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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CURSO LETRAS A CARTOMANTE E DOM CASMURRO: AS DIFERENTES VISÕES DO ADULTÉRIO MACHADIANO ELAINE TONHOQUE LAINO Rio de Janeiro 2007

ELAINE TONHOQUE LAINO€¦ · A CARTOMANTE E DOM CASMURRO: AS DIFERENTES VISÕES SOBRE O ADULTÉRIO MACHADIANO ELAINE TONHOQUE LAINO Trabalho de conclusão de curso apresentado, como

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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

CURSO LETRAS

A CARTOMANTE E DOM CASMURRO:

AS DIFERENTES VISÕES DO ADULTÉRIO MACHADIANO

ELAINE TONHOQUE LAINO

Rio de Janeiro 2007

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ELAINE TONHOQUE LAINO

CURSO LETRAS

A CARTOMANTE E DOM CASMURRO:

AS DIFERENTES VISÕES SOBRE O ADULTÉRIO MACHADIANO

ELAINE TONHOQUE LAINO

Trabalho de conclusão de curso apresentado, como exigência para obtenção do titulo de Graduação do curso de Letras , Habilitação em Língua Portuguesa e Espanhol da Universidade Veiga de Almeida, sob a orientação da Professora Patrícia Lilenbaum.

Rio de Janeiro 2007

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ELAINE TONHOQUE LAINO

A CARTOMANTE E DOM CASMURRO:

AS DIFERENTES VISÕES

SOBRE O ADULTÉRIO MACHADIANO

Trabalho de conclusão de curso apresentado, como exigência para obtenção do titulo de Graduação do curso de Letras, Habilitação em Língua Portuguesa e Espanhol da Universidade Veiga de Almeida.

Data de aprovação: ____/ ____/ _____

Banca Examinadora:

________________________________________________ Profª. Me. Patrícia Lilenbaum

________________________________________________ Profª. Me. Norma Beatriz Torres

________________________________________________ Prof. Ozanir Roberti Martins

Rio de Janeiro RJ 2007

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DEDICATÓRIA

A Deus,

por ter aberto as

portas e

mostrado o

caminho. Quem me

sustentou nos caminhos

mais difíceis.

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AGRADECIMENTOS

A todos os amigos que direta ou indiretamente contribuíram para conclusão

deste trabalho .

Às pessoas que estiveram presentes em momentos distintos e me fizeram

avançar pela ajuda que me concederam.

Meus pais, que de forma particular incentivaram, deram força, choraram

juntos.

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RESUMO

A presente pesquisa apresenta particularidades do universo machadiano. Traçando sua trajetória do Romantismo ao Realismo, percebe-se que a subjetividade romântica permanece, todavia evolui da alienação para busca da verdade social. É inadequado inserir Machado de Assis em algum estilo de época. Diferente de muitos da época, ele mergulha densamente no psicológico de suas personagens. O autor compreende que o amor está inserido nas relações humanas, no entanto a base moral e a verdade devem fazer parte do contexto amoroso. O presente projeto monográfico aborda as perspectivas do adultério na sua narrativa, seja uma infidelidade presente no imaginário carregada de subjetividade ou pelo adultério de fato consumado. Usou-se como parâmetro de pesquisa e orientação de trabalho, o consagrado romance Dom Casmurro e o conto ”A Cartomante” fazendo apenas uma breve observação dos comportamentos diferenciados, para o tema ”Adultério”:. No conto observou-se que traição é encarada como um acaso nada é planejado ou proposital, o autor através do psicológico de seus personagens constrói uma teia de subjetividade que os transforma em adúlteros, porém lhes encobre com a ingenuidade. A infidelidade é real e devidamente punida. Já no romance geram-se conflitos morais e afetivos que destroem a vida do casal protagonista. A narração é feita sob a perspectiva de um Bento Santiago, já velho e amargurado, tentando provar a si mesmo e ao leitor a culpa de Capitu em relação ao suposto adultério, numa trama em que a traição não é explicitada, mas apenas intuída. Na comparação entre a infidelidade real e a imaginária constatou-se diversos aspectos semelhantes em ambos como: as figuras femininas se mostram como incentivadora da traição, os amigos de infância são os traidores, entre outros. Algumas diferenças foram ressaltadas fornecendo uma atenção especial ao papel do narrador. Por fim foi traçado um paralelo entre os conflitos morais e afetivos presentes no interior de cada personagens de ambas as obras.

PALAVRAS CHAVE: Machado de Assis – Adultério – real - imaginário

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RESUMEN

La presente pesquisa presenta particularidades do universo machadiano. Trazando su trayectoria del Romanticismo al Realismo, percebe-se que a subjetividad romántica permanece, todavía evolucionó de la alineación para busca de la verdad social. Es inadecuado inserir Machado de Assis en algún estilo de época. Diferente de muchos de la época, él bucea densamente no psicológico de sus personajes. El autor comprende que el amor está inserido en las relaciones humanas, en tanto la base moral y la verdad deben hacer parte del contexto amoroso. El presente proyecto monográfico aborda las perspectivas do adulterio en su narrativa, sea una infidelidad presente en el imaginario carretada de subjetividad o pelo adulterio de hato consumado. Uso-se como parámetro de pesquisa e orientación del trabajo, el consagrado romance Dom Casmurro y el cuento ”A Cartomante” haciendo apenas una breve observación de los comportamientos diferenciados, para el tema ”Adulterio”:. En el cuento observó que la traición es encarada como un acaso nada es planeado o proposital , el autor a través do psicológico de sus personajes construye una tela de subjetividad que os transforma en adúlteros, pero les encobre con la ingenuidad. La infidelidad es real y debidamente punida. Ya en el romance huera-se conflictos moráis e afectivos que destruyen la vida do casal protagonista. A narración es feita sob a perspectiva de un Bento Santiago, ya viejo y amargueado, tentando probar a si mismo y al lector a culpa de Capitu en relación al supuesto adulterio, la trama en que la traición no es explicitada, pero apenas intuida. La comparación entre la infidelidad real y la imaginaria constató diversos aspectos semejantes en ambos como: las figuras femeninas mostrase como incentivadota da traición , los amigos de infancia son los traidores, entre otros. Algunas diferencias fueran resaltadas forneciendo una atención especial al papel do narrador. Por fin fue trazado un paralelo entre os conflictos moráis y afectivos presentes en el interior de cada personajes de ambas as obras.

PALABRAS CLAVE: Machado de Assis – Adulterio – real - imaginario

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................. 9 1. REALISMO............................................................................................... 12 1.1 O REALISMO MACHADIANO............................................................... 12 1.2 A PERSPECTIVA DO ADULTÉRIO NO REALISMO MACHADIANO... 13 2. “A CARTOMANTE”..................................................................................15 3. DOM CASMURRO................................................................................... 18 4. COMPARAÇÃO........................................................................................ 23 CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 26 REFERÊNCIAS............................................................................................ 28

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho está em debater, de forma o mais o concisa e

clara possível, a ampla presença do adultério nos textos machadianos.

Assim sendo, o objeto de estudo deste projeto monográfico foi escolhido

pela observação do recorrente tema em suas obras em prosa. Isto posto, há um

interesse em traduzir a temática da infidelidade amorosa real e imaginária. Será feita

breve observação dos comportamentos diferenciados existentes nas duas obras

eleitas para analisar o tema do Adultério: o consagrado romance Dom Casmurro e o

conto ”A cartomante”. A extensão das obras narrativas de Machado de Assis é farta

e plural, variando entre contos, romances, crônicas e até poemas e peças teatrais,

sendo uma abundante fonte de textos, que foram produzidos no auge da corrente

realista, gerada e desenvolvida no seio da segunda metade do século XIX.

A percepção do tempo e os ritos da memória são motivos capitais da

ficção impressionista . Ao observamos os personagens dessa ficção , percebemos

ser necessário analisar seus valores morais, pois não existem valores estáveis. A

literatura com sua capacidade de interpretar a vida por meio da palavra , deve

apresentar , ou seja, fiel à complexidade e a instabilidade do real.

Para José G. Merquior (1996, p207) o grande o originalíssimo

representante nacional do espírito e da literatura impressionista é Machado de Assis,

um contemporâneo , pelo nascimento dos ultra-românticos. Mestre em análises

psicológicas, ele vai além dos limites da consciência das personagens. Sobem à

tona diversos sentimentos e circunstâncias: o amor , o ódio, egoísmo, traição,

pessimismo, amizades inusitadas, morte, entre outros. A perspectiva do adultério na

obra machadiana é ampla, parecendo haver a crença de que esse fato faz parte da

realidade humana. O amor idealizado ficou para trás, existem os percalços nas

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relações, como a traição, a inveja, a culpa, o ciúme; e o autor descreveu tudo isso de

diversas formas.

Muitos romances e contos se referem aos assuntos supracitados, de

maneira que a pesquisa enfocará as diferentes visões do adultério em apenas duas

obras, traçando um paralelo entre elas, de acordo com a visão machadiana. O conto

“A cartomante” com seu final trágico, abolindo o final feliz, é um palco privilegiado da

revelação do caráter ou da alma humana que procede ao autor. O triângulo amoroso

entre uma mulher e dois homens acontece de fato e transita por toda narrativa. É

interessante notar que é uma traição confirmada com doses de ingenuidade, à

medida que os traidores recorrem a uma cartomante para solucionar suas dúvidas. É

nesse momento da narrativa que Machado insere características das personagens

levando o leitor a observar a verdade interior dos protagonistas da trama.

Em Dom Casmurro transparece ao leitor a desmistificação em relação ao

adultério e, conseqüentemente, à culpa de Capitu é levantada. O foco narrativo, ao

se realizar em primeira pessoa ( a história é contada pela ótica do personagem-

narrador, suspeito por estar envolvido demais com os fatos que narra), rompe com o

determinismo dos “adultérios” presente em outras obras Machadiana, o que explica

na essência da realidade descrita por Machado, apresentando a moral dos

personagens.

A obra de Machado de Assis se constitui como verdadeira matriz

diferencial. Pelo exercício de uma estética de oposição, tanto com sua

contemporaneidade como com épocas mais distantes , sua obra escapa de qualquer

possibilidade de rotulação no século XX.

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1. REALISMO

1.1 O REALISMO MACHADIANO

Machado de Assis é, sem dúvida, um dos maiores nomes do conto na Literatura Brasileira. Pode-se mesmo dizer que chegou a formar

escola, visto que são muitos os contistas que seguem a sua linha.

Desde os primórdios de sua vida literária, Machado de Assis demonstrou

inclinação para o conto.

Por ter sido um escritor que se formou à luz do Romantismo, e que

evoluiu para o Realismo com o tempo, a obra de Machado forçosamente é

enxergada sob os dois pontos de vista – romântico e realista. Pode-se considerar

que sua produção até 1880 seja autenticamente romântica, embora o seu

Romantismo não seja tão sentimentalista como o de seus contemporâneos. O autor

já reconhecia a necessidade de substituição das teorias e formas literárias, eram

mudanças inevitáveis que exprimem em condicionamentos os novos ideais ou o

espírito de sua época.

No entanto, o autor, como crítico literário, concebeu o Realismo-

Naturalismo com algumas restrições, aceitou o princípio estético básico realista

segundo o qual nenhum motivo é proibido em arte, e não reconheceu o processo na

sua criação. Choca-lhe intensamente a atitude moral dos realistas e a indiferença

deles tanto a na subjetividade quanto na visão objetiva. Machado é considerado um

escritor moralista. Não “moralizador”, mas moralista no sentido de que reproduz os

costumes e as maneiras de ser do homem, a moral do homem. Longe de fazê-lo à

moda dos realistas, ele invade a psicologia das figuras dramáticas, cujo caráter é

revelado nas entrelinhas. Machado foi o mais fino analista da alma humana,

mergulhando densamente na psicologia de suas personagens para decifrar-lhes os

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enigmas da alma, seus sofrimentos, pensamentos e retirando desse mundo íntimo

um retrato humano e social até hoje insuperável.

Essa presença moralista reconhece que o amor está inserido no primeiro

plano das relações humanas. Sendo assim, o autor procura quebrar a

sentimentalidade romântica, entretanto não abala a base moral, como indispensável

à felicidade na vida afetiva e à afirmação do próprio amor.

Antônio Candido (2004, p 15) ressalta que os críticos que estudam

Machado de Assis nunca deixaram de inventariar e realçar as causas eventuais de

tormentos, social e individual: cor escura, origem humilde, carreira difícil,

humilhações, doença nervosa. O escritor investiga, conseqüentemente, muitos

aspectos do comportamento amoroso: desde a libertinagem, a integridade do lar,

com a perspectiva da infidelidade ou com o adultério consumado. Assim, a traição se

faz presente no imaginário carregado de ilusão ou pelo real desvio da moral.

1.2 A PERSPECTIVA DO ADULTÉRIO NO REALISMO MACHADIANO

A confiança é elementar para a vida em comum. A traição consumada

(real) ou a aparentemente alimentada por enganos (imaginária) abala a moral e

impossibilita a comunhão no amor.

Entretanto, o equívoco apresenta a esperança de uma reconciliação em o

conto “A mulher de Preto”, em que a separação do casal é determinada por uma

suspeita imaginária. Gera-se o conflito entre o moral e o afetivo, mas o mesmo é

passível de reparação, pois predomina a visão do ser amado como expressão de um

ideal de felicidade. O autor esboça uma concepção da existência baseada na

análise de comportamento em correspondência com a verdade interior do indivíduo.

No conto “O Segredo de Augusta”, a vaidade da esposa provoca a insegurança do

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marido libertino, que projeta a sua própria existência na vida conjugal, o que causa

uma incompatibilidade entre a aparência e a realidade e resulta no ocultamento da

verdade íntima.

Em alguns casos, é possível reparação; em outros como o romance Dom

Casmurro, a decepção é definitiva, pois a germinação da suspeita que alimenta a

dúvida termina corroendo a moral e a ilusão da felicidade, esse assunto será tratado

futuramente em um estudo mais profundo da obra. O importante é observar o

conflito entre a verdade subjetiva e as insinuações provocadas por coincidências,

aparências e equívocos.

O adultério confirmado leva à decepção com o ser amado carregado de

cinismo, ambição e vaidade, impossibilitando a felicidade da vida afetiva, com isso

pode causar o suicídio. A revelação brusca da infidelidade tende a determinar a

loucura ou o assassinato. Esses exemplos encontram-se nos contos “O Manchete” e

“A cartomante” em que predomina uma verdade objetiva, um fato real carregado de

efeitos punitivos e concretos.

As obras enfocadas na presente pesquisa, um adultério consumado como no

conto “ A Cartomante” e o outro na visão do narrador, sendo imaginário como no

romance Dom Casmurro , serão analisadas separadamente e depois comparadas,

apontando traços das diferentes visões sobre o adultério, no Realismo particular de

Machado de Assis.

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2. A CARTOMANTE

“A cartomante”, de Machado de Assis, traz à tona conflitos internos dos

personagens, a partir das previsões das cartas e de bilhetes recebidos por um casal

adúltero, que protagoniza o conto. Rita é uma provinciana casada com o advogado

Vilela. A protagonista apaixona-se por Camilo, amigo de infância do marido. Quando

a infidelidade se consuma e é descoberta, Camilo passa a receber cartas anônimas

ameaçadoras e começa a rarear as visitas à casa de Vilela, mantendo com

redobrado cuidado os encontros com Rita em uma casa no subúrbio. Rita, insegura,

decide consultar uma cartomante sobre a causa dos cuidados de Camilo e a mesma

restitui-lhe a confiança de que o rapaz a ama.

As cartas e os encontros continuam até receber Camilo um bilhete de

Vilela o convidando para ir a sua casa. É a vez de Camilo, inseguro, consultar a

vidente, que lhe assegura não haver perigo nem para ele, nem para ela, pois o

terceiro ignora tudo. Camilo, confiante, decide ir à casa do amigo. Lá, Vilela o abate

a tiros, mas antes, Camilo tem tempo de ver o cadáver ensangüentado de Rita.

Neste conto a traição é encarada como um acaso, nada é planejado ou

proposital. Os personagens sentem culpa ao cometerem tais atos; no entanto não

conseguem evitar o amor que sentem um pelo outro. Trata-se da psicologia do

adultério na sua versão machadiana. O estudo das motivações internas dos

personagens é uma especialidade inerente do escritor. Machado nos informa que

Camilo não desenvolveu boas relações com o pai, viveu sob forte influência da mãe,

tornando-se um adulto por demais dependente: “Camilo entrou no funcionalismo,

contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo

preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público”

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Camilo não teria recebido a ajuda do pai para sair do mundo da mãe.

Sem o incentivo paterno, seu ego permaneceu dependente da influencia materna.

Apesar de a infidelidade ser comprovada, ou seja, real, o autor consegue

construir uma teia de subjetividade através desse psicologismo. Isso se explicita pela

metáfora do olhar associada ao sexo feminino mais uma vez presente na obra de

Machado: “…era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e

interrogativa”.1 Ele usa os gestos de mulheres para descrever o psicológico, tentar

ver o interior pelos olhos. Isso pode fazer a mulher traiçoeira e misteriosa. Nessa

história, como em outras, o autor descreve, através dos olhos femininos, o mistério

da mulher.

Machado de Assis gosta de fazer personagens femininos misteriosos e

até malvados. Rita e a cartomante são mulheres misteriosas, não é claro o que as

duas fazem. O triangulo amoroso é ativado por Rita , comparada pelo autor a uma

serpente que envolve a presa, pingando-lhe veneno a boca. “Camilo quis

sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita como uma serpente, foi-se acercando

dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno

na boca.”.2

Rita poderia ser amante de Camilo, assim como a cartomante possuía a

capacidade de ser paga para dar uma previsão errada. Não fica clara qual a missão

de cada uma, mas as duas não são angelicais.

No que tange aos aspectos morais o conto abre duas frentes: o adultério

confirmado e devidamente punido além de uma crítica dentro da visão moralista,

esclarecida pelo sentimento cristão. A morte de ambos os traidores finaliza a

narrativa na perspectiva de punir a traição e ingenuidade do casal. Na medida em

1 ASSIS, Machado de, 2004, p.53

2 ASSIS, Machado de, 2004, p.54

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que recorrem ao desconhecido para solucionarem suas dúvidas em relação ao

futuro, o próprio título evidencia a figura da cartomante.

A partir daí, pode-se ressaltar a preocupação do autor em alinhavar as

linhas e entrelinhas da sua narração e de seus personagens para abordar da

psicologia da infidelidade na variante machadiana. A verdade subjetiva das

personagens auxiliam na compreensão do conto. Logo após a morte da mãe,

Camilo, por ingenuidade e necessidade se entrega ao amor proibido como nota-se

no seguinte trecho do conto:

Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma

serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num

espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado.

Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura, mas a batalha foi

curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se

acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando

folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que

algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e

estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.3

Logo após se apóia em outra figura feminina, A cartomante - o próprio

título do conto - sintetiza o relacionamento de Camilo com o feminino: uma estória de

dependência, traição e morte. A subjetividade frágil do personagem o leva a sofrer

conseqüências objetivas, ou seja, real.

3. DOM CASMURRO

3 ASSIS, Machado de, 2004, p.54

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O Romance Dom Casmurro é narrado em 1ª pessoa por um narrador-

personagem, que se coloca como escritor, que ao mesmo tempo a vive e relata a

história de Dom Casmurro. O ponto de vista de Bento Santiago domina toda a

narrativa. Até mesmo as demais personagens não passam de projeções de sua

alma. São lembranças do seu passado, que vão ressurgindo do subsolo da memória

à medida que ele procura a reconstrução de si mesmo

Dom Casmurro uma narrativa de cunho memorialista , resgata desde a

infância e adolescência do personagem-narrador Bentinho ao lado de Capitu,

moldando suas experiências iniciais, visando mostrar os traço inatos de caráter que

definiriam a pessoa moral em correlação as suas aspirações afetivas. Ao detalhar

toda essa personalidade em desenvolvimento, o autor caracterizou as personagens

de modo que revelassem seus contrastes no círculo familiar e social. Tal

procedimento tenta distanciar o narrador de uma “opinião pessoal”. Porém pode-se

perceber que as situações não são concretas e objetivas, todas as implicações são

inferidas, ou seja, insinuadas. Percebemos esse aspecto no seguinte trecho:

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão,mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia,para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros

que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto. 4

A relação de Capitu e Bentinho se inicia na infância, segue por toda

adolescência e já exibe sinais da futura ilusão do adulto Dom Casmurro . Desde

cedo, o protagonista compõe para si a moral e a realidade afetiva de Capitu. A partir

4 ASSIS, Machado de, 2005, p 18

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disso, ele elimina progressivamente todas as suas expectativas e finalmente a

decepção o leva a ficar absolutamente só, no vértice de sua existência. Bentinho

procurava na esposa um apoio exterior para sua vida afetiva e moral, ou seja, ele

queria fortalecer sua verdade interior. Ao basear-se em outrem, seu desengano o

conduziu à solidão.

No trecho da obra: ”Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu... Você já

reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada”5; José Dias

planta a semente da dúvida no ideário de Bentinho.

Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei

extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas.6

Fica claro que, em Dom Casmurro, o romancista aprofunda a pesquisa

psicológica buscando a verdade interior de cada um. Ele investiga a multiplicidade

de facetas do comportamento humano a partir do individual, criando assim uma nova

realidade no plano psicológico. Gera-se o conflito entre a verdade subjetiva e as

aparências sustentadas por percepções. Os mistérios e descobertas adquirem

nuances de mecanismos de análise. No entanto fogem da técnica realista da

fidelidade à verdade, adquirindo proporções subjetivas de comportamento. Ao

tentar analisar Capitu, o texto torna-se bem complexo, em virtude da natureza

enigmática da personagem, que é vista pela ótica do ciumento e imaginativo

Bentinho. É difícil afirmar se o adultério é real, ou não, já que o romance é unilateral.

Não podemos declará-la adultera e também não podemos julgá-la inocente, pois só

temos acesso ao ponto de vista de Bentinho.

5 ASSIS, Machado de, Dom Casmurro., 2005, p.68

6 ASSIS, Machado de, Dom Casmurro., 2005, p.68

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É importante perceber que o poder que Bentinho atribui ao olhar de

Capitu atinge uma dimensão infinita, proporcional ao desejo que sente por ela. Tal

processo idealiza o olhar, a beleza e poder que a protagonista possui sobre ele.

Diversas vezes o narrador mostra-se ameaçado por em desejo incontrolável

representado por um olhar que o aprisiona e envolve como uma onda que tira seu

fôlego. O olhar exerce um papel importante na narrativa, pois tanto atrai quanto

intimida, posto que associa o mar aos mistérios femininos, à beleza, ao encanto e

às traições de uma mulher.

Eugênio Gomes explicita a importância desse olhar na obra machadiana:

A arte do escritor brasileiro concorreu para dar a essa realidade

subjetiva e poética do romance uma força sugestionável caprichosa e

vária, que se torna tão oblíqua como os olhos que o agregado via em

Capitu. (1967 p.102).

O velório de Escobar é o momento em que nasce em bentinho a suspeita de traição.

Percebemos neste trecho:

Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...

As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar

também o nadador da manhã.

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O trecho acima retrata mais uma vez a visão subjetiva de Bentinho. Ao olhar a expressão de

Capitu no velório de Escobar, a mente imaginativa de Bentinho o faz acreditar que algumas

lágrimas poucas e caladas é atitude declarada de algo que existia entres os dois( Capitu e

Escobar), já que todos se prostram a dor de Sancha ao despedir-se do marido, menos Capitu,

que olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa. A suspeita de

Bentinho cresce ao ponto de o mesmo parar de chorar a observar os olhos de Capitu. E

continua até a última frase a observá-la “como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar

também o nadador da manhã” dando o significado ao capítulo “olhos de ressaca”.

Dom Casmurro é o romance da dúvida, carregado de angústia e ameaça de solidão, seguindo

uma trajetória de expectativa, alegrias, decepções e tristezas. A concepção trágica da vida não

provoca a evidência de impulsos violentos, primitivos e passionais que resultem na morte

cruel da pessoa física, apesar de sugestões nesse nível, quando o autor faz uma alusão ao

Otelo. Como apresenta no trecho abaixo:

Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes, e os espectadores vão dormir. Nesse gênero há porventura alguma cousa que reformar, e eu proporia, como ensaio, que as peças começassem pelo fim. Otelo mataria a si e a Desdêmona no primeiro ato, os três seguintes seriam dados à ação lenta e decrescente do ciúme, e o último ficaria só com as cenas iniciais da ameaça dos turcos

Na verdade, a concepção de Machado se alicerça em uma destruição fria, determinada por

conflitos morais e afetivos que destroem a ilusão de vida de cada um. Um adultério

imaginário baseado na verdade “íntima” de ambos os protagonistas.

Em Dom Casmurro, transparece ao leitor a desmistificação em relação ao adultério e,

conseqüentemente, a culpa de Capitu é levantada. Esta dúvida gera a possibilidade de

Bentinho ter sido traído, visto que ele nunca se sentiu seguro diante da desenvoltura e

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vivacidade de Capitu, nem diante da inteligência e simpatia de Escobar. Com isso, fica

atenuada a idéia de uma traição imaginária.

Entretanto, ao aceitarmos a verdade de Bentinho, sempre nos faltará a verdade de Capitu, isto

é, não temos recursos para saber se, objetivamente, o romance é a história de uma grande

traição ou de um grande ciumento que, incapaz de trair , projetava a traição.

Para Dante Leite (2002, p. 248), na ficção de Machado de Assis a escolha afetiva só é

adequada quando existe uma semelhança fundamental nas características psicológicas do

casal. No último capítulo de Dom Casmurro, essa concepção aparece com todo nitidez.

O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: "Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti". Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.

A semelhança nas características psicológicas são consideradas imutáveis, pois faz parte da

personalidade do personagem . Enquanto Bentinho é considerado ingênuo, Capitu é

considerada dissimulada.

4. COMPARAÇÃO

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O romance Dom Casmurro e o conto “A cartomante” possuem diversos

aspectos semelhantes no tocante à infidelidade. Em ambos, as figuras femininas se

mostram como motivadoras da traição, ou seja, o símbolo da tentação. Rita e Capitu

são moldadas a partir da concepção de que a mulher é a concretização da

dissimulação. As personagens traídas são homens, que assumem a postura de

vítimas. As traições são sempre oriundas de amigos de infância, o que intensifica

sua gravidade na questão pela confiança, configurando-se uma traição dupla. Todos

esses assuntos já foram vistos na análise das narrativas.

A principal diferença ressaltada desde o início da presente pesquisa está

na perspectiva real e imaginária das mesmas. Entretanto, para melhor compreensão

da questão, é necessária uma observação maior no que diz respeito a alguns

aspectos.

No romance Dom Casmurro não temos como saber se a traição é

verídica, pois o narrador é em primeira pessoa, sendo subjetivo e não confiável. No

conto “ A Cartomante” a traição já é verídica, devido o narrador ser onisciente e estar

em terceira pessoa

No conto A cartomante, o narrador não toma parte direta na seqüência de

eventos, cabendo-lhe apenas relatá-los. Ocupa, no entanto, uma posição de

mediador. Está em um nível de conhecimento intermediário às posições do leitor e

dos personagens. Como é onisciente, detém a totalidade do saber sobre o que se

passou, e fornece ao leitor as informações acerca dos personagens e dos

acontecimentos, de maneira que a narrativa se torna mais verossímil. Já em Dom

Casmurro, o narrador é o próprio protagonista, que sugere todos os acontecimentos

na sua trajetória que se estende desde sua infância até sua velhice solitária, assim

e exprimindo a sua verdadeira dimensão interior. Em algumas partes, a acusação

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do protagonista-narrador sobre o adultério está corroída internamente por tal

quantidade de dúvidas e contradições, de modo ela não se sustenta: cada prova

enunciada corresponde à insinuação de uma contraprova. Sempre duvidamos do

ponto de vista altamente subjetivo de Bentinho. Capitu é ou não é adúltera está

concentrada no foco narrativo de primeira pessoa, pois Bentinho é o personagem

que narra sua própria história, então a duvida sempre existirá, uma vez que o

narrador não é confiável .

Traçando um paralelo entre a moral e as relações afetivas, ambas as

obras enfocam a construção das personagens, são as personagens que apontam

os motivos do adultério. Através de suas características intrínsecas, pode-se, no

decorrer da narrativa, analisar seus comportamentos e atitudes. Os conflitos morais

e afetivos presentes no interior de cada um desencadeiam os acontecimentos. Em

“A cartomante”, Camilo é caracterizado como um homem fraco:

Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência,

nem intuição.7

Sendo assim, fica justificado seu envolvimento com Rita e consumação da

traição; todas as descrições explicam as atitudes do casal e a ingenuidade do

protagonista. Apesar da infidelidade consumada, o autor traz à tona aspectos

relevantes para a análise de seus personagens, mostrando-os elementos

contraditórios existentes na personalidade de Camilo: apesar de trair o melhor

amigo, ele tem conflitos morais.

7 ASSIS, Machado de., 2004 p.53

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Já o protagonista de Dom Casmurro busca “atar as duas pontas da vida”8

como ele mesmo informa na narrativa, com o poder subjetivo de evocar experiências

passadas até que encontre uma explicação para estar só, no final de sua existência.

Mas quando se lê a obra como uma revisão existencial do personagem -

um narrador buscando "atar as duas pontas da vida e restaurar na velhice a

adolescência" - ocorre o entendimento de um estudo acurado do ciúme e do

comportamento psicológico do ser humano. O romance, então, alcança outra

significação e representatividade. Nesse contar de vidas, o autor consegue, através

da simulação do particular, atingir dimensões de universalidade: suas personagens

ultrapassam os próprios limites individuais, para se converterem em metonímias do

homem ocidental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

8 ASSIS, Machado de .Dom Casmurro., 1998, p.17

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Machado de Assis atravessou o Romantismo e o pós-romantismo,

assimilando características de ambos, mas não se pode enquadrá-lo radicalmente

em nenhum desses estilos. Pode-se dizer que os romances da primeira fase tendem

ao Romantismo e os da segunda fase ao Realismo e não afirmar radicalmente que

Machado foi um puro realista , romântico ou impressionista.

O autor centrou seu interesse na sondagem psicológica, isto é, procurou

abarcar os mecanismos que conduzem as ações humanas, sejam elas de caráter

real ou imaginário. Tudo temperado com profunda reflexão. O escritor busca

inspiração nas ações rotineiras do homem. Penetrando na consciência das

personagens para sondar-lhes o funcionamento, Machado mostra, de maneira

impiedosa e aguda, a vaidade, a futilidade, a hipocrisia, a ambição, a inveja, a

inclinação ao adultério. Este escritor percebe os impulsos contraditórios existentes

em qualquer ser humano, trazendo à tona seus conflitos íntimos.

Em oposição aos autores românticos, Machado de Assis, mesmo preso

às características do romance do século XIX, dá às heroínas um perfil cujo a

importância vai-se intensificando com o desenrolar da narrativa.

A pesquisa sobre o adultério nas diferentes visões do autor conciliou o

adultério consumado, como no conto “ A Cartomante”, e uma adultério duvidoso

como no Romance Dom Casmurro. Procuramos mostrar que a construção

psicológica da personagem é que conduz a narrativa.

No conto, a infidelidade é explícita, no entanto há traços marcantes na

construção subjetiva das personagens principais.

Já em Dom Casmurro, o imaginário do personagem-narrador parece

percorrer todo o romance, não temos como saber se as situações são concretas ou

se são frutos da mente ciumenta de Bentinho.

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.O autor aborda temas da época, mas lhe dá um tratamento novo e

diferente, tornando-o um romance aparentemente familiar, no entanto um pouco

diferente para seus contemporâneos.

O Realismo é uma reação contra o Romantismo: o Romantismo era a

apoteose do sentimento; o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem.

É a arte que nos pinta para nossos próprios olhos. Contudo, a pintura com traços

machadianos une o real e o imaginário, ou seja, a subjetividade e a objetividade em

uma só tela.

REFERÊNCIAS

ASSIS, Machado de. “ A Cartomante”- Contos escolhidos, São Paulo: Martin Claret, 2005 _________________. Dom Casmurro. São Paulo, 2005.

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BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 42.ed. São Paulo: Cultrix, 1994

CANDIDO, Antonio “ Esquemas de Machado de Assis” In: Vários escritos. 4ª ed. São Paulo: Duas cidades. 2004 GOMES, Eugenio. O enigma de Capitu 1 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967. LEITE, Dante Moreira. “ Dom Casmurro” In Psicologia e Literatura. 5 ed. São Paulo: UNESP, 2002. MERQUIOR, José Guilherme. Machado de Assis e a prosa impressionista. In: De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira-I 3.ed. Rio de Janeiro:Topbook, 1996.