portuguesa
Economia Informal em Portugal
Relatório Final
Julho de 2008
| CEGEA – Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada
Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
Economia Informal em Portugal i
Índice
Sumário Executivo..............................................................................................................................vii
Capítulo 1
Introdução..............................................................................................................................................1
Capítulo 2
O que é a Economia Informal? ..........................................................................................................3
Capítulo 3
O Peso da Economia Informal: Métodos e Estimativas...............................................................9
Métodos de Medição da Economia Informal..........................................................................................10
Estimativas da Importância da Economia Informal................................................................................13
Capítulo 4
Determinantes da Economia Informal.......................................................................................... 23
A Opção pela Formalidade: Custos e Benefícios ..................................................................................24
Ética e Moralidade.........................................................................................................................................30
Oportunidade e Necessidade: Oferta e Procura ..................................................................................33
Capítulo 5
Efeitos da Economia Informal ......................................................................................................... 37
Moralidade, Participação Cívica e Corrupção........................................................................................38
Formulação e Eficácia das Políticas ...........................................................................................................39
Degradação das Finanças e Serviços Públicos........................................................................................40
Protecção dos Trabalhadores, dos Consumidores e do Ambiente .................................................41
Concorrência e Produtividade...................................................................................................................42
Crescimento Económico.............................................................................................................................43
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
ii Relatório Final
Capítulo 6
Lidar com a informalidade................................................................................................................47
Recomendações de Académicos e Consultores ...................................................................................48
Experiências de Outros Países...................................................................................................................52
Capítulo 7
Recomendações para o combate à Economia Informal em Portugal ....................................67
Princípios Subjacentes às Recomendações .............................................................................................68
Prevenção da Economia Informal ..............................................................................................................71
Fiscalização, Detecção e Punição da Informalidade ..............................................................................91
Capítulo 8
Tabela síntese de recomendações para o combate à Economia Informal em Portugal.............................................................................................................................................. 105
Prevenção da Economia Informal ........................................................................................................... 106
Fiscalização, Dissuasão e Punição da Informalidade .......................................................................... 117
Anexo – Declaração do Presidente do Conselho de Orientação Estratégica ................. 125
Bibliografia......................................................................................................................................... 129
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Economia Informal em Portugal iii
Ilustrações
Ilustração 3-1 - Métodos de quantificação da Economia Informal...........................................................10
Ilustração 3-2 - Percentagem de inquiridos que declararam ter adquirido, nos últimos 12
meses, bens ou serviços suspeitando que os mesmos incorporavam
trabalho não declarado..........................................................................................................18
Ilustração 3-3 - Percentagem de inquiridos que declararam ter efectuado, nos últimos
doze meses, alguma actividade cujos proveitos não tenham sido
integralmente declarados às autoridades .........................................................................19
Ilustração 3-4 - Que percentagem da população do seu país estima que receba a
totalidade ou parte do seu rendimento sem o declarar para efeitos fiscais
ou de segurança social? .........................................................................................................20
Ilustração 4-1 - Encargos fiscais e Economia Informal ................................................................................26
Ilustração 4-2 - Um equilíbrio perverso de informalidade.........................................................................27
Ilustração 4-3 - Taxinomia da Intervenção do Estado ................................................................................28
Ilustração 4-4 - Economia informal e atitude perante o não cumprimento das obrigações
fiscais ..........................................................................................................................................31
Ilustração 4-5 - Razões para exercer trabalho não declarado..................................................................35
Ilustração 5-1 - Economia informal e crescimento económico acumulado ..........................................44
Ilustração 6-1 - O Modelo do Cumprimento (Fisco australiano) ............................................................61
Quadros
Quadro 3.1 - Importância da Economia Informal em diferentes zonas do mundo (% do
PIB oficial) ..................................................................................................................................14
Quadro 3.2 – Importância da Economia Informal nos países da OCDE (% do PIB oficial) ............15
Quadro 3.3 – Peso da Economia Informal no PNB, 1960-1995 ............................................................17
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iv Relatório Final
Autores
RODRIGUES, Vasco (coordenador)
Director Executivo do CEGEA e Professor Associado da Faculdade
de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa.
ALVES, Paulo
Professor Convidado da Faculdade de Economia e Gestão da
Universidade Católica Portuguesa, Investigador da Universidade de
Lancaster e Revisor Oficial de Contas.
CAMPOS, Raquel
Assistente da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade
Católica Portuguesa.
GUEDES DE OLIVEIRA, Francisca
Professora Auxiliar da Faculdade de Economia e Gestão da
Universidade Católica Portuguesa.
MENDES, Américo
Presidente do Conselho Científico e Professor Associado da
Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica
Portuguesa e Director do respectivo Mestrado em Economia.
SILVA, Sofia
Professora Auxiliar da Faculdade de Economia e Gestão da
Universidade Católica Portuguesa.
Colaboradores
MARQUES, Bernardo
SILVA, Carlos Filipe
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
Economia Informal em Portugal v
Conselho de Orientação Estratégica
CADILHE, Miguel (Presidente)
BARROS, José António
FERRAZ DA COSTA, Pedro
GOMES, Júlio
MACEDO, Paulo
PINHEIRO PINTO, José Alberto
SOUSA, Alfredo de
CASTRO, Alberto (Universidade Católica Portuguesa)
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
vi Relatório Final
Disclaimer O relatório sobre a Economia Informal em Portugal foi preparado em
resposta a uma solicitação da COTEC Portugal ao Centro de Estudos
de Gestão e Economia Aplicada da Universidade Católica Portuguesa. O
seu conteúdo é confidencial: o acesso e a sua divulgação são da exclusiva
responsabilidade da entidade promotora. Os autores agradecem e
reconhecem o contributo dos membros do Conselho de Orientação
Estratégica e do conjunto de personalidades que entrevistaram. No
entanto, as opiniões veiculadas neste documento só responsabilizam os
autores e não vinculam os membros do COE, a Universidade Católica
Portuguesa ou a COTEC.
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
Economia Informal em Portugal vii
Sumário Executivo O objectivo deste estudo, promovido pela COTEC, é apresentar
recomendações que possam contribuir para a redução do peso da
Economia Informal na economia portuguesa. Este relatório encontra-
se organizado da seguinte forma. Depois da Introdução, os capítulos
1 a 6 sintetizam a literatura sobre o tema da Economia Informal.
Abordam-se sucessivamente os seguintes temas: o conceito de
Economia Informal; a estimação da sua importância económica; os
determinantes da importância económica da Economia Informal; os
seus efeitos; propostas e experiências internacionais em matéria de
combate à informalidade. Depois, no capítulo 7, apresentam-se
detalhadamente as recomendações efectuadas para a economia
portuguesa. O capítulo 8 apresenta uma tabela síntese dessas
recomendações.
O que é a Economia Informal?
Por Economia Informal entendemos, para os efeitos deste trabalho,
toda a actividade económica que, não sendo em si mesma ilegal, se
processa ao arrepio de normas vigentes. A evasão às normas fiscais é
uma das formas mais frequentes de informalidade mas o desrespeito
pelas normas laborais, de qualidade e segurança dos produtos ou
ambientais é igualmente enquadrável no tema do trabalho.
Em contrapartida, o trabalho não incide sobre actividades
económicas em si mesmas ilegais, como o tráfico de droga, o
contrabando ou o roubo. No entanto, as fronteiras entre os temas
tratados e excluídos são frequentemente difusas. Como o são
também as fronteiras entre a Economia Informal e a corrupção:
tratando-se de fenómenos diferentes, eles encontram-se
frequentemente imbricados e as medidas que sejam tomadas em
relação a um podem ter consequências no outro. Embora o relatório
contenha diversas referências à corrupção, o seu foco é
especificamente a Economia Informal.
O peso da Economia Informal: Métodos e estimativas
Pela sua própria natureza, a Economia Informal não se presta
facilmente à quantificação: os agentes económicos que exercem a sua
actividade à margem das normas procuram, na medida do possível,
ocultá-la de observadores externos. Para ultrapassar este tipo de
dificuldade, são utilizados dois tipos de métodos: directos e
indirectos.
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
viii Relatório Final
Os métodos directos, como o nome sugere, baseiam-se na tentativa
de observar directamente a actividade económica informal. Uma das
suas formas é a de inquéritos aos agentes económicos. Este tipo de
procedimento debate-se com as dificuldades inerentes a conseguir
interrogar os agentes económicos com actividade informal e deles
obter respostas verdadeiras. Outra forma de método directo baseia-
se em auditorias fiscais aos contribuintes. Também aqui há problemas
de obtenção de amostras representativas e de conseguir determinar
a real situação fiscal do contribuinte. Os diversos métodos indirectos
procuram estimar a dimensão da Economia Informal a partir de
indícios que esta deixa na economia formal. Por exemplo, a Economia
Informal gera rendimentos que, pelo menos parcialmente, dão origem
a despesa na economia formal. Discrepâncias entre rendimento e
despesa podem portanto ser utilizadas como um indício da
importância da Economia Informal. O relatório descreve
sucintamente este e outros métodos indirectos.
As estimativas mais conhecidas da importância da Economia Informal
são as que o Professor Friedrich Schneider e seus co-autores têm
produzido num conjunto de trabalhos que citamos. Estas estimativas
apontam para que a Economia Informal tenha uma importância muito
diversa em diferentes zonas do mundo, variando, em termos de
médias regionais, entre um máximo de cerca de 47% do PIB na África
e na América Central e do Sul e um mínimo de cerca de 17% nos
países da OCDE. Entre estes, o valor mais baixo é o dos EUA, da
ordem dos 9% e o mais alto o da Grécia, ultrapassando os 28%.
Na OCDE, Portugal, encontra-se no grupo de países onde a
Economia Informal representa mais de 20% do PIB, na companhia da
Grécia, Itália, Espanha e Bélgica. No nosso país, na última década, o
peso da Economia Informal tem-se mantido estável, da ordem dos 22
a 23% do produto.
As estimativas de Schneider são geralmente interpretadas de forma
errónea. Por um lado, tendem a ser interpretadas como uma medida
da discrepância entre o PIB oficial e o “verdadeiro” PIB. Essa
interpretação não é legítima, porque o PIB oficial inclui já estimativas
daquilo que as entidades estatísticas chamam a “economia não
observada”. Uma vez que não se sabe que parte da Economia
Informal estimada por Schneider está, ou não, incluída nessas
estimativas de economia não observada não é possível somar os dois
valores. Por outro lado, as estimativas de Schneider são
frequentemente interpretadas como a medida da parcela da
economia que não paga impostos. Mas este autor alerta
expressamente, nas suas publicações, para que os métodos que utiliza
não permitem sustentar essa interpretação.
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
Economia Informal em Portugal ix
Além disso, as estimativas de Schneider não têm deixado de levantar
controvérsia. Alguns estranham, por exemplo, que todos os 110
países examinados por Schneider, sem uma única excepção, registem
um crescimento no peso da Economia Informal no PIB ao longo da
última década. Olhando ao caso português, em particular, não deixa
de causar alguma perplexidade que as estimativas apresentadas sejam,
desde 1997, rigorosamente idênticas às que são apresentadas para
Espanha.
A União Europeia tem realizado alguns trabalhos de inquirição
destinados a obter medidas directas da Economia Informal. Os
resultados obtidos contrastam consideravelmente com os que
resultam de métodos indirectos como os utilizados por Schneider.
De acordo com estes inquéritos, a Economia Informal tenderia a ser
particularmente frequente em países como a Holanda e a Dinamarca.
Em Portugal, verifica-se uma ambivalência nas respostas, com cada
cidadão a declarar que parte significativa da população recebe
rendimentos não declarados mas a negar que isso aconteça consigo
próprio, o que permite várias interpretações.
Determinantes da Economia Informal
A participação na Economia Informal pode, numa lógica económica,
ser pensada no quadro de uma análise custo-benefício: o respeito
pelas normas permite aceder a um conjunto de benefícios mas
acarreta custos; consoante a importância de uns e outros, o agente
económico tenderá a optar pela formalidade ou pela informalidade.
Mas, muitas vezes, a escolha não é dicotómica: não se trata de
escolher, em absoluto, se operar formal ou informalmente; trata-se
de escolher que normas respeitar e que normas desrespeitar.
A opção pela formalidade permite contar com a protecção da lei
enquanto a informalidade sujeita os seus agentes a serem por ela
perseguidos. Quanto maior a probabilidade de penalização por
incumprimento das normas e quanto maior a penalização prevista,
menor o atractivo da informalidade. O bom funcionamento do
sistema de justiça é, por isso, crucial para dissuadir a informalidade. A
formalidade permite também o acesso a um conjunto de mecanismos
de apoio à sustentação e crescimento do negócio – como o sistema
de crédito ou os sistemas públicos de apoio ao investimento – que,
em princípio, não estão disponíveis, ou só o estão em condições mais
onerosas, para quem opta pela informalidade. Para os trabalhadores,
a formalidade sujeita a sua actividade a normas de saúde, segurança,
horários e remuneração e permite o acesso a mecanismos de
protecção face ao desemprego, à doença ou à velhice que tenderão a
não estar disponíveis, ou a só o estar em menor medida, para quem
opte pela informalidade. Em contrapartida, a informalidade permite,
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x Relatório Final
pelo menos no curto prazo, poupar no pagamento de encargos fiscais
e para-fiscais e evitar os custos inerentes à satisfação de requisitos
burocráticos. Em países onde a corrupção seja muito elevada, a
informalidade pode também ter a vantagem de evitar o contacto com
funcionários corruptos. A informalidade permite ainda evitar os
custos inerentes ao cumprimento das normas.
Os Estados tendem a cair numa de duas situações. Alguns oferecem
aos seus cidadãos e empresas um ambiente institucional satisfatório,
com bons serviços públicos e níveis reduzidos de corrupção. Isto faz
com que o incentivo para fugir para a Economia Informal seja
limitado, o que permite ao Estado cobrar receitas fiscais que
sustentam o bom ambiente institucional, sem que as taxas de imposto
tenham que ser exorbitantes. É o que se poderia chamar um
equilíbrio virtuoso. Outros caem num equilíbrio perverso, do qual é
muito difícil sair. O mau funcionamento das instituições e a
corrupção empurram parte substancial da actividade económica para
a informalidade. A informalidade, aliada ao próprio mau
funcionamento das instituições e à corrupção, levam a que o Estado
obtenha receitas fiscais reduzidas. Estas receitas fiscais reduzidas não
permitem sustentar instituições de boa qualidade nem garantir
rendimentos razoáveis aos seus funcionários, o que alimenta a
corrupção. Neste ambiente, o Estado é levado a cobrar taxas de
imposto muito elevadas sobre a pequena parcela da economia que
consegue controlar, o que estimula a fuga para a Economia Informal.
Evidentemente, o cálculo económico subjacente à lógica custo-
benefício é enquadrado pelos valores éticos e morais dos indivíduos e
das comunidades que integram. Existe clara evidência de que quanto
maior a tolerância social para com a evasão fiscal maior o seu valor.
Alguns estudos sugerem que a moralidade fiscal tende a ser tanto
mais rigorosa quanto maior o envolvimento dos cidadãos na
formulação das políticas que os afectam. Está também relacionada
com a percepção de ser tratado de forma justa pelo Estado e, em
geral, com a satisfação pela utilização que o Estado dá aos meios
financeiros ao seu dispor.
Certos desenvolvimentos no domínio tecnológico, como as
tecnologias de informação e comunicação, e no domínio normativo,
como a redução de horários de trabalho e de idades de reforma, têm
aumentado as oportunidades para o exercício informal da actividade
económica. Por outro lado, o recurso à informalidade é,
frequentemente, uma questão de necessidade, resposta a situações
de crise económica conjuntural ou estrutural.
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Economia Informal em Portugal xi
Efeitos da Economia Informal
A literatura económica, e o discurso político, atribui à Economia
Informal um conjunto de malefícios.
Desde logo, a percepção de que há um amplo desrespeito pelas
normas, e de que os que as desrespeitam continuam a usufruir dos
bens públicos, tende a degradar a moral cívica e a gerar sentimentos
de iniquidade, que podem, de forma cumulativa, contribuir para o
agravamento dos problemas de informalidade. A Economia Informal
pode também, por um lado, gerar os meios financeiros e, por outro,
a necessidade que levam a recorrer à corrupção. Depois, a Economia
Informal reduz a fiabilidade dos indicadores económicos ao dispor do
Governo, podendo perturbar a formulação de políticas e contribuir
para reduzir a sua eficácia. A Economia Informal reduz igualmente a
receita do Estado e, dessa forma, a sua capacidade para fornecer bens
e serviços públicos, nomeadamente em matéria de protecção social e
de promoção do crescimento económico. O desrespeito pelas
normas pode traduzir-se directamente em inconvenientes para os
trabalhadores e consumidores, bem como na degradação do meio
ambiente. Existe também o receio de que a Economia Informal tenha
efeitos negativos em termos de concorrência e produtividade. Não
respeitando as normas, os agentes económicos que actuam na
informalidade gozam de uma vantagem competitiva face aos que o
fazem. Sendo tipicamente pequenas e estando sujeitas a grandes
riscos, as empresas informais tendem a não investir nas melhores
soluções disponíveis e a ter baixa produtividade. Mas a sua presença
desincentiva igualmente o investimento e inovação das empresas
formais que com elas têm que concorrer.
Estes efeitos levam muitos a recear que a Economia Informal se
traduza, a longo prazo, em menor crescimento económico. Não
existe, no entanto, evidência empírica suficiente para comprovar ou
infirmar este receio.
Note-se, aliás, que nem todos partilham desta visão negativa da
Economia Informal ou que, pelo menos, alguns lhe vêem certos
benefícios. Desde logo, a Economia Informal tende, em determinadas
circunstâncias, a ser um mecanismo de amortecimento de tensões
sociais e políticas: em períodos de crise económica, é muitas vezes na
informalidade que muitos cidadãos asseguram a sua sobrevivência
(veja-se a este propósito, a experiência dos ditos “países em
transição”). Por outro lado, alguns acentuam que a Economia
Informal só existe porque há quem a prefira à economia formal,
sugerindo um desajustamento entre as normas impostas pelo Estado
e as preferências dos agentes económicos. Neste quadro, a Economia
Informal poderia ser um elemento de flexibilização da economia.
Quando as normas impostas pelo Estado geram reduzida
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Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa
xii Relatório Final
concorrência na economia formal, a Economia Informal poderia
também trazer um desejável, do ponto de vista da eficiência
económica, elemento de concorrência. Alguns alegam mesmo que a
Economia Informal serve igualmente como uma escola de
empreendedorismo, de onde muitos transitam para a economia
formal.
Lidar com a informalidade
As recomendações e os exemplos de como lidar com a Economia
Informal são numerosos. No sexto capítulo, revemos por um lado as
recomendações de académicos e consultores e descrevemos
sucintamente as experiências de alguns países nesta matéria.
As recomendações de académicos e consultores procuram,
normalmente, conjugar a redução do incentivo para optar pela
informalidade, por via da redução ou simplificação das imposições
normativas a que a actividade económica está sujeita e da carga
administrativa e fiscal que lhes está associada, por um lado, com o
reforço da capacidade de fiscalização das autoridades e das sanções
aplicáveis aos incumpridores, por outro. A necessidade de sensibilizar
a sociedade, em geral, e os contribuintes, em particular, para a
importância do cumprimento das normas é também um elemento
habitual nestas recomendações.
Quanto a experiências de outros países, descrevemos, com graus
diferenciados de detalhe, iniciativas recentes para lidar com a
Economia Informal, ou especificamente com a evasão fiscal, na
Espanha, França, Itália, Reino Unido e Austrália. Embora essas
experiências sejam diversas, reflectindo desde logo o diferente
enquadramento legislativo de cada um dos países, apresentam um
conjunto de elementos comuns que importa realçar.
Em todos estes países, as propostas assumem que é fundamental
promover o cumprimento voluntário por parte dos contribuintes.
Nesse sentido, acolhem muitas das sugestões anteriormente
mencionadas, no sentido de facilitar a actividade do contribuinte
cumpridor, reduzindo as obrigações burocráticas, criando meios
electrónicos que facilitem o cumprimento das obrigações,
estabelecendo serviços de apoio eficientes e humanizados, etc. Esta
preferência pelo cumprimento voluntário deve, no entanto, ser
acompanhada pela capacidade para actuar perante indícios sérios de
incumprimento, impondo um leque de sanções suficientemente
severas para serem dissuasoras.
Todas também reconhecem a necessidade de uma abordagem
segmentada à Economia Informal, admitindo a especificidade de
muitas das suas facetas e dedicando-lhes uma abordagem apropriada.
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Economia Informal em Portugal xiii
Outro elemento comum às propostas é a necessidade de explorar o
potencial da informação existente no aparelho do Estado, cruzando
informação e estabelecendo mecanismos de colaboração entre
organismos com responsabilidades que se intersectam com a
problemática da Economia Informal, como o fisco, a segurança social,
os diversos serviços de inspecção, os serviços de imigração, etc.
A maioria destas propostas reconhece também que, unilateralmente,
há um limite ao que a administração pública pode fazer. Conseguir o
envolvimento da sociedade civil no combate à Economia Informal é
essencial. Por isso, de uma maneira geral, reconhecem a conveniência
de estabelecer parcerias, por exemplo, com as associações
empresariais e outros organismos profissionais, que possam servir
para melhor fazer passar as mensagens da administração mas também
para formatar a sua actuação às especificidades sectoriais.
Recomendações para o combate à Economia Informal em Portugal
Tendo em conta os ensinamentos sobre os determinantes da
Economia Informal, discutidos no capítulo 4, as experiências
internacionais de combate à informalidade, em Espanha, França, Itália,
Reino Unido e Austrália, descritas no capítulo 6, e o extenso
conjunto de entrevistas realizadas com personalidades conhecedores
da realidade portuguesa, este relatório avança com um conjunto de
propostas de medidas tendentes a reduzir o peso que a Economia
Informal tem em Portugal.
Essas propostas reflectem cinco princípios que consideramos
essenciais para um bem sucedido combate à informalidade. Em
primeiro lugar, a facilitação do cumprimento das obrigações: o
cumprimento das obrigações não deve ser mais custoso do que o
estritamente necessário. Em segundo lugar, o combate à sensação de
impunidade dos prevaricadores: a impunidade estimula o
incumprimento e é sentida como iníqua pelos cidadãos cumpridores.
Depois, a necessidade de estabelecer um clima de confiança mútua
entre o Estado e os cidadãos: quando os cidadãos não confiam no
Estado, o incentivo para cumprir é reduzido porque não parece gerar
a devida contrapartida. Em quarto lugar, a importância de reforçar os
laços entre o Estado e os organismos da sociedade civil: o combate à
Economia Informal não pode ser uma tarefa exclusiva do Estado
porque é a sociedade no seu conjunto que por ela é prejudicada.
Finalmente, a importância da estratégia, organização e meios dos
organismos públicos que se dedicam ao combate à informalidade.
Com base nestes princípios, o relatório avança com as seguintes
recomendações:
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xiv Relatório Final
Medida 1 – Simplificação e agilização dos processos de licenciamento
comercial, industrial, ambiental e urbanístico
Medida 2 – Generalizar o princípio do “balcão único”,
nomeadamente a nível municipal
Medida 3 - Aconselhamento ao início de actividade empresarial
Medida 4 - Reforço dos mecanismos de acompanhamento nos
primeiros anos de actividade das empresas
Medida 5 - Incentivo à utilização de mecanismos de certificação de
contas
Medida 6 – Condições de regularização da actividade
Medida 7 - Facturação electrónica
Medida 8 - Reforço da utilização de meios de pagamento bancários
Medida 9 - Sensibilização dos cidadãos para os efeitos negativos da
Economia Informal
Medida 10 - Sensibilização para pedir factura
Medida 11 - Códigos de conduta na administração
Medida 12 - Certificação de processos na administração
Medida 13 - Melhoria do atendimento
Medida 14 - Melhoria do relacionamento e acompanhamento por
parte da Administração Fiscal
Medida 15 - Automatização de opções no domínio fiscal
Medida 16 - Reforço dos mecanismos de controlo da informação
disponível
Medida 17 - Actualização do cadastro de contribuintes
Medida 18 - Acesso dos cidadãos e empresas à informação relevante
Medida 19 - Eliminação de restrições geográficas no cumprimento das
obrigações fiscais
Medida 20 - Proporcionalidade no tratamento dos contribuintes
Medida 21 - Reforço das garantias na resposta da administração fiscal
Medida 22 - Criação de equipas técnicas de apoio aos tribunais fiscais
Medida 23 - Criação de mecanismos alternativos aos tribunais
tributários
Medida 24 - Agilização dos procedimentos falimentares
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Economia Informal em Portugal xv
Medida 25 - Formação dos juízes em matéria económico-financeira
Medida 26 – Estabilidade legislativa
Medida 27 – Simplificação da tributação do rendimento
Medida 28 - Alteração ao regime do IVA
Medida 29 - Redução e simplificação das obrigações administrativas
Medida 30 - Simplificação das obrigações declarativas de terceiros
Medida 31 - Simplificação da comprovação da aplicabilidade de
regimes fiscais especiais
Medida 32 - Criação de um código fiscal para não residentes
Medida 33 - Simplificação do regime de aplicação do IMT
Medida 34 - Simplificação da liquidação de sociedades
Medida 35 - Reformulação e clarificação da tributação por métodos
indirectos
Medida 36 - Reforço do papel dos organismos profissionais e
associações empresariais no combate à Economia
Informal
Medida 37 – Reforço do papel do sector bancário no combate à
Economia Informal
Medida 38 - Abordagem segmentada à Economia Informal
Medida 39 – Intensificação da actividade inspectiva
Medida 40 – Criação de equipas especializadas nos mercados de
capitais e em relações com o exterior
Medida 41 - Acreditação e controlo de software contabilístico
Medida 42 - Reestruturação da rede de repartições de finanças
Medida 43 - Reestruturação dos recursos humanos da DGCI
Medida 44 – Reforço da formação profissional
Medida 45 - Transparência e reforço dos incentivos profissionais
Medida 46 - Aquisição de tecnologia de data mining e auditoria
Medida 47 - Identificação de redes de ligações entre agentes
económicos
Medida 48 - Aumento da tempestividade, qualidade e quantidade da
informação não fiscal
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xvi Relatório Final
Medida 49 - Intensificação da utilização das possibilidades legais de
acesso a informação bancária
Medida 50 – Incremento da troca de informações com as
administrações fiscais de outros países
Medida 51 – Obrigatoriedade de publicação das contas das entidades
sem fins lucrativos
Medida 52 – Promoção de sinergias entre as direcções gerais com
competências na área fiscal
Medida 53 - Integração de processos de inspecção
Medida 54 - Partilha de informação entre organismos públicos
Medida 55 - Criação de um departamento conjunto entre a
administração fiscal e a Polícia Judiciária
Medida 56 - Reformulação das competências da Brigada Fiscal da
Guarda Nacional Republicana
Medida 57 - Alargamento do prazo de prescrição para crimes fiscais
Medida 58 - Estatuto do arrependido
Medida 59 - Avaliação regular dos organismos da administração
Medida 60- Benchmarking
Medida 61 - Avaliação periódica dos resultados em matéria de
combate à Economia Informal
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Economia Informal em Portugal 1
1 Introdução Este estudo sobre a Economia Informal em Portugal foi desenvolvido
pelo CEGEA – Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da
Universidade Católica Portuguesa por solicitação da COTEC Portugal
– Associação Empresarial para a Inovação.
A COTEC assume como sua missão “promover o aumento da
competitividade das empresas localizadas em Portugal, através do
desenvolvimento e difusão de uma cultura e de uma prática de
inovação, bem como do conhecimento residente no país”. É face a
esta missão que deve entender-se a decisão de abordar o tema da
Economia Informal. Pretendia-se conhecer melhor o seu eventual
impacto sobre a competitividade e a inovação e, na medida em que
este fosse negativo, analisar os mecanismos que incentivam a
existência da Economia Informal, “sendo finalidade última da análise
contribuir para a redução do fenómeno.” O estudo tinha, portanto,
um propósito operacional, devendo dar origem a um conjunto de
recomendações de medidas que pudessem atenuar a incidência da
Economia Informal no nosso país.
As recomendações a efectuar não poderiam, obviamente, ignorar o
conhecimento já existente sobre o assunto. Sob essa ou outras
designações, de há muito que a Economia Informal interessa a
políticos e académicos, existindo uma vasta literatura sobre o tema,
como pode constatar-se na Bibliografia deste Relatório. A revisão e
análise dessa literatura constituiu, necessariamente, um aspecto
essencial do trabalho desenvolvido.
No entanto, porque se pretendiam recomendações orientadas para o
caso nacional, a mera leitura de materiais previamente publicados não
era suficiente, tornando-se necessário auscultar protagonistas com
conhecimento pessoal da realidade portuguesa. Em primeira linha, os
autores puderam contar com a opinião autorizada dos membros do
Conselho de Orientação Estratégica do estudo, anteriormente
identificados, a quem desejam exprimir o seu vivo agradecimento
pelas entrevistas pessoais, reuniões colectivas e documentos escritos
com que contribuíram para este trabalho. Ao Professor Miguel
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2 Relatório Final
Cadilhe, Presidente daquele Conselho, em particular, desejam
agradecer o permanente incitamento e apoio.
Para além dos membros do COE, os autores realizaram ainda cerca
de uma vintena de entrevistas confidenciais com protagonistas
considerados relevantes. Trata-se de um conjunto de pessoas com
perfis muito diversificados, compreendendo nomeadamente
empresários, gestores e sindicalistas de diferentes sectores de
actividade, bem como consultores, académicos, responsáveis da
administração pública e responsáveis políticos. Embora não os
identificando nominalmente, devido ao compromisso de
confidencialidade assumido, a todos se agradecem igualmente os
contributos.
Este relatório encontra-se organizado em oito capítulos. Depois
desta introdução, o próximo capítulo discute as diversas definições
possíveis para o termo Economia Informal e clarifica a que é
adoptada para efeitos deste estudo. O capítulo três apresenta os
vários métodos que têm sido utilizados para estimar a importância
económica da Economia Informal bem como algumas das estimativas
existentes, nomeadamente as relativas a Portugal. O quarto capítulo
é dedicado à análise do que se sabe quanto aos determinantes da
importância económica do fenómeno. No quinto, discutem-se os
efeitos da Economia Informal, nomeadamente, em termos de
concorrência e produtividade, mas também noutros domínios. O
capítulo 6 procede a uma síntese de propostas que têm sido
apresentadas por diferentes autores e organizações para lidar com a
informalidade1 e da experiência de alguns outros países na matéria,
encerrando a parte do relatório dedicada à revisão da literatura
previamente publicada. Os dois capítulos finais procedem à
apresentação das recomendações para Portugal, resultado final do
estudo. No capítulo 7, depois de uma breve discussão de alguns
princípios orientadores, enunciam-se desenvolvidamente as cerca de
60 propostas apresentadas. Finalmente, o oitavo capítulo apresenta
uma tabela síntese daquelas propostas, com uma curta exposição do
seu conteúdo, das entidades envolvidas na sua aprovação e
implementação, do prazo necessário para o efeito e, quando possível,
de países onde foram propostas ou adoptadas medidas análogas. Em
anexo, apresenta-se uma Declaração do Presidente do Conselho de
Orientação Estratégica, Professor Miguel Cadilhe, sobre “A economia
informal e a carga fiscal.”
1 Ao longo deste relatório, usamos a expressão informalidade para nos referirmos à actividade desenvolvida no quadro da Economia Informal, isto é, ao arrepio dos normativos vigentes. Num outro sentido, que não é o aqui adoptado, a mesma expressão é utilizada para referir uma forma de funcionamento desburocratizada e, nessa medida, como algo positivo.
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Economia Informal em Portugal 3
2 O que é a Economia Informal? A Economia Informal é um fenómeno multifacetado e de difícil
definição. Aliás, esta designação é relativamente recente, sendo
tradicional utilizar expressões como economia paralela ou economia
subterrânea para, aparentemente, designar o mesmo fenómeno. Este
capítulo discute várias interpretações possíveis para a designação e
salienta que ela só parcialmente coincide com fenómenos como a
evasão fiscal ou como o erro na medição do produto nas Contas
Nacionais. Para os efeitos deste estudo, entendemos a Economia
Informal como sendo constituída por aquelas actividades económicas
que, não sendo em si mesmas ilegais, decorrem ao arrepio de normas
vigentes, sejam elas fiscais, laborais ou outras.
De acordo com os seus termos de referência, este estudo deverá contribuir para analisar os
mecanismos que incentivam a existência da Economia Informal, “sendo finalidade última da análise
contribuir para a redução do fenómeno.” Neste sentido, torna-se necessário clarificar o que é,
para este propósito, a Economia Informal.
O único consenso que, nesta matéria, se encontra na literatura económica é o de que o tema é
complexo: há múltiplas definições do que seja a Economia Informal. A existência de uma panóplia
de outras designações que parecem referir-se ao mesmo fenómeno, ou a fenómenos com ele
estreitamente relacionados, só agrava essa complexidade: economia paralela, economia
subterrânea, economia sombra, economia escondida, mercado negro, fuga ao fisco, evasão fiscal,
são apenas alguns exemplos dessas designações. Como nota a OCDE (2002, pág. 11) não há
qualquer consenso sobre se todas estas expressões se referem à mesma coisa, nem, caso assim
não seja, sobre as relações existentes entre elas.
A informalidade a que alude a designação remete para formas de exercício da actividade
económica desenvolvidas fora do normal quadro jurídico-institucional. Mas porque este quadro é
extremamente vasto e complexo, esta noção não é, em si mesma, suficiente para guiar um
trabalho com preocupações operacionais.
A Economia Informal é, muitas vezes, entendida como sendo aquela parcela da actividade
económica que não é captada na Contabilidade Nacional, nomeadamente nos valores publicados
do Produto Interno Bruto. Esta concepção encontra-se quer entre autores académicos (Simon
Johnson et al., 1998a, David Dreyer Lassen, 2006), quer entre técnicos. A título de exemplo, um
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4 Relatório Final
grupo de peritos que apoiou o governo da Nova Zelândia na definição da sua política em relação
ao cumprimento fiscal (Committee of Experts on Tax Compliance, 1998) afirma que “A
economia escondida, ou negra, compreende as actividades económicas que não são medidas nas
estatísticas oficiais, incluindo simultaneamente actividades legais e ilegais.”
Feige (1990) chama a esta parcela da actividade económica “economia não registada”.2 Sendo ou
não esse o propósito dos seus autores, as estimativas da importância da Economia Informal que
surgem, por vezes, nos media são normalmente entendidas desta forma: como valores que
deveriam somar-se ao valor oficial para obter o “verdadeiro” valor do PIB. Como refere a OCDE
(2002) “Os media dão grande atenção à possibilidade de exclusão de actividades económicas e
certos relatos sugerem frequentemente que os valores publicados do PIB não incluem partes
importantes da economia.”
Na realidade, na construção das Contas Nacionais, os Institutos de Estatística utilizam já uma
multiplicidade de procedimentos destinados a quantificar a actividade económica que não é
declarada pelos que a levam a cabo, como é analisado em Santos (1996), a propósito do Instituto
Nacional de Estatística português, e em ISTAT (2006), a propósito do seu congénere italiano. A
referida publicação da OCDE (2002) é, aliás, um manual que propõe boas práticas na medição
desta “economia não observada”. Os números oficiais do PIB incluem, portanto, já a estimativa
que as autoridades estatísticas fazem da actividade produtiva que não conseguem observar
directamente, seja porque os que a levam a cabo a procuram ocultar do fisco, seja por outras
razões.3
Logo, as estimativas sobre a importância da Economia Informal não devem, em geral, ao
contrário do que é prática corrente, ser entendidas como algo que acresce necessariamente às
estatísticas oficiais do produto. Só assim deveria acontecer se o estudo em causa estivesse a
estimar exclusivamente actividades excluídas das estatísticas oficiais. Mas as estimativas publicadas
não explicitam, em regra, se assim acontece. Embora só no capítulo seguinte abordemos a
questão da estimação dos montantes envolvidos na Economia Informal, é de salientar, desde já,
que a OCDE (2002) mostra cepticismo quanto à relevância de muitos destes estudos: “O
problema é que muitos destes relatos dos media são baseados em metodologias com um, ou
ambos, de dois problemas importantes. Em primeiro lugar, estes métodos frequentemente não
definem exactamente o que é que deveria ser medido e portanto está, possivelmente, a ser
2 Utilizaremos aqui a expressão “economia não registada” exclusivamente para a que não é registada no cálculo do produto.
3 De acordo com o manual do OCDE, a não-observação pode resultar de cinco fenómenos diferentes. A “produção subterrânea” que se refere a actividades produtivas legais mas que são deliberadamente escondidas do Estado, para evitar o pagamento de impostos e contribuições sociais, para evitar o cumprimento de certos normativos legais (salário mínimo, horários de trabalho, normas de segurança, etc.) ou para evitar o custo de certos procedimentos administrativos. A “produção ilegal” refere-se às actividades produtivas que são ilegais pela própria natureza do que é produzido (ex.: comércio de substâncias ilícitas) ou por serem realizadas por quem não está autorizado a fazê-lo (ex.: exercício da medicina por quem não tem as credenciais necessárias). A “produção do sector informal” refere-se a actividades produtivas desenvolvidas para dar emprego e rendimento a quem as desenvolve; esta produção do sector informal não incide sobre actividades que, em si mesmas, sejam ilegais e distingue-se da “produção subterrânea” por não haver um propósito deliberado de ocultação face ao Estado, sendo esta mero resultado do reduzido nível de organização da actividade. A “produção própria das famílias” refere-se a actividades desenvolvidas no seio da família para usufruto próprio (ex.: pequenas produções agrícolas e pecuárias, construção da casa própria, etc.). Finalmente, alguma produção não é observada devido a deficiências dos procedimentos de recolha de informação estatística.
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Economia Informal em Portugal 5
excluído. (…) O segundo problema é a dependência de muitos métodos de estimação de
hipóteses simplistas que não se justificam.”
Um segundo entendimento do que é a Economia Informal, igualmente frequente, é o de que esta
corresponde às actividades económicas em que não são cumpridas as obrigações fiscais,
nomeadamente as obrigações de declaração. A esta parcela da actividade económica, Feige
(1990) chama “economia não declarada”. As mesmas estimativas sobre a dimensão da Economia
Informal que são invocadas como correspondendo à economia não registada são, muitas vezes,
utilizadas como estimativa da economia não declarada.
Antes de avançar para outros entendimentos possíveis do conceito de Economia Informal
importa notar que a relação entre a economia não declarada e a economia não registada pode,
pelo menos teoricamente, ser muito ténue (Vito Tanzi, 1999). Em primeiro lugar porque, como
se referiu, os valores oficiais do PIB incluem já estimativas para a economia não observada que,
em parte considerável, corresponde à economia não declarada. A economia não declarada está,
portanto, muitas vezes, pelo menos parcialmente incluída na “economia registada”.
Outra razão para que não haja relação estreita entre a economia não registada e a economia não
declarada prende-se com os diferentes objectivos da Contabilidade Nacional e do Fisco. Na
contabilização do PIB, e de outras grandezas semelhantes, as autoridades estatísticas estão a
procurar medir a actividade produtiva do país. As actividades económicas de carácter
redistributivo, nomeadamente as que envolvem aplicações de capitais, legais ou ilegais, não são,
nem devem ser, tidas em conta no PIB, porque não correspondem a actividades produtivas. Logo,
não integram a economia não registada. Mas podem gerar obrigações fiscais que, quando não
cumpridas, as configurem como economia não declarada. Por outro lado, podem existir
actividades produtivas não registadas que, por exemplo, por não atingirem certos limiares que
sejam condição da obrigação de declaração ao fisco, não constituam economia não declarada.
Um terceiro entendimento de Economia Informal é o de que a informalidade decorre da
ilegalidade das actividades económicas desenvolvidas: é a “economia ilegal”, de acordo com a
taxinomia de Feige (1990). Em princípio, o não cumprimento das obrigações fiscais configura, em
si mesmo, uma ilegalidade, pelo que a economia não declarada seria parte da economia ilegal. No
entanto, os autores que utilizam o conceito de “economia ilegal” têm, em geral, em mente a
ilegalidade que decorre da natureza da actividade desenvolvida e não a que resulta do mero
incumprimento das obrigações fiscais: estão a pensar em actividades como o tráfico de droga, o
roubo, etc. Dependendo do ordenamento jurídico, estas actividades podem, ou não, gerar
obrigações fiscais. Se essa obrigação existir, a economia ilegal é parte da economia não declarada.
Mas se a obrigação não existir, não há qualquer sobreposição entre os dois conceitos.
A relação entre a economia ilegal e a economia não registada é também pouco clara. Novamente,
na contabilização do PIB, as autoridades estatísticas procuram medir a actividade produtiva. Na
medida em que sejam capazes de as elaborar, as autoridades estatísticas devem incluir nos
valores oficiais do PIB as suas estimativas das actividades produtivas ilegais, como o tráfico de
droga, a prática ilegal de actos médicos, etc. Mas não devem incluir as actividades ilegais não
produtivas, como o roubo ou a obtenção fraudulenta de apoios públicos. No entanto, certos
trabalhos sobre a Economia Informal dão grande destaque a este último tópico: por exemplo, no
relatório sobre a Economia Informal que preparou para o Tesouro britânico, Lord Grabiner
(2000) dá especial atenção a medidas que possam reduzir a fraude na obtenção indevida de
benefícios públicos.
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6 Relatório Final
Como resulta do anteriormente exposto, parte da economia ilegal deveria ser incluída na
contabilização do PIB. A capacidade das instituições estatísticas para estimar o valor da produção
ilegal é, no entanto, limitada, não sendo claro em que medida conseguem cumprir aquele
objectivo. Para além disso, essa capacidade varia de país para país. Por este motivo, os
organismos estatísticos da União Europeia têm optado por não incluir a economia ilegal nos
valores do PIB que publicam. A interpretação e a comparação internacional de estimativas sobre
a importância da economia ilegal e o seu peso no PIB são também muito dificultadas pelo facto de
a noção de “ilegal” variar no espaço e no tempo. Por exemplo, mesmo no espaço da União
Europeia, a prostituição ou o comércio de drogas leves são ilegais nuns países e legais noutros. E
o estatuto legal de certas actividades altera-se ao longo do tempo, como recentemente
aconteceu com o aborto em Portugal.
Depois de definir economia não registada, economia não declarada e economia ilegal, Feige
(1990) apresenta ainda uma definição de Economia Informal, strictu senso: “(…) a Economia
Informal compreende aquelas actividades económicas que evitam os custos e são excluídas dos
benefícios e direitos inerentes às leis e regras administrativas que regulam as relações de
propriedade, o licenciamento comercial, os contratos de trabalho, a responsabilidade civil, o
crédito e os sistemas de segurança social.” O autor não esclarece porém como é que esta última
definição se relaciona com as anteriores, embora pareça que a Economia Informal, assim
entendida, engloba a economia não declarada e a economia ilegal mas não necessariamente a
economia não registada.
O conceito de Economia Informal é muito utilizado no âmbito da análise de questões de índole
laboral. Em 1993, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) adoptou uma definição de
Economia Informal, baseada na empresa, segundo a qual aquela é nomeadamente constituída por
todas as empresas abaixo de um determinado limiar de dimensão (a definir em cada país) e/ou
por todas as empresas não registadas ao abrigo dos normativos nacionais relevantes ou cujos
trabalhadores não estão registados. Mais recentemente, em 2003, a mesma organização adoptou
igualmente uma definição de “emprego informal”, baseada na pessoa que desenvolve a actividade.
Sinteticamente, esta definição considera informal todo o emprego na Economia Informal (de
acordo com a definição anterior) bem como o emprego na economia formal que escapa à
legislação de trabalho, fiscal e de protecção social (Ralf Hussmanns, 2005).
Esta última definição remete para o facto de que as fronteiras entre a economia formal e informal
são fluidas. Parte substancial da Economia Informal é desenvolvida por empresas formalmente
constituídas e que cumprem muitas, mas não todas, as suas obrigações legais: os mesmos agentes
económicos estão, frequentemente, presentes na economia formal e na Economia Informal. A
contraposição dicotómica da Economia Informal à economia formal corresponde,
consequentemente, a uma visão demasiado simplista da realidade empresarial: como notam a
Development Economics e a Bannock Consulting (Development Alternatives Inc. and Bannock
Consulting Ltd., 2005), num documento produzido para a agência do governo americano para o
apoio ao desenvolvimento, “(…) há um contínuo entre a formalidade e a informalidade. Poucas
empresas respeitam a totalidade das regras relativas ao comportamento empresarial, assim como
poucas não respeitam nenhuma.”
A Economia Informal é, portanto, um fenómeno multifacetado, podendo incluir, dependendo da
forma como seja entendida a expressão, actividades como as seguintes:
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Economia Informal em Portugal 7
• Actividades criminosas como o roubo, o tráfico de droga, a promoção da imigração
ilegal ou o contrabando;
• Fraudes, mais ou menos sofisticadas, destinadas a obter do Estado benefícios ou
reembolsos fiscais a que o promotor não tem direito, nalguns casos associadas a crimes
de usurpação de identidade;
• Negócios financeiros, nomeadamente de aplicação de poupanças, ao arrepio das normas
vigentes;
• Ocultação de rendimentos empresariais, por via da ocultação de parte dos proveitos ou
da sobre-declaração dos custos, de forma a minimizar o imposto a pagar,
nomeadamente no caso dos serviços aos consumidores;
• A não declaração de trabalhadores para ocultar a violação de normas de residência,
idade legal de trabalho ou outras;
• A não declaração da totalidade das horas trabalhadas pelos trabalhadores, a que
normalmente anda associado a realização de pagamentos em dinheiro ou espécie não
declarados e o não pagamento integral das contribuições sociais devidas;
• O desrespeito por normas de segurança no trabalho, de qualidade ou ambientais;
• A realização de trabalho não declarado para não perder o acesso a benefícios sociais,
como o subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção;
• A troca de favores, por exemplo em actividades agrícolas, quando alguém colabora nas
actividades dos seus vizinhos em troca de uma colaboração recíproca.
Esta lista, que está muito longe de ser exaustiva, mostra, como afirmam Schneider e Enste (2000)
na recensão que publicaram no Journal of Economic Literature, onde utilizam a designação
economia sombra, que “(…) uma definição precisa parece bastante difícil, se não impossível (…)”.
Mas mostra também que uma abordagem operacional ao fenómeno não dispensa a sua
segmentação: os diversos aspectos da Economia Informal não têm todos as mesmas causas, nem
os mesmos efeitos e não têm todos certamente a mesma gravidade.
O Conselho de Orientação Estratégica deste estudo decidiu que, no seu desenvolvimento, se
deveria adoptar uma noção lata de informalidade, não se devendo focar exclusivamente o
desrespeito pelos normativos fiscais. Deveriam ter-se em conta tanto actividades produtivas
como actividades de índole redistributiva, como é o caso da obtenção indevida de apoios
públicos. Entendeu, no entanto, que se deveria excluir do estudo a economia ilegal, pela
especificidade dos problemas que suscita e pela diferente natureza das suas motivações.
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Economia Informal em Portugal 9
3 O Peso da Economia Informal: Métodos e Estimativas A quantificação da Economia Informal é, pela própria natureza do
fenómeno, um exercício difícil. Por um lado, como documentado no
capítulo anterior, as suas fronteiras são ambíguas e a dimensão da
Economia Informal depende obviamente daquilo que se entenda por
tal designação. Por outro, a informalidade reflecte, em muitos casos,
uma opção deliberada pela ocultação da actividade, não sendo
portanto de esperar que os agentes económicos que a levam a cabo
colaborem na sua quantificação.
A literatura apresenta um conjunto bastante diversificado de
métodos que procuram ultrapassar estas dificuldades. A primeira
secção deste capítulo procede a uma breve revisão deste tema e
mostra que nenhum dos métodos está isento de problemas. Alguns
métodos procuram ultrapassar o propósito de ocultação dos agentes
económicos e medir directamente a Economia Informal. Outros,
procuram fazê-lo indirectamente, com base nos indícios que a
existência de informalidade deixa em vários indicadores.
A secção final do capítulo apresenta algumas estimativas do peso da
Economia Informal na economia portuguesa e de outros países. Para
o nosso país, a estimativa mais frequentemente citada aponta para
que a Economia Informal corresponda a cerca de 23% do PIB. Os
problemas inerentes aos diferentes métodos disponíveis para a sua
quantificação justificam, contudo, que estas estimativas sejam
encaradas com prudência: embora a Economia Informal pareça
representar uma fatia importante, e provavelmente crescente, da
actividade económica, diferentes métodos atribuem-lhe uma
importância muito diversa.
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10 Relatório Final
Métodos de Medição da Economia Informal
Na apresentação dos métodos disponíveis para a quantificação da Economia Informal seguimos a
sistematização proposta por Friedrich Schneider, o autor mais frequentemente citado nesta
matéria. Schneider (2005) começa por dividir os métodos disponíveis em métodos directos e
métodos indirectos.
Ilustração 3-1 - Métodos de quantificação da Economia Informal
Inquéritos
Métodos directos
Auditorias
Despesa – Rendimento
Tipos de métodos Participação na força
de trabalho
Transacções
Métodos indirectos
Procura de moeda
Inputs físicos
Modelos
Os métodos directos, como a designação sugere, procuram medir directamente a actividade
informal, junto dos agentes económicos que a levam a cabo. Um primeiro tipo de método
directo consiste na realização de inquéritos de resposta voluntária, geralmente junto dos
agregados familiares, incluindo perguntas sobre a participação em actividades económicas
informais ou sobre o rendimento obtido em actividades dessa natureza. Este método tem a
vantagem de permitir obter informação muito desagregada sobre a estrutura da actividade
económica informal, bem como o de permitir cruzar essa informação com outras características
dos agentes económicos que a levam a cabo, permitindo dessa forma testar hipóteses sobre as
causas e efeitos da informalidade. No entanto, tem as desvantagens de qualquer procedimento de
inquirição. A credibilidade dos resultados depende da capacidade para inquirir uma amostra
representativa e da obtenção de respostas verdadeiras às perguntas formuladas, o que, para o
tema em apreço, não se pode tomar como certo.
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Economia Informal em Portugal 11
Um segundo tipo de método directo assenta na auditoria fiscal aos contribuintes: admitindo-se
que os montantes de evasão que a administração encontre entre os contribuintes que audita
possam ser extrapolados para o universo dos contribuintes, obtém-se uma estimativa da
Economia Informal. Tal como no caso anterior, a possibilidade desta extrapolação depende
criticamente da representatividade da amostra. Ora, há duas razões principais pelas quais, em
geral, a amostra não será representativa. Por um lado, é do interesse da administração fiscal fazer
incidir o seu esforço de auditoria sobre os contribuintes, ou classes de contribuintes, com maior
probabilidade de incumprimento, o que leva a supor que a estimativa da Economia Informal
obtida por esta via tenderia a ser exagerada. Por outro lado, e apontando no sentido contrário, a
Economia Informal realmente bem sucedida tende a escapar às auditorias ficais. Finalmente, como
notado no capítulo anterior, coloca-se a questão do que é que se está tentar medir, uma vez que
a evasão fiscal não coincide necessariamente com um conceito abrangente de Economia Informal.
Em vez de procurar medir directamente a actividade informal, os métodos indirectos
procuram deduzir a sua importância a partir dos indícios que deixa em determinadas variáveis
macroeconómicas. Um primeiro método indirecto assenta numa igualdade contabilística
macroeconómica fundamental: o produto medido pela óptica da despesa deve necessariamente
ser igual ao produto medido pela óptica do rendimento.4 O método assume que qualquer
diferença entre o rendimento e a despesa registados pelos organismos estatísticos se deve à
Economia Informal. Porque o que está em causa é a comparação entre medidas alternativas do
produto, este método, se fiável, produziria apenas uma estimativa da Economia Informal
relacionada com a actividade produtiva, não incluindo os seus aspectos redistributivos. No
entanto, a medição daquelas variáveis macroeconómicas envolve sempre um considerável
número de erros e omissões que tornam as estimativas obtidas desta forma pouco credíveis:
para lá da Economia Informal, há muitos outros fenómenos que podem justificar discrepâncias
entre despesa e rendimento observados pelas entidades estatísticas.
Um segundo método indirecto assume que a participação da população na força de trabalho é
estável e que, portanto, as flutuações nas taxas de actividade detectadas pelas entidades oficiais
corresponderão, na realidade, a transições entre o mercado de trabalho formal e informal. O
resultado da aplicação deste tipo de método é uma estimativa da força de trabalho envolvida na
Economia Informal e não directamente do valor económico das actividades informais. O método
não tem em conta que, para lá das transições entre economia formal e informal, há diversos
outros fenómenos que afectam a taxa de actividade. Não tem igualmente em conta que muitos
trabalhadores participam simultaneamente em actividades formais e informais.
O método das transacções, inicialmente proposto por Feige (1979), é uma terceira alternativa.
Este método baseia-se na conhecida equação de Fisher, MV = pT, segundo a qual o valor dos
pagamentos (MV, em que M é o volume de meios de pagamento e V a velocidade da sua
circulação) é necessariamente igual ao valor das transacções (pT, em que p é o nível de preços e
T a quantidade de transacções). O valor das transacções formais é estimado a partir das Contas
Nacionais e o volume de pagamentos a partir de estatísticas bancárias e de uma estimativa de V.
As discrepâncias entre o valor estimado para pagamentos e transacções é, segundo este método,
a estimativa da Economia Informal. O método é muito exigente, quanto à informação necessária
4 Depois de feitos os necessários ajustamentos para ter em conta que em conta que a medida do produto que se obtém é, num caso, bruta e a preços de mercado e, no outro, líquida e a custo de factores.
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12 Relatório Final
para a sua implementação, pelo que muito raramente foi aplicado fora dos países mais
desenvolvidos.
O método da procura de moeda é um dos mais utilizados. Este método assume que as
transacções na Economia Informal se fazem em dinheiro, para limitar os indícios detectáveis pelas
autoridades. Por isso, variações na dimensão da Economia Informal traduzir-se-ão em variações
na procura de dinheiro. Utilizam-se métodos econométricos para estimar a procura por dinheiro
que seria expectável na ausência de Economia Informal e a sua comparação com a procura de
dinheiro efectivamente verificada fornece uma estimativa do valor que esta assume. O
pressuposto de que a Economia Informal corresponde a transacções em dinheiro é, no entanto,
limitativo: certas transacções, apesar de informais, utilizam meios de pagamento bancário
enquanto outras se fazem por troca directa. Outra dificuldade é que a utilização do método exige
a estimação de parâmetros para um ano base em que a Economia Informal não existisse: sendo
duvidoso que isso alguma vez tenha acontecido, a escolha do ano base pode ter forte impacto
nas estimativas obtidas. A maioria das aplicações do método assume que a velocidade de
circulação do dinheiro é igual na economia formal e informal, facto acerca do qual não há
qualquer evidência e que é duvidoso. Finalmente, importa notar que, em economias abertas, os
pagamentos não ocorrem necessariamente na moeda do país em que as transacções informais
ocorreram, o que reduz a fiabilidade do método.
O método dos inputs, de que existem várias versões, é outro dos mais frequentemente aplicados.
O método baseia-se na noção de que há certos factores de produção, nomeadamente a
electricidade, que são utilizados tanto na economia formal, como na informal.5 Na sua versão
mais simples, o método assume que o consumo de electricidade cresce de forma estritamente
proporcional ao da produção total, formal e informal. Consequentemente, as diferenças entre as
taxas de variação da produção oficialmente registada e do consumo de electricidade medem a
taxa de variação da Economia Informal. Para converter estas taxas de crescimento numa
estimativa do valor da Economia Informal é necessário, tal como no método anterior, assumir
que em determinado ano base a Economia Informal não existia, o que é problemático. Outros
inconvenientes do método são não ter em conta que certas actividades informais utilizam pouca
ou nenhuma electricidade e que a eficiência na utilização de energia tem variado ao longo do
tempo e não é uniforme, de país para país. Também não tem em conta que, nomeadamente nos
países em desenvolvimento, o aumento do consumo de electricidade é, em grande medida,
explicado pelo processo de urbanização.
Finalmente, temos o método dos modelos, o mais conhecido dos quais é o MIMIC (multiple
indicator, multiple cause). Este método baseia-se na construção de um modelo de equações
estruturais que relacionam um índice que mede a Economia Informal, que se pretende estimar,
respectivamente com as suas causas (por exemplo, o nível de fiscalidade) e os seus efeitos (por
exemplo, a procura de dinheiro).6 Este método tem sido criticado pela falta de sustentação
teórica para as causas e efeitos considerados e pela sensibilidade dos resultados, quer às
5 Certas versões deste método são utilizadas pelos organismos estatísticos oficiais nas estimativas que fazem sobre o real valor da produção de certos sectores. Por exemplo, o valor da produção da construção civil é ajustado tendo em conta o consumo de cimento.
6 As causas e efeitos da Economia Informal são o tema dos dois capítulos seguintes.
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Economia Informal em Portugal 13
amostras escolhidas, quer a transformações nos dados e nas unidades de medida (Trevor
Breusch, 2005b).
Em síntese, a literatura oferece uma panóplia de métodos para medir a Economia Informal. No
entanto, nenhum deles está isento de problemas e a escolha do método utilizado é, muitas vezes,
ditada mais por questões pragmáticas relacionadas com os dados a que o investigador tem acesso
do que pelo mérito relativo do método. Quando possível, a utilização simultânea de mais do que
um método parece recomendável, para verificar a robustez das estimativas obtidas.
Estimativas da Importância da Economia Informal
Nas últimas décadas, tem-se vindo a firmar a opinião de que a Economia Informal assume
proporções importantes, mesmo nas economias mais desenvolvidas e que o seu peso na
actividade económica tem vindo a aumentar, como mostram as seguintes citações:
• “A economia sombra ou subterrânea é, por todo o mundo, um facto da vida e há fortes
indicações de que está a aumentar.” (Friedrich Schneider and Dominik H. Enste, 2000);
• “(…) O resultado destas mudanças [as transformações em curso na economia mundial]
foi que, em muitos países, o emprego se tem tornado progressivamente informal (…)”(United
Nations Economic and Social Council, 2006);
• “(…) os vários métodos utilizados para ‘medir’ a informalidade (…) mostram todos que
a informalidade é grande e está a aumentar rapidamente (…) (Vincent Palmade and Andrea
Anayotos, 2005);
Nesta secção do relatório, revemos alguma da evidência empírica existente acerca do fenómeno.
Métodos indirectos
Dada a dificuldade de medir directamente a Economia Informal, os métodos indirectos têm sido
os mais utilizados para a quantificar. Embora o assunto tenha merecido a atenção de inúmeros
autores, Friedrich Schneider tem-se afirmado como a principal referência neste domínio, com
uma extensa lista de trabalhos, seja isoladamente (Friedrich Schneider, 2005, 1997, 2003, 2002,
2004), seja em co-autoria (Christopher Bajada and Friedrich Schneider, 2005, Boyan Belev et al.,
2003, Andreas Bühn et al., 2007, Axel Dreher and Friedrich Schneider, 2006, Friedrich Schneider
and Dominik H. Enste, 2000, Friedrich Schneider and Markus Hofreither, 1986, Friedrich
Schneider and Robert Klinglmair, 2004, Friedrich Schneider and Fatih Savasan, 2007).
De um dos seus trabalhos mais recentes (Friedrich Schneider, 2005), em que utiliza dados de 110
países, pode-se extrair a imagem da importância da Economia Informal constante do Quadro 3.1.
A Economia Informal parece ter uma importância muito diversa em diferentes zonas do mundo.
Olhando ao último período para que há dados para todo o mundo, 1999/2000, a África e a
América do Centro e do Sul são as zonas onde é mais relevante, ultrapassando os 40% da
actividade económica. Nos países ditos em transição, tem um peso apenas ligeiramente menor,
de cerca de 38%. A sua importância na Ásia parece ser menos significativa, embora ultrapasse um
quarto da actividade económica. Finalmente, nos países da OCDE, que inclui as economias mais
desenvolvidas do mundo, tem um peso médio de 17%.
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14 Relatório Final
Quadro 3.1 – Importância da Economia Informal em diferentes zonas do mundo (% do PIB oficial)
89/90 90/91 94/95 99/00 01/02 02/03
América do Centro e Sul - 34,2 37,7 41,5 - -
África - 33,9 37,4 41,2 - -
Ásia - 20,9 23,4 26,3 - -
Países em transição (Leste Europeu) - 31,5 34,6 37,9 - -
OCDE 13,2 - 15,7 16,8 16,7 16,4
Fonte: Schneider (2005); os valores apresentados são médias não ponderadas do peso da Economia Informal nos países que constituem cada zona.
Vale a pena assinalar que a Economia Informal é, geralmente, constituída por actividades trabalho-
intensivas, pelo que o seu peso no emprego tenderá a ser muito superior ao que tem na
actividade económica: certas estimativas apontam para que nos países em desenvolvimento a
Economia Informal represente mais de 60% do emprego.
Para lá de mostrar que a Economia Informal é relevante, embora com peso diverso em zonas
geográficas diferentes, o Quadro 3.1 indica, igualmente que o seu rácio no PIB cresceu
significativamente, ao longo da década de 90, em todo o mundo: o crescimento variou entre um
mínimo de 3,6 pontos percentuais na OCDE (de 89/90 a 99/00) e um máximo de 7,3 pontos
percentuais em África e na América do Centro e Sul (de 90/91 a 99/00).
O Quadro 3.2 desagrega, por país, os dados relativos à Economia Informal na OCDE. Neste
universo mais restrito, são novamente visíveis as duas tendências que marcam os dados a nível
mundial. Por um lado, uma grande diversidade de situações: o peso da Economia Informal no PIB
varia entre os 8,6% dos EUA e os 28,3% da Grécia. Por outro, quando se compara o primeiro e o
último dos períodos, uma tendência geral de aumento do peso da Economia Informal, a que não
escapa nenhum dos países analisados.
Uma análise mais detalhada, mostra que Grécia, Itália, Portugal e Espanha são os países em que a
Economia Informal assume maior relevância, correspondendo aos estereótipos que existem
sobre o sul da Europa. No entanto, mais a norte, na Bélgica, o peso da Economia Informal no PIB
é muito semelhante. Já menos conforme aos estereótipos é a situação dos países nórdicos,
frequentemente apresentados como paradigma em matéria de respeito pelos normativos legais:
de facto, a Noruega, Dinamarca, Finlândia e Suécia surgem, logo depois dos países do sul da
Europa, como o segundo grupo de países com maior peso da Economia Informal, ligeiramente
acima da média do conjunto da OCDE. Dentro da Europa, os países claramente abaixo da média
são apenas a Holanda, a Grã-Bretanha, a Áustria e a Suíça. Nos países não europeus incluídos no
quadro, que com a excepção do Japão se podem considerar todos anglo-saxónicos, o peso da
Economia Informal no PIB é inferior à média da OCDE.
Portugal surge, neste quadro, com a terceira percentagem mais elevada de Economia Informal no
PIB (22,3% do PIB, em 2002/2003) e como segundo país em que este rácio apresentou um
crescimento mais elevado no período estudado (6,4 pontos percentuais entre 1989/1990 e
2002/2003). Estes elementos sugerem que a Economia Informal é, no nosso país, um problema
importante. No entanto, note-se que o crescimento na importância da Economia Informal se
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Economia Informal em Portugal 15
verificou, segundo Schneider (2005), quase exclusivamente entre 1989/1990 e 1994/1995: desde
então, o seu peso no PIB tem-se mantido estável, na casa dos 22 a 23%.
Quadro 3.2 – Importância da Economia Informal nos países da OCDE (% do PIB oficial)
89/90 94/95 97/98 99/00 01/02 02/03
Estados Unidos da América 6,7 8,8 8,9 8,7 8,7 8,6
Suíça 6,7 7,8 8,1 8,6 9,4 9,5
Áustria 6,9 8,6 9,0 9,8 10,6 10,8
Japão 8,8 10,6 11,1 11,2 11,1 11,0
Grã-Bretanha 9,6 12,5 13,0 12,7 12,5 12,3
Nova Zelândia 9,2 11,3 11,9 12,8 12,6 12,4
Holanda 11,9 13,7 13,5 13,1 13,0 12,8
Austrália 10,1 13,5 14,0 14,3 14,1 13,8
França 9,0 14,5 14,9 15,2 15,0 14,8
Canadá 12,8 14,8 16,2 16,0 15,8 15,4
Irlanda 11,0 15,4 16,2 15,9 15,7 15,5
Alemanha 11,8 13,5 14,9 16,0 16,3 16,8
Dinamarca 10,8 17,8 18,3 18,0 17,9 17,5
Finlândia 13,4 18,2 18,9 18,1 18,0 17,6
Noruega 14,8 18,2 19,6 19,1 19,0 18,7
Suécia 15,8 19,5 19,9 19,2 19,1 18,7
Bélgica 19,3 21,5 22,5 22,2 22,0 21,5
Espanha 16,1 22,4 23,1 22,7 22,5 22,3
Portugal 15,9 22,1 23,1 22,7 22,5 22,3
Itália 22,8 26,0 27,3 27,1 27,0 26,2
Grécia 22,6 28,6 29,0 28,7 28,5 28,3
Média não ponderada 13,2 15,7 16,7 16,8 16,7 16,4
Fonte: Schneider (2005).
Algumas dúvidas
Apesar da ampla divulgação que têm tido, da sua publicação em revistas científicas de prestígio e
da sua frequente citação por entidades oficiais, a nível nacional e internacional, os resultados de
Schneider têm sido questionados por alguns autores.
A primeira questão que suscitam é a do objecto da medição. O que significam as percentagens
determinadas por Schneider? Qual o conceito de Economia Informal utilizado?
O autor (Friedrich Schneider, 2005) define desta forma o que pretende medir: “A economia
sombra inclui toda a produção legal de bens e serviços baseada no mercado que é
deliberadamente escondida das autoridades públicas por uma das seguintes razões: (1) para evitar
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16 Relatório Final
o pagamento de impostos sobre o rendimento, o valor acrescentado ou outros, (2) para evitar o
pagamento de contribuições para a segurança social, (3) para evitar o cumprimento de certos
normativos legais e índole laboral, como salários mínimos, horários máximos de trabalho, normas
de segurança, etc., e (4) para evitar cumprir certos procedimentos administrativos (…).”
A definição anterior exclui, como Schneider (2005) afirma expressamente, actividades ilegais,
como o roubo ou o tráfico de droga, bem como as actividades domésticas de produção de bens
e serviços que não se destinam ao mercado. O autor afirma, igualmente, que o objectivo do
artigo não é estimar a evasão ou o cumprimento fiscal que, segundo ele, é um assunto diferente,
embora relacionado.
Não parece, portanto, que os números apresentados por Schneider (2005) tenham o significado
que frequentemente lhes é atribuído. Por um lado, não correspondem ao PIB “não registado”, ou
seja ao valor que se deveria acrescentar ao PIB oficial para ter o verdadeiro montante da
produção do país. Isto, quer porque não incluem actividades que seriam relevantes para esse
cálculo, nomeadamente as de índole ilegal, quer porque não excluem actividades que, apesar de
ocultadas das autoridades públicas, já são captadas pelas estimações e ajustamentos efectuados
pelos organismos estatísticos oficiais. Mas não devem também ser entendidos como uma medida
da evasão fiscal. Desde logo, porque o autor afirma que não o são. Depois, porque excluem
actividades ilegais que podem gerar obrigações fiscais. Finalmente, porque se referem
exclusivamente a actividades produtivas, não incluindo actividades redistributivas que igualmente
geram esse tipo de obrigação.7
Um segundo grupo de questões prende-se com os métodos utilizados pelo autor. Para obter as
suas estimativas, Schneider (2005) utiliza uma combinação do método dos modelos (uma versão
do modelo MIMIC) com o método da procura de moeda. Estes métodos apresentam problemas
que já foram mencionados anteriormente: em particular, Breusch (2005a, 2005b) demonstra que
estes métodos não são robustos. Num outro artigo, este mesmo autor (Trevor Breusch, 2006) é
ainda mais crítico: segundo ele, nenhum dos artigos de Schneider apresenta uma descrição
suficientemente detalhada dos métodos e dados utilizados para que outro autor possa replicar, e
portanto validar, os resultados obtidos. Mas independentemente da questão da fiabilidade da
metodologia utilizada, Schneider não explica nunca como é que a aplicação destes métodos
resultaria numa quantificação da economia sombra de acordo com a definição supra.
A questão do método utilizado não é de somenos: é bem conhecido que os resultados relativos à
importância da Economia Informal apresentam grande variabilidade, nomeadamente em função
dos métodos utilizados, um facto que Schneider e Enste reconhecem (Friedrich Schneider and
Dominik H. Enste, 2000). Tanzi (1999), por exemplo, refere que, nos estudos que consultou, o
peso da Economia Informal varia entre 1,4% e 47,1% para o Canadá, 6,2% e 19,4% para os EUA e
14,5% e 31,4% para a Alemanha.
Finalmente, quando analisados em detalhe, muitos dos resultados de Schneider (2005) suscitam
alguma perplexidade. Por exemplo, no Quadro 3.1 verificamos que o nível de Economia Informal
7 Apesar destas reservas. em entrevista com o anterior Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Amaral Tomaz, os números de Schneider, que apontam para que a Economia Informal represente cerca de 23% do PIB português, foram-nos citados como sendo a única estimativa concreta sobre a importância do fenómeno de que dispõe o Governo, embora estejam a ser desenvolvidos esforços para desenvolver estimativas próprias.
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Economia Informal em Portugal 17
na América do Centro e Sul é sensivelmente igual ao que encontra em África o que, apesar de
todos os problemas das economias do continente americano, parece pouco plausível. Como
parecem pouco plausíveis as diferenças que Schneider (2005) encontra entre certos países: por
exemplo, segundo este autor, a Economia Informal representa apenas 19,4% do PIB da Indonésia
(rácio sensivelmente menor do que em Portugal e muito próximo da média da OCDE), mas
52,6% do PIB da vizinha Tailândia.
O crescimento do peso da Economia Informal no PIB detectado por Schneider (2005) também
não deixa de surpreender, sobretudo pela sua universalidade: segundo os resultados do autor, ao
longo da década de 90, o peso da Economia Informal no PIB aumentou em todos os 110 países
que estudou, sem uma única excepção! Se bem que haja múltiplos factores que tornam plausível
uma tendência para o crescimento da Economia Informal, note-se que o que Schneider está a
afirmar não é apenas que ela cresceu; é que, em todos os países estudados, cresceu mais do que
o PIB, apesar da enorme diversidade desses países.
Os valores do Quadro 3.3, retirados de um trabalho anterior do autor, sugerem que o
crescimento do peso da Economia Informal é uma tendência de longo prazo das economias mais
desenvolvidas. Mas os valores, quase nulos, apresentados para a Economia Informal em 1960 não
podem deixar de causar estranheza: sendo certo que o peso do Estado na economia e a carga
fiscal eram então substancialmente mais baixos do que na actualidade, o que terá incentivado o
crescimento da informalidade, não se pode, em contrapartida, deixar de notar que o sector
agrícola, reconhecidamente marcado por uma considerável informalidade, tinha na altura uma
importância económica bastante mais elevada do que tem actualmente e que os instrumentos de
que o Estado dispunha para controlar a actividade económica eram consideravelmente menos
sofisticados do que os actuais, pelo que não parece plausível que a Economia Informal fosse tão
pouco relevante.
Quadro 3.3 – Peso da Economia Informal no PNB, 1960-1995
1960 1995
Estados Unidos da América 3,5% 9,5%
Alemanha 2% 13,2%
Áustria 0,5% 7%
Dinamarca 4,5% 17,5%
Noruega 1,5% 18%
Suécia 2% 16%
Suíça 1% 6,7%
Fonte: Schneider (2000)
Finalmente, no que respeita à estimativa apresentada para a Economia Informal em Portugal, que
particularmente nos interessa, apesar da semelhança e integração das duas economias, não pode
deixar de surpreender que o peso da Economia Informal no PIB seja, desde 1997/1998,
rigorosamente idêntico ao apresentado para Espanha, como se pode verificar no Quadro 3.2.
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18 Relatório Final
Métodos directos
Um dos aspectos da Economia Informal é o desrespeito pelos normativos em matéria laboral,
nomeadamente a utilização de trabalho não declarado. A Comissão Europeia realizou recente um
exercício de medição directa do trabalho não declarado na União Europeia por via de um
inquérito levado a cabo pelo consórcio TNS Opinion & Social (2007), no âmbito do
Eurobarómetro. Este exercício incidiu simultaneamente sobre a procura e oferta de trabalho não
declarado: os cidadãos da UE foram inquiridos sobre se, nos últimos doze meses, tinham
adquirido bens ou serviços produzidos por trabalho não declarado, se tinham eles próprios
realizado trabalho não declarado ou se tinham recebido parte do seu vencimento em dinheiro,
sem declaração às autoridades fiscais.
Ilustração 3-2 - Percentagem de inquiridos que declararam ter adquirido, nos últimos 12 meses,
bens ou serviços suspeitando que os mesmos incorporavam trabalho não declarado
Fonte: TNS Opinion & Social (2007)
Como se verifica na Ilustração 3-2, dos inquiridos no conjunto da União Europeia, 6 e 9%
declararam ter adquirido bens ou serviços, respectivamente, nos últimos doze meses,
suspeitando que os mesmos incorporavam trabalho não declarado. A acreditar nos resultados do
inquérito, a aquisição de serviços incorporando trabalho não declarado é particularmente
frequente em países como a Holanda, a Dinamarca, a Letónia e a Suécia, encontrando-se
Portugal, nessa matéria, claramente abaixo da média da UE: 6% dos portugueses admitiram ter
adquirido serviços naquelas condições. Já quanto à aquisição de bens, também com 6% de
respostas positivas, Portugal encontra-se precisamente sobre a média da UE, sendo este
fenómeno particularmente frequente na Letónia e na Dinamarca. No extremo oposto,
Serviços
Bens
Média UE Serviços
Média UE Bens
0%
5%
10%
15%
20%
25%
CY DE ES PL PT FR IE UK RO BG LT FI CZ IT HU EE LU SK EL SI BE MT AT SE LV DK NL
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Economia Informal em Portugal 19
encontram-se os cidadãos de Chipre, apenas 1% dos quais admitiu ter adquirido bens ou serviços
naquelas condições.
Embora estes resultados possam causar surpresa, nomeadamente quanto à importância do
trabalho não declarado nos diferentes países, a verdade é que perguntas orientadas para a oferta
de trabalho não declarado, e não para a sua procura, obtêm respostas bastante consistentes: no
conjunto da União Europeia, 5% dos inquiridos reconhecem ter efectuado pessoalmente algum
tipo de trabalho cujos proveitos não tenham sido integralmente declarados às autoridades. A
Dinamarca é o país onde as respostas afirmativas são mais frequentes (18%), seguida da Letónia e
da Holanda, e Chipre aquele onde são mais escassas (1%). Com 3% de respostas afirmativas,
Portugal encontra-se claramente abaixo da média da UE.
Ilustração 3-3 – Percentagem de inquiridos que declararam ter efectuado, nos últimos doze
meses, alguma actividade cujos proveitos não tenham sido integralmente declarados às
autoridades
Fonte: TNS Opinion & Social (2007)
O interesse próprio condiciona claramente a resposta a uma pergunta como a anterior: quando
a pergunta é se conhecem alguém que tenha efectuado trabalho não declarado, e não se o
fizeram pessoalmente, a percentagem de inquiridos que, no conjunto da UE, respondem
afirmativamente sobe para 38%. No entanto, a ordenação dos vários países não é
significativamente alterada: A Holanda, a Dinamarca e a Letónia, com percentagens acima dos
60%, são os países com mais respostas afirmativas, enquanto Portugal, com 25%, é, logo após o
Reino Unido, o segundo país onde são mais escassas.
Quando as perguntas deixam de incidir sobre as situações que o inquirido conhece pessoalmente,
orientando-se antes para a sua opinião sobre o que se passa, de um modo geral, no país, a
Média UE
0%
2%
4%
6%
8%
10%
12%
14%
16%
18%
20%
CY D-E MT UK DE D-
W
ES IT PT EL FI IE RO BG LU PL SI BE FR SK AT CZ HU LT SE EE NL LV DK
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20 Relatório Final
imagem obtida altera-se substancialmente: como mostra a Ilustração 3-4, a percentagem da
população que os portugueses estimam que não declare a totalidade do seu rendimento é, no
nosso país, claramente mais elevada do que na média da União Europeia.
Ilustração 3-4 – Que percentagem da população do seu país estima que receba a totalidade ou
parte do seu rendimento sem o declarar para efeitos fiscais ou de segurança social?
Fonte: TNS Opinion & Social (2007)
Evidentemente, estes resultados podem ser objecto de interpretações contraditórias. Uma
possibilidade é a de que exista uma divergência entre a imagem que os portugueses têm do país e
a sua realidade: embora estejamos convencidos de que a Economia Informal é muito relevante,
ela não tem a importância económica que supomos. Outra possibilidade é que a Economia
Informal tenha, de facto, considerável importância mas que, por uma questão de prudência,
quando interrogados, os portugueses evitem reconhecer qualquer relação com ela, mesmo que
meramente sob a forma de conhecimento de quem a ela se dedique.
Em qualquer caso, o estudo da TNS Opinion & Social (2007) confirma que a Economia Informal é
um fenómeno comum na União Europeia, estando longe de ser uma especificidade nacional. E,
aliás, sugere que a sua distribuição geográfica poderá eventualmente ser mais uniforme do que a
sugerida por métodos de medição indirecta, como os utilizados por Schneider (2005). No
entanto, há que notar que o tempo dedicado a trabalho não declarado varia também
significativamente, de país para país: de acordo com a TNS Opinion & Social (2007), entre os que
efectuaram trabalho não declarado, o tempo médio que lhe dedicaram nos últimos doze meses
foi de 200 horas; no entanto, nos países do Sul da Europa esta média sobe para 350 horas
enquanto nos nórdicos desce para apenas 60. Por isso, o número de pessoas envolvidas em
trabalho não declarado não é, por si só, um bom indicador da importância económica do
UE27
Portugal
0%
5%
10%
15%
20%
25%
<1% 1%-5% 5%-10% 10%-20% 20%-30% 30%-40% 40%-50% >50%
% da população que não declara parte do rendimento
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Economia Informal em Portugal 21
fenómeno. Este estudo sugere que o trabalho não declarado é muito comum no norte da Europa,
envolvendo grande número de residentes, mas que aí assume geralmente a forma de actividade
ocasional e sem grande expressão económica. Em contrapartida, para as pessoas envolvidas em
trabalho não declarado no sul da Europa, este teria um carácter mais regular e economicamente
mais relevante.
Os métodos de medição directa, como o aqui utilizado, têm a vantagem de permitir investigar
questões conexas, como os motivos que levam os agentes económicos a optar pela informalidade
ou a natureza das actividades que desenvolvem, a que voltaremos em capítulos seguintes. Têm,
no entanto, os seus próprios problemas. Desde logo, os resultados estão dependentes da
veracidade das respostas dos inquiridos: ora, quando, como no caso em apreço, esteja em causa
a realização de um inquérito em diferentes países, existe a possibilidade que diferentes culturas
levem a posturas diferentes nessa matéria. Depois, dependem da capacidade de conseguir uma
amostra representativa. No entanto, a própria importância da Economia Informal pode dificultar
este desiderato. Por exemplo, em países em que exista uma percentagem significativa de
imigrantes em situação irregular, a sua inclusão na amostra tenderá a ser difícil, podendo
distorcer os resultados obtidos. Os seus resultados devem, portanto, ser encarados com cautela.
Outro tipo de método directo, vocacionado especificamente para a medição da evasão fiscal, é o
que assenta em extrapolações feitas a partir de auditorias aos contribuintes. Estes métodos têm
sido utilizados nomeadamente nos EUA e no Reino Unido. A fiabilidade destes métodos é
controversa. Comentando o tema, o Auditor-Geral australiano, tendo em conta a opinião da
administração fiscal do seu país (ATO) afirma o seguinte: “A ATO não tenta estimar a dimensão
do ‘desvio fiscal da economia cash’ (o desvio resultante do uso de dinheiro e consequente não
declaração de rendimentos). A ATO considera, tendo analisado as experiências estrangeiras na
medição do desvio fiscal, que não é possível obter medidas precisas e defensáveis do desvio fiscal
de maneira praticável. A agência entende que o tempo, custo e peso da intrusão na vida dos
contribuintes necessários a um exercício exaustivo excluem a possibilidade de produzir uma tal
estimativa.”(The Auditor-General, 2005)
Em face do que foi dito anteriormente, parece que o mais prudente em matéria de quantificação
da Economia Informal é citar a conclusão de um relatório preparado para o Tesouro britânico
(Lord Grabiner, 2000): “Não é praticável medir a escala da economia escondida de forma
rigorosa. Este relatório limita-se a assumir que ela constitui um problema importante que
necessita de ser enfrentado.”
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Economia Informal em Portugal 23
4 Determinantes da Economia Informal Os elementos apresentados no capítulo anterior sugerem que a
importância da Economia Informal é muito variável de país para pais.
Interessa, portanto, procurar perceber as determinantes do peso que
assume na economia de cada país, como um primeiro passo para
identificar medidas susceptíveis de reduzir a sua dimensão.
A informalidade é, na maioria dos casos, fruto de opções de
responsáveis empresariais e trabalhadores no sentido de realizarem a
sua actividade fora do normal enquadramento legal e regulamentar.
Estas opções são, em grande parte, ditadas por um cálculo
económico, mesmo que meramente intuitivo: realizar formalmente a
actividade permite o acesso a certos benefícios mas tem igualmente
inúmeros custos. Uma política de combate à Economia Informal
passa, necessariamente, por actuar sobre esta relação custo-
benefício.
Evidentemente, a avaliação desta relação custo-benefício não é
unicamente monetária, sendo muito influenciada pelos valores éticos
e morais do decisor. Estes, por sua vez, não são independentes dos
grupos, comunidades ou sociedades em que aquele se insere. A
possibilidade de influenciar as políticas a que está sujeito e a
satisfação com a forma como é tratado pelo Estado parecem
influenciar a forma como os agentes económicos encaram o
cumprimento das suas obrigações.
Certos desenvolvimentos da economia contemporânea têm vindo a
aumentar o número de agentes económicos disponíveis para o
exercício informal da actividade e, simultaneamente, a estimular a
procura pelos seus serviços. Por outro lado, a lógica da análise custo-
benefício presume que o agente económico tem a possibilidade de
escolher entre o exercício formal e informal da actividade. Casos há,
no entanto, em que a informalidade é a única alternativa à
inactividade, sendo mais a expressão de uma necessidade absoluta do
que de uma decisão livre. As questões de oportunidade e necessidade
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24 Relatório Final
encontram-se entre as mais importantes determinantes da Economia
Informal.
A Opção pela Formalidade: Custos e Benefícios
A extensa literatura sobre a Economia Informal apresenta uma não menos extensa lista de
factores que determinam ou, pelo menos, influenciam a importância que este fenómeno assume
nos diversos países. Uma perspectiva económica, que encara a informalidade como o resultado
de uma opção racional, ainda que meramente intuitiva, por parte dos agentes económicos,
permite integrar de forma coerente grande parte dessas determinantes, mesmo que não cubra
integralmente todas as suas facetas.
A existência da Economia Informal reflecte um desajustamento entre os interesses colectivos da
sociedade, tal como entendidos pelo Estado, e os incentivos individuais. O Estado define um
modo normal, “formal”, de desenvolver a actividade económica. No entanto, determinados
agentes económicos, pesando os benefícios e os custos inerentes a esse modo de exercício da
actividade, optam por não o respeitar. Quanto menores os benefícios da formalidade e maiores
os seus custos, mais provável se torna que os agentes económicos optem por exercer a sua
actividade de modo informal (Lord Grabiner, 2000).
Os benefícios de desenvolver a actividade de modo formal são de múltipla ordem. O primeiro de
todos pode ser definido, de forma muito lata, como o direito à protecção da lei. Quem exerce a
sua actividade de modo formal pode, por exemplo, recorrer aos tribunais para defender os seus
direitos, seja em caso de desrespeito pelos contratos que celebrou, de atropelo aos seus direitos
de propriedade, etc. Pode igualmente obter protecção policial ou recorrer ao apoio de outro
tipo de autoridades.
Estes direitos não existem, ou existem em medida mais limitada, para quem exerce a actividade
de modo informal. Quem o faz, aliás, não só não tem o mesmo direito à protecção da lei, como,
pelo contrário, está sujeito a ser por ela perseguido. Na linha da análise económica do crime, de
Becker (1968), a teoria económica sugere que quanto maior a probabilidade de ser penalizado
pelo exercício informal da actividade e quanto maiores as sanções aplicáveis em caso de
penalização, menor o incentivo à informalidade. Andreoni et. al. (1998) apresentam modelos
teóricos que sustentam estas hipóteses no contexto da evasão fiscal mas notam que a evidência
empírica aponta para que o efeito destas variáveis não seja muito forte.
Evidentemente, a importância que estes factores assumem na opção pelo exercício formal da
actividade é condicionado pelo bom funcionamento das instituições, nomeadamente das que
compõem o sistema de justiça. A protecção da lei, para os cumpridores, e a punição, para os
incumpridores, só se materializam se o sistema de justiça for eficaz. Onde o sistema de justiça
seja ineficaz ou mesmo corrupto, o incentivo para a formalização da actividade fica diminuído. A
associação empírica entre a qualidade das instituições, as penalizações previstas para o
incumprimento, a ausência da corrupção e níveis reduzidos de Economia Informal está
comprovada em inúmeros estudos (António R. Antunes and Tiago V. de V. Cavalcanti, 2006b,
Richard J. Cebula, 1997, Lars P. Feld and Bruno S. Frey, 2002, Eric Friedman et al., 2000, Simon
Johnson, Daniel Kaufmann and Pablo Zoido-Lobaton, 1998a, Simon Johnson et al., 1998b, Takashi
Kadokura, 2007, Zoë Kuehn, 2007, David Dreyer Lassen, 2006, Norman V. Loayza and Jamele
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Economia Informal em Portugal 25
Rigolini, 2006). Chong e Gradstein (2007) verificam também que a importância da Economia
Informal é estimulada pela desigualdade na distribuição do rendimento, sobretudo onde as
instituições são de menor qualidade.
Do ponto de vista empresarial, um dos grandes benefícios de actuar de modo formal é o acesso a
um conjunto de mecanismos que permitem sustentar e expandir o negócio. O mais importante
destes mecanismos é o sistema de crédito, mas determinados sistemas públicos de apoio e
incentivo empresarial podem igualmente ser relevantes. Em actividades de grande dimensão, que
na Economia Informal tendem a ser a excepção, o mercado de capitais é também importante.
Quem actua de modo informal tem, em princípio, maior dificuldade no acesso a estes
mecanismos. De notar que o que é aqui relevante é a diferença de facilidade de acesso para quem
actua de modo formal e informal. Se o acesso é muito difícil, mesmo para quem actua de modo
formal, o incentivo à formalização da actividade é diminuído. O mesmo acontece se o acesso for
facilitado a quem actua de modo informal: se o sistema financeiro trata de igual forma quem actua
formal e informalmente não existe incentivo para a formalização da actividade. Antunes e
Cavalcanti (2006a) apresentam um modelo e resultados empíricos que suportam a relevância
deste tipo de determinantes.
Mas para que haja actividade económica informal, não basta que haja empresas interessadas no
seu exercício: é necessário que haja também trabalhadores que aceitem exercer a sua actividade
informalmente. Para os trabalhadores, a formalização da actividade pode trazer importantes
benefícios, como o acesso a mecanismos de protecção social, nomeadamente em caso de
desemprego, doença e velhice. Mas, tal como no caso anterior, o que é aqui relevante é o
acréscimo de benefícios que resulta da opção pelo exercício formal da actividade. Evidentemente,
se os benefícios são reduzidos ou inexistentes, não constituem incentivo à formalização da
actividade.8 Em contrapartida, se estes benefícios são oferecidos de forma universal,
independentemente do exercício formal da actividade, ou se são garantidos desde que se cumpra
determinado período mínimo de actividade formal, podem transformar-se num incentivo à
informalidade: como salientam, entre outros, Schneider e Enste (2000) e Gërxhani (2004), alguns
agentes económicos são incentivados a exercer informalmente a sua actividade para não
perderem o acesso a benefícios sociais, como subsídios de desemprego ou de doença e pensões
de reforma, sem para eles terem que contribuir.
Se tem estes e outros benefícios, a formalização tem também custos. Desde logo, custos fiscais e
de segurança social: as empresas e trabalhadores que exercem a sua actividade formalmente são
chamados a contribuir para o financiamento do Estado. E quanto maior o contributo que lhes for
solicitado, maior será o incentivo à informalidade. A carga fiscal e para-fiscal é a mais estudada
das determinantes do peso da Economia Informal no PIB e existem inúmeros trabalhos que
demonstram a existência de uma correlação positiva entre as duas (Andreas Bühn, Alexander
Karmann and Friedrich Schneider, 2007, Richard J. Cebula, 1997, Steven J. Davis and Magnus
Henrekson, 2004, Lars P. Feld and Bruno S. Frey, 2002, Friedrich Schneider and Dominik H.
Enste, 2000).
8 Por vezes, nomeadamente em países em desenvolvimento, podem até existir organizações inseridas na Economia Informal que sejam capazes de oferecer aos seus colaboradores níveis de protecção superiores aos que o Estado ofereceria.
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26 Relatório Final
A Ilustração 4-1 mostra a relação entre os pesos no PIB da receita fiscal total e da Economia
Informal no PIB, para os países da OCDE, sendo inequívoca a existência de uma relação positiva
entre as duas variáveis, ilustrada pela recta de tendência aí representada. No entanto, apesar
dessa tendência, existem pesos muito diferentes da Economia Informal em países com cargas
fiscais semelhantes. A Itália e a Áustria são o exemplo paradigmático desta situação: embora
ambos os países tenham cargas fiscais que se aproximam de 45% do PIB, a Economia Informal
representa mais de um quarto do produto no primeiro e pouco mais de 10% no segundo. É,
portanto, necessário invocar outros factores para ter uma explicação completa do peso que a
Economia Informal assume. Alguns desses factores correspondem aos benefícios da formalização
já discutidos. Outros prendem-se com diferentes tipos de custos da formalização ou com
factores de natureza extra-económica que abordaremos de seguida.
Ilustração 4-1 - Encargos fiscais e Economia Informal
Fonte: Os dados sobre a Economia Informal têm origem em Schneider (2005); os dados da receita fiscal foram retirados de OCDE (2005).
Há que notar que os elementos retratados na Ilustração 4-1 se referem exclusivamente a países
da OCDE que apresentam, apesar de tudo, alguma homogeneidade, pelo que seria arriscado
procurar dela deduzir uma relação universalmente válida entre carga fiscal e Economia Informal.
De acordo com Friedman et al. (2000), que estudam uma amostra de 69 países, não só da OCDE
mas também da Europa de Leste e da América Latina, quando se analisa conjuntamente o efeito
da carga fiscal e da qualidade das instituições sobre o peso da Economia Informal, a associação
entre carga fiscal e Economia Informal desaparece: é sobretudo a má qualidade das instituições
que parece determinar a importância da Economia Informal. Em países com instituições de
qualidade é possível ter simultaneamente cargas ficais elevadas e pouca Economia Informal. Aliás,
a Ilustração 4-1 sugere que, mesmo nos países da OCDE, este argumento é plausível. De facto,
Grécia
Itália
PortugalEspanhaBélgica
SuéciaNoruega
FinlândiaDinamarcaAlemanha
Irlanda Canadá
FrançaAustrália
HolandaNova ZelândiaGrã-Bretanha
Japão ÁustriaSuíça
EUA
EI = 0,3174IMP + 0,0451
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50% 55%
Receita fiscal no PIB
Economia informal
no PIB
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Economia Informal em Portugal 27
os países que se encontram abaixo da recta de tendência, isto é, que têm menos informalidade
do que se poderia esperar face ao seu nível de fiscalidade, são países que têm a imagem de ter
instituições de boa qualidade. Em contrapartida, os quatro países que mais se distanciam para
cima da recta de tendência, isto é, têm mais informalidade do que se poderia esperar face ao seu
nível de fiscalidade, são Portugal, Espanha, Itália e Grécia, a quem dificilmente se associa a mesma
ideia.
Alguns autores argumentam mesmo que os países tendem a cair numa de duas situações. Alguns
Estados, nomeadamente a maioria dos que constituem a OCDE, oferecem aos seus cidadãos e
empresas um ambiente institucional satisfatório, com bons serviços públicos e níveis reduzidos de
corrupção. Isto faz com que o incentivo para fugir para a Economia Informal seja limitado, o que
permite ao Estado cobrar receitas fiscais elevadas que sustentam o bom ambiente institucional,
sem que as taxas de imposto tenham que ser exorbitantes. É o que se poderia chamar um
equilíbrio virtuoso. Em contrapartida, outros países caem num equilíbrio perverso, retratado na
Ilustração 4-2.
Ilustração 4-2 – Um equilíbrio perverso de informalidade
O mau funcionamento das instituições e a corrupção empurram parte substancial da actividade
económica para a informalidade. A informalidade, aliada ao próprio mau funcionamento das
instituições e à corrupção, levam a que o Estado obtenha receitas fiscais reduzidas. Estas receitas
fiscais reduzidas não permitem sustentar instituições de boa qualidade nem garantir rendimentos
razoáveis aos seus funcionários, o que alimenta a corrupção. E, neste ambiente, o Estado é levado
a cobrar taxas de imposto muito elevadas sobre a parcela da economia que consegue controlar.
Uma vez que um Estado caia neste equilíbrio perverso, o combate à informalidade é uma tarefa
de enorme dificuldade: como referem Johnson et. al. (1998b), citando estudos sobre os países em
transição no leste europeu “(…) existe evidência de uma espiral descendente na qual as
empresas que abandonam a economia oficial reduzem as receitas do Estado, o que reduz o
Taxas de imposto elevadas
Mau funcionamento das instituições
Corrupção
Economia Informal Receita fiscal reduzida
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28 Relatório Final
fornecimento de serviços públicos e reduz ainda mais o incentivo para participar no sector oficial.
A maioria da antiga União Soviética terminou num ‘mau’ equilíbrio com receitas fiscais reduzidas,
uma economia não-oficial importante em percentagem do PIB e má qualidade dos serviços
públicos.”
Para lá dos de ordem fiscal e para-fiscal, um segundo tipo de custos associados à formalização da
actividade são os que se prendem com o cumprimento de normas, nomeadamente no âmbito da
qualidade dos produtos e serviços, da segurança, do ambiente, do mercado laboral, etc. Há
também que considerar, frequentemente associados a estes, os custos de cumprimento de
obrigações administrativas e burocráticas, que são evitados por quem actua de modo informal:
registos, declarações anuais, etc. Estes custos tendem a ser tanto maiores, quanto maior a carga
regulamentar a que estão sujeitas as empresas e os trabalhadores. Voltando à Ilustração 4-1, é
imediato verificar que, para lá de terem cargas fiscais relativamente reduzidas e instituições de
boa qualidade, os países com menor peso de Economia Informal tendem também a ser países
com economias bastante liberais e onde, em muitos casos, se verificaram nas últimas décadas
importantes fenómenos de desregulamentação. A relação entre a carga regulamentar e o peso da
Economia Informal está amplamente documentado empiricamente (Andreas Bühn, Alexander
Karmann and Friedrich Schneider, 2007, Klarita Gërxhani, 2004, Simon Johnson, Daniel Kaufmann
and Pablo Zoido-Lobaton, 1998b, Takashi Kadokura, 2007, Norman V. Loayza and Jamele
Rigolini, 2006, Friedrich Schneider, 2005, Friedrich Schneider and Dominik H. Enste, 2000).
Para lá do menor custo do cumprimento das normas, há, convém lembrar, uma segunda razão
pela qual um ambiente regulatório mais leve tenderá a resultar em menos Economia Informal: é
que há menos regras para violar. Centeno e Portes (2003) notam que o peso da Economia
Informal tenderá a ser máximo onde se conjugue uma forte intenção regulatória com uma fraca
capacidade de implementação da regulamentação: “Em geral, quanto mais fraco o Estado, maior a
probabilidade de que a economia seja capaz de escapar ao seu controlo. Quanto mais ambicioso
o âmbito da regulamentação estatal, mais forte o incentivo para escapar.” Baseados nesta ideia,
os autores desenvolvem a seguinte taxinomia:
Ilustração 4-3 - Taxinomia da Intervenção do Estado
Alta
Estado Liberal
EUA, RU
Estado Providência
França, Alemanha
Estado Totalitário
Ex-URSS, Coreia do
Norte, Cuba Capacidade
de Intervenção
do Estado Baixa
Estado Ausente
Somália, Zaire
Estado Enclave
Quénia, Bolívia,
Angola
Estado Frustrado
Argentina, Peru,
Equador
Baixo Médio Alto
Propósito Interventivo do Estado
Fonte: Centeno e Portes (2003).
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Economia Informal em Portugal 29
Esta taxinomia pode relacionar-se com a ideia de equilíbrio virtuoso e perverso anteriormente
apresentada. Os estados enclave e os estados frustrados correspondem à noção de equilíbrio
perverso: más instituições, corrupção, forte pressão fiscal e regulamentar sobre a parcela da
economia que conseguem controlar, o que estimula a fuga para a informalidade que, por sua vez,
impede a obtenção de receitas fiscais que alimentem instituições mais funcionais. Os estados
liberal e providência correspondem a versões diferentes do equilíbrio virtuoso, com instituições
funcionais e baixos níveis de corrupção que desincentivam a informalidade, o que permite obter
as receitas fiscais necessárias para manter um Estado com essas características. O estado ausente
corresponde a uma situação em que as fronteiras entre a formalidade e informalidade se diluem:
na ausência do Estado e face à exiguidade de normas, não há critério que distinga o que é formal
e informal. No estado totalitário, a forte pressão regulamentar cria um forte incentivo para a
informalidade contrariado por instituições repressivas. Esta tensão pode manter-se por muito
tempo mas a História do século passado sugere que tende a terminar nalgum tipo de revolução
ou convulsão, em que a própria liberdade e os direitos e garantias individuais são determinantes.
Estes autores (Miguel Angel Centeno and Alejandro Portes, 2003) concluem que “As melhores
condições para originar a redução da informalidade para um nível mínimo verificam-se onde uma
regulamentação limitada da actividade privada por um Estado competente é acompanhada pela
legitimidade das regras existentes perante os cidadãos. Nestes casos, a sociedade torna-se ela
própria um impositor e garante das regras legais.”
É sobretudo nos Estados com baixa capacidade de intervenção que se manifesta um terceiro tipo
de custo da formalização da actividade: a formalização implica uma visibilidade que, pelo menos
em determinados contextos, aumenta o risco de “assédio” por parte de funcionários públicos
corruptos. A corrupção, ou pelo menos o receio da corrupção, é um dos motivos que
“empurra” muitos agentes económicos para a informalidade (Simon Johnson, Daniel Kaufmann
and Pablo Zoido-Lobaton, 1998b). Mas, por outro lado, os agentes económicos envolvidos na
Economia Informal necessitam, muitas vezes, de recorrer à corrupção, por lhes estarem fechadas
as vias normais para conseguir determinados fins (Yair Eilat and Clifford Zinnes, 2002). A
corrupção pode, portanto, ser simultaneamente causa e consequência da informalidade.
A comparação entre os custos e benefícios da formalização da actividade tende a ditar a opção
dos agentes económicos. Essa comparação é, contudo, condicionada pela informação disponível.
Os cidadãos não estão todos igualmente informados sobre os benefícios a que a formalização da
actividade lhes dá acesso, como não estão igualmente informados sobre os seus custos. Em
particular, comunidades imigrantes ou grupos de cidadãos desfavorecidos dispõem
frequentemente de informação muito deficiente nestas matérias, o que os torna permeáveis a
convites para integrar a Economia Informal. A mera difusão de informação sobre os benefícios
associados à formalização da actividade e os procedimentos necessários pode, por vezes, ser um
elemento relevante numa estratégia de combate à informalidade (Lord Grabiner, 2000).
No entanto, à semelhança do que já foi feito em capítulos anteriores, importa recordar que esta
opção não é estritamente dicotómica: há um contínuo de situações possíveis entre a absoluta
formalidade e a absoluta informalidade e, para a maioria dos agentes económicos, a questão é
onde se colocar nesse contínuo.
Importa, a este propósito, salientar que a análise custo-benefício pode levar a conclusões
diferentes quando está em causa iniciar uma actividade formal ou informalmente e quando o que
está em causa é abandonar a informalidade a favor da formalidade. Para quem, indivíduo ou
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30 Relatório Final
empresa, já integra a Economia Informal, a passagem à formalidade é frequentemente menos
atractiva do que para quem está a optar sobre como iniciar a sua actividade. Em parte, isto
acontece porque, depois de ter iniciado actividade informal, o agente económico tem
frequentemente receio de que a passagem para a formalidade possa atrair a atenção das
autoridades e sujeitá-lo a sanções pela sua actividade passada. Em parte, resulta da própria teia de
relações, nomeadamente com clientes e fornecedores, que se estabelecem com o exercício
informal da actividade: passar à formalidade pode ter o custo de perder o “capital de confiança”
estabelecido com esses interlocutores.
Ética e Moralidade
Nas suas análises da importância da Economia Informal e, dentro desta, da evasão fiscal, os
economistas são frequentemente surpreendidos pela sua pequena expressão: em face das penas
previstas e da probabilidade de detecção existente na maioria dos países desenvolvidos, seriam
de esperar níveis de Economia Informal, e particularmente de evasão fiscal, substancialmente
superiores, como afirma Andreoni (1998). No quadro de uma análise custo-benefício como a
discutida na secção anterior, os elevados níveis de cumprimento que se observam nas economias
desenvolvidas só seriam explicáveis se os agentes económicos sobrestimassem sistematicamente
a pena prevista e/ou o risco de penalização ou se tivessem níveis de aversão ao risco que são
demasiado elevados para serem plausíveis.9 Uma explicação mais plausível é que a referida análise
custo-benefício seja enquadrada por valores éticos que favorecem, para a maioria dos indivíduos,
o cumprimento das obrigações.
A medida em que a ética individual afecta as decisões dos agentes económicos é um terreno
difícil para a Economia. No entanto, sendo em última instância uma decisão individual, a opção
pelo exercício informal da actividade é tomada num contexto social que a condiciona. Diversos
autores argumentam que os valores e a “moralidade fiscal” de cada país são uma importante
determinante do peso que a Economia Informal neles assume. Enste (2003) considera mesmo que
uma das três principais razões para o que lhe parece uma tendência de crescimento da Economia
Informal é “(…) o declínio de longo prazo na virtude cívica e na lealdade para com as instituições
públicas combinado com a degradação da moral fiscal.”
O aspecto dinâmico desta proposição, relativo ao declínio da virtude cívica e à degradação da
moral fiscal, é de difícil teste empírico. Tem, no entanto, havido algumas tentativas de verificar se
a moralidade fiscal vigente em cada país afecta, ou não, o seu nível de informalidade. Na sua
análise ao peso da Economia Informal nas economias da OCDE, Schneider (2005) inclui entre as
variáveis explicativas um indicador da “moralidade fiscal”, construído a partir dos resultados do
World Values Survey.10 Os seus resultados sugerem que esta variável é, no âmbito da OCDE, a
9 A explicação dos níveis de cumprimento fiscal observado exigiria coeficientes de aversão ao risco de Arrow-Pratt da ordem de 30 quando a evidência empírica sugere que se situam entre 1 e 2 (Feld, Lars P. and Frey, Bruno S. "Trust Breeds Trust: How Taxpayers Are Treated." Economics of Governance, 2002, 3(2), pp. 87-99.).
10 http://www.worldvaluessurvey.org/ Este inquérito inclui várias questões relacionadas com o cumprimento das obrigações fiscais. Schneider, Friedrich. "Shadow Economies around the World: What Do We Really Know?" European Journal of Political Economy, 2005, 21(3), pp. 598-642. não explica como construiu o índice de moralidade fiscal que utilizou.
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Economia Informal em Portugal 31
segunda determinante mais significativa da informalidade, logo depois da carga fiscal e com a
segurança social.
A Ilustração 4-4 aponta no mesmo sentido. Esta ilustração cruza os níveis de Economia Informal
estimados por Schneider (2005) com a resposta média, nos diferentes países da OCDE, a uma
pergunta sobre em que medida é aceitável fugir aos impostos, quando a oportunidade existe: a
resposta devia ser dada numa escala de 1 a 10, em que 1 significa “nunca é aceitável” e 10
corresponde a “é sempre aceitável”. Como se pode verificar, há uma correlação positiva entre a
aceitação social da fuga aos impostos e o peso da Economia Informal no produto. No entanto, tal
como acontecia na Ilustração 4-1, esta associação está longe de ser perfeita sendo, na realidade,
muito influenciada por alguns casos extremos: o Japão, entre os países com reduzida Economia
Informal, e a Bélgica e a Grécia, entre aqueles em que ela é elevada: eliminando estes três países
da análise, o peso da Economia Informal no produto deixa de ter relação com a atitude face ao
pagamento de impostos.
Ilustração 4-4 - Economia Informal e atitude perante o não cumprimento das obrigações fiscais
Fonte: Os dados sobre a Economia Informal têm origem em Schneider (2005); os dados sobre a moralidade fiscal correspondem à resposta à pergunta F116, do World Values Survey, para o ano mais recente disponível.
Evidentemente, como sempre acontece com resultados de inquéritos, coloca-se a questão da
verosimilhança das respostas obtidas. Note-se que, ignorando aqueles três países, a resposta
média sobre a aceitabilidade da prática de não pagar impostos é relativamente semelhante em
todos os países, o que suscita dúvidas sobre se corresponde, ou não, à real atitude social para
com esse tipo de comportamento.
Se a moralidade fiscal é uma determinante importante da Economia Informal, torna-se relevante
perceber o que é que a influencia. Feld e Frey (2002) exploram esta questão aproveitando a
Grécia
Itália
PortugalEspanhaBélgica
SuéciaNoruega
FinlândiaDinamarca
Alemanha
Irlanda
Canadá
FrançaAustrália
HolandaNova Zelândia Grã-BretanhaJapão Áustria
SuíçaEUA
EI = 0,0499ACEIT + 0,0425
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5 4,0
Fugir aos impostos é aceitável
Economia informal
no PIB
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32 Relatório Final
diversidade fiscal e política dos 26 cantões que compõem a Confederação Suíça. Estes autores
concluem que a democracia directa, isto é, a tomada de decisões substanciais por referendo gera
um contrato tácito entre contribuintes e administração que favorece a moralidade fiscal. À
semelhança de trabalhos anteriores, Feld e Frey (2002) verificam que os níveis de evasão fiscal
são menores nos cantões que privilegiam a democracia directa: “A moralidade fiscal parece ser
tanto mais forte quanto mais os contribuintes podem influenciar directamente as leis e as taxas
fiscais e mesmo as regras do jogo fiscal em geral. Os contribuintes percebem mais fortemente as
suas obrigações cívicas se estão directamente envolvidos em decisões políticas com substância e
não meramente na eleição regular de representantes.” Mas, se nestes cantões os contribuintes
fogem menos ao fisco, em contrapartida as autoridades fiscais também têm uma atitude mais
respeitadora para com os contribuintes: “(…) as autoridades fiscais devem reconhecer e
suportar o contrato com os contribuintes actuando para com eles de forma respeitadora, mas
também evitando que os contribuintes honestos sejam explorados (…)”. Esta actuação
respeitadora inclui o hábito de não presumir que o contribuinte está em falta só porque se
verifica qualquer incorrecção nas suas declarações: “Uma estratégia das autoridades de suspeitar
à partida que os contribuintes são evasores minaria o contrato psicológico entre contribuintes e
autoridades.” Nos cantões que privilegiam a democracia representativa, a evasão fiscal é mais
elevada e a administração tem uma atitude mais desconfiada com os contribuintes.
Hirschman (1970) introduziu as expressões “voz” e “saída” para caracterizar os dois mecanismos
fundamentais pelos quais os membros de uma empresa, organização ou Estado podem reagir ao
seu mau funcionamento. A “voz” corresponde à expressão do descontentamento,
nomeadamente na expectativa de poder contribuir para a correcção das disfunções existentes. A
“saída” corresponde ao abandono da organização e à desistência da sua reforma. Diversos
autores (Development Alternatives Inc. and Bannock Consulting Ltd., 2005, Dominik H. Enste,
2003, Guillermo E. Perry et al., 2007a, Claire Wallace and Rossalina Latcheva, 2006) descrevem a
existência da Economia Informal como um exemplo de utilização da “saída”: descontentes com o
normativo existente para o exercício da actividade económica, os cidadãos desistem de o
procurar modificar e optam por operar fora da malha de protecção legal. Em sociedades
democráticas, em que é suposto que a acção do Estado responda à vontade dos cidadãos, esta
opção pela saída é particularmente preocupante pelo que representa em termos de desconfiança
nos mecanismos de tradução da vontade popular. O trabalho de Feld e Frey (2002) sugere que
uma participação mais directa dos cidadãos na formulação das políticas minora o risco da opção
pela saída.
A existência de uma relação de confiança entre os membros da sociedade e entre estes e a
administração pública parece, portanto, desempenhar uma função importante na explicação do
peso da Economia Informal. Este argumento é igualmente explorado por Lassen (2006), embora
recorrendo a variáveis muito diferentes: este autor testa e comprova a hipótese de que países
com maior diversidade étnica têm maiores economias informais.
Diferentes sociedades ou comunidades podem ter diferentes valores que as levem a adoptar
atitudes diferentes em relação ao cumprimento dos normativos legais e, nomeadamente, fiscais.
Mas, evidentemente, dentro dessas sociedades há também diversidade nos comportamentos
individuais. Parte dessa diversidade é explicada pela análise custo-benefício discutida na secção
anterior. Mas parte deve-se também aos critérios éticos a que os indivíduos se sentem
vinculados.
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Economia Informal em Portugal 33
Numa importante recensão da literatura sobre o cumprimento das obrigações fiscais, Andreoni
et. al. (1998) notam que a propensão do indivíduo para respeitar as suas obrigações fiscais está
também relacionada com a avaliação que faz da justiça dos encargos que sobre si incidem.
Quando o agente considera que está a ser tratado injustamente, seja porque as regras que lhe
são aplicáveis são, em si mesmas, injustas, seja porque muitos dos seus concidadãos não as
respeitam, a sua propensão para a evasão fiscal aumenta. Evidentemente, quando o agente em
causa é uma empresa, para lá do incentivo psicológico à evasão que pode resultar da convicção
de que as regras são sistematicamente desrespeitadas, há o incentivo adicional que resulta da
pressão concorrencial: o agente cumpridor vê-se em desvantagem no mercado perante o
incumpridor.
Os mesmos autores consideram também que a decisão individual de cumprir, ou não, as
obrigações fiscais é condicionada pela avaliação que o agente económico faz entre os encargos
que sobre si incidem e a sua satisfação com o Estado: indivíduos insatisfeitos com o Estado
sentem-se legitimados para não pagar os seus impostos.
Oportunidade e Necessidade: Oferta e Procura
O surgimento da Economia Informal pressupõe que há procura pelos produtos ou serviços que
esta iria fornecer e que há agentes económicos disponíveis para os oferecer. Se a oportunidade
não existir, do lado da procura ou da oferta, a Economia Informal não se afirmará.
Num trabalho já citado, procurando explicar a tendência para o crescimento da Economia
Informal, Enste (2003) refere, a par do aumento dos encargos fiscais e sociais e do declínio da
moralidade fiscal, o aumento do número de pessoas disponíveis para integrar a Economia
Informal, fruto de políticas económicas deliberadas, como reduções de horários de trabalho e
promoção de reformas antecipadas, bem como do aumento do desemprego. Quando o número
de pessoas que, contra a sua vontade, dispõem de tempo livre aumenta, não é de surpreender
que aumente também o número das que procuram ocupação ao arrepio das normas vigentes,
como também reconhece a Comissão Europeia (1998) na sua Comunicação sobre o Trabalho
Não Declarado.
Mas, para além, do número de pessoas sem ocupação, também a natureza da ocupação pode
desempenhar um papel importante na criação de oportunidades para envolvimento na Economia
Informal. Engström e Holmlund (2006), analisando a situação na Suécia, estimam que os
trabalhadores por conta própria tendem a sub-declarar os seus rendimentos em cerca de 30%.
Por outro lado, temos assumido que os agentes económicos se confrontam com a opção de
exercer formal ou informalmente as suas actividades. No entanto, há que reconhecer que,
nomeadamente nos países em vias de desenvolvimento, a opção pode não existir
verdadeiramente. O que está em causa é, muitas vezes, ter uma actividade informal ou não ter
actividade remunerada. Sobretudo onde o Estado não garanta níveis de protecção social mínimos,
a informalidade pode ser uma questão de sobrevivência (Klarita Gërxhani, 2004). Mesmo nos
países desenvolvidos, em períodos de recessão económica, a Economia Informal surge, por vezes,
como a única forma de obter remuneração. Neste sentido, Loyaza (2006) mostra que a
Economia Informal tem um carácter contra-cíclico, aumentando em períodos de recessão
económica, facto que provavelmente não poderá ser ignorado na definição de políticas neste
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34 Relatório Final
domínio. No entanto, há que não esquecer que a Economia Informal é uma realidade multi-
facetada que vai desde a pequena troca de ajudas entre vizinhos até esquemas sofisticados para
defraudar o Estado. A tolerância que o carácter contra-cíclico da Economia Informal
eventualmente justifica não se aplica, obviamente, a todas as suas facetas.11
A nível empresarial, os processos de “desintegração vertical” e recurso à subcontratação que se
verificaram em muitos sectores, nas últimas décadas, promoveram uma proliferação de pequenas
empresas e auto-emprego que, por vezes, atravessam a fronteira para a informalidade. Também o
desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, ao permitir novas formas de
organização do trabalho que dispensam, muitas vezes, a presença física nas instalações da
empresa, veio facilitar certas práticas de informalidade (Comissão Europeia, 1998).
Do lado da procura, a especialização que caracteriza a vida económica moderna é, em si mesma,
favorável ao crescimento da Economia Informal. No espaço doméstico, o crescente envolvimento
das mulheres no mercado de trabalho criou uma necessidade de serviços ao domicílio (limpeza,
acompanhamento de crianças e idosos, etc.) que a Economia Informal está habilitada a oferecer.
O comprador não tem, em geral, vantagem directa em exigir a formalização do negócio,
podendo, pelo contrário, obter um preço mais favorável caso a dispense. E, para o fornecedor, a
reduzida escala da actividade não exige, muitas vezes, a formalização como meio de controlo
interno e permite o seu exercício sem grandes riscos de detecção pelas autoridades.
O Eurobarómetro sobre trabalho não declarado (TNS Opinion & Social, 2007) confirma, em
termos gerais, a importância das causas para a informalidade discutidas anteriormente, como se
pode ver na Ilustração 4-5. Questionados sobre as duas principais razões para não declarar
trabalho efectuado, os cidadãos da União Europeia colocam no topo razões de necessidade: 41%
dos inquiridos declararam que isso acontece porque as remunerações na economia formal são
demasiado baixas, 24% que resulta da falta de empregos na economia formal e 16% da ausência
de alternativa em certas regiões ou sectores. As razões associadas à análise custo-benefício
obtêm frequências de resposta semelhantes: 32% dos inquiridos explicam o trabalho não
declarado como fruto de impostos ou contribuições para a Segurança Social demasiado elevadas,
21% da falta de controlo pelas autoridades, 13% de sanções demasiado baixas e 12% do excesso
de burocracia inerente ao exercício formal da actividade. Há ainda 10% dos inquiridos que
entendem que o trabalho não declarado é uma reacção justificada ao facto de o Estado não fazer
nada pelas pessoas.
Curiosamente, em Portugal as razões de necessidade são menos referidas do que na média da
UE: em particular, a insuficiência dos salários pagos no sector formal é referida por apenas 32%
dos inquiridos, contra 41% na média da União. Em contrapartida, os residentes em Portugal dão,
em geral, mais importância às razões que se prendem com a análise custo-benefício: 37%
atribuem a existência do trabalho não declarado ao nível excessivo dos impostos e das
contribuições para a segurança social, 23% à falta de controlo pelo Estado e 17% ao excesso de
burocracia. Os residentes em Portugal mostram-se ainda particularmente descontentes com as
contrapartidas que obtêm do Estado: quase 20% justificam a não declaração do trabalho como
11 Havendo quem argumente que essa eventual tolerância tem efeito sistémicos indesejáveis, chamando-lhe mesmo um “pacto com o diabo”: Tendler, Judith. "Small Firms, the Informal Sector, and the Devil’S Deal," IDS Bulletin. 2002, 98-104.
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Economia Informal em Portugal 35
uma forma de não pagar impostos a um Estado que não faz nada pelos seus cidadãos,
percentagem que só é ultrapassada na Bulgária, Grécia, Letónia e Lituânia.
Ilustração 4-5 - Razões para exercer trabalho não declarado
Fonte: TNS Opinion & Social (2007)
Como se afirma num relatório recente da Comissão Europeia, onde a Economia Informal é
analisada na perspectiva do seu impacto no mercado de trabalho, “Não há causas gerais e
universais para a existência de uma Economia Informal. Esta é resultado de uma complexa
interacção entre diversas determinantes que variam entre os países. Para lá de razões
económicas como a carga fiscal ou rigidez dos mercados (laborais), a confiança no governo e a
sua qualidade desempenham um importante papel. Além disso, não se deve esquecer o papel da
cultura na formatação da Economia Informal.” (Piet Renoy et al., 2004)
UE27
Portugal
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Burocracia
Falta de controlo
Sanções leves
Falta de alternativa no sector ou região
Salários baixos do trabalho declarado
Falta de empregos formais
O Estado não faz nada pelas pessoas
Ninguém compraria formalmente
Impostos e SS altos
Outras
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Economia Informal em Portugal 37
5 Efeitos da Economia Informal Neste capítulo procura-se identificar os principais efeitos que, para
um país, tem a existência de uma Economia Informal de dimensão
significativa. Essa identificação é, no entanto, feita a um nível
agregado. Na leitura do capítulo é indispensável manter presente a
diversidade inerente à Economia Informal: os efeitos de uma fraude
internacional para obter reembolsos indevidos do IVA não são os
mesmos que os da pequena reparação doméstica remunerada em
dinheiro. O facto de, em termos globais, uma Economia Informal
importante ter determinado tipo de efeito não significa,
naturalmente, que todas as actividades que a compõem para ele
contribuam ou que o façam na mesma medida.
Embora exista muita literatura sobre os efeitos da Economia
Informal, esta baseia-se sobretudo em opiniões, eventualmente
fundadas na experiência de quem as profere, e juízos morais sobre a
legitimidade das práticas envolvidas. Os estudos quantitativos
rigorosos sobre este assunto são escassos. Como afirma Enste
(2003), “A análise dos efeitos de uma economia sombra em
crescimento é bastante difícil e não existe evidência empírica
abrangente”.
De uma maneira geral, a literatura de índole económica tende a
concluir que os efeitos da Economia Informal são
predominantemente negativos.12 Esta avaliação depende, no entanto,
da alternativa com que se faz a comparação. Como salientam Eilat e
Zinnes (2002), “É geralmente verdade que a economia está melhor
se, ceteris paribus, uma actividade for feita oficialmente do que se for
feita na economia sombra.” Mas, como também afirmam os mesmos
autores, “É muito menos óbvio, contudo, que seja melhor que a
actividade não seja feita de todo do que seja feita na sombra.” Na
análise dos efeitos da Economia Informal que se segue, há que ter em
12 Alguma literatura de pendor mais sociológico é menos taxativa.
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38 Relatório Final
conta que a alternativa à Economia Informal nem sempre é a
economia formal; por vezes, é a ausência de actividade.
Moralidade, Participação Cívica e Corrupção
Como vimos no capítulo anterior, muitos autores concebem a Economia Informal como uma
manifestação de saída, na terminologia de Hirschman (1970). Em termos de efeitos negativos da
Economia Informal, um dos aspectos mais preocupantes desta saída é o carácter cumulativo que
pode assumir: à medida que a sociedade se vai apercebendo que um número significativo dos
seus membros não respeita as normas estabelecidas nem confia nos mecanismos existentes para
as tentar alterar, é de esperar uma degradação da confiança nas instituições públicas que, em si
mesma, constitui um obstáculo ao seu bom funcionamento. Na medida em que as actividades da
Economia Informal escapam, regra geral, à tributação e à regulamentação, a sua existência pode
levar a uma atitude geral mais permissiva face à lei que prejudica a legitimidade das instituições
públicas. Em casos extremos, o não cumprimento das regras instituídas pode mesmo
transformar-se numa norma social, o que torna ainda mais significativos os custos de fazer
respeitar a lei (Guillermo E. Perry, Omar Arias, Pablo Fajnzylber, William F. Maloney, Andrew
Mason and Jaime Saavedra-Chanduvi, 2007a). Em particular, na medida a que a Economia Informal
tome a forma de evasão fiscal, é de esperar uma degradação da moralidade fiscal, tornando-se
habituais raciocínios do tipo “se os outros não pagam, porque é que eu hei-de pagar?”
Como se salientou em capítulos anteriores, os países caem, por vezes, num equilíbrio perverso
em que a importância da Economia Informal não permite o bom funcionamento das instituições e
o mau funcionamento das instituições estimula a Economia Informal. Segundo Centeno e Portes
(2003), neste contexto, em que a economia formal não é capaz de assegurar a sobrevivência de
parte substancial da população, “(…) a ‘almofada’ fornecida por uma Economia Informal dinâmica
pode fazer toda a diferença entre uma relativa tranquilidade e a instabilidade política”, sendo, por
isso, tolerada pelos poderes instituídos. Nas palavras de um antigo político italiano, “É mau dizê-
lo, mas estes ‘desvios’ são um coisa positiva, pelo menos no que diz respeito ao emprego. Se o
fisco interviesse na economia subterrânea estaria a actuar de acordo com os princípios da justiça
distributiva mas estaria a arruinar não só uma multidão de pequenos negociantes e dos seus
trabalhadores como, talvez, a paz social e económica do país.” (De Grazia citado por Bajada e
Schneider (2005)).
A questão da relação entre Economia Informal e corrupção é, como já se notou, controversa.
Por um lado, há todos os motivos para recear que os agentes económicos que exercem a sua
actividade informalmente precisem de recorrer à corrupção para resolver muitos dos problemas
com que são confrontados, uma vez que as vias oficiais lhes estão, em geral, vedadas. Em
contrapartida, argumenta-se que um dos motivos para ocultar a actividade e optar pela
informalidade é, precisamente, o desejo de escapar a uma administração corrupta. Não é,
portanto claro, a priori, que tipo de relação se deve esperar entre informalidade e corrupção.
Num trabalho recente, Dreher e Schneider (2006) concluem que países desenvolvidos e em
desenvolvimento se encontram, nesta matéria, em situações diferentes: nos países desenvolvidos,
tenderia a predominar o segundo tipo de efeito, enquanto nos países em desenvolvimento o
primeiro seria mais saliente.
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Economia Informal em Portugal 39
Formulação e Eficácia das Políticas
A existência da Economia Informal faz com que as estatísticas oficiais retratem de forma
imperfeita a realidade económica: os dados sobre emprego e desemprego, sobre a evolução do
produto, sobre a produtividade e sobre as contas externas, nomeadamente, vêem a sua
fiabilidade diminuída. Este efeito poderia não ser particularmente preocupante se a Economia
Informal tendesse a evoluir em sincronia com a economia formal: por exemplo, se a um aumento
do desemprego formal correspondesse, um aumento proporcional no desemprego informal, a
formulação de políticas neste domínio não seria muito prejudicada. Mas não é de esperar esta
sincronia. Pelo contrário, como já assinalámos, a Economia Informal tende a ter um
comportamento contra-cíclico pelo que existe o risco de que as estatísticas oficiais sugiram
oscilações da actividade económica mais acentuadas do que as que na realidade se verificam.
O “nevoeiro” com que a Economia Informal cobre a realidade económica pode levar à
formulação de políticas, baseadas nas estatísticas oficiais, que não correspondem às reais
necessidades da economia. Kadokura (2007), por exemplo, refere que “Os EUA experimentaram
no passado falhanços da política económica devidos a leituras erradas da situação económica
relacionadas com o não reconhecimento da Economia Informal. Os EUA caíram numa recessão
no final dos anos 70 e início da década de 80, gerando receios relativos a elevadas taxas de
desemprego. O governo lançou políticas fiscais e monetárias destinadas a estimular a economia.
Na realidade, no entanto, esta recessão só existiu na aparência, causada pelo movimento de
muitas pessoas da economia formal para a Economia Informal. Logo, é altamente provável que as
medidas económicas tomadas não tenham sido uma resposta completamente apropriada à
situação.”
Mas para lá das dificuldades que coloca à formulação das políticas, a Economia Informal suscita
também dúvidas sobre a sua eficácia (Christopher Bajada and Friedrich Schneider, 2005). Quando
parte substancial da actividade económica é informal e, em particular, toma a forma de evasão
fiscal, a política orçamental pela via da receita, por exemplo, pode perder muita da sua capacidade
para influenciar a situação económica: uma redução da carga fiscal terá tanto menor
probabilidade de estimular a actividade económica quanto maior a importância dos agentes
económicos que não pagam impostos: aliás, pode até acontecer que não o consiga fazer.13 Isto é
particularmente preocupante para países como Portugal que, em virtude da participação na União
Europeia, abdicaram de outros instrumentos de política macroeconómica. Mas a perda de eficácia
estende-se a outras políticas. Se, como parece claro, a Economia Informal recorre menos ao
sector bancário do que a economia formal, a eficácia da política monetária é igualmente posta à
prova. E políticas de rendimentos e de combate à pobreza podem perder a sua eficácia, ou até
terem resultados contrários aos pretendidos, quando parte substancial dos rendimentos não são
do conhecimento do Estado: certas políticas de combate à pobreza e à exclusão social podem,
por exemplo, acabar a apoiar quem delas não necessita.
13 Num trabalho de índole teórica, Busato, Francesco; Chiarini, Bruno and Rey, Guido M. "Equilibrium Implications of Fiscal Policy with Tax Evasion," Working Papers. Aarhus: Institut for Økonomi, Aarhus Universitet, 2005. mostram que, quando existe evasão fiscal, os efeitos da política fiscal podem ser inversos dos esperados: um aumento de impostos pode gerar uma expansão económica e uma redução de impostos pode ter efeitos recessivos.
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40 Relatório Final
No quadro da União Europeia, o erro introduzido nas estatísticas pela existência da Economia
Informal, tem também outro tipo de consequências. O contributo dos vários estados para o
orçamento comunitário é ditado pelo valor de variáveis macroeconómicas como o produto.
Quando estas variáveis são medidas com erro, e sobretudo quando esse erro assume
proporções diferentes nos vários estados, introduz-se um factor de iniquidade no financiamento
da UE que pode ser um factor de descontentamento.
Em contrapartida, há quem argumente que, se não favorece as políticas públicas, a Economia
Informal as torna menos necessárias. Por exemplo, admitindo que tem um carácter contra-
cíclico, a Economia Informal tende a diminuir os problemas económicos associados ao
desemprego: em períodos de crise, a Economia Informal assegura a subsistência de pessoas que
estão oficialmente dadas como desempregadas. Só assim se compreende, por exemplo, que os
países em transição do socialismo para o capitalismo tenham conseguido conviver com taxas
oficiais de desemprego elevadíssimas sem uma concomitante explosão social.
Degradação das Finanças e Serviços Públicos
Na medida em que se traduza em evasão fiscal, um dos efeitos mais imediatos da Economia
Informal, assinalado praticamente por todos os que escrevem sobre o tema, é a redução das
receitas fiscais face ao seu potencial.
Uma das formas pelas quais os Estados podem reagir a este fenómeno é aumentando as taxas de
tributação sobre os cumpridores que não querem ou não conseguem praticar evasão. Mas este
aumento reforça o incentivo para fugir para a Economia Informal, quer pelos encargos financeiros
que cria, quer pela sensação de iniquidade que pode gerar, dando origem a um ciclo vicioso em
que a informalidade gera informalidade.
Por outro lado, a degradação das receitas públicas que resulta da evasão fiscal, se não puder ser
compensada por via do aumento da pressão fiscal sobre os contribuintes cumpridores, leva à
consequente degradação dos serviços, bens e benefícios públicos oferecidos pelo Estado, tal
como documentado por Friedman (2000) e Johnson et. al. (1998b). E não só o nível geral dos
serviços públicos tenderá a baixar, como se poderão gerar sentimentos de iniquidade quanto ao
seu financiamento, como receia Lord Grabiner (2000). Novamente, esta degradação da qualidade
dos serviços públicos e estes sentimentos de iniquidade desincentivam a participação na
economia formal.
Numa recente comunicação, em Bruxelas, o Comissário Kovács (2007) afirmava que “(…) as
actuais estimativas do nível global de perda de receitas devido à fraude fiscal de todos os tipos
situam-se no intervalo de 200 a 250 mil milhões de euros por ano, o que corresponde a cerca de
duas vezes o orçamento da União Europeia. Os Estados Membros poderiam gastar este enorme
montante de dinheiro para criar empregos, financiar a investigação e desenvolvimento, programas
educativos e sociais ou até para reduzir os impostos.”
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Economia Informal em Portugal 41
Protecção dos Trabalhadores, dos Consumidores e do
Ambiente
Para lá da evasão fiscal, a Economia Informal traduz-se, frequentemente, no desrespeito por
normas relativas à protecção dos trabalhadores, dos consumidores ou do ambiente.
Os inconvenientes para os trabalhadores envolvidos, e nomeadamente a perda de direitos legais,
são apresentados por muitos como um dos mais sérios efeitos da Economia Informal. Williams
(2005) lista os inconvenientes da informalidade para os trabalhadores: “(…) não têm acesso a
padrões de saúde e segurança no local de trabalho; não têm acesso a diversos tipos de direitos
laborais como férias e folgas, subsídios de doença e formação; têm reduzida segurança do
emprego; não podem obter referências do empregador; não têm acesso a um conjunto de outros
direitos legais, tal como salário mínimo, benefícios fiscais e restrições ao horário laboral; não
conseguem acesso ao crédito; não acumulam direito a reforma pública e outros benefícios
dependentes de contribuições; não têm direitos de negociação; perdem ‘empregabilidade’ devido
à ausência de evidência sobre o exercício da actividade; e sofrem de um constante receio de
detecção e risco de punição devido à ilegitimidade das suas actividades.” Este tipo de
preocupação dita a ampla atenção que a Organização Internacional do Trabalho dedica ao tema
da Economia Informal e está também muito vincada na Comunicação da Comissão Europeia
sobre o Trabalho Não Declarado (Comissão Europeia, 1998). Alega-se ainda que a coexistência
da economia formal e informal tenderia a criar uma sociedade dual em que as desigualdades
sociais se acentuariam, com um provável agravamento dos sentimentos de descontentamento e
revolta.
Se o desrespeito por este tipo de normas é normalmente apresentado como um inconveniente
da Economia Informal, pode, no entanto, argumentar-se que os trabalhadores que nela participam
o fazem por vontade própria e, portanto, porque consideram que aqueles inconvenientes não são
mais relevantes do que os benefícios que o emprego informal lhes proporciona. É certo que,
como dissemos anteriormente, a análise custo-benefício que dita a escolha da informalidade é
condicionada por questões de oportunidade e necessidade: frequentemente, a opção não é entre
um emprego formal e informal; é entre um emprego informal ou o desemprego. Nessas
circunstâncias, o trabalhador ver-se-ia forçado a aceitar o desrespeito por aquelas normas. Aqui,
haveria que distinguir dois casos. Quando o empregador se aproveita da existência de oferta
excedentária de trabalho para levar um trabalhador a abdicar do cumprimento das normas para
não perder o emprego para outro trabalhador, é provável que o efeito da informalidade seja, de
facto, negativo: o ganho para o empregador poderá ser inferior à perda que os trabalhadores
sofrem. Mas já não é tão claro que isso aconteça quando o cumprimento da norma inviabilizasse
a existência do posto de trabalho: quer para o trabalhador, quer para a sociedade no seu
conjunto, um emprego informal pode ser preferível ao desemprego.
Os produtores informais desrespeitam também frequentemente normas de qualidade e
segurança relativas aos seus produtos e serviços, gerando eventuais riscos para os consumidores.
Nalguns casos, no entanto, o consumidor está consciente do risco: o individuo que leva o seu
automóvel a ser reparado numa oficina de vão-de-escada, conseguindo um preço mais favorável
inclusive por não pagar o IVA, tem consciência de que a garantia de qualidade que lhe é oferecida
é limitada. Tal como no parágrafo anterior, pode-se argumentar que se o consumidor recorre a
esse tipo de fornecedor é porque entende que os benefícios superam os custos. Nesta linha de
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42 Relatório Final
argumentação, alguns salientam que a Economia Informal é, por vezes, a forma de contornar
regulamentações desajustadas e que, nesse sentido, constituiria um elemento de flexibilidade
favorável à eficiência económica.
Há, no entanto, muitos outros casos em que o consumidor não tem consciência que o
fornecedor não cumpre as normas vigentes, sendo inequivocamente prejudicado. O mesmo
acontece em relação à sociedade em geral quando um produtor se abstém de cumprir as regras
ambientais.
Concorrência e Produtividade
Embora existam excepções14, a maioria das empresas informais são de pequena dimensão . Por
um lado, porque a manutenção da actividade ao abrigo da atenção das autoridades assim o
aconselha. Por outro, porque a informalidade inviabiliza, ou desaconselha, a utilização de sistemas
de organização e controlo necessários ao funcionamento da grande empresa e condiciona o
acesso a diversos mecanismos de apoio ao crescimento.
Como afirma Farrell (2004), embora porventura esquecendo o grande número de empresas que
são apenas semi-informais, “Quando uma empresa decide operar informalmente, a sua
capacidade para investir no melhoramento das suas operações e no financiamento do seu
crescimento diminui. Uma vez que muitas empresas informais não estão legalmente constituídas,
raramente obtêm empréstimos de instituições de crédito formais, confiando antes em
prestamistas ilegais que cobram taxas exorbitantes e adiantam apenas pequenos montantes. As
empresas informais não podem confiar no sistema legal para fazer valer os seus contratos,
proteger os seus direitos de propriedade ou resolver disputas, pelo que lhes é arriscado
envolverem-se em transacções com parceiros fora da sua comunidade mais próxima. E operar
informalmente cria desincentivos perversos ao crescimento, porque uma empresa maior pode
atrair maior escrutínio das autoridades.” Além de pequenas, as empresas informais são
geralmente trabalho-intensivas e apresentam níveis de produtividade inferiores aos das suas
congéneres formais contribuindo, pela sua própria existência, para manter a produtividade média
da economia em níveis reduzidos (Diana Farrell, 2004, Takashi Kadokura, 2007, Thomas Kenyon
and Emerson Kapaz, 2005, Zoë Kuehn, 2007).
O desrespeito pelas normas legais pode até originar directamente efeitos negativos na
produtividade. Embora permita às empresas ganhos de curto prazo, o desrespeito por normas de
saúde e segurança no trabalho, por exemplo, pode, a longo prazo, diminuir a produtividade, quer
devido a efeitos de desmoralização dos trabalhadores, quer pela maior rotação de pessoal que
implica custos e reduz os incentivos para a acumulação de capital humano.
Mas o impacto da informalidade na produtividade dá-se igualmente por via da concorrência entre
empresas formais e informais. As empresas informais compensam a sua menor produtividade
graças à redução de custos permitida pelo desrespeito pelas normas legais, nomeadamente pelo
não pagamento de impostos. As empresas que cumprem as suas obrigações enfrentam assim
14 Farrell, Diana. "The Hidden Dangers of the Informal Economy," The McKinsey Quarterly 2004. McKinsey, 2004, 37-49. apresenta exemplos.
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Economia Informal em Portugal 43
condições concorrenciais mais difíceis que dificultam o seu crescimento e as podem levar a
retrair os seus níveis de investimento e inovação: como afirmam Perry et. al. (2007b), “”(…)
níveis elevados de informalidade poderão ter consequências negativas nos incentivos das
empresas formais para inovar e se adaptarem a novas tecnologias, o que também poderá reduzir
o crescimento global da produtividade.”
Se a vantagem custo das empresas informais for suficientemente forte, e se estas forem
suficientemente grandes ou numerosas, a subsistência das empresas formais pode mesmo ser
posta em causa, levando a que a informalidade se torne a norma no sector ou na região. Em
certos casos, a elevada prevalência de Economia Informal pode ainda funcionar como um
desincentivo ao investimento estrangeiro: as empresas estrangeiras, que, em muitos casos, estão
em condições particularmente favoráveis para introduzir num país práticas inovadoras, têm,
muitas vezes, devido ao seu menor conhecimento da realidade local, particular dificuldade em
lidar com a concorrência das empresas informais (Yair Eilat and Clifford Zinnes, 2002). Como se
sabe, um trabalho recente da consultora McKinsey atribui à Economia Informal parte significativa
do diferencial de produtividade entre a economia portuguesa e a de países mais desenvolvidos
(McKinsey & Company, 2003b).
No entanto, nem sempre o impacto competitivo da Economia Informal será negativo. Por
exemplo, quando há empresas que gozam de posições monopolistas fruto de protecção política,
a Economia Informal pode introduzir no mercado um elemento concorrencial que não existiria
de outro modo. E, mesmo em situações menos extremas, não é certo que a reacção das
empresas formais à concorrência informal seja de resignação: por vezes, poderá acontecer, pelo
contrário, que a empresa formal responda a este tipo de desafio com um maior esforço de
inovação e diferenciação.15
Além disso, alguns autores argumentam que a Economia Informal, com a sua menor rigidez, pode
funcionar como uma porta de entrada para novos empreendedores, que posteriormente
transitariam para a economia formal, contribuindo para a renovação do tecido económico (Yair
Eilat and Clifford Zinnes, 2002). Neste sentido, Schneider e Enste (2000) admitem a possibilidade
de que a informalidade “(…) adicione à economia um espírito de dinamismo e
empreendedorismo e pode resultar em mais concorrência, maior eficiência e restrição à
actividade governamental.” Mas esta ideia não é consensual: em contrapartida, Farrel (2004)
afirma que “A ideia de que as empresas informais podem crescer e juntar-se à economia formal é
(…) um mito. Pelo contrário, elas desprezam oportunidades de se modernizarem e permanecem
presas numa armadilha de operação de baixa produtividade.”
Crescimento Económico
A opinião mais comum, na literatura económica e no discurso político sobre o tema, é que a
Economia Informal é prejudicial ao crescimento económico. No entanto, as várias linhas de
argumentação sobre a relação entre Economia Informal, concorrência e produtividade permitem
15 A indústria da moda constitui uma boa ilustração deste fenómeno: estando permanentemente sujeita à cópia dos seus produtos por concorrentes, muitos deles informais, a indústria responde com um fluxo permanente de inovação.
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44 Relatório Final
sustentar posições diversas. A evidência empírica, por seu lado, também não é conclusiva. É certo
que, em geral, os países mais desenvolvidos apresentam um menor peso de Economia Informal.
No entanto, quando se olha a períodos específicos, como notam Perry et. al. (2007b) “Apesar da
convicção amplamente difundida de que um grande sector informal prejudica o crescimento
económico, as comparações entre países não encontram uma associação robusta entre
informalidade e crescimento.”
Note-se que a análise empírica desta relação é extremamente difícil e os trabalhos que o tentam
fazer muito escassos. Desde logo, existem as dificuldades inerentes a medir a própria Economia
Informal, questão sobre a qual já nos debruçamos. Depois, é problemático determinar quando é
que se produzem os efeitos no crescimento económico associados ao nível de informalidade
existente num dado momento, dada a natureza de longo prazo que estes terão. Finalmente, dada
a complexidade do processo de crescimento económico, é muito difícil detectar o efeito total da
Economia Informal, porque esta variável pode afectar indirectamente o crescimento económico
através de outras variáveis.
Ilustração 5-1 - Economia Informal e crescimento económico acumulado
para lá das inerentes a medir a própria Economia Informal, outras dificuldades prendem-se com
o facto de os seus efeitos no crescimento económico serem, provavw
Fonte: Os dados sobre a Economia Informal têm origem em Schneider (2005); os dados sobre crescimento económico são da OCDE.
A Ilustração 5-1 mostra que o mero cruzamento do peso da Economia Informal no PIB com o
seu crescimento não apresenta, para os países da OCDE, nenhuma relação evidente. Utilizando
métodos econométricos mais sofisticados, que procuram destrinçar o efeito de diferentes
variáveis que contribuem para o crescimento económico, Schneider (2005) conclui que, no
espaço da OCDE, houve, na década de 90, uma relação positiva entre Economia Informal e
crescimento do PIB: a um crescimento de 1 ponto percentual do peso da Economia Informal no
Grécia
ItáliaPortugal
Espanha
Bélgica
SuéciaNoruega
Finlândia
Dinamarca
Alemanha
Irlanda
Canadá
França
Austrália
Holanda
Nova Zelândia
Grã-Bretanha
JapãoÁustria
Suíça
EUA
0%
5%
10%
15%
20%
25%
30%
35%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%
Economia informal no PIB
Crescimento
do PIB
2000-2005
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Economia Informal em Portugal 45
PIB correspondeu, segundo este estudo, um crescimento de 8% na taxa de crescimento da
economia oficial.16 Este efeito foi ainda mais acentuado nos países em transição, onde atingiu os
10%. Em contrapartida, nos países em desenvolvimento, o efeito foi negativo em cerca de 5%.
Estes resultados sugerem que, enquanto nos países mais desenvolvidos a economia formal e
informal se tenderiam a complementar, nos países em desenvolvimento predominaria uma
relação de substituição. Vale a pena salientar que estes são resultados de um único estudo, ainda
recente, sendo de aguardar por estudos posteriores que os possam confirmar ou infirmar.
Note-se ainda que o que o trabalho de Schneider (2005) procura fazer é medir o impacto do
peso da Economia Informal no crescimento do que, em capítulo anterior, chamamos a economia
registada, isto é, aquela que consta das estatísticas oficiais. As suas conclusões apontam para que
esse impacto seja, nos países desenvolvidos e em transição, relativamente benigno, na medida em
que parte dos rendimentos gerados informalmente são aplicados na economia formal, que assim
consegue algum crescimento adicional. Daqui não decorre, no entanto, no plano normativo,
qualquer sugestão de que seja desejável permitir o crescimento do peso da Economia Informal no
PIB. Plausivelmente, se os mesmos recursos que são aplicados na Economia Informal o fossem na
economia formal, o impacto na taxa de crescimento seria ainda maior, como sugerem muitos dos
argumentos desenvolvidos nas secções anteriores. Infelizmente, é matéria sobre a qual não
parece existir qualquer estudo empírico publicado.
16 Trata-se, saliente-se, de um crescimento de 8% na taxa e não de 8 pontos percentuais. Isto é, supondo que a taxa de crescimento era de 1%, ela passaria a ser, face a um acréscimo de 1ponto percentual no peso da Economia Informal de 1%x1,08, ou seja, 1,08%.
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Economia Informal em Portugal 47
6 Lidar com a informalidade Como se verificou no capítulo anterior, apesar da evidência empírica
sobre o assunto ser escassa, a convicção de que a existência de
Economia Informal tem efeitos predominantemente negativos é mais
ou menos generalizada. Desta convicção resulta a necessidade de
definir políticas para lidar com o fenómeno. O que deve o Estado, e a
sociedade, fazer para evitar os inconvenientes que decorrem da
existência da Economia Informal?
Em abstracto, há duas linhas de abordagem ao problema. Uma forma
de reduzir o peso da Economia Informal na economia é conseguir um
maior cumprimento das normas existentes. Isto passa, em grande
medida, por alterar a percepção que os agentes económicos têm
sobre a relação custo-benefício do desrespeito pela norma, o que
pode ser conseguido aumentando a fiscalização, agravando as
penalizações previstas ou reduzindo os custos inerentes ao
cumprimento da norma, nomeadamente por via de ganhos de
eficiência do Estado. Outro tipo de solução, passa pela redução da
intervenção do Estado na economia e, nomeadamente, pela
eliminação das normas que são desrespeitadas.
Uma política bem sucedida de combate à informalidade passa por
encontrar a combinação adequada entre estas duas vias de actuação.
Evidentemente, o Estado e a sociedade não podem dispensar todas as
normas: a maioria delas têm uma razão de ser plenamente justificada.
Nesse caso, haverá que procurar assegurar o seu cumprimento. Mas
não deixa de ser verdade que, noutros casos, fruto de erros na sua
concepção ou da alteração das circunstâncias económicas e sociais, as
normas se tornam desajustadas à prossecução da eficiência
económica. Nesse caso, insistir na sua aplicação é desperdiçar
recursos valiosos para a sociedade e a solução mais adequada pode
ser mesmo corrigir ou eliminar a norma.
Este capítulo revê as recomendações que, neste domínio, têm sido
emitidas por consultores e académicos, bem como a experiência de
países como a Espanha, a França, a Itália, o Reino Unido e a Austrália.
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48 Relatório Final
Recomendações de Académicos e Consultores
Académicos e consultores têm-se debruçado frequentemente sobre o tema da Economia
Informal e os seus trabalhos incorporam, por vezes, recomendações de políticas para lidar com
este fenómeno. Nas páginas seguintes dão-se alguns exemplos de trabalhos deste tipo.
Num estudo produzido para a United States Agency for International Development, uma agência
de apoio ao desenvolvimento do governo americano, as consultoras Development Alternatives e
Bannock Consulting (2005) confessam que “(…) especificamente, não se sabe muito sobre
porque é que as empresas não se formalizam, sobre quais as barreiras que são mais significativas
e sobre o seu impacto no processo de decisão (…)”. Ainda assim, no quadro de uma análise
custo-benefício da decisão de formalização, sugerem que é sobretudo do lado do custo que é
necessário actuar. Nesse sentido, emitem as seguintes recomendações sobre como promover a
formalização da actividade económica nos países em desenvolvimento:
• Apoiar programas amplos de reforma regulatória e regulamentar para simplificar a
legislação, nova e existente, e tornar o clima de negócios mais favorável às empresas
formais; Introduzir Avaliações de Impacto Regulamentar.
• Simplificar a administração pública para a actividade económica. Rever e reduzir a
burocracia.
• Conceber medidas para criar no sector público administrativo uma cultura favorável aos
negócios e melhorar a qualidade, quantidade e acessibilidade dos serviços. Considerar a
possibilidade de criar estatutos dos serviços e balcões únicos para os negócios.
• Simplificar a administração fiscal: considerar impostos únicos para as micro, pequenas e
médias empresas.
• Evitar a retroactividade fiscal para as empresas que formalizem a sua actividade.
• Divulgar informação sobre a utilização dada à receita fiscal e sobre os benefícios que as
empresas obterão por via de melhores serviços.
• Racionalizar os regimes de registo e licenciamento empresarial, autonomizando-os.
Utilizar as tecnologias de informação para simplificar o processo e partilhar informação.
Restringir o licenciamento àquelas actividades em que se justifica por razões de saúde,
segurança, ambiente, protecção do consumidor ou outras.
• Reduzir as taxas de registo e os requisitos estatutários relativos, por exemplo, a
instalações ou capital.
• Identificar áreas de reforma da legislação laboral, protegendo os direitos essenciais mas
facilitando a contratação e despedimento de trabalhadores e a utilização de contratos
flexíveis.
• Facilitar o registo de associações de produtores para que os benefícios da formalização
possam ser disponibilizados a grupos de indivíduos que separadamente não fariam o
esforço de formalização.
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Economia Informal em Portugal 49
A noção de que a formalização tem subjacente uma análise custo-benefício leva ainda estas
entidades a alertarem para o risco de que programas bem-intencionados de protecção do bem-
estar dos que integram a Economia Informal possam reduzir o incentivo à formalização. Nesse
sentido, recomendam que os apoios concedidos tenham como contrapartida passos concretos
no sentido da formalização.
Por sua vez, num trabalho realizado há alguns anos para o governo português, em que identificava
a informalidade como um dos principais entraves à produtividade da economia nacional, a
consultora McKinsey (2003a) emitia as seguintes recomendações:
• Racionalizar a regulamentação fiscal, tornando-a mais simples de aplicar e reduzindo
assim os custos do cumprimento:
o Rever a fiscalidade das PMEs no sentido de uma maior eficácia, por exemplo
privilegiando a utilização de métodos indiciários;
o Fortalecer os incentivos ao cumprimento atempado, por exemplo, melhorando
os mecanismos para dedução do IVA.
• Aperfeiçoar as auditorias às empresas (no que respeita às obrigações fiscais, da
Segurança Social e outros encargos), assegurando a integração das fontes de informação
existentes e automatizando os procedimentos de referenciação cruzada e verificação de
dados:
o Actualização do cadastro de contribuintes e verificação automática de
alterações na situação individual;
o Cruzamento de bases de dados;
o Comparação de declarações das empresas com indicadores sectoriais padrão;
o Reforçar o nível de escrutínio;
o Fixar objectivos para a actuação dos inspectores.
• Garantir a aplicação de sanções (pecuniárias e não pecuniárias) nos casos de
incumprimento:
o Fixar multas elevadas em proporção do volume de negócios dos infractores;
o Definir a responsabilidade criminal dos contabilistas que certifiquem situações
de evasão fiscal;
• Sensibilizar mais eficazmente as empresas e os consumidores para a importância do
cumprimento das obrigações:
o Divulgar os programas de combate à evasão fiscal, recorrendo aos mass media;
o Estimular os consumidores para pedirem recibos;
• Reconfigurar a estrutura organizativa da Administração Pública, evoluindo no sentido de
uma maior especialização e de uma melhor integração das actividades de inspecção
fiscal, da Segurança Social e de outras actividades de inspecção nos sectores mais
propensos à informalidade:
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50 Relatório Final
o Criar gabinetes sectoriais de combate à evasão fiscal e às obrigações com a
Segurança Social;
o Reforçar a integração de estruturas de inspecção não fiscal;
o Melhorar a articulação entre as instituições de inspecção e os tribunais.
As recomendações dos dois relatórios apresentam bastantes pontos de contacto. No entanto,
por comparação com as da Development Analysis e Bannock Consulting (2005), as
recomendações da McKinsey (2003a) dão mais atenção à necessidade de credibilizar as normas,
penalizando quem não as cumpre, mas omitem o tema da reforma regulamentar.
A necessidade de combinar políticas de atracção para a economia formal com a punição dos que
persistam na informalidade é igualmente salientada por Kenyon (2005), numa publicação do
Banco Mundial. Este autor defende que os governos devem fazer um considerável esforço, no
qual as associações empresariais podem ser chamadas a colaborar, para divulgar os benefícios da
participação na economia formal. Devem, também, facilitar a transição voluntária para a
formalidade, nomeadamente não penalizando fiscalmente as empresas que o fazem, como aliás
também sugerem a Development Analysis e Bannock Consulting (2005). E devem evitar a
excessiva regulamentação e carga burocrática desnecessária. Em simultâneo, este autor, tal como
a McKinsey (2003a) no seu trabalho sobre Portugal, defende a necessidade de credibilizar as
normas vigentes, aplicando punições duras a quem não as respeita. Para este efeito, salienta a
necessidade de adequar os esforços desenvolvidos pela administração à realidade dos diferentes
sectores e tipos de empresas e de assegurar a cooperação entre diferentes organismos
administrativos.
As propostas de Djankov et. al. (2003), no âmbito de uma análise à Economia Informal nos países
então candidatos à adesão à EU, retomam muitas das ideias anteriores. De forma mais sucinta,
este autor sugere que a promoção da formalização assente em quatro áreas de actuação
principais:
• Reduzir o número de licenças, alvarás, autorizações, etc. necessários à actividade; isto
porque “(…) muitos países têm uma multiplicidade de regulamentações arcaicas que já não
servem nenhum propósito útil. Além disso, agências governamentais e instituições conseguem
muitas vezes impor regulamentações que as beneficiam à custa das empresas e do resto do
governo (…)”; exercícios de revisão geral da regulamentação existente, como o realizado na
Austrália, ou revisões focadas em temas ou sectores podem ser de grande utilidade embora
sejam também de difícil implementação;
• Simplificação dos processos administrativos; as tecnologias de informação e
comunicação podem ser de grande utilidade neste domínio;
• Utilização de impostos únicos, nomeadamente na tributação das empresas, e
possivelmente de taxas únicas;
• Facilitação do acesso ao capital, nomeadamente através do micro-crédito; esta facilitação
deverá ocorrer sobretudo por via da criação de um enquadramento jurídico e fiscal adequado
ao desenvolvimento desta actividade e não pelo envolvimento directo do Estado na
intermediação financeira.
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Economia Informal em Portugal 51
Por sua vez, Enste (2003), analisando também os países do Leste europeu, formula as suas
propostas para lidar com a Economia Informal à luz dos conceitos de “voz” e “saída” de
Hirschman (1970): entendendo a Economia Informal como uma manifestação de saída, este autor
sugere que é necessário reduzir os incentivos para “sair” e, simultaneamente, reforçar os
incentivos para utilizar a “voz”. No sentido de reduzir os incentivos financeiros para escapar para
a Economia Informal, isto é, para sair, a sua principal recomendação é a redução das taxas de
imposto. Para além disso, recomenda:
• Simplificação do sistema fiscal;
• Reforma substancial dos sistemas de segurança social;
• Maior eficiência na administração e combate à corrupção;
• Aposta no crescimento económico como forma de reduzir a pressão sobre o governo;
• Protecção dos direitos de propriedade e investimento em infra-estruturas.
Ainda no mesmo sentido, considera necessário adaptar as normas e instituições às preferências
das pessoas e, nesse sentido, recomenda:
• Maior flexibilidade na organização do tempo de trabalho, facilitando acordos individuais;
• Menos regulamentação e burocracia.
Para reforçar a “voz”, isto é, a manifestação da insatisfação através dos mecanismos de
participação cívica e política, sugere nomeadamente
• Utilização de mecanismos de consulta directa à população, em determinados domínios,
uma vez que entende que a participação no processo político reforça a lealdade para com o
Estado;
• Menor centralismo e maior subsidiariedade na formulação das políticas.
Embora diversos, estes diferentes trabalhos parecem convergir num certo conjunto de temas que
podem ser reconduzidos à análise custo-benefício da opção pela formalização da actividade. A
opção pela informalidade é tanto mais provável quanto mais os agentes económicos sejam
sujeitos a uma carga fiscal e para-fiscal que consideram desadequada aos benefícios que obtêm do
Estado. É igualmente tanto mais provável quanto mais pesada a carga regulamentar e
administrativa a que estão sujeitos, nomeadamente quando esta contraria expressamente as
preferências de grupos significativos de agentes económicos. A manifestação da insatisfação com
estes aspectos é, evidentemente, mais frequente quando o Estado não demonstra capacidade
para fazer cumprir as normas que emana. A actuação nestes domínios pode reduzir a atracção
pela informalidade mas só será capaz de atrair os agentes económicos que já nela actuam se a
passagem para formalidade não implicar penalizações excessivas.
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52 Relatório Final
Experiências de Outros Países
Em qualquer país, o combate à Economia Informal faz parte da actividade diária da administração
pública. Além disso, geralmente, é uma tarefa a cargo de múltiplos organismos públicos. Por estes
motivos, não é fácil obter uma visão sistematizada da política pública de um determinado país
neste domínio. Por outro lado, a transparência da administração, no que diz respeito à
formulação das políticas e ao acesso à informação, apresenta também grande variabilidade a nível
internacional. Nesta secção relatam-se com algum detalhe as experiências recentes de combate à
Economia Informal de cinco países em relação aos quais foi possível ultrapassar, pelo menos
parcialmente, estas condicionantes, a Espanha, a França, a Itália, o Reino Unido e a Austrália.
Espanha
No trabalho que realizou sobre Portugal, a McKinsey (2003a) apresentava a Espanha como
exemplo de um país que tinha implementado um bem sucedido programa de combate à
informalidade. Esse programa assentava em cinco pilares fundamentais:
• Actualizar a base de dados dos contribuintes (recenseamento fiscal) e integrar os
sistemas de informação, de maneira a permitir a verificação cruzada automática da informação
e melhorando assim a eficácia das auditorias;
• Criar um sistema fiscal simplificado para as PMEs, apoiado em indicadores físicos
específicos por sector (por exemplo, área de vendas no sector de retalho alimentar). As
empresas puderam escolher entre migrar para o novo sistema fiscal ou adoptar contabilidade
organizada/oficial;
• Introduzir alterações importantes na estrutura organizativa da Administração Pública
encarregada da evasão fiscal. Entre as alterações de maior relevo, destacam-se (1) a criação
de um organismo especializado de combate à evasão fiscal, (2) a criação de um processo
judicial rápido para resolver casos de evasão fiscal e (3) uma melhor articulação e
comunicação entre as entidades auditoras e os tribunais encarregados das acções de evasão
fiscal;
• Aumentar as sanções e accionar judicialmente os infractores, após introdução de
melhorias na capacidade da administração fiscal para detectar condutas impróprias e ilegais
em termos de pagamento de impostos;
• Divulgar amplamente este conjunto de iniciativas através dos meios de comunicação
social, o que contribuiu para sensibilizar os consumidores e as empresas.
No ano seguinte ao referido estudo, a Agência Estatal de Administración Tributária (AEAT)
espanhola, que tem a seu cargo a generalidade dos impostos e direitos aduaneiros, apresentou o
seu plano de prevenção da fraude para o período 2005-2007 (Agencia Estatal de Administración
Tributaria, 2004). Neste documento, a AEAT declara que “O objectivo essencial da Agência
Tributária é o fomento do cumprimento voluntário das obrigações fiscais pelos cidadãos. Para
isso, desenvolve duas linhas de actuação: por um lado, a prestação de serviços de informação e
apoio ao contribuinte para minimizar os custos indirectos associados ao cumprimento das
obrigações tributárias e, por outro lado, a detecção e regularização dos incumprimentos
tributários mediante acções de controlo.”
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Economia Informal em Portugal 53
O Plano da AEAT estava organizado em 11 eixos estratégicos de actuação, por sua vez
desagregados nalgumas centenas de medidas que não faria sentido listar aqui exaustivamente. O
Plano foi objecto de discussão e divulgação pública, tendo-lhe sido associado um calendário de
execução. Apresentam-se apenas sucintamente os eixos estratégicos em torno dos quais se
organizavam as medidas propostas:
• Informação e acções preventivas – Visava reforçar o acesso à informação por parte da
AEAT mas também a transmissão de informação da AEAT para a sociedade, quer no sentido
da educação dos jovens, quer da comunicação com organismos profissionais acerca dos
esforços desenvolvidos para a prevenção da fraude, das fraudes detectadas e das suas
consequências. O reforço da divulgação de informação vinculativa, resultante de consultas de
contribuintes, era outra das medidas propostas. Também aqui estava prevista a prestação de
apoio a novas empresas e a celebração de acordos com associações empresariais.
• Alianças institucionais – Neste eixo, previa-se um conjunto de medidas destinadas a
reforçar a cooperação entre a AEAT e outros organismos públicos e privados,
nomeadamente tendo em vista a obtenção de informação relevante para a Agência.
• Organizações criminosas para fraude no IVA e outros impostos especiais nas
transacções intra-comunitárias – leque muito amplo de medidas destinadas a prevenir,
detectar e combater este tipo de fraude, bem como a recuperar os montantes em que o
Estado tenha sido defraudado.
• Fraude no sector imobiliário – Medidas de reforço do controlo sobre todo o tipo de
actividades imobiliárias, desde a urbanização, construção, transmissão e arrendamento,
visando nomeadamente combater a ocultação da identidade dos beneficiários das operações.
• Fraude no comércio internacional – Medidas destinadas a combater o branqueamento
de capitais, o contrabando e a utilização de sociedades fantasmas para encobrir os
beneficiários de determinados rendimentos.
• Engenharia fiscal e fraude internacional – Este tópico cobria nomeadamente as questões
da cooperação no âmbito da UE e dos paraísos fiscais.
• Pequenas e médias empresas – Aqui a principal ênfase era na utilização de regimes
objectivos de tributação, baseados em indicadores, controlando, no entanto, as tentativas de
seu desvirtuamento.
• Medidas complementares – Neste capítulo, foram analisados um conjunto díspar de
tópicos, relacionados nomeadamente com o sistema informático da AEAT, com o
acompanhamento de diligências judiciais, como o tratamento a dar a contribuintes não
localizáveis, etc.
• Fraudes para evitar a cobrança compulsiva – Medidas de combate a fraudes destinadas a
evitar a cobrança compulsiva, nomeadamente por via da ocultação de património, da
utilização de cadeias de sociedades, etc.
• Organização interna – Medidas de organização interna da AEAT, para dar resposta ao
plano proposto.
• Medidas de suporte – Medidas várias destinadas a suportar a implementação do plano.
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54 Relatório Final
Em Fevereiro de 2008, a AEAT apresentou o seu balanço da aplicação do Plano, apontando para
a obtenção de resultados tidos como muito positivos (Agencia Estatal de Administración
Tributaria, 2008). Em qualquer caso, a mera leitura regular da imprensa espanhola permite
constatar que continua a existir a percepção de que a Economia Informal naquele país mantém
níveis muito elevados. Dois factos, em particular, são objecto de notícia habitual e sugerem que a
Economia Informal continua a ser muito significativa: em primeiro lugar, as constantes detenções
de trabalhadores imigrantes em situação irregular; depois, o facto de o Banco de Espanha estimar
que cerca de um quarto de todas as notas de 500 euros emitidas na Europa estão em circulação
naquele país e representam quase dois terços do valor que aí circula.
Itália
A Itália é, como reconhecem as suas próprias autoridades, um país em que o peso da Economia
Informal e, nomeadamente, da evasão fiscal é anormalmente elevado para os padrões europeus.
Em Outubro passado, o governo Prodi, que iniciou funções em Maio de 2006, enviou ao
Parlamento italiano um relatório, onde depois de apresentar a sua estratégia na matéria,
apresentava os resultados obtidos no combate à evasão fiscal (Vincenzo Visco, 2007). Aquela
política assenta, de acordo com este documento, em três eixos fundamentais: fim dos perdões
fiscais; reforço da probabilidade de punição dos evasores; melhoramento da legislação e
simplificação do cumprimento.
Quanto aos perdões fiscais, dois meses após a sua entrada em funções, o governo aprovou o
decreto-lei nº 223/ 2006, suprimindo tudo o que estava previsto nessa matéria e declarando a sua
firme intenção de não conceder qualquer tipo de perdões.
Tendo em vista o reforço da probabilidade de punição, o governo apostou no reforço da
informação ao dispor da administração fiscal e no reforço das acções inspectivas. Uma iniciativa
fundamental foi a reorganização das bases de dados fiscais em função do contribuinte e não do
imposto, como até aí acontecia, de forma a permitir o cruzamento de informação recolhida em
sede de diferentes impostos. Quanto às acções inspectivas, o relatório assinala que em 2007
terão crescido 34% face ao ano anterior. Adoptou-se uma política de acompanhamento contínuo
das grandes empresas, acompanhado de uma tentativa de maior selectividade nas acções junto
das empresas de menor dimensão, em função dos seus perfis de risco, procurando estimular o
cumprimento voluntário.
Finalmente, em matéria legislativa, a preocupação do governo foi a de colmatar lacunas da
legislação que propiciavam a evasão e o planeamento fiscal. As fraudes no IVA são uma das
grandes preocupações do governo italiano e, nessa matéria, uma das soluções adoptadas em
certos sectores foi, à semelhança do que também aconteceu em Portugal, a da inversão do
sujeito passivo (reverse charge). Outra preocupação foi a de introduzir medidas de simplificação
no sentido de facilitar o cumprimento.
O governo, entretanto demitido, enunciava também as suas perspectivas para o futuro. A
estabilidade das políticas era apresentada como uma preocupação fundamental. Era anunciada a
intenção de investir na administração fiscal, nomeadamente melhorando seu sistema informático.
Pretendia-se reforçar o controlo sobre as grandes empresas e, para as restantes, aperfeiçoar o
sistema de selecção das que seriam objecto de acções inspectivas. A reforma do sistema penal
tributário, com o agravamento das penas era outra das linhas de orientação previstas. Pretendia-
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Economia Informal em Portugal 55
se tornar obrigatória, nas grandes empresas, a facturação electrónica e estimular a sua utilização
nas de menor dimensão bem como incentivar a modernização do sistema de pagamentos italiano,
reduzindo a utilização de contado. Finalmente, pretendia-se continuar a simplificar o
cumprimento voluntário.
Um elemento distintivo da política italiana de combate à evasão fiscal entre as PME são os Studi di
settore (SdS) que, por isso, justificam uma referência específica. Os SdS foram lançados em 1998
em resposta à insatisfação com os resultados obtidos com a acção inspectiva de base aleatória:
entendeu-se que era necessário criar instrumentos que guiassem a escolha dos alvos das
inspecções a efectuar. O ponto de partida para os SdS é a recolha de informação sobre todas as
empresas com volume de negócios inferior a 5,2 milhões de euros em cada sector de actividade.
Esta informação refere-se a aspectos físicos (localização, área de instalações, número de
funcionários, etc.) e contabilísticos. São depois utilizados diversos procedimentos estatísticos
para identificar as variáveis mais relevantes em cada sector de actividade e, em função delas, para
dividir as empresas em grupos homogéneos. Para cada um desses grupos, é depois definida uma
relação econométrica que é utilizada para estimar o volume de negócios de cada uma das
empresas. As empresas que declarem volumes de negócios inferiores a este valor estimado por
mais do que determinada margem de segurança são objecto de inspecção. Também o podem ser,
as empresas que declarem valores de outras variáveis que se afastem demasiado do padrão do
seu grupo.
Desde que os SdS foram lançados, em 1998, a percentagem de empresas que são identificadas
como justificando uma inspecção tem vindo a reduzir-se de forma quase contínua (em 1998,
eram 51%; em 2004, apenas 31%). Uma leitura possível destes resultados é a de que os SdS estão
a alcançar os seus objectivos, levando as empresas a declarar volumes de negócio mais próximos
da realidade. Há, no entanto, indícios de que aquela redução será também resultado de as
empresas terem “aprendido as regras do jogo”, passando a manipular os valores das variáveis que
servem de base a todo o exercício (Giampaolo Arachi and Alessandro Santoro, 2007). Um
recente relatório solicitado pelo governo italiano, conclui que, embora os SdS sejam um
instrumento útil, enfermam de consideráveis problemas, quer no que respeita aos dados
utilizados, quer de ordem metodológica, carecendo de alterações (Guido Rey et al., 2008).
França
Em França, o Conseil des Prélèvements Obligatoires (CPB) emitiu, muito recentemente, um
relatório de análise e emissão de recomendações em matéria de fraude fiscal (Conseil des
prélèvements obligatoires, 2007). Este relatório incide sobre impostos directos e contribuições
sociais mas exclui os impostos indirectos e as tarifas aduaneiras.
Um primeiro eixo estratégico das propostas do CPO é o de evitar soluções que não estão
adaptadas ao contexto actual. A este propósito, o Conselho discute a conveniência de baixar as
taxas de impostos mas não avança com nenhuma recomendação concreta, entendendo que é
matéria reservada para o poder político. Chama, no entanto, a atenção para que uma redução de
impostos tende a afectar todos os contribuintes, cumpridores e incumpridores, pelo que, para
um nível de actividade económica constante, se o seu único objectivo for reduzir o
incumprimento tenderá a ter um saldo financeiro desfavorável. Evidentemente, pode dar-se o
caso que este estímulo fiscal induza um crescimento económico que permita anular esse efeito.
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56 Relatório Final
Um segundo eixo visa prevenir as irregularidades. Nesta matéria, em primeiro lugar, a CPO
recomenda que se procure criar procedimentos que permitam estimar o montante de
irregularidades fiscais em França, algo que de momento não existe, estimulando a investigação
neste domínio. Uma segunda recomendação é a de que se procure desenvolver um indicador da
complexidade e custo inerente ao cumprimento das obrigações fiscais, tendo em conta que a
redução dessa complexidade tenderá a prevenir o incumprimento fiscal. A terceira
recomendação é no sentido de aumentar a segurança jurídica nas relações entre o contribuinte e
a administração, dando àquele o direito, em certos domínios, de pedir aconselhamento prévio,
com valor vinculativo. Finalmente, recomenda que se institua uma prática de fiscalização
preventiva em colaboração com os organismos profissionais de determinadas indústrias.
O terceiro eixo estratégico visa o desenvolvimento de novos instrumentos de combate ao
trabalho não declarado. Uma primeira proposta é a de fornecer às autoridades que realizam
compras públicas indicadores, nomeadamente em termos de utilização de mão-de-obra e custo,
que lhes permitam detectar propostas anormalmente favoráveis e portanto susceptíveis de
incorporar trabalho não declarado. O desenvolvimento destes indicadores poderia, mais uma vez,
ser um trabalho a desenvolver em parceria com os organismos profissionais das indústrias em
causa. Uma segunda proposta é a de dar às autoridades municipais capacidade para suspender
obras na sequência de denúncias de trabalho não declarado. A terceira proposta é que, quando
seja detectado trabalho não declarado, sendo impossível determinar o período pelo qual este se
verificou, se presuma que este não foi inferior a um determinado número de meses, de forma a
que a multa aplicável seja realmente dissuasora. E uma quarta proposta é a de reforçar as
circunstâncias em que o dono da obra pode ser responsabilizado pela utilização de trabalho não
declarado pelos seus subempreiteiros.
O quarto eixo estratégico visa reforçar a presença da administração no terreno e desenvolver
novas modalidades de controlo e coordenação. A este nível, a CPO recomenda, em primeiro
lugar, o reforço da cobertura fiscal no terreno, fazendo nomeadamente visitas pontuais a PME,
em que se façam apenas algumas operações básicas de controlo, e não auditorias completas. No
sentido de facilitar a detecção e o controlo, propõe-se o reforço das ligações entre diferentes
bases de dados na posse de cada organismo da administração17, o reforço da coordenação entre
organismos públicos e a análise da conveniência de atribuir poderes de polícia de investigação
criminal a alguns desses organismos.
O último eixo estratégico visa melhorar a capacidade dissuasora das sanções. A este nível, a
primeira recomendação é de uma maior publicitação das sanções aplicadas. Recomenda-se
igualmente a possibilidade de que os fiscais da segurança social, em caso manifesto de fraude,
possam de imediato impor sanções pecuniárias. Finalmente, recomenda-se um esforço de
comunicação com os juízes, no sentido de os sensibilizar para a gravidade das fraudes fiscais.
Num capítulo autónomo, a CPO nota que muita da actual fraude fiscal tem uma dimensão
transfronteiriça que só pode ser abordada numa perspectiva de cooperação internacional,
apelando, nomeadamente, ao estabelecimento de um enquadramento comum para a cooperação
entre as administrações fiscais dos membros da União Europeia.
17 A Comissão considera ainda demasiado exigente a interligação entre diferentes organismos, nomeadamente dada a inexistência de um número fiscal único, passo que deverá ficar para momento posterior.
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Economia Informal em Portugal 57
Tendo poucos meses, é ainda cedo para qualquer exercício de avaliação do impacto deste
relatório da CPO.
Reino Unido
Em 1999, o Chanceler do Tesouro britânico solicitou a Lord Grabiner um relatório sobre a
Economia Informal que investigasse o problema, analisasse modos de transferir actividade
económica de formas ilegítimas para formas legítimas de negócio e que recomendasse um plano
de acção. No relatório apresentado no ano seguinte, atendendo à multiplicidade de dimensões da
Economia Informal, Lord Grabiner (2000) optou por centrar a análise em três questões
específicas: a não declaração de lucros de pessoas colectivas, a não declaração de rendimentos de
pessoas singulares e a fraude na obtenção de benefícios sociais. As recomendações resultantes
deste trabalho encontram-se organizadas em quatro eixos: prevenção, detecção, punição e
publicitação.
No que respeita à prevenção, Lord Grabiner (2000) distingue duas linhas de actuação. Em
primeiro lugar, tentar atrair para a formalidade agentes económicos que estão na informalidade.
Nesse sentido, recomenda uma ampla publicitação dos benefícios que decorrem do exercício
formal da actividade e a criação de uma linha telefónica que, de forma anónima, permita
esclarecer as dúvidas que os agentes económicos possam ter nesse domínio. Para reduzir o
incentivo à fraude na obtenção de benefícios sociais, recomenda que, quando alguém que deles
beneficia consiga um emprego, os benefícios não sejam retirados de forma abrupta, mas antes de
forma faseada. Recomenda ainda que logo que uma empresa ou, sobretudo, um empresário em
nome individual comunique o início de actividade lhe seja disponibilizado aconselhamento sobre
os procedimentos que deve respeitar, para evitar que possa inadvertidamente “escorregar” para
a informalidade. Pela negativa, recomenda que não se recorra a uma amnistia geral dos
infractores. Uma segunda linha de acção destina-se a evitar que os agentes económicos entrem
na Economia Informal. As recomendações emitidas neste domínio reflectem especificidades das
instituições do Reino Unido mas destinam-se a garantir que quem inicia actividade económica se
regista quanto antes e que certos procedimentos que eram susceptíveis de permitir o “roubo de
identidade”, que depois permite a obtenção indevida de benefícios sociais, eram corrigidos.
Também no que respeita à detecção da Economia Informal, são sugeridas duas linhas de actuação:
uma de recolha de informação e outra de investigação. No que diz respeito à recolha de
informação, a primeira recomendação é de que o Governo examine a possibilidade de utilizar
informação na posse de entidades privadas, nomeadamente entidades financeiras ou agências de
avaliação de risco de crédito, por exemplo para verificar a real situação financeira dos
beneficiários de apoios sociais. Lord Grabiner admite, no entanto, que podem existir
impedimentos legais à utilização desse tipo de informação. A segunda recomendação é no sentido
de uma ampla partilha de informação entre os diversos organismos públicos, o que exigiria alguns
ajustamentos legislativos mas, sobretudo, a resolução de problemas técnicos e o estabelecimento
de procedimentos comuns. Quanto às actividades de investigação, Lord Grabiner considera que,
por questões de eficiência, faz sentido centrá-la nos empregadores e não nos trabalhadores. A
sua única recomendação concreta é que é de evitar a dispersão de esforços entre várias agências
governamentais, sendo de criar um corpo de investigação único, em matéria de investigação de
Economia Informal, que depois encaminhe a informação para os vários departamentos
governamentais que nela possam ter interesse.
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58 Relatório Final
A terceira linha de actuação é a que se prende com a punição dos infractores. Aqui, a primeira
recomendação de Lord Grabiner é a criminalização das infracções fiscais. Recomenda também
que quando a administração fiscal tenha fundadas suspeitas quanto a um contribuinte, o informe
do facto e das possíveis consequências de uma condenação. Lord Grabiner entende que este
procedimento teria um poderoso efeito dissuasor. Pela negativa, sobretudo no que diz respeito à
fraude na obtenção de benefícios sociais, desaconselha um aumento substancial nas multas
aplicáveis aos infractores. Isto porque o efeito dissuasor dessa medida seria reduzido, uma vez
que a maioria desses infractores não têm capacidade financeira para pagar multas elevadas. Em
contrapartida, recomenda que quando suspeitem que alguém está a obter apoios sociais a que
não tem direito por ter um emprego não declarado, os Centros de Emprego convoquem o
suspeito frequentemente para reuniões, para perturbar a relação laboral. Finalmente, recomenda
que se as medidas anteriores não resultarem, a possibilidade de obtenção de benefícios sociais
seja retirada a quem tenha um historial de violação repetida das suas normas.
A última linha de actuação proposta por Lord Grabiner (2000) é a publicitação. Recomenda que
se proceda a uma ampla publicitação, tanto dos benefícios inerentes à formalização das
actividades, como dos riscos associados à informalidade. Recomenda também que se proceda a
experiências de utilização da publicidade para alterar a atitude social de aceitação da Economia
Informal.
De uma maneira geral, as recomendações do relatório Grabiner foram bem acolhidas pelo
Governo britânico, dando origem a criação do grupo de trabalho inicialmente designado
Grabiner Steering Group, depois renomeado Informal Economy Steering Group, para promover
a implementação das suas recomendações.18 Uma das iniciativas resultantes foi a criação dos
JoSET – Joint Shadow Economy Teams. Cada um destes grupos de trabalho reunia funcionários
do DWP (Departamento de Trabalho e Reforma), IR (Impostos Directos) e HMCE (Alfândegas e
Impostos Indirectos) e estava encarregado de um sector de actividade considerado
potencialmente problemático. Os quatro grupos existentes incidiam sobre a construção e obras
públicas, táxis e serviços de entregas, restauração e hotelaria, existindo subgrupos com
responsabilidades definidas por áreas geográficas. Um grupo de trabalho semelhante foi criado
para lidar com a indústria da moda, agregando, neste caso, também o organismo responsável pela
saúde e segurança no trabalho. Foi também criado um projecto piloto de âmbito local, em
Wolverhampton, designado MAT (Multi-Agency Team). Para além do DWP, IR e HMCE, este
grupo incluía também os centros de emprego e o organismo responsável pelo apoio à infância.
Neste caso, não havia um foco sectorial: o objectivo do grupo era melhorar a cobrança fiscal,
reduzir o pagamento indevido de benefícios sociais e reduzir a pobreza infantil. Para lidar com os
sectores da agricultura e pescas, foi lançado a operação inter-departamental Gangmaster que
visava essencialmente combater a utilização de trabalho ilegal. Para lá deste tipo de iniciativas,
foram também feitos esforços para aumentar o cruzamento de informação, nomeadamente entre
o DWP e o IR. Foram ainda criados vários grupos de trabalho inter-departamentais de natureza
mais estratégica.
18 A principal fonte para a descrição da implementação do relatório Grabiner é Williams, Colin C. "Tackling the Informal Economy: Towards a Co-Ordinated Public Policy Approach?" Public Policy and Administration, 2005, 20(2), pp. 38-53..
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Economia Informal em Portugal 59
Avaliando estes esforços, Williams (2005) conclui que, embora tenham sido conseguidos alguns
resultados interessantes, a situação permanece insatisfatória. Por um lado, porque a escala de
operação da maioria das iniciativas referidas é diminuta, no quadro das actividades globais de
combate às várias formas de Economia Informal, continuando as iniciativas isoladas de cada um
dos departamentos a ser a norma. Por outro lado, porque, mesmo assim, este conjunto de
grupos de diversa natureza começa a tornar-se excessivamente complexo, não permitindo uma
verdadeira coordenação estratégica no combate à Economia Informal. Nesse sentido, sugere que
poderá ser preferível atribuir a responsabilidade pelo combate à Economia Informal a um único
ministério e ir além da partilha de informação, criando bases de dados unificadas. No entanto,
nota que há pouca evidência que comprove que os benefícios obtidos com este acrescido
combate à Economia Informal sejam suficientes para justificar os custos que lhe estão inerentes,
pelo que recomenda que se proceda cautelosamente, começando com experiências piloto que só
seriam alargadas caso comprovassem a sua eficiência.
Austrália
A administração fiscal australiana (ATO – Australian Taxation Office) utiliza o termo cash
economy para se referir a “todas as transacções legais que não são declaradas e resultam na
evasão aos impostos.” Por uma questão de consistência com outras secções do relatório,
traduziremos esta expressão por Economia Informal, embora a definição adoptada esteja aqui
centrada exclusivamente no incumprimento das normas fiscais.
No final de 1996, a ATO criou uma equipa de missão, a CETF – Cash Economy Task Force –
para a assessorar no combate à Economia Informal. A CETF tem cerca de 20 membros,
representando vários tipos de interesses ligados à fiscalidade: representantes da administração,
do mundo empresarial, técnicos de fiscalidade, académicos, etc. Até ao momento, a CETF
produziu três relatórios de avaliação e emissão de recomendações, em 1997, 1998 e 2003 (Cash
Economy Task Force, 2003, 1997, 1998), que são as principais fontes para esta secção do
relatório.
O relatório de 1997 (Cash Economy Task Force, 1997) concluía que o combate à Economia
Informal se debatia com duas dificuldades fundamentais. Em primeiro lugar, o que em capítulos
anteriores chamamos um problema de moralidade fiscal: na sociedade australiana havia a
percepção de que fugir ao fisco não era errado. Depois, a percepção instalada de que a
probabilidade de o fisco detectar a evasão era baixa e de que as punições previstas não eram
particularmente severas. Neste quadro, recomendava a adopção de seis linhas de actuação:
• Iniciativas visando a melhoria nos níveis de cumprimento – a este nível, propunha-se,
nomeadamente, a transferência de recursos humanos da administração fiscal para lidar
com o problema da Economia Informal, a sua segmentação no sentido de identificar os
domínios de maior risco, a realização de iniciativas de âmbito sectorial em indústrias de
elevado risco, o reforço das capacidades de utilização de informação, a avaliação das
competências do staff da ATO e o aumento da utilização de sanções criminais;
• Iniciativas de impacto legislativo – incluindo uma maior utilização de retenções na fonte
e a avaliação da eficácia das sanções previstas para o não cumprimento, do recurso a
amnistias fiscais, da simplificação fiscal para contribuintes com um histórico de bom
comportamento, da introdução de multas de pagamento imediato em caso de não
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60 Relatório Final
cumprimento de obrigações de contabilização da actividade, da divulgação da identidade
dos infractores, do regime fiscal para pequenas empresas, etc.;
• Reforço da comunicação com a comunidade – para tentar alterar a moralidade fiscal
vigente, e mobilizando para esse esforço, nomeadamente, as associações empresariais;
• Iniciativas orientadas para os técnicos de fiscalidade – nomeadamente o
desenvolvimento de kits de apoio à sua actividade e de programas dirigidos àqueles com
um historial de entrega de documentos com problemas;
• Reforço da pesquisa para perceber as causas estruturais da Economia Informal e as
motivações individuais para o incumprimento;
• Maior coordenação entre departamentos governamentais, nomeadamente a
administração fiscal, a segurança social e os serviços de imigração.
No seu relatório de 1998, a CETF (Cash Economy Task Force, 1998) salienta o bom acolhimento
que as suas recomendações mereceram. O número de funcionários da ATO envolvidos em
iniciativas direccionadas para a Economia Informal tinha triplicado, passando de 300 para 900. A
ATO tinha iniciado um conjunto de projectos direccionados para sectores considerados de
elevado risco: construção e obras públicas, vestuário, frutas e vegetais, computadores,
restaurantes e cafés, transportes rodoviários e táxis. Os projectos tinham natureza diferenciada
mas, em geral, incluíam um esforço de colaboração com as respectivas associações empresariais.
No âmbito do projecto orientado para os restaurantes e cafés tinha sido iniciado um novo tipo
de procedimento, a “revisão em tempo real”, que estava a ser alargado a outras indústrias. Este
procedimento consistia na realização de visitas frequentes mas de periodicidade irregular, ao
longo de um período de cerca de três meses, a estabelecimentos daquela indústria, verificando a
regularidade dos registos contabilísticos essenciais e, por vezes, procedendo a conferências de
caixa. Os elementos recolhidos davam origem a indicadores de actividade que eram depois
comparados com as declarações fiscais de anos anteriores: em caso de discrepâncias significativas,
seguia-se uma auditoria exaustiva. Para todos aqueles sectores, a ATO tinha também construído
indicadores típicos de actividade, ainda preliminares, para identificação de situações que
merecessem investigação mais aprofundada. Tinham sido tomadas iniciativas no sentido de
melhorar a coordenação entre departamentos governamentais e, no caso de algumas indústrias,
de estabelecer laços de cooperação com as associações empresariais. A ATO tinha também
iniciado um projecto de reforço das competências do seu pessoal.
Apesar destes progressos, a CETF (1998) emitiu um novo conjunto de recomendações. Este
conjunto de recomendações reflectia duas ideias fundamentais. Em primeiro lugar, nas suas
próprias palavras, aquela entidade entendia “(…) que a ATO deve ter expectativas realistas sobre
o montante de evasão fiscal que pode efectivamente combater. Pode não ser eficiente, em
termos de custo, que a ATO procure, por si só, descobrir e punir a maioria da evasão fiscal e,
consequentemente, necessita de desenvolver parcerias estratégicas com os contribuintes e com
associações (comunitárias e profissionais) que representem os contribuintes que são
injustamente afectados pela evasão fiscal.”
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Economia Informal em Portugal 61
Ilustração 6-1 - O Modelo do Cumprimento (Fisco australiano)19
Fonte: CETF (1998).
Em segundo lugar, a CETF defendia que a ATO devia ter uma postura flexível nesta matéria,
reflectida no que denominaram o “modelo do cumprimento” (ver Ilustração 6-1): “O modelo
defende uma abordagem hierárquica à melhoria do cumprimento que sugere que, em primeiro
lugar, as estratégias da ATO sejam direccionadas para encorajar o cumprimento voluntário
através de instrumentos como a educação e a prestação de serviços eficientes e convenientes. A
ATO deve, contudo, ter acesso a um regime de imposição progressivo com uma hierarquia de
sanções que serão utilizadas quando haja evidência de que as medidas para encorajar o
cumprimento voluntário não conseguiram mudar os comportamentos de cumprimento.” Do lado
esquerdo do triângulo, utilizando uma terminologia proposta por Brathwaite (1995) as posturas
motivacionais reflectem a forma como o contribuinte encara a sua relação com a administração: a
postura de acomodação corresponde à situação em que o contribuinte incorpora
voluntariamente as normas existentes nos seus planos de acção; a captura corresponde ao caso
em que o contribuinte, embora confie na administração, só incorpora as normas nos seus planos
quando a isso é obrigado; o contribuinte que adopta uma postura de resistência procura fugir às
normas; finalmente, o desligamento corresponde à situação em que o contribuinte não tem em
conta as normas nos seus planos de acção. Por sua vez, do lado direito do triângulo, utilizando
uma terminologia proposta por Ayres e Brathwaite (1992), são enunciadas quatro estratégias
possíveis para o regulador: a auto-regulação corresponde, como é óbvio, a deixar aos regulados a
liberdade para, de comum acordo, estabelecerem as normas aplicáveis à sua actividade; a auto-
regulação imposta dá ainda aos regulados a liberdade de definirem as normas mas obriga-os a
fazê-lo; a regulação com punição discricionária corresponde à situação em que o regulador impõe
a norma e, dentro de certos limites, se reserva o direito de decidir a punição aplicável a quem a
19 Este modelo tem tido grande influência internacional e, em versão ligeiramente simplificada, surge hoje, por exemplo, em publicações da OCDE. "Compliance Risk Management: Managing and Improving Tax Compliance," Guidance Note. Paris: OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 2004..
Auditoria com/sem penalização
Análise ao negócio em tempo real / Revisão da regularidade da escrita
Educação / Contabilização / Serviço (conveniência, acesso, escolha, controlo)
Acusação
ESTRATÉGIAS DE IMPOSIÇÃO ESTRATÉGIAS REGULATÓRIAS
POSTURAS MOTIVACIONAIS
Auto-regulação
Auto-regulação imposta
Regulação c/ punição discricionária
Regulação c/ punição não discricionária
Acomodação
Captura
Resistência
Desligamento
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62 Relatório Final
viole; finalmente, a regulação com punição não discricionária corresponde à situação em que o
regulador não tem essa margem de liberdade, o que credibiliza a aplicação da punição.
Ao centro, no interior do triângulo, encontram-se as estratégias pelas quais a administração pode
procurar impor o cumprimento, em função da postura do contribuinte. A lógica subjacente ao
modelo do cumprimento é a de que a administração fiscal deve privilegiar as situações mais
próximas da base do triângulo, por serem as que têm menores custos administrativos e impõem
menores custos aos contribuintes. No entanto, quando estas soluções se revelem ineficazes, a
administração deve estar preparada para “escalar” o triângulo e recorrer progressivamente a
soluções mais intrusivas e mais onerosas: é a sua disponibilidade para o fazer que lhe confere a
credibilidade necessária para que as soluções menos intrusivas, da base do triângulo, possam ser
eficazes.
Em função destas ideias fundamentais, a CETF (Cash Economy Task Force, 1998) apresentava um
extenso conjunto de recomendações, agrupadas em cinco temas:
• Entender o cumprimento – a CETF recomendava que a ATO continuasse a investigação
no sentido de identificar os custos que a Economia Informal impunha à economia
australiana, de determinar as atitudes da comunidade em geral e dos participantes em
indústrias de alto risco em relação à Economia Informal e de identificar oportunidades
para iniciativas que promovessem o cumprimento e, ainda, que adoptasse o “modelo do
cumprimento” como orientação fundamental para a sua estratégia relativa à Economia
Informal. A este propósito a CETF notava que as atitudes dos contribuintes para com o
ATO eram muito ditadas por sentimentos de complexidade e falta de justiça e que os
proprietários de pequenos negócios, em particular, “(…) tinham medo, ressentimento e
falta de confiança na ATO que percebiam como uma entidade sem identidade real.”
(Cash Economy Task Force, 1998)
• Estabelecimento de parcerias com a comunidade – considerando que os esforços
isolados do fisco não poderão nunca ter mais do que um sucesso limitado no combate à
informalidade, a CETF recomendava que o ATO tentasse envolver a comunidade nas
suas actividades, utilizando essas parcerias para adaptar a sua comunicação às
características específicas de diferentes segmentos da economia e para guiar a
formulação das suas políticas. Na construção destas parcerias, a CETF alerta que “É
importante que a ATO aja com integridade para gerar respeito e aumentar a percepção
de justiça e fiabilidade. Um comportamento justo e consistente da ATO, fiabilidade da
ATO e concordância com os objectivos da ATO aumentarão a probabilidade de que a
comunidade tenha confiança na actuação da ATO.”
• Encorajar e apoiar o cumprimento – o ATO deveria nomeadamente melhorar a sua
comunicação com os contribuintes, reconhecendo o contributo que a larga maioria
deles dão ao cumprimento das suas funções20, desenvolver metodologias para obter
atempadamente a avaliação dos contribuintes sobre o profissionalismo dos seus
serviços, reforçar os seus serviços de apoio e formação aos contribuintes,
20 Diz a CETF “O reconhecimento pode passar por coisas tão simples como o tom de voz do funcionário da ATO que lida com o contribuinte ou técnico de contas ou uma carta de agradecimento aos contribuintes a confirmar que as suas obrigações estão cumpridas.”
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Economia Informal em Portugal 63
particularmente as novas empresas que importa contactar tão cedo quanto possível, ter
em conta o histórico de bom comportamento dos contribuintes na imposição de
sanções e até nas exigências de registo e declaração, utilizar amnistias direccionadas e
trabalhar com o meio empresarial para identificar soluções inovadoras na abordagem a
certos sectores, se possível por via da auto-regulação.
• Forçar o cumprimento – para lá de alterações legislativas que reflectem especificidades
nacionais, a CETF recomenda nomeadamente a ampla publicitação das actividades da
ATO neste domínio em publicações gerais e sectoriais, o desenvolvimento de contactos
com o sistema judicial para alertar para os custos sociais da evasão fiscal, a investigação
sobre a adequação das sanções vigentes, tendo em vista o desenvolvimento de um
regime mais flexível para irregularidades ligeiras e a introdução de sanções mais severas
para irregularidades graves e a divulgação pública da identidade dos infractores graves.
• Realização de um amplo programa de formação para o pessoal e quadros do ATO,
nomeadamente no sentido de os habilitar a tratar de forma diferenciada o contribuinte
cumpridor que teve um lapso, ou fez uma interpretação errada das normas, do faltoso
relapso.
Na sequência da substancial reforma do sistema fiscal australiano verificada no ano 2000, em
2003 a CETF emitiu um terceiro relatório (Cash Economy Task Force, 2003). Um primeiro
grupo de recomendações, deste terceiro relatório, visa precisamente adequar a actuação da
ATO às características do novo sistema fiscal, no que ao combate à Economia Informal respeita.
Os dois grupos de recomendações seguintes incidem sobre o encorajamento e imposição do
cumprimento. O relatório reitera a confiança no Modelo do Cumprimento como o paradigma
mais adequado para lidar com a Economia Informal. As recomendações efectuadas vêm, na sua
larga maioria, em linha de continuidade com as do relatório de 1998. Continua-se,
nomeadamente, a incentivar o contacto precoce com as novas empresas e as parcerias com
associações empresariais para encontrar soluções de auto-regulação, códigos de conduta e
outros procedimentos que vão de encontro às características específicas das suas indústrias.
Quanto à imposição do cumprimento, a ampla difusão das sanções aplicadas e o reforço da
possibilidade de tratamento diferenciado dos faltosos em função da natureza do incumprimento e
do seu historial continuam entre as principais recomendações. A principal novidade deste
terceiro relatório é a atenção especial dada às transacções com os consumidores finais, domínio
em que são formuladas onze recomendações. As primeiras três recomendações são no sentido
do reforço da investigação em relação a diferentes aspectos da evasão fiscal nesse tipo de
transacções. As seis recomendações seguintes incentivam a ATO a explorar diferentes meios
para comunicar com os consumidores e as empresas que com eles transaccionam, no sentido de
os alertar para as suas obrigações bem como para os inconvenientes e riscos da evasão fiscal. A
décima recomendação é no sentido de que a ATO explore de forma mais exaustiva a informação
disponível, quer noutros organismos públicos, quer em bases de dados comerciais. A última
recomendação retoma o tema das parcerias com associações empresariais e organizações
comerciais, incentivando a ATO a que procure levar a que estas incluam o cumprimento das
normas fiscais nos seus códigos de conduta.
Mais recentemente, em 2005, os esforços da ATO de combate à Economia Informal foram
objecto de uma auditoria por parte do Auditor Geral australiano (The Auditor-General, 2005).
De acordo com esta auditoria, a ATO teria 600 pessoas dedicadas a tempo inteiro ao tema da
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64 Relatório Final
Economia Informal, a que acresciam 162 que lhe davam atenção parcial. O Auditor pronuncia-se
favoravelmente sobre a estratégia da ATO para a Economia Informal, que considera ser
determinada essencialmente pelos relatórios da CETF e em linha com as boas práticas
internacionais, e sobre o funcionamento e gestão dos projectos que lhe dizem respeito.
Considera, no entanto, que, no que respeita às transacções com consumidores finais, há ainda
lacunas na operação da ATO e que é de reforçar os esforços de educação do público. A principal
critica do Auditor é, no entanto, a de que os relatórios da ATO não permitem determinar a
eficiência dos seus esforços de combate à Economia Informal, ou seja, se os benefícios obtidos
justificam os custos destas actividades.
Síntese das experiências internacionais
As experiências dos países aqui retratados apresentam uma inevitável diversidade, atendendo até
aos seus diferentes regimes fiscais e jurídicos e às diferentes características das suas economias.
Ainda assim, apresentam um conjunto de aspectos similares que merecem saliência. Desde logo,
a opção declarada por promover o cumprimento voluntário: a boa utilização dos recursos ao
dispor das administrações públicas passa por criar condições que levem a larga maioria dos
cidadãos a cumprir voluntariamente as suas obrigações, libertando meios humanos para as
operações de fiscalização sobre os que não o fazem. O estímulo do cumprimento voluntária
passa em grande medida pela sua facilitação: é conveniente que o cumprimento das obrigações
implique o mínimo transtorno para o cidadão. Assegurar que o cidadão tem uma visão positiva da
acção do Estado e que a associa ao seu contributo por via dos impostos que paga e das normas
que cumpre, pode também ter um impacto muito positivo no cumprimento voluntário. Em
grande medida, isto está para lá da esfera de intervenção dos órgãos administrativos que mais
directamente lidam com as questões da Economia Informal, cabendo na esfera da actuação
política: a capacidade do fisco, por exemplo, para alterar a percepção dos cidadãos sobre a
qualidade dos serviços públicos é muito limitada. No entanto, o próprio relacionamento daqueles
órgãos com os cidadãos é fundamental: serviços de educação, atendimento e esclarecimento
eficazes e corteses podem contribuir, em muito, para criar uma atitude positiva por parte dos
cidadãos.
Sendo o cumprimento voluntário a opção preferencial da administração, esta tem, no entanto,
que estabelecer a sua credibilidade, demonstrando estar preparada para recorrer a mecanismos
de fiscalização e punição quando o cidadão não cumpra as suas obrigações. Para isso, necessita de
capacidade de intervenção no terreno, com vários organismos a privilegiarem as visitas
frequentes para verificação de um conjunto de normas básicas a procedimentos de auditoria mais
completos mas muito espaçados no tempo. Necessita, igualmente, da cobertura das entidades
legislativas e judiciais para estabelecer e impor um leque de sanções adequadas à gravidade dos
comportamentos detectados.
Todas as experiências aqui referenciadas salientam a necessidade de uma abordagem segmentada
à Economia Informal, reconhecendo a especificidade de muitas das suas facetas e dedicando-lhes
uma abordagem específica. A análise do risco de incumprimento é um critério fundamental nessa
segmentação que, em muitos casos, se faz em termos sectoriais. Dentro destas abordagens
específicas, é habitual o reconhecimento de um tratamento diferenciado para as pequenas
empresas bem como da conveniência de dedicar uma atenção especial às novas empresas:
embora o volume económico das suas actividades seja reduzido, em geral é mais fácil evitar que
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Economia Informal em Portugal 65
uma empresa entre na informalidade do que, depois de o ter feito, recuperá-la para a economia
formal. Por isso, a disponibilização de acção específica para novas empresas, a realização de
acções de esclarecimento e as visitas personalizadas nos meses iniciais de vida da empresa pode
ser de grande utilidade.
Outro elemento comum às propostas é a necessidade de explorar o potencial da informação
existente no aparelho do Estado, cruzando informação e estabelecendo mecanismos de
colaboração entre organismos com responsabilidades que se intersectam com a problemática da
Economia Informal, como o fisco, a segurança social, os serviços de imigração, etc.
Frequentemente, a criação de equipas multi-departamentais para lidar com segmentos específicos
da Economia Informal parece ser uma opção apropriada. Para lá do pleno aproveitamento da
informação existente no seio do Estado, em vários países está em análise a possibilidade de
recorrer a fornecedores privados de informação.21
A maioria destas propostas reconhece que, unilateralmente, há um limite ao que a administração
pública pode fazer, em particular a partir do momento em que tenha atingido um razoável nível
de eficácia. Conseguir o envolvimento da sociedade civil no combate à Economia Informal é
essencial para potenciar a eficácia da administração. Por isso, de uma maneira geral, reconhecem
a conveniência de estabelecer parcerias, por exemplo, com as associações empresariais e outros
organismos profissionais, que possam contribuir para melhor fazer passar as mensagens da
administração mas também para formatar a sua actuação às especificidades sectoriais.
21 Constituindo, porventura, um exemplo extremo, e discutível, desta utilização de informação de organismos privados, o Financial Times de 18 de Fevereiro de 2008, noticia que os serviços secretos alemães terão pago 4 milhões de euros por um DVD com informação roubada ao principal banco do Liechtenstein sobre as suas relações comerciais com contribuintes alemães, o que lhe terá permitido iniciar uma importante operação de combate à evasão fiscal.
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Economia Informal em Portugal 67
7 Recomendações para o combate à Economia Informal em Portugal Este capítulo procede à apresentação de recomendações em matéria
de combate à Economia Informal. Na formulação destas
recomendações foram tidos em conta três tipos de elementos: em
primeiro lugar, o conhecimento existente sobre os determinantes da
informalidade revisto nos capítulos anteriores, em particular no
capítulo 4; depois, os ensinamentos que é possível retirar das
experiências de outros países, nomeadamente os referidos no
capítulo 6; finalmente, o conjunto de contributos escritos e orais que
recolhemos junto de um conjunto muito diversificado de
protagonistas da sociedade portuguesa, com especial conhecimento
desta matéria.
Do conjunto destes elementos, extraímos cinco princípios essenciais
para um combate bem sucedido à informalidade, que são discutidos
na próxima secção: a facilitação do cumprimento das obrigações; o
combate à sensação de impunidade dos prevaricadores; a necessidade
de estabelecer um clima de confiança mútua entre o Estado e os
cidadãos; a importância de reforçar os laços entre o Estado e os
organismos da sociedade civil; e, finalmente, a importância da
estratégia, organização e meios dos organismos públicos que se
dedicam ao combate à informalidade.
Tendo em conta estes princípios, as duas secções seguintes do
capítulo apresentam então as nossas recomendações. A segunda
secção é dedicada a recomendações que têm um cariz
predominantemente preventivo: evitar que as empresas e cidadãos
entrem na informalidade é, muitas vezes, a forma mais eficiente de
impedir que esta assuma uma importância económica significativa. Na
terceira secção, apresentam-se recomendações que visam reforçar o
combate à informalidade já existente.
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68 Relatório Final
Princípios Subjacentes às Recomendações
As recomendações para o combate à Economia Informal que se avançam neste capítulo, e os
princípios fundamentais que lhes subjazem apresentados nesta secção, são baseadas em três
elementos fundamentais:
• Por um lado, a revisão da literatura existente sobre o tema feita nos capítulos 2 a 5, com
especial relevância para a análise dos determinantes da informalidade que foi objecto do
capítulo 4;
• Em segundo lugar, as experiências em matéria de combate à informalidade de diversos
países e organizações, retratadas no capítulo 6;
• Finalmente, a audição de um conjunto de protagonistas conhecedores da realidade
económica portuguesa, quer no âmbito das reuniões do Conselho de Orientação Estratégica
deste estudo, quer em entrevistas individuais que realizámos com personalidades exteriores
ao Conselho.
Procurámos, desta forma, que as recomendações reflectissem as boas práticas internacionais,
com as devidas adaptações ao contexto institucional, económico e social português.
O contacto com aqueles protagonistas suscita-nos a firme convicção de que se verificou nos
últimos anos uma sensível alteração da atitude do Estado português para com a Economia
Informal. Essa alteração parece-nos marcada por dois princípios essenciais. Em primeiro lugar, a
facilitação do cumprimento das obrigações. A literatura revista nos capítulos anteriores
sugere que uma das causas da informalidade é precisamente a dificuldade e o custo inerente ao
seu cumprimento. Seria injusto não reconhecer os passos muito significativos que foram dados
neste domínio, nomeadamente no âmbito do Programa Simplex. No que respeita à criação legal
de empresas, por exemplo, deram-se enormes progressos e Portugal é até frequentemente
citado como um caso exemplar de modernização administrativa. Ora, as dificuldades na criação
(legal) de empresas são um óbvio incentivo a que a actividade económica se desenvolva na
informalidade. Na área fiscal, podem citar-se, entre outros exemplos relevantes, a possibilidade
de entrega de declarações por via electrónica e o seu pré-preenchimento. E na área do
licenciamento da construção, pode referir-se o novo Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
que pretende simplificar consideravelmente a burocracia inerente à realização de obras. Os
exemplos poderiam multiplicar-se por outras áreas de actuação do Estado. Em muitos casos,
correspondem ao, louvável, aproveitamento das potencialidades das novas tecnologias para
simplificar os processos administrativos. Noutros, como o deste último exemplo, vão mais longe
e envolvem uma verdadeira redefinição da relação entre o Estado e os agentes económicos.
Um segundo princípio que marcou a actuação recente do Estado foi o do combate à sensação
de impunidade por parte dos prevaricadores. Em muitos domínios, existia a convicção
generalizada de que a probabilidade de o incumprimento das normas resultar nalgum tipo de
punição era muito reduzido. A literatura sugere igualmente que este é outro dos principais
factores determinantes do nível de informalidade. Em diversas áreas de actuação do Estado foi
notório, nos últimos anos, um intenso esforço para combater esta sensação de impunidade,
nomeadamente por via de um reforço da actividade inspectiva e, nalguns casos, do reforço das
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Economia Informal em Portugal 69
penalizações legalmente previstas para o incumprimento. Este esforço foi visível no domínio fiscal
mas estendeu-se igualmente, por exemplo, ao ambiental, à segurança e higiene no trabalho ou à
segurança alimentar e económica.
As boas práticas internacionais sugerem que, para os Estados que querem combater a
informalidade, a facilitação do cumprimento das obrigações e o combate à impunidade são
princípios fundamentais. Por isso, as recomendações apresentadas acolhem estes princípios e,
nessa medida, muitas vezes, vão mais no sentido do aperfeiçoamento ou reforço de medidas que
estão em curso do que da inovação radical.
O estudo realizado permitiu também constatar a existência, nomeadamente no meio empresarial
mas também a outros níveis da sociedade portuguesa, de um sentimento bastante generalizado
de desconforto quanto à forma como o combate à impunidade está a ser desenvolvido. As razões
do desconforto são de vária ordem. Muitas normas são criticadas, em si mesmas, por
desajustadas à realidade nacional. Em particular, são frequentes as menções ao facto de as
exigências normativas não se ajustarem à realidade das pequenas empresas. Outras vozes
criticam a aplicação das normas. Muitos consideram que os organismos do Estado têm vindo a
assumir uma postura meramente repressiva e punitiva, não contribuindo para a regeneração do
tecido empresarial. Defendem, por isso, a necessidade de uma postura mais pedagógica, que dê
aos incumpridores a oportunidade para corrigirem as suas falhas. Muitos, também, consideram
que as normas estão a ser aplicadas com excesso de zelo e que a atitude das entidades
inspectivas é de, na dúvida, multar, remetendo a possibilidade de defesa do agente económico
para o sistema judicial, o que, com os reconhecidos problemas de funcionamento que este
apresenta, é sentido como garantia insuficiente. Alguns, ainda, queixam-se que a acção de algumas
autoridades inspectivas é discriminatória, alegando que é orientada por critérios financeiros,
incidindo apenas sobre as empresas que têm capacidade para pagar coimas e deixando impunes
aquelas que não estão em condições de o fazer, contribuindo dessa forma para agravar, em vez
de reduzir, situações de concorrência desleal no mercado. Ouvimos frequentemente alegações
de que “se está a destruir o tecido empresarial” ou de que “assim, um dia destes, ninguém quer
ser empresário”.
Sobretudo a partir do momento em que atingiu um determinado patamar de eficácia no combate
à informalidade, entendemos que o Estado não conseguirá ir muito mais longe sem ter a seu lado
a maioria da sociedade e menos ainda se a tiver contra si. Por isso, independentemente da sua
razoabilidade objectiva, o Estado terá que se esforçar por atenuar este sentimento de
desconforto. O combate à impunidade não pode fazer-se à custa do atropelo de direitos e
garantias dos cidadãos sob pena de ter efeitos contraproducentes: por um lado, pelo eventual
efeito desincentivo da actividade económica; por outro, porque se os cidadãos sentem que há
uma elevada probabilidade de serem punidos mesmo que se tenham esforçado por cumprir as
suas obrigações, o incentivo para o fazer é diminuído.
As nossas recomendações observam, consequentemente, o princípio de que o Estado deve
ganhar a confiança de cidadãos e empresas. Sendo um processo necessariamente longo e
difícil, é necessário quebrar a tradição de desconfiança entre o Estado e os cidadãos. O combate
à corrupção é um elemento indispensável nesse processo. Como se discutiu em capítulos
anteriores, a corrupção pode ser, simultaneamente, causa e consequência da informalidade pelo
que o combate a cada um destes fenómenos reforça o combate ao outro. A transparência nos
processos administrativos é um requisito fundamental para atacar a corrupção e, directamente,
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70 Relatório Final
para ganhar a confiança dos cidadãos. A estabilidade legislativa é outro elemento importante para
garantir uma relação de confiança entre o Estado e os cidadãos: quando as “regras do jogo” são
permanentemente alteradas, os cidadãos têm dificuldade em compreender as suas obrigações e
tendem a descurá-las. É também fundamental que os organismos públicos, e nomeadamente os
envolvidos no combate à informalidade, tratem os cidadãos com o respeito e a solicitude que
lhes são devidas e de forma adequada, proporcional e equitativa, com pleno respeito pelos seus
direitos e garantias. Salvo indícios que justifiquem uma atitude diferente, o Estado deve começar
por presumir que o cidadão pretende cumprir as suas obrigações, estando preparado para
adoptar uma postura pedagógica face a algum erro que aquele possa cometer. Mas,
evidentemente, quando o cidadão falte à confiança nele depositada, é necessário que o Estado
esteja pronto para agir em conformidade, accionando os mecanismos de punição disponíveis, sob
pena de perder a credibilidade perante os cidadãos cumpridores. Assim, as recomendações de
simplificação de processos que fazemos devem ser acompanhadas dos mecanismos necessários
para fiscalizar e punir o incumprimento das obrigações. A confiança dos cidadãos e das empresas
será também mais facilmente ganha se os resultados financeiros positivos em matéria de combate
à informalidade se traduzirem efectivamente em benefícios visíveis para a comunidade, seja pela
via da melhoria na qualidade e quantidade dos serviços públicos, seja pela da redução da carga
fiscal. Embora os organismos que combatem a informalidade possam contribuir para a visibilidade
destes benefícios, a sua concretização e divulgação cabe, em primeira linha, aos responsáveis
políticos.
As nossas recomendações acolhem, igualmente, o princípio de que, em matéria de combate à
informalidade, o Estado deve fortalecer os seus laços com a sociedade civil. Acordos e
parcerias com organismos da sociedade civil, como as associações empresariais ou ordens
profissionais, podem ser de grande utilidade para promover uma melhor compreensão dos
objectivos do combate à informalidade e dos benefícios que daí decorrem para os agentes
económicos cumpridores, bem como para conseguir um melhor entendimento das causas e das
formas da informalidade que permita orientar a actividade das instituições públicas, por exemplo
na selecção dos alvos para acções inspectivas. A eficácia de muitas das recomendações que
fazemos poderá ser muito reforçada se implementadas neste contexto de cooperação entre o
Estado e organismos da sociedade civil. Aliás, nesta como noutras matérias, não se pode tudo
exigir do Estado: se a sociedade civil não quiser assumir as suas responsabilidades em matéria de
combate à Economia Informal, muito dificilmente esta se reduzirá substancialmente.
Finalmente, as nossas recomendações reconhecem que o sucesso no combate à
informalidade é condicionado pela estratégia, organização e meios dos organismos
que se lhe dedicam. A Economia Informal é um fenómeno dinâmico e, consequentemente, essa
estratégia, organização e meios também o têm que ser. Perceber a realidade da Economia
Informal, nomeadamente as causas que levam os agentes económicos a por ela enveredarem é
um primeiro passo indispensável para um combate bem sucedido. As ligações com a sociedade
civil podem desempenhar um papel muito importante neste domínio. Independentemente
daquele dinâmica, a Economia Informal é obviamente um fenómeno multifacetado, com
características e graus de periculosidade social muito diversos. A sua segmentação é uma pré-
condição para uma eficiente afectação dos meios de que o Estado dispõe para a combater. Em
muitos casos, esse combate poderá ser mais bem sucedido mediante a actividade coordenada de
diversos organismos públicos. Apesar dos passos já dados nesse domínio, é um aspecto onde nos
parece serem desejáveis progressos adicionais. Também a cooperação internacional se afigura
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Economia Informal em Portugal 71
indispensável ao combate de determinadas formas de informalidade, nomeadamente algumas das
mais danosas. Evidentemente, a capacidade dos organismos públicos para combater a Economia
Informal é directamente condicionada pelos meios, nomeadamente os recursos humanos, que
têm à disposição, domínio em que há igualmente passos a dar.
Terminamos esta secção com uma nota relativa à carga fiscal. A evidência revista anteriormente
mostra que há uma relação tendencial, embora intermediada por muitos outros factores,
nomeadamente a qualidade das instituições, entre carga fiscal e peso da Economia Informal.
Justifica-se, por isso, que os decisores políticos estejam atentos às oportunidades para reduzir a
carga fiscal, como forma de dissuadir a informalidade. Mesmo num contexto de constrangimentos
orçamentais, uma utilização acrescida do princípio do utilizador-pagador pode permitir passos
nesse sentido. O mesmo se diga, por maioria de razão, de uma re-conceptualização das funções
do Estado, que permita fazer acompanhar a redução na carga fiscal de uma redução da despesa
pública. Trata-se, no entanto, de matéria em que o Relatório não avança com recomendações
específicas.22
Prevenção da Economia Informal
Evitar que quem pretende desenvolver determinada actividade económica o faça de forma
informal é o primeiro passo para evitar que a Economia Informal assuma uma importância
significativa. Frequentemente, será mesmo o passo mais eficiente, envolvendo um esforço menor
do que o seria necessário para, mais tarde, detectar e punir os incumpridores. De facto, depois
de iniciada nos mecanismos da Economia Informal, a empresa, ou o cidadão, vê-se embrenhada
num conjunto de hábitos, conivências e relacionamentos que nem sempre são fáceis de
suspender. A dificuldade inerente à detecção e punição dos incumpridores justifica igualmente
que se privilegiem medidas que estimulem que quem enveredou pela informalidade opte
voluntariamente por formalizar a sua actividade. Este é o duplo propósito subjacente às medidas
apresentadas nesta primeira secção.
A adopção de medidas preventivas nem sempre é politicamente fácil. Ao contrário das medidas
de cariz repressivo, em relação às quais sempre se pode retrospectivamente dizer que resultaram
num determinado montante de receita fiscal, os resultados das medidas preventivas são difíceis
de quantificar, porque se traduzem na não ocorrência de um fenómeno. Por isso, importa que as
medidas de prevenção da Economia Informal não sejam acompanhadas de custos adicionais
significativos, devendo a ênfase ser colocada na simplificação de processos e nos mecanismos de
controlo, que devem, por princípio, funcionar com uma mentalidade pedagógica. A formalização
da economia é saudável e importante para o Estado, devendo este assumir uma postura mais
dinâmica de apoio e incentivo aos agentes económicos.
22 Sobre esta matéria, apresenta-se, em anexo, uma declaração do Presidente do Conselho de Orientação Estratégica deste trabalho, Professor Miguel Cadilhe.
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72 Relatório Final
Encorajamento à formalização da actividade
Um primeiro grupo de medidas destina-se a estimular a facilitar e reforçar os incentivos para o
cumprimento das obrigações, quer para os agentes económicos que actuam na informalidade,
quer para os que vão iniciar actividade e têm que optar entre fazê-lo formal ou informalmente.
Medida 1 – Simplificação e agilização dos processos de licenciamento comercial, industrial,
ambiental e urbanístico
Nas entrevistas realizadas, foram recorrentes as referências a dificuldades relacionadas com os
diversos processos de licenciamento necessários ao desenvolvimento da actividade económica.
Estes processos são frequentemente descritos como complexos, onerosos, pouco transparentes
e demorados.
A complexidade decorre normalmente da necessidade de interagir com diversos organismos
públicos, e de obedecer a múltiplos diplomas legais, para conseguir completar os processos. A
falta de transparência é mencionada num duplo sentido. Por um lado, em certos contextos, como
sinónimo de corrupção e tráfico de influências: de acordo com alguns dos entrevistados, em
certos locais, só quem está disposto a pactuar com esse tipo de fenómenos é que consegue
atempadamente as licenças de que necessita. O domínio do urbanismo é talvez aquele em que
estas referências são mais frequentes. Mas a falta de transparência é também mencionada num
outro sentido: o da dificuldade com que o agente económico se confronta para saber qual o
ponto da situação do seu processo e os passos que ainda tem que dar para conseguir a licença
que pretende. Este fenómeno é potenciado pela demora inerente a muitos destes processos: não
são invulgares os casos em que os normativos são modificados enquanto o processo de
licenciamento está em curso, colocando o agente económico perante alterações à lista de
requisitos a cumprir. Sobretudo entre as empresas de pequena dimensão, são também frequentes
as queixas sobre o desajustamento das exigências normativas face à sua realidade. Estas
características dos processos de licenciamento constituem evidentes incentivos à informalidade:
não conseguindo licenciar as suas actividades em tempo útil ou por custo razoável, muitos
agentes económicos são levados a desenvolvê-las antes de o fazerem.
Os problemas agravam-se, por vezes, em sectores que têm processos de licenciamento
específicos, como é caso paradigmático o da prestação de cuidados de saúde. Segundo um
relatório da Entidade Reguladora da Saúde (2006), à data da sua elaboração, cerca de 80% dos
estabelecimentos privados de prestação de cuidados de saúde não se encontravam licenciados.
No caso extremo das clínicas e consultórios de medicina dentária, não havia em todo o país um
único estabelecimento licenciado. A ERS atribuía esta situação a um sistema de licenciamento
“moroso, complexo e pouco eficiente”, não existindo nalguns casos sequer os mecanismos
necessários à atribuição das licenças legalmente previstas.
É imperativo que os licenciamentos sejam mais céleres e as regras totalmente transparentes,
devendo serem claros os requisitos, as situações que podem levar à não atribuição da licença e
os prazos para a finalização do processo. São também de desenvolver os mecanismos que
permitam ao agente económico, a qualquer momento, saber em que situação se encontra o seu
processo e os passos que ainda tem que dar para o ver concluído.
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Economia Informal em Portugal 73
É igualmente desejável simplificar o relacionamento com o “cliente”. Idealmente, o licenciamento
deveria ser objecto de um processo de “reengenharia” centrado no agente económico e não no
departamento público: quem pretendesse desenvolver determinada actividade deveria ter um
ponto de contacto único, junto do Estado, que se encarregaria de encaminhar o processo junto
dos departamentos relevantes. Enquanto não é possível atingir este nível de integração e
cooperação entre os departamentos públicos, é desejável que, pelo menos, o agente económico
tenha um único interlocutor junto de cada departamento que seja responsável pelo
acompanhamento do processo desde a sua entrada até à sua resolução.
Importa assinalar, no domínio do urbanismo, a recente entrada em vigor da lei n.º 60/2007 que
dá passos no sentido aqui proposto. Anunciam-se também para breve alterações ao regime do
licenciamento industrial que vão no sentido desejável. As medidas nestas áreas exigem o
envolvimento da Assembleia da República, do Governo e da Administração pública central,
regional e local. Embora possam ser dados passos a curto prazo, tenderão a só produzir efeitos a
médio e longo prazo.
Medida 2 – Generalizar o princípio do “balcão único”, nomeadamente a nível municipal
A criação da “Loja do Cidadão” constituiu um passo importante na simplificação do
relacionamento dos cidadãos com o Estado, permitindo-lhes resolver uma enorme diversidade de
problemas num único local. A inerente redução dos custos é particularmente relevante para
cidadãos individuais e para empresas com reduzido volume de negócios, podendo ser um factor
indutor do cumprimento das obrigações.
O mesmo princípio de concentrar num único local o atendimento aos cidadãos e agentes
económicos tem vindo a ser adoptado em diversos municípios, geralmente com bons resultados.
Recomendamos a generalização deste tipo de iniciativas, a todos os níveis da administração.
Trata-se de um processo que está em curso mas que só a médio longo prazo será possível
generalizar.
Medida 3 - Aconselhamento ao início de actividade empresarial
Os normativos legais que obrigam as empresas são muito extensos e complexos, encontrando-
se, além do mais, frequentemente dispersos por múltiplos diplomas. Particularmente para as
pequenas empresas, o desconhecimento das obrigações contribui, muitas vezes, para o seu não
cumprimento. A medida aqui proposta visa contribuir para reduzir esse desconhecimento.
Propõe-se que os organismos públicos com a responsabilidade de implementar determinadas
obrigações exerçam um particular esforço para as divulgar junto das novas empresas que vão
sendo criadas. A prestação de apoio às novas empresas é uma das medidas previstas no plano
espanhol de combate à fraude fiscal (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004) e nas
recomendações de Lord Grabiner para o Tesouro britânico (Lord Grabiner, 2000).
Este esforço pode tomar múltiplas formas. Na sua forma mais simples, pode passar pela
preparação de documentação explicativa daquelas obrigações e dos passos necessários para as
cumprir que seria entregue a quem se apresentasse a constituir empresas. Importa que esta
documentação não seja uma mera citação dos textos jurídicos relevantes, utilizando uma
linguagem “amiga do utilizador”. Na Austrália, o CETF recomenda que o fisco, em colaboração
com organismos da sociedade civil, crie um starter pack a ser entregue a todas as novas empresas
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74 Relatório Final
(Cash Economy Task Force, 2003). Naturalmente, esta documentação pode e deve aproveitar as
potencialidades das novas tecnologias, não correspondendo necessariamente a publicações em
papel. Outras formas de apoio podem passar pela realização de sessões de formação ou pela
prestação de apoio personalizado, seja por via telefónica ou pela Internet, com a criação de
equipas de aconselhamento devidamente preparadas.
O apoio a prestar deve ser adaptado às características do “cliente”, seja à sua actividade, seja à
natureza empresarial ou não da forma como esta é desenvolvida. Diferentes sectores de
actividade estão sujeitos a diferentes obrigações legais. Nesta adequação, o espírito de parceria
com a sociedade civil a que aludimos anteriormente deve estar presente. A colaboração com as
associações empresariais, por exemplo, pode permitir preparar materiais particularmente
adequados a quem vai desenvolver determinada actividade, assim como pode contribuir para a
sua mais efectiva disseminação. Da mesma forma, a realização de sessões de formação pode ser
feita em colaboração com associações empresariais, ordens profissionais, etc.
Finalmente, tal como na Medida 1, seria desejável que este apoio fosse pensado em função do
“cliente” e não do departamento público. Isto é, importaria que a uma empresa que pretende
iniciar actividade, por exemplo, no domínio da restauração, fosse entregue material de apoio que
cobrisse o conjunto das suas obrigações e não uma multiplicidade de panfletos com origem em
diferentes departamentos públicos, com estruturas, linguagem e natureza variada.
Esta medida exige o envolvimento do Governo e da administração pública, podendo ser
implementada a médio prazo. Naturalmente, a sua implementação pode ser faseada, por
exemplo, por sectores de actividade.
Medida 4 - Reforço dos mecanismos de acompanhamento nos primeiros anos de actividade das
empresas
A opção entre o cumprimento e incumprimento das normas legais faz-se, em grande medida, nos
primeiros anos de actividade da empresa. Como já notamos, se a empresa inicia a sua actividade
na Economia Informal, adquire um conjunto de hábitos e estabelece um conjunto de relações de
inter-dependência com outros agentes que dificultam a sua posterior transição para a
formalidade. Evitar que a empresa chegue a entrar na informalidade é, por isso, um importante
elemento de uma política de combate à informalidade. Por isso, ao aconselhamento já
recomendado, deve juntar-se o acompanhamento do início da actividade das empresas.
É, no entanto, um elemento difícil de adoptar. As empresas jovens são tipicamente empresas
pequenas, em que o montante de evasão fiscal que é possível detectar, ou o montante das coimas
que é possível aplicar, são igualmente pequenos. Mas o acompanhamento destas empresas, como
de quaisquer outras, exige a afectação de meios, nomeadamente recursos humanos, que são
escassos. Por isso, um cálculo económico de curto prazo aponta para que se privilegie o
acompanhamento de empresas de maior dimensão. Acreditamos que uma perspectiva de médio e
longo prazo justifica a necessidade de dedicar atenção específica às empresas nascentes,
nomeadamente aquelas que pelas suas características, nomeadamente em termos de sector de
actividade, ou da identidade dos seus sócios, apresentem um maior risco de informalidade.
Recomendamos, por isso, que os organismos da administração pública dediquem uma atenção
particular a este tipo de empresas. Este acompanhamento poderá tomar a forma de “visitas
rápidas” por parte dos seus inspectores. Não se trataria de fazer inspecções exaustivas mas
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Economia Informal em Portugal 75
essencialmente de proceder à verificação do cumprimento de determinados requisitos básicos
(por exemplo, em termos de escrituração ou de conferência de caixa). Estas visitas deveriam ter
um carácter iminentemente pedagógico e não sancionatório, alertando o agente económico para
a necessidade de cumprir as suas obrigações mas sinalizando a atenção do Estado. Deveriam
repetir-se ao longo dos primeiros anos de actividade, com um progressivo espaçamento. Para lá
do contacto presencial, os mesmos objectivos podem igualmente ser prosseguidos com pedidos
de informação escritos sobre determinadas matérias. Na realização destas iniciativas há que
procurar compatibilizar a sinalização da atenção do Estado com a minimização dos custos para as
empresas.
Esta medida incide sobre os organismos da administração pública que têm responsabilidades em
matéria de combate à Economia Informal. Pode, dependendo de opções em matéria de afectação
de recursos, iniciar-se a curto prazo.
Medida 5 - Incentivo à utilização de mecanismos de certificação de contas
A sujeição das contas a um procedimento de Revisão Oficial implica um custo que, para uma
pequena empresa, pode ser significativo. Recomendamos que seja criado um incentivo à sujeição
das contas de novas empresas a este tipo de procedimento. O incentivo seria degressivo,
diminuindo ao longo dos 3 primeiros anos de actividade. Por exemplo, no primeiro ano, o custo
da revisão oficial de contas contaria 2 vezes como custo fiscal. No segundo ano, contaria apenas
1 vez e meia e no terceiro já só 1,25 vezes. A partir daí, o incentivo desapareceria. No entanto,
acreditamos que o seu efeito seria duradouro, nomeadamente devido à pressão das instituições
financeiras: depois de se terem relacionado com a empresa, durante alguns anos, com base em
contas auditadas, as instituições financeiras tomariam o desaparecimento da revisão como um
sinal de risco financeiro, o que dissuadiria a empresa de o fazer.
A adopção desta medida exige autorização da Assembleia da República, podendo ser adoptada a
curto ou médio prazo.
Medida 6 – Condições de regularização da actividade
Uma empresa que actue na Economia Informal e pretenda regularizar a actividade sujeita-se ao
escrutínio da sua actividade passada e à consequente imposição de coimas e outras sanções. Se
estas sanções ultrapassarem determinados limiares, o custo da regularização da situação tornar-
se-á demasiado elevado e a empresa optará por permanecer na informalidade. Importa criar
condições para que as empresas não desistam de regularizar a sua actividade.
Uma forma de o fazer seria amnistiar completamente as responsabilidades passadas da empresa.
As amnistias debatem-se, no entanto, com um problema de credibilidade: para que constituam
um verdadeiro incentivo à regularização da actividade, é necessário que sejam percebidas pelas
empresas como a última oportunidade para o fazer, sujeitando-se a partir de então a pesadas
sanções se se mantiverem na informalidade; no entanto, as amnistias tendem a repetir-se, o que
destrói a sua credibilidade. Por isso, os seus efeitos são quase sempre limitados.
Consequentemente, as boas práticas internacionais desaconselham, hoje em dia, a adopção de
amnistias gerais, posição que também adoptamos.
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76 Relatório Final
A nossa recomendação vai no sentido de que se estabeleçam limites às responsabilidades da
empresa que regulariza a sua actividade que compatibilizem alguma punição pelo incumprimento
passado com o incentivo suficiente para que a regularização seja compensadora. Estes limites
poderiam ser estabelecidos em termos temporais (exemplo: a empresa só seria sancionada
relativamente aos incumprimentos cometidos nos últimos dois anos) ou percentuais (exemplo: o
montante da sanção não ultrapassaria determinada percentagem do volume de negócios da
empresa). Soluções deste tipo foram recomendadas, por exemplo, no relatório de Lord Grabiner
(2000) para o Tesouro britânico.
Esta solução não tem que ser, necessariamente, adoptada em simultâneo para toda a economia.
Poderia, nomeadamente, ser ligada ao anúncio de sectores que, em determinado período, vão
merecer a especial atenção das autoridades: por exemplo, o anúncio de que no próximo
exercício determinado sector vai ser objecto de uma atenção especial por parte do fisco poderia
ser acompanhado do estabelecimento de um incentivo deste tipo a quem regularizasse
voluntariamente a sua situação.
A adopção deste tipo de medidas envolveria o Governo e, em matéria fiscal, a Assembleia da
República e poderia ser concretizada a curto ou médio prazo.
Medida 7 - Facturação electrónica
O incremento da facturação por via electrónica tem o potencial de reduzir a informalidade, na
medida em que diminui a possibilidade de alteração dos dados relevantes para fiscalização. O
incentivo à utilização da facturação electrónica não só pelos operadores de maior dimensão, mas
também por operadores de menor dimensão, pode desta forma ser útil para o objectivo
pretendido.
Recomendamos que se imponha a sua utilização nas transacções entre empresas que ultrapassem
determinados limiares de dimensão, medida que poderia ser tomada a curto prazo pelo Governo
(prevendo o necessário período de adaptação para as empresas).
Medida 8 - Reforço da utilização de meios de pagamento bancários
A utilização de meios de pagamento bancários permite ultrapassar algumas das questões
associadas à informalidade, a mais importante das quais será a da dificuldade acrescida que por
essa via é imposta a quem pretende ocultar a origem ou o destino de fundos. A lei prevê já a
obrigatoriedade do seu uso em algumas circunstâncias. Propomos que se reforcem essas
obrigações.
Trata-se de uma medida implementável a médio prazo, exigindo a intervenção da Assembleia da
República e do Ministério das Finanças.
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Economia Informal em Portugal 77
Actuação da Administração Pública, nomeadamente da Administração Fiscal
O segundo grupo de medidas resulta da convicção de que é necessário reforçar a confiança entre
os cidadãos e a administração e de que esta última deve dar passos concretos nesse sentido.
Embora nalguns casos a relação com o combate à informalidade seja apenas indirecta, atribuímos-
lhes grande importância.
Medida 9 - Sensibilização dos cidadãos para os efeitos negativos da Economia Informal
A consciência social sobre a justiça fiscal e sobre os efeitos da Economia Informal condicionam a
tolerância para com esta, sublinhando a importância da educação e sensibilização dos cidadãos.
Medidas deste tipo são, por exemplo, previstas no plano espanhol de prevenção da fraude fiscal
(Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004).
Um alvo particularmente importante para estas campanhas são os trabalhadores potencialmente
envolvidos na Economia Informal: a sua aceitação da informalidade assenta, muitas vezes, numa
deficiente compreensão sobre os benefícios futuros de que estão a abdicar. O sucesso deste tipo
de iniciativa passa também por o Estado conseguir mostrar aos cidadãos que existe uma
retribuição que se reflecte na qualidade de vida, ou seja que o esforço contributivo está a ser
utilizado de forma eficiente.
Apesar dos benefícios apenas surgirem a médio e longo prazo, as iniciativas de educação e
sensibilização estabelecem um pilar no combate à Economia Informal, pelo que devem ser
reforçadas e alargadas a outros sectores da sociedade. Novamente, é uma área em que as
parcerias entre o Estado e a sociedade civil se podem revelar proveitosas, de modo a adequar a
mensagem e a sua forma aos destinatários potenciais, como recomenda o Auditor Geral
australiano (The Auditor-General, 2005). A administração fiscal tem vindo a ter um papel activo
em acções desta natureza mas é importante o envolvimento de outros organismos estatais assim
como das associações empresariais e dos sindicatos. É um tipo de medida que pode ser
desenvolvido a curto prazo embora os seus efeitos se produzam apenas de forma diferida.
Medida 10 - Sensibilização para pedir factura
Recomendamos que se prossigam as campanhas para sensibilizar os consumidores no sentido da
importância de pedir factura pelos serviços que lhes são prestados. Tal como o anterior, é um
tipo de medida que pode ser prosseguido a curto prazo, pelo Ministério das Finanças e pelos seus
serviços, embora os seus efeitos só se produzam de forma lenta, através de uma alteração de
mentalidades. Em Espanha, a Agência Tributária utiliza as associações de consumidores como alvo
privilegiado para este tipo de campanha (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004).
Nas entrevistas que realizámos foi frequentemente defendida a concessão de algum tipo de
benefício fiscal ao consumidor que pede factura, tal como já aconteceu no passado. Os resultados
da experiência passada ficaram muito aquém do previsto mas o incentivo concedido também não
era expressivo. Temos dúvidas sobre a possibilidade de compatibilizar níveis de incentivo
atractivos para o contribuinte com um efectivo acréscimo de receita fiscal. Além disso, é uma
solução que vai no sentido da complexificação, e não da simplificação, do sistema fiscal, ao
contrário do que defendemos. No entanto, é uma hipótese que merece consideração.
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78 Relatório Final
São por vezes apontados como mecanismos alternativos a tributação pelo rendimento disponível,
ou seja deduzido de todos os custos suportados pelo agregado familiar, ou a criação de sorteios
em que as facturas funcionam como bilhete de lotaria.23 Países como Chipre e a Turquia
permitem a dedução de uma percentagem reduzida do IVA suportado pelo consumidor final. Sem
querermos ajuizar as qualidades destes mecanismos, parece-nos que os mesmos se afastam da
actual filosofia e forma de actuação da administração fiscal portuguesa.
Medida 11 - Códigos de conduta na administração
Recomendamos que no âmbito dos diferentes organismos da administração, aos seus vários
níveis, sejam criados Códigos de Conduta que rejeitem comportamentos facilitadores da
Economia Informal e valorizem o respeito pelos direitos e garantias dos cidadãos e empresas e o
atendimento adequado. Para serem eficazes, estes Códigos devem ser claros, definindo tão
inequivocamente quanto possível o que é ou não admissível, e adaptados ao contexto específico
em que actua o organismo. Defendemos que na sua criação sejam tidas em conta as opiniões dos
funcionários públicos, através dos seus organismos representativos. O desrespeito pelos Códigos
de Conduta deve ter consequências em termos disciplinares e de avaliação profissional, pelo que
tem que ser compatibilizado com outros normativos a que o funcionamento dos organismos
esteja sujeito.
A preparação desta medida exige algum tempo pelo que só poderia ser adoptada a médio prazo.
Medida 12 - Certificação de processos na administração
Apesar de amplamente utilizada em instituições privadas, a certificação de processos é ainda uma
excepção nos organismos públicos. Existem, no entanto, diversos exemplos a nível de Câmaras
Municipais que avançaram com a certificação de alguns ou da totalidade dos seus serviços ou
departamentos.
A certificação tem o mérito de estimular o redesenho dos processos administrativos,
contribuindo para os tornar mais simples e transparentes. É esta simplicidade e transparência
acrescida que justifica a nossa recomendação desta medida. A simplicidade e a transparência
favorecem a confiança dos cidadãos e dificultam a corrupção e certas práticas de informalidade.
É uma medida que, de forma gradual, poderia ser adoptada aos vários níveis da administração,
podendo iniciar-se a curto prazo.
Medida 13 - Melhoria do atendimento
As queixas sobre a qualidade do atendimento nos organismos públicos são recorrentes e vão
desde a atitude dos funcionários ao facto de o mesmo problema colocado a funcionários ou
repartições diferentes obter diferentes respostas. A insatisfação neste domínio contribui para
degradar a relação entre os cidadãos e o Estado e, nessa medida, pode induzir a informalidade.
23 Por exemplo, na China Wan, Junmin. "The Incentive to Declare Taxes and Tax Revenue: The Lottery Receipt Experiment in China," Discussion Papers in Economics and Business. Osaka: Graduate School of Economics and Osaka School of International Public Policy (OSIPP), 2006., e como também já foi sugerido em Portugal, a administração fiscal procede ao sorteio de prémios em que a factura funciona como um bilhete de lotaria.
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Economia Informal em Portugal 79
À semelhança do CETF australiano (Cash Economy Task Force, 1998), propomos que sejam
tomadas medidas neste domínio. Desde logo, as técnicas de atendimento devem ser consideradas
como um dos elementos a incluir nos programas de formação dos funcionários da administração
pública, aos seus vários níveis, que têm contacto com o público. Deve ser promovido o
atendimento através de estruturas centralizadas, através de call centers e Internet, nas quais é
mais fácil garantir que os funcionários estão adequadamente preparados para responder às
questões dos cidadãos do que no contacto face-a-face. Quando a resposta a uma questão exija
vários contactos, é de promover a nomeação de um responsável pelo acompanhamento do
cidadão ou empresa.
Esta medida, cuja implementação só será possível a médio longo prazo, envolverá a generalidade
da administração pública.
Medida 14 - Melhoria do relacionamento e acompanhamento por parte da Administração Fiscal
A administração fiscal deve encetar esforços no sentido de actuar de forma mais direccionada e
individualizada, designadamente no que se refere ao acompanhamento dos grandes devedores e à
criação de gestores de conta para os contribuintes, especialmente os que falharam no
cumprimento das suas obrigações, com o objectivo de prevenir comportamentos reincidentes. O
acompanhamento dos grandes devedores já se encontra em fase de adopção. Sugerimos no
entanto que, visando uma afectação de recursos mais eficiente, se distingam os grandes
devedores de acordo com a sua capacidade de pagamento.
É também crucial que a administração fiscal assuma uma posição mais ponderada na análise dos
resultados das inspecções e que o direito de audição prévia e as reclamações administrativas
sejam de facto direitos e não meras etapas burocráticas. Durante as entrevistas que realizámos,
foi-nos inúmeras vezes referido que existe a clara percepção de que muitos casos podiam ser
resolvidos sem o recurso a tribunal caso a administração fiscal assumisse uma posição de maior
abertura e diálogo, particularmente durante a audição prévia, permitindo que o contribuinte
exponha o seu ponto de vista e justificando o porquê de manter ou não a posição após uma
efectiva ponderação dos esclarecimentos apresentados.
Esta é uma medida que pode ser adoptada a curto/médio prazo, dependendo fundamentalmente
da DGCI.
Medida 15 - Automatização de opções no domínio fiscal
Ainda no que respeita ao relacionamento com os contribuintes, sugerimos que o sistema
informático da administração fiscal efectue automaticamente algumas das opções que actualmente
são da responsabilidade do contribuinte. Por exemplo, a opção de englobar ou não determinado
rendimento. Em última instância, as opções reflectem-se no montante de imposto a pagar e
parece-nos mais transparente que esta opção possa ser tomada de forma automática e em
benefício do contribuinte. Por razões de ordem técnica, esta medida apenas deverá ser adoptada
para as declarações entregues em formato electrónico.
Esta é uma medida que pode ser adoptada a curto prazo pela DGCI.
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80 Relatório Final
Medida 16 - Reforço dos mecanismos de controlo da informação disponível
Uma administração fiscal mais eficaz passa também pela adopção de medidas preventivas, que
permitam a detecção antecipada de erros ou de potenciais situações de evasão fiscal. O plano de
prevenção da fraude fiscal espanhol ilustra a adopção de medidas deste tipo (Agencia Estatal de
Administración Tributaria, 2004). As medidas preventivas devem basear-se em controlos que
visem detectar erros no cadastro, tais como residências fiscais inválidas ou contribuintes não
registados. As mesmas medidas podem ser alargadas para controlo dos novos sujeitos passivos e
detectar actividades sem estrutura ou estruturas inadequadas à actividade desenvolvida. Nos
casos sem gravidade ou não reincidentes, a correcção deverá poder ser feita sem qualquer custo
e, sempre que possível, de forma automática.
A administração fiscal tem vindo a adoptar com relativo sucesso medidas desta natureza,
designadamente, alertas no preenchimento electrónico das declarações, controlo da não entrega
da declaração de rendimentos por cruzamento de informação, controlo do pagamento especial
por conta, controlo da entrega das retenções na fonte, entre muitos outros. A emissão
automática de mensagens electrónicas sobre obrigações cujas datas de cumprimento se
aproximam pode igualmente ser de grande utilidade. A intensificação da implementação destes
mecanismos de controlo depende de uma contínua actualização do cadastro dos contribuintes e
do alargamento da informação disponível à administração fiscal, assunto que abordaremos
adiante.
É uma medida em curso e que pode prosseguir de imediato, dependendo da DGCI.
Medida 17 - Actualização do cadastro de contribuintes
A administração fiscal deve envidar esforços para garantir uma actualização contínua do cadastro
dos contribuintes. Apesar dos esforços que têm vindo a ser desenvolvidos, o cadastro ainda
apresenta deficiências que se tornam graves quando associadas a uma crescente utilização de
mecanismos automáticos, como por exemplo os da penhora automática e podem resultar em
prejuízo da credibilidade do Estado. A preocupação com a regularidade do cadastro de
contribuintes é uma preocupação central nas recomendações de Lord Grabiner para o Tesouro
britânico (Lord Grabiner, 2000).
O cruzamento de informação com outros organismos da administração, nomeadamente o
Ministério da Justiça, é uma das vias a explorar. É uma medida que só produzirá efeitos a médio
prazo.
Medida 18 - Acesso dos cidadãos e empresas à informação relevante
A relação da administração com os cidadãos deve pautar-se pela transparência. Salvo razões
ponderosas em contrário, o cidadão deve ter acesso a toda a informação relevante,
particularmente a que lhe diga directamente respeito.
No decorrer das entrevistas que mantivemos, foram por diversas vezes manifestadas opiniões
que referiam o desacordo com a emissão de normas interpretativas, no domínio fiscal, que na
prática implicam uma aplicação retroactiva, e com as dificuldades em ter acesso a alguns
pareceres e entendimentos da administração fiscal. A administração fiscal deve garantir que toda
a informação fiscal está disponível ao contribuinte, incluindo as posições assumidas como
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Economia Informal em Portugal 81
resposta a pedidos de esclarecimento ou resultantes de situações analisadas em inspecções
realizadas.
A administração fiscal deve colaborar de forma activa com as empresas e entidades que
comercializam bases de dados de informação fiscal.24 Acreditamos que, desta forma, podem ser
reduzidos os pedidos de esclarecimento e as situações de erros generalizados resultantes de uma
incorrecta interpretação da lei.
Mas o mesmo se deve passar noutros domínios da administração: o cidadão ou empresa deve ter
acesso à informação de que carece para o cumprimento das suas obrigações e, em particular,
daquela que diga respeito aos seus processos individuais.
São medidas que podem ser implementadas a curto/médio prazo, envolvendo o Governo e os
organismos da administração pública, aos seus vários níveis.
Medida 19 - Eliminação de restrições geográficas no cumprimento das obrigações fiscais
De acordo com as regras actualmente vigentes, a maioria das peças procedimentais, como
reclamações ou recursos hierárquicos, tem que ser entregue junto do serviço de finanças ou da
direcção de finanças da área da sede ou domicílio do sujeito passivo de imposto. Ora, sobretudo
no caso das empresas, é frequente que a sede corresponda a instalações nas quais não funcionam
os departamentos competentes para aqueles efeitos, o que significa, por vezes, um efectivo
encurtamento dos prazos de reacção. A previsão da possibilidade de entrega em qualquer
departamento da administração fiscal simplificaria o regime na perspectiva dos sujeitos passivos,
mais uma vez permitindo a redução dos custos de cumprimento, sendo apenas necessário
assegurar, na perspectiva da administração fiscal, que são implementados os mecanismos
adequados de remessa para os departamentos relevantes.
É uma medida que poderia ser adoptada a curto prazo, dependendo do Ministério das Finanças e
da DGCI.
24 Por exemplo, o sistema de informação fiscal disponível aos Técnicos Oficiais de Contas e aos Revisores Oficiais de Contas.
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82 Relatório Final
Garantias
O estabelecimento de uma relação de confiança entre o cidadão e o Estado exige que aquele
sinta que dispõe dos meios adequados à defesa dos seus legítimos interesses. Embora no curto
prazo, as garantias do cidadão possam dificultar a actuação do Estado, a longo prazo são
indispensáveis a uma relação saudável entre ambos. Pela importância que lhe atribuímos,
autonomizamos este tema da secção anterior.
Medida 20 - Proporcionalidade no tratamento dos contribuintes
A administração fiscal deve adoptar a sua postura ao comportamento dos contribuintes,
distinguindo o contribuinte cumpridor que cometeu um erro do infractor fiscal reincidente. Em
particular, deve assumir um papel mais pedagógico quando as situações sejam claramente de erro
e tomar posições ponderadas quando a sua actuação coloque em causa a actividade do
contribuinte. Esta questão anda de mãos dadas com a evolução da mentalidade e educação cívica
e, da mesma forma que a administração fiscal admite que a opinião sobre a Economia Informal
está a mudar, os seus procedimentos e formas de actuação também têm de reflectir esta
melhoria. Por exemplo e à semelhança do que acontece em outras áreas, a administração fiscal
deve reforçar os mecanismos de suspensão das penas no casos de erro simples. A preocupação
com a proporcionalidade no tratamento dos contribuintes é elemento fundamental do modelo
do cumprimento australiano, proposto pela Cash Economy Task Force (1998).
A adopção desta medida depende em parte de opções estratégicas por parte da administração
fiscal, que podem ser tomadas a curto prazo, e em parte de questões comportamentais dos seus
funcionários que só serão alteráveis num prazo mais alargado.
Medida 21 - Reforço das garantias na resposta da administração fiscal
As entrevistas realizadas demonstraram um profundo descontentamento com a resposta da
administração fiscal às reclamações e pedidos de esclarecimento que lhe são apresentados.
No caso da consulta prévia sobre o entendimento que o contribuinte faz da aplicação das normas
a determinada situação concreta, sugerimos que seja introduzido um prazo de três meses findo o
qual, na ausência de resposta da administração, o contribuinte não possa ser penalizado por ter
agido de acordo com esse entendimento. Quando a administração preste o esclarecimento
solicitado, este deve ser vinculativo. Admitimos, no entanto, que a administração cobre uma taxa
pela prestação deste serviço. No caso das reclamações, analogamente, sugerimos o seu
deferimento tácito, se não for obtida resposta no prazo de três meses.
A implementação de mecanismos que possam resultar no deferimento tácito deve ser
acompanhada de mecanismos de controlo e de alerta, notificando os superiores hierárquicos e os
serviços centrais da administração fiscal, impedindo potenciais situações favoráveis ao suborno e
corrupção.
A implementação destas medidas exige o envolvimento da Assembleia da República e do
Ministério das Finanças. Dado o esforço de agilização que representa face à situação actual,
admitimos que os prazos propostos possam ser reduzidos faseadamente para os valores
propostos.
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Economia Informal em Portugal 83
Sistema judicial
O funcionamento do sistema judicial é um elemento fulcral no estabelecimento de uma relação
de confiança entre os cidadãos e o Estado que consideramos indispensável à redução da
Economia Informal.
Não podemos deixar de sublinhar, pela particular relevância que tem para a matéria do combate
à Economia Informal, a urgência de encontrar uma solução para os inadmissíveis atrasos no
sistema judicial tributário. Em finais de 2006, estavam pendentes 37.623 processos de
contencioso tributário. Em 2006, deram entrada 12.228 processos e foram concluídos 8.859, um
saldo de 3.399 processos a acrescer aos existentes. Se estes números são significativos, o cenário
assume proporções chocantes quando apenas existem 33 juízes na área tributária, ou seja, um
rácio de 1.140 processos por juiz (CSTAF, 2007). Sem ter em consideração novos processos, o
sistema precisa de mais de quatro anos para analisar os processos existentes.
Esta situação é agravada com as recentes alterações que terminaram com a caducidade das
garantias prestadas pelos contribuintes. A velocidade da justiça é uma garantia real que deve ser
assegurada a todos os cidadãos. Sem que o Estado possa garantir que a justiça tributária funciona
de forma célere, parece-nos inaceitável a posição de terminar com o prazo de caducidade das
garantias ainda que possamos admitir que o tempo de paragem do processo deixe de ser
relevante para a contagem do prazo de prescrição. É o contribuinte quem paga os custos da
incapacidade do sistema judicial. Mas é importante sublinhar que a actual situação dos tribunais
não prejudica apenas o contribuinte, sendo também fortemente penalizadora para o Estado nas
situações em que a estratégia de defesa aposta deliberadamente no atraso dos processos até à
sua prescrição.
Medida 22 - Criação de equipas técnicas de apoio aos tribunais fiscais
O anunciado reforço de 30 juízes pode vir a ser suficiente para que todos os processos em
aberto sejam analisados, mas será, ainda assim, insuficiente para trazer a celeridade que se exige a
processos desta natureza. A criação de equipas de apoio aos magistrados especializadas em
matérias fiscais poderá permitir não só uma maior celeridade mas também uma decisão mais
informada. Actualmente a administração fiscal já dá apoio aos tribunais no esclarecimento de
situações de maior detalhe técnico. No entanto, as equipas que aqui propomos deverão ser
independentes da administração fiscal, de forma a evitar potenciais situações de conflitos de
interesses.
Esta medida pode ser adoptada a curto/médio prazo, envolvendo o Ministério da Justiça e a
Assembleia da República.
Medida 23 - Criação de mecanismos alternativos aos tribunais tributários
Tal como já se vem ensaiando noutros domínios da justiça, importa viabilizar a utilização de
mecanismos de resolução de disputas alternativos/complementares aos tribunais, libertando estes
últimos para a análise dos casos mais relevantes. Os casos simples e de montantes reduzidos
devem ser resolvidos preferencialmente fora dos tribunais, criando ou dinamizando órgãos de
mediação e julgados de paz para matérias fiscais.
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84 Relatório Final
Naturalmente, o contribuinte deve, à partida, ter o direito de escolher se aceita a utilização
desses mecanismos mas importa criar condições, seja pela via da redução dos custos envolvidos,
seja pela da rapidez na resolução dos conflitos, que o incentivem a fazê-lo. Estas medidas podem
ser acompanhadas com o reforço dos mecanismos de celebração de acordos fora do sistema
judicial. A utilização das comissões paritárias deve ser alargada e as regras de negociação
tornadas mais claras.
Estas medidas exigem o envolvimento da Assembleia da República e dos Ministérios da Justiça e
das Finanças, pelo que só serão implantáveis a médio prazo.
Medida 24 - Agilização dos procedimentos falimentares
Os processos falimentares continuam, em Portugal, a ser excessivamente longos, levando a que
permaneçam no mercado empresas sem qualquer viabilidade. Daqui resulta uma concorrência
desregrada que, muitas vezes, incentiva práticas de informalidade e evasão fiscal: procurando
assegurar a sobrevivência a qualquer custo, a empresa em dificuldades tende a ignorar algumas
das normas a que está obrigada e, ao fazê-lo, a incentivar que outras empresas façam o mesmo.
Recomendamos, por isso, que se proceda à revisão do regime das falências, tendo em conta as
melhores práticas internacionais. É um processo que envolve o Governo e concretizável a médio
prazo.
Medida 25 - Formação dos juízes em matéria económico-financeira
Um tema recorrente nas entrevistas que realizámos foi o da reduzida preparação dos juízes para
lidar com os temas ligados à actividade económica. Como consequência, a resolução destes casos
tende a ser protelada ou inadequada, o que degrada a confiança dos cidadãos e empresas na
justiça, podendo, dessa forma, induzir práticas de informalidade. O mesmo tipo de preocupação é
manifestado em França pelo Conseil des Prélèvements Obligatoires (2007).
Em consonância, recomendamos um reforço da formação dos juízes em matérias ligadas à
actividade económica, nomeadamente, contabilidade e fiscalidade, concorrência e falências. É uma
medida concretizável a médio/longo prazo e que envolve essencialmente o Ministério da Justiça.
Medidas de simplificação com implicação legislativa
O grupo seguinte de medidas tem por tónica comum a simplificação nas relações entre o Estado
e os contribuintes. A complexidade da legislação tem dois efeitos muito negativos em termos de
Economia Informal. Para a maioria dos agentes económicos, aumenta o custo do cumprimento
das obrigações e, muitas vezes, leva até à incapacidade para compreender plenamente as
obrigações existentes. Já para os agentes económicos mais sofisticados, a análise cuidada da teia
normativa a que estão sujeitos permite, por vezes, encontrar meios formalmente lícitos de se
esquivarem a ir de encontro às pretensões do legislador. Damos aqui especial atenção ao
domínio fiscal mas a mesma preocupação de simplificação deve estar geralmente presente nas
relações entre o Estado e os agentes económicos.
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Economia Informal em Portugal 85
Medida 26 – Estabilidade legislativa
Defendemos anteriormente a estabilidade legislativa como condição necessária ao
estabelecimento de uma relação de confiança entre o Estado e os cidadãos. Isto é
particularmente evidente no domínio fiscal. Nas entrevistas que realizámos, foram frequentes as
manifestações de desagrado perante as frequentes alterações das normas fiscais e, em particular,
com o facto de o mesmo diploma ser, por vezes, alterado sucessivas vezes ao longo de um ano,
com implicações para o exercício em curso e até para exercícios anteriores, aparentemente sem
que sejam ponderados os graves transtornos que isso pode implicar ao contribuinte.
Assim, para além da preocupação geral de garantir a estabilidade que consta já dos princípios
subjacentes às nossas propostas, recomendamos especificamente que todas as alterações fiscais
entrem em vigor num único momento, juntamente com o Orçamento de Estado. Salvo razões
muito ponderosas, nomeadamente quando esteja em causa erro manifesto de que possa resultar
grave prejuízo patrimonial para o Estado ou os contribuintes, nenhuma alteração deve entrar em
vigor entre orçamentos, particularmente se tiver implicações para o exercício em curso ou
exercícios anteriores.
Esta é uma recomendação que pode ser implementada a curto ou médio prazo, por decisão da
Assembleia da República.
Medida 27 – Simplificação da tributação do rendimento
Propomos a simplificação da legislação fiscal, em especial a que consagra a tributação sobre o
rendimento. O actual regime de tributação sobre o rendimento surgiu em finais da década de 80
e desde então tem sofrido constantes alterações que criaram um mapa legislativo confuso e
disperso. Torna-se urgente proceder a uma reestruturação legislativa com vista a tornar a
legislação fiscal mais clara, mais organizada e mais transparente.
A nível do IRS existem diversas áreas que podem ser simplificadas, algumas das quais criam
situações de desigualdade fiscal. O Estado tributa rendimentos, independentemente da forma
como são obtidos, parecendo injustificáveis as situações em que o mesmo nível de rendimento é
tributado de forma diferente consoante a sua origem. Neste sentido, propomos a eliminação das
diferenças de tributação entre os rendimentos de trabalho dependente e os rendimentos de
pensões, salvaguardando os pequenos pensionistas.
Os passos dados na simplificação do processo declarativo são negativamente afectados pelas
inúmeras deduções, abatimentos e benefícios disponíveis. As deduções, isenções e benefícios em
sede de IRS são mecanismos adoptados pelo Estado para incentivar determinados
comportamentos ou uma maior justiça social, criando no entanto complexidades e situações de
potencial injustiça fiscal. Os mesmos objectivos podem ser alcançados pela adopção de taxas
inferiores ou, nos casos aplicáveis, pela concessão dos mesmos benefícios no momento da
aquisição dos bens ou serviços inerentes. Propomos, portanto, uma revisão sistemática das
situações para que está previsto este tipo de benefícios, mantendo-os apenas para situações que,
pela sua natureza verdadeiramente excepcional, os justifiquem.
É uma medida implementável a médio prazo e que exige a intervenção da Assembleia da
República e do Ministério das Finanças.
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86 Relatório Final
Medida 28 - Alteração ao regime do IVA
Apesar da convicção que existia aquando da sua adopção de que seria um tipo de imposto
robusto, a experiência tem demonstrado que o IVA se presta a diversos tipos de fraude e,
nomeadamente a fraudes que não se limitam ao não pagamento do imposto devido, passando
pela obtenção de reembolsos indevidos. O tema tem suscitado viva preocupação e reflexão a
nível da União Europeia, estimando-se que o montante anual da fraude a nível comunitário possa
ascender a 100 mil milhões de euros (Vanessa Houlder, 2007).
A União Europeia encontra-se ciente das dificuldades inerentes e está a desenvolver estudos
sobre eventuais alterações ao funcionamento deste imposto, incluindo, entre outras, a reversão
total do mecanismo de imposto, à semelhança do que acontece em Portugal na construção civil e
a aplicação da tributação na origem a nível internacional (CE, 2006, Lázló Kovács, 2007). A
harmonização das taxas de IVA acompanhada da utilização de uma taxa única mais baixa poderá
ser também um passo importante no combate à fraude fiscal em sede de IVA, pois anula
esquemas baseados no aproveitamento das diferentes taxas vigentes na União Europeia.
A nível interno, a uniformização das taxas de IVA será um importante passo na simplificação do
sistema fiscal. O actual regime de IVA contempla seis taxas, tomando em consideração as regiões
autónomas, e diversas isenções, criando um cenário complexo e propício ao erro e à evasão
fiscal.25 A uniformização das taxas poderá potencialmente permitir uma redução da taxa normal.
Dada a concertação que exige a nível europeu, a adopção de medidas neste âmbito só é
previsível num horizonte de médio prazo. Para além dos órgãos comunitários, exige a
intervenção da Assembleia da República e do Ministério das Finanças.
Medida 29 - Redução e simplificação das obrigações administrativas
O excesso de obrigações contabilísticas, administrativas e fiscais cria custos de cumprimento
excessivos e aumenta os incentivos para o recurso à Economia Informal. O problema dos custos
de cumprimento associados às obrigações administrativas é particularmente grave no caso das
pequenas empresas que, na maioria das situações, estão sujeitas às mesmas regras ambientais,
laborais ou fiscais das empresas de grande dimensão. Apesar das novas tecnologias permitirem o
cumprimento das obrigações de forma mais célere, a quantidade de obrigações declarativas e os
custos de cumprimento continuam elevados. Lopes (2007) estima os custos de cumprimento em
5.27% do volume de negócios para as empresas com um volume de negócios abaixo dos 2
milhões de Euro, em 0.05% para as empresas com um volume de negócios acima de 50 milhões
de Euro e numa média de 2.48% para a generalidade das empresas.
A introdução do SIMPLEX constituiu um importante passo, que pode e deve ser reforçado.
Nomeadamente, através da redução das obrigações, da redução e simplificação dos formulários e
25 Foi-nos dado o exemplo da dificuldade de distinção entre “aperitivos à base de produtos hortícolas e sementes”, sujeitos à taxa intermédia de 12% (8% nas Regiões Autónomas), e aperitivos à base de outros ingredientes, sujeitos à taxa de 21% (15% nas Regiões Autónomas). No entanto, se estes últimos forem “aperitivos à base de estrudidos de milho e trigo, à base de milho moído e frito ou de fécula de batata, em embalagens individuais” estão igualmente sujeitos à taxa intermédia.
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Economia Informal em Portugal 87
da intensificação do uso das novas tecnologias, permitindo a realização de obrigações à distância
e preferencialmente de forma automática através da interacção dos sistemas.26
As obrigações contabilísticas vão ser agravadas com a futura introdução do Sistema Nacional
Contabilístico, que adapta as normas internacionais de contabilidade,27 sendo ainda uma incógnita
qual vai ser a postura da administração fiscal face ao desaparecimento do Plano Oficial de
Contabilidade. É importante que a administração fiscal dê atempadamente indicações claras sobre
qual vai ser a postura perante o novo quadro normativo.
Ao nível da tributação das pequenas empresas, o actual regime simplificado abrange uma pequena
franja e precisa de ser revisto, sendo que em certa medida cria ele também incentivos para a
Economia Informal. A fixação do rendimento numa percentagem dos proveitos, cria incentivos a
reduzir a facturação e por outro lado elimina os incentivos de pedir factura pelos produtos e
serviços contratados (dependendo do regime e taxa de IVA). A utilização de indicadores
económicos ou a tributação baseada em outros valores que não o resultado líquido são
estratégias que devem ser adoptadas. Também a este nível, a colaboração entre a administração e
as associações empresariais pode ser importante para definir quadros de indicadores
devidamente adaptados às realidades sectoriais. As opiniões que escutámos relativamente a um
sistema de tributação baseado no total de proveitos e/ou total de activo não foram unânimes,
sendo que é preciso procurar um ponto de equilíbrio entre a simplificação da tributação das PME
e a facilidade destas criarem formas de contornar o sistema fiscal. Em Espanha, onde a tributação
por indicadores tem um significado considerável, o plano de prevenção da fraude fiscal analisa
este tipo de dilema (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004).
Estas medidas podem ser adoptadas a médio e longo prazo, exigindo a intervenção da Assembleia
da República e do Governo, especialmente do Ministério das Finanças.
Medida 30 - Simplificação das obrigações declarativas de terceiros
Sobretudo em matéria de impostos sobre o rendimento, são actualmente aplicáveis inúmeras
obrigações declarativas a terceiros que se relacionam com sujeitos passivos de IRS ou de IRC.
Estas obrigações assentam num dever de colaboração com a administração fiscal e visam,
fundamentalmente, permitir a verificação do cumprimento, pelos sujeitos passivos de imposto,
das obrigações declarativas e (sobretudo) de imposto que sobre eles impendem. Inserem-se
assim também numa política de combate à informalidade. Por outro lado, permitem à
administração fiscal auxiliar o contribuinte no cumprimento da obrigação de declaração de
rendimentos, ao fornecer-lhe a informação que vai estar na origem do pré-preenchimento de
declarações.
Nesta fase da evolução das obrigações em causa, é porventura adequado concluir que alguma da
informação cuja transmissão à administração fiscal é exigida não é directa, imediata e
sistematicamente relevante para aqueles objectivos, o que significa que o esforço que é exigido
26 Tecnologias como o XBRL podem permitir a total interacção entre os sistemas, reduzindo os recursos administrativos envolvidos.
27 O novo SNC contempla diferentes regras contabilísticas consoante a dimensão da empresa, sendo as principais diferenças ao nível da informação a relatar. A existência de diferentes níveis de exigência reduz mas não elimina um acréscimo de complexidade no processamento contabilístico das pequenas empresas.
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88 Relatório Final
aos terceiros em causa não é proporcional à utilidade que efectivamente é retirada da informação
transmitida.
Por outro lado, o dever de colaboração com a administração fiscal, legalmente consagrado,
permite-lhe solicitar aos terceiros que se relacionam com o contribuinte a informação que seja
necessária para efeitos específicos, relativos a um contribuinte concreto, ou a um grupo de
contribuintes (por imposto, por sector de actividade, etc.).
Considera-se assim que seria adequada a revisão criteriosa das obrigações referidas, à luz dos
critérios indicados e de outros relevantes, com vista à sua limitação às que sejam consideradas
indispensáveis e cujo cumprimento se traduz numa efectiva utilidade imediata na prossecução da
actividade da administração fiscal.
Ainda neste domínio, nota-se que os formulários através dos quais as obrigações em causa devem
ser cumpridas são frequentemente pouco claros quanto ao preenchimento, levantando inúmeras
dúvidas, o que, para além das dificuldades associadas, conduzirá frequentemente a diferenças de
interpretação traduzidas em informação não harmonizada.
Desta forma, a reformulação das obrigações de cooperação de terceiros a que antes se fez
referência deverá igualmente abranger os termos concretos em que deverão ser estabelecidas as
obrigações cuja manutenção for decidida. Caso se opte por não alterar as obrigações de
cooperação em causa, recomenda-se a revisão dos termos concretos do seu cumprimento.
Trata-se de uma medida que poderá ser adoptada a médio prazo, exigindo a intervenção da
Assembleia da República e do Ministério das Finanças.
Medida 31 - Simplificação da comprovação da aplicabilidade de regimes fiscais especiais
A legislação fiscal prevê em várias instâncias em que a aplicação de um regime de IRS ou de IRC
vantajoso por comparação com o regime regra depende de comprovação, pelo beneficiário do
regime em causa, de que se encontram cumpridas as condições para o efeito exigidas, como, por
exemplo, a não residência em Portugal para efeitos fiscais.
Regra geral, a comprovação só pode ser efectuada nos termos especificamente previstos na lei, o
que deve ser verificado pela empresa residente que coloca os rendimentos à disposição do não
residente. Existem inúmeros regimes diferentes de comprovação, o que obriga a entidade
obrigada à verificação da sua conformidade com a lei ao estabelecimento de vários tipos de
procedimentos, um por regime.
A harmonização das regras referidas permitiria simplificar procedimentos numa área relevante e
que afecta directamente as empresas, desta forma reduzindo os custos de cumprimento. As
diferenças nas regras de comprovação referidas não parecem ter subjacente qualquer motivação
incompatível com a uniformização preconizada, pelo que a sua harmonização deverá ser aceitável.
Note-se que uma medida deste tipo permitiria igualmente melhorar a percepção dos
“utilizadores” dos regimes referidos, por regra não residentes, relativamente ao sistema fiscal
português e ao respectivo funcionamento.
Trata-se de uma medida implementável a médio prazo, exigindo a intervenção da Assembleia da
República e do Ministério das Finanças.
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Economia Informal em Portugal 89
Medida 32 - Criação de um código fiscal para não residentes
No que respeita aos não residentes, recomendamos, aliás, a criação de um código fiscal
específico, cujas vantagens nos parecem muito relevantes. As inúmeras disposições legais
aplicáveis a não residentes estão espartilhadas pelos diversos códigos fiscais, criando uma
complexidade desnecessária. A criação de um código para estes contribuintes centralizaria toda a
legislação relevante para os mesmos, facilitando o conhecimento e cumprimento das suas
obrigações e permitiria eliminar dos actuais códigos um significativo número de preceitos legais
que não têm qualquer relevância para a esmagadora maioria dos contribuintes.
Trata-se de uma medida implementável a médio prazo, exigindo a intervenção da Assembleia da
República e do Ministério das Finanças.
Medida 33 - Simplificação do regime de aplicação do IMT
O actual regime de IMT distingue os imóveis destinados à habitação própria e permanente e os
restantes imóveis destinados à habitação, aplicando diferentes regimes de tributação consoante o
caso. Este regime pode ser significativamente simplificado pela eliminação de tal distinção e
aplicação de taxas inferiores.
Trata-se de uma medida implementável a médio prazo, exigindo a intervenção da Assembleia da
República e do Ministério das Finanças.
Medida 34 - Simplificação da liquidação de sociedades
A liquidação de sociedades tem associada um conjunto de procedimentos e formalidades que
frequentemente determinam o arrastar do processo por vários anos, se não décadas. As
sociedades em liquidação continuam a ter existência jurídica e, portanto, a estar sujeitas a
obrigações de natureza fiscal e societária, que acarretam custos e nenhuns benefícios, quer para o
Estado quer para os responsáveis pelas sociedades.
Recomendamos a simplificação de todos os procedimentos inerentes à liquidação de sociedades
e o reforço das situações em que o Estado pode iniciar o processo de liquidação de sociedades
inactivas, inquirindo os responsáveis e, sempre que justificável, ordenando a liquidação da
sociedade de forma urgente. Analisada a complexidade da situação, o Estado deverá estabelecer
um prazo, findo o qual os responsáveis pela empresa incorrerão em penalidades.
Trata-se de uma medida implementável a médio prazo, exigindo a intervenção da Assembleia da
República e do Governo.
Medida 35 - Reformulação e clarificação da tributação por métodos indirectos
A tributação de rendimentos por métodos indirectos (ou seja, não directamente em função da
declaração dos sujeitos passivos ou, quando aplicável, da respectiva contabilidade) constitui a
excepção no sistema de tributação de rendimentos em Portugal, que assenta naquela declaração.
Como excepção, é objecto de uma série de restrições. Mas, independentemente destas
restrições, os diversos regimes traduzem-se em regras intrincadas, com uma complexidade que
frequentemente excede o que é necessário para assegurar uma adequada composição dos
interesses em presença e que acaba por, muitas vezes, redundar na ineficácia do sistema.
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90 Relatório Final
A reformulação destas regras, atendendo naturalmente aos interesses referidos, permitiria desde
logo simplificar e aumentar a eficácia do regime, com as vantagens daí decorrentes.
Trata-se de uma medida implementável a médio prazo, exigindo a intervenção da Assembleia da
República e do Ministério das Finanças.
Envolvimento da sociedade civil
Como dissemos anteriormente, o envolvimento da sociedade civil é indispensável para criar
condições para uma redução sustentada da Economia Informal no nosso país. As recomendações
que se seguem são apenas alguns exemplos de iniciativas que organizações da sociedade civil
poderiam tomar para contribuir para esse propósito.
Medida 36 - Reforço do papel dos organismos profissionais e associações empresariais no
combate à Economia Informal
Os órgãos de classe e as associações empresariais desempenham diversas funções, entre as quais
promover a responsabilização social da profissão, protegendo a sua imagem e reputação, e
promover a saudável concorrência entre os seus profissionais. A Economia Informal afecta
negativamente estes dois importantes objectivos e é uma questão cívica que requer o
envolvimento colectivo.
Recomendamos que as profissões que possuam organismo de classe incluam entre as infracções
aos seus códigos éticos o envolvimento em actividades de Economia Informal prevendo, em
consequência, sanções proporcionais à gravidade da infracção. Esta recomendação é
particularmente relevante, embora a eles não se limite, para os profissionais directamente ligados
à dimensão fiscal, designadamente Técnicos Oficiais de Contas, Revisores Oficiais de Contas e
Advogados. Apenas devem ser imputadas responsabilidades nos casos em que seja provado que:
a) estiveram directamente ligados às práticas de evasão fiscal; ou b) seja claramente provado que
nas mesmas circunstâncias e com a mesma informação outro colega de profissão pudesse ter
detectado claramente as actividades de evasão fiscal. A responsabilização destes profissionais pelo
pagamento de impostos parece-nos ser desproporcionada, excepto se tiverem intervindo activa e
directamente nas actividades que lesaram o Estado.
Também as associações empresariais devem ter códigos éticos que condenem a evasão fiscal e
que incluam sanções aplicáveis aos associados envolvidos em alguma forma de Economia Informal.
Como se assinalou em capítulos anteriores, a Economia Informal introduz distorções no
processo concorrencial, colocando as empresas cumpridoras em desvantagem perante as suas
congéneres incumpridoras.
Na Austrália, o CETF faz propostas análogas e recomenda que o fisco colabore com estas
instituições no desenvolvimento destes códigos (Cash Economy Task Force, 2003).
Estas são propostas adoptáveis a curto/ médio prazo, dependendo exclusivamente dos
organismos e associações em causa.
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Economia Informal em Portugal 91
Medida 37 – Reforço do papel do sector bancário no combate à Economia Informal
Pelas relações que mantém transversalmente com toda a economia, o sector bancário pode
desempenhar um papel de especial relevância na redução da Economia Informal.
Nesta matéria, avançamos com duas sugestões. Em primeiro lugar, que as instituições bancárias
assumam integralmente as suas responsabilidades em matéria de prestação de informação aos
seus clientes sobre as potenciais implicações fiscais das transacções que realizam, incluindo todos
os produtos e serviços que comercializam. A concretização desta sugestão deveria ser feita em
moldes adequados ao perfil do cliente, não devendo limitar-se à entrega de documentação em
linguagem que é, para o cliente, em muitos casos, impenetrável. Por outro lado, sugerimos que
nos seus modelos de avaliação de risco de crédito, quando esteja em causa avaliar o rendimento
do cliente, seja utilizada exclusivamente a informação constante das declarações fiscais.
A adopção destas sugestões poderia integrar um Código de Conduta sectorial nesta matéria, a
preparar pela APB e que poderia ser adoptado a curto/médio prazo. No entanto, se este tipo de
mecanismo de auto-regulação se vier a provar insuficiente, é admissível que possam vir a ser
objecto de normativos legais.
Fiscalização, Detecção e Punição da Informalidade
Independentemente das medidas que o Estado adopte para encorajar o cumprimento, sempre
haverá quem opte por não o fazer. O combate à Economia Informal exige, portanto, que o
Estado esteja preparado para detectar e punir o incumprimento. Aliás, os dois aspectos do
combate à Economia Informal não são dissociáveis: a credibilidade do Estado na detecção e
punição do incumprimento é afinal um dos principais incentivos ao cumprimento. Esta segunda
secção apresenta as medidas propostas em matéria de fiscalização e punição. Embora se dê uma
especial atenção aos aspectos fiscais, considera-se que muitas das recomendações são aplicáveis,
com as necessárias adaptações, a outros domínios do combate à Economia Informal
Estratégia da administração fiscal
A administração fiscal desempenha um papel nuclear no combate à Economia Informal. De facto,
embora esta não se reduza à evasão fiscal, os custos inerentes ao cumprimento das obrigações
fiscais são indiscutivelmente um dos principais determinantes da informalidade.
Consequentemente, a fiscalização e punição da Economia Informal exige uma adequada
organização e estratégia da administração fiscal. É esse o tema do grupo de medidas seguinte.
Medida 38 - Abordagem segmentada à Economia Informal
A informalidade é um fenómeno que se manifesta em diferentes áreas de actividade em que
assume formas e dimensões muito diferentes. Um combate bem sucedido à informalidade exige
que se adaptem as estratégias da administração às características específicas que aquela assume.
Por isso, as boas práticas internacionais, que seguimos, recomendam uma abordagem segmentada
à Economia Informal: a título de exemplo, veja-se, em Espanha, o plano de prevenção da fraude
fiscal (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004).
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92 Relatório Final
Evidentemente, esta abordagem só é possível se a administração pública perceber os fenómenos
com que se confronta pelo que o investimento no conhecimento da Economia Informal é
indissociável desta opção estratégica, tal como propõe o CETF australiano (Cash Economy Task
Force, 1998). O reforço das ligações entre o Estado e a sociedade civil, nomeadamente as
associações empresariais, que defendemos, pode dar um contributo relevante para minimizar o
investimento necessário à adequada compreensão do fenómeno da informalidade. O adequado
conhecimento da realidade da Economia Informal deve permitir criar modelos, mais ou menos
formalizados, de identificação de sectores ou grupos de agentes económicos que apresentem
maior risco de informalidade.28
Neste esforço de compreensão da Economia Informal importa não esquecer que existe
actualmente um grande número de entidades sem fins lucrativos cuja actividade e operações não
são sujeitas a controlo sistemático e efectivo por parte das entidades de tutela ou de órgãos
como a administração fiscal, a segurança social, etc. Trata-se de entidades que com relativa
facilidade (ou, pelo menos, com maior facilidade do que, por exemplo, uma sociedade auditada)
podem ser utilizadas para a realização de operações ilícitas a diferentes níveis, e que, portanto,
devem ser tidas em conta na segmentação a efectuar.
A segmentação e estes modelos são fundamentais para que a administração proceda a uma
eficiente afectação dos recursos ao seu dispor e, nomeadamente, para que possa seleccionar
adequadamente os alvos das suas acções inspectivas. A cooperação entre diferentes organismos
da administração, a que nos referimos adiante, pode, neste contexto, permitir “alavancar” a sua
capacidade de actuação, reforçando, como parece necessário, a actividade inspectiva.
Trata-se neste caso, de prosseguir e aprofundar uma estratégia que já vem sendo seguida,
nomeadamente pela administração fiscal.
Medida 39 – Intensificação da actividade inspectiva
A presença da administração no terreno, nomeadamente através das suas actividades de
inspecção, é indispensável para detectar situações de incumprimento e tem um significativo efeito
dissuasor. Neste domínio pode-se citar, como exemplo internacional, o plano espanhol de
prevenção da fraude fiscal (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004) ou as
recomendações do Conseil des Prélèvements Obligatoires francês (2007). O Conseil salienta que
não é necessário que esta presença se traduza em controlos exaustivos: a simples presença do
inspector para efectuar alguns controlos básicos, na linha do que propusemos na Medida 4, pode
ter um efeito dissuasor importante.
Esta actividade não deve, no entanto, ser aleatória, devendo ter em conta a segmentação da
Economia Informal a que se aludiu na Medida 38, privilegiando aqueles sectores de actividade ou
segmentos do tecido empresarial em que o risco de incumprimento é maior ou onde o dano
social resultante do incumprimento é mais significativo. A actividade inspectiva deve também
adaptar-se às características específicas de cada segmento da actividade económica.
28 Como exemplo de uma abordagem muito formalizada a estas questões, veja-se, no capítulo anterior, a referência aos Studi di Settore italianos.
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Economia Informal em Portugal 93
Trata-se de uma medida implementável a curto prazo, dependendo de decisões em termos de
afectação dos recursos, pelo Ministério das Finanças e a sua DGCI.
Medida 40 – Criação de equipas especializadas nos mercados de capitais e em relações com o
exterior
Os mercados de capitais, e a facilidade com que estes circulam, hoje em dia, internacionalmente
criam oportunidades para a minimização dos encargos fiscais que tendem a ser exploradas
sobretudo pelas grandes empresas e pelas instituições financeiras. Trata-se de um domínio muito
especializado e de grande complexidade, onde as fronteiras entre o planeamento e a evasão fiscal
são, frequentemente, ténues e, por vezes, ultrapassadas. As principais áreas que devem ser
objecto de um acompanhamento permanente relacionam-se com o recurso a instrumentos
financeiros complexos apenas para obtenção de tributação mais vantajosa, a utilização de
mecanismos que envolvem off-shores e paraísos fiscais e a utilização indevida de preços de
transferência.
O acompanhamento destes domínios por parte da administração fiscal carece de recursos
tecnológicos, financeiros, legislativos e humanos também altamente especializados. Sugerimos a
criação de um departamento especializado em mercados de capitais e o desenvolvimento das
relações de troca de informação a nível internacional.
Trata-se de uma medida implementável a curto/médio prazo, dependendo de decisões em
termos de afectação dos recursos, pelo Ministério das Finanças e a sua DGCI.
Medida 41 - Acreditação e controlo de software contabilístico
A utilização de software para registo de caixa e contabilidade está hoje generalizada, mesmo entre
as PME. A criação de mecanismos e critérios de acreditação de software reduziria a possibilidade
de que estes instrumentos sejam utilizados para facilitar a evasão fiscal e, pelo contrário, pode
contribuir para tornar mais eficientes as actividades inspectivas da DGCI. Propomos, por isso,
que as empresas que se dedicam à produção ou distribuição em território nacional deste tipo de
software passem a estar sujeitas à obrigatoriedade de comunicar à administração fiscal a estrutura
das bases de dados subjacentes, para que possam ser utilizados softwares de auditoria com acesso
às bases de dados. Propomos igualmente que, quando as inspecções da DGCI detectem casos de
utilização de software “adulterado” para facilitar práticas de informalidade, as empresas
vendedoras desse software e os seus clientes sejam considerados alvos prioritários para
inspecções adicionais.
Trata-se de uma medida implementável a curto/médio prazo, dependendo de decisões em
termos de afectação dos recursos, pelo Ministério das Finanças e a sua DGCI.
Recursos humanos da administração fiscal
A estratégia de combate à Economia Informal da administração fiscal não se pode concretizar
sem uma adequada dotação de recursos humanos. As medidas sugeridas de seguida vão no
sentido de adequar os recursos humanos da administração fiscal aos desafios que actualmente
enfrenta.
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94 Relatório Final
Medida 42 - Reestruturação da rede de repartições de finanças
A reestruturação da rede de repartições de finanças é uma medida instrumental, necessária para
permitir reforçar o peso dos inspectores no conjunto dos funcionários da administração fiscal,
para permitir o reforço da actividade inspectiva previsto na Medida 39. A actual rede de
repartições de finanças é desproporcional face à dimensão e necessidades correntes e obriga à
manutenção de um elevado número de funcionários da administração fiscal não afectos a funções
de inspecção.
Gostaríamos no entanto de sublinhar que nenhuma medida neste sentido deverá ser tomada sem
que seja garantido ao contribuinte um fácil acesso à administração fiscal. O princípio do balcão
único previsto na Medida 2, a eliminação de restrições geográficas à entrega de documentação
prevista na Medida 19 e a crescente utilização da Internet como interface entre os cidadãos e a
administração podem dar um importante contributo para compatibilizar a garantia de acesso com
a reestruturação geográfica da rede.
Trata-se de uma medida que pode ser adoptada a médio/longo prazo, dependendo do Ministério
das Finanças e DGCI.
Medida 43 - Reestruturação dos recursos humanos da DGCI
A comparação com congéneres internacionais permite comprovar que os inspectores
representam uma percentagem insuficiente dos recursos humanos da DGCI que apresenta
igualmente lacunas noutras funções indispensáveis aos desafios contemporâneos.
Apesar do rácio de número de funcionários da administração fiscal por cidadão ser próximo do
da União Europeia, o número de inspectores situa-se significativamente abaixo da média europeia
(Paulo Moita de Macedo, 2007, Fernando Teixeira dos Santos, 2007). Mantendo o actual número
de funcionários não afectos a funções de inspecção, estima-se que seriam necessários 500 a 600
novos inspectores para aproximar o rácio do número de inspectores no total de efectivos da
média dos países da OCDE (Fernando Teixeira dos Santos, 2007). Sem alterar significativamente
o número global de funcionários, é necessário reforçar a proporção dos que se dedicam a
funções de inspecção face aos que desempenham funções de back-office.
A nível das funções de inspecção, é igualmente necessário criar equipas especializadas em função
da segmentação da Economia Informal proposta na Medida 38 e reforçar a cooperação com
outros organismos da administração que também combatem a Economia Informal, como se
propõe adiante.
A reestruturação dos recursos humanos passa igualmente por alterar a composição do back-
office, havendo funções carecidas de rápido reforço. A área jurídica é uma das que carecem de
fortalecimento para guiar a actuação da administração fiscal, e nomeadamente dos seus
inspectores, pelo escrupuloso respeito da lei, algo que nem sempre acontece e que leva a que a
administração tenha uma considerável taxa de insucesso nos casos de reclamação judicial. Outra
área carecida de reforço é a do tratamento da informação: é necessário o reforço significativo de
gestores de informação e de bases de dados altamente especializados e de recursos humanos
com formação em matemática e estatística capazes de desenhar ferramentas de gestão de risco e
de selecção de amostras. Um tratamento de dados eficiente e estratégias de combate baseadas
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Economia Informal em Portugal 95
em modelos de amostragem permitem uma gestão de recursos muito mais eficiente e o desenho
de estratégias de intervenção melhor direccionadas e, consequentemente, mais eficientes.
Trata-se de uma medida que pode ser adoptada a médio/longo prazo, dependendo do Ministério
das Finanças e DGCI.
Medida 44 – Reforço da formação profissional
Devem também ser dados à administração fiscal os recursos necessários à formação contínua dos
seus profissionais, que pode ser feita interna e externamente. A nível externo, devem ser
reforçados os mecanismos que permitam aos funcionários proceder à actualização e reciclagem
de conhecimentos através da frequência de cursos ou de acções de formação. A nível interno,
deve a administração fiscal institucionalizar mecanismos de actualização profissional constantes,
principalmente em áreas em que o desempenho dos profissionais se mostra deficiente. A
formação deve versar sobre matérias específicas como por exemplo, auditoria, direito societário,
direito fiscal, produtos e mercados financeiros, bases de dados disponíveis e atendimento e
relações com o público. Como forma de incentivar os funcionários a frequentarem acções de
formação profissional, estas deverão fazer parte da avaliação para efeitos de progressão na
carreira.
Trata-se de uma medida que, de forma faseada, pode ser adoptada a curto/médio prazo,
dependendo do Ministério das Finanças e DGCI.
Medida 45 - Transparência e reforço dos incentivos profissionais
Como quaisquer outros, os funcionários da administração, e nomeadamente da administração
fiscal, são sensíveis aos incentivos ao seu desempenho. E tal como em qualquer outra área,
sistemas de incentivos mal desenhados podem ter consequências indesejadas.
Um aumento da fiscalização deve ser acompanhado de total transparência e rigor, num ambiente
controlado e sem pressões de objectivos preestabelecidos. Por princípio, nada temos a opor a
que o Governo estabeleça metas sobre os valores de impostos a recuperar. No entanto, tais
metas não devem ser os objectivos das fiscalizações, sob o risco de que as mesmas ocorram sob
pressões internas que podem resultar num tratamento desigual dos contribuintes ou num
tratamento abusivo com vista a alcançar objectivos orçamentais.
Os inspectores devem ser recompensados pelo seu desempenho e penalizados pelos seus erros.
A atribuição aos inspectores de prémios de desempenho em função dos montantes liquidados ou
cobrados tem o potencial de conduzir a situações de abuso. Um modelo de avaliação do
desempenho baseado no número de processos inspeccionados e devidamente fundamentados,
independentemente das conclusões, parece ser mais justo e defensável. Seja qual for o modelo
adoptado terá sempre que haver penalizações sobre as decisões não fundamentadas, precipitadas
ou dolosas e é importante que os contribuintes tenham noção que essas penalizações de facto
ocorrem. Os inspectores deveriam ter um seguro profissional que cobrisse a sua
responsabilidade profissional, na linha da recente lei da responsabilidade extracontratual do
Estado.
Trata-se de uma medida que pode ser adoptada a curto prazo, dependendo do Ministério das
Finanças e DGCI.
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96 Relatório Final
Acesso e tratamento de informação
O acesso à informação e a capacidade para a tratar é hoje um elemento vital no combate à
Economia Informal, sendo o objecto do próximo conjunto de medidas.
Medida 46 - Aquisição de tecnologia de data mining e auditoria
Os sistemas digitais permitem um controlo muito mais amplo que os sistemas manuais, mas para
tal é necessário que as ferramentas necessárias existam. Recomendamos que sejam adquiridos os
recursos humanos e tecnológicos necessários para o desenvolvimento de processos de data
mining e de software de auditoria específico que permita, entre outras coisas, a leitura de dados a
partir de qualquer sistema informático. Estes softwares existem no mercado e permitem que o
inspector aceda ao sistema informático do contribuinte sem depender da sua intervenção. Com
um objectivo semelhante, os procedimentos associados ao Standard Audit File for Tax Purposes
(SAFT) podem ser alargados a outras áreas, nomeadamente existências, obras em curso e custos
com pessoal.
Trata-se de uma medida que, dependendo de considerações orçamentais, pode ser adoptada a
curto prazo, dependendo do Ministério das Finanças e DGCI.
Medida 47 - Identificação de redes de ligações entre agentes económicos
A intensificação da utilização dos recursos informativos permite também o estabelecimento de
procedimentos sistemáticos de identificação de redes de ligações entre agentes económicos, de
grande utilidade para seguir as “cadeias” de informalidade em que alguns estão envolvidos. Estes
procedimentos permitiriam, por exemplo, identificar administradores e sócios comuns de várias
empresas, clientes e fornecedores de empresas detectadas em situação de incumprimento, etc. O
desenhar de uma rede informativa irá permitir aumentar os mecanismos de alarme e acelerar a
intervenção da administração fiscal. Procedimentos deste tipo são já prática corrente em algumas
direcções regionais mas há que generalizá-los e torná-los mais sistemáticos. Em termos
internacionais, o plano espanhol de prevenção da fraude fiscal prevê, por exemplo, a criação de
um sistema normalizado de acompanhamento de contribuintes de risco, nomeadamente aqueles
com historial de incumprimento (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004).
Trata-se de uma medida que pode ser adoptada a curto/médio prazo, dependendo do Ministério
das Finanças e DGCI.
Medida 48 - Aumento da tempestividade, qualidade e quantidade da informação não fiscal
Todos os organismos do Estado ou que prestem serviços públicos devem ser capazes de gerar
informação que possa ser utilizada pelos serviços da administração fiscal. Não é suficiente obter
estatísticas agregadas, é preciso ter acesso a estatísticas individuais. Alguns exemplos de
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Economia Informal em Portugal 97
informação a que a administração fiscal deve ter acesso, tendo sempre como identificador o
número de identificação fiscal e incluindo os montantes envolvidos, são:29
• Advogados que interagem, seja qual for o acto, com os tribunais (em nome
individual ou como funcionário de empresas de advocacia);
• Profissionais associados a obras públicas ou a serviços que requerem registo ou
licenciamento camarário;
• Seguros profissionais, de vida e de saúde, contratados através do Instituto de
Seguros de Portugal;
• Produtos financeiros e activos subjacentes contratados, incluindo todas as
locações financeiras ou operacionais, através do Banco de Portugal;
• Actos realizados junto da Segurança Social, incluindo descontos efectuados;
• Actos que requerem a intervenção de um conservador, de um notário ou de
um advogado; e
• Todos os pagamentos efectuados por entidades públicas a particulares.
As possibilidades oferecidas pelo acesso a informação detida por entidades privadas são
salientadas nas propostas de Lord Grabiner para o Tesouro britânico (Lord Grabiner, 2000) e do
CETF australiano (Cash Economy Task Force, 2003).
Devem também ser criados mecanismos de troca de informação entre os diversos organismos
do Estado, nomeadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (entrada e permanência no país
e celebração de contratos de trabalho), a Segurança Social (remunerações declaradas) e a
Autoridade para as Condições do Trabalho.
A transmissão de informação deve ser, tanto quanto possível, automática e não meramente a
pedido. Tem sido notório um forte investimento no sistema informático da administração fiscal,
que deve ser reforçado. Um sistema de informação integrado é uma mais valia para qualquer
serviço e um recurso vital para um sistema de fiscalização. A criação de mecanismos de
comunicação entre todos os sistemas informáticos do Estado e a criação de taxinomias que
permitam alterações céleres aos canais de comunicação devem ser uma prioridade, concedendo
aos diversos organismos uma capacidade de adaptação constante. Uma integração completa de
todos os sistemas baseia-se na capacidade de cada sistema ler de outro sistema toda e qualquer
peça informativa, e para tal não é necessário que todos os programas sejam baseados na mesma
tecnologia ou filosofia, mas necessita que sejam desenvolvidas taxinomias de comunicação
disponíveis de forma horizontal a todos os serviços. O desenvolvimento de taxinomias deve ser
centralizado e continuamente acompanhado para garantir um normal funcionamento. Em França,
esta é uma preocupação manifesta nas recomendações do Conseil des Prélèvements Obligatoires
(2007) e, no Reino Unido, por Lord Grabiner (2000).
29 Algumas destas sugestões estão relacionadas com produtos financeiros, pelo que a sua aplicação pode tornar necessário algum reajustamento das regras do sigilo bancário.
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98 Relatório Final
Algumas iniciativas pioneiras de cruzamento de informação entre organismos públicos e de
tentativa de acesso a informação como a acima mencionada por parte da administração fiscal têm
esbarrado em objecções da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
Trata-se de uma medida que pode ser adoptada a médio/longo prazo. Exigiria a colaboração
entre vários Ministérios e, envolverá, a necessidade de obter autorizações junto da CNPD. Se
este organismo levantar objecções legais, a sua concretização poderá exigir mesmo a intervenção
da Assembleia da República no sentido de assegurar o devido equilíbrio entre a indispensável
protecção da privacidade individual e o combate a actividades socialmente nocivas.
Medida 49 - Intensificação da utilização das possibilidades legais de acesso a informação bancária
As recentes alterações na legislação sobre o sigilo bancário não são ainda utilizadas no seu
máximo potencial. Entendemos que antes de alterar novamente as regras, a administração fiscal
deve fazer pleno uso dos mecanismos existentes. Só assim, as suas vantagens poderão ser
totalmente exploradas, podendo então considerar-se alterações mais profundas à lei.
Em qualquer caso, uma eventual alteração no sentido da abolição do sigilo deve ter em conta
duas considerações essenciais. Por um lado, a sua eficácia depende da capacidade de tratamento
de informação da administração fiscal, que permanece limitada. Por outro lado, o argumento de
que a redução ou anulação do sigilo pode resultar num forte golpe contra a evasão fiscal é
baseado numa análise estática do comportamento dos agentes económicos que assume que uma
mudança das regras não será acompanhada por uma mudança de atitude dos contribuintes,
estando portanto ferido de precisão. Se, de facto, a redução do sigilo bancário pode trazer
alguma ajuda no combate à evasão fiscal, a verdade é que tal alteração legislativa muito
dificilmente poderá ser efectuada com efeitos retroactivos e seria imediatamente acompanhada
de uma alteração de comportamento dos agentes económicos, que passariam a privilegiar as
transacções em moeda e a utilização de ferramentas financeiras mais complexas. Um exemplo de
tal comportamento pode ser visto pela comparação com Espanha, que possui regras de
protecção do sigilo bancário mais permissivas. Em Espanha a percentagem de moeda a circular
em relação ao PIB foi, em anos recentes, o dobro da mesma percentagem em Portugal, indicando
que num regime com regras de sigilo bancário menos protectoras, os agentes económicos
privilegiam a utilização da moeda.
Esta medida pode ser adoptada a curto prazo, dependendo essencialmente da actuação da DGCI.
Medida 50 – Incremento da troca de informações com as administrações fiscais de outros países
A administração fiscal portuguesa tem, actualmente, disponíveis diversos mecanismos de
cooperação com as administrações fiscais de outros países: é o caso, por exemplo, da troca de
informação com Estados membros da União Europeia ao abrigo de legislação comunitária
harmonizada, ou com países com os quais Portugal celebrou acordos de dupla tributação, ao
abrigo destes instrumentos. Estes mecanismos são utilizados com sucesso por administrações
fiscais de outros países, que assim conseguem obter informação relevante sobre matérias
relacionadas com os contribuintes ou com os rendimentos sobre os quais têm jurisdição.
A utilização destes mecanismos pela administração fiscal portuguesa é ainda (julga-se) muito
incipiente, pelo que se sugere um incremento efectivo da troca de informações com
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Economia Informal em Portugal 99
administrações fiscais de outros países, sobretudo as daqueles que mais relevância podem
assumir para os contribuintes residentes em Portugal. O plano espanhol de prevenção da fraude
fiscal manifesta preocupações semelhantes (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004).
Por outro lado, a publicitação desta intenção e, posteriormente, de dados concretos e de
resultados obtidos, pode induzir na opinião pública a percepção do risco associado ao não
cumprimento em matéria fiscal por recurso a esquemas envolvendo países estrangeiros.
Esta medida é implementável a médio prazo, dependendo da celebração de acordos bilaterais
entre o Governo português e os de outros países e do estabelecimento de efectivos mecanismos
de cooperação entre a DGCI e as suas congéneres locais.
Medida 51 – Obrigatoriedade de publicação das contas das entidades sem fins lucrativos
As entidades sem fins lucrativos, com diversos regimes jurídicos, têm vindo a assumir um peso
crescente na actividade económica sem que, no entanto, estejam sujeitas às mesmas obrigações
de transparência que as sociedades comerciais. Propomos que seja eliminada esta diferença de
tratamento, impondo a publicação obrigatória das contas anuais das instituições sem fins
lucrativos.
Trata-se de uma medida que poderia ser tomada a curto prazo pelo Governo.
Coordenação de esforços e recursos
Apesar dos progressos verificados nos últimos anos, há ainda margem para reforçar
consideravelmente a coordenação de esforços entre diversos departamentos do Estado no
combate à Economia Informal. As preocupações desta natureza são manifestas, por exemplo, no
plano espanhol de combate à fraude fiscal (Agencia Estatal de Administración Tributaria, 2004)
ou, em França, nas recomendações do Conseil des Prélèvements Obligatoires (2007), embora
evidentemente reflectindo as especificidades institucionais desses países.
Medida 52 – Promoção de sinergias entre as direcções gerais com competências na área fiscal
Actualmente existem três direcções-gerais com competências na área fiscal: Direcção Geral dos
Impostos; Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo; e
Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros. Duas direcções-
gerais que se ocupam de impostos e que têm serviços de inspecção diferentes, não
necessariamente coordenados, e uma terceira direcção que, com autonomia, gere os recursos
informáticos das restantes. Todas têm estruturas orgânicas diferentes e funcionamentos
independentes.
A identidade de objectivos e áreas de intervenção gera o potencial para a exploração de sinergias
entre estas três estruturas. A coordenação e integração de actividades permitiria poupanças de
recursos e uma maior eficiência, nomeadamente ao nível do aproveitamento da estrutura
informática, que actualmente assenta na relação “cliente/fornecedor”.
Trata-se de uma medida que poderia ser adoptada a curto prazo pelo Ministério das Finanças.
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100 Relatório Final
Medida 53 - Integração de processos de inspecção
As práticas de Economia Informal frequentemente revestem-se de uma complexidade que
envolve aspectos relacionados com diversos organismos públicos: administração fiscal, Segurança
Social, ASAE, Autoridade para as Condições do Trabalho, Instituto de Emprego e Formação
Profissional, Câmaras Municipais, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, etc. A cooperação entre
as entidades relevantes poderia potenciar o efeito dos seus processos de inspecção. Estes
mecanismos de cooperação já existem, mas continuam a ser ocasionais e a troca de informação
não é automática. Importa que a cooperação entre estas entidades seja estruturada tendo em
conta a segmentação da Economia Informal proposta na Medida 38: diferentes sectores de
actividade e diferentes segmentos do tecido empresarial exigem abordagens diferenciadas e,
potencialmente, a cooperação entre diferentes entidades. Aquela segmentação poderia levar à
criação de equipas sectoriais, permitindo uma maior especialização e a maximização dos recursos
envolvidos, como aconteceu, por exemplo, no Reino Unido na sequência das recomendações de
Lord Grabiner (2000).
Trata-se de uma medida que poderia ser adoptada a médio prazo, exigindo a cooperação entre
diferentes Ministérios e vários dos seus organismos bem como, eventualmente, com a
administração regional e local.
Medida 54 - Partilha de informação entre organismos públicos
Independentemente da concretização da medida anterior, todos os organismos com capacidades
de fiscalização, deverão ser obrigados a comunicar aos restantes indícios que tenham recolhido e
que apontem para infracções na sua esfera de actuação: por exemplo, uma inspecção fiscal
poderá recolher indícios de existência de trabalhadores imigrantes em situação ilegal relevantes
para a actuação do SEF, tal como é possível a situação inversa. Os diferentes organismos
deveriam estabelecer canais de comunicação que facilitem a troca deste tipo de informação e
fornecer aos seus congéneres material de apoio.
Trata-se de uma medida que poderia ser adoptada a curto/médio prazo, exigindo a cooperação
entre diferentes Ministérios e vários dos seus organismos bem como, eventualmente, da
administração regional e local.
Medida 55 - Criação de um departamento conjunto entre a administração fiscal e a Polícia
Judiciária
Os crimes tributários de valor superior a meio milhão de euros e que assumam especial
complexidade, forma organizada ou carácter transnacional são da exclusiva competência da
Polícia Judiciária.30 Perante este enquadramento legal, sugerimos o reforço dos meios ao dispor
da Polícia Judiciária para o combate ao crime fiscal e o reforço da colaboração entre a
administração fiscal e a Polícia Judiciária.
30 O Decreto-Lei 305/2002, de 13 de Dezembro integra nas competências da Polícia Judiciária este tipo de crimes e o Decreto-Lei 93/2003, de 30 de Abril regula a forma, extensão e limites de cooperação entre a Polícia Judiciária e os órgãos da administração tributária.
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Economia Informal em Portugal 101
A nossa sugestão vai no sentido de institucionalizar um departamento com recursos próprios ao
qual serão adstritos de forma permanente funcionários de ambas as instituições. Este
departamento seria responsável por coordenar todas as actividades de inspecção conjuntas e de
dar formação aos agentes da Polícia Judiciária sobre matérias fiscais. Os excelentes resultados
obtidos nas acções conjuntas reforçam a necessidade de automatizar e agilizar esta forma de
combate ao crime fiscal.
Trata-se de uma medida implementável a curto prazo, mediante a cooperação dos Ministérios
das Finanças e da Justiça.
Medida 56 - Reformulação das competências da Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana
A Brigada Fiscal da Guarda Nacional Republicana tem competências limitadas em algumas das
áreas relevantes no combate à informalidade, como a da inspecção do cumprimento de vários
tipos de obrigações. Sugere-se uma reformulação das competências da Brigada Fiscal, que
poderiam passar a abranger um leque mais amplo de áreas relevantes no combate à
informalidade.
Trata-se de uma medida implementável a curto/médio prazo, dependendo do Ministério da
Administração Interna em cooperação com o das Finanças.
Enquadramento legal da informalidade
As consequências legais do incumprimento dos normativos são um importante determinante da
opção pela informalidade. As duas propostas seguintes incidem neste domínio.
Medida 57 - Alargamento do prazo de prescrição para crimes fiscais
Propomos também o agravamento das sanções aplicáveis aos crimes fiscais e o alargamento do
prazo de prescrição deste tipo de crime para 10 anos. O alargamento do prazo de prescrição
deve ser aplicável apenas quando os crimes fiscais estejam revestidos de especial gravidade, quer
pela sua tipologia, quer pelo montante envolvido. Estas medidas devem ser acompanhadas de uma
maior celeridade da justiça, em linha com as medidas anteriormente propostas nessa matéria,
com o objectivo de sinalizar que a administração fiscal está activamente a proceder ao controlo e
penalização dos infractores.
Trata-se de uma medida possível de adoptar a curto/médio prazo, envolvendo a Assembleia da
República e o Ministério das Finanças.
Medida 58 - Estatuto do arrependido
A Economia Informal, e nomeadamente a evasão fiscal, vem tomando formas progressivamente
mais sofisticadas, envolvendo frequentemente estruturas complexas que assentam na
cumplicidade entre pessoas e organizações. À semelhança do que já acontece noutras áreas do
Direito Penal e no Direito da Concorrência, entendemos que a criação de mecanismos que
permitam reduzir muito substancialmente, ou até de todo, as sanções aplicáveis a quem, nelas
participando, voluntariamente se apresente a denunciar este tipo de estruturas pode constituir
um poderoso instrumento para combater as que já existem e para dissuadir o seu aparecimento.
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102 Relatório Final
Trata-se de uma medida que seria aplicável a médio prazo, envolvendo a Assembleia da República
e os Ministérios das Finanças e da Justiça.
Avaliação e publicitação dos resultados
Já por diversas vezes alegámos que o combate à Economia Informal passa pelo estabelecimento
de uma relação de confiança entre o Estado e os cidadãos. A avaliação que os cidadãos fazem da
actuação do Estado, nos mais diversos domínios, mas também do combate à Economia Informal,
desempenha um papel fundamental no estabelecimento dessa relação. Defendemos, por isso, que
os serviços públicos devem ser objecto de uma avaliação regular e que esta deve ser divulgada de
forma transparente. Quando positivos, os resultados da avaliação contribuem directamente para
que o cidadão sinta que o esforço de cumprir as suas obrigações vale a pena. Quando negativos,
constituem um elemento de pressão sobre os responsáveis para resolver os problemas
existentes.
Medida 59 - Avaliação regular dos organismos da administração
Os organismos da administração, aos seus vários níveis, devem ser objecto de uma avaliação
regular. Esta avaliação deve incluir quer índices objectivos de desempenho, que naturalmente
dependerão da natureza e funções do organismo, quer indicadores sobre o grau de satisfação dos
seus utentes. Assim, um organismo como a DGCI deve ser avaliado de acordo com critérios
objectivos, como o cumprimento de prazos, as inspecções efectuadas, as receitas cobradas, o
número de processos ganhos e perdidos nos tribunais, etc., mas também de acordo com
indicadores como o número de reclamações ou a satisfação dos utentes com a qualidade do
atendimento ou dos esclarecimentos recebidos. A atenção a estes aspectos mais subjectivos é
uma das preocupações do CETF australiano (Cash Economy Task Force, 1998). Os resultados
desta avaliação devem ser divulgados de forma transparente.
Esta medida pode ser adoptada de forma faseada, não havendo razão para que não se inicie a
curto prazo nalguns organismos, mas só sendo de esperar a sua ampla difusão a médio/longo
prazo. A sua implementação depende do Governo e da administração pública.
Medida 60- Benchmarking
Propomos que os organismos da administração pública portuguesa sejam submetidos
regularmente a exercícios de comparação com as melhores práticas internacionais. Os resultados
desta avaliação devem ser divulgados de forma transparente.
Esta medida pode ser adoptada de forma faseada, não havendo razão para que não se inicie a
curto prazo nalguns organismos, mas só sendo de esperar a sua ampla difusão a médio/longo
prazo. A sua implementação depende do Governo e da administração pública.
Medida 61 - Avaliação periódica dos resultados em matéria de combate à Economia Informal
Nos últimos anos, o Governo tem produzido regularmente relatórios sobre o combate à evasão
fiscal. Também outros organismos públicos com responsabilidades no combate a outras
dimensões da informalidade produzem, regularmente, relatórios de actividades. A proposta aqui
efectuada é no sentido do reforço destas actividades em dois sentidos. Por um lado, a
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Economia Informal em Portugal 103
generalidade destes relatórios não contêm uma análise custo-benefício que, verdadeiramente,
permita concluir se o esforço desenvolvido é eficiente. Propomos que esse exercício passe a ser
efectuado. Na Austrália, o Auditor Geral faz uma recomendação análoga (The Auditor-General,
2005). Por outro lado, os diferentes documentos disponíveis não permitem uma visão de
conjunto sobre o combate à Economia Informal em Portugal. Em linha com as recomendações no
sentido da cooperação entre os diferentes organismos responsáveis pelo combate à
informalidade que anteriormente avançámos, entendemos que seria desejável que se procurasse
conseguir uma perspectiva mais global sobre o fenómeno.
A implementação desta recomendação poderia ser concretizada a curto/médio prazo,
envolvendo o Governo e diversos departamentos da administração pública.
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Economia Informal em Portugal 105
8 Tabela síntese de recomendações para o combate à Economia Informal em Portugal Neste capítulo final, apresenta-se uma tabela que sintetiza as
propostas apresentadas de forma mais detalhada no capítulo anterior.
Para cada uma das recomendações, apresenta-se a sua designação, as
entidades envolvidas na sua aprovação ou implementação, o prazo
previsto para o efeito, bem como uma referência a experiências
internacionais de aplicação de recomendações análogas.
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Economia Informal em Portugal 106
Prevenção da Economia Informal
Encorajamento à formalização da actividade
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
1.
Simplificação e agilização dos
processos de licenciamento
comercial, industrial, ambiental
e urbanístico.
Simplificação dos licenciamentos com vista a uma maior
celeridade, transparência e responsabilização.
Nota: a Lei 60/2007 veio introduzir novidades importantes no
licenciamento urbanístico.
AR, Governo,
administração
central, regional
e local.
Parcialmente
em curso.
Médio prazo.
2.
Generalizar o princípio do
“balcão único”, nomeadamente
a nível municipal
Generalizar o princípio de permitir ao cidadão tratar dos seus
assuntos com a administração num único local.
Nomeadamente, nas Câmaras Municipais há situações muito
diversas neste domínio.
Administração
central, regional
e local.
Médio / longo
prazo.
3. Aconselhamento ao início de
actividade empresarial
Nomeadamente, aconselhamento no que respeita às
formalidades que há a cumprir. Pode incluir desde a criação de
kits informativos, a sessões colectivas de formação ou apoio
personalizado.
Governo,
administração
pública.
Médio prazo.
Espanha, Reino
Unido,
Austrália.
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Economia Informal em Portugal 107
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
4.
Reforço dos mecanismos de
acompanhamento nos primeiros
anos de actividade das empresas
Acompanhamento próximo (visitas, pedidos de informação,
etc.) das empresas nos seus primeiros anos de actividade,
nomeadamente aquelas cujo perfil revele maior risco potencial
de informalidade. Privilegiar um carácter pedagógico de
acompanhamento.
Administração
pública.
Curto / médio
prazo.
5.
Incentivo à utilização de
mecanismos de certificação de
contas
Criação de um mecanismo de incentivo fiscal degressivo, ao
longo de três anos, para a adopção de mecanismos de
certificação de contas.
AR e Ministério
das Finanças. Médio prazo.
6. Condições de regularização da
actividade
As sanções impostas às empresas com actividade informal, por
incumprimento de diversos tipos de normas (fiscais,
ambientais, laborais, etc.) que regularizem voluntariamente a
sua actividade devem ser definidas de forma a não eliminar o
estímulo para essa opção.
AR, Governo. Médio prazo. Reino Unido.
7. Facturação electrónica
Obrigatoriedade de facturação electrónica entre empresas que
ultrapassem determinado limiar de dimensão, juntamente com
a criação do enquadramento legal necessário.
Governo. Curto / médio
prazo.
8. Reforço da utilização de meios
de pagamento bancários
Reforço das condições legais que obrigam à utilização de
meios de pagamento bancários.
AR e Ministério
das Finanças. Médio prazo.
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108 Relatório Final
Actuação da Administração Pública, nomeadamente da Administração Fiscal
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
9.
Sensibilização dos cidadãos para
os efeitos negativos da
Economia Informal
Reforço das campanhas que sensibilizem os cidadãos,
nomeadamente dos trabalhadores susceptíveis de para ela
serem aliciados, para os problemas associados à Economia
Informal.
Passa pela actuação da administração pública mas exige
também o envolvimento dos responsáveis políticos e
assumpção de responsabilidades pela sociedade civil (ordens
profissionais, associações empresariais, etc.).
Governo,
administração
pública e
sociedade civil
Curto prazo. Espanha,
Austrália.
10. Sensibilização para pedir factura
Em certos sectores, o facto de o cliente não pedir factura
facilita enormemente as práticas de informalidade.
Recomendamos que se continuem as campanhas para alterar
este comportamento, tornando claro que a não exigência é
também, de acordo com a lei vigente, uma infracção fiscal.
Nota: merece reflexão, embora vá contra o espírito de
simplificação fiscal que preside a outras propostas nossas, a
criação de um incentivo fiscal para o contribuinte que obtém
factura.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Em curso.
Curto prazo. Espanha.
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Economia Informal em Portugal 109
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
11. Códigos de conduta na
administração
Criação de códigos de conduta nos diversos organismos da
administração pública, central, regional e local. O não
cumprimento deve ter implicações, nomeadamente em termos
disciplinares e de avaliação profissional.
Administração
pública, central,
regional e local
em colaboração
com os
sindicatos.
Médio prazo.
12. Certificação de processos na
administração
Promover a certificação de processos nos organismos da
administração pública, aos seus vários níveis, como estímulo ao
desenho de processos simples e transparentes.
Administração
pública, central,
regional e local.
Curto / médio
prazo.
13. Melhoria do atendimento
Melhorar a qualidade do atendimento e aconselhamento.
Formação dos funcionários neste domínio. Na área fiscal,
dinamização do call center e nomeação de um responsável pelo
acompanhamento do contribuinte durante o processo de
esclarecimento.
Administração
pública, central,
regional e local.
Médio / longo
prazo. Austrália.
14.
Melhoria do relacionamento e
acompanhamento por parte da
Administração Fiscal
Criação de gestores de conta, maior acompanhamento dos
grandes devedores e dos contribuintes que falharam no
cumprimento das suas obrigações. Maior utilização das
possibilidades de diálogo decorrentes do direito de audição
prévia do contribuinte.
DGCI. Curto / médio
prazo.
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110 Relatório Final
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
15. Automatização de opções no
domínio fiscal
Algumas das opções que podem ser tomadas pelo contribuinte
devem passar a ser exercidas automaticamente pelo sistema,
sempre em benefício do contribuinte
DGCI. Curto prazo.
16.
Reforço dos mecanismos de
controlo da informação
disponível
Reforço dos mecanismos informáticos que visem a detecção e
correcção de erros de preenchimento (se possível automática
ou sem penalização para o contribuinte) e a detecção de
potenciais situações favoráveis à existência de Economia
Informal
DGCI. Curto prazo.
17. Actualização do cadastro de
contribuintes
Reforçar os mecanismos de actualização do cadastro de
contribuintes, de forma a viabilizar e credibilizar mecanismos
de actuação automática (por exemplo, no domínio das
penhoras).
Ministério das
Finanças,
Ministério da
Justiça, outras
entidades.
Médio prazo. Reino Unido.
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Economia Informal em Portugal 111
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
18.
Acesso dos cidadãos e
empresas à informação
relevante
A relação da administração com os cidadãos deve pautar-se
pela transparência. Salvo razões ponderosas em contrário, o
cidadão deve ter acesso a toda a informação relevante,
particularmente a que lhe diga directamente respeito.
Ampla divulgação de toda a informação com relevância fiscal,
nomeadamente resposta a pedidos de parecer e
entendimentos sobre matérias específicas. Concessão de
acesso a essa informação a entidades privadas que a possam
divulgar.
Transparência nos diversos tipos de processo de
licenciamento de forma a que o cidadão possa saber em
situação se encontra o seu processo e quais os requisitos que
tem que cumprir para o ver aprovado.
Governo,
DGCI, câmaras
municipais e
outras
entidades.
Curto / médio
prazo.
19.
Eliminação de restrições
geográficas no cumprimento das
obrigações fiscais
Possibilidade de qualquer acto perante a administração fiscal
possa ser efectuado em qualquer dos seus serviços com
atendimento ao público, independentemente da localização.
Ministério das
Finanças. Curto prazo.
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112 Relatório Final
Garantias
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
20. Proporcionalidade no
tratamento dos contribuintes
Adaptar a postura perante os contribuintes ao
comportamento destes. Na ausência de indícios de
incumprimento, a administração deve assumir que o cidadão
pretende cumprir as suas obrigações, privilegiando uma atitude
pedagógica.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Curto / médio
prazo. Austrália.
21. Reforço das garantias na
resposta da administração fiscal
Estabelecimento de prazos para resposta a reclamações e
pedidos de informação e introdução do deferimento tácito na
ausência de resposta atempada. Estas medidas devem ser
reforçadas com a não penalização no caso em que o
contribuinte haja questionada a administração fiscal e não
tenha obtido resposta.
AR, Ministério
das Finanças.
Curto / médio
prazo.
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Economia Informal em Portugal 113
Sistema judicial
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
22. Criação de equipas fiscais de
apoio aos tribunais fiscais
Criação de equipas de apoio com competências na área fiscal e
independentes da administração fiscal.
AR, Ministério
da Justiça.
Curto / médio
prazo.
23.
Criação de mecanismos
alternativos aos tribunais
tributários
Reforço do mecanismos alternativos / complementares aos
tribunais, nomeadamente com a utilização de mecanismos de
arbitragem, julgados de paz e com o reforço das iniciativas
para acordos extra-judiciais, mesmo no domínio fiscal.
AR, Ministério
da Justiça,
Ministério das
Finanças.
Médio prazo.
24. Agilização dos procedimentos
falimentares
Revisão do enquadramento legislativo do processo de falência
de forma a reforçar a sua celeridade. Governo. Médio prazo.
25. Formação dos juízes em matéria
económico-financeira
Reforço da formação dos juízes em matérias ligadas à
actividade económica, nomeadamente, contabilidade e
fiscalidade, concorrência e falências.
Ministério da
Justiça.
Médio / longo
prazo. França.
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114 Relatório Final
Medidas de simplificação com implicação legislativa
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
26. Estabilidade legislativa
As alterações legislativas no domínio fiscal devem entrar em
vigor em conjunto com o Orçamento de Estado,
particularmente tendo implicações para o exercício em curso
ou exercícios anteriores.
AR. Médio prazo.
27. Simplificação da tributação do
rendimento
Revisão do quadro legislativo com o intuito de o tornar mais
simples, com especial ênfase na tributação do rendimento. Por
exemplo, eliminar tratamentos fiscais diferenciados consoante
a natureza do rendimento e eliminar ou reduzir os
abatimentos, deduções e isenções em sede de IRS, com vista a
um aumento da base tributária e potencial redução das taxas
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
28. Alteração do funcionamento do
IVA e harmonização das taxas
Reforço das situações de reverse-charge e da liquidação na
origem nas operações internacionais. Redução do nº de taxas
vigentes acompanhada de uma potencial redução da taxa
normal.
CE, AR,
Ministério das
Finanças.
Médio prazo.
29. Redução e simplificação das
obrigações administrativas
Simplificação das obrigações declarativas, contabilísticas e
fiscais, com especial ênfase para as aplicáveis às PME.
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo. Espanha.
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Economia Informal em Portugal 115
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
30. Simplificação das obrigações
declarativas de terceiros
Reduzir de forma significativa as obrigações a que terceiros
são obrigados a prestar informação sobre transacções com o
sujeito passivo.
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
31.
Simplificação da comprovação
da aplicabilidade de regimes
fiscais especiais
Simplificação da comprovação da aplicabilidade de regimes
fiscais especiais, tornando o sistema mais célere e
transparente.
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
32. Criação de um código fiscal
para não residentes
Criação de um código fiscal exclusivamente para não
residentes e a consequente simplificação dos restantes códigos
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
33. Simplificação do regime de
aplicação do IMT
Unificação dos regimes aplicáveis à aquisição de imóveis para
habitação compaginada com eventual redução das taxas.
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
34. Simplificação da liquidação de
sociedades
Simplificação dos procedimentos associados à liquidação de
sociedades.
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
35.
Reformulação e clarificação da
tributação por métodos
indirectos
Clarificação e reforço das situações susceptíveis de tributação
pelos métodos indirectos, juntamente com o estabelecimento
de mecanismos de defesa eficazes e céleres. Sua aplicação
privilegiada em determinados sectores de actividade.
AR, Ministério
das Finanças. Médio prazo.
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116 Relatório Final
Envolvimento da sociedade civil
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
36.
Reforço do papel dos
organismos profissionais e
associações empresariais no
combate à Economia Informal
Reforço do papel dos organismos profissionais, associações
comerciais e industriais no combate à Economia Informal,
como dever cívico e como forma de prestigiar a profissão e
manter uma concorrência saudável, incorporando-o nos seus
códigos éticos.
Organismos
profissionais,
associações
empresariais.
Curto / médio
prazo. Austrália.
37.
Reforço do papel do sector
bancário no combate à
Economia Informal
As instituições bancárias devem prestar, aos seus clientes,
informação completa e clara sobre as implicações fiscais de
todos os produtos vendidos e serviços prestados. Devem
também, no âmbito dos seus modelos de avaliação do risco de
crédito, quando esteja em causa o rendimento do cliente,
utilizar apenas informação constante das declarações fiscais
relevantes. Idealmente, a adopção destas medidas poderia
fazer-se no quadro da sua auto-regulação sectorial.
APB. Curto / médio
prazo.
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Economia Informal em Portugal 117
Fiscalização, Dissuasão e Punição da Informalidade
Estratégia da administração pública, nomeadamente da administração fiscal
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
38. Abordagem segmentada no
combate à informalidade
Dando seguimento ao que já vem sendo feito, segmentar a
Economia Informal com base na gravidade e dimensão dos
riscos, permitindo uma maior eficiência dos recursos
aplicados, o que exige o reforço do investimento no estudo do
fenómeno da informalidade.
Organismos da
administração
pública
vocacionados
para o combate
à informalidade
(DGCI, ASAE,
ACT, etc.)
Curto / médio
prazo.
Espanha,
Austrália,
39. Intensificação da actividade
inspectiva
Reforço da actividade inspectiva, privilegiando os sectores que,
no âmbito da segmentação efectuada tenham sido identificados
como de maior risco de informalidade.
Organismos da
administração
pública
vocacionados
para o combate
à informalidade
(DGCI, ASAE,
ACT, etc.)
Curto / médio
prazo.
Espanha,
França.
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118 Relatório Final
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
40.
Criação de equipas
especializadas nos mercados de
capitais e em relações com o
exterior
Criação de equipas com conhecimentos específicos em
mercados de capitais e relações com o exterior para um
combate mais eficaz à evasão fiscal que envolve estes
mecanismos.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Curto / médio
prazo.
41. Acreditação e controlo de
software contabilístico
Estabelecimento de critérios de acreditação dos softwares e
de responsabilização dos seus criadores.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Curto / médio
prazo.
Recursos humanos da administração fiscal
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
42. Reestruturação da rede de
repartições de finanças
Profunda reestruturação da rede de repartições de finanças,
adaptando o número de repartições à dimensão e necessidade
do país, sem por em causa o acesso à administração fiscal, de
forma a libertar pessoal para funções de inspecção.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Médio / longo
prazo.
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Economia Informal em Portugal 119
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
43. Reestruturação dos recursos
humanos da DGCI
Reestruturação dos recursos humanos, com o intuito de
tornar os recursos de inspecção mais céleres e mais
especializados. Reforço nas áreas jurídicas e de gestão e análise
da informação. Criação de equipas interdepartamentais com
outros departamentos públicos.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Médio / longo
prazo.
44. Reforço da formação
profissional
Reforço da formação profissional em matérias relevantes para
a administração fiscal.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Curto / médio
prazo.
45. Transparência e reforço dos
incentivos profissionais
Reforço dos mecanismos de recompensa e penalização dos
funcionários da administração fiscal com base no seu
desempenho profissional.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Curto / médio
prazo.
Acesso e tratamento de informação
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
46. Aquisição de tecnologia de data
mining e auditoria
Aquisição de tecnologia de data mining para uma selecção mais
criteriosa dos alvos de inspecção e software de auditoria que
permita ligação directa às bases de dados dos contribuintes a
ser inspeccionados.
Ministério das
Finanças, DGCI. Curto prazo.
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120 Relatório Final
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
47.
Identificação de redes de
ligações entre agentes
económicos
Criação de uma prática sistematizada de identificação das
ligações entre agentes económicos detectados em situação de
informalidade.
Ministério das
Finanças, DGCI.
Curto / médio
prazo. Espanha.
48.
Aumento da tempestividade,
qualidade e quantidade da
informação não fiscal
Criação de canais de comunicação entre os diversos sistemas
informáticos, de forma a que o acesso à informação possa ser
feito por um outro organismo.
AR, Governo,
Comissão
Nacional de
Protecção de
Dados.
Médio / longo
prazo.
Reino Unido,
Austrália.
49.
Intensificação da utilização das
possibilidades legais de acesso a
informação bancária
Intensificação da utilização das actuais regras para quebra do
sigilo bancário antes de proceder a mais alterações. DGCI. Curto prazo.
50.
Incremento da troca de
informações com as
administrações fiscais de outros
países
Intensificação das acções conjuntas e da troca de informação
com outras administrações fiscais.
Ministério das
Finanças, DGCI,
congéneres
internacionais.
Médio prazo. Espanha.
51.
Obrigatoriedade de publicação
das contas das entidades sem
fins lucrativos
Imposição de obrigações de transparência semelhantes às que
incidem sobre outros agentes económicos, tendo em conta a
importância económica que actualmente assumem, para
minimizar o risco de que sejam utilizadas para fins diferentes
dos legalmente consagrados.
Governo. Curto prazo.
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Economia Informal em Portugal 121
Coordenação de esforços e recursos
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
52.
Promoção de sinergias entre as
direcções gerais com
competências na área fiscal
Coordenação e integração de actividades das três direcções
gerais com competências na área fiscal.
Ministério das
Finanças. Curto prazo.
53. Integração de processos de
inspecção
Integração de processos de inspecção da administração fiscal,
segurança social, inspecção-geral do trabalho, instituto de
emprego e formação profissional e câmaras municipais, de
forma adaptada às especificidades das actividades a fiscalizar.
Administração
pública, central,
regional e local.
Médio prazo. Reino Unido.
54. Partilha de informação entre
organismos públicos
Criação de mecanismos para que cada organismo com
capacidades de inspecção comunique ao organismo relevante
as situações que detecte e possam indiciar práticas de
informalidade na respectiva esfera de competência.
Administração
pública, central,
regional e local.
Médio prazo.
55.
Criação de um departamento
conjunto entre a administração
fiscal e Policia Judiciária
Institucionalização de um departamento para o combate ao
crime fiscal que integre quadros da administração fiscal e
Polícia Judiciária.
Ministério das
Finanças,
Ministério da
Justiça.
Curto prazo.
56.
Reformulação das competências
da Brigada Fiscal da Guarda
Nacional Republicana
Alteração das competências da brigada fiscal para que passem
a englobar de forma mais abrangente o combate à Economia
Informal.
Ministério da
Administração
Interna,
Ministério das
Finanças.
Médio prazo.
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122 Relatório Final
Enquadramento legal da informalidade
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
57. Alargamento do prazo de
prescrição para crimes fiscais
Alargamento do prazo de prescrição dos crimes fiscais para 10
anos.
AR, Ministério
das Finanças.
Curto / médio
prazo.
58. Estatuto de arrependido
À semelhança do já acontece em processos de natureza penal
e no combate à colusão, a criação de um “estatuto do
arrependido” que reduza substancialmente, ou até suspenda,
as penalizações que incidem sobre o participante numa rede
de fraude fiscal que a denuncie pode ser um poderoso
instrumento para a Administração Fiscal.
AR, Ministério
das Finanças,
Ministério da
Justiça.
Médio prazo.
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Economia Informal em Portugal 123
Avaliação e publicitação dos resultados
Título Descrição/Objectivos Entidade
Responsável
Início de
execução
Exemplo
internacional
59. Avaliação regular do
organismos da administração
Este avaliação deve incidir quer sobre índices objectivos
(cumprimento de prazos, receitas alcançadas, etc.) como
sobre indicadores do grau de satisfação dos seus utentes.
Esses resultados devem ser divulgados de forma transparente.
Governo,
administração
pública.
Curto / médio
prazo. Austrália.
60. Benchmarking
Realização regular de exercícios de benchmarking que
permitam comparar a administração pública portuguesa com
as melhores práticas internacionais.
Governo,
administração
pública.
Curto / médio
prazo.
61.
Avaliação periódica dos
resultados em matéria de
combate à Economia Informal
Os resultados obtidos em matéria de combate à Economia
Informal devem ser periodicamente avaliados de forma a
permitir os necessários ajustamentos na estratégia adoptada.
Esses resultados devem ser divulgados de forma transparente.
Governo Curto / médio
prazo. Austrália.
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Economia Informal em Portugal 125
Anexo – Declaração do Presidente do Conselho de Orientação Estratégica
A economia informal e a carga fiscal*
Algumas das mais profundas raízes da economia informal penetram na sobredimensão e na
subeficiência do SPA (sector público administrativo).
Esta asserção é convicção minha, julgo que também o é dos Autores do relatório e parece
beneficiar de apreciável plausibilidade em análises empíricas.
Contudo, o relatório não lhe dá, a meu ver, o devido relevo, especialmente ao nível das
conclusões e recomendações sobre o peso do Estado.
Em especial, a redução da carga fiscal (melhor, do esforço fiscal, que é um conceito mais
elaborado) não tem o desenvolvimento que deveria ter como uma das principais causas da
economia informal e, portanto, uma das principais vias a relevar numa estratégia de atenuação
progressiva, pluri-etápica, da economia informal. **
E não concordo com a justificação dada no relatório para uma tal subalternização. Alude-se a
“constrangimentos das contas públicas”.
Defendo que devem ser muito bem ponderadas as propostas que impliquem receitas cessantes
ou/e despesas emergentes. Mas o que proponho é uma gradual conjugação de uma cessante carga
fiscal e uma cessante despesa corrente primária, o que é consentâneo com o não agravamento
do défice e com o afastamento de políticas procíclicas.
* As ideias que aqui sucintamente exponho estão publicadas no livro O Sobrepeso do Estado em Portugal, editado em 2005. e em vários outros escritos.
** A teoria e a análise distinguem entre ‘carga fiscal’ e ‘esforço fiscal’.
O primeiro indicador, também dito ‘nível de fiscalidade’, é mais simples mas mais limitado. É a divisão de toda a receita fiscal (incluindo a parafiscal) pelo PIB. Desconsidera alguns aspectos essenciais, como o PIB per capita e o nível de desenvolvimento, a economia paralela, a qualidade dos serviços públicos, …
O segundo indicador, também dito ‘sacrifício fiscal’, é mais elaborado. Pega no primeiro indicador e conjuga-o com alguns daqueles aspectos que diferenciam os países.
Portugal, em comparações internacionais, piora quando passamos do 1º para o 2º indicador.
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126 Relatório Final
Além disso, o relatório deve propor mudanças. E as mudanças podem e devem atenuar ou
desfazer constrangimentos.
Os mencionados “constrangimentos das contas públicas” podem ser apartados, a meu juízo, por
conjugação e concomitância ou quase concomitância de:
• Reduções do rácio da ‘carga fiscal’ (ccmt) **,*** …
• Reduções do rácio da ‘despesa corrente primária’/PIB (ccmt)…
• Aplicação mais extensiva e equitativa da regra ‘utilizador-pagador’…
• Vigilância dos ‘objectivos orçamentais de médio prazo’ (ccmt), de que fala o Pacto de
Estabilidade e Crescimento.…
Esta conjugação gradualista tende a consentir confluências virtuosas com a globalização e a
competitividade geral e fiscal.
Do ponto de vista substancial, a maior dificuldade residirá nas implicações de reconceituação
das funções do Estado (em sentido amplo de SPA) e de reformulação dos regimes de
financiamento de certos serviços públicos. Algumas destas implicações poderão invadir o
direito constitucional.
A prática do regime ‘utilizador-pagador’ é exígua em Portugal. Tal exiguidade dilacera a
equidade, todavia fala-se da equidade para justificar a exiguidade, depois vê-se um rico a usar e
não pagar, como um pobre. Então diz-se, com certa razão, quem pode já paga esses serviços por
via do IRC e do IRS progressivo (quando não está na economia informal). Mas, perguntaria, como
sobreviverá esta razão quando a competitividade exige reduzir IRC e IRS? E, com menor receita
fiscal, como sobreviverão os serviços do ‘utilizador-não-pagador’?
O nosso Estado-social precisa de reconceituar e moderar os seus regimes. E de se reposicionar
em níveis mais apropriados ao convívio da equidade com a eficiência, mais proporcionados à
competitividade de uma economia europeia e aberta. Ademais, há, entre nós, injustiças no seio da
própria justiça social.
Não é sempre certo que uma baixa das taxas dos impostos ou um alívio dos escalões da
progressividade provoquem uma redução da receita fiscal. Há que valorizar também os efeitos
positivos da menor pressão fiscal, seja o efeito de indução de crescimento económico, seja o
efeito de persuasão sobre incumpridores e a sua atracção à formalidade. E há que ver em que
fase do ciclo a economia se encontra.
A trajectória da dimensão do Estado (entendido como SPA) contribuiu para a economia
informal. Portugal exibe uma escalada entre 1970 e 2004: - é o maior crescimento do rácio das
despesas públicas totais/PIB e é o segundo maior crescimento do rácio da carga fiscal, no
conjunto de países considerados por A Afonso e V Gaspar (Working Papers, nº 9, BP, Abril 2006).
O combate de fundo à economia informal requer reformas estruturais.
*** Corrigido do ciclo e de medidas temporárias (ccmt), como decorre do Pacto de Estabilidade e Crescimento.
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Economia Informal em Portugal 127
Na hora da verdade de avaliarmos o reformismo, acharia bem considerar três indicadores
muito simples, todos relativizados pelo PIB, os dois primeiros ‘ccmt’: i) carga fiscal; ii) despesa
corrente primária; iii) economia paralela. Todos em decrescendo.
Nas presentes e persistentes condições da economia portuguesa, tudo, ou quase tudo, por aí
passa e aí desagua.
Miguel Cadilhe
Março 2008
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