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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA N.º 545/2019 – ASJCONST/SGJ/PGR Sistema Único nº 290086/2019 ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 324/DF REQUERENTE: Associação Brasileira do Agronegócio - ABAG INTERESSADO: Tribunal Superior do Trabalho RELATOR: Ministro Roberto Barroso A Procuradora-Geral da República vem opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO em face do acórdão proferido pelo Plenário, publicado no DJe em 06/09/2019, que julgou procedente o pedido formulado nesta ADPF, nos termos do art. 11 da Lei 9.882/99 c/c arts. 26 e 27 da Lei 9.868/99 e art. 337 e seguintes do RISTF, pelos argumentos jurídicos a seguir de- duzidos. I Trata-se de ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) contra decisões proferidas na Justiça do Trabalho e decorrentes da aplicação da interpretação judicial consubstanciada no enunciado 331 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho. Em suma, sustentou-se que decisões da Justiça do Trabalho, ao restringirem a “terceirização” de parte das atividades (finalísticas) externalizadas por diversas empresas violavam o art. 1º-IV da Constituição, em especial, o princípio da livre iniciativa. Apontou-se , ainda, ofensa aos seguintes preceitos fundamentais: a liberdade de contratação, a legalidade e a livre concorrência (arts. 5º-caput e II e 170-IV). Gabinete da Procuradora-Geral da República Brasília/DF Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 16/09/2019 19:58. Para verificar a assinatura acesse http://www.transparencia.mpf.mp.br/validacaodocumento. Chave 9EC2DC92.2A33EFCA.872632F4.8BB821E6

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - MPF · A Procuradora-Geral da República vem opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO em face do acórdão proferido pelo Plenário, publicado no DJe em 06/09/2019,

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

N.º 545/2019 – ASJCONST/SGJ/PGRSistema Único nº 290086/2019

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 324/DFREQUERENTE: Associação Brasileira do Agronegócio - ABAGINTERESSADO: Tribunal Superior do TrabalhoRELATOR: Ministro Roberto Barroso

A Procuradora-Geral da República vem opor EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

em face do acórdão proferido pelo Plenário, publicado no DJe em 06/09/2019, que julgou

procedente o pedido formulado nesta ADPF, nos termos do art. 11 da Lei 9.882/99 c/c arts. 26

e 27 da Lei 9.868/99 e art. 337 e seguintes do RISTF, pelos argumentos jurídicos a seguir de-

duzidos.

I

Trata-se de ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada

pela Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) contra decisões proferidas na Justiça do

Trabalho e decorrentes da aplicação da interpretação judicial consubstanciada no enunciado

331 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho.

Em suma, sustentou-se que decisões da Justiça do Trabalho, ao restringirem a

“terceirização” de parte das atividades (finalísticas) externalizadas por diversas empresas

violavam o art. 1º-IV da Constituição, em especial, o princípio da livre iniciativa. Apontou-se,

ainda, ofensa aos seguintes preceitos fundamentais: a liberdade de contratação, a legalidade e

a livre concorrência (arts. 5º-caput e II e 170-IV).

Gabinete da Procuradora-Geral da RepúblicaBrasília/DF

Documento assinado via Token digitalmente por PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA RAQUEL ELIAS FERREIRA DODGE, em 16/09/2019 19:58. Para verificar a assinatura acesse

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Pretendeu-se a declaração de inconstitucionalidade de “interpretação adotada em

reiteradas decisões da Justiça do Trabalho, as quais vedam a prática da terceirização sem

legislação específica aplicável que a proíba, em clara violação aos preceitos constitucionais

fundamentais da legalidade, da livre e da valorização do trabalho”.

A PGR registrou entendimento pelo não conhecimento da ADPF e, no mérito,

pela improcedência do pedido.

Superadas as preliminares e acolhida a pretensão, por maioria, pelo Plenário da

Corte, em julgamento conjunto com o RE 958.252-RG, Rel. Min. Luiz Fux (Tema 725),1

sobreveio o acórdão embargado, com a seguinte ementa:

Ementa: Direito do Trabalho. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.Terceirização de atividade-fim e de atividade-meio. Constitucionalidade. 1. A Constitui-ção não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvol -vimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, ajurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios econdições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do tra-balho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalhoe na sociedade. 2. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma em-presa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrên-cia, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociaisindutoras de maior eficiência econômica e competitividade. 3. A terceirização não enseja,por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito adireitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir taisviolações. 4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucio-nalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais detutela do trabalhador, cabendo à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade eco-nômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das nor-mas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias (art. 31 da Lei 8.212/1993).5. A responsabilização subsidiária da tomadora dos serviços pressupõe a sua participaçãono processo judicial, bem como a sua inclusão no título executivo judicial. 6. Mesmocom a superveniência da Lei 13.467/2017, persiste o objeto da ação, entre outras razõesporque, a despeito dela, não foi revogada ou alterada a Súmula 331 do TST, que consoli-dava o conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, a indicar que o temacontinua a demandar a manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito dos aspec-tos constitucionais da terceirização. Além disso, a aprovação da lei ocorreu após o pedidode inclusão do feito em pauta. 7. Firmo a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização detoda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego en-tre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à con-tratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii)

1 STF. RE-RG 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno. Acórdão não publicado até a presentedata. Em julgado em 30 ago. 2018, com fixação de tese seguinte: “É lícita a terceirização ou qualquer outraforma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das em-presas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. In: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4952236&numeroProcesso=958252&classeProcesso=RE&numeroTema=725, acesso em 11 set.2019.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 324/DF 2

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responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bemcomo por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”. 8.ADPF julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fimou meio. Restou explicitado pela maioria que a decisão não afeta automaticamentedecisões transitadas em julgado.2 (ênfase acrescida).

Não obstante, principalmente pela relevância da questão, o acórdão merece pre-

cisa elucidação, nos termos do art. 11 da Lei 9.882/99 e art. 26 da Lei 9.869/1999 c/c art. 337

do RISTF, inclusive para fins de atribuir maior segurança jurídica na aplicação futura da deci-

são (e da tese exposta), dotada de efeitos vinculantes e temporalmente indeterminados para o

futuro.

Não se olvide que “A jurisprudência do STF admite o conhecimento de embargos

declaratórios para a modulação da eficácia das decisões proferidas em controle concen-

trado de constitucionalidade, desde que comprovada suficientemente hipótese de singular

excepcionalidade” (ADI 5107 ED-terceiros/MT, Rel. Min. Alexandre de Moraes),3 situação

indubitavelmente extraída do julgado.

Em respeito ao princípio da proteção da confiança, impõe-se a modulação de

efeitos da decisão, considerando a “norma jurídica” (então) extraível e aplicável (do verbete

331 de Súmula do TST) à miríade de fatos decorrentes de interpretação judicial sistemática

do ordenamento jurídico, estabilizada, coerente e íntegra, há décadas, posto que inexistente

regulamentação constitucional ou legislativa específica sobre o tema anterior à Lei

13.429/2017.

Eis os propósitos dos aclaratórios.

II

II.2. Obscuridade ou omissão. Inafastável aferição casuística dos requisitos da relação

de emprego e da fraude. Apreciação soberana de fatos e provas pelas instâncias ordiná-

rias. Explicitação e especificação da tese

Conforme decidido pelo STF e registrado no acórdão embargado, a terceirização

(de atividades) deve ser exercida com limites, impostos especialmente pelos direitos dos tra-

balhadores, de modo que não se afigura legítima a praticada com o propósito de fraudar direi-

2 STF. ADPF 324/DF, Rel. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe n. 194, de 06 set. 2019.3 STF. ADI 5107 ED-terceiros/MT, Rel. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe n. 250, de 23 nov. 2018.

Outros precedentes: ADI 3106 ED-ED/MG; ADI 4601 ED/MT; ADI 3552 ED/RN.

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tos, ou cujo resultado seja esse. Destaca-se o seguinte excerto:

(…) 65. Nota-se, portanto, com base nas considerações acima, que o que precariza a relaçãode emprego não é a terceirização, mas seu exercício abusivo. A solução não está, por -tanto, em vedá-la, mas em definir um regime jurídico que evite abusos.4

(…)84. Afirmar que a licitude da terceirização como estratégia negocial, tanto no que res -peito à atividade-meio, quanto no que respeita à atividade-fim, não implica, contudo,afirmar que a terceirização pode ser praticada sem quaisquer limites. A prática temdemonstrado - … - que algumas empresas contratadas deixam efetivamente de cumprirobrigações trabalhistas e previdenciárias e que, quando acionadas, constata-se que taisempresas não dispõem de patrimônio para honrar as obrigações assumidas. Ora, se asnormas trabalhistas e previdenciárias elementares são descumpridas por algumas contra-tadas, é de se supor que o mesmo ocorra com normas de saúde e segurança no trabalho.85. Pois bem. Como já observado, a atuação desvirtuada de algumas terceirizadas nãodeve ensejar o banimento do instituto da terceirização. Entretanto, a tentativa de utilizá-lo abusivamente, como mecanismo de burla de direitos assegurados aos trabalhado-res, tem de ser coibida. Essa é a condição e o limite para que se possa efetivar qual-quer contratação terceirizada.5

(…) 92. De fato, embora não haja óbice constitucional à terceirização, diante do quadro tra -çado inclusive nos memorais ofertados pelos amici curiae, não seria compatível com aConstituição simplesmente reconhecer a sua validade sem estabelecer mecanismos deproteção a direitos cuja obrigatoriedade deriva da própria Constituição e com os quaisesse tipo de contratação precisa harmonizar.6 (ênfase acrescida).

A despeito dessa delimitação do decisum (de que não se afigura constitucional-

mente admissível a terceirização praticada como “mecanismo de burla de direitos assegura-

dos aos trabalhadores”) e, embora possa parecer óbvio, não se ressalvou a possibilidade de,

casuisticamente, em casos concretos submetidos à jurisdição trabalhista, reconhecerem-se re-

lações jurídicas de emprego, nos termos dos arts. 2o e 3o ou 9o da Consolidação das Leis do

Trabalho), vigentes, na hipótese de aferição, pelo conjunto probatório, de seus pressupostos.

Note-se que, no item 1 da tese, assentou-se objetivamente: “É lícita a terceiriza-

ção de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego en-

tre a contratante e o empregado da contratada”.- g. n.

A declaração, no âmbito do controle abstrato de normas, da compatibilidade

constitucional do fenômeno da terceirização das atividades finalísticas da empresa, não

afasta, em termos absolutos, a viabilidade de verificação, in concreto, dos elementos fático-

jurídicos da relação de emprego entre os trabalhadores terceirizados e as suas tomadoras de

4 Fls. 57. 5 Fls. 63. 6 Fls. 67.

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serviço, não obstante isso não mais seja decorrente da natureza da atividade principal da con-

trante, em princípio, ou por presunção legal.

Assim, conquanto evidente (dada as características objetivas do controle realiza-

do em sede de ADPF, sem análise de fatos ou provas), faz-se mister a delimitação do acórdão

para fins de aplicação da respectiva tese jurídica, na medida em que, sem a tal ressalta ou ex-

plicitação e com eventual interpretação literal da assertiva constante do item 1 da tese por

parte de seus aplicadores, permite-se que se mantenha infenso à apreciação judicial (ou mes-

mo blindado) a situação fática mencionada pelo Ministro Relator de abusividade no uso da

terceirização, prática que, conforme o acórdão, deve ser coibida.

É dizer: o disposto no acórdão pode levar a conclusão de que se trata de uma pre-

sunção absoluta (jure at de jure) de inexistência de vínculo empregatício.

Com efeito, o STF reputou constitucionalmente autorizada a terceirização nas ati-

vidades finalísticas das empresas, mas isso não valida em precedente vinculante a generaliza-

ção de fraude, de intermediação de mão de obra (marchandage) – diametralmente distinta da

descentralização de atividades, vedada por princípio de Direito Internacional do Trabalho (o

trabalhador não é mercadoria, não se vende mão de obra), em detrimento da proteção consti-

tucional destinada aos trabalhadores. Tampouco é possível se negar vigência aos arts. 2º, 3º e

9º da CLT, cuja constitucionalidade jamais foi questionada.

Isso porque, a procedência do pedido desta ADPF tem por consequência a autori-

zação por esta Suprema Corte de terceirização legítima de atividades finalísticas no setor pri-

vado, em tese.

É imprescindível que fique claro, inclusive para fins de redação da tese jurídica,

que tal entendimento não impedirá, evidentemente, a vedação judicial da marchandage, ou

intermediação (venda) de mão de obra, nem a declaração de vínculo empregatício em ações

com fundamento autônomo de fraude (art. 9º da CLT) ao vínculo empregatício (art. 3º da

CLT) e dependente de prova de subordinação jurídica (em suas diversas vertentes) e pessoali-

dade, até porque incompatíveis análises fáticas e probatórias específicas a casos concretos

com as atribuições do STF estabelecidas constitucionalmente, no âmbito recursal extraordi-

nário ou em reclamações.

O Ministro Alexandre de Moraes pontuou, em tópico específico de seu voto, a

existência de nítida distinção entre terceirização e intermediação de mão de obra:

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O Estado – seja legislativamente, seja judicialmente – não poderá impor regras rígidas eespecíficas de organização interna das empresas; cabendo tal decisão aos próprios em-preendedores, que, por sua conta e risco, devem realizar sua opção de modelo organizaci-onal dentro das lícitas e legítimas possibilidades consagradas pelos Princípios Gerais daAtividade Econômica e estabelecidos no artigo 170 da Constituição Federal. Obviamen-te, essa opção será lícita e legítima desde que não proibida ou colidente com o ordena-mento constitucional; bem como, desde que, durante a execução dessa opção – na hipóte-se de terceirização –, as empresas “tomadoras” e “prestadoras” não violem direitos soci -ais e previdenciários do trabalhador e a primazia dos valores sociais do trabalho, que,juntamente com a livre iniciativa, tem assento constitucional como um dos fundamentosdo Estado Democrático brasileiro. Entendo, portanto, que inexiste vedação constitucionalexpressa ou implícita em relação à possibilidade de terceirização, enquanto legítima op-ção empresarial de modelo organizacional.

II) Inexistência de confusão entre os conceitos de “terceirização de atividade-fim” ede “intermediação de mão de obra”.

A segunda importante questão tratada nesse julgamento, tanto em relação à ADPF 324,quanto ao RE 958.252-RG, nos traz a necessidade – além das importantes e substancio-sas análises teóricas, doutrinárias e econômicas da terceirização – de demonstrar a ine -xistência de identidade conceitual entre “terceirização de atividade-fim” – que não se di-ferencia da própria terceirização – e as hipóteses ilícitas de “intermediação de mão deobra”, caracterizadas pelo abuso e exploração do trabalhador.Em segundo lugar, porque a denominada “intermediação de mão de obra” ilícita, comosalientado pelo Ministério Público do Trabalho e no próprio parecer da Procuradoria-Geral da República, consiste em mecanismo fraudulento que visa burlar a efetividade dosdireitos sociais e previdenciários dos trabalhadores; desvalorizar o primado do trabalho,por meio de abuso e exploração do trabalhador e ocultar os verdadeiros responsáveis pe-las contratações, para impedir sua plena responsabilidade; o que, não raras vezes, acabatipificando hipóteses de trabalho escravo. São, portanto, hipóteses absolutamente diver-sas, tendo a ilícita “intermediação de mão de obra” sido, pioneiramente, proibida naFrança, que tipifica como crime o “empréstimo ilícito de mão de obra” (artigo L8231-1do Código Trabalhista Francês) – marchandage –, cuja caracterização exige a existênciae abuso e exploração do trabalhador, com afastamento de seus direitos sociais; não seconfundindo com a terceirização, que, inclusive, é permitida na França, desde a décadade 70, em todas as atividades da empresa.

O precedente, pois, não pode impedir que desvirtuamentos meramente formais e

aparentes dos propósitos da legítima terceirização sejam coibidos pelos meios jurídicos ade-

quados (fiscalização do Ministério do Trabalho, atualmente da Economia; atuação do Minis-

tério Público do Trabalho; repreensão judicial por provocação de legitimados, individual ou

coletivamente).

Colhe-se do voto da Ministra Cármen Lúcia:

Não tenho dúvida, portanto, que a precarização do trabalho e a inviabilização da buscado pleno emprego contrariam a Constituição. O que não me convence é que a terceiriza-ção das atividades de uma empresa contrariaria os princípios constitucionais da livre ini-ciativa e da livre concorrência, conforme aqui já foi demonstrado inúmeras vezes. A es-colha de qualquer modelo negocial indutor à livre concorrência não pode, por certo, seraceito. Mas insisto: todo abuso a direitos, toda a contrariedade ao direito, especial-mente quanto aos valores do trabalho, tem formas de ser questionado e haverá de

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contar com essas formas e instrumentos para que não se mantenha situação contrá-ria ao Direito, portanto, ilícita. (enfatizou-se)

O Ministério Público, em posicionamentos externados posteriormente ao julga-

mento desta ADPF e envolvendo também hipóteses específicas do tema genérico da “terceiri-

zação”, em diversas vertentes sob apreciação da Suprema Corte, tem frequentemente

salientado que a decisão com eficácia geral e abstrata naturalmente decorrente do sistema de

controle concentrado de constitucionalidade, nos termos do art. 28 da Lei 9.868/99, não im-

pede que, no âmbito de casos concretos, eventualmente se constatem os requisitos jurídicos

da relação de emprego entre trabalhador e o tomador final de serviços (pessoalidade, onerosi-

dade, não-eventualidade ou habitualidade e subordinação jurídica – arts. 2o e 3o da CLT), a

fim de não se blindar situações de fraude ou de burla a direitos.

Na manifestação da PGR na ADC 48/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, a res-

peito da constitucionalidade de dispositivos da Lei 11.442/2007, consignou-se:

(...)No mérito, diante dos termos do pedido, a discussão implica averiguar se as normas ob-jeto do controle são compatíveis com a Constituição e, em caso positivo, se a sua inter-pretação impede o reconhecimento do vínculo empregatício entre o transportador decargas e o tomador dos serviços em toda e qualquer hipótese.Isto é, a pretensão, na realidade, é de que o STF reconheça uma presunção absoluta (ra-rissimamente encontrada no ordenamento jurídico) de inexistência de relação de trabalhoem sentido estrito entre o transportador de cargas e o tomador de serviços; seja quandoesse serviço é prestado diretamente por pessoa física ou por pessoa jurídica de titulari-dade do prestador de serviços (e aqui não se trata nem em tese de terceirização, haja vistaa bilateralidade da relação), seja quando o serviço é intermediado formalmente por pes-soa interposta. Se ausentes os requisitos do vínculo empregatício, nas duas hipóteses (relação bila-teral ou intermediada), trata-se de legítima relação civil ou, mais especificamentecomercial; e, se presentes os requisitos dos arts. 2º ou 3º da CLT, em relação ao to-mador final dos serviços ou em relação à pessoa jurídica interposta, estar-se-á di-ante de simulação, ou fraude, a ser reconhecida pelo juízo competente com todas asconsequências jurídicas inerentes.Contudo, em que pese a constitucionalidade dos dispositivos da Lei 11.442/2007, já afir-mada em parecer da Procuradoria-Geral da República na ADI 3.961/DF, o pedido nãomerece acolhimento integral nos termos em que formulado, já que inexiste qualquer pre-sunção de legalidade da relação formalmente estabelecida. Isso porque não se afigura adequada em ação abstrata de constitucionalidade a definiçãode presunções, ou a antecipação de questões que somente são passíveis de apreciação di-ante de casos concretos, considerando as causas de pedir; a contestação; os pontos con-trovertidos, ou não; as questões de fato e de direito; a distribuição ordinária do ônus daprova, ou a sua inversão, se cabível; o princípio da primazia da realidade; etc.7 (ênfaseacrescida)

7 PGR. ADC 48/DF, Rel. Min. Roberto Barroso. Manifestação apresentada em 05 abr. 2019: Disponível in:http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5245418, acesso em 12 set. 2019.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 324/DF 7

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Também na manifestação da PGR apresentada na ADC 57/DF, Relator Ministro

Edson Fachin, na qual em causa dispositivos da Lei 8.987/1995 (art. 25-§1o), relativamente à

constitucionalidade da terceirização em “atividades inerentes” das concessionárias de servi-

ços públicos:

(...)Ante o entendimento construído pelo STF acerca da matéria da terceirização (em geral)de serviços, mostra-se compatível com a Constituição o art. 25-§1º da Lei8.987/1995. A questão, pois, já está decidida pelo STF, sendo desnecessárias maiores considerações,haja vista o princípio da inércia argumentativa, e isso é suficiente à resposta(procedência) da primeira parte (i) do pleito formulado. Não se pode olvidar, entretanto, que a Lei 8.987/1995 versa sobre matéria regida pelo art.175 da Constituição. A confirmação da constitucionalidade da norma, de alcancerestrito, não implica, evidentemente, autorização judicial para contrataçõesfraudulentas ou para a inobservância dos requisitos que devem ser atendidos paraque se aperfeiçoem licitamente a subconcessão e a transferência de concessão ,previstos na mesma lei (arts. 26 e 27).8 (ênfase acrescida).

Portanto, considerando a apontada obscuridade ou omissão no acórdão; ou

melhor, na tese aprovada por maioria, haja vista os argumentos constantes do acórdão

relativamente à imperativa proteção dos direitos dos trabalhadores diante de modalidades de

organização produtiva que lhe impliquem simulacros, ou precarização; bem como, forte em

razões de segurança jurídica para a futura aplicação do precedente normativo vinculante em

âmbito judicial e administrativo, de forma indene de dúvidas (art. 338 do RISTF), com

estabilidade, integridade e coerência pelos tribunais (CPC, art. 926-caput); reputa-se

imprescindível a elucidação na tese da indigitada obscuridade, nos termos do art. 26 da Lei

9.868/99 c/c art. 1.022-I do CPC.

Sugere-se, pois, a retificação do item 1 da tese, nos seguintes termos, que

explicitam de modo mais claro o alcance do julgado:

É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não seconfigurando, em tese, relação de emprego entre a contratante e o empregado dacontratada, pela simples aferição da atividade principal daquela, ou dos serviçosespecíficos por esta prestados.

Ainda em conformidade com fundamentação do acórdão, que delimita o alcance

da parte dispositiva da referida decisão, impõe-se acrescentar um item à tese que esclareça a

8 PGR. ADC 57/DF, Rel. Min. Edson Fachin. Manifestação apresentada em 05 abr. 2019: Disponível in:http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5245418, acesso em 19 dez. 2018.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 324/DF 8

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possibilidade de reconhecimento de vínculo empregatício nas hipóteses de constatação de

subordinação e pessoalidade diretas com o tomador de serviços; de mera intermediação de

mão obra (venda do trabalho, e não transferência de atividade); de fraude a direitos

trabalhistas; ou de utilização de expedientes formais para a precarização de direitos de

trabalhadores, razão pela qual se sugere o aditamento da tese com inclusão do seguinte item:

A compatibilidade constitucional da terceirização de qualquer atividadeempresarial, meio ou fim, não impede a declaração de vínculo empregatíciodireto com a contratante, nos casos concretos em que constatados seus requisitos(arts. 2º e 3º da CLT); a fraude a direitos trabalhistas (art. 9º da CLT), ou aintermediação de mão de obra (“marchandage”).

Acrescente-se, quanto a este tópico, mormente para fins de racionalização de fu-

turos processos a serem ajuizados perante esta Suprema Corte que a ausência de tal explicita-

ção quanto à possibilidade jurídica de configuração concreta de relação de emprego entre o

trabalhador (“empregado da contratada”) e a tomadora final de serviços (“a contratante”) já

resulta em uma avalanche de reclamações constitucionais, o que será agravado com a publi-

cação do acórdão, na medida em que, somente por meio delas poderá ser oportunizada a dis-

tinção (distinguishing), ou a delimitação do alcance da decisão, em âmbito cognitivo restrito

considerando a feição especialíssima da reclamação constitucional, a vinculação à prova pré-

constituída e a impossibilidade de revolvimento da moldura fática delineada nos autos do pro-

cesso de origem.9

Portanto, com a finalidade de se evitar tais consequências deletérias ao sistema judi-

cial brasileiro, já anunciadas na prática, e em respeito à própria delimitação estrita de competên-

cias jurisdicionais constitucionalmente estabelecidas, tais esclarecimentos são imprescindíveis,

inclusive para a efetiva observância do decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Pugno, pois, pelos esclarecimentos apontados, com retificação e aditamento da

tese, nos termos ora propostos.

II.2. Situações não abarcadas pela decisão do STF. Delimitação - Terceirização

Pelas mesmas razões anteriormente expostas, sobretudo para se prevenir a

utilização temerária e promíscua da jurisdição constitucional, o que na prática já se tem

verificado pela enxurrada de reclamações direcionadas ao STF contendo matérias9 STF. Rcl 33100 AgR/PR, Rel. Min. Luiz Fux. Primeira Turma. DJe nº 93, 7 maio 2019. Rcl 33413/SP. Rel.

Min. Luiz Fux. DJe nº 35, 21 fev. 2019.

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL Nº 324/DF 9

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trabalhistas diversas, mas enquadradas pelos requerentes como terceirização, não se pode

deixar de esclarecer que os julgamentos na ADPF 324/DF e no RE 958.252-RG (Tema 725

do catálogo de repercussão geral) versaram específica e delimitadamente sobre terceirização

de atividades produtivas em âmbito empresarial privado.

Tão logo encerrado o julgamento, diversos veículos de mídia, publicações

jurídicas e manifestações diversas (fato notório) veicularam erroneamente informações a

respeito da liberação pelo STF ilimitadamente de contratação de cooperativas, de

“pejotização”, de contratação de “autônomos”, ainda que quando presentes os requisitos

configuradores do vínculo empregatício.

Obviamente e, por vezes, é preciso dizer o óbvio, o STF não abordou nenhuma

dessas questões, que não foram objeto da arguição de descumprimento de preceito

fundamental, tampouco de precedente vinculante resultante do julgamento de recurso

extraordinário com repercussão geral.

Evidencia-se pela leitura dos seguintes trechos do voto do Min. Roberto Barroso,

Relator, que o STF apreciou estritamente a questão da terceirização de atividades

empresariais em âmbito privado:

Terceirizar significa transferir parte da atividade de uma empresa para outra empresa,por motivos de custo, eficiência, especialização ou por qualquer outro interesseempresarial legítimo. Assim, uma etapa da cadeia produtiva de uma empresa - chamadaempresa contratante - passa a ser cumprida por uma outra empresa - denominadaempresa contratada ou empresa prestadora de serviços. [...]Por exemplo, uma montadora de automóveis, em lugar de produzir pneus, adquire-os deuma empresa especializada, com know how específico. Ela contrata externamente,terceiriza a produção dos pneus, embora não seja difícil considerar que o pneu éatividade-fim de produção de um automóvel, pois um carro sem pneu não tem condição.Ou uma construtora não precisa produzir concreto, ela pode contratar com uma empresaa produção de concreto ou pode comprar prémoldados de concreto de uma empresaexterna. Uma incorporada imobiliária pode terceirizar os serviços de portaria, desegurança, de piscina, de restaurante, de exploração do estacionamento.[...]A terceirização tem outras finalidades mais importantes. Primeiro, aumentar a qualidadeatravés da contratação externa de serviços que não constituem o diferencial da empresae que são prestados com maior eficiência por terceiros. Quem faz só pneu faz pneumelhor do que quem faz pneus e muitas outras coisas. Segundo, ampliar a capacidadepara atender ao aumento temporário de demandas. Portanto, você terceiriza porque teveum aumento de demanda. Terceiro, possibilitar o acesso a mão de obra qualificada etecnologia não dominada pela empresa. Quarto, desenvolver atividades que demandamconhecimento especializado e capacidade de atração de profissionais de ponta.Terceirizar, portanto, não significa necessariamente reduzir custo. [...]Portanto, os problemas que existem relativos ao possível descumprimento do contrato detrabalho ou das obrigações trabalhistas na terceirização são os mesmos que existem na

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contratação direta. Mas, no caso da terceirização, isso é perfeitamente contornável desdeque se exija da empresa contratante da prestadora de serviço, da terceirizada, que secertifique das condições econômicas e jurídicas da empresa cujo serviço se está tomando.Em segundo lugar e muito importante, com a equiparação de condições de saúde esegurança dos empregados terceirizados às condições dos empregados da contratantequando prestarem serviços nas instalações destas. Portanto, a empresa contratante doserviço terceirizado tem de assegurar ao terceirizado as mesmas condições de segurançado trabalho que são asseguradas aos seus próprios empregados.Em terceiro lugar e muito importante, a empresa tomadora do serviço permanece comresponsabilidade subsidiária no caso de descumprimento das normas trabalhistas eprevidenciárias por parte da empresa prestadora de serviço. Portanto, o argumentoda precarização não se sustenta, porque, no contrato entre a empresa prestadora deserviços e o empregado, as obrigações trabalhistas são exigíveis e a empresa quecontratou a prestação de serviço é subsidiariamente responsável pelas obrigaçõestrabalhistas e previdenciárias. De modo que não consigo alcançar a plenitude doargumento da precarização, porque as normas constitucionais que se aplicam ao Direitodo Trabalho continuam valendo no contrato entre o empregado e a terceirizada.[…]Por isso mesmo, Presidente, considero que se podem inferir da Constituição algumaslimitações que, de resto, foram introduzidas na Lei de Terceirização . E os limitessão: o contratante tem o dever de se certificar da idoneidade e da capacidade econômicada empresa terceirizada para honrar o contrato com todas as obrigações, inclusive as decunho trabalhista e previdenciário, e ela deve ter, porque é do seu interesse, um dever defiscalização, pela razão de que a empresa que tomou o serviço terceirizado assume aresponsabilidade subsidiária, caso a empresa terceirizada deixe de honrar suas obrigações- como eu penso que deve ser e como a lei superveniente já prevê. No entanto, aresponsabilidade subsidiária não significa, a meu ver e com todas as vênias, que existauma relação direta de emprego entre a empresa contratante e o empregado da empresaterceirizada; a responsabilidade é subsidiária. E, como disse, essas limitações derivamda Constituição e estão expressas na legislação que cuida da matéria, as Leis nº13.429/2017 e 13.467. [...]Não há na terceirização uma relação triangular, tal como afirmado. Há, de fato, duasrelações bilaterais: i) a primeira, de natureza civil, consubstanciada em um contrato deprestação de serviços, celebrado entre a contratante e a empresa terceirizada, denominadacontratada; ii) a segunda, de natureza trabalhista, caracterizada por uma relação deemprego, entre a contratada e o empregado. Assim, há, na última contratação,típica relação trabalhista bilateral, plenamente adequada à incidência do direito dotrabalho. Nota-se, portanto, que as decisões restritivas da Justiça do Trabalho emmatéria de terceirização não têm respaldo legal. (enfatizou-se)

Conforme bem delimitado, apreciou-se a terceirização de atividades

empresariais, que pressupõem duas relações jurídicas bilaterais, uma delas de natureza

trabalhista: a relação empregatícia entre a contratada e o trabalhador, que atrai a

incidência de todo o arcabouço normativo de proteção do trabalho, em especial do

disposto no art. 7º da Constituição da República.

Diversa é a situação no cooperativismo, por exemplo, com seus princípios

próprios e em que a relação bilateral da pessoa física com a cooperativa não é empregatícia.

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Tais relações são reguladas por lei específica: Lei 5.6764/71.

O mesmo se diga referentemente à “pejotização”, em que o sócio ou a pessoa

jurídica individual, ambos autonomamente, exercem o trabalho em benefício do tomador

final de serviços e sem uma relação empregatícia. Assim também a pessoa física autônoma.

Nesses casos, ainda que haja uma descentralização de atividade empresarial, não

se está a falar de terceirização, porquanto inexiste uma relação jurídica de trabalho em

sentido estrito (vínculo empregatício), com todos os seus consectários legais, e não há falar

em responsabilidade subsidiária. Trata-se de relações jurídicas de natureza exclusivamente

civis.

Evidentemente, pelo princípio da primazia da realidade, as formas de contratação

não impedem o descortinamento de relações jurídicas efetivamente trabalhistas, se

configurados os requisitos caracterizadores da relação de emprego.

Importa também destacar que o STF, em nenhum momento, por ocasião do

julgamento da ADPF 324/DF e do RE-RG 958.252/MG, tratou atenta e especificamente da

terceirização no âmbito da Administração Pública, com as suas peculiaridades e a

incidência de princípios constitucionais jurídico-públicos próprios e normas constitucionais e

infraconstitucionais especiais incidentes.

Ilustrativamente, não se abordou a questão da terceirização como forma de burla

ao concurso público, de substituição de candidatos aprovados regularmente em certame, de

suprir funções permanentes previstas em quadro de carreira de estatutários ou empregados

públicos, ou como mecanismo de substituição de pessoal que deve necessariamente ingressar

na função pública lato sensu mediante as regras da publicidade concursal. Decorrem do

imperativo constitucional de prévia aprovação em concurso público para a investidura em

cargo ou emprego público (art. 37-II), dentre outras peculiaridades, as balizas específicas à

terceirização na Administração Pública, além da necessidade de observância da natureza dos

serviços públicos prestados ou das atividades econômicas desenvolvidas por empresas

estatais. O Supremo também não tratou aqui, por exemplo, a respeito da delegação de

serviços de saúde por meio de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, em

observância da exigência constitucional da complementaridade (art. 199-§1º da Constituição)

e nos termos da Lei 8.080/90 e Lei 9.637/98 (apreciada na ADI 1.923/DF).

Acresce que a matéria de isonomia de direitos entre terceirizados e empregados

da contratante também não foi objeto dos julgamentos em referência e será apreciada pelo

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STF, no âmbito de empresas estatais, no RE 635.546/MG, tema 383 do catálogo de

repercussão geral.

Contudo, já são muitas as reclamações constitucionais ajuizadas perante o STF

visando à aplicabilidade, per saltum e sem observância dos itinerários processuais adequados,

do decidido na ADPF 324/DF e RE 958.252/MG a casos concretos envolvendo todas essas

situações jurídicas distintas e peculiares, em detrimento do âmbito de competência

constitucionalmente delimitado às instâncias ordinárias do Poder Judiciário, seja integrantes

da Justiça Comum ou do Trabalho. Isso não pode ser admitido, sob pena de o STF tornar-se

uma Corte meramente revisora de decisões em casos individuais, descurando-se de seu papel

de guardião da Constitucional e de Tribunal vocacionado à interpretação vinculante da

Constituição da República.

Em conclusão, impõe-se a delimitação do alcance dos julgados do STF em

matéria de terceirização empresarial, principalmente para que não se permita o seu elastério

hermenêutico indevido e oportunista, o que pode ser feito exemplificativamente em

acréscimo de fundamentação e sem necessidade de alteração das conclusões ou da tese

proposta. É o que se requer.

II.3. Da necessidade de modulação de efeitos da decisão proferida. Existência de

excepcionais razões de segurança jurídica

No Brasil, adota-se a teoria da nulidade da norma inconstitucional, isto é, a norma

declarada inconstitucional é tida por nula de pleno direito, não produzindo quaisquer efeitos

válidos. Assim, “corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a in-

constitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo –, limitando-se a reconhe-

cer uma situação preexistente”.10

Em outros termos, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo

implica a sua nulidade ipso jure, produzindo efeitos ex tunc, ou seja, desde a entrada em vi-

gor da norma declarada inconstitucional. Na lição de Gomes Canotilho, a eficácia retroativa

da declaração de inconstitucionalidade significa fundamentalmente: (i) invalidade e cessação

de vigência da norma ou normas declaradas inconstitucionais a partir do momento da sua en-

trada em vigor e não a partir do momento da declaração de inconstitucionalidade; (ii) proibi-

10 BARROSO, Luís Roberto. O controle da constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemáticada doutrina e análise. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 38

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ção da aplicação das normas inconstitucionais a situações ou relações desenvolvidas à som-

bra da sua eficácia e ainda pendentes.11

No entanto, nos termos dos arts. 27 da Lei 9.868/1999 e 11 da Lei 9.882/1999, o

STF pode, por maioria qualificada, afastar o princípio da nulidade mediante um juízo de

ponderação, fundado no princípio da proporcionalidade, tendo em vista relevantes razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse social. Na doutrina:

O princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder demonstrar, com basenuma ponderação concreta, que a declaração de inconstitucionalidade ortodoxa envolve-ria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional materializável sob aforma de interesse social. Entre nós, cuidou o legislador de conceber um modelo restri-tivo também no aspecto procedimental, consagrando a necessidade de um quórum espe-cial (dois terços dos votos) para a declaração de inconstitucionalidade com efeitoslimitados.12

Por ser situação excepcional ao princípio da constitucionalidade da ordem ju-

rídica, a modulação dos efeitos da decisão declaratória de inconstitucionalidade pela

Corte Constitucional exige um quórum qualificado de dois terços dos votos, podendo ser pro-

ferida uma das seguintes decisões: (i) declarar a inconstitucionalidade apenas a partir do trân-

sito em julgado da decisão (efeitos ex nunc); (ii) declarar a inconstitucionalidade com a

suspensão dos efeitos por algum tempo a ser fixado na sentença (efeito pro futuro); (iii) de-

clarar a inconstitucionalidade sem a pronúncia da nulidade, permitindo que se opere a sus-

pensão de aplicação da lei e dos processos em curso até que o legislador, dentro de prazo

razoável, venha a se manifestar sobre a situação inconstitucional e, eventualmente (iv) decla-

rar a inconstitucionalidade dotada de efeito retroativo, com a preservação de determinadas si-

tuações.13

São os requisitos autorizadores da “modulação dos efeitos da decisão de

inconstitucionalidade”, constantes dos arts. 27 da Lei 9.868/1999 e 11 da Lei 9.882/1999:14

11 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 4ª ed. Coimbra: Almedina,2000, p. 984.

12 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e açõesconstitucionais. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 590.

13 MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e açõesconstitucionais. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 590.

14 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurançajurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terçosde seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seutrânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. Art. 11. Ao declarar a inconstitucionali-dade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, e tendoem vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Fede-ral, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que elasó tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

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razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social; os quais têm sido aferidos

pela Suprema Corte com alguma frequência (ADI 5535/PA; ADI 4601 ED/MT, RE

651.703/PR, ADI 3552 ED/RN, dentre outros precedentes).

Ao comentar tais pressupostos legais, formalmente assentados na Constituição da

República Portuguesa de 1976 (art. 282o-4), a qual serviu de inspiração para o legislador

nacional, elucidam Gomes Canotilho e Vital Moreira:

Os pressupostos objectivos fixados no n. 4 para justificar a limitação de efeitos –segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo – sãoconceitos que apesar de sua densidade como figuras jurídicas pré-constitucionais,mantêm sempre, como conceitos jurídicos relativamente indeterminados que são, umamaior ou menor latitude de concretização. O qualitativo «de excepcional relevo» parecereferir-se apenas ao «interesse público» e não à «segurança jurídica e «razões deequidade». Mas é sempre de exigir que razões de segurança jurídica e de equidadesejam suficientemente fortes para justificar o afastamento do princípio-regra dosefeitos da inconstitucionalidade, salvaguardando situações criadas ao abrigo denormas inconstitucionais ou ilegais. (ênfase acrescida).15

Em tese doutoral, Rui Medeiros complementa:

A segurança jurídica, a equidade e o interesse público de excepcional relevo nãoconstituem, …, fórmulas vazias e sem conteúdo. Todavia, mesmo que os fundamentaisexplícitos no nº 4 do art. 282o permitissem incluir lá quase tudo e fosse difícil encontraruma situação em que não se pudesse invocar razões de segurança jurídica, de equidadeou de carácter público, sempre deveria acrescentar que o princípio da proporcionalidadeem sentido estrito não toleraria que a mera invocação da invocação de um interesseconstitucionalmente protegido afastasse os efeitos típicos da declaração deinconstitucionalidade. O afastamento da eficácia retroativa e repristinatória só é admissível quando sedemonstre, com base numa ponderação concreta, que a adopção de uma declaraçãode inconstitucionalidade pura e simples envolveria o sacrifício excessivo dasegurança jurídica, da equidade ou de outro interesse público de excepcional relevo.(ênfase no original)16

Assentados tais pressupostos, doravante, verificar-se-á que há necessidade, ade-

quação e razoabilidade para que STF module os efeitos da decisão proferida nesta ADPF.

Isso porque o decidido pela Suprema Corte em matéria de terceirização implicou

substancial guinada na jurisprudência trabalhista, do que decorre a inadequação de típi-

cos efeitos retroativos da declaração de inconstitucionalidade de verbete sumular de jurispru-

dência.

15 In J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 108o a296o, Coimbra Editora: Coimbra, 2010, p. 980.

16 Rui Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade – os Autores, o Conteúdo e os Efeitos da Decisão de In-constitucionalidade, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, 1999, p. 716.

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De início, recorde-se que o objeto normativo desta ação não se constitui, em

termos estritos, por uma “lei ou ato normativo” (Constituição, arts. 97 c/c 102-I-a).

Diversamente (o que é, aliás, excepcional no controle abstrato de constitucionalidade),

direciona-se para o “entendimento emergente do conjunto de decisões da Justiça do

Trabalho”17 (ou “decisões judiciais”, nos termos da petição inicial); o qual, arrimado na

(“normatividade”) do enunciado 331 da Súmula do TST, conduzira para a sedimentação

da interpretação judicial de ilicitude (ou inconstitucionalidade) da terceirização nas

atividades finalísticas das empresas. Daí a necessidade de abreviada digressão histórica

acerca das circunstâncias da edição desse vetusto enunciado, para a compreensão do

profundo enraizamento do entendimento jurisprudencial na seara trabalhista.

Até a década de 1990, quando o padrão de organização empresarial brasileira

ainda era muito verticalizado, sob inspiração fordista e com pouca difusão do modelo

empresarial flexível, que passou a adotar terceirização, a jurisprudência trabalhista resistiu

em admitir o modelo de subcontratação de serviços. Identificava como intermediação de mão

de obra e, portanto, como fraude trabalhista, qualquer espécie de subcontratação, com

exceção das hipóteses legalmente admitidas de trabalho temporário e vigilância privada (Lei

6.019, de 03 de janeiro de 1974, e Lei 7.102, de 20 de junho de 1983).18

Em 1986, o TST definiu inicialmente a sua jurisprudência no tema, retratada no

enunciado 256, em que restringiu duramente a prática da contratação de serviços na

iniciativa privada: “Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância,

previstos nas Leis nos 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação

de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente

com o tomador dos serviços”.

Não obstante a restrição do enunciado 256 do TST, a prática da terceirização de

serviços avançou no mercado empresarial brasileiro, entre as décadas de 1980 e 1990,

justificada pela Ciência da Administração como elemento do novo padrão de organização

empresarial flexível e horizontalizada, de inspiração japonesa toyotista, fundada na teoria do

foco. Segundo essa teoria administrativa, o novo modelo empresarial precisa delegar a

terceiras empresas o desenvolvimento de suas atividades acessórias e de apoio, para focalizar

recursos materiais e humanos em sua vocação principal, com vistas à racionalização

produtiva e à qualificação do produto.

17 Acórdão, item 81, fl. 62. 18 Manifestação da PGR na parecer da ADPF 324.

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Aliada a esse ímpeto econômico no espaço privado, na época a norma jurídica já

autorizava a administração pública direta, autárquica e fundacional a subcontratar serviços de

apoio administrativo. O Decreto-lei 200, de 5 de fevereiro de 1967, no art. 10-§ 7º, exortava

os entes públicos a “desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo,

sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato”. A Lei 5.645, de 10 de

dezembro 1970, que instituía diretrizes para classificação de cargos do serviço público da

União e das autarquias federais, previa que, nessas entidades, as atividades de apoio

administrativo deveriam ser, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato

de prestação de serviços (art. 3º-parágrafo único).

Esse cenário normativo ensejou séria incongruência na Administração Pública,

pois, ao tempo em que os entes de direito público eram exortados a subcontratar atividades de

apoio, empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade

econômica, constitucionalmente submetidas ao regime jurídico de direito privado

(Constituição, art. 173), não eram autorizadas a subcontratar serviços de apoio

administrativo, porque sujeitas à restrição do enunciado 256 do TST.

Em outubro de 1993, atendendo à solicitação do Ministério Público do Trabalho,

o TST alterou sua jurisprudência a respeito do tema e passou a reconhecer a legalidade da

subcontratação de “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”, no âmbito

empresarial, em molde idêntico ao que a Lei 5.465/1970 permitia ao poder público na

esfera da União. Firmou-se, então, a Súmula 331 do TST, nos seguintes termos:

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculodiretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n.6.019, de 3.1.1974).II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não geravínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta oufundacional (art. 37, II, da CF/1988).III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços devigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983), de conservação e limpeza, bem como a deserviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente apessoalidade e a subordinação direta.IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica naresponsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desdeque tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.(ênfase acrescida).

Essa súmula, abandonando a antiga associação irrestrita do contrato de prestação

de serviços com a figura ilícita da intermediação de obra (marchandage), passou a reconhecer

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a legalidade da terceirização de apoio administrativo do tomador (atividade-meio), como

instrumento de organização da nova empresa flexível e horizontalizada, com o objetivo de

permitir especialização na atividade que constitui sua vocação principal, o denominado core

business (atividade-fim). Ainda assim, desde que inexistentes pessoalidade e subordinação

entre o trabalhador e a empresa tomadora, sob pena de configurar vínculo de emprego (CLT,

art. 3º), salvo quanto aos entes da administração pública, em razão da exigência

constitucional de concurso público (Constituição, art. 37-II).

Em 2000, o inciso IV recebera nova redação para esclarecer que a

responsabilidade subsidiária abrangia também “os órgãos da administração direta, das

autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia

mista” (TST, Resolução 96, de 11 de setembro de 2000). Todavia, após a decisão do STF na

ADC 16, em 2010, o TST promoveu outros ajustes no enunciado desse verbete sumular para

explicitar que os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem

subsidiariamente, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da

Lei 8.666/93 (culpa in elegendo e culpa in vigilando), afastando, pois, a responsabilidade

objetiva do Estado.19

Essa brevíssima digressão histórica demonstra que o verbete em referência

constituiu construção hermenêutica sólida e amadurecida em longo processo de reflexão

jurisdicional acerca dos impactos da terceirização sobre o sistema de proteção social do

trabalhador e refletiu solução compromissória entre os interesses expansionistas da

iniciativa privada e o interesse constitucional de promoção do valor social do trabalho (com

“relação de emprego protegida”; art. 7º-I), ambos albergados na Constituição (art. 1º-IV).

Os fatos narrados não escaparam à criteriosa análise da Suprema Corte. Tanto

assim que a evolução histórica que fundamentou a construção jurisprudencial da Súmula 331

foi inclusive relatada pelo Ministro Relator: “Nesse contexto, os avanços em tecnologia da

informação, transporte e logística, que possibilitam a conexão de agentes situados em locais

distintos, e possivelmente a influência do toyotismo, dentre outros modos de produção

flexível, conduzem à consolidação de um novo modelo, por meio do qual as empresas optam

por manter sob a sua condução apenas o núcleo de sua atividade-fim e terceirizam não

apenas as suas atividades-meio, mas igualmente parte das atividades-fim. Passam, portanto,

a atuar por meio de uma cadeia produtiva organizada em rede”.20

19 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. São Paulo: LTr, 2017.20 Acórdão, item 48, fls. 49.

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O Relator, em seu voto, ao superar a preliminar de perda superveniente do objeto

da ADPF, afirmou inclusive que “De fato, a Súmula 331 do TST, que consolida a

jurisprudência sobre o assunto, não foi revogada pela Justiça do Trabalho nem mesmo após

a edição das leis [Leis 13.429/2017 e 13.467/2017]”.

Todavia, a revogação de enunciado sumular e orientações jurisprudenciais pelo

TST, assim como a aprovação e alteração, foi praticamente inviabilizada por novel

procedimento, mais dificultoso e irrazoável, estabelecido pela própria Lei 13.467/2017

(Reforma Trabalhista) no art. 702-I-f e §§3º e 4º da CLT, porquanto exige “voto de pelo

menos dois terços de seus membros, caso a mesma matéria já tenha sido decidida de forma

idêntica por unanimidade em, no mínimo, dois terços das turmas em pelo menos dez sessões

diferentes em cada uma delas”.21 Desse modo, mesmo com as alterações promovidas pela Lei

13.467/2017 com o objetivo de “modernizar” a normatização das relações trabalhistas para

contemplar a realidade de flexibilização do mercado de trabalho, mormente a terceirização de

serviços, não foi possível, em termos práticos, ao TST revogar, ou alterar o enunciado 331 de

sua Súmula para adequar a sua jurisprudência ao decidido pela Suprema Corte. Tal

inviabilidade, decorrente da novel lei, motivou a PGR a ajuizar a ADI 6188/DF,22 Rel.

Ministro Ricardo Lewandowski, com objeto normativo o art. 702-I-f e §§3º e 4º da CLT.

Por outro lado, desde a edição do enunciado 331 em 1993, não houve alteração na

essência do entendimento jurisprudencial do TST a respeito dos fundamentos para a vedação

do uso da terceirização para a configuração de fraude ao regime de emprego.23

Portanto, conclui-se, pois, que esse verbete sumular foi construído ao longo de

várias décadas, na medida da consolidação da jurisprudência trabalhista, que tentou

harmonizar as alterações econômicas e tecnológicas então vivenciadas com a proteção

constitucional à relação de emprego.

Por outra ótica de argumentos, é cediço que a sistemática do exame por temas (no

âmbito do apelo extremo) veio racionalizar os trabalhos do Supremo Tribunal Federal, com o

fim de permitir à Corte – por meio da fixação de teses – o cumprimento de sua missão de

guardiã da Constituição. Dessa abstratividade resulta, como consectário lógico natural, que,

caso entenda o Tribunal pela identidade de elementos determinantes entre a hipótese e um

21 Ressalta-se que tais dispositivos são impugnados pela Procuradoria-Geral da República na ADI 6188/DF, derelatoria do Ministro Ricardo Lewandowski.

22 Ajuizada em 05 jul. 2019. Disponível in: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5731024,acesso em 12 set. 2019.

23 DELGADO, Gabriela Neves. AMORIM, Helder Santos. Os limites constitucionais da terceirização. 1ª ed.São Paulo: LTr, 2014.

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grupo de outras possíveis causas, deve, desde já, consolidar diretriz de forma a solucionar

todas as possíveis idênticas controvérsias.24

Sob essa perspectiva, a fixação de tese no âmbito da ADPF 324 - a despeito de

tal sistemática ser própria de recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida, no

contexto de objetivação do controle difuso de constitucionalidade, em especial, no presente

caso, pelo julgamento conjunto desse ação de controle abstrato com o RE 958.252/MG (Rel.

Min. Luiz Fux)- configura material e autêntica superação (overruling) da jurisprudência

até então predominante, no sentido de ultrapassagem do entendimento pela ilicitude da

terceirização da atividade-fim empresarial para a nova abordagem de sua compatibilidade

constitucional plena. A tese fixada no presente julgado rompeu, sem sombra de dúvidas,

com entendimento jurisprudencial histórico (com raízes anteriores à promulgação da

Constituição de 1988) e tem potencial de promover significativas alterações na configuração

das relações trabalhistas. E, a eficácia da tese fixada, não se olvide, tem uma precisa marca

temporal, a partir da publicação da decisão, ao contrário do que se verifica relativamente ao

“nascimento” do impugnado “entendimento emergente do conjunto de decisões da Justiça

do Trabalho”;25 especialmente para atribuição de eventuais efeitos retroativos da decisão

vinculante proferida nesta ADPF.

Em reforço à necessidade da modulação, ressalte-se que a matéria, durante essas

décadas de evolução econômica e jurisprudencial, não foi objeto de legislação específica

restritiva ou autorizadora de terceirização de atividades empresariais e da responsabilidade

decorrente dessa descentralização de organização produtiva, até o advento das Leis

13.429/2017 e 13.467/2017, razão pela qual a norma reguladora do fenômeno, em âmbito

trabalhista, foi extraída jurisprudencialmente de interpretação sistemática do ordenamento

jurídico pelo ramo competente do Poder Judiciário, norma essa agora substancialmente

alterada por decisão do STF.

Destaque-se, ainda, que por muitos anos predominou na Suprema Corte o

entendimento de que o verbete 331 de Súmula do TST resultava de interpretação de normas

infraconstitucionais, em especial da CLT em conjunto com a Lei 6.019/74. Assim, em virtude

do entendimento de inexistência de questão constitucional, o STF não se debruçou sobre o

tema anteriormente.

Destarte, estão presentes os requisitos para a modulação dos efeitos do julgado:

24 Nesse mesmo sentido, manifestação da PGR no RE 574.706 ED/PR.25 Acórdão, item 81, fl. 62.

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segurança jurídica e excepcional interesse social, porquanto o impacto e a abrangência do

decisum impõem seja sua eficácia seja pro futuro, ou ao menos ex nunc. Nesse sentido, é

oportuno transcrever a decisão no RE 643.247 ED/SP, de relatoria do Ministro Marco

Aurélio:

INCONSTITUCIONALIDADE – QUÓRUM – MAIORIA ABSOLUTA – Para aferiçãoda maioria absoluta prevista no artigo 97 da Constituição Federal, é despicienda aigualdade de fundamentos, sendo suficientes seis ou mais votos no sentido dainconstitucionalidade. EMBARGOS DECLARATÓRIOS – TRIBUTÁRIO – EFICÁCIAPROSPECTIVA – ADEQUAÇÃO. Conquanto se imponha parcimônia no manejo doinstituto da modulação de efeitos de decisões, a alteração de jurisprudênciaconsolidada há quase duas décadas justifica a eficácia prospectiva do novopronunciamento, em atenção à segurança jurídica e ao interesse social, nos termosdo artigo 927, § 3º, do Código de Processo Civil.26

No voto do Ministro Relator Marco Aurélio, registrou-se:

Tenho votado sistematicamente contra a modulação dos efeitos de decisões declaratóriasde inconstitucionalidade de leis. Adotar essa providência de forma imoderada implicatornar a própria Constituição Federal flexível, não um documento rígido a ser observadopor todos.Ante o princípio da supremacia da Lei Maior, a inconstitucionalidade é vício congênito, alei inconstitucional é natimorta. A prática continuada do Supremo de diferir no tempo aeficácia dos pronunciamentos estimula a inaceitável figura da inconstitucionalidade útil:governantes e legisladores não receiam editar leis inconstitucionais, porque fiam-se nafutura modulação de efeitos.Especificamente em sede de controle difuso de constitucionalidade, sempre me opus àaplicação do artigo 27 da Lei nº 9.868/1999, dispositivo contra o qual pende ação diretade inconstitucionalidade e cujo âmbito de incidência está restrito ao controle concentradode constitucionalidade.Com a superveniência do Código de Processo Civil de 2015, o óbice formal estásuperado. O § 3º do artigo 927 admite, no caso de alteração de jurisprudênciadominante do Supremo, a modulação dos efeitos do pronunciamento, desde quefundada no interesse social e no da segurança jurídica. Considerada a advertência deparcimônia na observância do instituto, quando atendidos os requisitos do dispositivo, háde ser admitida a modulação dos efeitos da decisão, de modo a consagrar a boa-fé e aconfiança no Estado-juiz.(…)Houve, no julgamento verificado, mudança de entendimento substancial,suplantando óptica consolidada há quase duas décadas, de modo a atrair a aplicaçãodo § 3º do artigo 927 do Código de Processo Civil, pelo que devem ser atribuídos efeitosprospectivos à tese adotada. (ênfase acrescida).

Com racionalidade jurídica semelhante, a Corte entendeu por bem modular os

efeitos de declaração de inconstitucionalidade de lei pelo fato da incompatibilidade somente

ter sido constatada transcorridos mais de 20 (vinte) anos da sua vigência, razão ponderosa

26 STF. RE 643247 ED/SP. Rel. Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno. DJe nº 140, 28 jun. 2019.

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para se privilegiar o princípio da proteção da confiança, ínsito ao Estado de Direito. É o que

depreende da ementa ADI 5535/PB, também da relatoria do Ministro Roberto Barroso:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITOCONSTITUCIONAL. REGISTROS PÚBLICOS. ARTS. 22, XXV, E 236, § 3º, CF/88.COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO. LEI Nº 6.402/1996 DOESTADO DA PARAÍBA. PERMISSÃO DE PARTICIPAÇÃO DE CANDIDATO QUEPOSSUA APENAS O ENSINO MÉDIO COMPLETO EM CONCURSO DE PROVASE TÍTULOS PARA SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO NOS MUNICÍPIOSCOM POPULAÇÃO DE ATÉ TRINTA MIL HABITANTES.INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. PRECEDENTES. MODULAÇÃO DEEFEITOS. 1. É inconstitucional, por vício formal, em razão da violação à competênciaprivativa da União para legislar sobre registros públicos (art. 22, XXV, e 236, §3º,CF/88), o art. 7º, § 1º, da Lei nº 6.402, de 23.12.1996, do Estado da Paraíba, que permitea participação de candidato que possua apenas o ensino médio completo em concursos deprovas e títulos para serviços notariais e de registro em Municípios com população de atétrinta mil habitantes. Precedentes: RE 336.739, Redator do acórdão o Min. Luiz Fux, DJe15.10.2014; ADI 2.069-MC, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 09.05.2003. 2. A lei emexame vigora por mais de 20 (vinte) anos, com presunção formal deconstitucionalidade. Nesse contexto, a atribuição de efeitos retroativos à declaraçãode inconstitucionalidade eventualmente proclamada por esta Corte promoveriaimpacto indesejável nos concursos já realizados sob a égide do ato impugnado.Diante disso, e tendo em vista razões de segurança jurídica e de excepcionalinteresse social (art. 27, Lei nº 9.868/1999), convém modular a declaração deinconstitucionalidade, de modo a determinar que ela produza efeitos somente apartir da data da publicação da ata de julgamento. No mesmo sentido: ADI 3.580,Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 03.08.2015. 3. Ação julgada procedente, para declarar ainconstitucionalidade formal do art. 7º, § 1º, da Lei nº 6.402, de 23.12.1996, do Estadoda Paraíba, com efeito ex nunc.27 (ênfase acrescida).

Sobre o princípio em referência, como valor mais abrangente do que a própria

segurança jurídica, elucida Jorge Reis Novais, em tese doutoral:

A protecção da confiança dos cidadãos relativamente à acção dos órgãos do Estado é umelemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própriaestruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos em Estado de Direito. Sem apossibilidade, juridicamente garantida, de poder calcular e prever os possíveis desenvol-vimentos da actuação dos poderes públicos susceptíveis de se reflectirem na sua esferajurídica, o indivíduo converter-se-ia, com violação do princípio fundamental da dignida-de da pessoa humana, em mero objeto do acontecer estatal.Mesmo que a Constituição não institua expressamente o princípio da protecção da confi-ança, ele é, seguramente, um princípio essencial na Constituição material do Estadode Direito, imprescindível como é, aos particulares, para a necessária estabilidade,autonomia e segurança na organização dos seus próprios planos de vida. Enquantotal, o princípio projecta exigências diferenciadas de segurança jurídica dirigidas aoEstado, que vão desde as mais genéricas de previsibilidade e calculabilidade da ac-tuação estatal, de clareza e densidade normativa das regras jurídicas e de publicida-

27 STF. ADI 5535/PB, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe nº 33, de 19 fev. 2019.

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de e transparência dos actos dos poderes públicos, designadamente os susceptíveisde afectarem negativamente os particulares, até às mais específicas de observânciados seus direitos, expectativas e interesses legítimos e objectivamente dignos de pro-tecção.Nesse sentido, enquanto corolário ou sub-princípio concretizador do princípio do Estadode Direito, o princípio da protecção da confiança dos cidadãos, incluindo perante altera-ções legislativas introduzidas pelo legislador democrático, cobra plena e especial aplica-ção no domínio das restrições aos direitos fundamentais, na exacta medida em que a pro-tecção jusfundamental dos interesses de liberdade contra as intervenções estatais que osafectem desvantajosamente constitui o âmbito vital em que as necessidades de segurançajurídica são mais prementes e em que a dignidade da protecção da confiança é mais ob-jectivamente justificada. E, uma vez que as garantias jusfundamentais se impõem, vincu-lativa e directamente, todos os poderes públicos, o princípio da protecção da confiançadesenvolve também, ao lado do princípio da proibição do excesso e da igualdade, efeitosgenéricos e abrangentes de limite aos limites dos direitos fundamentais.28

Afere-se que a decisão ora embargada (apenas) ressalvou da aplicação automática

da nova tese jurídica a respeito da licitude da terceirização da atividade-fim empresarial os

processos em relação aos quais já tenha havido coisa julgada,29 exigindo-se, portanto, a

interposição de recurso próprio ou de ação rescisória, consoante entendimento já firmado

pelo STF no RE 730.462/SP, leading case do Tema 733 da repercussão geral (Rel. Min. Teori

Zavascki).30

A despeito de criteriosa, tal ressalva da garantia res judicata, contudo, não se

mostra suficiente para assegurar a segurança jurídica nas relações trabalhistas, sendo

igualmente necessário à garantia de proteção aos atos jurídicos perfeitos, também

protegidos constitucionalmente (art. 5º-XXXVI), a exemplo de termos de ajustes de condutas

firmados com o Ministério Público ou órgãos públicos (Lei 7.347/85, art. 5º-§6º); atuações

fiscais provenientes dos agentes de fiscalização do Poder Público; acordos homologados

judicialmente; dentre outros negócios jurídicos aperfeiçoados sob a égide da compreensão do

enunciado 331 da Súmula do TST.

A projeção dos princípios constitucionais da segurança jurídica e do interesse

social, para além de sua dimensão axiológica, como verdadeiras normas jurídicas, faz clamar

pela necessidade de que se encontre um caminho do meio, de equilíbrio, que permita aos

atores sociais atingidos pela interpretação conferida pela Corte Suprema reprojetarem suas

expectativas e realinharem suas práticas, no contexto do Estado Democrático de Direito.31

28 NOVAIS, Jorge Reis. As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizados pela Consti-tuição. Coimbra Editora, Junho de 2003, pp. 816 e 817.

29 Na decisão: “Nesta assentada, o Relator esclareceu que a presente decisão não afeta automaticamente os pro-cessos em relação aos quais tenha havido coisa julgada.”

30 STF. RE 730.462/SP. Rel. Min. Teori Zavascki. Tribunal Pleno. DJe nº 177, 9 set. 2015.31 Manifestação da PGR no RE 669069/MG, Rel. Min. Teori Zavascki.

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Nesses termos, impõe-se a modulação dos efeitos do acórdão, consoante o

disposto no art. 11 da Lei 9.882/1999, de modo que a decisão e a tese dela decorrente

tenham eficácia pro futuro, a partir do julgamento destes declaratórios, em qualquer hipótese,

ressalvando-se expressamente os efeitos consolidados dos atos jurídicos perfeitos e da coisa

julgada (Constituição, art. 5º-XXXVI), bem como a necessidade de observância de

procedimentos extrajudiciais (repactuação de termos de ajuste de conduta), administrativos,

ou de ajuizamento de ações próprias (rescisórias, embargos à execução, revisionais,

anulatórias) previstas em Lei para a desconstituição de atos ou negócios jurídicos e para a

relativização da coisa julgada.

III

Pelo exposto, pugno pelo conhecimento e pelo acolhimento destes embargos de

declaração, para os seguintes fins.

(a) esclarecimento do item 1 da tese sugerida pelo Min. Relator, nos seguintes termos:

É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não seconfigurando, em tese, relação de emprego entre a contratante e o empregado dacontratada, pela simples aferição da atividade principal daquela, ou dos serviçosespecíficos por esta prestados.

(b) acréscimo do seguinte item à tese sugerida pelo Min. Relator:

A compatibilidade constitucional da terceirização de qualquer atividadeempresarial, meio ou fim, não impede a declaração de vínculo empregatíciodireto com a contratante, nos casos concretos em que constatados seus requisitos(arts. 2º e 3º da CLT); a fraude a direitos trabalhistas (art. 9º da CLT), ou aintermediação de mão de obra (“marchandage”).

(c) delimitação, em acréscimo de fundamentação, do alcance dos julgados do STF em

matéria de terceirização empresarial, nos termos do item II.2 destes embargos de declaração.

(d) concessão de efeitos modulatórios pro futuro à decisão, a partir da publicação do acórdão

de embargos declaratórios; ou, ao menos, ex nunc, a partir da publicação do acórdão

embargado; em qualquer hipótese, ressalvando-se expressamente os efeitos consolidados dos

atos jurídicos perfeitos e da coisa julgada (Constituição, art. 5º-XXXVI), bem como a

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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERALPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA

necessidade de observância de procedimentos extrajudiciais (repactuação de termos de ajuste

de conduta), administrativos, ou de ajuizamento de ações próprias (rescisórias, embargos à

execução, revisionais, anulatórias) previstas em Lei para a desconstituição de atos ou

negócios jurídicos e para a relativização da coisa julgada.

Brasília, 16 de setembro de 2019.

Raquel Elias Ferreira DodgeProcuradora-Geral da República

ACNG/MCBM/MRG

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