4
http://www.fae.ufmg.br/portalmineiro Livro: A educação exilada; Colégio do Caraça. Autora: Mariza Guerra de Andrade Editora: Autêntica ( Coleção Historial) Ano: 2000 Nº Páginas: 214 Luciano Mendes de Faria Filho/FaE-UFMG Raquel Martins de Assis/Doutoranda FaE-UFMG Aqueles que se dedicam ao estudo da história educação brasileira acabam de ganhar uma ótima contribuição às sua reflexões: demorou, mas saiu na forma de livro a dissertação de mestrado de Mariza Guerra de Andrade, defendida em 1992. Tendo por título A educação exilada, a obra trata da história do Colégio Caraça, fundado pelos Congação Lazarista em 1820 e fechado em 1912. O Colégio do Caraça se propunha a formar, a partir dos abastados adolescentes que a ele recorriam, a elite mineira e brasileira, dentro de um espírito cristão e consciente de seu papel na definição dos destinos da nação. Situado na montanhas mineiras, o Colégio Caraça muito mais que uma simples instituição de ensino secundário, representou um modus operandi de formação das elites dirigentes mineiras e brasileiras do período. Por isso, para contar a sua história foi preciso partir daquelas já contadas e estas, não por acaso, como nos mostra o estudo, menos do que revelar uma história, revelam uma memória intensamente partilhada por professores e ex-alunos. Esta talvez seja a primeira lição do livro: muitas vezes a história e a memória valem mais pelo que escondem, pelo que colocam na sombra, do que pelo que revelam. Nos quatro capítulos que compõem o livro, na introdução e na conclusão, e ainda nas imagens e anexos que publica, Mariza move-se com grande desenvoltura pelo terreno da história das instituições educativas e pela história do ensino secundário no Brasil. Nos dois primeiros capítulos, que têm por título Fragmentos de uma longa história e Herdeiros e bacharéis, Mariza Guerra situa o leitor sobre o que é o Colégio do Caraça,

educacao_exilada

Embed Size (px)

DESCRIPTION

educação exilada

Citation preview

  • http://www.fae.ufmg.br/portalmineiro Livro: A educao exilada; Colgio do Caraa. Autora: Mariza Guerra de Andrade Editora: Autntica ( Coleo Historial) Ano: 2000 N Pginas: 214

    Luciano Mendes de Faria Filho/FaE-UFMG Raquel Martins de Assis/Doutoranda FaE-UFMG

    Aqueles que se dedicam ao estudo da histria educao brasileira acabam de ganhar uma tima contribuio s sua reflexes: demorou, mas saiu na forma de livro a dissertao de mestrado de Mariza Guerra de Andrade, defendida em 1992.

    Tendo por ttulo A educao exilada, a obra trata da histria do Colgio Caraa, fundado pelos Congao Lazarista em 1820 e fechado em 1912. O Colgio do Caraa se propunha a formar, a partir dos abastados adolescentes que a ele recorriam, a elite mineira e brasileira, dentro de um esprito cristo e consciente de seu papel na definio dos destinos da nao.

    Situado na montanhas mineiras, o Colgio Caraa muito mais que uma simples instituio de ensino secundrio, representou um modus operandi de formao das elites dirigentes mineiras e brasileiras do perodo. Por isso, para contar a sua histria foi preciso partir daquelas j contadas e estas, no por acaso, como nos mostra o estudo, menos do que revelar uma histria, revelam uma memria intensamente partilhada por professores e ex-alunos. Esta talvez seja a primeira lio do livro: muitas vezes a histria e a memria valem mais pelo que escondem, pelo que colocam na sombra, do que pelo que revelam.

    Nos quatro captulos que compem o livro, na introduo e na concluso, e ainda nas imagens e anexos que publica, Mariza move-se com grande desenvoltura pelo terreno da histria das instituies educativas e pela histria do ensino secundrio no Brasil.

    Nos dois primeiros captulos, que tm por ttulo Fragmentos de uma longa histria e Herdeiros e bacharis, Mariza Guerra situa o leitor sobre o que o Colgio do Caraa,

  • 2

    traando os aspectos gerais de sua histria, a maneira como se constituiu em seus primrdios, ressaltando seus perodos de crise e fechamento e estabelecendo sua importncia como instituio educativa em Minas Gerais.

    Em A Academia dos colegiais e Uma s forma para todo, os dois captulos seguintes do livro, destinam- se a descrever o sistema educacional em geral da poca, especificamente o sculo XIX, e entender o tipo de educao ministrada pelo Colgio do Caraa.

    Produzido num momento em que o estudo da histria das instituies educativas apenas iniciava-se no pas, o texto revela uma grande sensibilidade no trato de seu objeto e uma acuidade terico-metodolgica dignas de serem ressaltadas. Adentrar ao colgio, visualizar sua organizao e a prtica dos sujeitos que o faziam, ultrapassar as representaes institudas, surpreender o processo de estabilizao de uma memria, implicou num rduo trabalho de localizao, produo e intensa leituras de uma gama variada de fontes, revelando tambm que se elas so imprescindveis ao trabalho historiogrfico, nele no pode faltar o rigor terico e criatividade analtica. De fato, o que mais impressiona em A educao exilada o cuidadoso trabalho com as fontes primrias que se evidencia desde as primeiras pginas. A quantidade de fontes consultadas e a organizao que a autora d a elas revela um trabalho atraente e bastante criativo.

    Diversas so as fontes consultadas por Mariza Guerra de Andrade: livros de matrcula, livros de contas, regimentos do Colgio, depoimentos de ex-alunos, correspondncias, livros de avisos gerais da Congregao da Misso, alm dos peridicos da poca, legislaes, entrevistas, entre outros. Atravs da transcrio de diversos trechos de documentos antigos, a autora parece pretender dar voz aos prprios sujeitos daquela poca. A autora debrua-se sobre estas fontes buscando investigar e entender quem eram os alunos do Caraa, qual a procedncia e sua situao social dos mesmos.

    Mas, o que, fundamentalmente, o livro nos traz? Numa rea, a da histria das instituies e do ensino secundrio no Brasil, em que quase tudo est por ser feito, a simples publicao do livro j um acontecimento importante. Felizmente, no entanto,

  • 3

    trata-se de um livro que merece ser saudado por muitos outros motivos. O maior deles, parece-me, est no fato do estudo nos permitir, de maneira bastante densa, estabelecer diversas relaes entre a proposta educativa posta em prtica no Colgio e as prticas sociais mais amplas experienciadas nos oitocentos e nos primeiros anos dos novecentos. Tais relaes, conforme acentua a autora, no se referem apenas reproduo da sociedade, mas so tambm de ativa participao na prpria produo do social.

    Assim, o estudo permite-nos vislumbrar que a forma como o Colgio propes-se amoldar o carter, a estruturar a personalidade, a incutir a f e os valores cristos e a transmitir os conhecimentos, dentre outros, termina por produzir um sujeitos com as competncias e as sensibilidades necessrias a atuao na manuteno e reproduo da ordem social. Distinguir-se socialmente, a partir da educao humanstica ministrada pelos colgios era, a uma s vez, uma forma diferenciar-se e de assumir uma responsabilidade social: a da direo poltica, cultural e espiritual da sociedade.

    Especificamente para aqueles que se dedicam ao estudo da histria da educao no Brasil, o trabalho de grande interesse, pelo menos por trs grandes motivos. Em primeiro lugar, porque, como poucos, o trabalho de Mariza permite-nos ver uma instituio em funcionamento. Ao discorrer sobre a forma como o colgio organizou o processo educativo o texto permite-nos, com grande maestria, passar das influncias estrangeiras na histria da educao brasileira ao dos professores e, em alguns casos, dos alunos agiam. No que se refere aos sujeitos envolvidos no processo educativo, o estudo revela a ao das famlias na busca por uma boa educao para seus filhos, dando a ver desde as estratgias postas em movimento por conseguir uma vaga at as representaes construdas em torno da qualidade do ensino ministrada pela instituio.

    Em segundo lugar, mesmo dedicando-se ao estudos de uma forma particular de organizao da instruo secundria, os colgios religiosos, o livro, constante e sucessivamente, nos descortina a organizao geral dos estudos secundrios no Brasil. Neste aspecto em particular, o livro significa tambm uma excelente contribuio ao estudo no apenas das instituies educativas, mas tambm dos debates e das polticas educacionais, sobretudo do Imprio brasileiro. So reveladoras as informaes acerca

  • 4

    das relaes entre a administrao religiosa do Caraa, o Imprio brasileiro e a Provncia mineira. A primeira, ao mesmo tempo em que se mobiliza pela busca de recursos financeiros pblicos, contanto inclusive com o apoio de seus ex-alunos, desenvolve toda uma argumentao no sentido de que tais recursos implicasse no mnimo possvel de compromissos para com o Estado: no apenas o Colgio no concordava que a subveno pblica implicava em atender a um nmero mnimo de alunos pobres, como tambm se recusava a ser inspecionada pela autoridades provinciais.

    Em terceiro lugar, o livro nos mostra no apenas uma proposta educativa idealizada, mas a forma como tais idias encarnam (se encarnam em) prticas pedaggicas, ritmos temporais, organizao espacial e experincias educativas as mais diversas. Ao tratar do permitido e do proibido, ao enfocar as relaes reguladas pela lei e/ou pelos costumes, ao descortinar as formas de organizao do currculo e os recortes efetuados para coloc-lo em ao no dia-a-dia, o estudo vai nos dando a ver, tambm, as dificuldades pela quais passava o Colgio na operacionalizao de sua proposta educativa.

    No entanto, estes e muitos outros motivos, fazem do livro uma referncia importante para todos aqueles que estudam a histria da educao ou que se dedicam a refletir sobre nossas polticas e memrias educacionais. A leitura do livro agradvel e de grande ajuda para quem queira aventurar-se pelos caminhos da pesquisa histrica, pois ao longo do texto, a autora vai explicitando no apenas o seu trabalho de pesquisa com a documentao, mas sua narrativa traz luz o trajeto da pesquisa, mostrando as questes que so suscitadas diante das fontes utilizadas e os problemas e lacunas inevitveis que urgem do dilogo entre o pesquisador e o seu objeto. Finalmente, assim como o livro nos mostra que impossvel sair inclume do Colgio do Caraa, nos indica tambm que nossas anlises e nossas propostas educativas, polticas e culturais ficam empobrecidas toda vez que exilamos nossas memrias num passado empoeirado e, muitas vezes, idealizado.