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EFEITO DO RAMNOLIPÍDEO SOBRE A HIDROFOBICIDADE DOS BIOFILMES DE
Listeria monocytogenes
S.S. Silva1, J. F. Ferreira
1, M. Nitschke
1
1-Departamento de Físico- Química- Universidade de São Paulo, Instituto de Química de São Carlos- CEP:
13566-590- São Carlos- SP- Brasil, Telefone: +55 (16) 3373-9951 - Fax: +55 (16) 3373-9952- e-mail:
([email protected]; [email protected]; [email protected])
RESUMO – Listeria monocytogenes é um patógeno oportunista que forma biofilmes em superfícies
bióticas e abióticas. Os biofilmes representam uma fonte crônica de contaminação, pois as células
tornam-se mais protegidas e difícil remoção. O uso de ramnolipídeo, um biossurfatante produzido por
Pseudomonas aeruginosa pode ser uma estratégia eficiente para controle de biofilmes, pois apresenta
potencial antimicrobiano, anti-adesivo e dispersivo. Este estudo analisou o efeito do ramnolipídeo
sobre a hidrofobicidade de biofilmes de L. monocytogenes estabelecidos em superfície de poliestireno,
em diferentes condições de concentração de ramnolipídeo, temperatura e meio de cultivo. A
hidrofobicidade foi avaliada através da medida do ângulo de contato. Os resultados mostraram que os
biofilmes formados nos diferentes meios de cultura apresentaram característica hidrofílica, e após o
tratamento com ramnolipídeo tornam-se muito hidrofílicos, o que facilita a remoção. Estes resultados
demonstram que a investigação de agentes tensoativos de origem biológica é promissora quanto ao
controle e combate aos biofilmes.
ABSTRACT – Listeria monocytogenes is an opportunistic pathogen that form biofilms on biotic and
abiotic surfaces. Biofilms are a chronic source of contamination, as the cells become more difficult to
remove. The use of rhamnolipid, a biosurfactant produced by Pseudomonas aeruginosa can be an
effective strategy to biofilm control once it has potential as antimicrobial, anti-adhesive and
dispersive agent. This study was to investigate the effect of rhamnolipid on the hydrophobicity of
biofilms of L. monocytogenes established in polystyrene surfaces, under different conditions of
rhamnolipid concentration, temperature and culture medium. The hydrophobicity was evaluated by
contact angle measurements. The results showed that biofilms formed in different culture medium
have hydrophilic character, and after treatment with rhamnolipid, biofilms become more hydrophilic,
which may facilitates their removal. These results demonstrate that the use of surface-active agents of
biological origin is promising to control and combating biofilms.
PALAVRAS-CHAVE: Listeria monocytogenes, biossurfatante, hidrofobicidade; poliestireno.
KEYWORDS: Listeria monocytogenes, biosurfactant; hydrophobicity; polystyrene.
1. INTRODUÇÃO
Biofilmes microbianos são comunidades dinâmicas e complexas formadas em superfícies e/ou
interfaces ar-líquido na forma de agregados multicelulares envoltos por uma camada polimérica
(Donlan, 2002; Bower e Daeschel, 1999). Este tipo de organização é extremamente vantajoso a todas
as espécies de microrganismos por fornecer proteção contra adversidades como: desidratação,
colonização por bacteriófagos e resistência a antimicrobianos e sanitizantes (Araújo et al. 2013; Hall-
Stoodle et al. 2004).
A formação de um biofilme permite um estilo de vida diferente do estado planctônico
(Flemming e Wingender, 2010). Existem vários fatores relacionados ao estabelecimento de biofilmes,
dentre eles os principais são: características físico-químicas da superfície e da célula, expressão de
proteínas denominadas adesinas, fatores de virulência dos microrganismos, como produção de cápsula
e fímbrias (Tortora et al. 2005; Donlan, 2002). No entanto, as interações precisas dos diferentes
componentes em nível molecular ainda não sejam bem definidas (Flemming e Wingender, 2010).
Listeria monocytogenes é um cocobacilo curto, Gram-positivo, possuem crescimento em faixa
de temperaturas 0°C (mínima), 25° a 30°C (ótima) e 45°C (máxima), não formador de endósporos
(Hoffmann, 2001). Um patógeno oportunista de origem alimentar, com características psicrotróficas
(crescimento < 7°C), anaeróbio facultativo que pode estar envolvido em vários surtos de doenças
transmitidas por alimentos. Os alimentos mais comumente envolvidos na contaminação por essa
bactéria são: as carnes prontas para o consumo, queijos frescos, laticínios não pasteurizados e/ou leite
pasteurizado inadequadamente (Madigan et al. 2010). Esse microrganismo é único pela sua capacidade
de crescer em temperatura de refrigeração, diferentes faixas de pH e de concentrações salinas. Dessa
forma, torna-se uma ameaça às indústrias de alimentos que produzem produtos com vida útil
prolongada e mantido a uma temperatura baixa (Pan et al., 2006). Além disso, suas células podem se
fixar sobre uma grande variedade de superfícies, como polipropileno, poliestireno, borracha, aço
inoxidável, plástico e vidro (Weiler et al. 2013).
Estudos evidenciam que a resistência apresentada por L. monocytogenes a agentes
antimicrobianos ou sanitizantes em ambientes de processamento de alimentos seja resultante da
capacidade de suas células em formar biofilmes. Essa forma de vida bacteriana demonstra ser muito
mais resistente ao stress e higienização que as suas células planctônicas (livres). Os biofilmes
apresentam resistência devido à formação de uma camada polimérica extracelular, e com isso,
promovem resistência a sanitizantes como o cloro, podendo persistir por anos no ambiente de
processamento de alimentos (Weiler et al. 2013; Srey et al. 2014).
Os ramnolipídeos (RLs) são glicolipídeos extracelulares produzidos principalmente por
Pseudomonas aeruginosa formados em sua maioria por uma ou duas unidades de L-ramnose ligadas a
um ou dois β-hidroxi ácidos graxos sendo classificados como mono-ramnolipídeo e di-ramnolipídeo
(Müller et al. 2012). Estes compostos representam uma das classes de biossurfatantes mais
importantes, pois apresentam propriedades que possibilitam inúmeras aplicações em diversas áreas da
indústria, incluindo emulsificação, detergência, formação de espuma, solubilização, biorremediação
entre outras (Reis et al. 2011). Além disso, podem ser utilizados no controle de fungos, algas, vírus e
bactérias além de apresentar atividade anti-adesiva e de dispersão de biofilmes (Irfan-Maqsood e
Seddiq-Shams, 2014). Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo analisar o efeito do
ramnolipídeo sobre a hidrofobicidade de biofilmes de Listeria monocytogenes estabelecidos em
superfície de poliestireno, em diferentes condições de concentração, temperatura e meio de cultivo.
2. MATERIAL E MÉTODOS
A cepa selecionada para este estudo foi Listeria monocytogenes ATCC 19112 relacionada com
contaminação alimentar. O biossurfatante utilizado foi o ramnolipídeo comercial com 99 % de pureza
produzido por P. aeruginosa. Este composto consiste na mistura de dois homólogos majoritários:
mono (R1) e di-ramnolipídeo (R2), cujo as fórmulas moleculares e massas molares são C26H48O9 (504
g mol-1
) e C32H58O13 (650 g mol-1
), respectivamente.
2.1 Formação e Tratamento dos Biofilmes com Ramnolipídeo
Os biofilmes foram formados em cupons de poliestireno, com dimensões de 2,4 x 7,6 cm que
foram mergulhados em suspensão bacteriana (109
UFC mL-1
) preparada em meios de cultivo (caldo
triptona de soja extrato de levedura TSYEB) e leite, em volume total de 40 mL. As amostras foram
mantidas em estufa bacteriológica de forma estática para o crescimento do biofilme a 37 °C por 48 h.
Após esse período os cupons foram lavados com água destilada estéril e transferidos para soluções de
ramnolipídeo ou água (controle) deixando-se em imersão por 2 h, em temperaturas de 37°C e 4°C,
(condições pré-determinadas em que houve maior remoção de biofilme). Decorrido esse tempo, os
cupons foram lavados novamente com água destilada, secos em temperatura ambiente e analisados
quanto a hidrofobicidade.
2.2 Avaliação da Hidrofobicidade
As medidas de ângulo de contato com a água foram realizadas com o objetivo de determinar a
característica hidrofílica/hidrofóbica das superfícies dos biofilmes. Para tanto, utilizou-se o
goniômetro CAM200 (KSV) operado pelo método da gota séssil, utilizando gotas de 3 µL. O ângulo
entre a gota e a superfície foi determinado a partir da média de no mínimo 6 repetições.
2.3 Microscopia Eletrônica de Varredura
Para avaliar qualitativamente a arquitetura e a presença de matriz polimérica extracelular
(MPE) antes e após o tratamento com o ramnolipídeo, os biofilmes foram observados em microscópio
eletrônico de varredura. Assim, as amostras controles e tratamentos foram submetidas a desidratação
através de imersão em soluções de álcool etílico em concentrações crescentes (10%, 25%, 40%, 50%,
70%, 80% 90% e 95%) e secas por 24h, em temperatura ambiente. Após secagem, as amostras foram
metalizadas (banho de ouro) e levadas para a observação no microscópio eletrônico de varredura
(ZEISS LEO 440), com detector OXFORD (modelo 7060)
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A medida do ângulo de contato dos biofilmes em superfície de poliestireno foi realizada para
verificar se houve alteração da hidrofobicidade com e sem tratamento com o ramnolipídeo. As
medidas dos ângulos de contato em diferentes meios de cultivo, temperatura e concentração de RL
estão apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1- Medidas de ângulo de contato dos biofilmes de Listeria monocytogenes antes e após o tratamento com
o ramnolipídeo. Amostras Meio de
cultivo Temperatura de tratamento (°C)
Concentração de RL (%)
Ângulo de contato (°)*
Poliestireno - - - 83,51±2,94
Controle TSYEB 37 0** 7,67 ± 1,24 Tratamento TSYEB 37 0,5 3,79± 1,21
Controle Leite 4 0** 43,23± 7,97
Tratamento Leite 4 0,5 5,82± 2,62 *Média de no mínimo 6 gotas ± desvio padrão
**Os controles foram tratados com água destilada esterilizada
A superfície de poliestireno foi considerada hidrofóbica por apresentar um ângulo de contato
entre a água e a superfície maior que 65°. Segundo Vogler (1998), a medida utilizando-se a água é
considerada um método qualitativo sendo a superfície classificada como hidrofóbica aquela que
apresenta um ângulo de contato superior a 65º, enquanto valores inferiores a este, indica um perfil
hidrofílico da superfície.
A superfície do biofilme formado em meio de cultura TSYEB reduziu os ângulos de contato
do poliestireno (Tabela 1). A superfície passou a ser classificada como hidrofílica sendo que o
tratamento com RL aumentou o caráter hidrofílico do biofilme. Já os biofilmes formados em leite
desnatado reduziram a ângulo de contato de 83,5° para 43,2°, e o tratamento com RL também tornou o
biofilme muito hidrofílico.
A hidrofobicidade é uma propriedade importante e representa a molhabilidade, ou seja, a
capacidade de um líquido (água) manter contato com uma superfície. Se duas superfícies são
hidrofóbicas, torna-se mais fácil eliminar a camada de água porque as moléculas de superfícies têm
menos atração pelas moléculas de água e maior interação entre elas mesmas, entretanto se essas
superfícies são hidrofílicas ocorre o contrário (Teixeira et al. 2005). Portanto, superfícies hidrofílicas
desfavorecem o processo de adesão microbiana. De fato, Teixeira et al. (2005) confirmaram que a
adesão de isolados de P. aeruginosa foi favorável no aço inoxidável e borracha, que são considerados
hidrofóbicos e desfavorável em superfícies de vidro e polimetilacrilato, definidos como hidrofílicos.
A Figura 1 mostra o biofilme de L. monocytogenes formado em TSYEB (Figura 1A e B) e em
leite (Figura 1B e C) antes e após tratamento com 0,5% de ramnolipídeo à 37° e 4°C, respectivamente.
Após um período de incubação por 48 h observou-se a formação de um biofilme com grande produção
de polímero extracelular, na presença do substrato TSYEB e não em leite. Com a adição do
ramnolipídeo sobre o biofilme foi possível observar a redução da matriz polimérica e de grande parte
das bactérias aderidas, demonstrando sua eficiente ação. Esses resultados sugerem que a composição
dos meios de cultivos são fatores importantes para formação de biofilmes em superfícies de
poliestireno.
Figura 1- Eletromicrografias dos biofilmes de L. monocytogenes (ATCC 19112) em TSYEB (A) Controle, (B)
Tratado com 0,5% de RL à 37°C e em leite (C) Controle e (D) Tratado com 0,5% de RL à 4°C.
A B
C D
A formação de biofilme é um processo complexo regulado por diversos fatores, incluindo o
meio de crescimento e ainda pouco estudado em matriz alimentar (Marchand et al. 2012). O leite é um
meio bastante heterogêneo, compreende uma mistura de vários tipos de proteínas, gorduras, minerais e
outros. Neste caso, a adsorção de proteínas do leite na superfície de estudo, podem ter contribuído para
alterar a hidrofobicidade da superfície. Apesar de algumas controvérsias, a maioria dos estudos
indicam que leite ou seus componentes individuais, tais como caseína, β-lactoglobulina, α-
lactolbumina são capazes de adsorver em superfícies abióticas, reduzindo a eficiência de fixação de
uma variedade de patógenos, incluindo S. aureus, L. monocytogenes e S.marcescens (Barnes et al.
1999). Os resultados obtidos podem ser importantes subsídios para futuras investigações sobre as
interações físico-químicas entre ramnolipídeo e a camada de biofilme visando aplicação como agentes
sanitizantes em indústria de alimentos.
4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos neste estudo mostraram que o estabelecimento de biofilmes de L.
monocytogenes em meio TSYEB e em leite torna a superfície do poliestireno hidrofílica, porém em
leite essa característica é menos pronunciada. No entanto, após o tratamento com ramnolipídeos ambas
as superfícies tornam-se muito hidrofílicas sugerindo que esta alteração pode favorecer a remoção
desses biofilmes.
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