Educação de Jovens e Adultos no Campo: Um Estudo Sobre o PRONERA em Santa Catarina

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    ANA PAULA VANSUITA

    EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE OPRONERA EM SANTA CATARINA.

    Florianpolis, agosto de 2007.

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    ANA PAULA VANSUITA

    EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS DO CAMPO: UM ESTUDO SOBRE OPRONERA EM SANTA CATARINA.

    COMISSO EXAMINADORA

    Prof. Dra. Snia A. Branco BeltrameOrientadora (CED/UFSC)

    Examinadora Maria Hermnia L. Laffin(CED/UFSC)

    Examinadora Mnica Castagna Molina(UNB BRASLIA)

    Florianpolis-SC2007

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    O quadro sombrio da vida, que arrasta esses gruposdisseminados pelo interior e recolhidos em choas de pau-

    a-pique, em ranchos de sap ou em casebres em runa,contrasta violentamente com a suavidade buclica ou agrandeza soberba das paisagens, que se desenvolvem,para prazer dos olhos, contemplao dos forasteiros,mas a cuja prpria beleza a misria fsica e social jtornou quase indiferentes e insensveis s populaeslocais (Fernando de Azevedo, 1962).

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    RESUMO

    O estudo investiga o Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    (PRONERA) desenvolvido em Santa Catarina, numa parceria com a Universidade

    Federal de Santa Catarina (UFSC), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

    Terra (MST) e o Instituto Nacional de Colonizao (INCRA).Os eixos fundamentais de anlise privilegiam a compreenso do Programa no

    mbito da proposta de polticas pblicas nacionais para a Educao de Jovens e

    Adultos que vivem e trabalham no campo.

    As questes levantadas direcionam as anlises para a educao do campo nos

    seus aspectos histricos e polticos, evidenciando as propostas educacionais

    identificadas como ruralismo pedaggico desenvolvido a partir da dcada de 1950,

    bem como as iniciativas do poder pblico para a Educao de Jovens e Adultos

    (EJA) no campo na atualidade. A pesquisa desenvolvida junto aos sujeitos

    envolvidos no PRONERA chama ateno para a necessidade de se construir

    polticas pblicas comprometidas com o avano da educao dos povos do campo,

    que apresentem propostas para alm de programas, ou seja, que se consolide uma

    educao de jovens e adultos a qual viabilize um conhecimento contnuo e slido

    em qualquer etapa da vida desses trabalhadores e trabalhadoras.

    Palavras-chave: PRONERA, educao de jovens e adultos e polticas pblicas.

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    ABSTRACT

    The purpose of this study is to investigate the National Program of Education in

    the Agrarian Reform (PRONERA) developed in the province of Santa Catarina in a

    partnership between the Federal University of Santa Catarina (UFSC), Movement of

    the Landless Workers (MST) and the National Institute of Settlement (INCRA).

    The axis of this analysis aims at achieving the fundaments of this Program in

    the national public politics scope for the Adult and Youth Education living in the

    countryside.

    The issues comprised by this essay direct us to an historical and political

    analysis, expressing the educational propositions that are identified with the rural

    pedagogy that has been developed since the fifties, just like the actual politics for the

    rural EJA (Adult and Youth Education). The research was developed with the peasants

    envoled with PRONERA, and it explicits that a rural education beyond the programs is

    required, in other words, a continuous and substantial education has to be consolidated

    for the Adults and Youth living and working in the countryside at any time of their

    lives.

    Key words: PRONERA, Adult and Youth Education, public politics.

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    LISTA DE SIGLAS

    ABCAR Associao Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    ACAR Associao de Crdito e Assistncia Rural

    ANCAR Associao Nordestina de Crdito e Assistncia Rural

    CBAR Comisso Brasileiro-Americana de Educao das Populaes Rurais

    CEAA Campanha de Educao de Adolescentes e AdultosCED Centro de Cincias da Educao

    CNBB Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil

    CNER Campanha Nacional de Educao Rural

    CNRH Comisso Nacional de Recursos Humanos

    CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

    DNERu Departamento Nacional de Educao Rural

    EJA Educao de Jovens e Adultos

    ENERA Encontro Nacional de Educao na reforma Agrria

    FAPEU Fundo de Amparo Pesquisa e Extenso Universitria

    FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

    GTDN grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

    IAI Instituto de Assuntos Internacionais

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao na Reforma Agrria

    LDB Lei de Diretrizes e Bases

    MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    MEC Ministrio da Educao

    MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

    MTB Ministrio do Trabalho

    PAS Programa de Alfabetizao Solidria

    PLANFOR Plano Nacional de Formao e Qualificao Profissional

    PRONASEC Programa Nacional de Aes Scio - Econmicas e Culturais

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    PRONERA Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria

    PSECD Plano de Educao, Cultura e Desporto

    SC Santa Catarina

    SEA Servio de Educao de Adultos

    SECAD Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade

    SEFOR Secretaria de Formao de Desenvolvimento Profissional

    SEPLAN Secretaria do Estado de Desenvolvimento e Planejamento

    SESP Servio Social Rural

    SSR Servio Social Rural

    SUDESUL Superintendncia da Regio Sul

    UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

    UNB Universidade de Braslia

    UNESCO Organizao das Naes Unidas para Cincia e Cultura

    UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

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    INTRODUO

    O presente estudo analisa a Educao de Jovens e Adultos, uma conquista de um

    direito dos povos que vivem e trabalham no campo.

    A escolha do tema foi fortemente influenciada pela experincia desenvolvida

    como bolsista do projeto de extenso intitulado: Educao e Cidadania: interao

    entre sujeitos educadores/as, implementado pelo Centro de Cincias da Educao

    (CED), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este projeto faz parte do

    Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA)1.

    O programa foi criado pelo Governo Federal em 1998, em parceria com o

    Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), atravs do Instituto Nacional

    de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), via Ministrio do Desenvolvimento

    Agrrio, e executado por meio da parceria entre Universidades, o MST e outros

    movimentos sociais do campo.

    O referido programa vem possibilitando avanos no processo de alfabetizao e

    escolarizao de assentados das reas de reforma agrria no Brasil. A sua constituio

    teve origem nas reivindicaes e demanda dos movimentos sociais. Desde 1998 at

    2002 o PRONERA tem nas suas estatsticas um nmero expressivo de educandos da

    alfabetizao inicial e escolarizao de monitores2, bem como cursos de graduao e em

    2007 inicia um curso de Ps-graduao lato senso.

    1 Em 2007, o projeto est em andamento em sua 3 edio, no Estado de Santa Catarina. O projetoabrange 71 turmas formadas em 55 assentamentos e acampamentos do estado, e atendem 1420educandos/as do 1 segmento do Ensino Fundamental, (1 a 4 srie).2Os monitores so os educadores/as, tambm conhecidos como docentes leigos, costuma ser esta a

    expresso usada na legislao educacional para professores/as que atuam nos assentamentos eacampamentos, sem titulao/escolarizao adequada para isso, como nesse caso(CALDART, 1997).

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    Refletindo sobre a educao dos povos do campo3, o que se percebe que, ao

    longo da histria, as polticas pblicas ou programas do governo destinados a essas

    populaes foram polticas sem continuidade e elaboradas de modo hierarquizado, que

    seguiam modelos internacionais e paradigmas da educao urbana. As reflexes sobre a

    escola oferecida aos povos do campo apresentam, historicamente, um triste cenrio das

    escolas rurais. O que se constata que as discusses, desenvolvidas por Calazans

    (1993), ainda so muito atuais e que o debate sobre a Educao do Campo est posto

    como desafio aos educadores e sociedade atual, nas reivindicaes dos movimentos

    sociais por melhores condies de vida e trabalho no campo.

    No caso da educao de jovens e adultos, os programas e projetos, via de regra,

    evidenciam que os governos criaram em suas polticas uma prtica de dependncia aos

    rgos internacionais, instituies privadas e outros, em que os modelos internacionais

    servem de modelo para serem aplicados na educao brasileira.

    Portanto, essa pesquisa instiga a buscar compreender quais os avanos do

    Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria em relao s polticas da dcada

    de 1950, identificadas pelo ruralismo pedaggico: seria uma reproduo das iniciativas

    daquele perodo ou, ento, verificar o que se configura no programa.

    A instabilidade dos programas e projetos que resultam de parcerias com o

    Estado, na medida em que est submetida rotatividade do poder, sofrem os reveses da

    falta de transparncia no acesso a informaes; dificuldades no processo de

    consolidao de poltica pblica, bem como entraves no repasse dos recursos pblicos,

    garantidos por lei. Beltrame (2000, p. 25) nos aponta que, ao rever as polticas para o

    ensino dessas populaes, percebe-se um panorama de programas e projetos muito mais

    para atender interesses do governo, seguindo de forma constante as prerrogativas

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    Povos do Campo inclui todos os movimentos que vivem e trabalham no e para o campo como: osmovimentos dos atingidos por barragens, os quilombolas, os ribeirinhos e outros.

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    econmicas de desenvolvimento, mais conhecido pela sua propaganda do que pela sua

    atuao.

    Esses e outros percalos so historicamente conhecidos quando se estuda a

    educao do campo. O Programa em anlise apresenta outro percurso, pretende ser uma

    ao compartilhada entre diferentes sujeitos, porm com um objetivo em comum.

    Portanto, o objetivo da pesquisa teve o intuito de compreender o carter desse

    programa, investigou-se junto aos sujeitos que fizeram parte da elaborao e execuo

    do projeto inicial, de forma a apreender os elementos que constituem e diferenciam o

    PRONERA, tendo como pano de fundo o estudo das polticas da dcada de 1950,

    buscando compreender os avanos da experincia atual.

    Para tanto, estudou-se publicaes, documentos e materiais produzidos pelo

    grupo Nacional e de Santa Catarina, ou seja, publicaes e relatrios que trazem

    elementos do desenvolvimento do programa, suas origens e dificuldades durante o

    processo de implementao. Os documentos analisados compreendem o perodo de

    realizao do programa na UFSC.

    A partir disso, percorreu-se um longo caminho para discutir elementos tericos

    que possibilitem compreender o debate sobre o PRONERA que o governo e os

    movimentos sociais vm desenvolvendo desde a dcada de 1990; bem como analisar as

    suas propostas educativas, como um programa institucional do Governo Federal, que

    escolariza jovens e adultos; e destacar as relaes estabelecidas entre Estado e sociedade

    civil, envolvidos no processo de elaborao do programa no mbito do

    PRONERA/UFSC, em Santa Catarina.

    No primeiro captulo, apresentam-se reflexes sobre e os desdobramentos da

    educao do campo na educao brasileira, tendo como pano de fundo o ruralismo

    pedaggico.Esse pensamento que permeou toda a anlise e investigao nesta pesquisa,

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    nos fazendo entender concepo de educao rural, naquele perodo, da dcada de 50,

    as caractersticas das polticas governamentais, para compreendermos de que forma os

    programas atuais, destinados aos povos do campo, interferem na vida dos sujeitos, e se

    trazem em seu bojo aspectos e caractersticas que se assemelham com as polticas de

    governo do perodo estudado, como referido anteriormente.

    No segundo captulo, v-se o histrico da educao de jovens e adultos no Brasil

    e a relao do Estado e sociedade civil como integrantes dessa elaborao de polticas

    pblicas. Ou seja, juntamente ao histrico de programas e projetos governamentais

    destinados EJA, refletimos sobre o que so polticas pblicas. E como o Estado e a

    Sociedade Civil se configuram nesse processo de disputa na construo de polticas

    pblicas.

    Em seguida, no terceiro captulo, discute-se como vm sendo pensado a

    educao dos jovens e adultos do campo e os programas de suplncia, marcando as

    iniciativas atuais. Para isso, investigamos o histrico do PRONERA, sua criao,

    viabilizao, desenvolvimento, isso no mbito nacional. Posteriormente, no caso

    especfico, analisamos o PRONERA na UFSC, em que buscamos compreender, as

    especificidades do programa no estado, as demandas, as dificuldades, a trajetria de

    implementao, e como o programa vem sendo executado frente s instituies e

    organizaes locais.

    No quarto captulo, descreve-se a metodologia da pesquisa em foco e analisam-

    se as entrevistas luz de teorias com o enfoque de compreender as percepes dos

    sujeitos frente elaborao e execuo do programa, especificamente em Santa

    Catarina, e tambm debatendo sobre a Educao do Campo, com vistas

    implementao de uma poltica pblica.

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    Figura 1: Acampamento ndio Galdino II, situado no municpio de Curitibanos

    Crdito: Rodrigo Jos Antnio Beltrame

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    1 EDUCAO DO CAMPO

    1. 1 A Educao do Campo: o ruralismo pedaggico e os seus desdobramentos

    na educao brasileira.

    Pretende-se analisar, a conduo das polticas de governo destinadas ao meio

    rural e os desdobramentos polticos, econmicos e sociais que interferiram na vida

    dessas populaes, focalizando tal anlise na dcada de 1950, que os estudiosos da rea

    chamaram de ruralismo pedaggico.

    Para isso, faz-se necessrio uma retrospectiva sobre o desenvolvimento da

    educao, ao longo das dcadas de 30 a 70 do sculo XX, para se entender se os

    projetos governamentais, ainda hoje, podem estar retomando elementos da educao

    desse perodo. Para apresentar essa perspectiva, utiliza-se informaes sistematizadas

    por Romanelli (1986), detendo-se ao desenvolvimento da educao ao longo da dcada

    de 1930, e Calazans (1993), trazendo um panorama dos projetos governamentais do

    sculo XX, sobretudo evidenciando o perodo do ruralismo pedaggico.

    A educao vem constituindo-se ao longo das dcadas como um elemento

    fundamental para o desenvolvimento de comunidades.

    A herana cultural, influindo diretamente sobre a composio e osobjetivos perseguidos pela demanda escolar, os rumos que toma aeconomia, criando novas necessidades pela qualificao profissional,e a expanso da educao escolarizada, obedecendo presso dessesdois fatores, compem o quadro situacional das relaes existentesentre educao e desenvolvimento. (ROMANELLI, 1986, p. 25).

    Isso ocorre desde a dcada de 1930, quando j se considerava a educao como

    fator predominante para todo o processo de desenvolvimento, e nesse perodo h um

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    crescimento da urbanizao e, conseqentemente, uma demanda escolar, ou seja, um

    nmero cada vez maior de pessoas que pressionam a favor da expanso da escolaridade.

    Mas, anteriormente dcada de 1930, a histria da educao mostra que nem

    todas as pessoas tinham o direito ao acesso escola, ou seja, ao saber universal

    produzido historicamente. Nesse sentido, resgata-se que na poca do Brasil Colnia

    apenas as famlias de classes dominantes, os senhores de engenho, tinham esse poder ao

    acesso escolarizao. Romanelli (1986, p. 33) aponta, nesse perodo, os seguintes

    aspectos:

    A primeira condio consistia na predominncia de uma minoria dedonos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregadose escravos. Apenas queles cabia o direito educao e, mesmoassim, em nmero restrito, porquanto deveriam estar excludos dessaminoria mulheres e os filhos primognitos, aos quais reservava adireo futura dos negcios paternos. Destarte, a escola erafreqentada somente pelos filhos homens que no os primognitos.Estes recebiam apenas, alm de rudimentar educao escolar, apreparao para assumir a direo do cl, da famlia e dos negcios,no futuro. Era, portanto, a um limitado grupo de pessoas pertencentes classe dominante que estava destinada a educao escolarizada.

    Sobre destaques anteriores dcada de 1930, cabe ressaltar o Plano de Educao

    de 1812 que determina que no 1 grau seriam ensinados todos os conhecimentos

    necessrios e no 2 grau, todos os conhecimentos necessrios aos agricultores. Em 1826,

    houve uma reforma no Plano Nacional de Educao, definindo que o conhecimento

    ensinado se restringiria aos terrenos e produtos naturais da maior utilidade nos usos da

    vida. E, por ltimo, a reforma de 1879, que determinava que no 2 grau se daria

    continuidade aos contedos ensinados no 1 grau, como noes de lavoura e horticultura

    (CALAZANS, 1993, p. 18).

    Toda essa evoluo e discusso da educao e dos projetos governamentais

    mostram que, apesar da preocupao com a questo da escolaridade, o que permeava

    toda essa ao e permanece at hoje so as prerrogativas econmicas. Ou seja, o sistema

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    de ensino, ao longo das dcadas, se pauta no desenvolvimento econmico, essa uma

    constatao evidente em que a forma como evolui a economia interfere na evoluo da

    organizao do ensino, j que o sistema econmico pode ou no criar uma demanda de

    recursos humanos que devem ser preparados pela escola (ROMANELLI, 1986, p. 14).

    O desenvolvimento ligado ao aspecto econmico e mo-de-obra visto como

    indicador para a qualificao no sistema de produo, cada vez mais moderno.

    1.1.1 Influncia do processo de industrializao na educao

    Portanto, na dcada de trinta do sculo XX, com o processo de

    industrializao, ocorre a transformao da sociedade brasileira. A industrializao

    como viso de desenvolvimento e modernizao, acarreta o inchao das cidades como

    possibilidade de progresso e sucesso econmico na vida das pessoas, ou seja, muitos

    agricultores abandonam tudo no campo e seguem com suas famlias no ensejo de outras

    condies para uma vida melhor. Nesse momento, h uma preocupao com esse

    intercmbio campo-cidade e comeam a surgir as primeiras propostas de

    desenvolvimento de reas rurais, tanto nos setores da sade quanto da educao, com o

    intuito de fixar o homem do campo ao seu local de origem, criando condies para tal.

    Aponta-nos Beltrame (2000, p. 26) que:

    A crise econmica das cidades, que se delineava com a intensamigrao do homem do campo, trouxe o discurso da valorizaodesse homem e do seu trabalho, com o intuito de evitar seu xodo.Pensava-se que, para isso, bastava desenvolver uma prtica voltadapara a realidade e adaptada s especificidades das culturas locais.

    Com todas as peculiaridades da poca e a preocupao do governo com a

    fixao do homem no campo, o discurso dos programas governamentais visava

    valorizao desse homem do campo e seu trabalho. Portanto, temos evidenciado, nessa

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    poca, a temtica do ruralismo pedaggico, que tinha como objetivo evitar o xodo

    rural. Segundo Calazans (1993, p.18), Uma escola rural tpica acomodada aos

    interesses e necessidades da regio a que fosse destinada [...] como condio de

    felicidade individual e coletiva.

    Entretanto, fica evidente que o ruralismo pedaggico, como forma de fixao

    do homem no campo, atendia interesses influenciados pela relao campo-cidade. Ou

    seja, acreditava-se que criando o bem-estar, respeitando as especificidades do homem

    do campo e sua cultura, proporcionando nas escolas prticas educativas que

    contemplassem as manifestaes culturais do campons e suas especificidades no

    trabalho, o mesmo no abandonaria o campo e, desse modo, o problema do xodo

    estaria resolvido. O pensamento pedaggico que norteava o ruralismo pedaggico era a

    questo econmica dentro de uma proposta de educao, indicava para:

    Uma escola que impregnasse o esprito brasileiro antes mesmo de lhedar a tcnica do trabalho racional no amanho dos campos, de alto eprofundo sentido ruralista, capaz de lhe nortear a ao e de seus

    tesouros, com a convico de ali encontrar o enriquecimento prprioe do grupo social de que faz parte (isto em oposio escola literriaque desenraizava o homem do campo). (CALAZANS, 1993, p. 18).

    O discurso de promover o bem-estar do homem rural forjava, atravs das

    aes educativas, uma escola que exprimia o sentido da ordem e do controle, para os

    grandes proprietrios de terra da poca no correrem riscos de conflitos sociais. Por

    isso, os programas governamentais seguiam o paradigma da escola formal e

    conservadora, tendo, assim, o controle de todos os segmentos da sociedade reforando

    as oligarquias presentes no campo e reforando a necessidade da mo-de-obra no campo

    para grandes proprietrios de terra (BELTRAME, 2000, p. 26).

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    Ademais, as classes dominantes no reconheciam a importncia da educao para

    a classe trabalhadora. Mas com a industrializao, houve a necessidade da escola, como

    nos aponta Calazans (1993, p.16):

    essencial destacar que as classes dominantes brasileirasespecialmente as que vivem do campo, sempre demonstraramdesconhecer o papel fundamental da educao para a classetrabalhadora. As revolues agroindustriais e suas conseqncias nocontexto brasileiro, principalmente a industrializao, provocaramalteraes que obrigaram os detentores do poder no campo aconcordar com algumas mudanas, como por exemplo, a presena daescola em seus domnios.

    Nesse caso, a educao segue diferenciada nas classes, ou seja, as classesdominantes usufruam de um saber sistematizado, como forma de deter conhecimento

    sobre qualquer assunto. A classe trabalhadora era destinada aos cursos tcnicos, os quais

    contriburam para qualificao dos sujeitos trabalhadores, sem qualquer reflexo sobre a

    conjuntura da poca.

    1.1.2 Os caminhos dos programas e projetos governamentais

    Nas dcadas de 1940 e 1950, diversos programas e projetos governamentais

    em parcerias ou no, fizeram parte na histria da educao rural. Algumas dessas

    formulaes sero explanadas a seguir. Mais especificamente na dcada de 1940,

    mesmo com os problemas sociais em ebulio, as transformaes na sociedade no

    suscitavam debates e discusses em sala de aula. Assim,

    A escola continuava (ano 1949) desenvolvendo processos e tcnicasimpermeveis s solicitaes das populaes que a ela tinham acesso.Os problemas sociais, as constantes transformaes da sociedade norepercutiam em sala de aula. Tudo deixa de existir no vestbulo daescola indiferente. A constatao integra a anlise de Escola para oBrasil Rural, promovido em 1949, no Rio de Janeiro (CALAZANS,

    1993, p. 20).

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    Nesse perodo das dcadas de 1940 e 1950, os programas do governo sobre

    educao rural e da sade eram patrocinados pelo governo norte-americano.E foi na

    dcada de 1950 que se deu o primeiro passo para essa parceria com a fundao da

    Comisso Brasileiro-Americana de Educao das Populaes Rurais (CBAR), que

    possibilitava um centro de treinamento, semanas ruralistas e clubes agrcolas. Essa

    comisso tinha em seu cerne a seguinte definio para o progresso no campo:

    O progresso na nossa agricultura depende, em grande parte, daeducao do homem do campo [...]. Uma obra de educao rural nopode, portanto, ficar adstrita ao ensino tcnico nas poucas escolasdestinadas ao preparo profissional dos trabalhadores da agricultura

    [...]. (CALAZANS, 1993, p. 21).

    Em 1945, surge a aldeia rural, que oferecia possibilidades para atender as

    necessidades do conjunto de aldeias, seja na parte cultural, administrativas e industriais

    que eram ocupadas pelos indgenas. (CALAZANS, 1993, p. 22).

    Todo esse panorama de desenvolvimento de programas educativos visava

    atender as bases populares dos estados do Brasil.

    No perodo de 1952 e 1955, foram implantadas a Campanha Nacional de

    Educao Rural (CNER) e a do Servio Social Rural (SSR), respectivamente, com

    objetivo de desenvolvimento de comunidade. Na poca, a conjuntura mundial dava-se

    pela Guerra Fria4 e nacionalmente pelo governo desenvolvimentista de Juscelino

    4Disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos e URSS aps a II Guerra Mundial. uma intensa

    guerra econmica, diplomtica e tecnolgica pela conquista de zonas de influncia. Ela divide o mundoem dois blocos, com sistemas econmico e poltico opostos: o chamado mundo capitalista, liderado pelosEUA, e o mundo comunista, encabeado pela URSS. Provoca uma corrida armamentista que se estendepor 40 anos e coloca o mundo sob a ameaa de uma guerra nuclear. Aps a II Guerra Mundial, ossoviticos controlam os pases do Leste Europeu e os norte-americanos tentam manter o resto da Europasob sua influncia. Apoiado na Doutrina Truman segundo a qual cabe aos EUA a defesa do mundocapitalista diante do avano do comunismo , o governo norte-americano presta ajuda militar eeconmica aos pases que se opem expanso comunista e auxilia a instalao de ditaduras militares naAmrica Latina. O Plano Marshall, por exemplo, resulta na injeo de US$ 13 bilhes na Europa. AURSS adota uma poltica isolacionista, a chamada Cortina de Ferro. Ajudada pelo Exrcito Vermelho,

    transforma os governos do Leste Europeu em satlites de Moscou. Nos anos de 1950 e 1960, a polticanorte-americana de conteno da expanso comunista leva participao da nao na Guerra da Coria ena Guerra do Vietn. A Guerra Fria repercute na prpria poltica interna dos EUA, com o chamado

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    Kubitschek. Nessas dcadas de 1940 e 1950, alguns programas do governo eram

    vinculados tanto ao Ministrio da Agricultura quanto de Sade e Educao.

    As implantaes desses programas educacionais representavam o pensamento

    educacional da poca:

    A CNER pretendia preparar tcnicos para atender s necessidadesda educao de base. Seus objetivos, inspirados na Unesco,preconizavam: a) investigar e pesquisar as condies econmicas,sociais e culturais da vida rural brasileira; b) preparar tcnicos paraatender as necessidades da educao de base; c) promover e estimulara cooperao das instituies e dos servios educativos existentes nomeio rural e que visem o bem comum; d) concorrer para a elevaodos nveis econmicos da populao rural pela introduo, entre osrurcolas, de tcnicas avanadas de organizao e de trabalho; e)contribuir para o aperfeioamento dos padres educativos, sanitrios,assistenciais, cvicos e morais das populaes do campo; f) oferecerenfim, orientao tcnica e auxlio financeiro a instituies pblicas eprivadas que, atuando no meio rural, estejam integradas aos objetivose finalidades do seu plano (CALAZANS, 1993, p.22).

    O Servio Social Rural tambm trouxe caractersticas do pensamento

    educacional da poca:

    [...] mantinha um sistema de conselhos regionais sediados nascapitais dos estados de todo o territrio brasileiro, atingindo,portanto, os novos estados da Regio Nordeste. Repetia algunsprogramas j desenvolvidos pela CNER, cuidando ainda mais decooperativismo, associativismo, economia domstica, artesanato,entre outros (CALAZANS, 1993, p. 23)

    macarthismo, que desencadeia no pas uma onda de perseguio a supostos simpatizantes comunistas.Corrida nuclear A Guerra Fria amplia-se a partir de 1949, quando os soviticos explodem sua primeirabomba atmica e inauguram a corrida nuclear. Os EUA testam novas armas nucleares no atol de Bikini,

    no Pacfico, e, em 1952, explodem a primeira bomba de hidrognio. A URSS lana a sua em 1955. Assuperpotncias criam blocos militares reunindo seus aliados, como a OTAN, que agrega osanticomunistas, e o Pacto de Varsvia, do bloco socialista. Com a descoberta da instalao de msseissoviticos em Cuba, em 1962, os EUA ameaam um ataque nuclear e abordam navios soviticos noCaribe. A URSS recua e retira os msseis. O perigo nuclear aumenta com a entrada do Reino Unido, daFrana e da China no rol dos detentores de armas nucleares. Em 1973, as superpotncias concordam emdesacelerar a corrida armamentista, fato conhecido como Poltica da Dtente. Esse acordo dura at 1979,quando a URSS invade o Afeganisto. Em 1985, com a subida ao poder do lder sovitico MikhailGorbatchov, a tenso e a guerra ideolgica entre as superpotncias comeam a diminuir. O smbolo dofinal da Guerra Fria a queda do Muro de Berlim, em 1989. A Alemanha reunificada e, aos poucos,dissolvem-se os regimes comunistas do Leste Europeu. Com a desintegrao da prpria URSS, em 1991,o conflito entre capitalismo e comunismo cede lugar s contradies existentes entre o hemisfrio norte,que rene os pases desenvolvidos, e o hemisfrio sul, onde est a maioria dos subdesenvolvidos. (Fonte:

    http://geocities.yahoo.com.br/fld2001/guerrafria.htm. Acessoem: jan. 2007)

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    Em 1947, o governo lana uma Campanha de Educao de Adultos, essa

    proposta tinha como objetivo criar aes educativas que tivessem em seu cerne a

    experincia do meio rural, e que foi denominada de Misses Rurais de Educao de

    Adultos:

    A idia que fundamenta a prtica de Misses Rurais a de aoeducativa integral para soerguimento geral das condies de vidamaterial e social de pequenas comunidades rurais (as CSRs). Aprimeira Misso Rural de Educao, no entanto, s comeou afuncionar em 1950, no municpio fluminense de Itaperuna(CALAZANS, 1993, p. 23).

    Outro acordo firmado entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos,

    dentro do Ministrio de Educao e Sade e o Instituto de Assuntos Interamericanos

    (IAI), foi a criao do Servio Especial de Sade Pblica (SESP), em 1942.

    O SESP atuava exclusivamente em zonas rurais. Realizava atividades

    educativas referentes educao sanitria, atravs da Diviso de Educao Sanitria,

    criada no SESP em 1944, e do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DNERu),

    em 1956 (CALAZANS, 1993, p. 23).

    Outra iniciativa do IAI foi o surgimento da Associao de Crdito e

    Assistncia Rural (ACAR), no ano de 1948 em Minas Gerias. Esse processo

    possibilitou a criao da Associao Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    (ABCAR), que era incumbida de coordenar programas de extenso e captar recursos

    tcnicos e financeiros (CALAZANS, 1993, p. 23). Dessa forma, a ajuda vinha na

    forma de suporte financeiro, assistncia tcnica e equipamento, enquanto a ACAR, no

    mbito estadual, tinha como finalidade promover a extenso rural e o crdito rural

    supervisionado, segundo modelos nos Estados Unidos (CALAZANS, 1993, p. 23). Em

    meados da dcada de 1950 h uma expanso da ACAR ou ANCAR (Associao

    Nordestina de Crdito Assistncia Rural) e essa expanso chega aos estados do

    Centro-Sul e do Nordeste do pas.

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    Em 1956, centraliza-se o extensionismo rural, ou seja, com a criao da

    ABCAR firma-se um acordo entre o governo brasileiro e os organismos internacionais,

    privados e outros, em que os mesmos influenciaram o extensionismo. Dessa maneira,

    nos ltimos anos da dcada, comeava-se a analisar a extenso rural:

    Os pequenos proprietrios familiares seriam atendidos a partir deento, preferentemente, via cooperativas ou associaes pr-cooperativas. Procurar-se- trabalhar com eles atravs de projetosvoltados para empreendimentos em que sejam altos os custos de mo-de-obra e de grande risco. Pouco a pouco so forjadas vriasintegraes no interior das quais os produtores (pequenos e mdios)so estimulados pela extenso rural a aumentarem sua produo, comuma maior estabilidade na oferta de seus produtos e com umaadequao dos mesmos aos requerimentos do mercado (dizia-semelhoria da qualidade) ( CALAZANS, 1993, p. 25).

    Segundo Beltrame (2000, p. 27), vrios projetos foram implantados nesse

    perodo, ligados extenso rural, envolvendo indiretamente as escolas, criando

    expectativas de transformao para as reas rurais, tendo a famlia como base material.

    Ainda nesse perodo, na dcada de 1940, se fizeram presentes as idias do ruralismo

    pedaggico, pois com o inchao das cidades e o fato de no ter mercado de trabalho

    para toda mo-de-obra disponvel, disseminou-se essa idia:

    [...] uma educao que levasse o homem do campo a compreender osentido rural da civilizao brasileira e a reforar os seus valores, afim de fix-lo terra, o que acarretaria a necessidade de adaptarprogramas e currculos ao meio fsico e cultura rural (CALAZANS,1993, p. 25).

    Portanto, era cada vez mais freqente a discusso da educao rural por

    parte dos profissionais da educao e, em 1942, com todos os questionamentos

    possveis de tal classe, organizou-se o VIII Congresso Brasileiro de Educao,

    promovido pela Associao Brasileira de Educao, com apoio do governo federal e do

    governo de Gois.

    Nesse congresso, tiveram grande predominncia as idias do ruralismo

    pedaggico em que se defendia que a escola rural era a escola do trabalho, ou seja,

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    pretendia-se o ajustamento do indivduo ao meio rural, para fixar os elementos de

    produo, assim a escola cumpria a funo de ser uma instituio educativa. Na

    perspectiva dos preconizadores do ruralismo pedaggico, a escola rural deveria ser um

    aparelho educativo organizado em funo da produo (CALAZANS, 1993, p. 26).

    Para fixar o homem no campo, houve at uma crtica ao urbanismo e a escola vista

    como salvadora de todos os problemas:

    [...] a crtica ao urbanismo constituiu-se num dos argumentos maioresutilizados no combate ao xodo rural pela educao idias-chave doruralismo pedaggico. Por uma educao que ruralizasse o ruralatravs de uma nova escola que, adaptada s exigncias do campo,

    prendesse o campons terra formando-o convenientemente no amor Ptria e em funo da produo. Inestimvel seria o alcance socialdessa providncia, destinada a preservar o espao urbano da aodeletria das desordens sociais (CALAZANS, 1993, p. 26 - 27).

    Essas dcadas foram marcadas por muitas experincias educacionais, as quais

    seguiram influncias dos pases norte-americanos e tambm da Europa. Portanto, no

    final dos anos de 1940 e na dcada de 1950, o que j se indicava no manifesto dos

    Pioneiros da Escola Nova, uma conscincia educacional, redigido por Fernando de

    Azevedo, Ansio Teixeira, Loureno Filho, Carneiro Leo, entre outros (CALAZANS,

    1993, p. 27).

    Com essa exploso de idias e acontecimentos, constata-se que os programas

    chegavam com diretrizes prontas e acabadas, ignorando toda a diversidade existente e

    negando a realidade dos sujeitos. Pretendia-se, com essas polticas educacionais,homogeneizar a populao rural e que a mesma se moldasse aos produtores, que

    precisavam de mo-de-obra especializada com tcnicas simplistas apenas para compor o

    quadro de produo.

    Enfim, essas prticas educacionais atravs de programas traziam em seu bojo

    suas diretrizes gerais, seus pressupostos e seus objetivos definidos. Se bem analisadas,

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    observam-se fenmenos como: superposio de esforos, clubismo, comunidade-

    homogeinizao e outros. (CALAZANS, 1993, p. 29).

    1.1.3 Programas e projetos regionais

    Em relao educao, no perodo da dcada de 1960, a mesma discutida,

    formulada, estruturada, de acordo com as necessidades educacionais de cada regio

    (CALAZANS, 1993, p. 30). A formulao de educao no pensamento da poca seguia

    as prerrogativas do desenvolvimento econmico, ou seja,

    As exigncias de planejamento e efetivao da educao rural estocorrelacionadas poltica do desenvolvimento e transformao dasestruturas do setor primrio. O modelo de desenvolvimento umavarivel que interfere no estabelecimento de diretrizes e polticas paraa educao rural, afirmavam os planejadores de educao e recursoshumanos da poca (CALAZANS, 1993, p. 30).

    Os programas visavam o desenvolvimento de comunidade e educao de

    adultos, em que os dois aspectos atuavam conjuntamente, dessa forma, imprimiram

    algumas caractersticas da poca:

    Conscientizao da populao de modo a permitir ao educando umaparticipao responsvel e produtiva [...]. Capacitao para assumiras novas formas correlatas de trabalho, bem como situaes maiscomplexas de organizaes coletivas (CALAZANS, 1993, p. 31).

    Na regio Sul, com a Superintendncia da Regio Sul (SUDESUL) foram

    implantados alguns projetos como: Projeto Integrado Sudoeste, situado na zona

    sudoeste do Rio Grande do Sul, tambm foram incorporadas SUDESUL a Secretaria

    Executiva e a Assessoria Jurdica da Comisso Brasileira e Uruguaia da Lagoa Mirim,

    abaixo de um decreto federal. Todas as aes educacionais desenvolvidas pela

    SUDESUL contriburam para as diretrizes do Plano Setorial de Educao, que tinha

    como objetivo responsabilizar diversos organismos na execuo de tais projetos

    (CALAZANS, 1993, p. 32).

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    Nesse perodo, com o apoio do Ministrio de Educao e Cultura, foi elaborado

    o II Plano Setorial de Educao (1975-1979), que contemplava em seus objetivos o

    desenvolvimento de projetos educacionais rurais, na melhoria socioeconmica nas reas

    rurais. Tambm foram realizados cursos de formao de educadores/as do meio rural,

    numa parceria entre Secretaria Geral do MEC e CNRH/Seplan e Programa das Naes

    Unidas para o desenvolvimento. A educao rural tambm recebeu meno no III

    PSECD (Plano de Educao, Cultura e Desporto) do Ministrio da Educao e Cultura,

    em que surge o PRONASEC (Programa Nacional de Aes Scio-Econmicas e

    Culturais), destinado ao meio rural, com intuito significativo na luta contra a pobreza.

    importante salientar que, nessa poca, surgiram os primeiros burburinhos

    acerca dos movimentos educacionais e culturais. Nesse momento, as pessoas envolvidas

    num debate educacional comeam a questionar esse modelo de desenvolvimento de

    projetos que se traduzem numa educao para o desenvolvimento econmico, para a

    produo, para o trabalho, sem considerar os sujeitos na sua completude. E dentro

    desses debates no havia consenso.

    necessrio considerar que a educao rural sempre se fez presente nos projetos

    governamentais, mas essa presena no alterou significativamente a precariedade da

    escola (BELTRAME, 2000, p. 28). A escola do meio rural ainda sobrevive dessa

    precariedade de profissionais da educao que atendam s especificidades desse meio,

    por longas dcadas, pois o descaso com a infra-estrutura, baixos salrios e o no

    reconhecimento da cultura camponesa ainda so fatos que se discute no mbito

    nacional, atualmente.

    O que se percebe que, ao longo da histria, as polticas ou programas de

    governo destinados para o campo foram polticas sem continuidade, e de modo

    hierarquizado, os quais seguiam modelos externos (internacionais), e paradigmas da

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    cidade. Calazans tem um estudo que revela o cenrio das escolas rurais, e se percebe

    como essas discusses ainda so muito atuais e que o debate est posto aos educadores e

    a sociedade atual:

    A prova mais eloqente do fracasso da escola rural tradicional era aexistncia da formidvel massa de analfabetos na roa. A rigor Dir ele [Anais do VIII Congresso Brasileiro de Educao] maisadiante no houve at agora educao rural no Brasil. Temosmilhares de escolas que de rurais s tm tabuleta na porta. Mas deresultados prticos, tangveis, mesmo depois de doze anos depropaganda e campanha ruralistas, salvo raras e honrosas excees,nada colheremos de significativo. que ningum inventa tcnicos agolpes de decretos (CALAZANS, 1993, p. 26).

    Esse mapeamento dos programas e projetos evidencia o quo os governos

    criaram em suas polticas uma prtica de dependncia com rgos internacionais,

    instituies privadas e outros.

    Entretanto, cabe ressaltar que a educao rural para alm de uma questo de

    interesse pedaggico ainda vista, muitas vezes, pela tica puramente tcnica, ela de

    uma grande complexidade. Nesse sentido, merece uma anlise profunda dos fatos para

    que no se repitam polticas destinadas a melhoramentos rurais, os quais, muitas

    vezes, nem condizem com a necessidade da populao do campo.

    Cabe aqui comentar programas e projetos at a dcada de 1970, como proposto

    inicialmente e que embasou toda essa explanao. Mas ressalta-se que as estratgias de

    projetos educacionais perduram at hoje, como se ver nos captulos seguintes: como se

    d a criao e desenvolvimento de um programa de educao no campo, na atualidade, e

    as interfaces que compem esse cenrio de projetos e programas mantidos pelo

    governo. Finaliza-se esse captulo com uma citao de um autor que, na poca do

    ruralismo pedaggico, se ops aos programas educacionais daquele perodo, e d uma

    mostra de sua crtica:

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    O trabalhador ignorante e enfrmo, sem um gro de semeadura, semum arado, sem quinino, sem um real de crdito, exposto ao verme, cobra, maleita e intemprie, s inclemncias dos sis canicularesou avareza de solos intratveis, desajudado, desassistido, proscrito epria, na prpria ptria? (AZEVEDO, 1962, p. 44).

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    Figura 2: Acampamento ndio Galdino II, situado no municpio de Curitibanos

    Crdito: Rodrigo Jos Antnio Beltrame

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    2 EDUCAO DE JOVENS E ADULTOS

    2.1. O Estado e as Polticas Pblicas

    O Brasil um pas que, atualmente, ainda sofre em sua formao social e

    poltica os resqucios de sua histria de colonizao, de trabalho fundado na escravido

    e no latifndio, durante um longo tempo colnia, imprio e repblica. No contexto

    atual, o Brasil um pas que tem se organizado por uma sociedade com longa tradio

    poltica autoritria, embasada no modelo de dominao oligrquico, patrimonialista e

    burocrtico. Uma relao entre Estado e sociedade que segue com caractersticas

    polticas e culturais marcadas pela marginalizao social e poltica das classes

    populares, a restrio da esfera pblica e a privatizao dos bens sociais e culturais

    pelas elites dominantes. Portanto, o Brasil chega ao sculo XXI sofrendo profundas

    desigualdades sociais, culturais, econmicas, as quais se observam todos os dias nos

    cidados que passam fome, misria, excluso social, violncia de todos os tipos,

    analfabetismo, enfim, uma perda de direitos constante, onde so impedidos de

    produzirem sua prpria histria. E, ainda, em um Estado Liberal, com altos ndices de

    corrupo e com predominncia sobre a sociedade civil.

    Vrias vertentes e abordagens abarcam a discusso sobre conceito de Estado e

    Sociedade Civil5, no entanto, pretende-se, aqui, se deter aos conceitos bsicos que

    perpassam em fomentar a construo de polticas pblicas, tendo como referncia a

    abordagem que se configura no bojo das relaes da atualidade, das relaes entre

    Estado e Sociedade Civil, ou seja, a abordagem neoliberal.

    5 Para aprofundar esse tema ler: AZEVEDO, Janete M. Lins de. A Educao como Poltica Pblica.Campinas, SP: Autores Associados, 1997. (Coleo Polmicas do nosso tempo. v. 56).

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    Essa abordagem teve incio no sculo XVII, mas foi sendo modificada

    paulatinamente e adaptada, medida que o avano do capitalismo delineava as

    estruturas de classes, trazendo-a para o centro da cena econmica e poltica.

    O neoliberalismo fomenta os fundamentos da liberdade e do individualismo para

    justificar o mercado como regulador e distribuidor da riqueza e da renda. Potencializam-

    se as habilidades e a competitividade individual, possibilitando a busca ilimitada do

    ganho, o mercado produz, consequentemente, o bem-estar social (AZEVEDO, 1997, p.

    10).

    Assim, o Estado apregoa sua condio de Estado Mnimo, em que se isenta

    paulatinamente do seu papel de garantidor de direitos. Os neoliberais defensores do

    Estado Mnimo creditam ao mercado a capacidade de regulao do capital e do

    trabalho e consideram as polticas pblicas as principais responsveis pela crise que

    perpassa as sociedades. A interveno estatal estaria afetando o equilbrio da ordem,

    tanto no plano econmico como no plano social e moral, na medida em que tende a

    desrespeitar os princpios da liberdade e da individualidade, valores bsicos do ethos

    capitalista (AZEVEDO, 1997, p. 12).

    Contudo, a Sociedade Civil se coloca fora do aparelho do Estado. Na relao

    com o Estado, se configura como um fenmeno histrico que resulta do processo de

    diferenciao social; em que ela prpria o resultado de um processo interno de

    transformao nos quais os agentes individuais que dela participam tendem a se tornar

    mais iguais e, assim, a sociedade civil mais democrtica (PEREIRA, 1999, p. 72).

    Nesse paradigma neoliberal em que se vive, conta-se tambm com o

    desenvolvimento da relao entre Estado e mercado. So duas instituies criadas pela

    sociedade, a primeira, como reguladora ou coordenadora de toda a vida social, inclusive

    estabelece as normas do mercado; j a segunda se coloca como coordenadora da

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    produo de bens e servios realizados por indivduos e empresas (PEREIRA, 1999,

    p. 71).

    A partir disso, a relao entre Estado e sociedade delineada por condicionantes

    estruturais como:

    [...] a crise do estado no ltimo sculo; o brutal aumento daprodutividade acompanhado contraditoriamente de melhoria dospadres de vida e de crescente concentrao e renda; causando aexcluso social; o desafio da globalizao to superestimado quantoreal, nesse caso, no plano poltico, a globalizao significa, ousignificaria, a relativa perda de autonomia decisria dos Estadosnacionais; o avano da democracia (PEREIRA, 1999, p. 74-78).

    Um dos aspectos que perpassam esses conflitos o fomento das Polticas

    Pblicas, que so uma verdadeira idia de que seu contedo deve ter um sentido

    universalizante, dirigindo-se populao toda (DAGNINO, 2002, p. 297).

    Com efeito, pode-se afirmar que um setor ou uma poltica pblica para um setor

    (j que a sociedade divide-se em setores como: sade, educao, habitao, dentre

    outros, e que necessita dessas condies para produzir sua histria), constitui-se a partir

    de uma questo que se toma socialmente problematizada. A partir de um problema que

    passa a ser discutido amplamente pela sociedade, exigindo a atuao do estado.

    Concordamos com Boaventura (1998, p. 60), quando afirma que O estado deve

    ser o grande articulador que integre um conjunto hbrido de fluxos, redes e organizaes

    que se combinem e interpenetrem elementos estatais e no-estatais, nacionais e

    globais.

    Contudo, os Estados possuem ampla capacidade de definir polticas desde que

    seu governo disponha de governabilidade, o que depende, principalmente, de sua

    legitimidade junto respectiva sociedade civil e de governana, que funo da sade

    financeira do estado, da competncia de seus polticos e burocratas em tomar decises

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    estratgicas, e da existncia de instituies que viabilizam uma administrao gerencial,

    efetiva e eficiente do prprio estado (PEREIRA, 1999, p. 78).

    Entretanto, h que se admitir a possibilidade de que pelo menos parte dos

    projetos democratizantes originados na sociedade civil tenha, efetivamente, passado a

    orientar a ao dos ocupantes do estado (DAGNINO, 2002, p. 282).

    Tem-se que retomar a importncia das diversas concepes sobre a natureza da

    participao da sociedade civil, como elementos centrais na configurao de distintos

    projetos polticos. Essas diferentes concepes se manifestam, paradigmaticamente, de

    um lado, na resistncia dos Executivos em compartilhar o seu poder exclusivo sobre

    decises referentes s polticas pblicas; de outro, na insistncia daqueles setores da

    sociedade civil em participar efetivamente dessas decises e concretizar o controle

    social sobre elas (DAGNINO, 2002, p. 282).

    Nesta perspectiva, os fazedores da poltica, ao tomarem decises que conduzem

    sua definio e formulao, esto se apoiando em algum tipo de definio social da

    realidade, peculiar a determinados grupos, que se ver a seguir ao se discutir o

    PRONERA, como alvo de uma discusso para uma Poltica Pblica, analisando seus

    elementos e identificando se h uma reedio do ruralismo pedaggico ou se o mesmo

    traz em seu bojo avanos no aspecto de um projeto que se transforme numa poltica

    universalizante.

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    2.2 Reflexes sobre a Educao de Jovens e Adultos no Brasil

    Neste item, faz-se uma reflexo sobre a educao de jovens e adultos no pas,

    ou seja, como as polticas pblicas foram sendo delineadas na primeira metade do

    sculo XX, para isso, referenda-se nos estudos de Srgio Haddad e Maria Clara de

    Pierro (2000) e, para o aprofundamento histrico, recorre-se a outros autores como:

    Paiva (1982), Gadotti (1988; 2000) e Gohn (2001).

    A partir de 1920, houve, no Brasil, um movimento de educadores no

    provimento de polticas pblicas para educao de jovens e adultos, num conjunto de

    situaes que passou a engendrar uma exigncia maior do estado, para que este se

    responsabilizasse pela oferta desses servios. Essas transformaes estavam interligadas

    com o processo de industrializao e incio da acelerao da urbanizao, ou seja,

    transformao da sociedade brasileira que acontecia no final da dcada de 1930. Desde

    ento, surge no cenrio nacional preocupao com o ensino de jovens e adultos,

    configurado no Plano Nacional de Educao. No entanto, apenas na dcada seguinte, a

    Educao de Jovens e Adultos define sua identidade tomando forma de uma Campanha

    Nacional.

    Em 1934, a nova Constituio props um plano nacional de educao, fixado,

    coordenado e fiscalizado pelo Governo Federal, responsabilizando as esferas da Unio,

    dos estados e municpios.

    Foi criado, em 1947, o Servio de Educao de Adultos (SEA) como Servio

    Especial do Departamento Nacional de Educao do Ministrio da Educao e Sade.

    Contudo, foi a partir da dcada de 1950 que teve incio um movimento social

    organizado no campo, que exige do poder pblico a adoo de medidas mais favorveis

    ao grupo de trabalhadores. Desde ento, a reforma agrria vem sendo alvo de debates e

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    lutas entre grupos com interesses opostos: grandes proprietrios ou trabalhadores rurais.

    Nesse mesmo perodo, a educao de jovens e adultos passava a ser condio necessria

    para que o Brasil se realizasse como nao desenvolvida, gerando uma Campanha de

    Educao de Adolescentes e Adultos (CEAA). Com a criao desses servios, os

    estados e municpios tiveram que investir numa infra-estrutura que atendesse a

    educao de jovens e adultos. Tambm houve outras duas iniciativas organizadas pelo

    ministrio da Educao e Cultura, em 1952 a Campanha Nacional de Educao Rural

    e, em 1958, a Campanha de Erradicao do Analfabetismo, ambas duraram pouco e

    no tiveram grandes resultados.

    Durante o regime militar (entre 1964 e 1980), os conflitos de terra aumentaram

    em todas as regies do pas, mas o movimento popular no campo foi duramente

    reprimido, como em todos os demais setores da vida poltica nacional. Porm, os

    sindicatos de trabalhadores rurais e a vigncia da legislao trabalhista no foram

    suprimidos. Os movimentos religiosos deram continuidade luta dos trabalhadores

    rurais, retomando a direo da Confederao Nacional dos Trabalhadores na

    Agricultura (CONTAG). Movimentos de educao e cultura popular, ligados a Igreja

    Catlica e a governos, desenvolveram experincias de alfabetizao de adultos

    orientadas a conscientizar os participantes de seus direitos.

    Nesta poca, a concepo de EJA era marcada por uma viso do analfabetismo

    como causa e no como efeito da situao econmica. At ento, o adulto no-

    escolarizado era percebido como um ser imaturo e ignorante, que deveria ser atualizado

    com os mesmos contedos formais da escola primria, percepo esta que reforava o

    preconceito contra o analfabeto (PAIVA, 1973, p. 209).

    No ano de 1967, foi fundado o Movimento Brasileiro de Alfabetizao

    (MOBRAL) e, posteriormente, em 1971, houve a implantao do Ensino Supletivo,

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    para e educao de jovens e adultos, em vista de os militares terem a proposta de

    construir um grande pas e, assim, denotando nacionalmente e internacionalmente a

    ao nos setores da educao, principal canal de mediao do governo com a sociedade.

    A implantao do Ensino Supletivo se deve Lei Federal n 5.692, que reformulou as

    diretrizes do ensino de 1 e 2 graus.

    Todavia, foi no mbito estadual que se firmou o ensino supletivo, tendo uma

    diversidade na sua oferta. A Lei Federal props que o ensino supletivo fosse

    regulamentado pelos conselhos estaduais de educao. Portanto, foram criados em

    quase todas as unidades da Federao rgos especficos para o ensino supletivo dentro

    das secretarias de educao.

    Quanto ao MOBRAL, mantido pela esfera municipal, obteve muitas crticas

    ao trabalho de alfabetizao. Seus materiais pedaggicos e planejamentos foram

    entregues sob responsabilidade de empresas privadas que elaboraram algo homogneo,

    sem considerar a diversidade existente nacionalmente. Outra crtica foi o pouco tempo

    destinado alfabetizao e os critrios para a verificao de aprendizagem. J o Ensino

    Supletivo acabou suprindo a escolarizao regular e fomentando a educao do

    futuro, baseada nos meios de comunicao, em que a escola tem o papel da

    sistematizao dos conhecimentos.

    No incio, o governo autoritrio queria suprimir todos os movimentos de

    educao e cultura popular no perodo anterior ao de 1964, pois acreditava que os

    processos educativos poderiam levar a manifestaes populares, desestabilizando o

    regime. Com o MOBRAL e Ensino Supletivo, os militares estavam interessados em

    reconstruir, por via da educao, a mediao com os setores populares.

    No incio da dcada de 1980, com o fim do regime militar, os movimentos

    sociais no campo voltaram a atuar de modo organizado. Do lado dos trabalhadores

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    rurais, nasceu o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, inicialmente no

    estado Rio Grande do Sul e, posteriormente, atingindo outros estados.

    Nesse perodo, houve o alargamento dos direitos sociais, juntamente com a

    Constituio de 1988 em que se reconheceu o direito de pessoas jovens e adultas

    educao fundamental, sob responsabilidade do Estado, da educao pblica, gratuita e

    universal. E, com a ampliao dos debates, aos poucos o sujeito dito analfabeto (nessa

    sociedade que reconhece somente a leitura e escrita como alfabetismo), passou a ser

    visto como um ser produtivo capaz de raciocinar e resolver os seus problemas.

    Com a Constituio Federal de 1988, ficou assegurado o direito a Educao para

    todos, porm, na atual LDB, a EJA vem caracterizada enquanto direito de todos, mas

    no como dever do estado, o que se torna contraditrio, pois h a afirmao, no plano

    jurdico, do direito formal dos jovens e adultos educao bsica e, por outro lado, a

    negao pelas polticas pblicas concretas, as quais criem condies para esse processo

    de estudo.

    Em 1985, o MOBRAL extinto e surge a Fundao Educar, a qual no se constitui

    como programa, mas como instituio que apia pedagogicamente outros projetos. Nos

    anos Collor, a Fundao Educar foi extinta, deixando um enorme vazio em termos de

    polticas para a Educao de Jovens e Adultos.

    Um marco na educao de jovens e adultos, nessa dcada, foi a transferncia

    da responsabilidade dos programas de alfabetizao e ps-alfabetizao de jovens e

    adultos da Unio para estados e municpios. Tambm em 1996, foi aprovada a nova Lei

    de Diretrizes e Bases (LDB) n 9394/96, em que ressalta o direito do ensino bsico aos

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    jovens e adultos, adequados s condies de estudo e oferta de ensino gratuito na

    forma de cursos supletivos6.

    Na segunda metade dos anos de 1990, foram concebidos trs programas em

    nvel nacional, so eles:

    a) Programa de Alfabetizao Solidria (PAS), criado em 1996,

    inicialmente atendia s regies Norte e Nordeste; campanha de

    alfabetizao inicial, pblico juvenil. Depois, com a crescente demanda,

    estendeu-se regio Centro-Oeste e ao estado de Minas Gerais, e s

    regies metropolitanas de So Paulo e Rio de Janeiro. Coordenado pelo

    Conselho da Comunidade Solidria, organismo vinculado Presidncia

    da Repblica;

    b) Plano Nacional de Formao e Qualificao Profissional (PLANFOR),

    implementado em 1995, convnio com os Estados que visa oferta de

    educao profissional com vistas a qualificar e requalificar a populao.

    Coordenado pela Secretaria de Formao do Desenvolvimento

    Profissional do Ministrio do Trabalho (SEFOR/MTB) e financiado com

    os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT);

    c) Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria (PRONERA),

    criado em 1998, coordenado pelo Instituto de Colonizao e Reforma

    Agrria (INCRA), vinculado ao Ministrio de Desenvolvimento Agrrio

    (MDA) e tendo articulao com o Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra (MST). O Objetivo do programa alfabetizar e escolarizar

    6Os cursos de ensino supletivo so caracterizados por serem aligeirados, o que os diferencia do ensinoregular. So cursos semestrais, o aluno que interrompe o curso no precisa esperar o ano inteiro para

    voltar escola.

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    jovens e adultos nas reas de reforma agrria. Este programa o foco da

    atual pesquisa, o qual ter seus elementos aprofundados e debatidos no

    captulo II.

    Percebe-se que as trs iniciativas referidas abarcam pontos em comum: todos so

    iniciativas desenvolvidas em regime de parceria, implicando no processo de

    escolaridade pelas diversas parcerias de instncias governamentais, organizaes da

    sociedade civil, movimentos sociais e instituio de ensino e pesquisa. No entanto,

    nenhum deles coordenado pelo Ministrio da Educao.

    No prximo captulo, pretende-se expor o papel do Estado frente a essas

    iniciativas relacionadas acima, as lutas da sociedade civil na presso a favor da

    ampliao das Polticas Pblicas, para o atendimento dos povos que vivem e trabalham

    no campo.

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    Figura 3: Assentamento 1 de Maio, situado no municpio de Curitibanos;

    Crdito: Rodrigo Jos Antnio Beltrame.

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    3 UM NOVO PROGRAMA PARA O CAMPO

    3.1. Novas polticas pblicas para o campo: O Programa Nacional de Educao na

    Reforma Agrria.

    A populao do campo faz parte de um imaginrio popular, aparecendo como

    um lugar de atraso, arcaico e inferior. Desse modo, os sujeitos do campo sofrem com a

    excluso social e o descaso dos governos, legitimando ausncia de polticas pblicas e

    servios pblicos, seja na rea da educao, da sade, habitao e outros. Mesmo

    sobrevivendo em condies adversas, a populao da zona rural vem resistindo e

    lutando por seus direitos atravs de diversas iniciativas.

    Azevedo (1997, p. 05-06), afirma que as polticas pblicas so definidas,

    implementadas, reformuladas ou desativadas com base na memria da sociedade ou do

    estado em que tem lugar e que, por isso, guardam estreita relao com as representaes

    sociais que cada sociedade desenvolve sobre si prpria. E que, nesse sentido, so

    construes informadas pelos valores, smbolos, normas, enfim, pelas representaes

    sociais que integram o universo cultural e simblico de uma determinada realidade. Este

    o caso da Educao do Campo, que tem uma especificidade, de acordo com sua

    realidade, com seus sujeitos, suas necessidades e a poltica pblica a ser elaborada tem

    que atender s especificidades da realidade daqueles sujeitos.

    A partir disso, a educao escolar segue desempenhando papel fundamental na

    luta da populao do campo:

    A escola passou a ser vista como uma questo tambm poltica comoparte da estratgia de luta pela Reforma Agrria, vinculada spreocupaes gerais do Movimento com a formao de seus sujeitos(CALDART, 2000, p. 146).

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    A histria da concentrao fundiria marca o Brasil desde 1500. Por conta disso,

    aconteceram diversas formas de resistncia como os Quilombos, Canudos, as Ligas

    Camponesas, as lutas de Trombas e Formoso, a Guerrilha do Araguaia, entre muitas

    outras.

    Em 1961, com a renncia do ento presidente Jnio Quadros, Joo Goulart o

    Jangoassume o cargo com a proposta de mobilizar as massas trabalhadoras em torno

    das reformas de base, que alterariam as relaes econmicas e sociais no pas. Vive-se,

    ento, um clima de efervescncia, principalmente sobre a Reforma Agrria.

    Com o golpe militar de 1964, as lutas populares sofrem violenta represso.

    Nesse mesmo ano, o presidente-marechal Castelo Branco decretou a primeira Lei de

    Reforma Agrria no Brasil: o Estatuto da Terra. Elaborado com uma viso progressista

    com a proposta de mexer na estrutura fundiria do pas, ele jamais foi implantado e se

    configurou como um instrumento estratgico para controlar as lutas sociais e

    desarticular os conflitos por terra. As poucas desapropriaes serviram apenas para

    diminuir os conflitos ou realizar projetos de colonizao, principalmente na regio

    amaznica. De 1965 a 1981, foram realizadas 8 desapropriaes em mdia, por ano,

    ainda que tivessem ocorrido pelo menos 70 conflitos por terra, anualmente

    Nos anos da ditadura, apesar das organizaes que representavam as

    trabalhadoras e trabalhadores rurais serem perseguidas, a luta pela terra continuou

    crescendo. Foi quando comearam a ser organizadas as primeiras ocupaes de terra,

    no como um movimento organizado, mas sob influncia principal da ala progressista

    da Igreja Catlica, que resistia ditadura. Foi esse o contexto que levou ao surgimento

    da Comisso Pastoral da Terra (CPT), em 1975.

    Nesse perodo, o Brasil vivia uma conjuntura de extremas lutas pela abertura

    poltica, pelo fim da ditadura e de mobilizaes operrias nas cidades. Fruto desse

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    contexto, em janeiro de 1984, ocorre o primeiro encontro do MST em Cascavel, no

    Paran, onde se reafirmou a necessidade da ocupao como uma ferramenta legtima

    das trabalhadoras e trabalhadores rurais. A partir da, comeou-se a pensar um

    movimento com preocupao orgnica, com objetivos e linha poltica definidos.

    Em 1985, em meio ao clima da campanha "Diretas J", o MST realizou seu

    primeiro Congresso Nacional, em Curitiba, no Paran, cuja palavra de ordem era:

    "Ocupao a nica soluo". Neste mesmo ano, o governo de Jos Sarney aprova o

    Plano Nacional de Reforma Agrria (PNRA), que tinha por objetivo dar aplicao

    rpida ao Estatuto da Terra e viabilizar a Reforma Agrria at o fim do mandato do

    presidente, assentando 1 milho e 400 mil famlias. Mais uma vez, a proposta de

    Reforma Agrria ficou apenas no papel. O governo Sarney, modificado com os

    interesses do latifndio, ao final de um mandato de 5 anos, assentou menos de 90 mil

    famlias sem-terra. Ou seja, apenas 6% das metas estabelecidas no PNRA foram

    cumpridas por aquele governo.

    Com a articulao para a Assemblia Constituinte, os ruralistas se organizam na

    criao da Unio Democrtica Ruralista (UDR) e atuam em trs frentes:

    a) o brao armadoincentivando a violncia no campo;

    b) a bancada ruralista no parlamento;

    c) a mdia como aliada.

    Os ruralistas conseguiram impor emendas na Constituio de 1988 ainda mais

    conservadoras que o Estatuto da Terra.

    Porm, nessa Constituio, os movimentos sociais tiveram uma importante

    conquista no que se refere ao direito terra: os artigos 184 e 186. Eles fazem referncia

    funo social da terra e determinam que, quando ela for violada, a terra seja

    desapropriada para fins de Reforma Agrria. Esse foi tambm um perodo em que o

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    MST reafirmou sua autonomia, definiu seus smbolos, bandeira, hino. Assim, foram se

    estruturando os diversos setores dentro do Movimento.

    A eleio de Fernando Collor de Melo para a presidncia da Repblica, em

    1989, representou um retrocesso na luta pela terra, j que ele era declaradamente contra

    a Reforma Agrria e tinha ruralistas como seus aliados de governo. Foram tempos de

    represso contra os Sem Terra, despejos violentos, assassinatos e prises arbitrrias. Em

    1990, ocorreu o II Congresso do MST, em Braslia, e que continuou debatendo a

    organizao interna, as ocupaes e, principalmente, a expanso do Movimento em

    nvel nacional. A palavra de ordem era: "Ocupar, resistir, produzir".

    Em 1994, Fernando Henrique Cardoso vence as eleies com um projeto de

    governo neoliberal, principalmente para o campo. o momento em que se prioriza

    novamente a agro-exportao. Ou seja, em vez de incentivar a produo de alimentos, a

    poltica agrcola est voltada para atender aos interesses do mercado internacional e para

    gerar os dlares necessrios para pagar os juros da dvida externa.

    No ano seguinte, o MST realizou seu III Congresso Nacional, em Braslia. Cresce a

    conscincia de que a Reforma Agrria uma luta fundamental no campo, mas que se

    no for disputada na cidade, nunca ter uma vitria efetiva. Por isso, a palavra de ordem

    foi "Reforma Agrria, uma luta de todos".

    J em 1997, o Movimento organizou a histrica "Marcha Nacional Por

    Emprego, Justia e Reforma Agrria" com destino a Braslia, com data de chegada em

    17 de abril, um ano aps o massacre de Eldorado dos Carajs, quando 21 Sem Terra

    foram brutamente assassinados pela polcia no Par.

    Em agosto de 2000, o MST realiza seu IV Congresso Nacional, em Braslia, cuja

    palavra de ordem foi "Por um Brasil sem latifndio" e que orienta as aes do

    movimento at hoje.

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    O Brasil sofreu oito anos com o modelo econmico neoliberal implantado pelo

    governo FHC, que provocou graves danos para quem vive no meio rural, fazendo

    crescer a pobreza, a desigualdade, o xodo, a falta de trabalho e de terra. A eleio de

    Lula, em 2001, representou a vitria do povo brasileiro e a derrota das elites e de seu

    projeto. Mas, mesmo essa vitria eleitoral no foi suficiente para gerar mudanas

    significativas na estrutura fundiria e no modelo agrcola. Assim, necessrio

    promover, cada vez mais, as lutas sociais para garantir a construo de um modelo de

    agricultura que priorize a produo de alimentos e a distribuio de renda.

    Em 2007, completando vinte e dois anos de existncia, o MST entende que seu

    papel como movimento social continuar organizando os pobres do campo,

    conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os para que lutem por mudanas. Nos

    23 estados em que o Movimento atua, a luta no s pela Reforma Agrria, mas pela

    construo de um projeto popular para o Brasil, baseado na justia social e na dignidade

    humana7.

    O modo como so organizados os grupos de assentados, sem, necessariamente,

    terem constitudo um vnculo social, leva a situaes de conflitos internos e

    desorganizao que dificultam o processo de fortalecimento grupal e a construo de

    vnculos de solidariedade necessrios agricultura familiar.

    Portanto, pode-se dizer que o processo de reforma agrria tem como desafio ser

    mais do que a simples distribuio de terra. Para isso, preciso haver assistncia tcnica

    e social adequadas, e um amplo processo de educao do campo. Esse movimento por

    uma educao do campo, confluiu para uma articulao interinstitucional da qual

    participam os movimentos sociais, organizaes governamentais e no-governamentais,

    com o apoio da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Organizao

    7 Fonte do histrico do MST: Mitsue Morissawa. A histria da luta pela terra e o MST. So Paulo:Editora Expresso Popular, 2001.

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    das Naes Unidas para Cincia e Cultura (UNESCO), do Fundo das Naes Unidas

    para a Infncia (UNICEF), e da Universidade de Braslia (UNB). Essa articulao

    possibilitou que, em 1998, fosse realizada em Braslia a 1 Conferncia Nacional Por

    Uma Educao Bsica no Campo, que assumiu a responsabilidade de mobilizar a

    sociedade e os rgos governamentais no fomento de polticas pblicas que garantam o

    direito educao para a populao do campo.

    Nesse contexto, por presso dos movimentos sociais, em 1998 foi criado o

    Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria, vinculado aos movimentos

    sociais do campo8, e instalado no Instituto de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA).

    O PRONERA nasce como um experimento, assim afirma um dos

    coordenadores da avaliao do referido programa, [...] um experimento com vistas

    construo de uma poltica pblica de Educao do Campo e um instrumento da

    estratgia de democratizao do acesso terra e desenvolvimento rural sustentado por

    meio da Reforma Agrria (HADDAD, apud ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 13).

    Essa iniciativa vem possibilitando o processo de alfabetizao e escolarizao de

    assentados da reforma agrria no Brasil desde 1998, ano em que foi criado.

    Este Programa tem como principal objetivo:

    Fortalecer a educao nos Projetos de Assentamento da ReformaAgrria, estimulando, propondo, criando, desenvolvendo ecoordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadaspara a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para o

    desenvolvimento rural sustentvel (MANUAL, 2001, p. 12)9.

    Tem, ainda, como objetivos especficos:

    a) alfabetizar e oferecer formao e Educao Fundamental a jovens e

    adultos nos Projetos de Assentamentos da Reforma Agrria;

    8Como o MST e CONTAG, entre outros.9Objetivo retirado do Manual de Operaes do PRONERA, Braslia, 2001.

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    b) desenvolver a escolarizao e formao de monitores para atuar na

    promoo da educao nos Projetos de assentamento da Reforma

    Agrria;

    c) oferecer formao continuada e escolarizao mdia e superior aos

    educadores/as de jovens e adultos EJA e do ensino fundamental nos

    Projetos de Assentamento da Reforma Agrria;

    d) oferecer aos assentados escolarizao e formao tcnico-profissional

    com nfase em reas do conhecimento que contribuam para o

    Desenvolvimento Rural Sustentvel;

    e) produzir e editar os materiais didtico-pedaggicos necessrios

    consecuo dos objetivos do programa.

    O pblico alvo de tal programa so jovens e adultos moradores de Projetos de

    Assentamentos da Reforma Agrria criados pelo INCRA ou por rgos Estaduais de

    Terras, desde que haja parceria formal entre o INCRA e esses rgos. Os beneficirios

    diretos do PRONERA so os jovens e adultos, moradores de Projetos de assentamento

    de Reforma Agrria, analfabetos e/ou com escolarizao incompleta; monitores e

    educadores do ensino fundamental que atuam nos Projetos de Assentamento de

    Reforma Agrria. Coordenadores locais e alunos universitrios. (MANUAL, 2001,p. 13).

    Os princpios tericos - metodolgicos do PRONERA dividem-se em:

    a) Carter interativo: as aes so desenvolvidas por meio de parcerias

    entre rgos governamentais, Instituies de Ensino Superior,

    movimentos sociais e sindicais e as comunidades assentadas, no intuito

    de estabelecer uma interao permanente entre esses atores sociais, pela

    via da escolarizao continuada;

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    b) Carter multiplicador: a educao dos assentados visa a ampliao no s

    do nmero de alfabetizados mas tambm do nmero de monitores e de

    agentes educadores/ mobilizadores nos Projetos de Assentamento de

    Reforma Agrria;

    c) Carter participativo: a indicao das necessidades a serem atendidas

    feita pela comunidade beneficiria, que dever estar envolvida em todas

    as fases elaborao, execuo e avaliao - dos projetos (MANUAL,

    2001, p. 13-14).

    Diante desses elementos, evidencia-se a interao entre as partes envolvidas no

    desenvolvimento de todo o programa, ou seja, a comunidade implicada no processo a

    elaborar as aes e objetivos dos projetos, o que no ruralismo pedaggico no ocorria,

    os programas eram pensados e coordenados pelo governo, o qual no atendia, na

    maioria das vezes, a real necessidade da populao do campo.

    Na avaliao do PRONERA Nacional, constatou-se que desde sua criao, em

    1998 at 2002, o PRONERA j alfabetizou quase 110 mil assentados ou acampados em

    nvel nacional10.

    Entretanto, os assentados/as atravs do programa podem ter acesso ao processo

    de alfabetizao, escolarizao ou formao tcnico profissional. Para inserir-se nos

    projetos, foram estabelecidos alguns parmetros. O educando deve residir no

    assentamento, ser analfabeto ou no ter concludo as sries iniciais (de 1 a 4 srie) e

    demonstrar interesse em freqentar as aulas. Os educadores ou monitores so indicados

    pelas lideranas dos movimentos sociais e da comunidade e devem ter um nvel elevado

    de escolaridade em relao s pessoas do seu grupo, como condio mnima. Esses

    critrios nem sempre so rigorosamente seguidos, principalmente quando se trata do

    10Fonte: Relatrios de Atividade MDA/INCRA/Coordenao de Projetos Especiais

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    grau de escolaridade dos educadores/as. No entanto, o programa, atravs da

    Universidade, prev a escolarizao desses monitores.

    Contudo, os projetos realizados pelo programa devem conter trs aes:

    a) a alfabetizao e/ou escolarizao de jovens e adultos, entendendo esse

    processo como a aquisio das capacidades e habilidades de domnio da

    leitura e da escrita; de conhecimentos bsicos de matemtica; da

    sociedade; da vida e da natureza;

    b) capacitao pedaggica e escolarizao de monitores para o ensino

    fundamental na modalidade supletiva, para que venham a atuar como

    agentes multiplicadores nos assentamentos;

    c) as visitas de acompanhamento pedaggico em que o grupo da

    universidade juntamente com os coordenadores locais11visita as turmas

    de EJA, auxiliando pedagogicamente o trabalho dos monitores e o

    processo de escolarizao dos educandos (MANUAL, 2001,p. 24).

    Mas, o programa, bem como o cenrio do campo, enfrenta grandes dificuldades

    de diferentes ordens, uma delas a desmotivao dos educandos/as, a questo da infra-

    estrutura dos lugares de dar aulas nos assentamentos algo que comprova o total

    descaso dos rgos institucionais com os habitantes da zona rural:

    Os educandos/as esto submetidos s condies adversas para assistirem suas

    aulas. Todas essas dificuldades implicam em todo o processo educativo, ou seja, nada

    est isolado, cada dificuldade implica em outra e, desse modo, vai se agravando a

    situao, o que traz uma grande preocupao que a evaso dos educandos/as12.

    11 Atuam como agentes multiplicadores e organizadores de atividades educativas e comunitriasacompanham o desenvolvimento das turmas e dos educadores (MANUAL, 1998, p. 24).12

    Para aprofundar o estudo sobre os elementos que levam os educandos a evadirem desse processo, ler:RODRIGUES, Lyvia Mauricio.Desafios e Possibilidades na Educao de Jovens e Adultos no contextodo Pronera. Dissertao (Mestrado em Educao) UFSC. Florianpolis, 2006.

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    Diversos elementos, como o estigma criado sobre os habitantes da zona rural,

    bem como a mobilizao poltica em que muitas vezes os militantes precisam ausentar-

    se das aulas em virtude de mobilizaes, manifestaes pblicas e motivao da base, as

    interrupes freqentes do financiamento, tudo isso contribui para o processo de evaso,

    o qual est sempre em pauta para a discusso nos mais diversos mbitos da parceria

    entre universidade, movimentos sociais e INCRA.

    A evaso dos cursos de educao de jovens e adultos nos cinco primeiros anos

    do programa, em nvel nacional, oscila, entre 7,6% a 70%, chegando, algumas vezes, ao

    fechamento de turmas13. Tambm se tem o dado de que no Brasil 10% de pessoas de 7 a

    14 anos no freqentavam a escola em 200014. No caso dos jovens e adultos, o

    problema do analfabetismo na zona rural se agrava ainda mais, trs em cada dez adultos

    so analfabetos absolutos. Entre jovens e adultos de 15 a 24 anos, havia um milho de

    analfabetos15. Esse o cenrio do descaso e do desconhecimento da problemtica das

    polticas educacionais das populaes do campo.

    Diante disso, o PRONERA, aos poucos vem ocupando lugar central nos debates

    de polticas pblicas e de insero na formulao dos debates por uma educao de

    qualidade.

    [O Pronera], alavancado pelos movimentos sociais do campo, com opropsito de inserir na agenda pblica a discusso sobre uma polticade direito constitucional dos povos do campo a uma educao dequalidade (ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 37).

    Os pontos mencionados at o momento servem de reflexo do papel desse

    programa e o que se tem feito para organizar todas essas aes num comprometimento

    13Dado retirado da avaliao do PRONERA, realizado pela ONG Ao Educativa (2004, p. 31).14

    Fonte: Censo Demogrfico 2000, IBGE, citado pelo Unicef no Relatrio da situao da infncia eadolescncia brasileira.15Dado retirado da avaliao da Ao Educativa (2004, p. 19).

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    maior do governo, dos estados e municpios, os quais devem assumir mais formalmente

    as polticas educacionais do campo.

    Acredita-se que so essas prticas e reflexes produzidas pelos sujeitos

    organizados nos movimentos sociais que contriburam para que realmente entrasse na

    agenda poltica da sociedade brasileira a importncia da construo de polticas pblicas

    especficas para a Educao do campo16 na perspectiva de criar condies reais de

    desenvolver este territrio, de desenvolver o espao do campo a partir do

    desenvolvimento das potencialidades de seus sujeitos (MOLINA apud ANDRADE; DI

    PIERRO, 2004, p. 76).

    Por isso, a importncia da formulao de um novo paradigma que a

    Educao do Campo, e que contribuir, tambm, na formulao das polticas pblicas

    do campo, na luta pelos direitos dos povos do campo. Toda essa discusso de

    Educao do Campo se d no grupo denominado Articulao nacional por Uma

    Educao do Campo, organizado junto SECAD, e que tiveram um ganho que foi a

    aprovao das Diretrizes Operacionais para a Educao Bsica das Escolas do Campo.

    Todas essas discusses transcendem a educao escolar, mas segue a

    reivindicao de um conjunto de elementos os quais criam condies para uma vida

    digna no campo.

    O envolvimento das parcerias com o programa traz, na sua avaliao, outras

    consideraes como:

    Ainda temos que avanar nas polticas pblicas nessa nova concepode Estado, pois, mesmo que o PRONERA tenha progredido, ainda hmuito outros elementos que so impeditivos ou dificultadores dessalgica. Um exemplo disso pode ser observado na concepo deparceria apresentada pelos sujeitos educadores/as, educandos/as,professores universitrios , quando apontam como grandes parceiros

    16Quando nos remetemos a Educao do Campo, concebe o campo como espao de vida e resistncia, emque camponeses lutam por acesso e permanncia na terra, que respeite suas diferenas quanto relao

    com a natureza, sua cultura, seu trabalho, suas relaes. A Educao Rural, como vimos em captulosanteriores, vem embasada historicamente associada a uma educao precria, atrasada, com poucaqualidade e poucos recursos (Molina, 2003, p. 76).

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    apenas as instituies pblicas de educao, tendo dificuldades deavanar em termos de novas relaes no-governamentais com oEstado. [...] Podemos dizer que h flexibilizao na participao dasparcerias e que a gesto compartilhada depende de cada parceiro, aforma de envolvimento e a forma da participao de cada sujeito(JESUS, apud ANDRADE; DI PIERRO, 2004, p. 97-98).

    Na anlise dos organizadores, o PRONERA um programa que tem muitos

    limites no seu desenvolvimento, mas ao mesmo tempo, vem abrindo caminhos para a

    discusso de polticas pblicas educacionais no meio rural.

    No h aqui a inteno de explorar ou esgotar todas as anlises que configuram

    este debate e as controvrsias do programa em questo. Apresentam-se, apenas alguns

    elementos com o vis dos autores e colaboradores do projeto que permitem

    problematizar e implicar os sujeitos envolvidos no processo, e as polticas sociais. No

    Captulo 4, aprofundam-se as especificidades do PRONERA na UFSC, quanto ao modo

    que vem se desenvolvendo frente s instituies e organizaes locais.

    3.2. A organizao do PRONERA em Santa Catarina, na UFSC

    Nesse captulo, pretende-se refletir sobre a trajetria do Programa Nacional de

    Educao na Reforma Agrria PRONERA, ou seja, historicizar e analisar o

    desenvolvimento de tal programa no Estado de Santa Catarina, no projeto desenvolvidocom a UFSC.

    O projeto Alfabetizao e Liberdade: interao entre sujeitos educadores/as,

    foi gestado para ser desenvolvido em trs frentes que trabalham em parceria, quais

    sejam: Universidade Federal de Santa Catarina, Ministrio do Desenvolvimento

    Agrrio MDA e Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

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    A participao do MDA se d via Instituto Nacional de Colonizao e Reforma

    Agrria INCRA que subsidia o PRONERA. Nas instncias regionais do INCRA, o

    vnculo operacional com a universidade ocorre atravs do papel da asseguradora do

    PRONERA. A atribuio dos parceiros da Superintendncia Regional do INCRA

    acompanhar o desenvolvimento do projeto, bem como o cumprimento do convnio. No

    entanto, constatou-se que a participao da asseguradora, nos momentos de construo,

    anlise e avaliao dos projetos, traz a necessidade de fortalecimento e de continuidade

    deste vnculo.

    A participao da UFSC requer uma articulao entre diversos setores, quais

    sejam: Reitoria, Pr-reitoria de Cultura e Extenso, Pr-reitoria de assuntos da

    Comunidade, Fundao de Amparo Pesquisa e Extenso Unive