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EDIÇõES MARIA DA FONTE · 2018. 12. 21. · tas de homens, organizações económicas ou de grupos de países. Os chamados regimes racistas de minoria branca, não são senão uma

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EDIÇõES MARIA DA FONTE

TíTULO: Quem é o Inimigo? Qual é o nosso Objectivo?

,· . AUTOR: Agostinho Net o

EDITOR: MARIA ISABEL PINTO VENTURA

CD NT A ............................................................... .

12$50

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Edições Maria da Fonte

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EDIÇõES MARIA DA FONTE

LIVROS PUBLICADOS:

COLECÇÃO «TEXTOS MARIA DA FONTE»

Série A :

1 - Trotsky e o Trotskismo-Vários

2-Marx e os Sindicatos-A. Losowski

(1.' edição esgotada)

3-Mao Tsé-tung e a Política de Partido-Mao

Tsé-Tung

Série B :

1 -A Metade do Céu-Claude Broyelle

COLECÇÃO «TEXTOS MARTE»

1 -Arte e Ciência da Guerra-Clausewitz

COLECÇÃO «TEXTOS CONFRONTO»

1 -Um Mundo Melhor-Jean Baby

COLECÇÃO «DOCUMENTOS»

1 - Sobre o Trabalho de Propaganda I Um Con-

gresso Histórico-Mao Tsé-tung, Chou En-la i

e Wang Hong-wen

A SAIR:

O P. T. A. e a Luta Contra o Revisionismo-Enver.

Hoxha e outros

Dimitrov e a Luta Sindical-Georges Dimitrov

Manual Político do P.A.I.G.C.

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Quem é o Inimigo?

. Qual é o Nosso Obiectivo?

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COLECÇÃO «LIBERTAÇÃO NACIONAL>>

Dirigida por: Manuel Quir6s

Editor : Maria Isabel Pinto Ventura >

Capa : Maria José Sacadura

© Para a versão portuguesa de Edições Maria da Fonte

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Agostinho Neto Presidente do M P L A

Quem é o Inimigo?

Qual é o Nosso Obiectivo?

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ALGUNS ASPECTOS DA LUTA

DE LIBERTAÇÃO NACIONAL

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Sr. Presidente,

Senhoras e Senhores,

Camaradas,

É com o maior prazer que tomo a palavra diante do sempre interessante auditório desta Universidade, cujas preocupações, por parte de estudantes e professores revelam o desejo de um conhecimento profundo do nosso con-tinente e dos diferentes factores que afectam o seu desenvolvimento. Esta é uma preocupaçã::> digna dos futuros dirigentes do país e daqueles que os formam, facto que transforma o grande prazer deste encontro em honra especial.

Que me seja permitido expôr brevemente o fruto de uma experiência pessoal e de refle-xões sobre a luta de libertação nacional no nosso continente. Esta experiência não é se-não a expressão de uma necessidade vivida em África nos últimos cinco séculos e muito especialmente nos últimos decénios, de cada um de nós se sentir livre. É também a expres-são mais vasta do desejo comum do Homem sobre a terra, de se considerar livre, capaz de se desligar das amarras de uma sociedade em que estiola e morre, como ser humano.

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A luta de libertação nacional em África, na minha opinião, não pode ser desligada do con-texto actual em que se desenvolve, nem pode isolar-se no mundo. Uma greve de trabalhado-res na Inglaterra, a imposição do fascismo ao povo chileno ou uma explosão atómica no Pa-cífico, são fenómenos da mesma vida que es-tamos a viver, através da qual procuramos as vias para uma existência feliz para o homem sobre a terra. O facto universal é portanto par-ticularizado em África, através das formulações correntes no plano político, económico e cul-tural.

Os laços históricos que ligam os nossos povos aos outros povos do mundo vão estrei-tar-se cada vez mais, pois que não pode haver outra tendência sobre a terra. O isolamento é impossível e é contrário à ideia de progresso técnico, cultural e político.

O problema que se nos põe neste momento a nós africanos, é como transformar as rela-ções injustas, geralmente de subordinação po-lítica e económica, com os outros países e po-vos do mundo, sem que esta transformação se faça à custa do progresso social que necessa-riamente deve estar integrado na acção para alcançar a liberdade e sem o qual o comporta-mento do homem será o de quem sai de uma forma de discriminação para cair numa outra forma tão negativa como a primeira, uma sim-ples inversão dos factores intervenientes. E dentro desta mesma sociedade africana, o mo-vimento de libertação nacional procura também que as forças sócio-económicas internas, isto é, aquelas que se desenvolvem no interior de cada país, se reestruturem no sentido do pro-gresso.

Em África, estamos fazendo todos os es-forços para acabar para sempre com o paleo--colonialismo, hoje apenas existente nos terri-tórios dominados por Portugal, como geral-mente se acredita, mas que de facto são domi-nados por uma vasta associação imperialista

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protegendo de maneira injusta interesses egoís-tas de homens, organizações económicas ou de grupos de países. Os chamados regimes racistas de minoria

branca, não são senão uma consequência e uma forma especial de paleo-colonialismo, em que os laços com as metrópoles se tornaram frou-xos e mais apagados, em favor de uma dita-dura minoritária branca.

Esta forma de colonização visível, clara, aberta, não impede que uma outra exista no nosso continente, outra forma de dominação mais subtil conhecida pelo nome de neo-colo-nialismo, em que o explorador já não se iden-tifica com o nome de colonizador, mas que actua da mesma maneira a vários níveis. No entanto, as formas de submissão inter-

na, causadas pela divisão em pequenos grupos étnicos ou linguísticos, pelo desenvolvimento das classes priveligiadas e dotadas de um di-namismo próprio, não deixam de ser também formas de opressão ligadas às formas visíveis e conhecidas como colonialismo, antigo ou novo, ou racismo. Elas aliam-se facilmente ao imperialismo e facilitam a sua penetração e in-fluência.

Estes fenómenos são universais, eles en-contram-se ou encontraram-se em todas as so-ciedades do mundo, mas na actualidade são agudos e bem concretos em África e é aqui que eles mais nos preocupam a nós africanos, e também aos povos com os quais temos rela-ções ou de submissão ou de cooperação. A dominação e a opressão coloniais ou ra-

cistas exercem-se de diferentes maneiras e a diferentes níveis. Elas não actuam de um modo uniforme sobre o nosso continente, não utili-zam sempre os mesmos agentes, não provêm sempre do mesmo estracto social ou sob a mesma forma de organização política ou econó-mica. Por isso, cada um, colonizador ou colo-nizado, sente de maneira diferente este fenó-meno hoje anacrónico e que se deseja ver subs-

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tituído por outro tipo de relações (e quanto a este novo tipo de relações, nós os africanos ainda não estamos nem muito claros nem de acordo). Se para uns, colonialismo significou e signi-

fica trabalho forçado, para outros é discrimina-ção racial; para outros ainda, é a segregação económica e a impossibilidade de ascenção po-lítica. Mas o roubo das terras africanas pelos colonizadores, a escravização do trabalhador, o castigo corporal, ou a intensiva exploração dos bens que nos pertencem, são formas elo mes-mo colonialismo, e depende da larga compreen-são de todos estes factores, a capacidade de cada um se aplicar com maior ou menor inteli-gência e clareza na dinâmica pela solução do problema colonial.

E, como anteriormente disse, a acção con-tra o colonialismo está estreitamente ligada, insere-se numa outra de carácter aparente-mente interno, mas na realidade tão universal como a primeira, que é a necessidade das transformações sociais de maneira a que o Ho-mem seja realmente livre em cada país ou em cada continente do mundo.

A maneira como se encara este aspecto do problema, é também muito importante para a tomada de posição e para a orientação a se-guir no processo de libertação. Estão, portanto, interligados estes dois pro-

blemas cruciais do nosso continente e da nos-sa época com as relações com os povos es-trangeiros, de um lado, e com a relação de for-ças no interior de cada país. Depende de como vemos o mundo, como

antevemos o futuro do nosso país, como sen-timos na nossa pele a acção das forças exter-nas, a atitude mais ou menos correcta, mais ou menos intensa com que entramos emocional-mente na acção libertadora. A luta de libertação nacional na nossa época

é pois influenciada não só pelos factores histó-ricos que determinam o colonialismo, o neoco-

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lonialismo ou os regimes racistas, mas tam-bém pelas suas perspectivas, pelos seus objec-tivos e pela maneira de cada um conceber o mundo, e a Vida. A reacção contra a dominação estrangeira,

seja ela individual, colectiva ou organizada, não pode deixar de ser influenciada pelos dois fac-tores apontados, que dizem respeito à história do passado e à história do futuro. Por isso, a importância dos movimentos de

libertação nacional é muito maior do que geral-mente se admite, porque pela sua actividade, eles se transformam em aceleradores da histó-ria, do desenvolvimento da sociedade onde actuam e fora dela, dinamizam processos so-ciais, para ultrapassar o estadia actual, mesmo em países politicamente independentes. Os diferentes tipos de colonização em Áfri-

ca, provocaram em nós, africanos, formas di-ferentes de ver o problema da libertação e é normal que assim seja, uma vez que as nossas consciências não podem retirar o material para a sua constituição senão do campo da expe-riência vivida e das nossas possibilidades de conhecer o mundo.

Por vezes, nas concepções e portanto na aplicação prática dos programas de combate, diferimos e nem sempre a orientação tomada na acção libertadora preenche ambas as neces-sidades de se concentrar na transformação das relações entre os povos e na transformação intrínseca da vida da nação.

Daqui a necessidade de ver o problema com clareza e de responder claramente a estas ques-tões especiais:

-Quem é o inimigo? o que é o inimigo?

-Qual é o nosso objectivo?

As respostas a estas perguntas, como é óbvio, não dependem apenas do desejo de ser livre, dependem também do conhecimento e duma concepção do mundo e da vida, depen-dem da experiência vivida. O que significa que

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elas não se podem desligar das ideias políticas adquiridas, das concepções ideológicas, fruto, geralmente, da origem de cada um de nós.

Sem querer entrar na análise do problema angolano, nos seus aspectos particulares, eu quereria, no entanto, basear-me na minha expe-riência, para poder esclarecer as reflexões que acabo de fazer e que farei mais adiante.

Angola é um vasto país, hoje muito pouco densamente povoado, colonizado desde 1482 pelos portugueses. Esta é a ideia geralmente aceite. Contudo, no que respeita à colonização, Portugal não conseguiu dominar todo o nosso território desde os primeiros contactos. Foram precisos séculos para conseguir impor o seu domínio político e económico a todo o nosso povo. Também não é verdade que Angola seja dominada apenas por Portugal; sobre este ponto, o mundo está suficientemente esclare-cido para saber que em Angola estão em jogo os interesses políticos e económicos de várias potências mundiais. A administração portugue-sa não impediu a presença dos seus associa-dos, uma presença que se mantém há séculos. A Grã-Bretanha, por exemplo, país que possui em Angola o maior volume de capitais investi-dos, ou os Estados Unidos da América com crescentes interesses na economia e ansiando dominar a posição estratégica do nosso país, assim como outros países da Europa, da Amé-rica ou da Ásia, concorrem para a dominação do nosso povo e a exploração dos bens que nos pertencem.

Pensar hoje que Angola, Moçambique, a Guiné e outras colónias são dominadas pelo pequeno e atrasado Portugal, é tão errado como pensar que a sociedade Francesa se encontra na época feudal (a referência à França é ape-nas para exemplificar).

Não é o pequeno e atrasado Portugal, o prin-cipal elemento para a colonização. Sem os ca-pitais de outros países, sem os crescentes in-

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vestimentos, sem a cooperação técnica, sem as cumplicidades a vários níveis, a transforma-ção radical já se teria verificado há muitos anos.

Portanto, se nós podermos dizer que Portu-gal é o gerente de uma série de acordos polí-tico-económicos, compreenderemos que ele não é o nosso inimigo principal, mas apenas o inimigo directo. Ele é, por outro lado, o elo mais fraco de toda a cadeia criada para a dominação dos povos.

Se olharmos para o próprio Portugal, para o seu panorama interior, encontramos uma so-ciedade que se debate ainda para ultrapassar uma obsoleta forma de governo oligárquico, in-capaz de abandonar o uso da violência co;,tra o seu povo, para o proveito de uma quantas famílias, com uma classe camponesa debaten-do-se na miséria mais triste da Europa e onde cada cidadão se sente prisioneiro no seu pró-prio país. É verdade o que dizem os próprios portugueses, que o seu país constitui hoje uma das maiores vergonhas da Europa e do Mundo.

Poderemos neste momento repor a ques-tão:

-Quem é o inimigo? qual é o seu ca-rácter?

Muitas vezes se confunde o inimigo da África com o branco. A cor da pele ainda é um elemento que para muitos determina o inimigo. Há razões históricas, sociais, factos vividos que consolidaram no nosso continente essa ideia.

E é absolutamente explicável que um traba-lhador das minas na África do Sul, segregado, violentado e espremido no seu suor até à últi-ma gota, sinta que o branco frente aos seus olhos, para quem ele produz riqueza, é o ini-migo principal. É para ele que constrói cidades, ruas bem pavimentadas, conserva condições de higiene e de salubridade que não possui para si próprio.

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É da expenencia da vida que a consc1encia principal se forma. A experiência da África do Sul pode levar a esta conclusão imediata, até certo ponto lógica e emocionalmente válida.

Tanto mais que, para voltar ao caso de An-gola, a sociedade criada pelos colonialistas, criou vários mecanismos de defesa racial, pos-tos ao serviço do colonialismo. O mesmo cam-ponês pobre, miserável, oprimido e explorado na sua terra, é alvo de atenções especiais quando se fixa numa das «suas» colónias. Ele não é só imbuído de mitos patrioteiros, como também começa a gozar de privilégios econó-micos e sociais de que nunca pôde dispor an-tes. Assim, entra no sistema. O colonialismo começa a servir-lhe o apetite e passa a ser o cão de guarda dos interesses da oligarquia fas-cista.

No entanto, nos mais íntimos sentimentos de cada um, tanto o que faz de cão de guarda como o que é explorado, não deixam de sentir--se escravos do conjunto do sistema.

E é assim que hoje podemos dizer que o fenómeno da opressão colonial ou neo-colonial no nosso continente já não se pode pôr ao ní-vel da côr dos indivíduos.

O mesmo sistema que oprime e explora o camponês em Portugal é também o que oprime e explora o cidadão angolano, utilizando moti-vações diferentes, técnicas diferentes, mas sempre com o mesmo propósito-explorar. E entre o homem português e o homem angolano ou moçambicano ou guineense, é possível o estabelecimento de relações justas, isto é, de relações que impeçam a exploração de um ho-mem pelo outro homem, O factor racial, não jogará senão um papel secundário e só du-rante mais algum tempo, caso terminem as re-lações de senhor para escravo.

A compreensão ideológica deste problema, também facilita a sua resolução, ao serem de-finidos os objectivos da luta de libertação.

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Em condições espec1a1s, encontram-se j á casos em que o problema racial é ultrapassa-do. É o que se passa na guerra. Há portugue-ses conscientes que desertam, para de uma maneira ou de outra se alistarem nas fileiras nacionalistas.

A nossa experiência da clandestinidade mos-trou que pode haver essa colaboração racial na luta contra o sistema.

E, no fundo, o que é que nós queremos?

Não penso que a luta de libertação se dirija no sentido da inversão dos sistemas de opres-são de modo que o senhor de hoje seja o es-cravo de amanhã. Pensar assim, será querer caminhar contra o sentido da história. As atitu-des de vingança social não são as que poderão trazer aquilo que desejamos, ou seja, a liberda-de do homem,

É que as lutas de libertação, desejo subli-nhá-lo de novo, não se destinam só a cor-rigir violentamente as relações entre os ho-mens, e especialmente as relações de produção, dentro do país,-elas constituem um factor importante para a transformação positiva de todo o nosso continente e do mundo inteiro.

A luta de libertação nacional é também um meio de quebrar todo um sistema injusto de opressão existente no mundo.

Vejamos o lado pragmático da questão:

Não encontramos em África um único país que não mantenha relações preferenciais com a sua antiga metrópole, até pela absorção dos valores culturais, inevitável num regime de tipo colonial. E mais, as formas de exploração não terminaram; por consequência, não terminaram também as formas de discriminação racial, mais ou menos acentuada. Nestes casos, a liberta-ção ainda não é completa.

Numa independência onde não houvesse apenas a aparência de independência política, mas também a económica e a cultural, onde o respeito real pelos valores nacionais existissem

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de modo a permitir a abolição da exploração, eu acredito-o-o homem encontraria então a liberdade verdadeira.

Se quisermos responder à nossa pergunta, diremos que o inimigo é o colonialismo, o sis-tema colonial, é ainda o imperialismo, que sus-tenta o primeiro, sendo até o inimigo principal.

Estes inimigos utilizam em seu favor todas as contradições que possam encontrar na so-ciedade dominada. Os factores raciais, tribais, de classe, e outros. Sobre eles constróem as suas bases de exploração e mantêm, modifi-cando-lhes o aspecto, quando já não podem ser mantidos. Assim, em África, já não é a do-minação política formal que pode prevalecer, mas ninguém se libertou da dominação econó-mica. Ela aí está presente e por isso mesmo, me é muito grata a fórmula adoptada por alguns partidos políticos no poder em África, ao dizer que eles também são movimentos de liberta-ção nacional. Assim se exprime o completo significado do fenómeno da libertação.

Deste conceito mais largo de libertação na-cional, provêm consequências importantíssi-mas para a necessária cooperação entre os oprimidos da terra.

Continuarei a dizer, portanto, que a liber-tação nacional, tem de ser uma etapa para a realização de uma forma mais vasta de liberta-ção, que é a libertação do homem. Se se afasta desta ideia, o dinamismo de-

saparece, as contradições essenciais no país não terminam.

A experiência angolana mostrQu já que o carácter anti-racista puro, não pode permitir ·::> pleno desenvolvimento da luta pela liberdade. A nossa sociedade, desde há séculos, contém dentro de si os elementos brancos, chegados como ocupantes, como conquistadores, mas que tiveram tempo de se enraizar, de se mul-tiplicar e existir por gerações e gerações sobre o nosso território. Essa população branca do-

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mina os centros urbanos, provocando o fenó-meno da mestiçagem, que torna a nossa socie-dade interligada nos seus componentes ra-ciais. Se a luta de libertação esquece a realidade

do país e se reduz a formulações gratas a na-cionalistas sinceros mas pouco preocupados com o aspecto do desenvolvimento sacio-his-tórico do povo, ela estiola-se e não pode atin-gir os seus objectivos políticos e humanos. Todos aqueles que num país desejam par-

ticipar de qualquer forma da luta de libertação, devem poder fazê-lo. A preocupação em África de fazer da luta

de libertação uma luta racial de pretos contra brancos, não só é epidérmica, mas podemos dizer reaccionária e essa tese não tem futuro, no momento mesmo em que verificamos haver mais contactos entre pretos e brancos sobre o continente do que na época do colonialismo. As relações alargadas com os países sacia-·

listas, com os países anti-coloniais (na forma antiga), as relações chamadas de cooperação com as antigas metrópoles, chamaram à África um notável número de europeus, americanos, asiáticos que não existiu nunca em nenhuma época da história. Pôr, portanto, o problema preto contra bran-

co, é falsear a questão, é desviá-la do seu ob-jectivo.

O que queremos nós? Uma vida independente como Nação, uma

existência em que as relações económicas se-jam justas entre os países e dentro do país, um reviver dos valores culturais ainda válidos para a nossa época.

O conceito literário de negritude, nascido das correntes filosófico-literárias que fizeram a sua época, como o existencialismo e o sur-realismo, pôs com acerto o problema da cons-ciencialização cultural do homem negro no mundo, independentemente da área geográfica em que ele se dispersou.

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Conjuntamnte com a ideia do panafricanis-mo, o conceito de negritude, começou, num certo momento, a falsear o problema negro. É justo, era justo realçar os valores cultu-

rais na sua essência, que os povos negros transportaram para todos os continentes, com predominância para o continente americano. A nossa cultura deve ser defendida, desenvolvi-da. O que não significa dizer que deva ser man-tida em estagnação.

No fundo e como vários pensadores têm afirmado, a luta de libertação nacional é uma luta pela cultura. Mas eu creio que os laços culturais não evitam de modo algum a compar-timentação política.

Este tem sido um ponto equívoco em mui-tas manifestações ditas de libertação nacional. E não posso deixar de exprimir aqui a mi-

nha inteira identidade política com a luta dos povos negros da América, lá onde se encon-trem e admirar a vitalidade dos descendentes dos africanos ainda hoje oprimidos e segrega-dos na sociedade americana, especialmente nos Estados Unidos. Digo especialmente nos Estados Unidos, porque não acredit o muito na inteira liberdade dos negros e na igualdade na-cional no Brasil, de que tanto se fala e ::le que nos pretendem convencer.

A ascenção social do negro americano é notável, ao ponto de hoje o negro americélno se distinguir em África não só pelo seu com-portamento mas também pelo seu nível inte-lectual e técnico. Raras vezes as características físicas do

negro americano permitem dúvidas sobre a sua origem. E assim é que o fenómeno da misce-genação produziu um outro tipo de homem. Aquele tipo que em Angola o homem vulgar chamaria branco ou mestiço, nos Estados Uni-dos é negro. Não existe, portanto, uma identificação fí-

sica e há fortes diferenças culturais como não poderia deixar de ser.

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Por isso, sem confundir origens com com-partimentos políticos, a América é a América, a África é a África.

Hoje estamos todos ligados, solidários nu-ma luta de libertação contra opressores que apresentam a mesma côr, mas amanhã certa· mente, haverá personalidades sociais diferen-tes a conservar. E o processo evolutivo da hu-manidade para que as diferenças se extingam, não pode deixar de provocar nos Estados Unidos, uma diluição ainda maior das diferen· tes etnias hoje antagónicas. A América tem a sua vida própria, do mesmo modo que Angola ou Moçambique têm a sua própria vida. Em· bora tenhamos de nos identificar, como negros, na defesa dos nossos valores, não posso es-conder a preocupação por vezes mal funda-mentada para que alguns dos nossos irmãos do outro lado do Oceano Atlântico tenham uma messiânica preocupação de encontrar um Moi-sés para o regresso à África. Certamente, para muitos, esta teoria está

ultrapassada.

Mas vou voltar ainda à questão de saber quem é o nosso inimigo. Relembro que, na mi-nha compreensão, as reacções primárias contra um sistema de opressão derivam da experiên-cia pessoal, da maneira como se sentiu essa opressão. Citei o caso da África do Sul. Não quero ignorar neste momento a pressão que é feita sobre os Movimentos da Libertação para conservar uma pretensa pureza negra. Cita-se muitas vezes o caso da América onde a luta racial é para os negros, a mais evidente. Não sejam estas frases tomadas como crítica aos nossos bravos irmãos americanos negros, eles melhor do que ninguém sabem como orientar a sua luta, como encarar a transformação da sociedade americana de modo que lá, o homem seja livre.

Mas permitam-me também que eu rejeite toda e qualquer ideia que deseje transformar a luta de libertação nacional em Angola, em

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luta racial. Eu direi que em Angola, a luta tam-bém assume o aspecto racial, pois que a dis-criminação faz-se. A exploração do negro faz--se. Mas ela é fundamentalmente uma luta con-tra o sistema colonial e contra o seu aliado principal, o imperialismo.

Rejeito também a ideia da libertação negra, num momento em que a unidade da África é um dos princípios da OUA, aceite universal-mente, e sabendo que em África existem os Povos Árabes, existem áreas que não são ne-gras. O problema não pode ser puramente ra-cial. Enquanto houver imperialismo há possi-bilidade de continuar o colonialismo. Estes são os inimigos, para nós.

O que nós desejamos é estabelecer uma sociedade nova, onde negros e brancos pos-sam viver em conjunto. Naturalmente e para não ser mal interpretado, devo acrescentar que o processo democrático deve exercer-se de tal modo que a massa popular mais explorada (a negra) tenha o controle do poder polític1:> por-que ela é aquela que mais longe pode ir no es-tabelecimento de direitos apropriados para todos. Luta do povo pelo poder político, pela ln-

dependência económica, pelo restabelecimento da vida cultural, pela desalienação, pelas rela-ções com todos os povos, numa base de igual-dade e de fraternidade, tais são os objectivos da nossa luta.

Estes objectivos são fixados através da de-finição do inimigo, da definição do nosso povo e do carácter da nossa luta, que é uma luta re-volucionária, atingindo não só as bases do sistema colonial, mas também os fundamen-tos da nossa própria sociedade, como na-ção e como povo. Mas nesta etapa, pode pro-cessar-se uma tal libertação? Vejamos. Estamos num período em que as forças im-

perialistas se dispõem com dinamismo e com tenacidade no palco africano. Aliado aos co-

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lonialistas portugueses, aos regimes racistas da Africa Austral, o imperialismo está presente no nosso continente. A sua influência sente--se. A sua acção provoca sobressaltos na vida da Africa. O neocolonialismo é um facto. Em toda a Africa, ainda há que lutar pela indepen-dência, política em algumas áreas, economi-camente noutras, cultural na quase totalidade.

O imperialismo procura ao máximo manter as fontes de matérias-primas e a mão-de-obra barata. Este é o fenómeno em que se debate não só a Africa mas todo o chamado «terceiro mundo».

No mundo dividido em blocos, dos quais era hábito distinguir o bloco socialista do bloco capitalista, surgiu o não-alinhamento para po-der tentar o equilíbrio e a defesa dos menos desenvolvidos.

E dentro desta divisão, são os socialistas que arvoram a bandeira do internacionalismo e na realidade dão o maior apoio aos movi-mentos de libertação.

Mas, hoje o campo socialista encontra-so dividido, enfraquecido por inconciliáveis con-cepções ideológicas, e as relações de solida-riedade, que faziam destes países uma forta-leza de ferro e impenetrável, quebraram-se e estão longe de se restabelecer.

As relações de solidariedade modificaram--se e conflitos de maior ou menor importância, mancham o ideal proclamado pelo socialismo. Assim, do mesmo modo que em vários paí-

ses africanos encontramos nos seus mercados os produtos de países dominados pelo inimigo, da África do Sul, de Portugal, da Rodésia, nós vemos com muita preocupação o aumento de relações comerciais e culturais especialmente com Portugal, em particular por parte de al-guns países socialistas.

Assim, a libertação nacional em Africa, se-jamos realistas, não dispõe de bases muito só-lidas na arena internacional e não são as afi-

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nidades políticas ou ideológicas que contam. Não são também os próprios objectivos, mas na maior parte dos casos, outros interesses do-minam as relações entre as forças de libertação e o mundo.

Estamos numa outra época. O mundo trans-forma-se e temos que verificar o facto.

Assim, os interstícios por onde o inimigo pode penetrar, são numerosos. No entanto, como factor essencial, temos de reconhecer que a luta de libertação nacional é uma causa que, hoje, raros deixam de apoiar, com maior ou menor sinceridade, A independência polí-tica para a maioria africana é uma aquisição do nosso tempo.

E como ~árias correntes políticas e con-cepções ideológicas estão em jogo, com inte-resses por vezes antagónicos, os movimentos de libertação vêm-se é1 braços com o problema da sua independência política e ideológica, o problema da preservação da sua personalida-de, que deve reflectir a imagem social do país.

A preservação da Independência não é fá-cil e por vezes a luta é afectada pelas nossas próprias contradições. E as contradições po-dem provir das diferentes concepções, de que vem a definição do inimigo e dos nossos objec-tivos.

Alguns gostariam de ver os movimentos de libertação tomar o rumo de luta de classes, como na Europa. Outros gostariam de os ver racistas, D. Quixote lançado contra o moinho de vento da pele branca. Outros gostariam de os ver tribalizados, federalizados, segundo aquilo que imaginam dum país que lhes é desconhecido. Outros, idealistas, gostariam de os ver enveredar na senda do compro-misso político com o inimigo.

Estas tentativas de transformar os movi-mentos de libertação em satélites de partidos no poder, sujeitos a um paternalismo inadmis-sível, são provocadas pelo facto de a maioria

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dos movimentos de libertação conduzirem uma luta armada, mas terem de o fazer a partir do exterior da sua pátria. O exílio produz os seus efeitos.

«0 pior mal que nos fizeram os portugue-ses - dizia um dos meus mais inteligentes amigos-é o de nos obrigarem a fazer a luta de libertação a partir do exterior». Eu con-cordo. A Organização da Unidade Africana, que

alguma coisa tem feito, especialmente no pla-no político, para valorizar os movimentos de libertação nacional, ainda terá de os ajudar bas-tante para que eles se vejam independentes, respeitando as conveniências e as interven-ções programáticas das diferentes organiza-ções, de acordo com a realidade do país.

O diálogo entre a Africa independente e a África dependente ainda não é satisfatório e por isso mesmo os combates políticos não se desenvolvem com a força necessária.

Nós poderíamos divagar sobre as várias faces da acção política para demonstrar as nossas insuficiências, mas não desejarei neste momento dar a ideia de haver intenção crítica na apreciação do moment o que atravessamos nesta fase de libertação.

Direi apenas que, por exemplo, poderíamos colaborar mais no plano económico, de modo a travar também a batalha neste campo. No que respeita a Portugal, o roubo das nossas riquezas como o petróleo, o café, os diaman-tes, o ferro, etc. produtos que são comercia-lizados por organismos internacionais, em que participam africanos, poderia ser impedido, ou pelo menos diminuído.

E que mal faria a associação dos movimen-tos de libertação nas discussões sobre proble-mas cruciais do nosso temno e que vão certa-mente afectar o desenvolvimento do nosso continente, como por exemplo a associação mais larga da África no Mercado Comum, ou os

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problemas da Segurança Europeia? E o proble-ma da África do Sul? Poderemos discuti-lo, al-gum dia, totalmente? Enfim, poderíamos demorar ainda mais

tempo nas reflexões sobre experiências vivi-das nesta luta de libertação nacional. Termino aqui, agradecendo ao Sr. Presi-

dente e a todas as senhoras e senhores, cama-radas, a vossa atenção.

Este livro foi composto e impresso

na Tip. Garcia & Carvalho, 'Lda.

em Junho de 1974

poro Edições Maria da Fonte

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