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EDITORIAL

Temos o prazer de apresentar-lhe a Revista Hermenêutica 2004. Nesta edição, Ozeas Caldas Moura analisa o vocábulo ‘emûnâ em Hab 2:4 e sua importância para a compreensão do livro do profeta Habacuque. No estudo, vê-se que, no contexto do livro desse profeta, o vocábulo ‘emûnaâ é melhor compreen-dido como signifi cando “fé/confi ança”, em vez de “fi delidade”. Ou seja, a fé que o justo tem em Iahveh leva-o à fi delidade, que é fruto da fé.

Em seguida, Milton L. Torres analisa os principais argu-mentos contra o nome “Jesus”, sobre os aspectos epigráfi cos, literários e arqueológicos, demonstrando a legitimidade deste nome e seu signifi cado para os cristãos.

Demóstenes Neves da Silva discorre sobre a Natureza Humana de Cristo, mostrando as diferenças e semelhanças em relação a nossa natureza. A análise linguistico- teológica das diversas passagens sobre o assunto é muito esclarecedora sobre a questão.

A seguir, Richard M. Davidson aborda a questão da Na-tureza e Identidade da Tipologia Bíblica, mostrando que um tipo (especialmente no AT), não é algo que é defi nido por ex-egetas posteriores, mas que nele já se encontram os elemen-tos característidcos de um Tipo. Os exegetas (especialmente os do NT) somente reconhecem isto, ao ver o Tipo encontrar seu Antítipo.

Finalizando, Tânia M. L. Torres aborda o Sincretismo Religioso Brasileiro e o Desenvolvimento da Espiritualidade Afro-Brasileira. O artigo é bastante esclarecedor sobre a car-acterística da religiosidade no Brasil.

O Editor

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A ʼEMÛNÂ EM HAB 2:4b: ASPECTOS SEMÂNTICOS

Ozeas Caldas Moura.1

Resumo

O vocábulo hebraico ʼemûnâ, derivado do verbo ʼaman pode ser traduzido como “fi delidade” (seguindo-se da idéia de Niphal) em 48 das 49 vezes em que aparece na Bíblia Hebraica. A exceção fi caria por conta de uso em Hab. 2:4b. Nessa passagem de Habacuc, tendo em vista que o contexto profético da perícope onde o vocábulo aparece (o oráculo de Yhwh em 2, 1-5 sobre o fi m do arrogante e promessa de vida para o justo), bem como o contexto de todo o livro desse profeta (Deus controla os eventos da História e os direciona para o bem do justo) deveria ʼemûnâ ser melhor compreendida como “fé / confi ança” em Deus e em Suas promessas (seguindo-se a idéia de Hiphil de ʼaman, onde esse verbo aparece várias vezes no Antigo Testamento num contexto de oráculos divinos com o signifi cado de “crer”, “ter fé”, “confi ar”).

Abstract

The word hebrew ʼemûnâ , derived of the verb ʼaman can be translated as “fi delity” (being followed the idea of Niphal) in 48 of the 49 times in that appears in the Hebrew Bible. The exception would be due to its use in Hab 2:4b. In that passage of Habacuc, tends in view the prophetic context of the periscope where the word appears (the oracle of Yhwh in 2, 1-5 on the end of the arrogant and life promise for the just), as well as the context of whole that prophet’s book (God controls the events of the History and it addresses them for the good of the just) it would owe emûnâ to be understood better as “faith / trust” in God and in its promises (being followed the idea of Hiphil of ʼaman, where that verb appears several times in the Old Testament in a context of divine oracles with the meaning of “believing”, “to have faith”, “to trust”).

1 Ozeas Caldas Moura é Doutor em Teologia Bíblica, pela Pontifícia Uni-versidade Católica do Rio de Janeiro. Este artigo é um resumo de um capítulo de sua Tese de Doutorado, ainda não publicada. Atualmente é o diretor do Seminário Adventista Latino-americano de Teologia, em Cachoeira, BA, Brasil.

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1. Análise da raiz !ma1.1. Etimologia

A linguagem para expressar fé, tão central na literatura no NT (pi,stij / piste,uw), não alcançou igual destaque no AT. No entanto, a diferença é mais uma questão de terminologia do que de ponto de vista.2 Os verbos hebraicos mais freqüentemente usados para expressar o signifi cado aproximado de “ter fé” / “confi ar” são xjb (“crer”, “confi ar”3) e Ary (“temer”4), este último, empregado esmagadoramente no sentido de obediência moral, mais que a idéia de temor religioso (cf. Gn 22,12; Dt 5,29; Jó 28,28).5 No entanto, o AT conhece também a linguagem de fé / crença através da forma Hifi l da raiz hebraica !ma, sendo que, entre as passagens de grande importância teológica, onde se emprega esta raiz, estão as de Gn 15,6 e Hab 2,4, ambas usadas por Paulo (cf. Rm 4,3;1,17; Gl 3,11) sendo a de Hab 2,4 também utilizada pelo autor da Epístola aos Hebreus em 10,38.6

É difícil determinar, com certeza, o sentido original da raiz !ma nas línguas semíticas. Até agora, não foi possível autenticar, com segurança, esta raiz no Acádico, Ugarítico ou no Cananito-fenício.7 A mais antiga ocorrência desta raiz no aramaico (’myn), data do fi m do VII séc. a.C.8, num papiro de Saqqara, com o sentido de duração de tempo, e que pode ser traduzida como: [“Possa o Faraó ou o seu trono ser] tão permanente como os dias do

2 Cf. MOBERLY, R. W.L. “!ma”, in: VANGEMEREN, W.A. (ed.). New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, Vol. I. Grand Rapids: Zondervan Publishing House, 1997, pp. 427.

3 Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. São Pau-lo: Paulus, 1997, p.97.

4 Cf. Ibid, p. 292.5 Cf. MOBERLY, R. W.L. “!ma”, in: VANGEMEREN, W.A. (ed.). New Inter-

national Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, Vol. I. op. cit., p. 427.6 Cf. Ibid, p. 427-8. 7 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1997, p. 292.

8 Cf. KAI 266.3 (DONNER, H. & RÖLLIG, W. Kanaanäische und Aramäische Inschrïften), apud JENNI. E & WESTERMANN, C. Theological Lex-icon of the Old Testament, Vol. I. Peabody: Hendrickson Publishers., 1997, p. 134.

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céu”.9

A signifi cação básica de !ma permanece em disputa.10 Tradicionalmente este verbo tem sido compreendido como “ser fi rme, confi ável, seguro”.11 Baumgartner e Koehler assumem duas diferentes raízes: !ma I, “ser digno de confi ança”, “estar seguro”, “fi rme”, e !ma II, “guardar”, “cuidar [de criança]”, “servir de tutor”, “ser carregado.”12 Assim, a forma Qal, representada apenas no Particípio, com a idéia de ser sustentado, criado, apoiada, carregado, proviria de !ma I.13 Wildberger, por sua vez, diz que um denominador comum para o signifi cado original de !ma deve ser buscado em passagens tais como Jó 39, 24, onde este verbo é empregado com o sentido de “permanecer fi rme”, e nos documentos de Qumran, onde o substantivo ne’emānût aparece com o sentido de “segurança”, “garantia”.14 Como não se chegou ainda a um acordo quanto a de qual raiz proviria a forma Qal (se de !ma I ou !ma II)15, e se realmente haveria estas duas raízes, para efeito de nosso estudo, consideraremos apenas a raiz !ma e os vocábulos dela derivados, como faz Jepsen.16

1.2. Formas verbais da raiz !ma

O verbo !ma aparece nas formas Qal, Nifal e Hifi l.

9 Cf. JEPSEN, A. “!m;a”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 292.

10 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 136.

11 Ibid. (cf. também SCHÖKEL, L.A. Dicionário Bíblico Hebraico-Portu-guês, op. cit., pp. 62-63).

12 Cf. BAUMGARTNER, W. & KOEHLER, L. Hebräisches und Aramäis-ches Lexicon zum Alten Testament (doravante mencionado como HALAT), Vol. III. Leiden: E. J. Brill, 1967, pp.61-2

13 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 135.

14 Ibid, pp. 136 e 142.15 Confi ra esta dúvida em BAUMGARTNER, W. & KOEHLER, L. HA-

LAT, op. Cit., p. 61.16 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 292-323.

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1.2.1 A forma Qal: Esta forma aparece somente no particípio. No particípio passivo aparece somente em Lm 4,5, no plural, 17 onde ~ynImUa?h' pode ser traduzido por: “Os que são criados.”18 No particípio ativo, aparece no masculino em Nm 11,12; 2 Rs 10,1; Est 2,7; Is 49,23, e, no feminino em 2 Sm 4,4 e em Rt 4,16. Nesta forma (Qal particípio ativo) !ma é empregado para designar homens e mulheres aos quais eram confi adas crianças dependentes.19 Em Nm 11,11, Moisés se queixa pela carga (aF'm;) que YHWH tinha colocado sobre ele; em Nm 11,12, nega que tenha a obrigação de um aio (!meao) para com Israel. Em Is 49,23, Yhwh promete que reis serviriam de aios (%yIn:m.ao) para os fi lhos de Israel, quando estes voltassem do cativeiro babilônico. 2 Rs 10,1 menciona que Jeú enviou cartas aos chefes e anciãos, e também aos ~ynIm.ao dos fi lhos de Acab. ~ynIm.ao nesta passagem tem o sentido de “guardião”20, “tutor.” 21 “Tutor” também é o sentido de !meao em Est 2,7 (cf. 2,20), onde Mordecai aparece no papel de pai de mãe de Ester.22 O feminino tn<m,ao é empregado para se falar do papel de uma babá ou ama, como foi o caso de Noemi para com o fi lho de Rute (cf. Rt 4,16) e daquela que serviu de ama para Mefi boset (cf. 2 Sm 4,4). Conforme estas passagens analisadas, o Qal particípio de !ma apresenta o sentido especial de um cuidado responsável, estando alguém aos cuidados de “mãos fi éis.”23

1.2.2. A forma Nifal: Nestaa forma, a raiz !ma aparece 32 vezes

17 Cf. BAUMGARTNER, W. & KOEHLER, L. HALAT, op. cit., p. 61.18 Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português, op. Cit., p. 62.19 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 294. 20 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C.

Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 135.21 Cf. LISOWSKY, G. Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament.

Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1958, p. 108. A idéia de ALBRIGHT (apud JENNI, E & WESTERMANN, C. Theological Lexicon of Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 135) de que ’omenîm pudesse estar relacionado como o acadiano ummānu (“tropa”, “exército”, cf. LABAT, R. & MALBRAN-LABAT, F. Manuel d’Epigraphie Akkadienne. Paris: Librairie Orientaliste Paul Geuthner, S.A., 1988, p. 344), permanece altamente questionável. (Cf. também POR-ÚBCAN, Š. “La radice ’mn nell’ A.T.”, in RivB 8 (1960), pp. 324-36 e RivB 9 (1961), pp. 173-83.

22 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 294.

23 Ibid.

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no Particípio (!m'a/n< no estado absoluto e -!m;a/n< no estado construto), 5 vezes no Perfeito (!m;a/n<), e 9 vezes no Imperfeito24 (!mea'yE). A forma Nifal é usada para expressar o sentido de duração, permanência, confi abilidade, fi delidade, fi rmeza.25

O uso secular do Particípio (!m'a/n<) e do Perfeito (!m;a/n<):

a) Em relação a coisas: Nas poucas passagens em que estes tempos são empregados em relação a coisas, apresentam o signifi cado de “duradouro”, “contínuo”,, “fi rme.”26 Tal é o caso de passagens como Dt 28,59, onde, entre os castigos que poderiam advir a Israel por sua negligência em dar ouvidos à voz de Yhwh (cf. 28,15), estavam “feridas grandes e duradoras” (tAnm'a/n<w> tAldoG. tAKm ;) e “doenças graves e duradoras” (~ynim'a/n,w. ~y[ir' ~yIl'x|w"). Em Is 33,16 é prometido àquele que “anda em justiça” (cf. 36,15), águas “sempre certas” (!m'a?n< ~Aqm'B., cf. Is 22,23 e 25).

b) Em relação a pessoas: Nas passagens onde ne’emān aparece relacionado com pessoas, seu sentido é o de referir-se a alguém digno de confi ança.27 É o que demonstram as seguintes passagens: Pr 25,13 fala do “mensageiro fi el” (!m'a?n? rycI); Is 8,2 faz menção a “testemunhas fi éis” (~ynIm'a/n< ~ydI[e); em Ne 13,13 é dito que os sacerdotes e levitas foram escolhidos para tesoureiros dos depósitos dos dízimos “porque foram achados fi éis” (Wbv'x.n< ~ynIm'a/n< yKi), e entre os servos do rei Saul, Davi era reputado como “servo fi el” (!m'a/n< db<[,, cf. 1 Sm 22,14). E, apesar de pouco freqüentes, o Perfeito(ne’emān) e o Particípio (ne’emān) aparecem também na Literatura Sapiencial: Pr 11,13 diz que o “fi el de espírito [h:Wr-!m;a/n<] encobre o segredo”, e no cap. 27,6 é dito que as feridas feitas pelos amigos são “leais” (~ynIm'a/n<).

24 JEPSEN (in Ibid) contra apenas 8 ocorrências no Imperfeito do Nifal, por considerer a passagem de I Cr 17,24 ininteligível e corrompida.

25 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 138.

26 Cf. JEPSEN, A. “!m;a”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 295.

27 Ibid.

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O Particípio e seu uso teológico:

a) Com referência a Deus: Em Dt 7,9, Yhwh é chamado de “O Deus fi el” (!m'a/N<h; laeh', cf. !m'a/n< rv,a] h'why>, em Is 49,7). Certamente, “não é acidental que o AT use, não o adjetivo ... ’emûn para descrever a fi delidade de Deus, mas o particípio ne’emān , o qual, em sentido preciso, signifi ca ‘Aquele que prova a si mesmo fi el.’ ”28 Em Jr 42,5, Yhwh é invocado por aqueles que não foram para o cativeiro babilônico como “testemunha verdadeira e fi el” (!m'a/n< tm,a/ d[e). Também “fi éis” (~ynIm'a/n<) são os preceitos (~ydIWQPi) de Yhwh (cf. Sl 111,7). Ne’emān aparece também relacionado com as promessas feitas por Yhwh. Nas que foram feitas a Davi e sua dinastia, é dito que sua casa e seu reino seriam “fi rmados” (!m;a.n,) “para sempre” (~l'A[-d[;, cf. 2 Sm 7, 16; cf. ainda 1 Sm 25,28; Sl 89,29 e 3829; Is 55,3). Ao “sacerdote fi el” (!m'a/n< !heK{) a ser suscitado por Yhwh, é prometida uma “casa estável” (!m'a/n< tyIB;, cf. 1 Sm 2,35). Yhwh prometera também a Jeroboão uma “casa estável” (!m'a/n< tyIB;, cf. 2 Rs 11,38), desde que ele procedece retamente. No caso destas promessas (a Davi, ao sacerdote e a Jeroboão) ne’emān tem o sentido de algo contínuo, durável. Contudo “a durabilidade de uma casa não é uma coisa natural, mas é garantida por uma promessa de Deus. Tais promessas ... têm durabilidade, permanência.”30

b) Com referência a pessoas: Nas poucas passagens em que ne’emān, no particípio, se refere a pessoas, nota-se uma ênfase no relacionamento e na fi delidade de conduta destas para com Yhwh. Os exemplos mais signifi cativos são os de Abraão, Moisés e Samuel. Na oração de arrependimento e confi ssão da comunidade que voltara do Exílio, é dito que Yhwh achara fi el o coração de Abraão diante dele (^yn<p'l. !m'a/n< Abb'l.-ta, t'ac'm'W, Ne 9,8). Possivelmente, estas palavras estejam fazendo alusão à prova a qual Abraão foi chamado a suportar, ao demonstrar prontidão em atender a ordem divina para

28 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 139.

29 Seguimos nesta tese o sistema de numeração dos capítulos e versículos da Bíblia de Jerusalém, 9a edição revista, 7a impressão, julho de 1995, que por sua vez segue a numeração da Bíblia Hebraica.

30 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 296-7.

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que sacrifi casse seu fi lho Isaque (cf. Gn cap. 22 e Eclo 44,20). Yhwh disse de Moisés: “ele é fi el em toda a minha casa”(aWh !m'a/n< ytiyBe lk'B., cf. Nm 12,7). Isto pode signifi car que Yhwh o considerava “merecedor de confi ança”,31 e que, em contraste com Miriam e Arão (cf. Nm 12,1 ss.), ele era o único “autorizado”32, com o qual Yhwh falava “boca a boca” (cf. Nm 12,8). “Autorizado” também parece ser o sentido de ne’emān em 1 Sm 3,20, onde é mencionado que todo o Israel reconheceu que “Samuel estava confi rmado como profeta para Yhwh” (hw'hyl; aybin"l. laeWmv. !m'a/n<).

O imperfeito do Nifal: Nas oito passagens onde ocorre o Imperfeito, cinco delas se referem a rb'D' .33 No incidente no qual põe seus irmãos à prova, José disse a eles que somente coma vinda de seu irmão mais novo, Benjamim, as palavras deles seriam “comprovadas”34 (~k,yreb.dI Wnm.a'yEw>, cf. Gn 42,20). As outras quatro se referem à dābār divina ( 1 Rs 8,26; I Cr 17,23; 2 Cr 1,9; 6,17). Na oração de dedicação do Templo (1 Rs 8,26), Salomão pede Yhwh: “cumpra a tua palavra” (^yr<b'D. an' !m,a'yE) – uma referência às promessas feitas a Davi e a sua dinastia. O cronista retomou esta mesma fórmula e a inseriu em 2 Cr 1,9 e 6,17. E na oração de ação de graças de Davi, ele pede que a palavra que Yhwh dissera a seu respeito e de sua posteridade fosse “estabelecida” (!m,a'yE, cf. 1 Cr 17,23).

As quatro ocorrências restantes da forma Nifal no Imperfeito são: Is 7,9, onde o profeta Isaías depois de aconselhar o rei Acaz a não temer a coalisão Efraim-Síria, que ameaçava seu reino, o advertiu dizendo-lhe: “Se não crerdes [forma Hifi l] certamente não permanecereis [Nifal]” (Wnmea'te al{ yKi Wnymia]t; al{ ~ai); a passagem de 2 Cr 20, 20, que é uma reprodução das palavras de Isaías 7,9, só que de maneira imperativa: desta vez é o rei Josafá quem admoesta o povo: “Crede em Yhwh, vosso Deus, e estareis seguros, crede nos seus profetas e prosperareis” (Wxylic.h;w> wya'ybin>bi Wnymia]h; Wnmea'tew> ~k,yhel{a/ hw'hyB; Wnymia]h;);

31 Cf. BAUMGARTNER, W. & KOEHLER, L. HALAT, op. cit., p. 61.32 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 296. 33 Cf. EVEN-SHOSHAN, A. A New Concordance of the Old Testament, 2.

ed. Jerusalém: ‘Kyriat Sefer’ Publishing House, Ltd, 1990,pp. 83-4.34 Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português, op. Cit., p. 62.

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1 Cr 17,24, onde Davi roga Yhwh que “estabeleça” (!mea'ye) sua casa para sempre; e, por fi m, o texto de Is 60,4, sobre o fi m do Exílio, onde se diz aos cativos que seus fi lhos chegariam de longe, e suas fi lhas seriam “carregadas sobre as ancas” (hn'm;a'Te dc;-l[;).

Concluindo a análise do Nifal de !ma, pode-se dizer que as passagens onde este forma ocorre são usadas, na maioria da vezes, para referir-se a Deus ou ao ser humano, ou de coisas que eles dizem. Passagens que se referem a coisas são raras, mas quando ocorrem, indicam que elas são “duradoras”, “constantes”. Quando o Nifal é empregado para falar de pessoas, quer dizer que elas são “dignas de confi ança.” 35

1.2.3. A forma Hifi l de !ma:

Apesar do debate em torno de !ma no Hifi l,36 ele tem sido compreendido como signifi cado “ter fé, confi ar (em), crer.”37 A forma Hifi l aparece 50 vezes na Bíblia Hebraica.38 Essa forma aparece assim distribuída no AT: 24 vezes em contextos narrativos, 8 vezes em passagens de salmos (7 x no livro dos Salmos e 1x em Lm 4,12), 7 vezes em oráculos proféticos (p. ex.: Hab 1,5), e 11 vezes na Literatura Sapiencial. 39 As narrativas têm preocupação predominantemente teológica, enquanto que, na Literatura Sapiencial, a preocupação é secular.40

35 Cf. JEPSEN, A. “!m;a’”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 297.

36 Cf. discussão in Ibid, pp. 298-300.37 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C.

Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 142.38 Ou 52 vezes, se se incluiJz 11,20 e Is 30,21, passagens tidas como não se-

guras pelos exegetas, que sugerem que sejam emendadas (Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p.300). A. Even-Shoshan ( in: A New Concordance of the Old Testament, 2. ed. Jerusalém: ‘Kyriat Sefer’ passage questionável. Já WILDBERGER (cf. E. JENNI e WESTERMANN, Theological Lexicon of the Old Testament, op. cit., pp. 137 e 142-5) aceita a de jz 11,20, mas não menciona nem comenta a de Is 30,21.

39 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 300, e EVEN-SHOSHAN, A. A New Concordance of the Old Testament, 2. ed. Jerusalém: ‘Kyr-iat Sefer’ Publishing House, Ltd, 1990, p. 84.

40 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 300.

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O uso secular da forma Hifi l:

Nas duas passagens do livro de Provébios, he’emin “tem um claro toque negativo:”41 o ingênuo “dá crédito a toda palavra” (rb'D'-lk'l. !ymia]y:, cf. Pr 14,15); em Pr 26,25 uma advertência é feita com respeito ao dissimulador: “não confi es nele!” (Ab-!ymia]t;h]). O mesmo toque negativo também se faz presente nas 9 passagens, na forma Hifi l, no livro de Jó, através das partículas negativas al (7 x) e la; (1 x). Em Jó 39,12, o sentido negativo está na questão, onde Yhwh perguntou a Jó se ele confi aria (AB !ymia]t;h]) no boi selvagem para trazer para casa o produto de seu trabalho. A resposta óbvia é “não!” Elifaz diz que se Deus “não confi a” (!ymia]y: al) em seus servos (cf. Jó 4,18), nem em seus santos (cf. Jó 15,16). A passagem de Jó 24,22 diz que Deus põe de pé os valentes, quando estes “não têm mais certeza da vida” (!yIYx;B; !ymia]y: al; cf. expressão similar em Dt 28,66). Externando sua dor, insignifi cância e pecaminosidade perante o Poderoso (cf. 9,4-10.19), Jó chega mesmo a dizer que “não creria” (!ymia]y: al) que fosse ouvido por Ele (cf. Jó 9,16). “Não crer” também é o sentido de Jó 15,22: segundo Elifaz, o ímpio “não crê [!ymia]y:-al] que tornará das trevas.” As três passagens restantes que empregam o Hifi l, em Jó, são: 15,3142, que é uma censura de Elifaz ao ímpio, no sentido de que ele “não confi e [!ymia]y:-al] na vaidade”; 29,24a, onde Jó, ao relembrar seu primeiro estado feliz, diz que sorria para aqueles que o ouviam, quando “não tinham confi ança” (Wnymia]y:-al) e Jó 39,24 – passagem de difícil tradução -, onde deve ter ocorrido um caso de transporsição do a: em vez de !ymia]y: (de !ma) se deveria ler !aem’y. (de !ma: “negar-se”, “obstinar-se” 43). Nesse caso a expressão: rp'Av lAq-yKi !ymia]y:-al.w poderia ser traduzida como: “... e não se detém ao som do Shofar.”44

Com visto nas passagens acima, o uso de he’emin na Literatura 41 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 300.42 Texto considerado por muitos exegetas (p. ex.: BEER, BUDDE, FO-

HRER) como glosa (cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RING-GREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 301).

43 Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português, op. Cit., p. 352.44 JEPSEN (In: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dic-

tionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 302) diz que lo’ya’amin talvez fosse um termo técnico eqüestre, cujo signifi cado não nos é conhecido.

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Sapiencial está ligado a um certo ceticismo. As advertências contidas em Provérbios e as regras em Jó, deixam claro que o sentido dessas passagens é “não confi ar em.”45 Esse tom cético se encontra também em outras passagens fora da literatura sapiencial: 1 Sm 27,12 menciona que “Aquiš confi ava em Davi...” (dwid'B. vykia' !mea]Y:w:). Porém, nos versos anteriores (8-11), o escritor previne o leitor de que Aquis não deveria ser tão crédulo em relação a Davi, tendo em vista o que este fazia fora de suas vistas.46 Yhwh preveniu o profeta Jeremias quanto à traição de seus próprios irmãos, dizendo-lhe: “Não confi es nele” (~B'' !mea]T;-la;, Jr 12,6).

Denunciando a corrupção moral de Israel, o profeta Miquéias foi taxativo: “Não creiais [Wnmia]T;-la;] no companheiro” (cf. Mq 7,5). (Por estas duas declarações de Miquéias, dispostas em paralelismo sinônimo, vê-se como o Hifi l de !ma acabou assimilando a idéia de “confi ar” do verbo xjb).

Nos textos onde he’emin aparece com a preposição l. está presente a idéias de se crer num mensageiro ou numa mensagem. Ao ser informado de que seu fi lho José ainda vivia e governava toda a terra do Egito, o coração do idoso patriarca Jacó, por alguns instantes, fi cou como que paralisado, “porque não acreditou neles” - ~h,l; !ymia/h,-al yKi (Gn 45, 27). Ao ouvir falar da grandeza e riqueza do rei Salomão, a rainha de Sabá disse a este rei: “Eu não cri naquelas palavras...” (~yrib'D.l; yTin.m;a/h,-alw. , cf. Rs 10,7). Ao ser avisado por Joanã e outros comandantes do exército de Judá sobre os planos assassinos de Baalis, rei amonita, quanto a sua pessoa, Gedalias “não acreditou neles” (~h,l' !ymia/h,-al, cf. Jr 40,14). Quando o rei Ezequias conclamou o povo de Judá a não temer Senaqueribe, rei da Assíria, mas que pusessem sua confi ança em Yhwh (cf. 2 Cr 32,6-8), o rei assírio enviou seus servos para dizerem quanto ao rei de Judá: “Não acrediteis nele” (Al Wnmia]T;-la;, cf. 2 Cr 32,15). A questão da incredibilidade duma mensagem aparece também no IV canto do Servo, onde é perguntado: “Quem acreditou naquilo que ouvimos?” (Wnte['mUv.li !ymia/h, ym i, cf. Is 53,1).

Em duas passagens onde he’emin aparece seguido por yKi47 também

45 JEPSEN (In: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dic-tionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 302)

46 Ibid.47 As outras passagens seguidas por yKi são Ex 4,5; Jó 9,16; 39,12 ( cf.

EVEN-SHOSHAN, A. A New Concordance of the Old Testament, 2. ed. Jerusa-lém: ‘Kyriat Sefer’ Publishing House, 2. ed., p. 84).

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está presente a idéia de algo inacreditável: Lm 4,12 é dito que os reis da terra e os moradores do mundo “não creram que” (yKi.. ... Wnymia/h, al) o inimigo pudesse ter conquistado Jerusalém.

No texto e Hab 1,5, ao falar da obra que estava realizando (isto é, suscitando os caldeus para punir Seu povo, cf. 1,6), Yhwh disse: “Vós não crereis quando for contada” (rP'sUy> yKi.. Wnymia]t; al).48

Como se vê, o verbo !ma aparece uma única vez no livro de Habacuc, e está em sua conjugação Hifi l (cf. Hab 1,5). Como nas demais passagens em que Hifi l é empregado num contexto secular, he’emin aparece com um tom negativo. Após a primeira queixa de Habacuc sobre a injustiça praticada em seus dias, Yhwh anuncia a realização de uma obra, “que vós não crereis [Wnymia]t; al] quando for contada” (cf. Hab 1,5). Pode-se perguntar porque o povo não haveria de crer nesta obra de Yhwh. O verso seguinte (cf. Hab 1,6) parece apontar par a razão: Yhwh traria os violentos caldeus (cf. Hab 1,6-10) para punir seu povo. Aos olhos dos habitantes de Judá, parecia que Yhwh não estavaa sendo “fi el “ às suas promessas feitas a Davi e à sua descendência (cf. 2 Sm 7,16). Contudo o povo se esquecia quanto ao caráter condicional desta promessa, cuja condição era: “... contanto que teus fi lhos guardem o seu caminho, para andarem diante de mim como tu andaste” (cf. 1 Rs 8,25). A crença na inviolabilidade do Templo (cf. 1 Rs 9,3 e Jr 7,4) também pode ser apontada como causa para a descrença nesta obra punitiva de Yhwh. Contudo, como acontecia com as promessas feitas a Davi e a sua casa, esta promessa de que o nome de Yhwh estaria para sempre no Templo, e de que seus olhos e coração estariam naquele local todos os dias, era igualmente condicionada à obediência do povo (cf. 1 Rs 9,6-9).

Em paralelo com !ma no Hifi l, está o verbo xjb, que no Qal também tem o sentido de “confi ar”, “crer.”49 Xjb aparece em Hab 2,18, onde um artífi ce de ídolos é censurado por “confi ar” (xjb)

48 Cf. WILDBERGER (in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. The-ological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 303) sugere que he’emin é para ser tomado em sentido absoluto, em hab 1,5, e traduz a última linha desta passagem como: “Vós não sereis capazes de permanecer fi rmes”, em para-lelo com Is 7,9. Porém, o contexto de Hab 1,5 se refere à obra, l[;Po, de Yhwh, a qual não seria criada quando fosse contada. O povo de Judá não poderia imaginar como Yhwh poderia permitir pagãos como os caldeus entrarem em Jerusalém e profanarem o Templo. Silo deveria ser lembrada como exemplo do que haveria de ocorrer a Jerusalém e seu templo (cf. Jr 7,4-15).

49Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português, op. cit., p. 97.

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naquilo que sua mão esculpiu (rcy). Isso mostra que, com o decorrer do tempo, a raiz xjb acabou sendo assimilada à raiz !ma quanto ao signifi cado.50

Como visto, quando he’emin é empregado num contexto secular, ele apresenta um tom negativo: são pessoas nas quais não se deve confi ar ou mensagens difíceis de se acreditar. Assim, não é por acaso que, freqüentemente, xjb (“confi ar”) esteja em paralelismo com he’emin (cf. Mq 7,5 e Jó 39,11), pois xjb “é também usado para denotar uma falsa segurança.”51

O uso teológico da forma Hifi l:

É freqüente que, quando a forma Hifi l aparece num contexto teológico, haja a menção a sinais e maravilhas operadas, a fi m de que as pessoas possam “crer” ou “ganhar confi ança” em Yhwh e em seu mensageiro. Por não estar seguro quanto ao êxito de sua missão libertadora entre seu povo, Moisés tentou se eximir de sua tarefa dizendo a Yhwh: “Mas eis que não crerão em mim” (yli Wnymia]y:-al{ !hew>, cf. Ex 4,1). Yhwh deu, então, a Moisés, o primeiro sinal: a vara com a qual pastoreva o rebanho se transformou em serpente (cf. 4,2-4) – “para que creiam que Yhwh te apareceu” – (hw'hy> ^yl,ae ha'r>nI-yKi Wnymia]y: ![;m;l., Ex 4,5). Um segundo sinal foi dado a Moisés (mão leprosa e, em seguida, mão sã, cf. Ex 4,6.7), sendo este prevenido por Yhwh: “Se não crerem [Wnymia]y: al ~ai] no primeiro sinal ... talvez crerão [Wnymia/h,] na evidência do segundo” (cf. Ex 4,8). Ainda um terceiro sinal foi dado: transformação das águas em sangue (cf. 4,9). Como resultado da operação destes sinais, é dito que “o povo creu” (~[;h' !mea]Y:w:, cf. Ex 4,31). “Os sinais de Deus e seus feitos deveriam, motivar o povo a ouvir suas palavras e a encarar suas promessas seriamente.”52 Foi o que ocorreu quando da travessia do Mar dos Juncos e da destruição

50 Cf. BULTMANN, R. “Pisteu,w”, in: FRIEDRICH, G. (ed.). Theological Dictionary of the New Testament, Vol. VI – PE – P. Grand Rapids: Eerdmans Pub-lishing Company, 1968, p. 192. Título original: Theologisches Wörterbuch zum Neuen Testament, Sechster Band PE – P, herausgegeben von Gerhard Friedrich. Stuttgart: W. Kohlhammer Verlag). BULTMANN, contudo, lembra o fato de que !ma nunca é usado para se falar de confi ança nos ídolos, mas sim xtb,cf, Is 42,17; Jr 46,25 (cf. Ibid, p. 191). Para o paralelismo sinônimo entre !ma e xtb, confi ra Sl 78,22; Mq 7,5 (cf. ainda o paralelismo entre xtb e hn"Wma/ no Sl 37,3).

51 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 303.

52 Ibid.

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dos exércitos egípcios: em Ex 14,31 é dito que após esse prodígio “o povo confi ou em Yhwh e em Moisés, seu servo” (ADb.[; hv,mob.W hw"hyB; Wnymia]Y:w:, cf. ainda o Sl 106,12). Contrapondo-se essas duas passagens (Ex 4,31 e 14,31) sobre a “crença” de Israel em seu período de caminhada pelo deserto (como visto no parágrafo anterior), há muitas outras nas quais tanto este povo, quanto Moisés e Aarão são acusados de descrença. Após o retorno dos doze espias, o povo de Israel preferiu concentrar sua atenção na altura das muralhas das cidades cananitas e na estatura dos seus moradores do que no poder de Yhwh, que os sustivera desde a saída do Egito. Essa atitude de descrença motivou a pergunta de Yhwh a Moisés: “Até quando ... este povo não crerá em mim [ybi Wnymia]y:-al hn'a'-d[;] a despeito de todos os sinais que eu fi z no meio deles? (cf. Nm 14,11). Esse incidente é lembrando no primeiro e segundo discursos de Moisés (cf. Dt 1,32 e 9,23) e também nos Salmos 78,32 e 106,24. Linguagem similar é empregada ao se falar da descrença de Israel e de Judá, com a conseqüente conquista destas nações pelos assírios e babilônicos (722 e 587/6 a.C.). Apesar de advertidos pelos profetas e videntes (cf. 2 Rs 17,13), israelitas e judaítas “não creram em Yhwh, seu Deus” (~h,yhel{a/ hw'hyB; Wnymia/h, al{, cf. 2 Rs 17,14). Foi também pela descrença nas instruções de Yhwh quanto a falar à rocha, em Meribá, que Moisés e Aarão foram impedidos de entrarem na terra prometida. Yhwh disse aos dois: “Visto que não crestes em mim [yBi ~T,n>m;a/h,-al{ ![;y:], por isso não fareis entrar esta assembléia na terra que lhe dei” (cf. Nm 20,12).

Declarações positivas sobre atitudes de crença ou fé não são freqüentes no AT. Contudo, pode-se mencionar três: a do salmista (cf. Sl 119,66), na qual, depois de pedir a Yhwh que lhe ensinasse “bom senso e discernimento”, afi rma: “... pois eu creio nos teus mandamentos” (yTin>m'a/h, ^yt,Ac.mib. yKi); a espantosa declaração do autor do livro de Jonas, quando afi rma que, após ouvirem esse profeta, “os homens de Nínive creram em Deus” (~yhil{aBe hwEn>ynI yven>a; Wnymia]Y:w:, Jn 3,5) – algo raramente visto em Israel, e isto sem a manifestação de nenhum sinal ou maravilha da parte de Yhwh;53 e Gn 15,6, declaração esta, “fundamental para a avaliação de Abraão no Judaísmo e no Cristianismo”54: “E ele creu em Yhwh e isso lhe foi contado para justiça” (hq"d'c. AL h'b,v.x.Y:w: hw'hyB; !mia/h,w>). Contra todas as aparências,

53 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 304-5.

54 Ibid, p. 305.

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Abraão creu que Yhwh era perfeitamente capaz de cumprir suas promessas quanto a tornar sua descendência “como as estrelas dos céus” (cf. Gn 15,4-5).

Deve-se mencionar, ainda o texto de Is 7,9, onde o Nifal (analisado anteriormente) e o Hifi l aparecem juntos, na forma de um trocadilho. Face ao episódio da coalisão Síria-Efraim contra Judá, o rei Acaz é advertido pelo profeta Isaías: “Se não credes, certamente não permanecereis” (Wnmea'te al{ yKi Wnymia]t; al{ ~ai). Como a forma Hifi l está empregada absolutamente, poderia se pensar em acrescentar “em Deus”, após Wnymia]t;. Pode-se pensar, no entanto, que o contexto desta declaração isaiânica seja o das promessas de estabilidade feitas por Yhwh à casa de Davi (cf. 2 Sm 7,16 e 1 Rs 8,24-26).55 Dessa maneira, a estabilidade da casa de Davi só seria possível se a promessa de Yhwh fosse levada a sério. É nesse sentido que se deve entender as palavras do rei Josafá a Judá e aos moradores de Jerusalém, quando ameaçados pelos Moabitas, Amonitas e Edomitas: “Crede [Wnymia]h;] em Yhwh, vosso Deus e estareis seguros [Wnmea'tew>], crede [Wnymia]h;] nos seus profetas e prosperareis” (2 Cr 20,20). As outras duas passagens onde o Hifi l ocorre em Isaías são: Is 28,16 e 43,10.56 Na primeira, é mencionada uma “pedra angular” (!b,a,), a ser estabelecida por Yhwh, e a afi rmação de que “Aquele que crer não fugirá” (vyxiy: al{ !ymia]M;h;). Como o contexto dessa afi rmação se refere aos dominadores do povo de Judá (cf. 28,14 s.), os quais acreditavam-se seguros pelas alianças feitas com a Morte e o Šeol (prováveis metáforas para a Assíria, cf. Is 28,15), a pedra angular pode ser uma referência ao próprio Yhwh: somente quem nele confi asse, estaria seguro. Já em Is 43,10 (única menção da forma Hifi l de !ma no Dêutero-Isaías), Yhwh confronta aqueles que eram tidos por “deuses” e “salvadores” (VS. 10-13). Ele lembra seu povo de que são suas testemunhas, e que Ele é o único em quem se pode realmente confi ar: “...para que o saibais e creiais em mim” (yli Wnymia]t;w> W[d>Te ![;m;l., cf. Is 43,10).

He’emin contém primariamente uma declaração acerca do sujeito que adquire confi ança, principalmente com referência 55 Cf. WÜRTHWEIN, apud BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of the Old Testament, op. cit, pp. 306.56 Se não consideramos Is 30,21 – passagem tida como duvidosa e necessi-

tando emenda (cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 300).

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a uma pessoa ou uma mensagem. Se bem que não ocorra com muita freqüência, o uso absoluto mostra que he’emin pode ocorrer sem nenhuma referência a alguma coisa ou a alguém. ... Naturalmente, na maioria dos casos o texto indica em quem ou em que a confi ança é colocada. Assim he’emin contém um julgamento sobre o que merece ou não merece confi ança. Todavia, a melhor paráfrase que tem sido sugerida para expressar o signifi cado de he’emin é: “ganhar estabilidade, contar com alguém, dar crédito a uma mensagem ou considerá-la verdadeira, confi ar em alguém”.57

2. Análise do substantivo hn'Wma/

Dentre as palavras derivadas da raiz !ma, três possuem especial signifi cado teológico. O advérbio !mea' é a mais conhecida e seu sentido básico é: “Que isto assim seja”, “possa isto ser verdadeiro”.58 É sempre usada em resposta ao que é dito por alguém e “pertence primariamente ao contexto litúrgico”59 (cf. Dt 27,14-26; Sl 41,14; 72,19; 89,53; 106,48; Ne 8,6). A segunda é tm,a/, que apresenta os signifi cados de “verdade”, “fi delidade”, “honradez”, “lealdade”, “sinceridade”, e opõe-se ao que é falso, enganador e ilegítimo.60 Pode ser empregada como um substantivo, cf. Is 59,14: “...porque a verdade [tm,a/] anda tropeçando pelas praças”. De grande signifi cado teológico é seu uso para descrever o caráter de Deus. Em Ex 34,6, Yhwh é proclamado como “grande em favor e fi delidade” (tm,a/w, ds,x,-br;). Pode também ser usada como um adjetivo: “sinal verdadeiro” (tm,a/ tAa, cf. Js 2,12), e ainda como um advérbio, construído com a preposição B., cf. Js 24,24: “Temei a Yhwh e servi-o com integridade e com sinceridade [tm,a/B,]”. A terceira, e mais importante para esta tese é h n'Wma/ - substantivo feminino que provém da conjugaçãoQal, em sua forma qatul (particípio passivo), da raiz !ma. O masculino !Wmae – usado tanto como substantivo, quanto como adjetivo, tem o signifi cado de “fi el”, “digno de confi ança”61 (pl. ~ynIWma/).

57 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'''”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., pp. 307-8.

58 Cf. MOBERLY, R. W. L. “!ma”, in: VANGEMBERN, W. A. (ed.). New Inter-national Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, Vol. I, op. cit., p. 428.

59 Ibid.60 Cf. SCHÖKEL, L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português, op. cit., p. 66.61 Cf. BAUNGARTNER, W. & KOEHLER, L. Hebräisches und Aramäis-

ches Lexikon zum Altem Testament, Vol. III. Leiden: E. J. Brill, 1967, p. 60 (dora-vante denominado HALAT).

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Os principais signifi cados de hn'Wma/ são: “fi rmeza”, “fi delidade”; “honestidade.”62 Apesar das nuances individuais de signifi cado, ’emûnâ poderia ser traduzida por “fi delidade” na quase totalidade das 49 passagens onde ocorre. Neste caso, o signifi cado do vocábulo como algo “consistente”, que possui “fi delidade”, corresponderia à conjugação Nifal da raiz !ma.63

Uma possível exceção quanto ao signifi cado padrão de hn'Wma/ como “fi delidade”, seria seu emprego em Hab 2,4b, onde o vocábulo poderia signifi car “confi ança” ou “fé” – signifi cado este correspondente à conjugação Hifi l da raiz !ma, que é o de “crer”, “ter fé”, “confi ar”. James Barr é o mesmo parecer. Depois de dizer que não existe uma palavra no AT com o signifi cado de “fé” ou “crença”, pois esta idéia era dada pelo Hifi l de !ma, faz uma ressalva quanto à ocorrência de hn'Wma/ em Hab 2,4, por causa do contexto geral do livro, que é o der fé ou não na palavra de Yhwh. Devida a esse contexto, o vocábulo, neste texto Habacuc, poderia signifi car “fé”64. Além do contexto do livro, também a própria perícope de Hab 2,1-5, parece permitir que o vocábulo hn'Wma/ seja aí entendido como “confi ança” ou “fé” (como se verá ainda neste estudo”. Nesse caso, hn'Wma/, nesta passagem de Habacuc, corresponderia melhor ao signifi cado de !ma, na forma Hifi l,65 que é o de “crer”, “ter fé” (cf. Gn 15,6; Ex 4,1; 14,31; Sl 106, 12; Is 7,9. etc.).

2.1 ’emûnâ no Pentateuco:

O vocábulo aparece apenas duas vezes no Pentateuco. A primeira delas é em referência a um ser humano, ou seja, a Moisés.

62 Cf. BAUNGARTNER, W. & KOEHLER, L. HALAT, Vol. III. Leiden: E. J. Brill, 1967, pp. 60-1.

63 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament, Band I. München: Chr. Kai-ser Verlag, 1975, p. 195 (doravante denominado THAT).

64 BARR, J. The Semantics of Biblical Language. Oxford, 1961, pp. 173, 174 e 201. SCHÖKEL e SICRE DIAZ traduzem ’emûnâ, em Hab 2,4b, como “por confi ar” (Profetas II, op. cit., pp. 1132 e 1134; cf. ainda SCHÖKEL, L. A. Dicio-nário Bíblico Hebraico-Português, op. cit., pp. 62). Em VIRGULIN, S. ’emûnâ é traduzida por “fé”. WILDBERGER (cf. JENNI, E. & WESTERMANN, C. Theo-logical Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 144), traduz o termo da mesma forma.

65 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. Theologisches Handwörterbuch zum Alten Testament, Vol. I, op. cit., p. 144.

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Em Ex 17,12 é dito que na batalha contra os Amalequitas, Aarão e Hur sustentaram as mãos de Moisés, que “fi caram fi rmes até o pôr-do-sol” (vm,V'h; aB-d[; hn'Wma/ wyd'y" yhiy>w:). Esta primeira ocorrência corresponde bastante bem ao signifi cado da conjugação Nifal da raiz !ma, que é “ser fi rme”, “confi ável”, “seguro”.66

A segunda e última ocorrência de h”nWma/ no Pentateuco está no chamado Cântico de Moisés, em Dt 32,4, e diz respeito a Yhwh. Nesta passagem ele é chamado de “Deus de fi delidade” (hn'Wma/ lae). O vocábulo, neste verso, contrasta a fi delidade de Yhwh em cuidar dos Israelitas, ao longo da caminhada pelo deserto (cf. Dt 32,1-12 s). A relação de aliança que havia entre Yhwh e seu povo dependia de ambas as partes manterem sua confi ança uma na outra quanto ao acordo feito. Porém o Cântico de Moisés testifi ca de que, em diversas ocasiões, os Israelitas não mantiveram a sua confi ança em Yhwh.67

Dessa maneira, vê-se que, no Pentateuco, hn'Wma/ mantém seu signifi cado básico de “fi delidade”, conforme o Nifal de sua raiz !ma.

2.2 ’emûnâ nos Livros Históricos:

O vocábulo, nestes livros, tem a ver com a conduta humana, e em 10 de suas 11 ocorrências, deve ser compreendido como signifi cando “agir com fi delidade”. Uma única vez tem o signifi cado de algo “constante” (cf. 1 Cr 9,26).

A primeira ocorrência nos livros históricos encontra-se em 1 Sm 26,23, onde Davi, reconhecendo sua fi delidade, isto é, sua lealdade para com o rei Saul, disse-lhe: “Yhwh retribuirá a cada um segundo a sua justiça [Atq"d>ci] e conforme a sua fi delidade [Atn'Wma/]”.

As ocorrências nos livros dos Reis e nas Crônicas estão todas relacionadas com o Templo e com o que nele se fazia. Em 2 Rs 12,16, é dito que os que reparavam a casa de Yhwh, no tempo do rei Joás, lidavam com o dinheiro que se trazia ao Templo “com fi delidade” (hn'mUa/b,), ou seja, procediam honestamente. Avaliação igual é feita

66 Cf. BAUNGARTNER, W. & KOEHLER, L. HALAT, Vol. III. Leiden: E. J. Brill, 1967, pp. 61.

67Cf. MILLER, P. D. Deuteronomy. Louisville: John Knox Press, 1990, p. 277.

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acerca dos reparadores do Templo nos dias do rei Josias (cf. 2 Rs 22,7 e 2 Cr 34,12). Em 1 Cr 9,31 há a informação de que o levita Matatias foi, em razão de sua “fi delidade” (hn'Wma/B,), encarregado da confecção das oferendas que se faziam em assadeiras. 68 Em 2 Cr 9,22 nos é dito que Samuel e o rei Davi estabeleceram determinados levitas como guardas das portas do Tabernáculo devido à “fi delidade deles” (~t'n"Wma/B,). 2 Cr 19,9 nos relata que o rei Josafá ordenou aos sacerdotes e levitas que procedessem “com fi nalidade” [hn"Wma/B,] e integridade de coração (~lev' bb'leb.W) No capítulo 31 de 2 Crônicas há mais 3 versos onde se encontra o vocábulo hn'Wma/. Como as demais que aparecem nos livros históricos, também se referem ao Templo. São oferendas que são depositadas “com fi delidade” (hn'Wma/B,), isto é, “fi elmente” (2 Cr 31,12), levitas que auxiliam “com fi delidade” (hn'Wma/B,, cf. 2 Cr 31,15) e sacerdotes e levitas que deviam “santifi car-se com fi delidade” (vd,q{-WvD.q;t.y> ~t'Wma/B,, cf. 2 Cr 31,18). Parece que, ao menos uma vez, o vocábulo teria o sentido de “constante”. Trata-se do verso de 1 Cr 9,26: ali é dito que os porteiros fi cavam em seus postos “constantemente” (hn'Wma/B,).

2.3 ’emûnâ no livro dos Salmos

É onde mais se emprega o vocábulo. São ao todo 22 vezes, e todas relacionadas com Yhwh. São 20 referências diretas e apenas 2 indiretas. Na maioria das vezes, o signifi cado de hn'Wma/B, é o de “fi delidade”. Numas poucas (3 vezes: Sl 33,4; 37,3 e 119,86) o signifi cado é o de “verdade”.

Da ’emûnâ de Yhwh se fala preferencialmente nos cânticos culturais do saltério... A ’emûnâ é descrita como fundamento da experimentada ou esperada atitude bondosa de Deus com respeito ao homem, atitude que prova a fi delidade indefectível de Deus. Esta se manifesta em todas as situações de necessidade que se apresentam diante de Deus nos salmos de lamentação 68 A versão Almeida Revista e Atualizada no Brasil traduz o vocábulo hn'Wma/

por “cargo”, talvez por causa do signifi cado básico de !ma I no Nifal que é ser “fi rme”, “seguro”. Dessa maneira hn'Wma/ teria sido empregada para designar um “posto fi xo”, um “cargo estável” (Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 196).

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ou que se mencionam retrospectivamente nos salmos de ação de graças (casos de enfermidade, a “salvação da morte”, ou também ataques dos inimigos, como no Sl 92,3 ou 143,1).69

Como mencionado anteriormente, hn'Wma/ com o sentido de “fi delidade” divina aparece em 19 das 22 ocorrências no livro dos Salmos. Assim, ao se falar sobre a bondade de Deus, podia-se dizer: “Yhwh, o teu favor [^D,s.x;] chega até os céus; a tua fi delidade [^t.Wma/] até às nuvens” (Sl 36,6); ao se fazer um pedido por socorro, o suplicante confessava: “Falei da tua fi delidade [^t.n"Wma/] e da tua salvação[^t.["Wma//]” (Sl 40,11); ao se sentir profundamente angustiado e com o pressentimento da morte, pergunta-se a Yhwh: “Falam do teu favor [^D,s.x;] na sepultura, da tua fi delidade [^t.n"Wma/] no lugar do esquecimento?”70 (Sl 88,12); no hino ao Deus fi el (Sl 8971), ao se lembrar da aliança de Yhwh com a casa davídica, o salmista exclamou: “Cantarei para sempre os favores [ydEsix;] de Yhwh; minha boca proclamará a tua fi delidade [^t.n'Wma/] de geração em geração” (Sl 89,2), “Pois disseste: o favor [ds,x,] está edifi cado para sempre; a tua fi delidade [^t.n"Wma/] está fi rmada nos céus” (Sl 89,3),72 “Celebrem os céus a tua maravilha [^a]l.PI], Yhwh, e, na assembléia dos santos, atua fi delidade” [^t.n"Wma/] (Sl 89,6), “Yhwh, Deus dos Exércitos,

69 “Von Jahwes ’emûnâ wird MIT Vorliebe in den Kultliedern des Psalters gesprochen. In den Klage und Dankliedern …, wird als Grund für die erfahrene oder immer noch zu erhoffende hilfreiche Zuwendung Gottes zum Menschen die nicht zu erschütternde, stetige Treue Gottes bezeugt. Sie manifestiert sich angesi-chts all der Bedrängnisse, die im Klagelied vor Gott getragen und im Danklied rückblickend erwähnt (Krankheitsnöte bzm. ‘Errettung vom Tode’, aber auch Feindesbedrängnis wie in Ps 92,3 oder 143,1). (Cf. WILDBERGER, H. in: JEN-NI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 198).

70 “Lugar do esquecimento” – no original: !Adb;a].71 Talvez o único salmo com possibilidade de ser pré-exílico (cf. JEPSEN,

A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., pp. 319). WESTERMANN diz que o salmo 89 é um lamento comunal, ocasionado pela queda da dinastia davídica em 587 a. C. (cf. WESTERMANN, C. The Living Psalms. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co., 1989, pp. 41 e 58). Título original: Ausgewählte Psalmen. Göttingen: Vande-nhoeck & Rupresht, 1984).

72 Este verso mostra que ’emûnâ como uma ordem fundamental divina, que existe no céu antes de se manifestar na terra. O verso mostra, ainda, como a ideo-logia real do Antigo Oriente deixou vestígios no pensamento israelita, onde o rei deveria ser o defensor dessa “harmonia pré-estabelecida” (cf. WILDBERGER, H. in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 199).

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quem é como tu? És poderoso, Yhwh, e a tua fi delidade fi delidade [^t.n"Wma/] te envolve” (Sl 89,9): a seguir, relembra as próprias palavras de Yhwh em relação a Davi: “A minha fi delidade [ytin"Wma/] e o meu favor [ydEsix;] estarão com ele” (Sl 89,25), “... não retirarei dele o meu favor [ydEsix;], nem desmentirei a minha fi delidade” [ytin"Wma/] (Sl 89,34), para fi nalmente perguntar: “Que é feito, Senhor, de teus favores [^yd,s'x]] de outrora? Juraste a Davi pela tua fi delidade” [^t,n"Wma/B,] (Sl 89,50); no Cântico para o dia de Sábado (Sl 92) se diz que “é bom celebrar a Yhwh e tocar ao teu nome, ó Altíssimo; [e] anunciar pela manhã o teu favor [^D,s.x;], e pelas noites a tua fi delidade” [^t.n"Wma/] (Sl 92,3); ao se mencionar Yhwh como rei e juiz, se diz que “Ele julgará o mundo com justiça [qd,c,B.], e as nações com sua fi delidade” [Atn"Wma/B,] (Sl 96,13) e de que “Lembrou-se de seu favor [ADs.x;] e de sua fi delidade [Atn"Wma/] para com a casa de Israel” (Sl 98,3), por isso deve ser louvado, “Porque Yhwh é bom: o seu favor [ADs.x;] é para sempre, e a sua fi delidade [Atn"Wma/] de geração em geração” (100,5). Nas 04 ocorrências no Sl 119, o salmista emprega hn”Wma/, em paralelo com outros vocábulos, para elogiar a lei divina: “Escolhi o caminho da fi delidade [hn"Wma/-%r,D,] e me decidi por tuas normas” [^yj,P'v.mi] (Sl 119,30), “Bem sei, Yhwh, que tuas normas [^yj,P'v.mi] são justas, e que com fi delidade [hn'Wma/] me afl igiste” (Sl 119,75), “De geração a geração é a tua fi delidade [^t.n"Wma/]; fi xaste a terra, e ela permanece” (Sl 119,19), “Com justiça [$d,c,] ordenaste os teus testemunhos, e com suprema fi delidade” [hn"Wma/] (Sl 119,138). E por fi m, ao fazer sua súplica, o afl ito sabe que pode contar com a fi delidade [^t.n"mUa/B,] e a justiça”[^t,q'd>ciB.] de Yhwh (cf. Sl 143,1)

A seguir, as 3 ocorrências, nos Salmos, onde hn"Wma/ parece ter signifi cado de “verdade”: “Porque a palavra de Yhwh é reta [rv'y"], e toda a sua obra é verdade” [hn"Wma/B,] (Sl 33,4);73 “Confi a em Yhwh e faze o bem [bAj], habita na terra e alimenta-te da verdade” [hn"Wma/] (Sl 37,3)74 “Todos os teus mandamentos ao verdade [hn"Wma/]; quando a mentira [rq,v,] me persegur, ajuda-me!” (Sl 119,86).

Quando ao paralelismo antitético entre rq,v, e hn"Wma/, neste último verso (Sl 119,86), diz Wildberger:

Igual que a ’emûnâ de Deus, pode-se falar também na ’emûnâ de seus mandamentos: Sl 119,86. Já que esta se contrapõe à šeqer dos insolentes, podemos traduzir ’emûnâ por “verdade’. Porém

73 Também em Hab 2,4 aparecem em paralelo rv'y" e hn"Wma/.74 a Bíblia de Jerusalém leu h[r II (“conviver”) em lugar de h[r I (“alimen-

tar-se”, “apascentar”), e traduziu Sl 37b como: “Habita na Terra e vive tranqüilo”.

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isto não signifi ca só que os ditos mandamentos são formalmente “retos”. Šeqer não signifi ca somente “mentira”, mas também “engano”. Correspondentemente, os mandamentos de Yhwh são “verdadeiros” no sentido de alguém poder outorgar-lhes sua confi ança. São as normas de uma ordem salvífi ca no mundo; aquele que neles se apóia não será enganado, mas lhe está assegurada a plenitude da vida.75

Em conclusão a estas ocorrências de ’emûnâ no Livro dos Salmos, todas referentes a Deus, deve-se notar que o vocábulo parece encontrar-se apenas naqueles textos exílicos ou pós-exílicos. A exceção, como visto, fi caria por conta das 7 ocorrências nos Sl 89. Outro dado signifi cativo é que, às vezes, este vocábulo era empregado com o mesmo sentido de ’emet (“verdade).76 E, por último, vê-se que quase metade das vezes (10 em 22), o vocábulo ’emûnâ está em paralelo com ḥ esed (“favor”). Isso signifi ca que, pelo fato de ser Yhwh um “Desus de fi delidade” ( ’el ’emûnâ, cf. Dt 32,4), pode-se tanto confi ar em sua fi delidade quanto em seu favor: eles não se alteram e não falham, mas “se renovam todas as manhãs” (cf. Lm 3,22 e 23).77

2.4. ’emûnâ na Literatura Sapiencial:

O vocábulo ocorre apenas 3 vezes na Literatura Sapiencial, sendo todas no livro de Provérbios. Duas vezes no cap. 12 (vs. 17 e 22) e uma vez no cap. 28 (vs. 20).

Em todas as 3 ocorrências, como seria de se esperar na Literatura Sapiencial, o vocábulo ocorre quando se contrasta a conduta correta com a incorreta. Em 2 delas, a oposição é entre entre hn"Wma/ e rq,v, (“mentira”), podendo hn"Wma/ ser entendida como signifi cando “verdade”: “Quem revela a verdade [hn"Wma/] proclama a justiça, mas a falsa testemunha diz mentiras” [~yrIq'v.] (Pr 12,17) e “Abominações

75 “Wie von der ’emûnâ Gottes, so kann auch von der ’emûnâ seiner Gebote die Rede sein: Ps 119,86. Da ihr der šeqer der Vermessenen gegenübergestelt wird, mag mit ‘Wahr heit’ übersetzen. Das bedeutet aber keinesfalls nus, dass sie for-mal ‘richtig’ sind. Šeqer heisst já sie verlässlich sind. Sie sind die Normen einer heilbringenden Weltordunung; wer sich auf sie stüzt, wird nicht betrogen sein, sondern ist der Fülle des Lebens gewiss”. (Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JEN-NI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 200).

76 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., pp. 319.

77 WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., pp. 198-9).

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para Yhwh são lábios mentirosos [rq,v'-ytep.fi], mas seu favor é para os que praticam a verdade” [hn"Wma/ yfe[o] (Pr 12,22).

A terceira e última ocorrência em Provérbios está em 28,20. Ali é dito que Yhwh reserva muitas bênçãos para o “homem fi el” (tAnWma/ vyai):78 “O homem fi el [tAnWma/ vyai]terá grandes bênçãos, mas quem se apresenta a enriquecer não fi ca impune”.

Vê-se, então, que na Literatura Sapiencial, o signifi cado de hn"Wma/, em duas ocorrências, é o de “verdade”, e uma vez, o de “fi delidade”. Nestes textos, a hn"Wma/ é apresentada como aquele elemento que não só resulta num tipo de conduta que promove a ordem entre as pessoas, mas também como um pré-requisito para o recebimento das bênçãos divinas.79

2.5. ’emûnâ na Literatura Profética:

O vocábulo hn"Wma/ aparece 11 vezes na Literatura Profética. São 4 ocorrências em Isaías, 4 em Jeremias, 1 em Lamentações, 1 em Oséias e 1 em Habacuc.

Em Isaías, o vocábulo é empregado com seu signifi cado padrão de “fi delidade”, com nuances de “estabilidade”, e de “lealdade”: “A justiça [qd,c,] será o cinto de seus lombos, e a fi delidade [hn"Wma/h'w>], o cinto dos seus rins” (Is 11,5);80 “Porque realizaste teus desígnios maravilhosos de outrora, executando-os com toda a fi delidade” [!m,ao hn"Wma/] (Is 25,1);81 “E haverá estabilidade82 nos teus tempos...” [^Yt,[i hn"Wma/ HY"H'W.] (Is 33,6); “Ninguém há que clame pela justiça [qd,c,b.], nem quem pleiteie com lealdade” [hn"Wma/B,] (Is 59,4).83

Jeremias, por sua vez, emprega hn"Wma/ com o signifi cado bastante uniforme de “verdade”, ou seja “honradez”, “retidão”,

78 tAnWma/ vyai: Literalmente, “homem de fi delidades”.79 Cf. JEPSEN, A. “!m;a'”, in: BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H.

Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I., op. cit., p. 318.80 O vocábulo hn'Wma/ em paralelo com qd,c, indica seu uso também no campo

jurídico. Do Messias esperado se esperava que promovesse a justiça entre as pes-soas (cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 198).

81 “Com toda a fi delidade”, ou seja, sem falhas, com perfeição, de acordo com a harmonia pré-estabelecid a por Yhwh, antes mesmo de manifestá-la na Terra (cf. Ibid, p.200).

82 Signifi cado que corresponde bem de perto ao sentido da conjugação Ni-fal de !ma.

83 Mais um exemplo de emprego de hn”Wma/ no campo jurídico, à semelhança de Is 11,5 (cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 198).

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como compreendido em ambiente sapiencial,84 como mostram os seguintes textos: “Procurai em suas praças, se achais um homem que pratique o direito [jP'v.mi], alguém que procure a verdade” [hn"Wma/] (Jr 5,1); “Acaso não é para a verdade [hn'Wma/l,] que atentam os teus olhos?” (Jr 5,3); “Esta é a nação que não escutou a voz de Yhwh, seu Deus... A verdade [hn"Wma/h'] foi eliminada de sua boca” (Jr 7,28), e “... para a mentira e não para a verdade eles se fortalecem na terra” [#r,a'b' Wrb.G" hn"Wma/l, alw. rq,v,] (Jr 9,2).

Em Lm 3,23 o vocábulo hn"Wma/ parece estar conectado com ds,x, (mencionado em 3,22) e signifi ca “a constante e irrevogável estabilidade na qual Yhwh permanece aquilo que ele é”.85 Por isso o autor de Lamentações podia exclamar:

“Os favores de Yhwh não terminam, e suas compaixões não se esgotam;

Renovam-se todas as manhãs; grande é a tua fi delidade!”

wym'x]r: Wlk'-al{ yKi Wnm.t'-al{ yKi hw"hy> ydEs.x;^t<n"Wma/ hB'r: ~yrIq'B.l; ~yvid'x] (Lm 3,22 e 23).

O profeta Oséias é o único profeta menor, além de Habacuc, a empregar o vocábulo, e o faz em sentido de “lealdade”.86 No livro deste profeta, a fi gura do casamento é empregada como símbolo da aliança entre Yhwh e o povo de Israel, que deveria simplesmente à amorável iniciativa divina:87

“Desposar-te-ei comigo em fi delidade, e conhecerás a Yhwh”.

hw"hy>-ta, T.[;d:y"w> hn"Wma/B, yli %yTif.r:aew> (Os 2,22).

O outro profeta menor, além de Oséias, a empregar o vocábulo hn"Wma/ é Habacuc. Ele se encontra em Hab 2,4b – texto que se insere na perícope em estudo (Hab 2,1-5).

84 WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 197.

85 BOTTERWECK, G.J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of The Old Testament, Vol. I, p. cit., p. 197.

86 Cf. WILDBERGER, H. “!ma”, in: JENNI, E & WESTERMANN, C. THAT, Band I, op. cit., p. 198.

87 Cf. STUART, D. Word Biblical Commentary: Hosea – Jonah. Waco: Word Books, Publishers, 1987, p. 60.

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Como se pode ver nos comentários ao livro de Habacuc, os exegetas têm divergido quanto à signifi cação de hn"Wma/ em Hab 2,4b. Há os que o traduzem por “fi delidade”88 (com o sentido da forma Nifal de !ma), ao passo que outros o entendem como “fé” ou “confi ança”89 (conforme o sentido da forma Hifi l deste mesmo verbo90).

Face a essa divergência quanto ao signifi cado de hn”Wma/ em Hab 2,4, deve-se perguntar se o contexto da perícope onde está inserida (Hab 2,1-5) ou o do próprio livro poderiam fornecer alguma evidência que auxiliasse na compreensão de seu signifi cado neste verso de Habacuc. A resposta parece ser afi rmativa.

O contexto imediato de Hab 2,1-5 trata de uma visão (!Azx' , cf. Hab 2,2), dada em resposta a uma “reclamação” (tx;k;At, cf. Hab 2,1) do profeta quanto ao fato de Yhwh permitir a crueldade de seus instrumentos, os caldeus (cf. Hab 1,6-11.12-17). Vê-se

88 Por exemplo, MOBERLY (cf. VANGEMEREN, W. A. (ed.). New In-ternational Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, Vol. I, op. cit., p. 430) ; KELLER (cf. Commentaire de l’Ancien Testament - XI- b-Nahoum, Ha-baquq, Sophonie. Paris: Delachaux et Niestlé Éditeurs, 1971, pp. 158-9; HAAK (cf. Habakkuk. Leiden: E. J. Brill, 1992, p. 55); ROBERTS (cf. Naum, Habakkuk and Zephaniah – a commentary. Louisville: Westminster / John Knox Press, 1991, p. 105); BOTTERWECK e RINGGREN (cf. Theological Dictionary of the Old Testament, Vol. I. Grand Rapis: Eerdmans Publishing Company, 1977, p. 318); JENNI e WESTERMANN (cf. THAT, Band I. München: Chr. Kaiser Verlag, 1975, p. 196); BAUNGARTNER e KOHELER (cf. HALAT, Vol. III. Leiden: E. J. Brill, 1967, p. 60); dentre outros. JEREMIAS, por sua vez, compreende o vocá-bulo como “sinceridade”, “confi abilidade” (cf. Kultprophetie und Gerichtsverkün-digung in der späten Königszeit Israels. Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag des Erziehungsvereins GmbH, 1970, p. 83).

89 Por exemplo, WILDBERGER (cf. Isaiah 1-12: a commentary.Minne-apolis: Fortress Press, 199, p. 302, 437 e 478); VIRGULIN (cf. “A fé do Justo: Hab 2,1-4”, in Introdução à Bíblia 11/4: Os Doze Profetas – Daniel. Petrópolis: Vozes, 1978, pp. 125-6); EISSFELDT (cf. The Old Testament – an Introduction. London: Basil Blackwell, 1966, pp. 422-3); SCHÖKEL e SICRE DIAZ dizem que ’emûnâ, em Hab 2,4, deve ser compreendida como “confi ar”, “atitude de fi ar-se”, “a qualidade de merecer confi ança” (cf. Profetas II: Ezequiel - Doze Profetas menores – Daniel – Baruch – Carta de Jeremias. São Paulo: Paulinas, 1991, pp. 1132 e 1134). BRUCE, comentando o signifi cado de ’emûnâ, em Hab 2,4, diz que o vocábulo inclui ambos os signifi cados de “fi delidade” e de “fé”. Mas reconhece que a qualidade enfatizada pelo contexto de Hab 2,4 é “aquela paciente confi ante espera pela atuação divina” (“The quality emphasized in this contxt patient and confi dent waiting for God to act”, cf. McCoMISKEY, T. E. The Minor Prophets: Na Exegetical and Expository Commentary, Vol. II, Grand Rapids: Baker Books, 1993, p. 861).

90 BAUNGARTNER, W. & KOEHLER, L. HALAT, Vol. III. Op. cit., pp. 62.

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que a preocupação primeira da perícope, ou mesmo do livro, não é contrastar a conduta dos ímpios com a dos justos, como acontece com seu emprego num ambiente sapiencial, onde caberia bem o signifi cado de ’emûnâ como “fi delidade”. O contraste, porém, parece ser entre duas atitudes opostas: arrogância (cf. “alma inchada e não reta”) X confi ança ou fé. Nesse caso, seria preferível entender hn"Wma/, em Hab 2,4, como “confi ança”, ou seja, aquela atitude de fé que leva Deus e sua palavra à sério.91

Conquanto o sentido de hn"Wma/ como “fi delidade”, isto é, conduta leal para com os semelhantes e para com Deus, não esteja ausente no livro de Habacuc (cf. denúncia contra a injustiça, em 1,2-4; 2,6-19 e contra a idolatria em 1,11.16 e 2,18.19), o contexto geral do livro (situações de injustiça que ameaçavam a fé no governo de Yhwh e de sua condução dos negócios do mundo, cf. Hab 1,2-17), bem como o contexto específi co de hn"Wma/ no oráculo de Hab 2,1-5, que trata da fé no cumprimento da palavra de Yhwh na forma de uma visão, fazem com que o sentido desta palavra-chave do livro como “confi ança” ou “fé”, seja preferível ao de “fi delidade”92, sendo esta um fruto da fé. Assim, hn"Wma/, em Habacuc signifi caria “a atitude de fi ar-se, de confi ar”93 , isto é, a atitude que leva à uma total entrega da vida a Deus, na certeza de que ele irá cumprir o que prometeu. O contrário de hn"Wma/ seria, então, a murmuração e a dúvida.94

91 JEPSEN, ao falar sobre o conceito de fé no AT, diz que Deus e fé estão juntos. Fé seria levar Deus e sua palavra a sério; seria crer nele como o Deus da História (cf. BOTTERWECK, G. J. & RINGGREN, H. Theological Dictionary of the Old Testament, Vol. I, op. cit., pp. 300, 308, 309). WILDBERGER pensa da mesma forma. Ao comentar 2 Cr 20:20, diz que fé “é tomar a palavra profética à sério” (cf. WILDBERGER, H. Isaiah 1-12. Minneapolis: Fortress Press, 1991, p. 304).

92 Diz WILDBERGER: “Pious persons resist external threat and internal opposition with their faith. The salvation oracle in Hab 2,2-4, with the rich conclu-sion ‘The righteous will have life on the basis of faith’, offers indirect testimony to this usage of ’mn hi. The oracle answers the complaint of 1:12-17; like Isa 7,4ff., it is pronounced in a situation of serious political threat. If ’mn hi.is translated in Isa 7 with ‘to believe’, then ’emûnâ should be renders with ‘faith’ in this context so similar in terms of situation and genre.” (cf. JENNI. E & WESTERMANN, C. Theological Lexicon of the Old Testament, Vol. I, op. cit., p. 144).

93 Cf. SCHÖKEL, L. A. & SICRE DIAZ, J. L. Profetas II, op. cit., p. 1134.94 Cf. BULTMANN, R. “Pisteu,w”, in: FRIEDRICH, G. (ed.). Theological

Dictionary of the New Testament, Vol. VI – PE – P, op. cit, p. 198.

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Se é verdade que a palavra “fé” não se encontra no AT95, e hn"Wma/, provavelmente, não apareça em nenhum outro texto do AT com tal signifi cado, não se pode negar, a priori, que o vocábulo não possa denotar “fé” ou “confi ança”, uma vez que este signifi cado é encontrado em diversos textos do AT, onde a raiz !ma, em sua forma Hifi l é empregada (cf. Gn 15,6; Ex 4,31; Is 7,9; 28,16;96 2 Cr 20,20, etc.). E é com este sentido de “confi ança” ou “fé” em Yhwh e sua palavra97 que estudamos o vocábulo, em sua perícope (Hab 2,1-5), bem com sua relação e importância para com o livro como um todo.

3. vocábulo hn"Wma/ e a LXX

Na literatura grega clássica, pi,stij signifi ca confi ança em coisas ou pessoas.98 Da mesma forma, piste,uein signifi ca “confi ar em” ou contar com”99 No período helenístico, piste,uein adquiriu o signifi cado de “crer”, “ter fé”.100 Na LXX, a forma Hifi l da raiz !ma é quase sempre traduzida por piste,uein,101 com o sentido de “crer em” (p. ex.: Gn 15,6; 45,26; Ex 4,1.5.8.9.31; 14,31; 19,9; Nm 14,11).

A nível etimológico, !ma e piste,uein não têm perfeita equivalência semântica. O verbo hebraico designa o que é “fi rme”, “seguro”, “confi ável.”102 Já o verbo grego “provém de uma raiz que

95 Como visto em nota anterior, BARR sugere uma possível exceção para o caso do emprego de ’emûnâ em Hab 2,4b (cf. The Semantics of Biblical Language, op. cit., pp. 173 e 201).

96 Segundo MOBERLY, esse texto de Is 28,16 é, em muitas maneiras, simi-lar ao de Hab 2,4 (cf. VANGEMEREN, W. A. (Ed.). New International Dictionary of Old Testament Theology and Exegesis, Vol. I, op. cit., p. 432).

97 PREUSS, ao falar sobre a fé no AT, diz que “a fé do homem sempre é precedida por uma ação de Yhwh, seja em ato ou em palavra. Nela o homem pode e deve ‘fazer-se fi rme’, considerá-la confi ável, A fé veterotestamentária não se ocupa da existência de Deus. Crer nele, implica, em princípio, esperar algo dele, não pensar algo sobre ele.” “So geht dem glauben des Menschen stets ein Handeln JHWH in Tat und / oder Wort voraus. Darin soll und kann der Mensch ‘sich fest ma-chen’, es für zuverlässig halten. Gottes Existenz ist keine Frage del atl. Glaubens, und an ihn glauben beinhaltet primär etwas von ihm erwarten, nich etwas über ihn deuker’ (cf. PREUSS, H. D. Theologie des Alten Testaments, Band 2 – Israels Weg mit JHWH. Stuttgart; Berlin; Köln: Verlag W. Kohlhammer, 1992, p. 177).

98 Cf. BULTMANN, R. “Pisteu,w”, in: FRIEDRICH, G. (ed.). Theological Dictionary of the New Testament, Vol. VI – PE – P, op. cit, p. 176.

99 Ibid, p. 177.100 Ibid, p. 179.101 Ibid, p. 197.102 Ibid, p. 184.

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A ’EMÛNÂ em Hab 2:4b: Aspectos Semânticos 29

designa aquele que está ‘unido’, ‘ligado.’ ”103 A raiz hebraica enfatiza a “estabilidade”, a “permanência” do objeto da fé. A raiz grega enfatiza a fi delidade do sujeito da fé. O termo hebraico designa, em primeiro lugar, aquilo em que se crê, enquanto o termo grego aquele que crê. Assim, “o ‘objeto’ é estável, seguro (’mn); o ‘sujeito’ é fi el (pistos).”104

Uma análise de como o vocábulo hn"Wma/ foi traduzido na LXX,105 mostra que ela não o fez de maneira uniforme, mas traduziu-o por avlh,qeia (23x), pi,stij (19x), por avlhqinh,n, evsthrigme,nai, paradoqh,sontai, pisto,j, plou/toj, avxio,tistoj (1x cada).106

Quanto a Hab 2,4b, a LXX traduziu hn"Wma/ por pi,stij, no genitivo, singular: o de. di,kaioj evk pi,stew,j mou zh,setai. A expressão “evk pi,stew,j mou”, pode ser traduzida de duas maneiras: 1) “Pela fé em mim”, ou, 2) “Pela minha fi delidade.” O uso do possessivo mou deveu-se aos tradutores da LXX, que leram o sufi xo A (de 3a pessoa, singular), como y (de 1ª pessoa, singular), fi cando ytnwmab do TM.107 O apóstolo Paulo “evitou o equívoco eliminando simplesmente o

103 Cf. LONGTON, J. & POSWICK, R. F. (coords.). Dictionnarie Encyclo-pedique de la Bible. Maredsous: Brepols, 1987, p. 486.

104 Cf. BULTMANN, R. “Pisteu,w”, in: FRIEDRICH, G. (ed.). Theological Dictionary of the New Testament, Vol. VI – PE – P, op. cit, p. 176.

105 O vocábulo aparece 48 vezes na LXX, pois Lm 3,23 falta algum texto grego.

106 As 49 ocorrências de hn'Wma/ na Bíblia Hebraica, estão assim traduzidas na Lxx: 23 x por avlh,qeia (“verdade”); 1 x por avlhqinh,n (de avlhqino,j – “verda-deiro”, cf. Is 25,11); 1x por evsthrigme,nai (de Sthri,zwj – “segurar”, “apoiar”, cf. Ex 17,12); 1x paradoqh,sontai (de paradi,domi – “confi ar”, cf. Sl 37,6); 1x pelo adjetivo pisto,j (“fi el”, “fi dedigno”, cf. Dt 32,4); 1 x por plou/toj (“rique-za”, cf. Sl 37,3); 1 x por avxio,tistoj (“digno de fé”, “fi dedigno”, cf. Pr 28,20), e 19 x por pi,stij (que foi compreendida 3 x como “ofício”, “cargo” 107, cf. 1 Cr 9,22.26.31; 6 x como “verdade”, cf. Pr 12,17; 12,22; Jr 5,1; 7,28; 9,2; Sl 33,4; 9 x com o signifi cado de “fi delidade”, cf. 1 Sm 26,23; 2 Rs 12,16; 22,7; Os 2,22; 2 Cr 31,12.15.18; 34,12; Jr 5,3).

107 A esse respeito, comenta BULTMANN: “In the original prophecy of Hab 2,4 …, the ‘righteous’ are the national community. During the OT period itself however, the prophecy change into a wisdom saying. Only with this change dit it come to be applied to the righteous individual. This is a what underlies Paul’s use of it in Rm 1,17… The LXX o de. di,kaioj evk pi,stew,j mou zh,setai presuposes ytin Wma/B, - God’s convenant faithfulness, and gives the word a different sense by this switch to a theocentric perspective” (“Pisteu,w”, in: FRIEDRICH, G. (ed.). Theological Dictionary of the New Testament, Vol. VI – PE – P, op. cit, p. 190.

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mou e interpretando a fé como pertencente ao homem justo.”108

Conquanto pi,stij / hn"Wma/ possam ser traduzidos por “fi delidade”, em Hab 2,4b, como mencionado anteriormente, o contexto da perícope de Hab 2,1-5 (fé no cumprimento de determinada visão a ser dada por Yhwh), bem como o contexto do livro como um todo (que é mostrar que se pode confi ar em Yhwh como Senhor da História), parecem indicar que os vocábulos pi,stij e hn"Wma/ devem, preferencialmente, serem entendidos, nessa passagem de Habacuc, como “fé/confi ança”.

108 Cf. VIRGULIN, S. “Os Doze Profetas – Daniel”, in: BALLARINI, T. Introdução à Bíblia 11/4, op. cit., p. 126.

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O NOME DE JESUS E A CALÚNIA DA ONOLATRIA: BREVE ANÁLISE DA

EVIDÊNCIA EPIGRÁFICA, LITERÁRIA E ARQUEOLÓGICA

por Milton L. Torres1

Resumo

Este artigo traça a história etimológica do nome de Jesus e procura demonstrar, através das evidências literárias e arqueológicas, que não existe conexão alguma entre a etimologia do nome e a calúnia dirigida, na Antiguidade, contra os cristãos de que seriam eles adeptos da onolatria – a adoração de um asno.

Abstract

This article traces the etymological history of the name of Jesus and seeks to establish, through an analysis of the literary and archaeological evidence, that there have never been any connections between the etymology of the name and the ancient calumny that the Christians worshipped an assgod.

Introdução

Nos evangelhos, Jesus é chamado apenas de Cristo em quase trezentas passagens, pelo nome de Jesus Cristo ou Cristo Jesus em menos de cem passagens, e pelo nome de Senhor Jesus Cristo menos de cinqüenta vezes. Antes de Sua ressurreição Ele é geralmente chamado de Jesus Cristo, mas após a mesma recebe, preferencialmente, a designação de Cristo Jesus. Nosso Senhor não é o único personagem bíblico a receber o nome de VIhsou/j [Iesous]. Na genealogia do Evangelho de Lucas, aparece Jesus (VIhsou/j, traduzido como Josué, em português), fi lho de Eliezer (3:29). Jesus, chamado Justo, era também o nome de um dos companheiros de Paulo, sendo mencionado em Colossenses 4:11. Josué é chamado de VIhsou/j, em Atos 7:45 e Hebreus 4:8. Além disso, Barrabás é chamado de Jesus em Mateus 27:16, enquanto que o feiticeiro de Chipre é identifi cado como “fi lho de Jesus” em Atos 13:6 (barihsou/j = [wvy rb, Barjesus).

1 Milton L. Torres é doutorando em Arqueologia pela Universidade do Texas e professor no SALT/IAENE.

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A História do Nome Jesus

VIhsou/j, [Iesous] é o nome que a Septuaginta usa para alguns personagens do Antigo Testamento. Vale lembrar que a Septuaginta era a versão bíblica usada por todos os judeus da Diáspora e por muitos judeus que viviam em Jerusalém na época de Jesus, pois esta havia sido traduzida para o grego por setenta e dois rabinos uma vez que o grego se tornara a língua franca daquele período. A forma grega equivale ao nome pré-exílico [vwhy [Iehosheah] e ao pós-exílico [wvy [Ieshuah], este dado ao sumo-sacerdote Josué nos Livros de Esdras e Neemias e aquele dado ao sumo-sacerdote Josué nos livros de Êxodo, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, 1 Reis 16:34 e 1 Crônicas 7:27, mas também dada a dois outros homens em 1 Samuel 6:14,18 e 2 Reis 23:8.2.2 O que os tradutores da Septuaginta fi zeram foi reter a forma mais curta do nome e acrescentar o “s” fi nal para facilitar a declinação do nome na língua grega. Obviamente, o Novo Testamento confi rma a equivalência exata entre a forma grega VIhsou/j [Iesous]e a hebraica [wvy [Ieshuah] ao se referir duas vezes a Josué sob o nome de VIhsou/j [Iesous]: Atos 7:45 e Hebreus 4:8.

O nome de Jesus era, até o início do segundo século depois de Cristo, um nome muito popular entre os judeus. De acordo com a Epístola de Aristeas 48:49,3 três entre os setenta e dois tradutores da Septuaginta se chamavam Jesus. Josefo menciona cerca de vinte pessoas com este nome, dentre elas dez contemporâneas de Jesus Cristo. Além da evidência literária, a arqueologia também dá testemunho da ocorrência do nome grego VIhsou/j [Iesous] como equivalente ao hebraico [wvy [Ieshuah] muito antes do nascimento de Jesus. Os renomados e antiquíssimos papiros de Oxyrhynchus (4.816) empregam a forma grega já no sexto século antes de Cristo.4 Uma inscrição funerária do séc. I antes de Cristo, encontrada no início do séc. XX e publicada na Revista Epigráfi ca francesa por Seymour de Ricci em 1913, representa um bom exemplo de uso corriqueiro da forma grega. Um papiro encontrado na colônia judaica

2 Contudo, a forma longa do nome aparece em referência ao sumo-sacer-dote Josué nos livros de Ageu e Zacarias.

3 Segundo o Dicionário de Oxford, uma obra publicada em inglês acerca dos principais documentos da igreja cristã, a Epístola de Aristeas foi escrita origi-nalmente em grego, provavelmente entre 200 a. C. e 33 A.D.

4 A coleção de Oxyrhynchus inclui milhares de fragmentos de papiro en-contrados em 1897 em um vilarejo egípcio cerca de 15 km a oeste do Nilo perto da cidade de Behnesa.

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de Apolonópole Magna, no Egito, traz diversos outros exemplos de seu emprego por judeus de fala grega.

Após o séc. II depois de Cristo, o nome Jesus desaparece como nome próprio, exceto entre os rabinos. Com efeito, o nome Jesus como nome próprio não é encontrado nem mesmo nas abundantes inscrições oriundas das catacumbas romanas.5 Nos escritos rabínicos, Jesus de Nazaré é quase sempre chamado de wvy [Ieshu] e o Talmude usa este nome apenas em referência a Ele. 6 Este desaparecimento tanto da forma grega VIhsou/j [Iesous] quanto da hebraica [wvy [Ieshuah] como nome próprio sugere duas coisas: os cristãos estariam evitando o nome por respeito à pessoa de Jesus Cristo e os judeus o estariam evitando a fi m de não demonstrarem qualquer simpatia ou identifi cação com Ele.

Conforme mencionado acima, o nome de Jesus não aparece como nome próprio nas catacumbas romanas e tal era o respeito dos cristãos primitivos pelo nome que as inscrições dos primeiros séculos da era cristã são igualmente omissas quanto a ele mesmo em referência à pessoa de Jesus. Enquanto o nome de Cristo é plenamente atestado nelas, o nome de Jesus é bastante raro. Uma inscrição funerária encontrada na Via Salária Nova e agora guardada no Museu Laterano, em Roma, traz os dizeres “Que Regina viva em Jesus” em latim. Uma outra inscrição encontrada no antigo cemitério de Salona, na Dalmácia, traz os dizeres “Saudações em Jesus Deus” (em grego: en theo Iesos cherete). Uma outra inscrição do cemitério de Domitila lê-se: “Secundiano, que cria em Jesus Cristo, terá vida no Pai, no Filho e no Espírito Santo” (em latim: Secundianus qui credidit in Cristum lesum vivet in Patre ET Filio ET Ispirito Sancto). Apesar dessa ausência conspícua de referências a VIhsou/j [Iesous] na epigrafi a cristã, não se pode dizer que a omissão tenha tido a intenção de rechaçar o nome, já que o símbolo do peixe (ichthus, em grego) interpretado como acróstico para “Jesus Cristo, Filho de Deus, Redentor” é encontrado, com muita freqüência, nas inscrições mais antigas da cristandade, conforme o afi rma o Professor Orazio Marucchi, que ensinou arqueologia cristã por muito tempo na

5 Apenas as formas latinas Gesua (no masculino) é Gesue (no feminino) são encontradas como nomes próprios nas catacumbas e isto apenas no séc. VI A.D. e apenas na Catacumba de Venúsia.

6 O Talmude é uma opção de várias tradições judaicas e explicações orais do Antigo Testamento escrita a partir do séc. II A.D.

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Universidade Real de Roma.7 Às vezes o próprio acróstico aparece em vez do símbolo, como acontece com inscrições dos cemitérios de Calisto, do Vaticano e de Ciríaca, agora guardadas no Museu Laterano ou no Museu Kircheriano, em Roma.

O testemunho textual favorável ao nome VIhsou/j [Iesous] é inquestionável. Assim grafam o nome de Jesus todos os mais antigos e confi áveis manuscritos da Bíblia. De fato, o nome VIhsou/j [Iesous] aparece desde os mais antigos manuscritos cristãos. O assim-chamado Papiro Egerton 2, que é, juntamente com o Papiro Rylands 457, o mais antigo manuscrito da tradição evangélica, confi rma tal fato. Apenas dois pequenos fragmentos deste papiro pertencente aos primeiros anos após a morte de João foram conservados. Apesar de conter apenas umas poucas linhas, o papiro usa o nome VIhsou/j [Iesous] três vezes.

A Etimologia do Nome de Jesus e a Calúnia da Onolatria

As discussões sobre a etimologia do nome VIhsou/j [Iesous] começaram mesmo antes de este nome ter sido dado a Jesus Cristo e de este ter-se tornado mundialmente conhecido. Filo de Alexandria, um pensador e exegeta judaico que viveu entre 20 a.C. e 50 A.D., é o primeiro a sugerir a existência de suas partes constitutivas no nome. De acordo com ele (Mut. Nom. 121), as duas primeiras letras são a forma abreviada do tetragrammaton,o sagrado nome de Deus Pai, e o restante do nome é uma forma do verbo sõizõ, que signifi ca “salvar”. Clemente de Alexandria, um teólogo ateniense que viveu entre 150 e 215 A.D., liga o início do nome também ao verbo iáomai , que signifi ca curar (Pedagogo 3.12.98). Por isso, categoricamente que Jesus signifi ca “Salvador” em hebraico e “aquele que cura” em grego (Catequese Mistagógica 10.13) . Contudo, pode-se afi rmar, com certeza, que as explicações para uma etimologia dupla do nome VIhsou/j [Iesous] não passam de especulações. Karl Heinrich Rengstorf, professor de teologia em Loccum, na cidade de Hannover (Alemanha), e responsável pelo verbete VIhsou/j [Iesous] no renomado Dicionário Teológico do Novo Testamento, editado por Gerhard kittel, afi rma que:

7 Orazio Marucchi, Christian Epigraphy: An Elementary Treatise with a Collection of Ancient Christian Inscription Mainly of Roman Origin (Cambridge: University Press, 1912), p. 96,99.

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Em qualquer caso, a formação de VIhsou/j [Iesous] a partir de [wvy [Ieshuah]é séculos mais antiga do que o período cristão. Os primeiros cristãos simplesmente adotaram a forma grega corrente equivalente ao nome hebraico. Eles fi zeram isso de forma natural e sem nenhuma política deliberada de escolher nomes gregos que

tivessem um signifi cado equivalente inteligível...

Assim sendo, pode-se afi rmar, categoricamente, que uma suposta etimologia do nome VIhsou/j [Iesous] que o subdivida em duas raízes, a primeira referente ao nome de Deus e a segunda referente à palavra hebraica sus, “cavalo”, dando a entender que o nome signifi caria “Deus-cavalo”, não passa de fabricação pouco convincente, mesmo porque a etimologia de um nome grego deveria ser preferencialmente explicitada com radicais gregos ou com radicais de uma língua da qual o grego se originasse. A passagem nas Histórias (5.3.4), do historiador romano Tácio (séc. II A.D.), não se refere absolutamente a uma prática de onolatria por parte dos cristãos. Tácito, de fato, calunia os cristãos, em seus Anais (15.44), de terem incendiado Roma e de terem grande ódio pela raça humana.8 Tecnicamente, Tácito jamais acusou os cristãos de adorarem um asno. A acusação de Histórias 5.3.4 é dirigida aos judeus. Nesta passagem, o historiador romano procura explicar a razão por que os romanos desprezavam os judeus. Segundo ele, Moisés haveria instituído certas práticas religiosas a fi m de afrontar as demais religiões do mundo. Sendo assim, ele teria instituído o sacrifício de bois para provocar os adoradores do deus egípcio Ápis. Da mesma forma, o sacrifício de cordeiros teria a fi nalidade de provocar outro deus egípcio, Amon. Ele teria proibido a ingestão de porco, porque os judeus teriam sido supostamente acometidos por uma enfermidade própria daqueles animais. Finalmente, segundo Tácito, os judeus adorariam o asno e lhe teriam feito uma estátua porque teria sido esta criatura que os teria guiado a uma rocha, na qual havia uma fonte de água, no momento em que estes pertenciam, no deserto, a caminho de Canaã.9 No parágrafo seguinte o historiador também acusa o

8 De acordo com o historiador, primum correpti que fatebantur, deinde in-dicio eorum multitudo ingens haud perinde in crimine indendii quam odio humani generis convicti sunt, “primeiramente, os confessos membros da seita foram pre-sos; então, à medida em que eram descobertos, um grande número deles era conde-nado, não tanto por causa do incêndio, mas pelo crime de odiarem a raça humana.”

9 De acordo com Tácito, effi giem animalis, quo monstrante errorem si-timque depulerant, “eles dedicaram, em um altar, uma estátua do animal que os ajudara a acabar com sua peregrinação e sede.”

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sábado de ser ocasião de contemptissima inertia, “a mais desprezível ociosidade.” Como se percebe, mesmo que uma acusação seja feita, isso não garante, de modo algum, sua veracidade. A calúnia de Tácito é contradita por seus próprios escritos uma vez que ele, na mesma obra, nos informa que, quando Pompeu, o Grande, invadiu Jerusalém, o general romano entrou no templo dos judeus a fi m de descobrir os mistérios e os tesouros de sua religião e não encontrou nenhuma estátua ali.

As outras referências à onolatria por parte de judeus ou cristãos são meras repetições do texto de Tácito. Isso ocorre com Plutarco, em seu Simpósio 4.5, e Ápio de Alexandria, em seu livro Contra os Judeus. Tertuliano vigorosamente se opõe contra tal calúnia ao dizer, em sua Apologia 14, que os inimigos dos judeus certamente inventaram tal fábula para denegrir a veracidade do milagre realizado por Moisés, quando este extraiu a água da rocha. Com efeito, Tertuliano, em seu tratado Contra os Gentios 1.14 (em latim, Ad Nationes), devolve a acusação aos romanos, dizendo que não eram os cristãos que adoravam asnos, mas os próprios romano, já que estes tinham muito respeito por Epona, a deusa dos estábulos, freqüentemente representada por estes como sendo parte mulher e parte animal.

Contudo, ainda que não proveniente de Tácito, não se pode negar que os cristãos primitivos tenham sofrido a calúnia de adorarem um asno. Disso temos provas literárias, e arqueológicas. A principal prova arqueológica é a caricatura descoberta nas escavações de grande escala que se realizaram no Monte Palatino, entre 1846 e 1857, às custas de Nícolas, o Imperador da Rússia. No fi nal do outono de 1856, quatro saletas foram desenterradas próximo a uma exedra semi-circular no assim-chamado “Palácio dos Césares”, na extremidade sudoeste do monte, não muito distante da Igreja de Santa Anastácia. Nas paredes dessas pequenas câmaras, o Padre Garrucci encontrou alguns “graffi ti” e, entre eles, um rude desenho de um homem contemplando “Alexamenos adora o seu Deus”.10 Após estudar a inscrição, o arqueólogo concluiu que ela pertencia ao terceiro século depois de Cristo.11 A despeito de seu caráter blasfemo, o “graffi to” assume grande importância, portanto, por ser a mais antiga representação da crucifi xão de Cristo. Nas demais

10 É comum a terminação –ete em lugar de –etai nas inscrições antigas.11 Cf. J. Spencer Northcote & W. R. Brownlow, Roma Sotterranea (Lon-

don: Longmans, Green & Co., 1879), v. 2, p. 345-452.

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câmaras foram também encontrados outros “graffi ti” de teor jocoso escritos, provavelmente, por alunos da escola imperial, reclamando de trabalhos excessivos ou gabando-se de terem concluído seu curso de estudos. No início do ano de 1870, o arqueólogo L. C. Visconti descobriu,, numa outra parte do palácio, um “graffi to” com palavras Alexamenos fi delis , “Alexamenos é fi el”. O termo “fi el” seria, com muita probabilidade, incompreensível a um pagão e, por isso, conjectura-se que o próprio Alexamenos tenha sido quem o escreveu como uma resposta às provocações de seus colegas.

Outra situação arqueológica que sugere a calúnia da onolatria vem de Pompéia, a famosa cidade italiana destruída por Vesúvio em 79 A.D., época contemporânea ao início da pregação do evangelho pelos cristãos. Um “graffi to” encontrado, em 1962, pelo arqueólogo alemão Alfred Kiessling, em uma das casas da assim-chamada Rua da Sacada (Vico del Balcone Pensile), faz uma advertência aos transeuntes de que aquele não era um lugar para os ociosos. É interessante, contudo, que outros dois “graffi ti” com os dizeres Audi christianos (“ouçam os cristãos”) pode ser, exceto o Novo Testamento, a mais antiga referência aos cristãos.12 O outro “graffi to” escrito numa caligrafi a diferente pode ser uma reprovação ao trabalho dos cristãos na casa: “aqui, uma mula dá instruções às moscas”. Se o contexto é mesmo cristão, o “graffi to” confi rmaria a difusão da calúnia para além dos limites da metrópole romana.

Entre as provas literárias de que os cristãos foram, de fato, caluniados com a acusação da onolatria está a referência de Tertuliano, em sua Apologia 16, de que, em seu tempo, estava circulando, em Roma, um quadro que retratava um asno, vestido com a toga e segurando um livro em pé, como se ensinasse, acompanhado da inscrição “o deus dos cristãos onokooietes”. Ninguém sabe exatamente o que signifi ca a palavra onokooietes”. O mais renomado dicionário do grego antigo (Liddell & Scott) atribui-lhe o signifi cado de “aquele que permanece no estábulo dos anos”. Contudo, outros especialistas têm proposto interpretações alternativas, incluindo “aquele que tem patas de asno”, “aquele que foi gerado por um asno”, “aquele que tem a cabeça de um asno”, etc.13 Essa declaração é corroborada por um

12 Paul Berry, The Christian Inscription at Pompeii (Lewiston: Edwin Mel-len, 1995).

13 Cf. Northcote & Brownlow, p. 347.

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jóia antiga, cuja origem se desconhece, que apareceu no séc. XVII na coleção do antiquário de P. Stephanonio Vicentino, e que também retrata um asno no ato de ensinar. Da mesma forma, Minúcio Félix, o primeiro apologista do Cristianismo, reconhece, em seu Octavio 9, que a calúnia já estava em circulação tão cedo quanto o fi m do séc. II. Finalmente, nós sabemos, por intermédio de João Crisóstomo (Ad illum. Cathech., Homil, ii in fi n.) que havia cristãos, em seus dias, que usavam medalhas de Alexandre, o Grande, atadas a sua fronte ou pés, as quais consideravam poderosos amuletos.

Algumas dessas medalhas chegaram até nós e geralmente apresentam, no anverso, o busto do conquistador vestido como Hércules, e, no verso, o desenho de um asno com a epígrafe BN IHY XRS DEI FILIVS, isto é, “Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus”. A explicação desse costume pode ser o fato de que durante certo momento do reinado do imperador romano Alexandre Severo, entre 231 e 235, os cristãos viram sua boa índole como uma esperança de maior liberdade religiosa e, por isso, podem ter tentado lisongeá-lo, cunhando uma moeda que o comparava a seu hormônio mais famoso e associando-se também, com a humildade do Rei dos reis que adentrara Jerusalém montado em tão humilde montaria.

Conclusão

Nunca existiu qualquer ligação entre o nome VIhsou/j [Iesous] e a onolatria. Nenhum escritor antigo sugere isso. Se os antigos cristãos, muitos dos quais falava aramaico, hebraico, latim e grego, jamais perceberam qualquer ligação entre o fi nal da palavra Jesus e o termo hebraico para cavalo como é possível que alguns cristãos modernos que não falam qualquer uma dessas línguas possam insistir em tal conexão? Sugerir, com base em mera semelhança acústica, que as letras fi nais do nome de Jesus se relacionem com a palavra hebraica seria o mesmo que dizer que a etimologia da palavra portuguesa “vendedor” seria “aquele que vende dor” uma vez que existe semelhança acústica entre o sufi xo –dor e a palavra “dor”.

O nome de VIhsou/j [Iesous] é aquele com o qual Ele mesmo se apresenta a Paulo (cf. Atos 9:5; 22:8; 26:15). É também o nome que os próprios anjos usam em referência a Ele por ocasião de sua ascensão aos céus (Atos 1:11) e é um anjo que ordena a Maria que seja dado ao Salvador (cf. Mateus 1:21). O nome não é, portanto,

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nenhum acidente. Infelizmente, a tradução portuguesa de Atos 11:20 obscurece um pouco o signifi cado da expressão grega euaggelizomeni ton kurion Iesou, que não signifi ca “anunciando o evangelho do Senhor Jesus,” mas “anunciando que o Senhor Jesus é a boa nova.”

Além disso, Filipenses 2:10 declara que o nome de VIhsou/j [Iesous] se dobram todos os joelhos, nos céus, na terra e embaixo da terra. A força do nome VIhsou/j [Iesous] aparece, assim, plenamente declarada no Novo Testamento. Anunciar o evangelho é, com efeito, anunciar o nome de VIhsou/j [Iesous].

A hipótese de que o nome de Jesus deva ser pronunciado [wvy [Ieshuah] por terem sido os evangelhos supostamente escritos em hebraico é por demais forçada para que receba qualquer consideração séria. Se fosse verdade que os evangelhos tivessem sido escritos originalmente em hebraico, como é que se poderia explicar o fato de que hoje existam, em diversos museus e bibliotecas espalhadas pelo mundo, cinco mil e quinhentos manuscritos gregos antigos (completos ou fragmentários) do Novo Testamento, treze mil manuscritos em outras línguas antigas para as quais foram desde cedo traduzidos, vários milhares de citações dos pais da igreja em latim e grego, 14 mas nem sequer um único manuscrito de um evangelho em hebraico? Não há nenhuma justifi cativa histórica ou lingüística para qualquer rejeição do nome VIhsou/j [Iesous] como tendo sido, de fato, o nome empregado por Cristo. Tanto os melhores e mais antigos manuscritos assim grafam Seu nome, quanto é impossível de contradizer o esmagador testemunho literário a seu favor. Além disso, apesar de o nome não ser freqüentemente atestado nas primeiras inscrições cristãs, isso se deve, sem dúvida, ao respeito que o nome gozava na comunidade cristã primitiva.

14 Cf. Wilson Paroschi, CríticaTextual do Novo Testamento (São Paulo: Vida Nova. 1993).

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A Natureza Humana de Cristo e a da HumanidadeCaída- Diferenças e Semelhanças

Demóstenes Neves da Silva1

Resumo

O Senhor Jesus é apresentado nas Escrituras como Deus-Homem. Sua natureza é identifi cada como semelhante à da humanidade caída, mas sem pecado. Neste artigo, se pretende demonstrar que a idéia de “não ter pecado”, aplicada a Jesus, inclui a ausência de “propensão pecaminosa” nele. Sendo sem pecado, o Salvador deveria também possuir qualidades espirituais superiores às da humanidade caída. Trata-se de uma comparação entre Jesus e os seres humanos, na qual dois requisitos são detectados como necessários para Sua missão como Salvador: ser igual a nós em alguns aspectos, e diferentes em outros.

Abstract

The Lord Jesus is introduced in the Scripture simultaneously as God and Man. His nature is identifi ed as similar to fallen humanity but without sin. This article intends to demonstrate that the idea of to have no sin when applied to Jesus include the absence of propensity to sin in him. Because He was without sin, the Savior would also have higher spiritual qualities than the humanity. This work is a comparison between Jesus and human beings in which two requirements are detected as necessary for christ’s mission as Savior: be equal to us in some respects and different in others.

Introdução

A compreensão de qual natureza Jesus possuía, tem-se revestido de importância crescente, especialmente nos últimos anos. A Bíblia declara que “o Verbo se fez carne” (Jo 1:14), mas que tipo de carne? Até que ponto foi o comprometimento da natureza humana de Jesus com o pecado? Até que ponto foi semelhante ou dessemelhante dos seres humanos?

1 Demóstenes Neves da Silva, Mestre em Teologia, é professor do SALT/IAENE.

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Vários artigos e livros têm sido publicados abordando a questão de qual natureza humana Jesus possuía quando esteve na terra, evidenciando o interesse atual pelo tema. Além disso, é importante rever o ensino bíblico sobre a questão e quais implicações para a fé cristã de se aceitar uma determinada compreensão sobre o tema.

A abordagem neste artigo será feita investigando-se os signifi cados de expressões bíblicas referentes à natureza humana de Cristo, sua missão e a relação com o pecado enquanto ato, experiência e presença na vida de Jesus.

Este artigo é dividido em duas partes principais: na primeira é discutida a extensão da semelhança da natureza humana de Jesus com a da humanidade após o pecado e sua importância para a missão redentora do Salvador. Também serão retomadas algumas defi nições bíblicas de pecado, dentro dos limites que interessam a este trabalho de modo a ajudar na compreensão da natureza humana de Jesus e sua relação como o fenômeno da Queda. Na segunda e última parte, se procura entender as características da humanidade se Jesus, que, segundo a Escritura, seriam necessárias para que ele pudesse ser sacrifício e sacerdote aceitáveis. O enfoque é identifi car o testemunho bíblico, que declara em que a natureza de Cristo era diferente da do ser humano após a Queda.

A CONVENIÊNCIA DE SER SEMELHANTE

O texto de Hebreus 2:5-18 apresenta o porquê Jesus deveria ser plenamente humano. Deus destinou o domínio do mundo futuro (os novos céus e a nova Terra) aos seres humanos redimidos e não a anjos (2:5). Jesus não veio salvar anjos, mas seres humanos (2:16). Jesus, conforme o verso nove desse mesmo capítulo, se tornou menor do que os anjos (não apenas menor do que o Pai). Essa “diminuição” ocorreu para que ele pudesse provar o sofrimento. Sua obra somente seria perfeita (ou completa) através desse sofrimento e morte (v. 10). Hebreus 2:10,17 declara que Jesus participou da carne e do sangue porque assim convinha que fosse. A palavra “convinha” é traduzida de termos gregos diferentes nos versos 10 e 17.

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No verso 10, aparece convinha ( e;prepen = éprepen = ser próprio, apropriado, ser adequado). Já no verso 17, aparece a palavra convinha (w;feilen = ófeilen = ser obrigado pelo que é devido ou que é necessário) seguida da condição de que fosse em tudo semelhante aos irmãos (omoiwth/nai = homiotênai = ser parecido, assemelhar, ser similar).2

A semelhança de Jesus com nossa humanidade não foi, como o termo grego esclarece, um capricho ou uma condição facultativa. Era uma obrigação, devida e necessária.

Entretanto, ser semelhante, parecido, não é ser igual. A palavra “similar”, em inglês (com o sentido de assemelhar), usada pelo Léxico para traduzir o`moiwth/nai = (homiotênai) é indicativa de uma igualdade limitada. O dicionário indica o sentido da palavra inglesa (similar) que traduz homoiotênai: “Aparentando ou sendo quase o mesmo, embora não exatamente”. Continua o dicionário: “Similarity [palavra inglesa traduzida para o português como “similaridade”]. A condição de ser ou um modo particular de algo ser quase o mesmo.” Os homens, pelo exemplo do referido dicionário, são similares às mulheres, mas não são fi sicamente iguais. 3

Nossa morte e ressurreição são descritas como semelhantes (omoiw,mati= homoiômati = em semelhança) mas não iguais à morte e ressurreição de Cristo (Rom 6:5). O signifi cado e a dimensão da morte de Jesus foram únicos. É dito, também de Melquisedeque, ser ele feito semelhante avfwmoiwme,noj = afomoioménos = feito semelhante) ao Filho de Deus (Heb 7:3) e que ele tem um ministério semelhante (omoio,teta) ao de Jesus (Heb 7:15). De fato, vemos que Jesus tem um ministério sacerdotal diferente, a menos que digamos que Jesus é o próprio Melquisedeque. A Bíblia, no entanto, diz que Jesus era Melquisedeque, aquele predito para estabelecer outra ordem sacerdotal. A palavra “semelhante” indica que em certos sentidos, Jesus e Melquisedeque se parecem, porém são diferentes em outros. Não são, pois, iguais e nem a mesma pessoa.

2 Cambridge Dictionary of American English. Cambridge University Press. UK, 2000. 800. (grifos nossos)

3 The analytical Greek Lexicon (doravante Léxico). Zondervan Publishing House. Michigan, USA, 1977 296, 288.

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Ainda sobre a questão da semelhança, em Romanos 5:14 é dito que o pecado reinou sobre os que não pecaram à semelhança (omoiw,mati= homoiómati = em semelhança) do pecado de Adão. Na discussão do apóstolo, o pecado de Adão fez de todos os homens pecadores. Cometido em situação e condições totalmente diferentes da dos pecadores de hoje que já nascem com a natureza propensa para ao pecado. É indicado nas Escrituras que Adão, antes da desobediência, não tinha pecado algum o que obviamente envolvia a propensão para o mal. Adão pecou pelo seu livre-arbítrio. Assim, a justiça única de Jesus também tornou a todos os pecadores (cujo pecado não foi como o de Adão) em justos (Rom 5:12-21).

Caso Jesus viesse em carne pecaminosa igual a nós (retirando-se a palavra ‘semelhança’), então, ou ele precisaria de um salvador, estando irremediavelmente perdido (por trazer inerentemente na carne a pecaminosidade comum à humanidade), ou então sua morte teria sido um sacrifício desnecessário, pois a providência que o fez obediente, sendo igual à humanidade, poderia tê-la feito fi el, sem a graça que vem do Calvário.

Se for argumentado que Jesus foi mais “dedicado” do que os seres humanos ao orar e comungar com o Pai, embora tão frágil para pecar quanto qualquer outro, de onde teria vindo tal dedicação e santidade? Dele mesmo? Se a resposta for sim, sua natureza não teria sido igual a da humanidade em tudo, como alguns defendem, pois esta não possui inerentemente tal dedicação e santidade. Então ele tinha algo que ninguém teve. Se Ele se salvou por seus próprios méritos, daí, por que a humanidade não pode, com dedicação, salvar-se por seus próprios méritos, como ensinava Pelágio4 e tantos têm tentato, em vão? Coloque-se a seguinte hipótese como se fosse verdadeira: Jesus era totalmente igual a nós em sua natureza interior e não precisou de Salvador algum para agradar a Deus.

4 Pelágio foi um monge inglês, possivelmente de origem irlandesa. Este-ve em Roma no ano 400 AD. Sua doutrina consistia em que Deus dá ao homem, como igualmente dera a Adão, poder natural para viver sem cometer pecado al-gum, bastaria às pessoas exercerem esse poder. Esse ensino levaria ao perfec-cionismo e ao confl ito com os ensinos diretos da Escritura sobre a salvação pela graça. Ver BETTENSON, Henry. Documentos da igreja cristã. ASTE, São Paulo, 1963. 87-90. Para uma abordagem histórica da controvérsia sobre as crenças de Pelágio ver: SCHAFF, Philip. History of the Christian Church. Vol. III. Grand Rapids, Michigan, USA. WM. B. Eerdmans

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Por que um ser humano, com natureza igual a de Jesus, não pode fazer o mesmo sem um salvador (sem Jesus)? O Evangelho, porém, declara, repetidamente, que a salvação é concedida gratuitamente sem as obras da lei. Ninguém pode salvar-se por si próprio devido a estar morto em ofensas e pecados. Jesus foi diferente por não ter pecado algum e não somente por não cometer pecado. Assim, a carne pecaminosa de Jesus é “semelhante” a nossa, não é igual.

Além do mais, se houvesse a intenção da Escritura em demonstrar a igualdade pecaminosa em natureza e propensão para o pecado, a palavra apropriada seria outra. Em lugar de “semelhança” a Escritura registraria “igual” (i;soj = ísos) como ocorre em João 5:18 ao destacar a igualdade de Jesus com o Pai ou em Filipenses 2:6,7 onde a palavra “igual” (i;soj = ísos) é utilizada na comparação entre Jesus e Deus (v. 6) e a expressão “em semelhança” (ovmoiw,mati=

homoiómati) é usada para a comparação entre Jesus e o resto da humanidade (v.7). Era, portanto, obrigatória a semelhança com a humanidade pecadora mas isso não signifi cava igualdade.5

A Diferença entre Jesus e a Humanidade a Partir do Conceito de Pecado

Não se discutirá aqui se foi o ato de pecar dos nossos primeiros pais que os separou de Deus, ou se foi a separação no íntimo que os levou a cometer o ato de pecar, produzindo o ciclo vicioso no qual vivemos: pecamos (ato) por sermos pecadores (separados de Deus) e vice-versa. O fato é que uma nova dimensão do pecado, a propensão para o mal, se estabeleceu como conseqüência do pecado inicial. O ser humano não mais havia propensão interior para pecar como é demonstrado pela Escritura haver hoje. O pecado procede de dentro do homem (Mat. 5:28; 12:34; 15:18-19). O pecado é mais do que um ato, uma vez que, na presente realidade, ele tornou-se uma condição natural humana que se faz presente na propensão para pecar.

5 Para uma abordagem concisa sobre a palavra “semelhança” em grego e sua correpondênciaem inglês leia-se VINE, W. E. A Comprhensive Dictionary of the Original Greek Words with their Precise Meanings for the English Readers. MacDonald Publishing Company. Virginia, USA, s/d. 682-685.

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No Antigo Testamento

No Salmo 51:1 a Escritura declara que em “iniqüidade” (!Aw[ = avon = perversidade, depravação, iniqüidade, culpa de condição, conseqüência de ou punição por iniquidade) o ser humano (retratado na experiência de Davi) é gerado (formado no ventre) e em “pecado” aj.xe = hêthă = ofensa, culpa pelo pecado, punição) é concebido pela mãe. 6

A palavra ăvōn é usada em Êxodo 20:5; 34:7; Números 14:18 e Deuteronômio 5:9 quando Deus diz que vai visitar a iniqüidade (ăvōn) dos pais sobre os fi lhos, os quais, evidentemente, perpetuam a perversidade e depravação dos pais. A morte (que é resultante do pecado), de acordo também com o pensamento do apóstolo, corroborando a idéia acima, “passou” a todos os homens, assim, todos pecaram (Rom 5:12). Portanto, o pecado aqui não é identifi cado apenas como um ato que alguém comete, mas como uma inescapável situação de corrupção e perversidade na qual o ser humano vive e que é transmissível aos descendentes.

Segundo o Apóstolo Paulo

Para demonstrar essa escravidão, Romanos 3:9-18 declara que todos estão debaixo (upo = hupó= nas mãos de, sob a autoridade de)7 do pecado. Não é uma questão opcional, é um cativeiro. Essa não é uma situação da qual se conhece exceção: “todos” pecaram (Rom 5:12).

Ainda sobre o pecado como condição e propensão depravada para pecar, confessa o próprio apóstolo, em Romanos 7:14-25, declarando: “eu sou carnal” (v. 14). O termo grego para “carnal” é sarkino,j (sarkinós) que signifi ca estar “sujeito à propensão da carne”, 8demonstrando que a propensão para pecar é, em si, evidência de pecado como condição. Essa propensão carnal é contrária à lei de Deus que é “santa, justa e boa” (v. 12) e espiritual (v. 14). Os verso 13-25 explanam sarkinós como uma condição que está presente, um

6 O signifi cado das palavras hebraicas ăvōn e hêthă no Salmo 51:5 e Exôdo 20:5 foi retirado de BUSHELL, Michael S. Bible Work for Windows, USA, 1996.

7 Léxico, 417.8 Ibidem, 364.

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drama ainda por ser resolvido na vida do apóstolo. Não cabe aqui especular que Paulo não era convertido ou coisa parecida. Além disso, o apóstolo fala do “pecado na minha carne”, pecado “que habita (oikou/sa = oikoúsa = morada familiar; que permanece)9 em mim”. Como está explícito, o pecado ao qual se refere não é o que ele está fazendo, aqui é algo que “está” nele e dele faz parte.

Aliás, a própria palavra “pecado” (a`marti,a = hamartia) em Romanos 7 tem o sentido de “princípio ou causa do pecado”.10 Nos versos 17 e 20 o sentido explícito é de “inclinação para pecar, propensão pecaminosa”.11 Mesmo convertido, salvo em Cristo, o apóstolo, reconhecia-se como pecador por causa dessa propensão carnal que nele habitava. Não um praticante contumaz do pecado, mas alguém cuja natureza pecaminosa, corrompida, ainda não havia sido retirada, o que ocorreria apenas por ocasião da ressurreição dos justos na volta do Senhor (I Cor 15:49-54; I Tess. 4:13-17).

O pecado também não é tratado como atos individuais em Gálatas 3.22. Sem escolha por parte das pessoas, o evangelho encerrou (sune,kleisen =sunekleisen = prender junto como peixes

numa rede”, “fechar junto, cercar”)12 toda a humanidade (pa,nta = panta = todas as pessoas”)13 debaixo (upo, = hupó = “sob, nas

mãos de”) do pecado. Assim, todos os que nascem neste mundo são pecadores.

Por que, então, Cristo Jesus não era pecador? Mesmo que, por um milagre divino, Jesus não cometesse nenhum pecado enquanto ato, seria pecador pelo simples fato de ter propensão para pecar (ainda que refreada pelo poder do Alto). Teria o pecado da depravação natural por ser igual a nós.

9 Ibidem, 285.10 Ibidem, 17. 11 Ibidem. 12 Aoristo de sugklei,w. Ibidem, 388, 380. 13 Ibidem, 311.

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Depravação inerente não é o mesmo que assumir o nosso pecado na cruz. Ali Jesus foi feito pecado como substituto. Se tivesse propensão para o mal o pecado estaria em sua carne. Por outro lado, somente seria totalmente igual a nós, enquanto pecadores, se possuísse tal propensão ou depravação natural para pecar. Isso é negado no Evangelho quanto o Salvador declara que “o príncipe deste mundo nada tem em mim” (Jo. 14:30). Ele não tinha pecado algum, de espécie alguma. Ele não era igual a nós, mas “semelhante” ou em outras palavras: era igual a nós em tudo, mas diferente em uma coisa – o pecado como ato e condição que se manifesta na propensão para o pecado. Portanto, Jesus não tinha pecado, assim também não tinha propensão para pecar, pois a propensão, em si, implica numa condição pecaminosa.

Segundo o Apóstolo João

O pensamento do pecado como condição da humanidade, incluindo os crentes, é afi rmado em I João de várias formas. No capítulo um verso oito o apóstolo condena os que dizem não ter pecado em suas vidas, classifi cando-os com auto-enganadores e desprovidos da verdade. A Escritura declara que mentimos.14 O pecado não é o que se faz apenas, é algo que se “tem”, é parte de nós. Isso fi ca mais claro quando lemos em I João 1:10 que também não podemos negar o ato de “cometer” pecado. Uma outra dimensão do pecado reconhecida nessa passagem, além da condição ou propensão, é o ato. Se dissermos que “não temos cometido pecado”, (ouvc h`marth,kamen =ouk hemartékamen = não temos cometido pecado), diz o apóstolo, além de dizermos que Deus é mentiroso demonstramos que sua palavra não está em nós.15

14 O termo e;comen encontra-se na 1ª. pessoa do plural do presente do in-dicativo do verbo e;cw = ékw = “ter, ser afetado por, sujeito a “Ibidem, 179, 180. A conclusão, no contexto da passagem, é que ninguém escapou de ter pecado. Em João 1:8 está escrito: vEa.n ei;pwmen o[ti a`marti,na ouvk e;comen (“Se dissermos que não temos pecado nenhum”). A frase, em sua continuação afi rma que ninguém pode sugerir que não tem pecado sob pena de estar enganando a si mesmo e ser mentiroso.

15 Ibidem, 187. Em 1 João 1:10 está escrito: vEa.n ei;pwmen o[ti ouvc h`marth,kamen (“Se dissermos que não temos cometido pecado”). A palavra he-martékamen (não temos cometido pecado) está na primeira pessoa do plural do

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Em I João 2:1-2 é dito que pecamos e precisamos de advogado, apesar de sermos fi lhos de Deus. A epístola dirige-se aos crentes, não a incrédulos, e por isso usa o termo “fi lhinhos” (te,kna = tekna = fi lhinhos), termo carinhoso para os irmãos na fé. Não é feita nenhuma exceção à possibilidade de pecar: “Se alguém” (Tij = tis = pronome indefi nido)16, isto é, qualquer um pecar, temos Advogado. Aqui os pecados de duas classes estão em pauta: (a) os nossos (da igreja, da irmandade) e (b) os do mundos todo (os de fora da igreja). Portanto, o pecado ato e condição ainda que controlados pelo Espírito continuam presentes na realidade da igreja que é santifi cada pela intercessão do Senhor até que Ele volte.

Lamentavelmente, alguns têm usado o texto de I João 3:6 onde a expressão “não perca”, que aparece em algumas traduções, tem sido entendida como querendo dizer que o cristão não comete pecado algum. Isto, como vimos, contraria o ensino básico da Escritura e conduz ao pensamento antibíblico do perfeccionismo. Trata-se de um problema de tradução. A expressão “não peca”, conforme a gramática grega (ouvc a`marta,nei= ouk hamartanei = não vive pecando) encontra-se na terceira pessoa do singular do presente do indicativo ativo (indica uma ação continuada).17 Portanto a tradução correta de 3:16 “não vive pecando” se harmoniza perfeitamente com 1:8, 10 e 2:1-2 bem como com o restante da Bíblia. A tradução “não perca” é uma base falsa para os que alegam a perfeição sem pecado para os convertidos.

O mesmo ocorre com I João 3:9: (amarti,an ouv poiei/ = hamartian ou piei = não vive pecando) onde o verbo “poiei” (poiei/) está na 3a pessoa do singular do presente do indicativo ativo – que também indica uma ação continuada).18 Uma melhor tradução seria: “Não vive na prática do pecado”, em vez de “não peca”. O apóstolo não deixa dúvidas e insiste em I João 5:16 que se alguém vir seu irmão cometer pecado que não é para a morte, peça pelo seu irmão.

Mesmo os cristãos são vulneráveis à prática do pecado, mas essa prática é apenas o sintoma, a doença, realmente, é a mórbida propensão para pecar, a qual caracteriza a condição pecaminosa.

Alegar que Jesus não pecou, mas tinha propensão para o perfeito do indicativo, indicando todos os crentes, entre os quais inclui-se o pró-prio apóstolo.

16 Ibidem, 406.17 Ibidem, 17. 18 Ibidem, 332.

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pecado é, segundo o Evangelho, defendê-lo dos sintomas mas atribuir-lhe a doença. Sua santidade seria apenas uma aparência, um verniz de superfície. A Bíblia nega tal pensamento. A Escritura declara que nele, diferente dos outros seres humanos e mesmo dos crentes, quando em carne nesta Terra, não havia pecado algum que o separasse da glória do Pai (João 1:14). Mas da humanidade, é dito em Romanos 3:23, que todos pecaram e carecem da glória de Deus.

Descrições Bíblicas da Impecabilidade de Cristo

Pode-se resumir a idéia bíblica sobre a impecabilidade de Jesus com os textos que se seguem. São três afi rmativas com dimensões diferentes com respeito à relação de Cristo com o pecado:

1. O apóstolo Pedro declara que Jesus foi isento de ações pecaminosas. O texto de I Pedro 2:22 declara que ele não cometeu pecado (ouvk evpoi,hsen = ouk epoíesen = não cometeu, não praticou)

2. O apóstolo Paulo informa-nos que o Senhor não teve experiências pecaminosas. Em II Coríntios 5:21 é dito que o Salvador não conheceu o pecado (mh. gno,nta = me gnota = não conheceu, não experimentou)3. Finalmente, através de João, é dito que nele não existe pecado, o que exclui a presença do pecado da vida de Jesus (I João 3:5 – ouvk e;stin =ouk éstin = não há, não existe)

Assim, mais uma vez, podemos notar que o pecado não se constitui apenas de ações e experiências. Pecado tem dimensões mais profundas. Pecado é a condição interior caída que se constitui na propensão para pecar. Jesus não possuía nenhuma das três dimensões. Ele era “igual” (semelhante) à humanidade em tudo, mas não havia nele pecado algum.

Concluímos que era necessário que Jesus, como Salvador, fosse como nós, porém nessa semelhança não está incluído o pecado em nenhuma de suas dimensões. Isso descarta não apenas os atos, mas também a natureza pecaminosa. Embora redundante, diríamos: Jesus não era pecador por não possuir, também, propensão pecaminosa alguma e não tinha propensão alguma para o pecado porque não era pecador. Ele era semelhante em tudo, mas diferente de nós quanto à presença do pecado em sua humanidade.

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A CONVENIÊNCIA DE SER DIFERENTE

Tendo já visto as semelhanças, passemos às diferenças entre o Salvador e a humanidade. Em Hebreus 4:15 é dito que, apesar de ter sido tentado em todas as coisas a nossa semelhança ele foi diferente em não pecar (omoio,thta cwri.j amarti,aj = homoióteta

korís hamartias = à nossa semelhança mas sem pecado). A palavra sem (korís) signifi ca “separado, à parte de” e, especialmente na passagem em questão, signifi ca “com a exceção de” pecado.19

Alguns têm tentado argumentar que Jesus teria pecado em algum sentido, pois somente assim ele poderia “compadecer-se” de nossas fraquezas. Mas a própria epístola de Hebreus refuta essa hipótese várias vezes. Uma das razões é que no caso do capítulo 4 verso 15 o assunto central não é igualdade conosco nas fraquezas, mas na sua capacidade de socorrer.20 O “compadecer-se” (sumpaqh/sai= sumpatêsai = simpatizar com, sofrer com, ter compaixão)21 não indica que ele têm as mesmas fraquezas, mas que delas se compadece pois sabe o que é ser tentado. Neste verso propositadamente o autor apresenta uma “similaridade” (tentado em todas as coisas à nossa semelhança) e uma “distinção” (sem pecado) desviando-se, assim, da idéia de igualdade.22

Adequado se fosse diferente dos seres humanos

A carta aos Hebreus (7: 26-28) vai mais além. Ali é dito que essa “diferença” convinha para que fosse sacrifício e sacerdote. No verso 26 a palavra “convinha” (e;prepen = éprepen) tem o sentido de “apropriado, adequado”23 e é a mesma de 2:10.

19 Ibidem, 440,441. 20 LANE, William L. Word Biblical Commentary (WBC). Vol 47b. Word

Books Publishers, Dallas, Texas, USA, 1991. 114,115. 21 Infi nitivo aoristo de sumpaqe,w (sumpatéw = compadecer). Léxico, 383.22 WBC, Vol. 47a. 115. 23 e;prepen (éprepen = convinha) – 3a. Pessoa do singular do imperfeito do ver-

bo pre,pei (prépei =convir) “ ser próprio, adequado, ser correto”. Léxico, 164, 340.

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No caso de Hebreus 7:26-28 as passagens indicam que Jesus somente seria um sacerdote adequado, que preencheria as condições para sua missão, se fosse “diferente” de nós, ou seja, santo, assim como em 2:10 era “apropriado” que fosse “semelhante”. As duas “adequações” ou “conveniências” se encontram: ser “semelhante” (2:10) e ser “diferente” (7: 26-28). A palavra usada em 7:26 não é santo (a[gioj = hágios) com o sentido apenas de “algo separado de uma condição e uso comum, dedicado”.24 A santidade mencionada em Hebreus relativa a Jesus não decorre de uma simples “separação” para fi ns santos. Não é uma santidade “funcional”, emprestada, outorgada. A palavra (o[sioj = hosios) aparece uma só vez em Hebreus (7:26) referindo-se apenas a Jesus e tem o mesmo signifi cado empregado em Apocalipse 15:4 e 16:5 onde é aplicada a Deus. O signifi cado em Hebreus 7:26 é “supremamente santo”. Também em Atos 2:27 e 13:35 do Messias é dito ser santo (hosios).25 A outra palavra usada exclusivamente para Jesus em Hebreus que “denota sua qualifi cação moral” para ser sumo-sacerdote26 é “inculpável” (a;kakoj = ákakos = inculpável, puro, inocente) que também aparece em Hebreus somente nesta passagem para descrever a diferença entre Jesus e nós. “Isso não signifi ca que Jesus era inculpável em seu relacionamento com outras pessoas, mas que ele não foi atingido pelo mal”.27 O termo “sem mácula (avmi,antoj = amiantos) está apenas aqui em 7:26-28 e em Heb 13:4 (o leito matrimonial ideal sem mácula). No que diz respeito a Jesus, o Salvador era “sem mácula” em si mesmo, diferentemente dos outros seres humanos cuja pureza é imputada pela fé. Os três adjetivos descrevem o “caráter pessoal” de Jesus e sua “perfeição moral e espiritual”.28

24 Léxico, 3 25 Ibidem, 293. Essa palavra tem também o sentido de devotado, fi el e na

LXX descreve os que são fi éis ao concerto. Jesus é o modelo dessa fi delidade quando na

26 WBC, Vol. 47b, 191.27 Ibidem, 191, 192. 28 Ibidem.

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Separado dos pecadores

A palavra separado (kecwpisme,noj = kekorisménos) dos pecadores, aparece também em Filemon 15 com ênfase geográfi ca. Assim, Hebreus 7:26 estaria dizendo que Jesus, devido ao sucesso de sua obra redentora e para exercer o sacerdócio, foi separado dos pecadores ao subir ao céu.

Ser recebido no céu, sem precisar de sacrifício por si mesmo (27) é mais uma confi rmação de ser ele o Salvador adequado (além de ser santo, inculpável e sem mácula). Além do mais, a palavra “separado” tem o sentido de alguém que se mantém afastado e não participa de certas coisas por se achar ou ser superior.29 Em decorrência disso, duas interpretações se tornam possíveis: (a) separado por ser retirado do convívio dos pecadores para perto do Pai, o que lhe favorece o ofício e (b) por não compartilhar da natureza dos pecadores o que o torna aceitável diante de Deus. As duas idéias estão presentes. 30 De qualquer forma, ele somente teria se tornado sacerdote e sacrifício aceitável se não tivesse necessidade de oferecer sacrifícios “por seus próprios pecados” (Heb. 7:27). Assim Jesus não partilhou da condição de pecado uma vez que era “conveniente” (v. 26) que fosse “santo” e separado dos pecadores.

Feito mais alto que os céus

O termo feito (genom,enoj = genoménos = tornado, feito) signifi ca que ele foi “apontado, constituído ou estabelecido”31 para estar em um lugar especial. Esse lugar é descrito como mais alto (uyhlo,tepoj = hupseloteros) que os céus, uma possível referência à posição “à direita do Pai”. Essa expressão é também um termo exclusivo par Jesus em Hebreus. O signifi cado é da “exaltação, dignidade, eminência”. Também tem o sentido de “mais exaltado, mais elevado”.32

29 Léxico, 441. 30 The Seventh-day Adventist Bible Commentary. Review and Herald Pub-

lishing Association, Washigton, D.C, USA, 1957. Vol. 7.442. WBC, 192. 31 Léxico, 78, 79. 32 Ibidem, 420, 421.

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A questão é que, por sua própria natureza santa, Jesus se tornou apto para ser nosso sacerdote e sacrifício e tendo consumado sua obra, e, por seus próprios méritos, foi exaltado acima dos céus. Essa exaltação é considerada uma qualidade necessária para ser nosso sacerdote. A ausência de pecado em Jesus e sua exaltação são colocados pelo autor de Hebreus, como demonstrando que o Salvador era diferente de qualquer ser humano, mesmo os que poderiam ser considerados os melhores, como os sumo-sacerdotes levitas. Essa diferença era “conveniente” para nós.

As descrições do capítulo 7:26 apresentam suas qualidades e elevação ao céu. O verso 27 declara que as qualidades do verso 26 se estendem ao tempo em que ele (Jesus) se ofereceu no calvário. O pronome relativo “que” (o[j = hos = o qual, quem) indica que aquele “santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus” do verso 26 é o mesmo que ofereceu-se em sacrifício perfeito (verso 27). As qualidades do verso 26 são estendidas ao tempo da cruz no verso 27. Isso não é novidade, pois na mesmo epístola aos Hebreus, capítulo 1:2 e 3, a experiência de Jesus, quando na Terra, é descrita como sendo “o resplendor da glória e a expressão exata do seu ser” (do Pai), isso para não citar outras partes do NT. Desse modo Jesus é, já na Terra, no meio dos homens, diferente, pois de nenhum homem, por sua própria natureza, com no caso de Cristo, se pode dizer que era santo, inculpável e sem mácula a ponto de, separado dos pecadores, merecer ser exaltado acima dos céus.

As semelhanças e diferenças entre Jesus e os pecadores são ressaltadas também no verso 28,m como em 4:15 de Hebreus. O apóstolo, no verso 28, faz o contraste entre os homens e Cristo. Os homens e Jesus compartilham das mesmas fraquezas, pois o Salvador veio sob as limitações que o pecado impôs. Mas essas fragilidades têm o limite onde começa a semelhança e onde inicia a diferença. O capítulo quatro verso 15 estabelece a semelhança declarando primeiro que Jesus “entende” as nossas fraquezas, e segundo, que ele “em todas as coisas foi tentado. A palavra “semelhança” é muito importante, pois é a partir dela que o autor de Hebreus enfatiza a diferença com a expressão “mas sem pecado”.

Deve-se também destacar que o ser tentado em todas as coisas não requer necessariamente possuir propensão para o pecado, pois a Escritura declara que tanto anjos no céu como os primeiros pais no Éden foram tentados e pecaram sem possuir qualquer propensão.

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Não possuía fraquezas, era perfeito

O capítulo 7:28 deixa claro que esse ponto relativo à diferença entre Cristo e a humanidade. Nesse versículo todo homem (a;nqrwpoj = anthropos = humanidade, gênero humano) é sujeito à fraqueza (avsqe,neia = asténeia). Tal fraqueza, segundo o verso 28, refere-se à situação em pecado na qual encontra-se a humanidade, indicando metaforicamente “enfermidade, fragilidade, imperfeição, intelectual e moral”.33 O contraste também aparece quando o autor de Hebreus diz que os sacerdotes humanos, da própria tribo escolhida eram, apesar de tudo, menos ánthropoi (homens) mas somente Jesus, o novo sacerdote, era “fi lho” (uio,j = huiós = o fi lho) que não tinha “fraquezas” e era “perfeito”. Embora também homem, seu diferencial era ser “o Filho”.34

Ainda no capítulo 7:28, vemos um sentido mais além do de 4:15 ao se declarar a diferença entre a humanidade e Jesus. Neste verso (28) Jesus não possui as fraquezas da humanidade, pois Ele é constituído pela palavra do juramento (dias de Davi) que vem depois da lei levítica (dias de Moisés). Os homens constituídos sumo sacerdote pela lei levítica (dias de Moisés). Os homens constituídos sumo sacerdotes pela lei possuem fraquezas, mas o Filho que foi constituído sumo sacerdote pelo juramento, desde antes de sua ascensão ao céu, é dito ser perfeito (teteleiwme,non = teteleioménon). A palavra “perfeito”, neste caso pode ter também dois sentidos: (a) “ser tornado” ou apenas (b) “identifi cado” como perfeito. O sentido de perfeição também pode ser o de (a) “consumação, fi nalização de um ato”35 ou de (b) “aperfeiçoar, antecipar a plenitude fi nal”.36 Assim, em 7:28 duas interpretações são possíveis: (a) alguém que alcança a plenitude ou (b) completa uma tarefa. Alguns comentaristas crêem que Jesus estaria sendo aperfeiçoado para ser nosso Salvador ao passar pelo sofrimento, pois essa era uma experiência necessária em sua obra redentora. Outros entendem que Jesus foi feito perfeito ao Salvador, o que ocorreu em sua morte e na sua exaltação.37

33 Ibidem, 55.34 WBC, Vol. 47ba 194.35 Léxico, 400.36 Ibidem, 401.37 WBC, Vol. 47ª, 195.,

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De qualquer forma, a declaração de perfeição que o separa dos pecadores que têm fraquezas, não foi uma avaliação que Jesus mereceu apenas depois que foi “aprovado” por passar num teste que averiguou sua “perfeição”. Essa constatação de perfeição em Cristo não passa a vigorar a partir de sua ascensão, mas uma vez que o sacerdote e o sacrifício são um só, a perfeição é, antecipadamente, identifi cada no ato do juramento (dias de Davi) e é demonstrada já no seu sacrifício perfeito (quando ainda na Terra), uma vez que não precisaria sacrifi car por si mesmo, como era feito pelos sacerdotes humanos (versos 27,28).

Embora a perfeição, aqui em 7:28, para alguns, seja a consumação perfeita da obra redentora, essa tarefa não seria possível se Ele possuísse as limitações dos sacerdotes “sujeitos à fraqueza”. O verso 28 confronta a fraqueza (avsqe,neia = asthéneia)38 dos pecadores, suas necessidades de expiação por pecados pessoais (v. 27). Desse modo, o Senhor é reconhecido como tendo tido, já na Terra, uma vida perfeita ao ser recebido no céu com sumo-sacerdote.39

A análise anterior também esclarece o texto de Hebreus 2:10 onde o verbo “aperfeiçoar” (teleiw/sai = teleiôsai = alcançar um fi m, consumar, ato fi nal) é usado para descrever Cristo como sendo aperfeiçoado pelo sofrimento. O texto não se refere à perfeição pessoal de Jesus de quem é dito ser perfeito, afi nal ele é identifi cado, como já foi dito, como a “expressão exata” do Pai, revelada na Terra (1:2,3).

Confi rmando a idéia apresentada anteriormente, os judeus, quando traduziram “aperfeiçoar” (teleiôsai) do hebraico para o grego, no Pentateuco da Septuaginta, usaram esse termo “para indicar o ato de consagração do sacerdote ao seu ofício”.40

38 “Nesse contexto o termo avsqe,neia- “fraqueza” é praticamente igual a ‘pecado’.” WBC, Vol. 47a, 197.

39 “A perfeição do seu sacrifício defi nitivo foi conseqüência da perfeição espiritual e moral de sua vida.” WBC, Vol. 47a, 197.

40 WBC, Vol. 47a. 57, 58. As passagens na Septuaginta (LXX) nas quais “aperfeiçoar” (teleiosai) é usado em sentido de consagração do sacerdote ao seu ofício são: Êxodo 29:9,29, 33,35; Levítico 4:5; 8:33; 16:32; 21:10; Números 3:3).

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A epístola aos Hebreus está falando de um tema recorrente no Pentateuco que é a consagração do sacerdote. Portanto, “aperfeiçoar”, nesse caso, mais uma vez desvia-se do sentido de fazer Jesus “crescer em perfeição espiritual” e inclina-se para “o ato de consagração ao seu ofício sacerdotal”, através do sofrimento em favor dos pecadores.

O signifi cado de ser sem mácula aplicado a Cristo e à igreja

Ainda, em Heb 9:14, Jesus é “sem mácula” (a;mwmon = ámomon) e em I Pedro 1:19 ele é o Cordeiro com dupla recomendação “sem defeito” (avmw,mou) e “sem mácula” (a;spilon = áspilon = puro, sem mancha, sem defeito). Aliás, o termo ámomon, tanto na Septuaginta como em fontes judaicas helenistas, “denota a ausência de defeitos num animal para sacrifício”. Jesus, por suas qualidades inerentes, foi o sacrifício perfeito.

Portanto, a expressão “sem mácula” (ámomon), se considerarmos o contexto de Cristo como sacrifício diante de Deus pelos pecados da humanidade, requer perfeição que nenhum ser humano, em qualquer das anteriormente mencionadas dimensões pecaminosas, poderia possuir. Isso implica em que, se o Salvador possuísse qualquer dessas dimensões de pecado (ato, experiência ou propensão para pecar) seria inadequado para ser sacrifício e sacerdote. Contudo, é diferente quando o termo é usado para os crentes. Por exemplo, o apóstolo declara que Cristo purifi ca a igreja para apresentá-la sem mácula e sem defeito, mas essa pureza da igreja decorre da justifi cação pela fé e do conseqüente processo de santifi cação (Ef. 5: 25-27). Também o resultado da salvação encontra-se em Apocalipse 14:5, onde a igreja é representada como sendo sem mácula. O próprio texto esclarece que esta ausência de mácula é o resultado de terem sido “redimidos” e de não terem se “contaminado” (evmolu,nqhsan = contaminar moralmente)41 com as “mulheres” (v.4).

41 A palavra evmolu,nqhsan é a 3a. Pessoa do plural do indicativo passivo do aoristo 1 do verbo Molu,nw (molino = sujar, profanar) Léxico, 135, 272. Essa contaminação não é uma referência a intercurso sexual com mulheres literais, mas ao comprometimento dos crentes em geral, e não apenas aos do sexo masculino, com a “prostituta e suas fi lhas” referidas no Apocalipse – uma alusão aos enganos dos últimos dias.

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Assim, a perfeição dos crentes é obra do plano da redenção, que considera perfeito pela fé ao que crê em Jesus e o santifi ca e aperfeiçoa. Essa idéia do ideal da perfeição para a igreja encontra-se em várias passagens (Deut. 18:13; Mat 5:48), mas é preciso lembrar que a perfeição do crente é atribuída a uma imputação, como na frase “perfeitos em Cristo” (Col. 1:28 e 2:10). Jesus, no entanto, é diferente no sentido de que sua natureza sem mácula e perfeita não decorre de ser redimido, nem é uma perfeição imputada. Ele é perfeito em si mesmo.

Conclusão

Conforme o testemunho das Escrituras, pecado não é somente uma ação má, contrária à vontade de Deus. A queda do homem trouxe a compreensão de mais uma dimensão do pecado como separação provocada pela condição pecaminosa herdada. Essa condição caída e que exige um Salvador, se manifesta através das propensões pecaminosas.

Assim, Jesus possuía uma natureza humana semelhante a do homem caído, mas sem pecado em todas as suas dimensões. Isso implica em dizer que Sua natureza não pode ser exatamente classifi cada nem como pré-lapsariana42 e nem pós-lapsariana.43 Sua natureza era única, apropriada para ser Salvador.

Jesus herdou tudo que nós herdamos, menos o pecado. Ele não recebeu a herança do pecado através da presença daquele em sua vida (I Jo 3:5), nem pela experiência (II Cor. 5:21) e nem sequer pelo ato pecaminoso (I Ped. 2:22).

Ele deveria ser igual a nós para ser nosso exemplo, e isso era obrigado, indispensável (Heb. 2:17). Por outro lado, era conveniente, para ser um salvador adequado, apropriado, que fosse diferente: santo, sem mácula e sem culpa (Heb. 7:26-28). O signifi cado dos termos usados para a impecabilidade de Jesus e o contexto da epístola aos Hebreus não deixam dúvida sobre a ausência de propensão pecaminosa nele.

42 A natureza de Adão antes da entrada do pecado no mundo.43 A natureza do homem propensa ao pecado após a entrada do pecado no

mundo.

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Assim, quanto à natureza humana de Jesus, temos duas exigências bíblicas preenchidas: (1) deveria ser semelhante a nós em tudo enquanto ser humano, mas (2) diferente em não possuir dimensão alguma do pecado. Essa diferença não se refere apenas ao pecado como ato. Diz respeito, especialmente, à condição pecaminosa, a qual se manifesta na propensão para o pecado, que ele nunca possuiu. Somente preenchendo essas duas condições Ele poderia ser nosso Salvador.

TABELA COMPARATIVA DA HUMANIDADE DE JESUS E A DA HUMANIDADE APÓS O PECADO

HUMANIDADE DE JESUS

HUMANIDADE APÓS O PECADO

ORIGEM SOBRENATURAL ORIGEM NATURAL

1. Não teve pai humano. Mt 1:18

1. Tem pai humano

2. Gerado pelo Espírito Santo. Mt. 1:18,20

2. Gerado pelo ser humano

3. Chamado de “ente Santo” ao nascer. Lc 1:35

3. Nascido pecador. Sl 51:5

4. Veio do céu. I Cor. 15:47; Jo. 1:14

4. Vem da Terra. I Cor. 15:47

NÃO TEM PECADO INERENTE TEM PECADO INERENTE

5. Carne pecaminosa era apenas semelhança. Rom 8:3

5. Pecado está na própria carne. Rom. 7:14-25; Sal. 51:5

6. Não tinha manchas. Heb. 7:26

6. É como o imundo. Heb. 7:26

7. Não tinha fraquezas Heb. 7:28

7. Tem fraquezas. Heb. 7:28

8. Natureza humana Santa. Heb. 7:26

8. Pecadora. Heb. 7:26

9. Natureza humana Pura. Heb. 7:26

9. Impura.

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10. Natureza humana Imaculada. Heb. 7:26

10. Maculada.

11. Nela não existiu pecado. I Jo. 3:5

11. O pecado habita nela. Rom. 7:17, 20, 21

12. Tinha a glória de Deus. Jo. 1:14

12. Destituída da glória de Deus. Rom. 3:23

NÃO COMETE ATOS PECAMINOSOS

COMETE ATOS PECAMINOSOS

13. Não cometeu pecado. I Ped. 2:22

13. Pecou. Rom. 5:12

14. Não experimentou pecado. II Cor 5:21

14. Comete pecado. I Jo. 1:10

NÃO ADMITIU PECADO NÃO PODE NEGAR O PECADO

15. Não reconheceu pecado em si. Jo. 8:46

15. Não pode negar a ação e condição em pecado I Jo. 1:8, 10

16. Não há registro de ter confessado pecado algum. Sempre agradava a Deus. Jo. 8:29

16. Precisa confessar os pecados. I Jo. 2:1,2

17. O príncipe deste mundo nada tinha nele. Jo. 14:30

17. Governada pelo príncipe do mal. Ef. 2:1-3

SUA SEMELHANÇA COM O PECADOR EXCLUI O

PECADO EM TODOS OS NÍVEIS

A SEMELHANÇA DO PECADOR COM JESUS NÃO INCLUI A CONDIÇÃO SEM PECADO DE

CRISTO

18. Era semelhante em tudo, mas sem a condição e sem atos pecaminosos. Heb 2:17; I Jo. 3:5; I Ped. 2:22

18. Igual a Jesus em tudo exceto na condição e atos pecaminosos Ecl 7:20; Prov. 20:9; I Jo. 1:8, 10

19. Foi tentado em tudo, mas nunca pecou. Heb. 4:15

19. Não há justo que faça o bem e nunca peque. Ecles. 7:20; Prov. 20:9

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A Natureza [e Identidade] da Tipologia Bíblica – Questões Cruciais

Richard M. Davidson.1

Resumo

A Tipologia pode ser defi nida como um empenho hermenêutico por parte dos escritores do Novo Testamento, como um estudo das realidades históricas da salvação no Antigo Testamento, ou dos “tipos” (pessoas, eventos, instituições) os quais Deus especifi camente designou para corresponder e prefi gurar preditivamente os aspectos de seu intensifi cado cumprimento antitípico (inaugurado, apropriado, consumado) na história da salvação no Novo Testamento. Em suma, a visão tradicional de tipologia e não a pós-crítica é corroborada pelos dados da Escritura.

Abstract

The Typology as a hermeneutical endeavor on the part of the New Testament writers may be defi ned as a study of the Old Testament salvation historical realities or “types” (persons, events, institutions) wich God has specifi cally designed to correspond to, and predictively prefi gure, their intensifi ed antitypical fulfi llment aspects (inaugurated, appropriated, consummated) in New Testament salvation history. In sum, traditional view of typology and not the post-critical is affi rmed by data of Scripture.

Introdução

Quando o assunto da tipologia bíblica é mencionado, pelo menos em círculos mais populares, há normalmente vários tipos de

1 Dr. Richard M. Davidson é o Diretor do Departamento do Novo Testa-mento da Andrews University. Gentilmente permitiu à Revista Hermenêutica a tradução e publicação deste artigo, cujo título original é The Nature [and Identity] of Biblical Tipology – Crucial Issues (Midwest ETS Meeting, Northwestern Col-lege, St. Paul, MN, march 14. 2003). Tradução do Dr. Ozeas Caldas Moura.

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relações. Alguns dizem: “Tipologia – o que é isto?”. Eles não têm nenhuma idéia do que a expressão signifi ca. Outros dizem “Tipologia – oh, não!” Eles não acreditam que os tipos do Antigo Testamento realmente apontam a Cristo, ou então eles têm confundido tipologia com uma forma fantasiosa de alegoria. E alguns ainda dizem: “Tipologia – uau e amém!” Eles estão empolgados com o Evangelho nos tipos da Escritura.

Eu pessoalmente tenho expressado todas as três reações. Como um estudante na faculdade, eu tive um professor de religião que buscou sistematicamente desacreditar os tipos como genuínos prenúncios de Cristo e do Evangelho. Eu aceitei esta atitude cética durante vários anos. Então a beleza do Evangelho raiou em minha consciência de um modo novo, e como estudei mais uma vez o Antigo Testamento, fi quei convencido de que o Evangelho é belamente apresentado nele, em grande parte por sua tipologia. Li tudo o que pude ter em mãos que tratasse de tipologia.

Mas, neste momento um novo problema surgiu, um problema de interpretação formal. Todo autor que lidou com a tipologia, parecia propor sua própria lista de tipos bíblicos e suas próprias conclusões a respeito do signifi cado dos símbolos e tipos. Muitas interpretações pareciam estar fundamentadas, em grande parte, na imaginação dos intérpretes, sem qualquer controle hermenêutico sólido oriundo da Escritura. Estaria toda interpretação tipológica baseada num fundamento tênue e especulativo, ou haveria princípios e controles partidos da Escritura? O peso desta questão eventualmente me acompanhou da faculdade aos estudos doutorais e emergiu como tópico de minha dissertação

A natureza da Tipologia Bíblica

Eu percebi que intérpretes cristãos contemporâneos geralmente concordavam que uma das chaves básicas, se não a chave básica dos escritores do NT, para destrancar o signifi cado do Antigo Testamento era a tipologia. Por exemplo, Leonard Goppelt, teólogo do NT, escreveu que tipologia “é o modo central e distintivo do NT de compreender o Evangelho..., ela é a decisiva interpretação de Jesus, do Evangelho e da Igreja... De acordo com a essência do NT, tipologia é teologicamente essencial para uma compreensão do Evangelho” (TDNT 8:255). Outro teólogo do NT, E. Earle Ellis, declarou: “A interpretação tipológica expressa mais claramente

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a atitude básica do Cristianismo primitivo em relação ao AT”. Novamente, um historiador da Igreja, Robert M. Grant escreveu, “A maneira do Novo Testamento interpretar o Antigo, é, geralmente, a tipologia” [para refs. veja Davidson, pp 1-2].

Mais recentemente, estudiosos evangélicos, em particular, continuam enfatizando a importância, se não a centralidade, da abordagem tipológica do Beale, The Right Doctrine from the Wrong Texts? Essays on the Use of the Old Testament in the New,2 (1994), apresenta autor após autor enfocando a tipologia bíblica. Um artigo muito útil apareceu em JETS, em 1997, no qual W. Edward Glenny sumariza a presente discussão evangélica sobre a tipologia.3

Vários estudiosos evangélicos têm apelado a uma mais cuidadosa atenção à natureza da tipologia bíblica como central para a tarefa da hermenêutica atual. Por exemplo, Mark W. Karlberg sugere que a “resolução das prolongadas diferenças de interpretação entre os evangélicos depende, em grande medida, de uma identifi cação da natureza e função da tipologia do Antigo Testamento.4 D. A. Carson (em uma das sessões plenárias do encontro debate acerca da intenção do autor do signifi cado pleno de uma texto, deveria ser um acordo sobre o que é tipologia.5 Estas chamadas para o estudo adicional em tipologia apontam a situação documentada por Glenny, de que os estudiosos evangélicos discordam amplamente na natureza, função e propósito d abordagem tipológica.

2 Beale, Gregory K., ed. The Right Doctrine from the Wrong Texts? Essays on the Use of the Old Testament in the New (Grand Rapids: Baker, 1994).

3 Edward Glenny, “Tipologia: A Summary of the Present Evangelical Dis-cussion,” JETS 40/4 (Dec 1997): 627-638. Cf. Friedbert Ninow, Indicators of Ti-pologia within the Old Testament: the Êxus MATif (Frankfort am Main; New York: P. Lang, 2001

4 Mark W. Karlberg, “Legitime Discontinuities Between the Testaments,” JETS 28 (1985):19.

5 D. A. Carson, “Two Turning Points in Contemporary Hermenêutico Debate,” Paper presented at the 1994 National ETS Meeting.

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No movimento de Teologia Bíblica dos anos 1950 e 1960 houve um reavivamento do interesse em tipologia, mesmo entre os estudiosos crítico-liberais, que quase a tinham rejeitado justamente umas poucas décadas atrás. Contudo, em um escrutínio mais rigoroso, o que estes estudiosos críticos estavam chamando de “tipologia” bíblica era bem diferente da compreensão tradicional de tipologia da igreja Cristã. (Consulte o Quadro 1 do Apêndice, onde são mostradas as áreas principais de diferenças entre as visões tradicional e a pós-crítica, que já foram, até certo ponto, aceitas por muitos escritores evangélicos).

Ao começar meu trabalho da dissertação, lutei para me decidir acerca da natureza da tipologia. Quem estava certo em suas defi nições? Tanto a visão tradicional quanto a pós-crítica reivindicaram representar a verdadeira “tipologia” bíblica. Por meses, lutei para achar dentro da Escritura uma chave que resolveria este enigma. Eu li tudo que poderia achar sobre o assunto, mas basicamente, as várias discussões assumiram suas defi nições da natureza da tipologia, sem deixar seus elementos constituintes emergirem da Escritura.

Afi nal, através de muita oração e angústia, a luz começou a brilhar através do labirinto hermenêutico. Eu vi que o palavra typos ou “tipo” era a chave! Esta palavra é encontrada tanto no grego quanto em inglês [e também em português], e diversas vezes é usada na Escritura em um sentido técnico para descrever a interpretação do Antigo Testamento pelos escritores do Novo. Aqui está um controle teminológico. Onde o escritor bíblico emprega a palavra “tipo” (typos) ou “antítipo” ou “tipológico” (typikos) para descrever o que ele está interpretando, há, sem dúvida, tipologia. Através de uma cuidadosa análise destas passagens, os elementos básicos da tipologia deveriam emergir de dentro da Escritura, sem impor uma defi nição de fora.

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Há seis passagens no Novo Testamento que são claramente tipológicas porque nelas se usa a palavra “tipo” (typos, no grego) ou “antítipo” (antitypos, no grego) como um termo técnico para descrever a interpretação que o autor faz do Antigo Testamento: Rm 5:14; 1 Co 10:6; 1 Pe 3:21; Heb 8:5; e Heb 9:24. Com base num estudo detalhado destes versos em seus contextos mais amplos, eu vi emergir um quadro consistente da tipologia. A descrição bíblica de tipologia é, basicamente, a da compreensão tradicional, e não a da visão pós-crítica, mas com algumas novas ênfases que eu não tinha esperado. Nós podemos resumir os cinco elementos conceituais da tipologia que emergiu do estudo. (Veja Quadro 2 no Apêndice)

1. O elemento histórico da tipologia bíblica dá ênfase ao fato de que a tipologia está arraigada na história. Isto está em contraposição com a alegoria, a qual não está, nem em primeira nem em última instância, preocupada com o sentido histórico literal, mas com o núcleo fi gurativo ou espiritual escondido sob a casca histórica. O elemento histórico envolve três aspectos cruciais. Primeiro, os tipos do AT e os antítipos do NT são realidades históricas e podem consistir de pessoas (por exemplo, Adão, em Romanos 5), eventos (por exemplo, o Êxodo, em 1 Coríntios 10; o Dilúvio, em 1 Pedro 3), ou instituições (por exemplo, o Santuário, em Hebreus 8 e 9). A historicidade do tipo e antítipo é assumida e considerada essencial pelos escritores bíblicos. Tão crucial é a questão da historicidade que os argumentos tipológicos de Romanos 5, 1 Coríntios 10 e 1 Pedro 3 se desmoronariam, se a realidade histórica de Adão, do Êxodo, ou do Dilúvio não fosse aceita. Igualmente, a preocupação do autor de Hebreus, ao longo da Epístola, é, [nas palavras do comentarista William Johnson], “alicerçar a confi ança dos cristãos em fatos objetivos..., divindade real, humanidade real, sacerdócio real – e nós podemos adicionar: um ministério real, em um Santuário real”. 6

Como um segundo aspecto do elemento histórico, os autores do Novo Testamento mostram a correspondência histórica entre o tipo e o antítipo. Assim, Adão é um tipo de Cristo (Romanos 5); os eventos do Êxodo aconteceram como tipos que correspondem à experiência do cristão (1 Coríntios 10); o Dilúvio corresponde a seu

6 William G. Johnsson, In Absolute Confi dence: The Book of Hebrews Speaks to Our Day (Nashville, TN: Southern Publishing Association, 1979), 91. (Italics his.)

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antítipo – o batismo cristão ( 1 Pedro 3); e o Santuário do antigo concerto, com seus sacrifícios e sacerdócio, é uma cópia e sombra das realidades do novo concerto (Hebreus 8 e 9). O conteúdo da correspondência se estende até mesmo a detalhes conectados com o tipo, mas tais detalhes são sempre símbolos da salvação no Antigo Testamento (por exemplo, Heb 8:5; 9:24; 13:11-13).

Como um terceiro aspecto do elemento histórico, o tipo e o antítipo nunca estão no mesmo plano. O antítipo do Novo Testamento invariavelmente envolve um redução absoluta, ou uma intensifi cação do tipo do Antigo Testamento. Por exemplo, a comida e bebida de Israel no deserto são intensifi cadas para se tornarem a antitípica e cristã Ceia do Senhor (1 Coríntios 10). Em Hebreus, os inadequados e temporários sacrifícios do Antigo Testamento são reduzidos a um único e todo-sufi ciente sacrifício, e no superior e permanente sacerdócio de Cristo.

No anúncio de Jesus, em Mt 12, no qual Ele é o profeta antitípico, sacerdote e rei, Ele diz: “Um maior que Jonas está aqui (vs. 41). Um maior que o Templo está aqui (vs. 6), Um maior que Salomão está aqui (vs. 42)”. Isto está em contraposição à paranesis, que está dando aviso ou advertência, usando algum exemplo como um modelo, mas sem correspondência mais alta. Assim, Pedro emprega a paranesis quando exorta as mulheres para serem mulheres cristãs, no uso hermenêutico e técnico da palavra “tipo”.

2. O elemento escatológico da tipologia clarifi ca a natureza da correspondência histórica e intensifi cação descrita acima. As pessoas, eventos e instituições do Antigo Testamento assumem um aspecto escatológico nos seus cumprimentos do Novo. Em 1 Coríntios 10, as experiências de Israel no deserto são tipos (typoi) para “aqueles sobre quem os fi ns dos séculos têm chegado” (vs. 11, RSV). Em Romanos 5, Adão é um tipo (typos) do “que estava para vir” (vs. 14, RSV) – o segundo Adão, cuja vinda provocou a nova era escatológica. Em 1 Pedro 3, a salvação de Noé e de sua família no Dilúvio, acha seu antítipo (antitypon) na salvação sacramental do escatológico “agora” (vs. 21). E em Hebreus 8 e 9, os sacrifícios do Antigo Testamento estão ligados com o único e todo-sufi ciente sacrifício “ao se cumprirem os tempos” (cap. 9:26, RSV).

Três possíveis aspectos do cumprimento escatológico podem ser considerados: (1) o “inaugurado” – conectado com o primeiro Advento de Cristo (como Adão é um tipo de Cristo, Rm 5); (2) o

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“apropriado” – focalizando-se no tempo da Igreja, que vive na tensão entre o “já” e o “ainda não” (como em 1 Co 10, onde as experiências do Êxodo são “tipos” (typoi) da igreja Cristã; ou (3) o “consumado” – conectado ao Dia Apocalíptico do Senhor, à Segunda Vinda de Cristo e além (como o Dilúvio de Noé é um tipo da destruição do mundo, em 2 Pe 3:6-7).

3. O elemento Cristológico-soteriológico aponta para o foco e verdade essenciais da tipologia. Os tipos do AT não são realidades meramente “nuas”, obra de Cristo ou nas realidades do Evangelho, provocadas por Cristo. Às vezes, isto pode estar na forma de uma correspondência entre uma realidade do Antigo Testamento e a pessoa de Cristo, como em Romanos 5 (Adão -> Cristo), e em Hebreus 8 e 9 (sacerdócio e sacrifícios -> Cristo como sumo sacerdote e seu sacrifício). Em outros momentos, podem estar no contexto maior do novo concerto, efetuado por Cristo, como os sacramentos e a experiência dos crentes, em 1 Coríntios 10 e 1 Pedro 3, e o Santuário celeste de Hebreus 8 e 9. Cristo e sua obra de salvação são, assim, o último ponto de orientação dos tipos do AT e o cumprimento deles no NT.

4. O elemento eclesiológico da tipologia bíblica inclui três possíveis aspectos relacionados com os recipientes da obra e salvação de Cristo: a) o adorador individual, (b) a comunidade incorporada do concerto, e (c) os sacramentos da igreja. Em 1 Coríntios 10, todos estes aspectos estão presentes. As experiências do antigo Israel no deserto aconteceram tipologicamente (typikos), como tipos (typoi) do Israel escatológico, da igreja Cristã (vss. 6, 11) e dos sacramentos envolvidos (vss. 2-4) e de uma decisão pessoal de ser fi el ou desobediente (vss. 5-10). Os sacramentos são mencionados brevemente em Hebreus (cap. 6:2-4), porque a ênfase está no adorador individual (caps. 9:9, 14; 10:2, 14, 22) e na comunidade escatológica (caps. 10:8-13, 21; 12:22-24).

5. O elemento profético na tipologia bíblica também inclui três aspectos:

a) Os tipos do Antigo Testamento pontam adiante: eles são apresentações de antemão, ou prefi gurações das realidades do Novo Testamento correspondentes. Assim, em 1 Coríntios 10 é mostrada a experiência do antigo Israel no deserto, para ser uma prefiguração da experiência da igreja Cristã (vss. 6,11). Igualmente, em Hebreus 8 e 9, o Santuário Terrestre do Antigo Testamento é retratado

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como “uma cópia e sombra do Santuário celeste” (cap. 8:5, RSV), “uma sombra das coisas boas vindouras” (cap. 10:1, RSV).

Este aspecto da tipologia está em contraste com o simbolismo que, por si só, é uma representação eterna da verdade. Podem ser empregados símbolos como construindo blocos de tipologia, isto é, como símbolos tipológicos. Como por exemplo, um “cordeiro”, que na Escritura simboliza inocência, etc., mas, como parte do sistema sacrifical, aponta para o Cordeiro Messiânico de Deus.

b. Na relação tipológica há um desígnio divino no qual as realidades do Antigo Testamento são direcionados por Deus, até mesmo em detalhes específicos, para prefigurar as realidades do Novo Testamento, como Paulo afirma em 1 Cor 10:11 – “Agora todas estas coisas [eventos do Êxodo] aconteceram como exemplos – typikos – [e não só foram aplicados tipologicamente]”.

Paulo não está dizendo que os eventos podem ser agora vistos como typikos – como se eles se tornassem typoi como resultado de alguma ocorrência ou fator mais recentes. Ao invés disto, Paulo insiste que estes mesmos eventos foram acontecimentos typikos. A qualidade typoi dos eventos era inerente na ocorrência deles, e não inventada pelo historiógrafo do Pentateuco ou artifi cialmente atribuído a eles signifi cado “tipológico” por Paulo, o exegeta. O intento divino dos eventos claramente inclui a natureza typos do evento. Um desígnio providencial estava em operação, causando os eventos para acontecerem typikos. Os eventos do Antigo Testamento, enumerados por Paulo, não são apresentados agora como typoi, por causa da continuidade das ações e propósitos de Deus em todos os tempos, tão verdadeiro e fundamental quanto isto seja. Também está envolvido o Senhorio de Yahweh, moldando os detalhes sem igual da história (Davison, 268).

Este desígnio divino está implícito em todas as passagens de typos hermenêuticos, sendo especialmente claro com respeito a tipologia vertical (Santuário) como descrita em Hebreus (por exemplo, caps. 8:5, 6; 10:1).

O elemento do desígnio divino da tipologia está em contraste com a analogia humana natural que alguns têm (eu acredito erradamente, ou negligentemente) chamado de tipologia. Uma analogia é somente um uso especial de um comum e não sobrenatural modo de pensamento, parte do esforço universal do homem para

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entender fenômenos ao redor de si, com base em semelhanças estruturais ou analogias. Com a compreensão racionalista dos tipos como meras analogias. Gerhard von Rad poderia afi rmar que o número de tipos no AT é ilimitado. Porém, a Escritura mantém uma diferença entre analogia (um exercício meramente humano, descobrindo correspondências naturais) e um tipo (uma prefi guração divinamente ordenada).

c. As prefi gurações envolvem uma qualidade “assim deve ser” – que lhes dá a força de anúncios preditivos com seus cumprimentos no Novo Testamento. Isto é mais claramente ilustrado em Hebreus 8 e 9. Da mesma maneira que o sumo sacerdote terrestre oferecida ofertas e sacrifícios, assim “é necessário” [anagke] para este sumo sacerdote [Cristo] ter também algo que oferecer” (cap. 8:3, RSV). Novamente, como o Santuário terrestre era purifi cado, assim “deve acontecer” com a contraparte divina (cap. 9:23). Cristo reconheceu este componente “assim deve ser” da tipologia, como ele freqüentemente declarou que “é necessário [dei] para o Cristo. . .”

Resumindo a natureza da tipologia bíblica, nós podemos delinear isto deste modo: tipologia como um empreendimento hermenêutico do NT é o estudo das realidades históricas da salvação no AT ou dos “tipos” (pessoas, eventos, instituições), as quais Deus especifi camente designou para corresponder preditivamente aos aspectos de seus cumprimentos antitípicos intensifi cados (inaugurado, apropriado e consumado) na história da salvação no NT.

A natureza da tipologia bíblica fi ca, talvez, mais clara e mais bonita quando olhamos mais de perto a palavra “tipo” (typos), escolhida pelos escritores bíblicos. A palavra grega typos, em seu signifi cado etimológico básico, se refere a uma “forma”, provavelmente, a princípio, a uma “forma oca” ou “molde”. As características do typos, em sua denotação original (e continuada) de “molde oco”, são notavelmente adaptadas para abarcar e ilustrar a dinâmica da tipologia bíblica.

Por exemplo, nossa família tem um delicado molde de plástico para a produção de esculturas moldadas de pinguins de gelo. Quando nós desejamos adicionar um toque festivo ao nosso ponche, num encontro social, nós enchemos o buraco do molde de pingüim com a água destilada, o colocamos no congelador durante a noite. Depois disto, removemos o molde de plástico, e aí está uma cintilante escultura de pingüim de gelo, para ser colocada dentro da tigela de ponche. Agora note como as cinco características essenciais do nosso molde oco (um typos) ilustra os aspectos

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básicos da tipologia bíblica:

Primeiro, um typos de pingüim, ou o molde oco, é uma realidade concreta, não mais uma idéia abstrata. Igualmente, um tipo bíblico é uma realidade histórica concreta – uma pessoa, evento, ou instituição.

Em segundo lugar, o molde não é, em si mesmo, o original, mas foi moldado de um protótipo que existiu previamente, ou concretamente ou na mente do projetista. Assim o tipo bíblico foi “moldado” de acordo com um modelo divino prévio – existindo concretamente, como o Santuário Celeste original, ou na mente do Projetista. Assim também acontece com os tipos históricos do Antigo Testamento.

Em terceiro lugar, meu pingüim de plástico oco funciona como um molde para moldar o produto fi nal, quer dizer, a escultura de gelo. Assim, na tipologia bíblica, o tipo do Antigo Testamento serve para “moldar” o produto escatológico fi nal (o antitypos do Novo Testamento ou “antítipo”).

Em quarto lugar, o produto fi nal (a escultura de gelo) invariavelmente se ajusta aos contornos básicos do molde oco de pingüim. Igualmente, na tipologia bíblica, o cumprimento escatológico, o antítipo, se ajusta aos contornos básicos do tipo do Antigo Testamento.

Finalmente, o produto fi nal (a escultura de gelo) transcende o molde e cumpre o propósito para o qual o molde foi projetado. Da mesma maneira, o antítipo do Novo Testamento transcende o tipo do Antigo Testamento, cumprindo, assim, o propósito último para qual o tipo foi idealizado.

Controles Hermenêuticos

Desde a publicação de minha dissertação, eu tenho explorado, à luz dos dados bíblicos, as implicações hermenêuticas destes elementos característicos da tipologia, em uma tentativa de me ater aos possíveis controles textuais internos para a identifi cação e interpretação do typo bíblico. Minha compreensão atual é que cada uma das características da tipologia bíblicas aponta para um crucial controle hermenêutico dentro da Escritura. Em seguida, eu apresento um esboço de possíveis conclusões, relativas às implicações hermenêuticas de cada um, e talvez da mais controversa destas características – a característica profética da tipologia.

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Identifi cando os Tipos: O Controle Profético

Muitos estudos sobre tipologia bíblica começam com o testemunho do NT, assumindo que ele (NT) é a norma fi nal para indicar quais pessoas, eventos ou instituições são tipológicos. Esta era a abordagem do Bispo Herbert Marsh (1757 – 1839) e do Marshian School of Typology no começo do século dezenove. Era argumentado que os únicos tipos legítimos são aqueles identifi cados como tais no Novo Testamento (Para discussão, veja Davison, 36-37).

Mas o elemento profético da tipologia bíblica nos aponta para um quadro mais amplo. Como já vimos acima, esta característica profética da tipologia que tem constantemente emergido da exegese de passagens tipológicas do Novo Testamento (typos hermenêuticos) sublinha o indispensável propósito prospectivo-preditivo divino da natureza da tipologia bíblica, Os tipos apontam preditivamente/profeticamente adiante, para seus antítipos. Um dos resultados pessoais mais recompensadores de meu estudo da tipologia bíblica tem sido a compreensão de que nem Jesus, nem os escritores do NT veem um signifi cado tipológico no AT de maneira arbitrária, como frequentemente tem sido dito. Se elas tivessem feito isso, em minha visão, tipologia seria uma “eisegesis” ilegítima, lendo na Escritura o que lá não está. Mas os escritores do NT insistem no fato de que certas pessoas, eventos e instituições foram divinamente designados, desde o início, para servirem como prefi gurações profético-preditivas.

Em um resumo da discussão evangélica atual em tipologia, que apareceu em JETS, em 1997. W. Edward Glenny me creditou generosamente como provendo uma “inovadora” visão da tipologia, por enfatizar o elemento preditivo/ profético. Ainda que lisonjeado por esse tipo de atribuição de Glenny, em minha abordagem da tipologia, pessoalmente faço uma reivindicação bem mais modesta, dizendo que meu estudo exegético somente tem confi rmado e esboçado as consequências lógicas do entendimento clássico ou tradicional do assunto, como já tem sido exposto nos séculos passados por Patrick Fairbaim, Louis Berkhof, William /Mloorehead, Geerhardus Vos, Leonhard Goppelt, e outros que viram a tipologia como uma espécie de profecia e essencialmente preditiva.7

7 See Patrick Fairbairn, The Typology of Scripture, XXX; Louis Berk-hof, Principles of Biblical Interpretation: Sacred Hermeneutics cs (Grand Rapids: Baker. 1950), 145.

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Minha compreensão da tipologia como profético-preditiva também não é única dentro da mais recente e atual discussão evangélica. Por exemplo, Walter Kaiser, no seu livro The Uses of the Old Testament in the New (1985) argumenta que “tipos não podem ser lidos ‘para dentro’ ou ‘para trás’, no AT, à partir do NT, em algum tipo de eisegesis canonizada... A ligação ou homologia já começou no texto [do AT], e naquele sentido pertence à tradição textual e não à habilidade do intérprete ou a poderes imaginativos... Finalmente, tipos contêm uma característica prenunciadora “de nós” na Era Cristã. Eles não só são escritos “para nós”, como advertências e guias instrutivos, mas eles são “tipos de nós”, e, nesse, sentido, são preditivos”.

Novamente, O. K. Beale argumenta que o termo “cumprimento profético” não deveria se limitar somente às profecias verbais do Antigo Testamento, mas ser alargado para incluir a tipologia. Ele escreve:

Tipologia, portanto, indica o cumprimento da sombra profética indireta dos eventos, pessoas e instituições do Antigo Testamento em Cristo... É também estreita hermenêutica a que conclui que os escritores do Novo Testamento estão descontextualizados quando eles entendem passagens históricas ou dtxlaradamente de gênero não profético como tipologicamente proféticas... Se tipologia é classifi cada como parcialmente profética,então ela pode ser vista como um método de exegético, visto que que a corres-pondência do Novo Testamento deveria extrair retroativamente o signifi -cado profético mais amplo do tipo do Antigo Testamento que foi incluído originalmente pelo autor divino.8

Se realmente os tipos bíblicos são divinamente idealizados para servirem como prefi gurações prospectivas/preditivas, então, neste trabalho, estou somente sugerindo a consequência lógica desta posição: que alguma indicação da existência e qualidade preditiva dos vários tipos do AT já deveriam ocorrer no próprio AT, antes de seu cumprimento antitípico no NT. Caso contrário, não seria nenhum elemento preditivo. Assim, alguns indicadores textuais inerentes que

8 G.K. Beale. “Positive answer to the Question ‘Did Jesus and His Follow-ers Preach the Right Doctrine from the Wrong Texts? An Examination of the Pre-suppostions of Jesus’ and the Apostles’ Exegetical Method. in The Right Doctrine from the Wrong Texts? Essays on the Use of the Old Testament in the New. ed. G K. Beale (Grand Rapids: Baker. 1994), 396. 401.

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identifi cam os tipos do AT já deveriam nele aparecer.

Na reunião da Região do Centro Oeste da ETS, aqui em Nortwestern em 1999, eu fi quei encantado ao ouvir nosso atual presidente do Centro Oeste, Ardel Caneday, discorrer muito mais eloqüentemente que eu, nesta mesma implicação lógica em sua resposta ao trabalho de Herman Bateman: “Psalm 45:6-7 and Hebrews 1:5-13: An Exercise in Hermeneutics and Biblical Theology. Dr. Caneday insistiu que “deve haver uma autorização no próprio salmo para ler isto como ele [o autor de Hebreus) faz, ou seja, messianicamente. Se não, como pôde o autor ter persuadido seus primeiros leitores de que o Messias prometido e Filho de Davi é verdadeiramente Jesus? Sem uma autorização do próprio salmo, o autor de Hebreus difi cilmente poderia esperar nos convencer de que sua leitura está correta. Isto, me parece, deixaria o autor da Epístola aos Hebreus numa incerteza fi deística.

Dr. Caneday seguiu descrevendo sua visão de tipologia, a qual coincide com o que eu tenho discutido. Ele declarou:

(Bateman) afi rma que Hebreus 1:5-13 faz aplicação tipológico-profética do Salmo 45:6-7. Eu entendo que a tipologia funciona de maneira diferente. Primeiro, o termo ‘aplicação parece muito fraco. Não parece que Hebreus está meramente “aplicando” o Salmo 45:6-7 a um contexto novo. Parece evidente que Hebreus está “interpretando” o Salmo para se referir a Cristo como o Filho de Deus. Segundo, a mim me parece, que a designação “tipológico” deve ser um termo que corretamente se aplica ao primitivo texto do Salmo 45, especialmente se o adjetivo “profético” é unido a ele. Em outras palavras, o texto que tem “signifi cado tipológico” é o texto primitivo, que o signifi cado “tipológico” deve ser reconhecível naquele texto, sem impor a idéia do texto mais recente no texto mais antigo. Isto signifi ca que o Salmo 45:6-7 tem que ter uma autorização dentro dele mesmo que indique que ele possa ter uma função tipológico-profética. A função tipológico-profética do Salmo 45:6- 7 tem que derivar do próprio Salmo e não de Hebreus 1:5-13. Além disso, parece que o signifi cado tipológico de um salmo tem uma função profética e preditiva. Deveria ser evidente que Hebreus lê o Salmo 45 como tendo uma qualidade prediti va, agora cumprida no Filho que é o porta-voz de Deus para os último dias”.

O aspecto preditivo/profético da tipologia, enfatizado por Caneday, já era reconhecido em excelentes trabalhos sobre tipologia

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no século dezenove e meados do século vinte, e têm recebido signifi cativa atenção em recentes discussões, como nós notamos acima (Cf. Kaiser, The Uses of the OT in the New; Right Doctrine from the Wrong Texts). Mas a conseqüência natural e lógica de ver a tipologia como profético/preditiva, como mostrado por Caneday e discutida neste trabalho, não tem sido reconhecida e explorada amplamente, ou seja, que os tipos do AT referidos pelos escritores do NT, logicamente já deveriam ter sido identifi cados como tipológicos antes do cumprimento antitípico, dentro do próprio contexto do AT.

Tenho encontrado crescente evidência de que esta conclusão lógica é de fato a que nós encontramos na tipologia bíblica. Parece-me que nas Escrituras do AT Deus mostrou antes do tempo do cumprimento que pessoas, eventos ou instituições são tipológicas, e Jesus e os escritores do NT simplesmente anunciam o que já foi indicado com antecedência. Creio que este insight constitui o “elo perdido” em muitas discussões sobre tipologia bíblica e que há um controle Veterotestamentário que indentifi ca os tipos. transformando a tipologia bíblica de “inspiradas eisegesis” — que deixaria os autores bíblicos numa “incerteza fi deística” (para usar o termo de Caneday), em exegese sólida dos textos do AT.

Eu sugiro que o silencioso e prefi gurativo tipo do AT (pessoa, evento, instituição) está acompanhado (em seu contexto imediato e/ou em um pré-cumprimento profético posterior) por um indicador interno — uma garantia — como Caneday a chamou — mostrando sua natureza tipológica. Tenho encontrado que, pelo menos com respeito às pessoas, eventos e instituições do AT explicitamente rotulados como typoi pelo NT, e em todos os outros exemplos que eu examinei, que o indicador verbal é encontrado tanto no contexto imediato do tipo histórico quanto em um cumprimento posterior da profecia.

Tal padrão é mostrado, por exemplo, por Pedro e Paulo em seus sermões. registrados no livro de Atos, que lidam com Davi em relação à ressurreição de Jesus - ambos os apóstolos encontram evidência dentro das passagens do AT, apontando para o tipo Davídico do NT, ao Messias, e posterior evidência profética confi rma aquela interpretação (veja Atos 2:25-31,13:31-37: citando SI 16:8-11. SI 132:11,2 Sam 7:12-14, e is 55:3). (O exame destas passagens é um tópico para outro estudo)

O Quadro 3 (ver Apêndice) ilustra este padrão, e resume o material apresentado no restante deste estudo. A coluna do meio mostra os indicadores verbais do AT para a tipologia. Neste presente estudo, nós lidaremos principalmente com os primeiros quatro artigos que

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correspondem às quatro pessoas tipológicas, eventos e instituições que emergem da hermenêutica de textos Neotestamentários, isto é, Adão. o Dilúvio, o Êxodo e o Santuário. Nós mencionaremos outros exemplos na lista se o tempo o permitir.

Tipologia Adâmica

Já nos capítulos de abertura da Bíblia nós temos uma implicação da tipologia Adâmica. Quem ler Gn 1-3 no hebraico, se depara com um continuo jogo de palavras que envolve a palavra ‘adam (ou acompanhada de artigo - ha ‘adam). Em Gn 1:26-27 a palavra (uma vez com o artigo e uma vez sem) signifi ca -gênero humano” Em CM 2:18-23 ha’adam (com artigo) indica uma pessoa individual - o “homem”. Nos versos seguintes de Go 2 e abrindo os versos de Gn 3 não está claro se se deve traduzir o termo (com o artigo) como “homem” ou “Adão” (veja a diferença de tradução nas diferentes versões bíblicas modernas), mas em Gn 3:17 (sem o artigo) o vocábulo claramente constitui o nome próprio, Adão. Em Gn 5:1-2, a recapitulação da criação humana no começo da segunda seção principal do livro, o mesmo termo ‘adam (sem o artigo) denota ambos: o nome “Adão” (v.la) e o nome do “gênero humano-, incluindo macho e fêmea, (vs. 1b,2). Signifi cativamente, ao longo do resto da Escritura, ninguém mais é nomeado “Adão”.

Pelo uso do termo ‘adam nos capítulos de abertura do Gênesis, parece que este Adão é apresentado como o cabeça representativo do gênero humano”.9 Adão recebe o nome que também é o nome do gênero humano. Somente a Adão, na história da salvação do AT, é dado este nome. Adão - a pessoa - está em solidariedade corporativa com o ‘adam que é a humanidade como um todo.

Esta solidariedade indicada pela fl uidez de singular-coletivo do termo ‘adam também parece sublinhada por seu encadeamento etimológico explíci-to com “solo-. Em Gn 2:5,7 o termo ha’adam (uma vez com e uma vez sem o artigo) denota o ser humano que não é, em princípio, ainda apresentado para ser, então, formado do

9 Wellen White supports this interpretation of Adam’s position with re-gard to humanity. She writes. “Under God. Adam was to stand at the head of the human family...” (CT 33). “The Sabbath was committed to Adam, the father and representative of the whole human family.” (PP 48). To my knowledge. a careful study of Ellen White’s usage of the idea of corporative solidarity tias not yet been undertaken.

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“solo” (há’adamah). O encadeamento entre “humano”— há’adam e “solo” – há’hadamah destaca solidariedade corporativa. porque em Gn 2:6-7 “solo” se refere não só ao pó do qual Adão foi feito (vs. 7), mas também para a face inteira do solo terrestre (vs. 6; cf. Gn 7:23).)

Parece que a apresentação de Paulo de Adão como homem representante numa solidariedade corporativa com o gênero humano (Rm 5 e 1 Cor 15)10 , não só é um conceito do NT, mas já está presente no AT. em última instância, deriva& das páginas de abertura da Escritura.

A semente “corporativa” e a semente “representativa” da mulher em Gn 3:15.

Se Gn 1-3, em geral, nos apresenta Adão como o homem representativo em solidariedade corporativa com o gênero humano, Gn 3:15 apresenta, em particular, Aquele que deveria vir como a “Semente” representativa da mulher, e que estaria em solidariedade incorporada com a semente incorporada da mulher. Eu não discutirei aqui, em detalhes, a interpretação Messiânica de Gn 3:15, pois isto já foi feito em outro lugar.11 Mas é importante notar o movimento literário de paralelismo progressivo no vs. 15. Isto pode ser esquematizado como segue:

v. 15a serpente “tu” Singular mulher

v. 15b semente da serpente

Coletivo(Plural)

Semente da mulher

v. 15c serpente“tu” / “tua cabeça

Singular“Ele” / “Seu calcanhar”

10 The concept of corporate solidarity in these Pauline passages is widely recoganized. For a succinct and insightful summary of Paul’s usage, see e.g., C.H. Dodd, The epistle of Paul to the Romans (London: Hodder and Stoughton, 1954), 78-83; and Herman Ridderbos, Paul: An outline of his Theology (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1975). 57-64.

11 See especially Afolarin Ojewole, “The Seed in Gen 3:15,” doctoral dis-sertation, 2001; and O. Palmer Robertson, Christ of the Covenants (Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1980), 93-103.

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Tem sido geralmente reconhecido que a semente da serpente e a semente da mulher, mencionadas no vs. 15b, denotam um coletivo singular representando uma ideia plural. Enfatizada esta inimizade entre os descendentes espirituais de Eva e os descendentes espirituais da serpente ao longo dos primeiros capítulos de Genesis - os descendentes de Caim e os descendentes de Seth, entre os que deixam a presença do Senhor e os que invocam o Senhor (Gn 4:16.26), apresentados em duas listas genealógicas (Gn 4 e 5), e fi nalmente nos “fi lhos de Deus” e nas “fi lhas de homens” (Gn 6:1-3).

Mas o que é crucial notar em Gn 3:15 é o movimento da semente coletiva da serpente no vs. 15b, para o singular “tu” (a serpente) no vs. 15c. Como 0. Palmer Robertson observa, “para corresponder ao estreitamento da ‘semente’ para Satanás, no lado da inimizade, seria bastante apropriado esperar um estreitamento semelhante de uma “semente” múltipla da mulher para um singular Ele, que deveria ser o campeão da luta de Deus contra Satanás”.12

Os tradutores da LXX, ao traduzirem Gn 3:15, reconhceceram este estreitamento da “semente” coletiva para “semente” individual Messiânica. Em todo o livro de Genesis, so aqui eles quebram a regra fundamental da gramatica grega relativa a concordancia entre o pronome e seu antecedente. Considerando quo semente “sperma” é neutra em grego, o pronome que segue deveria ser neutro, mas os tradutores traduziram como autos, um masculino singular “Ele”. Aparentemente eles compreenderam a implicação Messianica da progressão literária do paralelismo hebraico.

Gn 3:15 prediz quo um dia a “Semente” individual em solidariedade com a semente corporativa de Eva esmagaria pessoalmente a cabeça da Serpente. Como representante do todo corporativo, Ele traria uma solução para o confl ito moral entre as sementes da mulher e da serpente. Gn 3:15, frequentemente chamado de Protoevangelho ou “Primeira Promessa Evangélica”, também implica os meios pelos quais esta vitória sobre a serpente aconteceria. 0 quadro é de um de um indivíduo masculino, com o pé nu, pisando voluntariamente a cabeça de uma serpente venenosa. E uma demonstração do sacrifício voluntário e vicário (substitutivo) de alguém em favor de muitos, para a destruição da serpernte. Esta demonstracão de sacrifício expiatór-io(substitutivo) é fortalecida e mais adiante iluminada em Gn 3:21, quando Deus faz túnicas de

12 Ibid.,99.

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peles para vestir Adão e Eva. Vê-se que a nudez deles era mais que nudez fi sica - embora eles estivessem usando folhas de fi gueira, eles ainda disseram a Deus que estavam “nus” (vs. 10). Era uma nudez espiritual de alma, culpabilidade – assim, a roupa era uma cobertua tanto fi sica quanto espiritual. A menção específi ca de peles implica o sacrifício de animais inocentes, especialmente no contexto de um sistema de sacrifícios queimados, mencionado justamente uns poucos versos adiante, no próximo capítulo (Gn 4:3-5).

Assim o reconhecimento de Paulo do Messias coma a nova Cabeça representativa da semente da mulher - o Segundo Adão, não é somente um conceito do NT, mas está no fi nal das contas, alicerçado em Gn 3:15. Assim, este Protoevangelho de Gn 3:15 (e em conexão com Gn 1-2) pode ser visto como o texto fundamental que apresenta a tipologia Adâmica.

Mas este Adão tipológico é exposto ainda mais explicitamente nos materiais canônicos mais recentes do AT. No Salmo 8, o inspirado salmista, sem dúvida, se refere historicamente a Adão quando escreve (vss. 4-8): “O que é o homem para que dele te lembres, e o fi lho do homem (ben’adam) para que o visites? Porque tu o fi zeste um pouco menor que os anjos, e o coroaste de gloria e de honra. Tu o fi zeste para ter domínio sabre as obras de tuas mãos. Tu puseste todas as coisas sob seus pés: ovelhas e bois, as bestas feras do campo, os pássaros do ar, e o peixe do mar que atravessa as sendas dos mares”. Esta é, claramente. uma alusão a dádiva divina do domínio a adão em Gn 1:28.

Deve-se perceber que a expressão usada para Adão, neste salmo, “fi lho do homem”, é especialmente empregada por Daniel como um título para o Futuro Messias, o Filho do Homem, que receberá o domínio escatológico sobre o reino deste mundo (Dan 7:13-14: “E eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do homem, e dirigiu-se ao Ancião de Dias... Foi-lhe dado domínio e glória, e o reino... e o seu reino jamais será destruído”. Este titulo é, por sua vez, retomado no NT por Jesus, como seu título messiânico por excelência. (Veja Mt 24:30; 26:64; Mc 13:26; 14:62; Lc 21:27: e numerosas outras passagens do NT). Hebreus posteriormente aponta para o reconhecimento do NT do Adão tipológico, presente no Salmo 8. Heb 2:6-8 cita o Salmo 8:4-6, apontando para o seu referente antitípico - o Messias: “Todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés. Ora. desde que lhe sujeitou todas as cousas, nada deixou fora do

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seu domínio. Agora, porém, ainda não vemos todas as cousas a ele sujeitas; vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo sido feito menor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento da morte, foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus, provasse a morte por todo homem” (vss.8-9).

O Jesus e os escritores do NT não leram arbitrariamente para trás, para o Adão tipológico do AT, mas, levando-se em conta o que nós vimos há pouco, simplesmente reconheceram e anunciaram o que já estava explícito o que já estava explícito no AT, tanto no contexto original da narrativa da criação, quanto nos pré-cumprimentos de passagens do AT. Com base nestes indicadores verbais já explicitados no AT, Paulo pode confi antemente falar, em Rm 5, de Adão como typos de Cristo, e nesta passagem, como também em 1 Cor 15, apontar as conexões tipológicas entre o primeiro e o último Adão.

Tipologia do Dilúvio

Vamos, agora, à tipologia do Dilúvio. Como era verdade com Adão, já há sugestões verbais na narrativa do Dilúvio de que este evento divino será visto tipologicamente.

Primeiro, revisemos os contornos teológicos principais da narrativa do Dilúvio. Quando Deus disse, “Resolvi dar fi m [qêts] a toda carne” (Gn. 6:13), dele introduziu o “escatológico” termo qêts, o qual, mais tarde, na Escritura, se tornou um termo técnico para o eschaton. O julgamento divino envolveu um período de provação (Gn. 6:3), seguido por uma investigação judicial (Gn. 6:5: “ o Senhor viu...”; Gn 6:13: “Eu resolvi...”; Cassuto 1964, 56-57), a sentença (Gn. 6:7) e sua execução ( o ato de trazer o Dilúvio, Gn. 7:11-24).

A narrativa do Dilúvio contém a primeira menção no cânon bíblico do motivo e da terminologia do remanescente, Gn. 7:23: “ somente Noé e os que estavam com ele na arca permaneceram [sha’ar]. O remanescente que sobreviveu à catástrofe cósmica do Dilúvio foi assim constituído por causa de sua correta relação de fé e obediência a Deus, e não por causa do capricho ou do favoritismo dos deuses, como nas histórias extra-bíblicas do Dilúvio no Antigo Oriente Próximo.

Graça Salvífi ca

A graça de Deus já é revelada do Dilúvio, nos 120 anos de

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provação concedidos ao mundo antediluviano (Gn. 6:3) e na orientação divina para a construção da arca para salvar aqueles que fossem fi éis a Ele (Gn. 6:14-21); e novamente depois do Dilúvio, em seu concerto/promessa de nunca mais destruir a terra por um dilúvio, embora a natureza humana permanecesse má (Gn. 8:20-22; 9:8-17).

Mas o coração teológico (e literário, quiástico) do relato do Dilúvio é encontrado na frase: “Deus se lembrou de Noé” (Gn. 8:1; Anderson 1978,38). A teologia da memória da Escritura não implica que Deus tinha literalmente se esquecido. O “lembrar” é agir para libertar (veja Êx 6:5). O posicionamento estrutural para a lembrança de Deus no centro da narrativa, indica que o ápice da narrativa da teologia do Dilúvio não é nenhum julgamento punitivo, mas divina graça salvífi ca.

Os numerosos paralelos temáticos e verbais entre os relatos da salvação de Noé e da libertação de Israel no Êxodo, revelam o intento do autor de enfatizar a semelhança deles (veja Sailhamer, 1990,89). Várias referências nos Salmos para a graciosa libertação divina dos justos, das “grandes águas” de tribulação, podem conter alusões ao Dilúvio do Gênesis (Sl. 18:16 [verso 17 na Bíblia Hebraica]; 69:2 [ verso 3 na Bíblia Hebraica]; 89:9 [ verso 10 na Bíblia Hebraica]; 93:3; e 124:4).

A natureza tipológica do relato do Dilúvio já está implícita em seu contexto imediato em Gênesis. Warren Gage, em seu instigante livro The Gospel in Genesis: Studies in Protology and Eschatology (1984, 7-16), mostrou como Gênesis 1-7 é apresentado pelo autor como um paradigma para a história do mundo. Na página. 16 ele resume as evidências que encontrou. Gage assinala como a reduplicação dos motivos em Gênesis somente aparece nas primeiras quatro narrativas (criação, homem, pecado, começo do renovado confl ito da semente). “A implicação do padrão de apresentação histórica em Gênesis requer a projeção da apostasia geral e julgamento cósmico para a profecia pós-diluviana, para satisfazer o padrão das narrativas paralelas” (pag.14).

À luz de um estudo de John Sailhamer da estrutura escatológica de todo o Pentateuco, a falta de um paralelo com a quinta narrativa da protologia (julgamento universal) fortemente implica que isto será cumprido “nos últimos dias”, no escatológico julgamento cósmico.

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Isaías provê um indicador verbal explícito de que o Dilúvio é um tipo de aliança escatológica (Is. 54:9), junto com as prováveis alusões à tipologia do Dilúvio em sua descrição da salvação escatológica de Israel (Is. 28:2: “uma tempestade de impetuosas águas que transbordam”; Is 43:2: “as águas... não te submergirão”; Is 54:8: “num ímpeto de indignação, escondi de ti a minha face...” e Is. 24:18 “as represas do alto se abrem”). Os profetas Naum (1:8) e Daniel (9:26) descrevem o julgamento escatológico em linguagem que provavelmente alude ao Dilúvio de Gênesis.

Os escritores do NT reconhecem a conexão tipológica entre o Dilúvio e escatologia que já havia sido apontada no AT. A Salvação de Noé e família na arca, através das águas do Dilúvio, encontram sua contraparte antitípica no NT, na salvação escatológica relacionada com o batismo de água (1 Pe. 3.18-22, veja Davison 1981, 316-336). O universal julgamento divino do Dilúvio de Gênesis é também reconhecido por Jesus e pelos escritores do NT, como um tipo do julgamento fi nal, universal e escatológico no fi m do mundo, e as condições da moralidade pré-diluviana são vistas como sinais para o tempo do fi m (Mt. 24:37-39; Lc 17:26-27; 2Pe. 2:5,9;3:5-7).

Como com Adão e a tipologia do Êxodo, a identifi cação do Dilúvio como um tipo não é lida arbitrariamente atrás no AT pelos escritores do NT, mas já no AT este evento é apresentado como prefi gurando seu antítipo escatológico.

Tipologia do Êxodo

Voltemos agora nossa atenção para a tipologia do Êxodo, especialmente destacado por Paulo em 1 Coríntios 10. É este motivo tipológico já indicado no AT? Uma dissertação inteira apareceu recentemente, por Friedbert Ninow, Indicators of Typology within the Old Testament: the Exodus Motif (P. Lang, 2001). O estudo de Ninow está construído sobre a acurada análise de John Sailhamer, em seu The Pentateuch as Narrative, (pág. 408). Sailhamer examina os quatro oráculos de Balaão, em Núm 22-24, mostrando como os dois primeiros (Números 23) apontam atrás, ao passado de Israel, enquanto os dois últimos (Números 24) focalizam no escatológico rei messiânico futuro. A distinção entre os dois jogos de oráculos já é aparente de suas introduções. Os primeiros dois oráculos são ambos introduzidos por uma simples declaração: “Então Balaão proferiu o seu oráculo” (Núm 23:7, 18); mas os últimos dois são ambos

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apresentados com uma referência elaborada adicional ao caráter visionário deles: “Então ele proferiu o seu oráculo: “oráculo de Balaão, fi lho de Beor, oráculo daquele cujos olhos vêem claramente, oráculo daquele que ouve as palavras de Deus, que vê uma visão do Todo-Poderoso, que cai prostrado e cujos olhos são abertos” (Núm 24:3, 15). Balaão sabe a história do passado, mas agora tem uma visão do futuro.

Sailhamer aponta muitos paralelos entre os dois jogos de oráculos, porém as porções paralelas mais notáveis têm a ver com o grande evento salvífi co do Êxodo. Em Núm23:22, Balaão diz do passado de Israel: “Deus os tirou [plural] do Egito; Ele tem força como um boi selvagem”. Mas em Núm 24:8, Balaão repete exatamente a mesma linha em hebraico, exceto que ele utiliza formas singulares, aplicando-as ao futuro rei, que tinha sido introduzido no vs. 7: “Deus O [singular] tirou do Egito. Ele tem força como um boi selvagem...” A identidade do “O” como rei conquistador é clarifi cada mais adiante nos vss. 8b-9, com a descrição da conquista dos inimigos dele, as nações (“Ele consumirá as nações, os inimigos dele...”). Seu caráter messiânico escatológico é certifi cado no quarto oráculo que segue imediatamente, depois de uma referência introdutória aos últimos dias (vs 14). No quarto oráculo o “Ele” (“O”) do terceiro oráculo é agora, inegavelmente, uma aplicação ao Messias: “Eu O vejo, mas não agora; eu o vejo, mas não de perto; uma estrela sairá de Jacó; um cetro subirá de Israel... e destruirá todos os fi lhos do tumulto”. (Vs. 17) Como reconhecido por muitos estudiosos evangélicos, esta é claramente uma predição do reinado escatológico do Messias e de sua vitória sobre as forças do mal.

O que emerge desta justaposição dos oráculos de Balaão é um retrato do Rei Messiânico que experimenta um novo Êxodo escatológico e recapitula em sua vida os eventos do Israel histórico em seu Êxodo do Egito e conquista dos seus inimigos.

Nós estamos agora prontos para examinar outra passagem poética encontrada em uma das conjunturas macro-estruturais do Pentateuco, isto é; Êxodo 15. Sailhamer não presta atenção a esta passagem quando examina outros fi lões poéticos do Pentateuco, possivelmente porque não contém a mesma frase escatológica “nos últimos dias”, como nas outras. Porém, Ninow mostra como Êxodo 15 e números 23-24 incluem um par de passagens poéticas com um motivo comum. Aquele motivo é o Êxodo. Êxodo 15 registra o Cântico

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de Moisés, que celebra o Êxodo de Israel do Egito e libertação dos inimigos do Mar Vermelho. Já em Êx 15, como Norbert Lohfi nk há muito tempo, e mais recentemente Ninow, demonstraram, o Êxodo está aberto para o futuro, com uma descrição de uma passagem segura futura de Israel pelo meio dos seus inimigos (vss. 14-17), em vez do esperado retrato da sua passagem pelo mar vermelho.

Este movimento de progressão no Cântico de Moisés encontra sua contraparte nos oráculos de Balaão, onde o Êxodo de Israel do Egito é visto como pre-fi gurando o Êxodo do rei Messiânico e a conquista dos inimigos dele. Assim, quando vistos juntos, o Cântico de Moisés (Êx 15) e os Oráculos de Balaão (Num 23-24) formam um par escatológico que destaca o papel do Messias no novo Êxodo escatológico.

Indo além do relato histórico do Êxodo de Israel do Egito, relatado no Pentateuco, nós encontramos nos Profetas numerosos indicadores proféticos verbais de que o Messias viria no contexto de um novo Êxodo e recapitularia em sua vida a experiência do antigo Israel no seu Êxodo, passando pelo mesmo terreno espiritual, mas tendo sucesso onde eles haviam falhado. (Veja, por exemplo, Is 11:15-16;35;40:3-5;41:17-20;42:14-16;43:1-3, 14-21; 48:20-21;49:8-12; 51:9-11; 52:3-6; 11-12; 55:12-13;Jer 16:14-15; 23:4-8: Os 2:14-15; 11:1; 12:9, 13; 13:4-5.). Estas passagens foram reconhecidas amplamente como apontando a um novo Êxodo escatológico no contexto do Messias. A dissertação de Ninow examina cuidadosamente, em detalhes, todos estes indicadores proféticos da tipologia do Êxodo no AT.

Com respeito aos eventos do Êxodo, nós podemos concluir, então, como acontece com a pessoa de Adão, de que os escritores do NT não estão projetando, arbitrariamente, sua interpretação tipológica sobre o AT, mas apenas reconhecendo o que o AT já havia indicado. A tipologia do Êxodo é verdadeiramente preditiva, com a autorização para interpretação tipológica já nas próprias passagens veterotestamentárias sobre o Êxodo.

Tipologia do Santuário

Vamos agora à tipologia do Santuário. Enquanto que as precedentes entidades tipológicas do AT consistiram em pessoas ou eventos, aqui nós temos um exemplo de uma instituição – o culto no

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AT. Com respeito à existência de um indicador de que o Santuário do AT é tipológico, este é o mais explícito typos de todas as passagens hermenêuticas do NT. Hebreus 8:5 cita diretamente um texto do AT, Êx 25:40, como apoio para a relação tipológica entre o Santuário terrestre e o celeste. Acertadamente, a LXX mesma traduz a palavra hebraica tabnit como typos ou tipo, fazendo um link inquestionável com a tipologia.

É signifi cativo que desde as primeiras instruções para sua construção, o Santuário é acompanhado com o indicador verbal de que é uma cópia tipológica do original celeste. Em Êx 25:8, Deus instruiu Moisés: “ E me farão um Santuário, para que eu possa habitar no meio deles”. No próximo verso (vc. 9) Deus continua: “Segundo tudo o que eu te mostrar para modelo [tabnit] de todos os seus móveis, assim mesmo o fareis”.

Em minha dissertação, eu faço um detalhada exegese desta passagem, e do verso 40, onde Deus repete suas instruções: “Vê, pois, que tudo faças segundo o modelo [tabnit] que te foi mostrado no monte”. Eu vejo que o termo hebraico tabnit, neste contexto, aponta claramente para uma relação tipológica entre o Santuário terreno e o celeste, como o autor de Hebreus corretamente reconhece. O Santuário terrestre é, em última instância, a cópia do original celeste. Esta interpretação é apoiada por alguns dados: 1) pelos contornos semânticos de tabnit (veja esp. 2 Rs 16:10,11); 2) o contexto visionário teofânico imediato de Êx 24; 3) pelos paralelos do AT; 4) pelos paralelos do antigo oriente próximo, e 5) pelas interpretações do judaísmo posterior (Apócrifos, Pseudepígrafos, fontes Rabínicas, e Philo).

Na mesma análise, eu mostro também as numerosas passagens posteriores do AT que fazem a conexão tipológica entre o Santuário terrestre e o Templo celeste: Sl 11:4; 18:6; 60:6; 63:2; 68:35; 96:6; 102:19;150:1; Is 6; Jn 2:7; Mq 1:2; Hab 2:20; etc.

Assim, está bastante claro que a tipologia do Santuário é realmente preditiva. Os escritores do NT simplesmente anunciam os encadeamentos tipológicos que já haviam sido manifestados no AT por meio de indicadores verbais, ambos no contexto imediato do livro do Êxodo, e em passagens proféticas posteriores.

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Outros Exemplos de Tipologia Bíblica

Moisés. Com respeito a pessoas, por exemplo, Moisés (número 5 no quadro 3 do Apêndice) é um tipo de Cristo, e isto já é revelado pelo próprio Moisés, em Dt 18:15-19. Os escritores do Novo Testamento anunciam o cumprimento de suas palavras divinamente inspiradas (veja Jo 1:21;6:114; 7:40; etc.).

Josué. Novamente, Josué (número 6 no quadro 3 do Apêndice) é um tipo de novo Josué, que conduziria seu povo para a Canaã celeste e lhes daria herança. (Eu tenho trabalhado isto no meu comentário do livro de Josué). Que evidência bíblica há no Antigo Testamento de que Josué é verdadeiramente apontado por Deus para ser um tipo de Jesus? A evidência já aparece no nome de Josué! Seu nome era originalmente Hoshea e signifi ca “salvação”. Mas em Núm 13:16, vemos que Moisés, aparentemente sob a direção de Deus, mudou-lhe o nome para Josué, “O Senhor [Yahweh] é salvação”. Uma mudança divina de nome na Escritura é uma chamada para olhar o signifi cado do nome mais de perto, e para o caráter e missão que o nome mudado revela. Nós, verdadeiramente, já encontramos isto com Abrão/Abraão (Gn 17-1-8), Sarai/Sara (Gn 17:15-19), e Jacó/Israel (Gn 32:22-32).

O nome Josué está à parte de todos os outros nomes que aparecem ao longo da Escritura. Olhe todo o Pentateuco, inclusive Gênesis, Êxodo, Levítico, e a primeira metade de Números. Não há nenhum nome como este dado a um homem até o tempo dele (embora muitos nomes semelhantes entram depois no registro bíblico). É o primeiro nome teofórico mencionado na Bíblia, quer dizer, o primeiro registro do nome divino (Yahweh) tornando-se parte de um nome humano. Parece não ser nenhum acidente que este tipo de nome divino-humano seja dado por Deus primeiramente para Josué, como uma sugestão da missão especial dEle, referindo-se este nome à união do homem e Deus. O nome enfatiza o “Emanuel – Deus conosco”!

Com nossa distinção inglesa [e também portuguesa] entre os nomes Josué e Jesus, é difícil atentar para a plena força do nome de Josué. Mas tanto no hebraico quanto no Grego, Josué e Jesus são um e o mesmo nome. Josué é o mesmo nome do Messias! Não parece coincidência que Deus inspirou Moisés a dar a Josué o mesmo nome reservado desde toda a eternidade para o Futuro Messias.

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O caráter sem igual da conexão de Josué com a missão do Filho de Deus também é dramaticamente revelado no Pentateuco, pela comparação do trabalho dado por Deus a Josué com o trabalho do Cristo pré-existente, o “Anjo do Senhor”. As descrições da missão de Josué e a do “Anjo do Senhor” contém numerosas expressões paralelas e usam exatamente as mesmas palavras hebraicas. Josué e o Anjo do Senhor “passaram adiante” e “foram adiante” de Israel e “os trouxeram para a terra” e “os fi zeram herda-la” (compare Êx: 23:23; Núm 27:17,21; Dt 3:28; 31:3,23;). As comparações são claras em sua mensagem: Josué está fazendo o mesmo trabalho que o Anjo do Senhor!

Com paralelos tão próximos da missão de Josué e do Anjo Divino – Cristo, não é sem importância a nota que o Senhor diz relativa ao Anjo: “Meu nome está nEle” (Êx: 23:21). Josué é o primeiro homem na Escritura a receber um nome teofórico, e o Anjo tem o nome divino nEle. Assim o nome do Messias é conectado com a pessoa de Josué.

O que é insinuado com respeito ao nome do primeiro Josué na Escritura, é feito de modo mais explícito com respeito ao Josué pós-exílico, mencionado pelo profeta Zacarias. A palavra do Senhor veio a Zacarias, dizendo: “Eis aqui o homem cujo nome é RENOVO” (Zc 6:12). O nome de Josué é comparado com o Messias – Renovo. Assim, o Antigo Testamento já identifi ca o nome do Futuro Messias como Josué-Jesus! E a deliberada identidade de nome e missão também indica que, no Antigo Testamento, Josué é um tipo do Josué do Novo Testamento – o Messias.

O Pentateuco dá um indicador profético adicional que Josué é um tipo de Cristo, nas declarações preditivas de Moisés, em Deuteronômio 18. Moisés, antes de sua morte, predisse ao povo de Israel que “O Senhor, teu Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás” (Dt 18:15). Moisés disse, então, que o Senhor lhe havia dado esta predição: “Suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a ti, e em cuja boca porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o que eu lhe ordenar” (Dt 18:18).

Da leitura dos paralelos entre o trabalho de Moisés e o de seu sucessor Josué (veja, por exemplo, Js 1:2-5; 3:7; 4:14), seria natural esperar que Josué fosse o profeta que fora predito por Moisés. Contudo, os versos fi nais do Deuteronômio – como o texto

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mesmo indica, foram, por inspiração, adicionados posteriormente, possivelmente por Esdras, rumo ao fi nal da história do Antigo Testamento13 - esclarecem que, embora Josué realmente fosse de fato o sucessor de Moisés, ele não era, no mais pleno sentido, um Profeta como Moisés, “com quem o Senhor tivesse tratado face a face” (Dt 34:10).

A implicação é que Josué cumpriu parcialmente a predição, mas seu cumprimento antitípico último ainda estava no futuro – na pessoa de Jesus, o Messias. Assim, a vida de Josué, como a de Moisés, tipologicamente prenunciaram o Futuro Messias. Isto está em paralelo com a profecia de Is 7:14, que teve um cumprimento parcial no fi lho de Isaías, mas aquele fi lho (Is 8: 1-3) era um tipo do último, antitípico Filho (Is 9:6), o Messias.14

Talvez o mais explícito indicador do Antigo Testamento de que Josué é um tipo do Messias, seja aquele encontrado em Is 49:8. Isaías registra a descrição divina do trabalho do futuro Messias: “Repartir [entre o povo de Deus] as herdades assoladas”. Aqui, Isaías usa a mesma expressão hebraica que nós encontramos repetidamente empregada para descrever o trabalho de Josué (veja Dt 31:7; Js 1:6; etc.) Assim, o escritor inspirado indica que Josué, em sua missão de fazer o antigo Israel herdar a terra de Canaã, é um tipo do Messias em seu trabalho de fazer o Israel espiritual herdar a antitípica terra de Canaã.

O que já é anunciado claramente no Antigo Testamento- que Josué é um tipo de Cristo, é verifi cado na proclamação do Novo Testamento, especialmente em Hebreus 4. Os versos 8-9 identifi cam a conexão tipológica: “pois, se Josué [“Jesus”,na KJV; tradução errônea, devido ao fato de que, em grego, os dois nomes são idênticos] lhes tivesse dado repouso, então ele [Deus] não teria falado posteriormente de outro dia. Resta, portanto, um repouso para o povo de Deus”. A comparação e contraste entre Josué e Jesus, aqui, indica como Jesus é o antitípico Josué, e se cumpre no antítipo o que só foi parcialmente cumprido no tipo.

13 See John Sailhamer, the Pentateuch as Narrative (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1992), pp. 478-479; idem.,class notes for the doctoral seminar in “Old Testament Interpretation: Inter-textuality,” Trinity Evangelical Divinity School, Fall 1993.

14 See Richard Davidson. “New Testament Use of the Old Testament,” Journal of the Adventist Theological Society 5/1 (1994): 17-19.

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Davi. Davi, (número 7 no quadro 3 do Apênce), em sua experiência de sofrimento e de reger como o Ungido, ou Messias, é um tipo do novo Davi, e isto já é indicado no Salmo 2.

Nas palavras do Salmo 2, ditas por Davi (Atos 4:25), há uma forte evidência de que o Ungido rei Davídico será considerado como um tipo do futuro Messias. O Salmo 2 se move do nível local da instalação terrestre do rei Davídico como o “fi lho” de Yahweh, para o nível cósmico do divino Filho, para que Ele [o Filho15] não se irrite, e não pereças no caminho, porque dentro em pouco se lhe infl amará a ira. Bem-aventurados todos os que Nele [no Filho] se refugiam” (Sl 2:12). A frase “obter refúgio em”, é, na escritura, reservada para a divindade, e então, o Filho do vs. 12 não é outro senão o Divino Filho de Deus.16 Este indicador tipológico interno no Salmo 2 estabelece o padrão para o remanescente do Salmo davídico: o meshiah davídico, ou o “Ungido, que é um tipo escatológico do Messias divino.

O que está implícito nos Salmos fi ca explícito nos profetas. Sob inspiração, numerosos profetas do AT predisseram que o Messias viria como o novo antitípico Davi e recapitularia em sua vida a experiência do primeiro Davi. Note as seguintes passagens: Jer 23:5; Ez 34:23; 37:24; Is 9:5,6,; 11:1-5; Os 3:5; Am 9:11; Zc 8:3; etc. Assim, os salmos davídicos relativos à experiência de Davi como o Ungido – isto é, seu sofrimento e sua realeza, são, já no AT, anunciados como tipos do Messias davídico futuro. Os escritores do NT e o próprio Jesus, ao citarem os salmos davídicos que apresentam o sofrimento e a realeza do Ungido, estão simplesmente anunciando

15 The most natural antecedent to the pronoun is the nearest noun, the Son, rather than Yahweh in the previous verse.

16 For a rich discussion of the NT Messianic fulfi llment of Psal 22 (sic), see especially Hans LaRondelle, Deliverance in the Psalms (Berrien Springs, MI: First Impressions, 1983), pp. 53-60.

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o cumprimento do que já foi indicado no AT.17

Jonas. O mesmo princípio se aplica a Jonas (número 8 no quadro 3 do Apêndice), que é um tipo do novo Jonas, que estaria 3 dias e três noites no sepulcro, seguido pela ressurreição, como o antigo Jonas (e também Israel) também teve uma experiência virtual de morte-ressurreição por três dias/noites.

Já na oração de Jonas, durante os três dias e noites no ventre do grande peixe, a linguagem virtual que o profeta emprega vai além de sua própria experiência literal. O que ele descreve é uma experiência virtual de morte-ressurreição: “do ventre do Sheol [sepulcro], eu gritei... os ferrolhos da terra correram sobre mim para sempre; contudo, fi zeste subir da cova [o sepulcro] a minha vida” (Jonas 2:2, 6).

Somente uns poucos anos depois da experiência de Jonas, enquanto a memória de sua “morte-ressureição” ainda estava vívida em Israel, seu contemporâneo do oitavo século, o profeta Oséias, parece fazer defi nida alusão a este evento. Os 6:1-3 se refere claramente ao cativeiro e restauração de Israel como uma “morte e “ressurreição” no “terceiro dia”18, paralela à experiência de Jonas. Não parece acidental que, no próximo capítulo, Oséias diga que Israel é “como yonah” (Keyonah, em hebraico, com yonah – o nome de Jonas, signifi cando “pomba”) “que vai para Assíria’ (Os 7:11). Outro paralelo interessante está em Os 8:8, onde Israel é descrito

17 Besides Psalms 2, 16 and 22 (the latter two discussed below), other Da-vidic psalms thus cited include: Ps 35:19 (John 15:25); Ps 40:6-8 (Heb 10:5-9); Ps 41:9 (John 13:18); Ps 69:4 (John 15:25), 9 (John 2:17; Rom15:3), 21 (Matt 27:34 and parallels); Ps 109:8 (Acts 1:20). Along with these psalms that are typologi-cally Messianic as they are fulfi lled in the New David, there is olso David’s refer-ence to the “son of man” (Ps 8: 3-8) alluding to Adam (Gen 1:26, 28), which in light of other OT references to the Messianic Son of man (Ps 80:17; Dan 7:13, 14), establishes the typological basis for Adam-Christ typology and the citation in Heb 2:6-9. Another Davidic psalm (Ps 68:18) describes the activity of Yahweh, which in light of the recognition already in the OT that the Angel of Yahweh is olso Yahweh (e.g., Gen 16: 7-13; 18:1; 2,33 ; 19:1; Gen 31:11-13; 32:24,30; 48:15-16-;Exod 3:2-7; Judg 13:17-22) and the NT identifi cation of Yahweh with Christ (e.g., John 8:58), is seen as referring to Christ in Eph 4:8. (Cf. The non-Davidic psalms similarly cited: Ps 97:7 [Heb 1:60] and Ps 102:25-27 [Heb 1:10-12].) Finally , there is the directly Messianic Davidic Psalm of Psalm 110, where the Lord (the Father] spoke unto David’s Lord [the Messiah]. This latter passage is faithfully exegeted in Matt 22:41-46 and Heb 5:5-11; 7: 11-27.

18 See Bertrand C. Pryce. “The Ressurection Motif in Hosea 5:8-6:6: Na Exegetical Study” ((Ph.d diss., Andrews University, 1989) for examination of the exegetical evidence for the death-ressurrection motif in this passage.

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como -tragado” (bala’, no hebraico) - a mesma palavra empregada por Jonas ao ser tragado pelo grande peixe (Jonas 1:17). Parece que, ao fazer estas alusões, Oséias pressente Israel como recapitulando a experiência de Jonas na experiência de sua “morte-ressurreição”. No contexto do mesmo oitavo-século A.C., Isaías claramente descreve o Messias como um novo Israel, como já vimos.19 Isaías revela que o Servo Messiânico representa e recapitula em sua vida a experiência do primeiro Israel, especialmente com respeito a sua morte e ressurreição.20

Assim, para resumir, Oséias indica que Israel é outro Jonas e experimenta uma “morte-ressurreição” no terceiro dia, e Isaías mostra que o Messias é o novo Israel que sofre uma “morte-ressurreição” como o primeiro Israel. Cabe a Jesus, o Mestre Exegeta, chamar atenção para estas conexões do AT entre o “servo” de Deus, Jonas (2 Rs 14:25), o servo Israel, e o Servo Messiânico. Com base nestas relações tipológicas apresentadas no AT, Jesus pode, confi antemente, proclamar o sinal de fonas: como Jonas esteve no ventre do grande peixe durante “três dias e três noites”21 , assim, o novo Jonas/Israel estaria no coração da terra e ressucitaria depois de três dias.

Também, aparentemente com base nestas conexões tipológicas do AT entre fonas. Israel e Jesus, foi possível a Paulo dizer que Cristo

19 “See above. our discussion of The New Israel/New Exodus theme as it related to the citation of Hos 11:1 in Matt 2:15.

20 In the Servant Songs of Isaiah 42-53, what is most striking is the frequent alternation between The corporate and the singular servant, with both individual and corporate servants described in The same language. In this way The prophet indicates that the Messianic Servant would be the New Israel. See H. H Rowley, Rowley. The Servant of the Lord and Other Essays (London: Lutterworth, 1952). for further discussion. For treatment of the death-resurrection motif with reference to the Messianic servant in Isaiah. sec cspecially Duane F. Lindsey. The Servant Songs: A Study in Isaiah (Chicago, IL: Moody Press. 1985).

21 “For discussion of the meaning of this phrase, and biblical evidence for inclusive reckoning, so that this expression indicates any part of three days, see SDABC, 5:248-251.

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“ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras”22 (1Co 15:4). Jesus e Paulo permanecem fi éis ao contexto veterotestamentário mais amplo da experiência de Jonas, e, com precisão, anunciam o cumprimento tipológico de Jonas/Israel, indicado pelos profetas do AT.

CONCLUSÃO/IMPLICAÇÕES

O elemento profético da tipologia nos aponta, assim, para um controle bíblico-interno na identifi cação da tipologia, antes que o tipo encontre o antítipo. Uma implicação crucial deste controle é que, não necessariamente, toda pessoa, evento ou instituição do AT foram divinamente designados para funcionar com um typos. Ninguém deveria dizer, como faz Gerhard von Rad, que o número de tipos do AT é ilimitado e onde quer que, retroativamente, alguém encontre correspondência de realidades históricas entre o AT e o NT, haja tipologia. A palavra tipologia não deveria ser comparada a uma analogia humana geral, como von Rad e outros proponentes da “neo-tipologia” pós-crítica têm reivindicado. Um tipo é uma realidade histórica específi ca que Deus tem divinamente ordenado para prefi gurar seu antítipo na história da salvação, e a identidade de cada typos é revelada por um indicador berbal que o acompanha.

Outra implicação deste controle profético que pode haver tipos veterotestamentários cujos cumprimentos antitípicos não foram indicados no NT. O NT se refere a numerosos tipos do AT, mas não reivindica esvaziar a lista de todos estes tipos. A exegese dos indicadores verbais do AT pode revelar realidades do Evangelho, provocadas por Ele. Um exemplo que vem imediatamente à mente é o de José, que pode ser visto como um tipo do Messias, em Gn 49 e Dt 33, cuja vida está, de diversas maneiras, em paralelo com a de Jesus. Contudo, não é explicitamente considerado um tipo pelos escritores do NT.

22 The third-day timing of the Messiah’s resurrection is also probaly indi-cated in the tipology of the wave sheaf in Leviticus 23. A sheaf of barley was to be waved “on the day after the sabath” of Passover week (Lev 23:11). If the sabath referred to here is the fi rst day of the Feast of Unleavened Bread (Nisan 15), then the wave sheaf would always be waved on Nisan 16, the third day from Nisan 14 when the Passover was celebrated. Paul recognizes that Jesus in his resurrection is the antitypical wave-sheaf, the fi rst-fruits of the coming harvest (1 Cor 15:20,23).

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Uma implicação fi nal que gostaria de mencionar, com respeito ao controle profético, é que o que é verdade na tipologia entre o AT e o NT também pode ser visto na tipologia interna do NT. Por exemplo, Mateus 24 parece indicar que a destruição de Jerusalém funciona como um typos da destruição fi nal do mundo, no segundo advento de Jesus. Neste caso, o indicador verbal do tipo e do antítipo no NT está presente na tipologia de Mt 24. Outra tipologia que aponta ao futuro é, especialmente, a encontrada no livro do Apocalipse.

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APÊNDICE

Quadro 1A Natureza da Tipologia Bíblica

Os Dois Principais Pontos de Vista Modernos

A visão Tradicional Visão da Neo-Tipologia Pós-Crítica

1. Enraizada em realidades históricas – a historicidade dos tipos é essencial.

1. A historicidade dos tipos não é essencial.

2. Suas prefi gurações são divinamente designadas.

2. Analogias e correspondências dentro dos modos similares da ação de Deus.

3. É prospectiva, profética e preditiva.

3.É retrospectiva – pouco ou nenhum elemento preditivo; baseada no corriqueiro modo humano de pensar analogicamente.

4. As prefi gurações se estendem a detalhes específi cos.

4. Envolve somente situações gerais paralelas.

5. Inclui tanto a tipologia vertical (terra/céu) quanto a horizontal (histórica).

5. Aceita somente correspondências horizontais e rejeita a tipologia vertical como vestígio do pensamento mitológico do Antigo Oriente Próximo, alienado da perspectiva bíblica.

6. Envolve princípios consistentes de interpretação.

6. Nenhuma sistematização ou ordem; baseada na liberdade do intérprete no Espírito.

7. Limitado número de tipos.

7. O número de tipos potenciais é ilimitado.

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Quadro 2Os elementos Básicos da Tipologia Bíblica

Por Richard M. DavisonAndrews University

1. O elemento histórico sublinha o fato que a tipologia está arraigada na história. Três aspectos cruciais estão envolvidos: (1) tipo e antítipo são realidades históricas (pessoas, eventos, instituições) cuja historicidade é assumida e essencial ao argumento tipológico; (2) há uma correspondência histórica entre tipo e antítipo que vai de situações gerais paralelas para detalhes correspondentes específi cos; (3) há uma gradação ou intensifi cação do tipo para o antítipo.

2. Os elementos escatológicos (“fi m-do-tempo”) da tipologia avança clarifi cando a natureza da correspondência histórica e intensifi cação entre tipo e antítipo. As realidades do Antigo Testamento não estão vinculadas a qualquer realidade semelhante, mas ao cumprimento escatológico delas. Três possíveis aspectos do cumprimento escatológico podem ser visto: (1) “inaugurado” – relacionado com o primeiro advento de Cristo; (2) “apropriado”- enfoca o tempo da igreja que vive em tensão entre o “já” e o “ainda não”; e (3) “consumado” – relacionado ao Apocalíptico Segundo Advento de Cristo.

3. O elemento Cristológico-(centrado em Cristo)- soteriológico (centrado na salvação) da tipologia bíblica destaca seu foco essencial e ponto principal. Os tipos do Antigo Testamento não são realidades meramente “nuas”, mas realidades salvífi cas, que encontram cumprimento na pessoa e obra de Cristo e/ou nas realidades do Evangelho causadas por Cristo. Cristo é, assim, o último ponto de orientação dos tipos do Antigo Testamento e o seu cumprimento no Novo.

4. O elemento eclesiológico (relacionado à igreja) da tipologia bíblica aponta para três possíveis aspectos da Igreja que podem estar envolvidos no cumprimento tipológico: os adoradores individuais, a comunidade incorporada, e/ou os sacramento (Batismo e a Ceia do

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Senhor).

5. O elemento profético da tipologia bíblica envolve três pontos essenciais. Primeiro, o tipo do Antigo Testamento é uma apresentação avançada ou prefi guração do antítipo correspondente do novo testamento. Segundo, o tipo é divinamente projetado para prefi gurar o antítipo do Novo Testamento, dando-lhe a força de um prenúncio profético/preditivo do seu cumprimento em o Novo Testamento.

Colocando tudo isto junto, a tipologia pode ser defi nida como um empenho hermenêutico por parte dos escritores do Novo Testamento como um estudo das realidades históricas da salvação no Antigo Testamento, ou dos “tipos” (pessoas, eventos, instituições) os quais Deus, especifi camente, projetou para corresponder e prefi gurar preditivamente os aspectos do seu cumprimento antítipo (inaugurado, apropriado, consumado) na história da salvação do Novo Testamento. Em suma, a visão tradicional da tipologia, e não a pós-crítica é corroborada pelos dados da Escritura.

Estes elementos característicos da tipologia bíblica emergiram de detalhada exegese das passagens do NT que usam typos ou antitypos para identifi car sua abordagem hermenêutica no AT: Rm 5:12-21; 1 Cor 10:1-13; 1 Pe 3; 18-22; Heb 8:5; e Heb 9:24. Para esta exegese, veja a dissertação publicada do autor, tipology in Scripture: A Study of Hermeneutical Typos Structures (Berrien Springs, MI: Andrews University Press, 1981).

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Quadro 3Interpretação tipológica do AT: Indicadores proféticos indicando os tipos.

TIPO DO AT (PESSOA, EVENTO,

INSTITUIÇÃO)

INDICADOR VERBAL DE TIPOLOGIA DO AT

ANÚNCIO DO ANTÍTIPO DO NT

1. Adão Gn 1-5 Contexto imediato: Gn 1:26-27; 2:5-7, 18:23; 3:15, 17; 5:1-2 (Solidariedade corporativa de Adão com “humanidade” e com a semente Messiânica) Indicadores posteriores no AT: Ps 8:4-8; Dn 7:13-14.

Adão AntítipoRom 5:12-21; 1 Co 15:21-22, 45-49; Heb 2:6-8; cf. Mt 24:30; 26:64; etc.

2.Dilúvio Gn 6-9

Novo julgamento/salvação cósmico

Contexto imediato: Gn 6:13; 7:23; 8:1 (ver Warren Gage, the Gospol in Genesis, pp. 7-16)

Indicadores posterioresNo AT: Is 24:18; 28:2; 43:2; 54:8-9; Na 1:8; Dn 9:26;

Antítipo do Dilúvio

1 Pe 3:18-21; cf. Mt 24:37-39; Lc 17:26-27; 2 Pe 2:5, 9; 3:5-7

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3. Êxodo Novo Êxodo Êxodo Antitípico

Êxodo-

Números

Contexto imediato: Ex 15:14-17; Nm 23-24 (esp. 23:22; 24:28, 14-17; ver John Saihamer, The Pentateuch as Narrative, 408)Indicadores posteriores no AT: Os 2:14-15; 12:9, 13; 13:4-5; Jr 23:4-8; 16:14-15; 31,32; Is 11: 15-16;35; 40:3-5; 41:17-20; 42:14-16; 43:1-3, 14:21; 48:20-21;49:8-12; 51:9-11; 52:3-6, 11-12; 55:12-13 (ver C. H. Dodd, According to the Sriptures, 75- 133; Friedbert Ninow, Indicators of Typology within the old testament: the Exodus Motif [Frankfort am Main, New York: P. Lang, 2001])

1 Co 10:1-13; cf. Mt 1-5; Lc 9:31; etc. (ver Davison, Typology in Scripture, 193-297; George Balentine, “The Concept of the New Exodus in the Gospels,” Th.D. dissertation, (1961)

4. Santuário Terrestre

Êxodo 25-40

Santuário Terrestre, uma cópia do Celeste

Contexto imediato: Ex 25:9, 40;

Indicadores posteriores no AT: Sl 11:4; 18:6, 60:8; 63:2; 68:35; 96:6; 102:19; 150:1; Is 6; Jn 2:7; Mq 1:2; Hab 2:20; etc (ver Davidson, Typology in Scripture, 367-388).

Santuário celeste Antítipico

Heb 8:5; 9:24; cf. Ap8:1-5; 11:19; 16:1; etc.

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5. Moisés Novo Moisés Moisés AntitípicoPentateuco Contexto imediato: Dt

18:15-19Outros indicadores no AT: Dt 34:10( A d i c i o n a d o provavelmente por Esdras; ver Sailhamer, The Pentateuch as Narrative, 456,478-9).

Jo 1:21; 6:14; 8:40; etc

6. Josué Novo Josué Josué Antitípico

O livro de Josué

Contexto imediato:

Contexto imediato: Ex 23:23; Num 13:8, 16; 27:17,21; Dt 3:28; 18:15-17; 31:3, 23; 34:10-12; Js 1:2-5; 3:7; 4:14 (Josué faz a mesma obra do Anjo do Senhor, e de Moisés, mas, claramente, não é o novo Moisés)

Indicadores posteriores no AT: Is 49:8 ( o Messias faz a mesma obra como a de Josué em Dt 3:1-7; Js 1:6); veja Davidson, in the Footsteps of Joshua, 24-35

Hb 4; cf. Mt 11:28; Ef 1:11, 14, 18; Cl 2:15; 3:24; Heb 1:4, 9:15; 12:22-24.

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A Natureza [e Identidade] da Tipologia Biblica... 99

7. Davi Novo Davi Davi Antítipico

Os Salmos Contexto imediato: Sl 2 (esp. vs. 12); 16:8-11; 22; 40: 6-8; etc. ( a linguagem ultrapassa o Davi histórico)

Indicadores posteriores no AT: Jr 23:5; Ez 34:23; 37:24; Daniel 9:26 (Ecoando Sl 22:11)

Mt 1: 1-18 (é o número gemátrico de Davi); Jo 19:24; At 2:29-33; 13:31-37; Hb 1:5; 5:5; 10:5-9; etc.

8. Jonas Novo Jonas Jonas AntítipoO livro de Jonas

Contexto imediato de Jonas: Jn 1:17; 2:2, 6 (linguagem de morte ressurreição, dias/noites; descrição que ultrapassa o Jonas histórico)

Indicadores posteriores no AT: Os 6:1-3 (experiência da morte – ressurreição de Israel, terceiro dia); Os 7:11 (Israel é como uma tola “yonah” [pomba]; Is 41-53 ( O Messias apresenta e recapitula a experiência de Israel, especialmente na morte-ressurreição) Is 41:8; 42:1; 44:1; 49:3-6; 52:13-53: 11; etc.); ver davison, “NT Use of OT”, 29-30.

Mt 12:39-41; 16:4; Lc 11:29-32;

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BRAZILIAN RELIGIOUS SYNCRETISNI AND

THE DEVELOPMENT OFAFRO-BRAZILIAN

SPIRITUALITY

Tania M. L. Torres.1

Abstract

This is the fi rst one of a series of three articles that will indicate

how a rather intense “mystical culture” of African origin, as expressed

in the lyrics of Afro-Brazilian songs, is little by little subverting The

Catholic element predominant up to this moment in Brazil, thus becoming

the main religious stratum for Brazilian spirituality. The whole series

points to the fact that the growth of Brazilian spiritualism is an attempt at

unifying Brazil’s heterogeneous population. In order to accomplish this

goal. the author pays close attention to some quite diverse aspects of Afro-

Braziliam spirituality. In this fi rst article, she describes Brazilian religious

syncretism and the development of Afro-Brazilian spirituality; in the next

article, she Will show how Afro-Brazilian Music appropriates expressions

from Catholicism and uses them to refer to Afro-Brazilian spirituality;

and, fi nally, in the last article, she will to the way Afro-Brazilian Music

integrates Catholic saints into the pantheon of Afro-Brazilian gods.

Resumo

Este artigo é o primeiro de uma série de três que demonstrará como

uma “cultura mística” bastante intensa de origem africana, como expressa

na música afro-brasileira, está gradativamente subvertendo o elemento

católico até hoje predominante no Brasil e assim se tomando o principal

veículo para a expressão da espiritualidade brasileira. A série como um

todo postula também que este crescimento da espiritualidade brasileira é

uma tentativa de unifi car a população extremamente heterogênea do país.

Para tanto, a autora se atém a aspectos bem diversos da espiritualidade

afro-brasileira. Neste primeiro artigo ela descreve o sincretismo religioso

brasileiro e o desenvolvimento da espiritualidade afro-brasileira; no

segundo artigo, ela mostrará como a música afro-brasileira se apropria de

expressões do catolicismo; e, fi nalmente, no último artigo, ela mostrará

como a música afro-brasileira integra os santos católicos ao panteão dos

deuses afro-brasileiros.

1 Tania Torres tem Mestrado em Estudos Latino-Americanos, pela Univer-sidade do Texas (2002), e é professora de Sociologia no SALT/IAENE.

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Brazil is often referred to as the largest Catholic country on Earth. However, recent scholarship has correctly come to the conclusion that this is just a stereotype.2 Even though it is true that Catholicism is the predominant religion in many states of this continental country; it is olso true that Catholicism is often but an empty label. In fact, to say that Brazilians are devotees to Catholicism does not say much about them, since the meaning of Catholicism for a Brazilian is not the same as for Catholics from different parts of the world. As it happens in Guatemala, where Catholicism blends whit Mayan animism, Brazil is an essentially syncretistic nation, an religious activity there privileges apparently opposing spiritual ideologies. I use the term “apparently” because, as anthropologists have shown, there are always simple logical principles underlying syncretism.3

In the 1949s, Brazilian ethnographer Gonçalves Fernandes said- in a rather biased way- that the Brazilian concern for the supernatural was a disaggregating force that favored the surfacing of behavioral disturbances.4 In a way, there is far from the truth. It is accurate that when a Brazilian says that he/she is a Catholic, he/she does not mean that he/she does not mean that he/she is only a Catholic mass on Sunday and to be involved in voodoo rituals on the other days of the week.5 However, it seems that Fernandes’ contention is excessively

2 Luiz Paulo Horta, Sagrado e profano: XI retratos de um Brasil no fi m de século (Rio de Janeiro: Agir, 1994), foreword.

3 Cf. Edmund R. Leach, Pulleyar and the Lord Buddha: Na Aspecto f Reli-gious Syncretism in Ceylon, in William A. Lessa & Evon Z. Vogt (eds), Reader in Comparative Religion: An Anthropological Approach (New york:Harper & Row, 1965), 302-13.

4 Gonçalves Fernandes, O sincretismo religioso no Brasil: Seitas, cultos, cerimônias e práticas religiosas e mágico-curativas entre as populações brasi-leiras (Curitiba: Guaíra, 1941), 150. For a refutation of his thesis and an explana-tion of the ideology of racial repression against the Afro-Brazilian cults, see Julio Braga, Na gamela do feitiço: repressão e resistência nos candomblés da Bahia (Salvador: EDIFBA, 1995).

5 Sérgio Macedo describes, for instance, the syncretism that accompanies the famous washing of the Bonfi n church, in Salvador, in December. According to him, the priestesses of the African gods (the so called (mães de santo) spend the night dressed in their priestly garments offi ciating their African rits, and then, when morning breaks, they bring colorful jars fi led with sacred water in order to wash the Bonfi m church. After washing this worldly famous Catholic temple, they attend “a Catholic mass, under the leadership of a Catholic priest.” Sergio Macedo, Formação do Brasil (Rio janeiro: Record, no date). P. 31. According to professor Eliane Moura Silva, from the University of Campinas, ofi cial statistics presente Brazil as a Catholic country, but there is far from the truth, Brasilians easily take

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unsympathetic. Brazil has today the second largest black population of any country in the world,6 and it is my purpose here to indicate how a rather intense “mystical culture” of African origin, as expressed in the lyrics of Afro-Brazilian songs, is little by little subverting the Catholic element predominant up to this moment, thus becoming the main religious stratum for Brazilian spirituality without involving any of Fernandes’ alleged disaggregating forces. Rather, on the contrary, it seems, as we shall see, that the growth of Braziliam spiritualism is an attempt at unifying Brazil’s heterogeneous population. So, in order to accomplish this goal, I will pay close attention to some quite diverse aspects of Afro- Brasilia spirituality: I will describe Brazilian religious syncretism and the development of Afro-Brasilian spirituality; I will show how Afro-Brazilian Music appropriates expression from Catholicism and uses them to refer to Afro-Brasilian spirituality, and, fi nally, I will point to the way Afro-Brazilian Music integrates Catholic saints into the pantheon of Afro-Brazilian gods.

My suggestion is that Afro-Brazilian music is an important means by which Afro-Brasilian spiritualy is enforced in Brazil. Of course music and religion are directly related in all cultures, but in some rituals, such as the Afro-Brasilian candomblé, “music and dance become the main vehicle of religious fulfi llment and, therefore, are fully integrated within the social organization of those religions.”7 In fact, the musical vocation of blacks in Brazil was perceived as early as 1610 sugar magnate João Furtado de Mendonça (Who had been governor of Angola in 1594-1602), maintained a private orchestra and choir of black slaves supervised by a French musician and “making music day and night.”8Evidently, Afro-Brazilian music followed the path of musical heritages in other Latin American countries as far as its major themes are concerned: religion, fi rst; love, second;

part in diferente rituals that belong to diferente religions without any ideological confl icts whatsoever. Religions and Spiritist Literature in Brasil, Brown-Bag Lec-ture at the University of Texas at Austin in commemoration of Brazil’s 500 years since the beginning of the Portuguese settlement, 04/11/200.

6 Cf. George Reid Andrew, Blacks & whites in São Paulo, 1888-1988 (Madison: University of Wisconsin Press, 1991), 3.

7 Gerard Béhage, “patterns of candomblé Music Performance: An Afro-Brazilian Religious Setting”, in ________(ed). Performance Practice: Ethnomusi-cological Perspectives (Westport, Connecticut: Greenwood, 1984), 223.

8 Cf. Peter Freyer, Rhythms of Resistense: African Musical Heritage in Brazil (London: Pluto, 2000), 134.

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nationalism, third.9 Especially during colonial times, it was basically a utilitarian form of music intended mainly to reinforce ideologies and only secondarily to promote leisure an fun.10

The fact that contemporary Afro-Brazilian music is still

committed a pervasive spiritualistic element is all the more

surprising because present-day Brazilian music in general has been

vigorously fi ghting intrusive foreign elements. Although Afro-

Brazilian music has actually been affected by foreign rhythms and

other alien components, its lyrics seems more than ever obligated to

a spiritualistic content.11

Religious syncretism began very early in Brazil. In fact, it started during the time of Portuguese settlement and the slave traffi c.12 Amerindians were found to decline rapidly under the working conditions the Portuguese imposed on them, so the colonists had recourse to Africans, the fi rst of whom may have been landed in Brazil as early as 1532.13 Because the slave system was particularly harsh in Brazil, “a constant suplly of slaves from Africa was necessary to compensate for the losses due to high mortality rates.”14 The Portuguese did not possess, at that time, any mining technology and, therefore, they opted

9 Mario de Andrade, “Evolución Social de la música brasileña.” In: Zoila García Gómez (ed), Musicologia em Latinoamérica (la Habana: Arte y Literatura, 1985), 141.

10 Cf. José Maria Neves, música contemporânea brasileira (São Paulo: Ri-corde Brasileira, 1981), 14-5

11 Neves (p.13) so describes this tension between nationalism and foreign infl uence: “Como em todo o mundo, a música brasileira de hoje refl ete o dilemma dilacerante entre o nacional e o internacional, entre a busca de expressão da reali-dade sócio-cultural de um determinado povo e a adesão a formas de expressão de maior alcance internacional e não necessariamente comprometidas nas lutas pela autodeterminação artística e cultural de uma comunidade particular. Esta preocu-pação em forjar linguagens características nacionais, que refl etiam a realidade de um povo e que, ao mesmo tempo, sejam imediatamente compreensíveis por este mesmo povo é, na verdade, a grande meta do nacionalismo”.

12 Slave traffi c to Brazil occurred from about 1538 to 1850.13 Cf. A.J.R. Russel-wood, “black and Mulatto Brotherhoods in Colonial

Brazil: A Study in Collective Behaviour,” Hispanic American Historical Review 15 (1974) 576. Robert Edgar Conrad, World of Sorrow: The Atlantic Slave Trade to Brazil (Baton Rouge: Louisiana State University Press, 1986), 192, suggests an even earlier date: 1525.

14 Charles H. Wood & J.A Magno de Carvalho, The demography of In-equality in Brazil (Cambridge: CUP, 1988), p. 140.

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initially for the agricultural exploitation of Brazil;15 besides, they saw the African slaves as especially fi t for that task. Another important contributing factor for the demand for Negro slaves was the Jesuits’ opposition to the enslavement of the Amerindians. The kings of Spain and Portugal supported the Society of Jesus’ stand, whereas neither

the Society nor the crown raised any objection against Negro slavery.

Over the centuries, Brazil received perhaps ten times as many Africans as the North American colonies. Curtin estimates that the total number of Africans transported to Brazil, over a period of 350 years, came to about 3,600,000.16 Fryer quotes the poet Robert Southey (1774-1843) as saying that the black population in Bahia was so numerous that a traveler might have supposed himself in Negroland.17

From the 1690s Africans were working not only on the sugar plantations and in the sugar mills but olso in the gold and- later – diamond mines of Minas Gerais. Towards the end of the colonial period (i.e. before 1822) they were working on the expanding coffee plantations of São Paulo and Rio de Janeiro, too. Details are sparse because many documents relating to the slave trade were destroyed by government decree in 1890-1891.18

15 Cf. Luis Alvares Barriga, “Advertências”., ABNRJ 69 (1950), 241.16 Philip D. Curtin, The Atlantic Slave Trade: A census (Milwaukee: Uni-

versity of Milwaukee Press, 1969), 49. Conrad (p.192) estimates a higher fi gure: 5,000,000. Boxer gives a vivid description of the way Portuguese slave traders worked in Africa: “Slaves were obtained by the Portuguese in various ways, by war, by tribute, or by barter. Under normally peaceful conditions, slaving agents called pombeiros or pumbeiros (from a native word meaning ‘hawker’) roamed the interior regions, purchasing slaves from the local chieftains and taking them to Luanda for transportation to Brazil”. C.R. Boxer, Salvador de Sá and the Struggle for Brazil and Angola: 1602-1686 (London: Athlone Press, 1952), 229. Of course, a great part of the slaves died in the process of being shipped to Brazil because of the extreme conditions to which they were subjected in the transport ships – popu-lary known as “tumbeiros” (“coffi n-bearers” or “undertakers”). Despite this fact, the Portuguese had a relatively high reputation as effi cient slavers among theirs foreign competitors. Cf. Boxer, 231.

17 Freyer, 6.18 Cf. Melville J. Herskovits, The myth of the Negro Past (New York:

Harper & Brothers, 1941). Rui de Oliveira Barbosa (1849-1923), Minister of the Treasury, states, in his decree (dated 12/14/1890) that “the Republic is compelled to destroy these vestiges for the honour of the Fatherland”. The full texto of the decree is given in Francelino S. Piauí, O negro na cultura brasileira ( campinas, São Paulo: publicaçoes da Academia Campinense de Letra, 1974), p.8.

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Notwithstanding the large infl ux of Negroes, Lhe Portuguese brought slaves from different places in Africa to only a few places in Brazil. Slaves came from Nigeria, Benin (formerly Dahomey). Ghana. Ivory Coast, and northern Africa (Sudanese Tribes) to Bahia.19 From Angola, Congo and Mozambique (Bantu Tribes), slaves were brought to the states of Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco and Maranhão.20 This explains why there is such a diversity of African-related cults in Bahia: this state received slaves coming from different “African nations”.21 However, the religious interchanges between the different African tribes. slave-owners, and Indians started slowly. Geographical and racial isolation not only hindered the process of religious syncretism at fi rst, but it is also responsible for the concept of “nation” specifi city that prevails even today in candomblé cults.22 In fact, the principal Brazilian settlements, Salvador, Olinda and Rio de Janeiro, were initially more villages in comparison with Mexico City, Lima, and Potosí. Nor did the trade-guilds in Brazil ever achieve a status comparable to those of Peru in the colonial period. According Boxer, this may have been partly due to the fact that Brazil, even more than Spanish America depended on slave labor for its existence.”23

Syncretism became more and more intense as the process of acculturation went on. Carneiro has identifi ed over one hundred different candomblé cults in the state of Bahia alone.24 Only more recently syncretism fi nally developed into a distinctive set of religious practices. Olga Cacciatore, Chief of the Museu de Artes e Tradições Populares, in Braxil, explains that the development of an

19 For a detailed description of The slave traffi c to Bahia. see Pierre Verg-er. Fluxo e refl uxo do tráfi co de escravos entre o Golfo de Benin e a Bahia de Todos os Santos: Dos Séculos XVII a XIX (São Paulo: Corrupio, 1987). See also_______,Bahia and the West African Trade: 1549-1851 (Oshogbo, Nigeria: Ibadan University Press. 1964).

20 Carneiro says that The internal traffi c mingled the different African na-tions, but that one can say that just before the abolition of slavery in Brazil. The Bantu Negro continued to work in farms whereas thc Sudanese had become urban slaves.” Edison Carneiro, Candomblés da Bahia (Rio de Janeiro: Civilização Bra-sileira, 1977), 50- 1.

21 Salvador was the fi rst capital of the country it was a natural choice for slave traffi c.

22 VivaIdo da Costa Lima. “O Conceito de ‘Nação’ nos candomblés da Bahia,” Afro-Ásia (1976:12) 65-90.

23 Boxer, 12. 24 Cf. Carneiro, 51-3.

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Afro-Brazilian religious system was a multifaceted phenomenon.25 According to her, the development of an Afro-Brazilian religious system is comprised of fi ve phases. The fi rst phase is called candomblé the imposition of the nagô culture from Nigeria upon the other tribes.26 The second phase was the pajelança, the period in which the Africans adopted some Indian and European rituals. The third phase was the macumba, an incorporation of elements from sorcery.27 ‘The fourth phase called quimbanda occurred mainly in Rio de Janeiro, being characterized by a the absorption of diverse elements from Kardecism Catholicism and Occultism.28 Finally, the most recent phase is the umbanda., which is characterized by a return to the more primitive elements of candomblé and by a widespread diffusion of its infl uence in the country29. Therefore, the very style of slave traffi c, which the Portuguese adopted, promoted religious syncretism in Brazil because the settlers took African groups of diverse origin to the same places in Brazil.

The development of Afro-Brazilian spirituality is to be perceived alongside the different labels the movement took on. The existence of these different phases shows two important syncretistic characteristics: a vigorous; tendency to incorporate foreign elements, and a strong tendency to preserve the core elements of African mysticism.

Bastide, who has some interest in Lhe geogaphy of African religions in Brazil, has developed a system for classifying them according to their geographical occurrence.30 While Cacciatore’s

25 Olga Cacciatore, Dicionário de Cultos Afro-Brasileiros (Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1977), p. 23.

26 For a full acconunt of this process, see Carneiro, p. 16-19. In fact, the nagô tribe from de Sudanese nation “became the intellectual leaders of the black population in the city [Salvador],” p.51.

27 Cf. Fernandes, p. 95-118.28 Fernandes, p.95-118.29 For a full account of this process, see João Camillo de Oliveira Torres,

História das idéias religiosas no Brasil (São Paulo: Grijaldo, 1968). p. 285-6. NB: Others defi ne these forms differently.

30 Roger Bastide taught sociology for 17 years at the University of Sao Paulo. His interest for the black people of Brazil was so intense that his MOUP be-came Africanas sum: (“I am one of The African brothers”). His book covers four main areas of research: the description and interpretation of Afro- Brazilian reli-gion; conneetions between structure and value, religion and ideology; empirical and theoretical concans; and fi nally, The discussion of a Marxist’s thesis: religion is a man’s sigh under oppression. Roger Bastide, As religiões africanas no Brasil:

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taxonomy derived from a a histórical perspective, Bastide’s emphasizes geographical distribution. Bastide argues that a better appreciation of Afro-Brazilian religion requires a more complete understanding of the role played by the Indian element in its development and geographical distribution. That is why his fi rst geographical grouping includes Pará, Piauí and the states located in the Amazon jungle, where the Indian presence has been more striking. According to him, pajelança (Pará and Amazônia), encantamento (Piauí) and catimbó (elsewhere) became different names for the religion of Brazilian Indians. Initially called santidade, The movement started as a reaction against the catechism of the Jesuits, and then became a syncretistic combination of elements: the church, the cross, the rosary, and processions (from Catholicism), and polygamy, stone idols, dances, and tobacco (from Indian cults). The movement had a strong millenarian emphasis due to indigenous resentment against the European conqueror. This movement changed into modern catimbó due to The persecution by the Inquisition (1591-2), retaining its emphasis upon tobacco ecstasies.

The contrasts between catimbó (Indian) and candomblé (African religion) are many: candomblé gods are organized as families (The deities are related by blood), catimbó gods are organized as nations (geographical distribution without blood ties): candomblé participant can incorporate only one god, catimbó participants can incorporate many gods; candomblé summons its gods with dances, catimbó summons them without choreography; candomblé singing is collective, catimbó singing is individual; candomblé is performed in verandas; catimbó, in living-rooms; candomblé does not require intoxication; catimbó does (generaly by means of tobacco, alcohol and jurema, a narcorie); candomblé is performed with atabaques; catimbó, with maracas. However, there are contacts between catimbó and candomblé as well: people can incorporate gods who change their personalities and both catimbó and candomblé gods are summoned by singing. In fact, Brazilian blacks are said to have cultivated the catimbó ecstasy to the point that they gained power over the Indian spirits.

Contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações (São Paulo: Pio-neira, 1960).

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Bastide’s second area for the geographical distribution of Afro-Brazilian religions includes the State of Maranhão, the so-called “crossroad of Brazilian religions.” The state has long been an “island” of African resistance in Brazil with strone Daomean infl uence. It is the seat of a syncretistic eombination of candomblé and catimbó: “fraternity in misery,” a case of racial miscegenation leading to ethnic solidarity. However, the African element there is increasing, while the Indian element is decreasing.

Bastide’s third geographical area is the region of xangô or candomblé, which includes the Brazilian Northeast, from Pernambuco to Bahia. it is the area of Ioruba infi uence. Xangô and candomblé were names given by the white man (The former is the name of their main deity, the latter is the name of their dance), but the nomenclature refl ects differences in economic level. In fact, dancing was a smoke screen for the slaves to perform their religious rituals. Xangô and candomblé have the same basic structure: early morning sacrifi ces of animals (The so-called “despacho”), invocation of deities in a fi xed order, ecstasy, communal meal and farewell singing.

The last two regions are only discussed superfi cially. Bastide identifi es Central Brazil as the area where the replacement of candomblé by macumba and umbanda is taking place due to the urban development of that region. Finally, the State of Rio Grande do Sul has been identifi ed as the area where the Afro-Brazilian modality known as batuque has predominated.

Afro-Brazilian spirituality has thus become a sort of cultural synthesis of the African world. However, a new component has recently become a major part of Afro-Brazilian spirituality. Espiritismo (white spiritualism) has come to exert an increasing infl uence over it. In fact, Espiritismo was introduced early into Brazil - around 1863 - but only more recently it has become a viable alternative for black spirituality. Its fi rst phase opposed Catholicism, and was initially successful among the intellectuals. Then it took different forms and reached the lower classes (Baixo Espiritismo): Indians, blacks and their descendants. it became widespread as Kardecismo (the Gospel according to Alan Kardec) especially among poor whites. In Espiritismo, social stratifi cation is roughly equivalent to color stratifi cation. Its most important teaching has been the doctrine of metempsychosis (if a white man behaves disorderly he will reincarnate as a black man). There are striking

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dissimilarities between the two movements. In African Brazilian spirituality humans incorporate gods, but, in Espiritismo, mediums incorporate dead people. Afro-Brazilian religions sponsor colorful, musical rituals while Espiritismo relies on formal, sinister meetings. The former promotes the adoration of the powers of nature; the latter encourages the worship of the dead.

The reaction of Brazilian blacks to Espiritismo came with the rise of umbanda. The new cult originated in Rio and then spread to Minas Gerais, Sao Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco and to the other states. In fact, there has been some mixture of elements from candomblé and Espiritismo. With umbanda came the admittance of whites into the Afro-Brazilian milieu. Such whites collaborated with a superfi cial reading of philosophy and theosophy. At the same time, macumba (black magic) became accepted but was relegated to an inferior role (that of dealing with the lower social classes). Soon after that, quimbanda became the unaccepted side of macumba, some sort of Espiritismo upside-down, because it deals with deviant spirits. At this point, Afro-Brazilian religions accepted the necessity for humans (médiuns) to incorporate spirits. Marxists have denounced umbanda as a form of control of the lower social classes. But it seems, on the contrary, that umbanda has become a vehicle of social ascension for blacks (a new asset in the class confl ict in Brazil).

. Afro-Brazilian religions operate in a very distinct way. They have an unambiguous urban character, contrary, to what happens, for instance, with African religions in Haiti.31 Besides, they strive for the transcendence of urbanization and industrialization and the re-creation of a mystical Africa in Brazil. Other elements that are peculiar to most forms of Afro-Brazilian spirituality are the respect for the elderly and the close attention to the children.

31 According to Bastide, several reasons account for the fact that Afro-Brazilian religions have become eminently urban phenomena:

The destruction of black rural communities;(i) The reorganization of social links through class consciousness;(ii) Industrialization as a means for black people to get integrated (iii)

into the ptoletariat;The access of blacks to the press and to social organizations;(iv) Black pantheistic cults prohibited by law (in 1937).(v)

Page 109: EDITORIAL - andrews.edu · 4 Hermenêutica 4, 2004 1. Análise da raiz !ma 1.1. Etimologia A linguagem para expressar fé, tão central na literatura no NT ( pi,stij / piste,uw ),

Brazilian Religious Syncretism and the Development... 111

I have traced, here, the origins of Brazilian spirituaiity. My next article, entitled “Afro-Brazilian Music and the Expression of Afro-Brazilian Spirituality” will show how Afro-Brazilian Music developed and how it appropriates expressions from Catholicism and uses them to refer to Afro-Brazilian spirituality.