Emoções Enquanto Estrutura Performativa - Adailson Costa

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  • 8/20/2019 Emoções Enquanto Estrutura Performativa - Adailson Costa

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    SANTOS, Adailson Costa dos; FERNANDES, Adriana; CAMARGO, Robson Corrêa de.

    Emoções enquanto estrutura performativa. In: CAMARGO, Robson Corrêa de; CUNHA,

    Fernanda; PETRONILIO, Paulo. Performances da Cultura: Ensaios e Diálogos. Goiânia:

    Kelps, 2015. p. 461-473. ISBN: 978-85-400-1453-4

    EMOÇÕES ENQUANTO ESTRUTURA PERFORMATIVA

    Adailson Costa dos Santos1 

    Robson Corrêa de Camargo2 

    Adriana Fernandes3 

    As experiências mais profundas e importantes da vida são repletas deemoção. Pense na alegria que as pessoas sentem ao se casar, no pesarque sentem nos funerais e no êxtase quando se apaixonam. (WEITEN,2002, p. 294)

    O presente trabalho tem como objetivo apresentar alguns diálogos entre os estudos

     biológicos das emoções, com base nas pesquisas da neurociência de Antônio Damásio,

    relacionando-as com as propostas de estruturas performáticas apresentadas por RichardSchechner, principalmente em seu texto  Performers e Espectadores: Transportados e

    Transformados. Este artigo tem um caráter de apresentação das ideias que circundam a pesquisa

    que proponho no Programa de Mestrado em Performances Culturais Interdisciplinar da Escola

    de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás, no âmbito da linha de pesquisa:

    Teorias e Práticas da Performance4.

    Baseando-se no modelo de análise dos “ritos de passagem” de Van Gennep, que

    compreende os estágios da separação, transição e reintegração, Schechner desenvolve esta ideiade sequência total da performance como um dos pontos de contato entre o pensamento

    antropológico e o pensamento teatral, sendo todos os seis pontos apresentados no texto Pontos

    1Bacharel em Teatro pela Universidade Federal da Paraíba(UFPB) e Aluno do Mestrado em PerformancesCulturais da Universidade Federal de Goiás/EMAC.2 Professor Adjunto do Curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás (UFG), Coordenador do Máskara

     –   Núcleo Transdisciplinar de Pesquisa em Teatro, Dança e Performance (UFG/CNPQ), da Rede Goiana dePesquisa em Performances Culturais (FAPEG) e do GT Teorias do Espetáculo e da Recepção (ABRACE).3  Pesquisadora, Etnomusicóloga, PhD pela University of Illinois at Urbana-Champaign (USA), atualmente

     professora de Voz para o Ator no Departamento de Artes Cênicas da Universidade Federal da Paraíba e noPrograma de Pós-Graduação em Música desta mesma universidade.4 Sob orientação do Prof. Dr. Robson Corrêa de Camargo e Co-orientação da Profª Drª. Adriana Fernandes.

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    de Contato entre o pensamento antropológico e teatral  (2011) 5. No tópico sobre a sequência

    total da performance Schechner aponta que esta apresenta sete fases distintas, para que o

     pesquisador possa enxergá-la em sua sequência total. As sete fases são "treinamento”; workshops 

    (oficinas); "ensaios"; "aquecimentos"; performance propriamente dita; "esfriamento"; e, finalmente,

    "desdobramento”. 

    Próximos ao modelo descrito por Van Gennep, "treinamento", "oficinas","ensaios" e "aquecimentos", corresponderiam à "fase preliminar", como os"ritos de separação". A performance propriamente dita é "liminar", como"ritos de transição", e o "esfriamento" e "desdobramentos" correspondem àfase "pós-liminar", tais como "ritos de incorporação" (ou "reintegração")(SILVA, 2005, p. 61). 

    Ainda em seu livro Between Theater and Anthropologyc Schechner escreve no capítulo

     Performers and Spectators Transported and Transformed , publicado em 2011 na revista

     Moringa sob o titulo Performers e Espectadores: Transportados e Transformados. Neste texto,

    Schechner aponta algumas etapas de uma performance e produz um gráfico que ilustra estas

    “características” de um momento performativo.

    FIGURA 01 –  Esquema das “etapas/caracteristicas” da performance para Schechner. 

    Partindo do gráfico apresentado neste texto, a performance apresenta apenas cinco

    etapas: preparação, aquecimento, performance, esfriamento e “tomar um drink”. Essas etapas

    estariam divididas em dois momentos temporais. O primeiro seria referente ao tempo ordinário,

    ou seja, o tempo do “comum”, correspondendo às etapas de preparação, aquecimento,

    5 Este artigo publicado na revista Cadernos de Campo (2011) é a tradução do texto  Points of Contact between Anthropological and Theatrical Thought do livro  Between Theater and Anthropologyc de Schechner, publicadoem 1985. 

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    esfriamento e “tomar um drink”. O segundo momento temporal seria referente ao tempo do

     performativo, ou seja, o tempo transcorrido entre o início e o encerramento “oficial” da

     performance. Utilizo o termo oficial entre aspas para denotar os pontos de início e finalização,

    tidos comumente como início e final do ato da performance. Todavia, podemos notar pelo

    gráfico acima que a performance não acaba quando finaliza o tempo performático, assim a

     performance se estabelece em uma constante circularidade, estabelecendo relações perceptivas

    com o passado e um novo presente.

    Com base numa análise dessas duas propostas de etapas de uma performance, pude

     perceber que o gráfico que apresenta os cinco momentos da performance é mais conciso e

    compacto do que as sete etapas, pois, indiretamente, ele as reorganiza, suprimindo dois pontos

    que se encontram diretamente amalgamados com outro mais consistente.Com base numa análise dessas duas propostas de organização de uma performance - ora

    divididas em sete fases, ora divididas em apenas cinco, pude perceber que a proposta de

    organização de uma performance em cinco etapas é deveras mais concisa. Neste modelo de

    cinco etapas Schechner reorganiza a sequência total de uma performance, suprimindo dois

     pontos, estes se dissolvem em outros mais consistentes.

    As fases que foram reunidas em uma só foram: a fase de treinamento, workshops 

    (oficinas) e de ensaios. Estas três fases encontrar-se-ão dentro de uma fase preparatória para omomento da performance.

     No momento do treinamento, o corpo e a mente do performer são preparados para as

    necessidades da performance. Essa etapa de treinamentos está intrinsecamente ligada à fase dos

    workshops, que são as oficinas de preparação do corpo e da performance, bem como à fase dos

    ensaios desta performance, ou seja, à preparação que o performer precisa ter para corresponder

    corretamente às “regras” da performance/ritual. Aplicados a um ritual específico, é possível que

    se encontre correspondência entre estas três fases e o momento do ritual. Proponho, contudo,que estas três etapas sejam resumidas na etapa de preparação, pois todas estas características

    nada mais são do que a preparação para o momento da performance. Sendo assim, utilizarei

    neste trabalho apenas as cinco fases apresentadas por Schechner no gráfico apresentado

    anteriormente.

    Pretendemos, então, propor uma “classificação” para as etapas “biológicas” do

     processamento das emoções, tentando uni-las com as cinco etapas da performance, para que

     possamos pensar a emoção no corpo humano, ou melhor, o teatro do detrás das emoções

    enquanto uma performance, ou enquanto pequenas performances do corpo humano.

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    Com base nas cinco etapas propostas por Schechner, proponho analisar a “preparação”

    como todo o momento anterior à performance, ou seja, o momento de constituição do ser

    emocionável, ou as características que corroboraram para que o ser humano fosse capaz de

    emocionar-se. O momento do aquecimento refere-se à organização da performance, ou aos

     preparativos cognitivos para a performance das emoções. O terceiro momento é o da

    “performance” em si, ou seja, o aparecimento da emoção como resposta física no meio externo.

    O quarto elemento é o “esfriamento”, que é o momento logo após à performance, entendido

    como o pensar sobre a emoção, ou melhor, sentir que se está tendo uma emoção, classificada

     por Damásio como Sentimento. E o quinto momento, o “tomar um drink”, é todo o processo

    entre o final de uma performance e o reinício da mesma, que sãoos apontamentos gerais sobre

    os reflexos das emoções, ou do pico de emoções no corpo. Apresentaremos, então, uma proposta de estudo das emoções, compreendidas enquanto performance, partindo destas

    características apresentadas por Schechner.

    Antes de seguirmos com a análise das emoções, enquanto estruturas performativas,

    apresentaremos alguns apontamentos sobre as emoções segundo Damásio. A neurociência

    moderna tem como um dos seus principais nomes o pesquisador português Antônio Damásio

    (1944), que em sua trilogia O Erro de Descartes (1996) , O Mistério da Consciência (2000) e

     Em Busca de Espinosa (2004) tenta resolver os processos envolvidos na produção ecompreensão das emoções e dos sentimentos, bem como os mistérios e processos envolvidos

    na produção da consciência e da razão. Ele separa inicialmente as emoções dos sentimentos,

    sendo os sentimentos considerados por ele como mais recentes no processo evolutivo.

    A neurociência determina que todas as reações perceptíveis por terceiros, sejam

     perceptíveis a olho nu ou percebidas através de modernos aparelhos de medição, são

    consideradas como modificações de emoção. Podemos classificar como emoções a contração

    de músculos, o enrubescimento ou empalidecimento da face, as reações endócrinas, as lágrimas,o aceleramento ou desaceleramento do coração e, até mesmo, o impulso de fugir de um perigo.

    A emoção, segundo a neurociência, é o processo pelo qual nós identificamos e reagimos

    ao mundo à nossa volta. Ao nos depararmos com uma cena do dia a dia nosso cérebro codifica

    os elementos desta cena em padrões mentais, ou em imagens mentais. Com base nas associações

    que nosso cérebro produz, saberemos, através dos sistemas reguladores biológicos, qual a

    melhor ação a ser realizada naquele momento. Os sistemas reguladores biológicos estão sempre

    escolhendo, com base nos padrões mentais, a emoção, ou melhor, a resposta física, que melhor

    responde a determinadas situações vivenciadas. Todas as emoções têm algum tipo de função

    reguladora a desempenhar.

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    A sobrevivência humana, desde seus idos pré-históricos, é regulada pela emoção. O

    “disparo” corporal que, em algum momento (sem que existisse qualquer tipo de cognição, razão

    ou consciência), levou nossos antepassados hominídeos a se protegerem ao se depararem pela

     primeira vez com a chuva, com os raios e com o fogo, é o mesmo que é acionado hoje ao

     percebermos que estamos sendo seguidos por alguém em uma rua escura.

    A etimologia da palavra emoção diz respeito ao ato de exteriorizar. Emoção significa

    literalmente “movimento para fora”, ou seja, as séries de reações físicas, perceptíveis a olho nu

    ou não, que acontecem constantemente em nosso corpo. Sendo assim, nas definições de Antônio

    Damásio, as emoções são uma

    coleção de mudanças no estado do corpo que são induzidas numa infinidadede órgãos por meio das terminações das células nervosas sob o controle de umsistema cerebral dedicado, o qual responde ao conteúdo dos pensamentosrelativos a uma determinada entidade ou acontecimento. […] a emoção é acombinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, comrespostas dispositivas a esse processo, em sua maioria dirigida ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas tambémdirigidas ao próprio cérebro (núcleos neurotransmissores no tronco cerebral),resultando em alterações mentais adicionais. (DAMASIO, 1996, p. 168-169)

    Sendo assim, as emoções são todas as coleções de reações que o nosso corpo é

    constantemente programado para utilizar. É importante frisarmos que, diferente das visões dos

    grandes pensadores do início do século XX, como William James, os mecanismos de reações

    das emoções não são pré-determinados, ou seja, não adaptamos reações inatas da mente a

    situações novas, pois a plasticidades dos neurônios6 e as novas experiências com neurônios

    espelhos7, demonstram que o cérebro é constantemente modificado, confirmando assim a ideia

    de que as respostas emocionais que são geradas por estes neurônios também são mutáveis, vide

    as sessões de terapia para minimizar o medo associado a momentos traumáticos.

    Os sentimentos são determinados por Damásio como sendo o processo de sentir uma

    emoção, ou melhor, o processo pelo qual tomamos consciência de um estado emotivo. É

    importante lembrarmos que as emoções são as reações físicas decorrentes das modificações no

    6 Numa forma abrangente, plasticidade neural pode ser definida como uma mudança adaptativa na estrutura e nasfunções do sistema nervoso, que ocorre em qualquer estágio da ontogenia, como função de interações com oambiente interno ou externo ou, ainda, como resultado de injúrias, de traumatismos ou de lesões que afetam oambiente neural (Phelps, 1990apud  FERRARI; FALEIROS; TOYODA, 2001, p. 188).7Os neurônios espelho foram descobertos por Rizzolatti e colaboradores na área pré-motora de macacos Rhesus

    na década de 90. […] Estes pesquisadores demonstraram que alguns neurônios da área F5, localizada no lobofrontal, que eram ativados quando o animal realizava um movimento com uma finalidade específica (tipo apanharuma uva passa com os dedos) também eram ativados quando o animal observava um outro indivíduo (macaco ouser humano) realizando a mesma tarefa (LAMEIRA GAWRYSZEWSKI, PEREIRA JR, 2006, p. 123-124).

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    Self Central, portanto uma resposta física às alterações. Os sentimentos compõem o processo

     pelo qual o cérebro modifica o mapa mental do corpo durante a emoção.

    Imaginemos o seguinte processo: o corpo recebe um estímulo externo e o cérebro

    codifica os códigos e produz uma reação específica, sendo esta uma emoção. Podemos não

     perceber esta emoção; porém, quando a imagem do corpo é modificada no cérebro, ou seja, o

    mapa corporal é reapresentado e comparado à imagem inicial, estamos iniciando o processo de

    um sentimento. As imagens iniciais são associadas às paisagens corporais e aos estímulos que

    continuam chegando a todo o momento. As imagens são cruzadas no cérebro e isto produz um

    sentimento, pois estamos sentindo, no sentido de percepção, a emoção. Nesse momento, com o

    cruzamento de dados no cérebro, associamos a determinados objetos e estímulos determinados

    sentimentos de emoção.Tendo apresentado as noções das emoções utilizadas nesta pesquisa, apresento a seguir

    os estudos que analisam as emoções e todos os processos apresentados aqui, correspondendo-

    as com as cinco etapas supracitadas de uma performance.

    PREPARAÇÃO

     Neste momento da preparação estão inseridas todas as etapas da vida do ser humano, eo processo evolutivo da mente desde os primeiros símios, dos quais somos descendentes diretos.

     Na fase de preparação encontra-se todo o processo de formatação das estruturas cerebrais, desde

    o aparecimento da consciência até as construções da vida em sociedade.

    Os primeiros traços de consciência possibilitaram o “inicio” do processo de evolução

    cerebral. Durante todo este processo, as emoções acentuam sua importância, pois podemos

    dizer que é devido a elas que a espécie humana sobreviveu e implementou as transformações

    do/no ambiente. Podemos dizer, ainda, que as emoções foram um dos fatores que contribuíram

     para as acepções modernas de comunidade, e quiçá da sociedade, pois a partir de seus reflexos

    formaram-se os grupos e perpetuaram-se as espécies.

    Todas as experiências pelas quais o sujeito passa ao longo de sua vida possibilitam a

    estruturação da performance das emoções. Podemos dizer, então, que a performance das

    emoções não é recente, pois podemos ampliar a preparação da mesma como toda a história da

    evolução do cérebro humano, uma vez que a complexidade das ligações mentais também foi se

    aperfeiçoando graças à interferência das emoções, tal como nós a compreendemos hoje.

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    Um exemplo disso é que, em sua origem, as estruturas de comunicação entre os

    neurônios eram bem mais simples que as ligações atuais, fazendo com que o organismo gerasse

    apenas respostas simples na relação com o ambiente. Ainda hoje podemos perceber, em

    organismos menos desenvolvidos, o que a neurociência chama de comportamentos. Os

    comportamentos podem ser classificados como as respostas espontâneas e/ou reativas de um

    organismo para com o ambiente, e podem ser encontrados até em seres unicelulares e sem

    cérebro. No início da vida do cérebro humano, as respostas eram bem aproximadas a estes

    comportamentos; todavia, com o aumento da complexidade do organismo humano, a

    comunicação entre os neurônios teve de ser expandida. Para tanto, outros neurônios foram

    interpostos entre os que existiam, fazendo com que o caminho entre os neurônios de estímulo

    e os neurônios de reposta fosse, aos poucos, ampliando sua complexidade.Esse processo de ampliação das respostas faz parte do que Charles Darwin denominou

    de processo de seleção natural, pois os organismos mais desenvolvidos e com melhores

    respostas ao ambiente poderiam avançar no processo evolutivo, sobrevivendo à ambientes e

    coisas diferentes.

    O acréscimo de neurônios nos sistemas de processamento do cérebro possibilitou a

    ampliação de nossa capacidade, gerando, com o tempo, os processos que levaram ao

    aparecimento da mente humana, bem como do pensamento. Todo este processo neuronal, deampliação das capacidades, está dentro do escopo do aparecimento dos processos cognitivos

    humanos. Porém, neste estado inicial eles apenas ampliaram a complexidade dos

    comportamentos.

    Apesar de possuírem os primeiros traços de cognição, ou de uma maior primazia entre

    os estímulos e as respostas destes, os seres humanos ainda não apresentavam o requisito mínimo

     para o aparecimento da mente propriamente dita, que é a “capacidade de exibir imagens

    internamente e de ordenar essas imagens num processo chamado pensamento” (DAMÁSIO,2006, p. 115).

    Sendo assim, todo o processo evolutivo da produção das estruturas cerebrais, bem como

    dos padrões que chamamos hoje de emoções, pode ser considerado como o de preparação da

     performance, que, neste caso, dura alguns milhões de anos.

    AQUECIMENTO

    A etapa do aquecimento já se encontra na condição atual do ser humano, pois classifico

    enquanto estado de aquecimento o processo de construção das imagens mentais. É através

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    destas imagens que aprendemos como reagir ao meio ambiente, oque, portanto, possibilita que

    tenhamos a emoção certa na hora certa, emoção esta que estará representada na próxima etapa.

    As imagens mentais são as representações do meio ambiente no cérebro. Elas têm como

     principal objetivo possibilitar que possamos reagir a estes estímulos. O que diferenciava as

    imagens mentais dos “primeiros descendentes cognitivos” dos seres humanos das nossas

    imagens atuais era a capacidade de armazenamento destas imagens, que foi se ampliando com

    os processos evolutivos, bem como as respostas a estas imagens, que foram tornando-se cada

    vez mais complexas. Hoje não atacamos outro ser ao nos sentirmos ameaçados por ele, tal como

    ainda fazem os animais, pois as estruturas sociais são absorvidas pelo cérebro, fazendo com

    que, a cada nova grande mudança do ciclo social humano, novas estruturas estejam sendo

    acrescentadas às antigas estruturas neuronais, gerando, assim, a infinidade de respostas sócio- biológicas que possuímos. Hoje já conseguimos filtrar as respostas, embora nem todas as

    nuances dos instintos tenham sido modificadas com a evolução. A forma de ataque frente à

    ameaça se modificou, pois nas sociedades modernas nem sempre atacamos fisicamente, mas

    mantemos uma série de competições sociais, de emoção, de status que podem ser consideradas

    como reflexos de nossos instintos de sobrevivência e defesa de nosso espaço.

    Contudo, as imagens mentais não devem ser pensadas como fotografias visuais na

    mente, uma vez que são constituídas das mais diversas formas, existindo, portanto, diversostipos de imagens mentais.

    A palavra [imagem] também se refere a imagens sonoras, como as causadas pela música e pelo vento, e às imagens sômato-sensitivas, que Einstein usavana resolução mental de seus problemas –  em seu inspirado relato, ele designouesses padrões como imagens musculares. As imagens de todas as modalidades“retratam” processos e entidades de todos os tipos, concreto e abstrato(DAMÁSIO, 2000, p. 402).

    Imaginemos, agora, o som das ondas do mar, ou, ainda, o som de uma cachoeira ou de

    uma fonte. O som que está na sua mente, do arrebentar das ondas à beira-mar, é a imagem

    mental do som das ondas do mar. As imagens são construídas com base em nossas experiências

    diretas e indiretas, portanto, uma pessoa que mesmo nunca tendo conhecido de perto o mar,

    mas que já ouviu alguém comentando e tentando reproduzir o “tchuáar” das ondas do mar,

    armazenará informações acerca do som do mar, mesmo que a imagem sonora do som do mar

    seja estritamente mecânica. Sendo assim, é importante que atentemos para o fato de que a

     produção de imagens mentais é condicionada à experiência cultural do indivíduo. Alguém em

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    algum lugar isolado do Brasil, que nunca tenha visto o mar, ou não tenha entrado em contato

    com a sonoridade e nem mesmo com a ideia de mar, não conseguirá produzir nenhum tipo de

    imagem a este respeito, nem de sua cor, nem de seu som e nem de sua imensidão.

    Em condições normais o processo de produção de imagens no cérebro não tem pausa,

    excetuando-se o momento em que dormimos, desde que não sonhemos, pois o sonho também

    é uma construção de imagens mentais. Este é o motivo porque tantos sonhos parecem reais -

    eles são construções que o cérebro fez com base nos parâmetros armazenados como substrato

    de nossas experiências, e, muito embora às vezes sonhemos com lugares que não conhecemos,

    estes são construções baseadas em um agrupamento de imagens evocadas. Nunca encontramos

    seres monstruosos na vida real tal como os que encontramos nos pesadelos, porém eles fazem

     parte da construção historiográfica de cada indivíduo.Percebe-se neste relato dois tipos diferentes de “aquecimento”, ou de imagens, sendo

    elas as Imagens Perceptivas, que são as imagens que você cria “ao vivo”, ao entrar em contato

    com o objeto. Neste momento, você consegue criar em sua mente a imagem perceptiva do texto

    que está lendo. O outro tipo de imagem são as chamadas Imagens Evocadas, que são as imagens

    mentais que criamos com base nas experiências que tivemos.

    As imagens evocadas são os resultados dos estágios de preparação do ser humano.

    Sendo assim, o processo de aquecimento também é referente às estruturas mais antigas eevolutivas do ser humano. Elas encontram-se, porém, num espaço mais próximo do ser que

    somos no momento presente, porque evoluem e se modificam em cada ser de formas diferentes.

    Desse modo, o “aquecimento” que prepara a performance das emoções é único para cada

    “performer”. 

    PERFORMANCE

    O momento da “performance” é o estagio no qual, segundo o gráfico de Schechner, o

     performer ultrapassa a linha entre o ordinário e o performativo. Seria nesta etapa, então, que a

     performance responderia a tudo que a precedeu, acontecendo como reflexo do acúmulo dos

    fatores e características adquiridas nas etapas anteriores. O momento da performance no caso

    analisado neste trabalho é a própria realização da reação física, ou melhor, da reação emocional,

    a imagem criada no aquecimento. Em decorrência das diversas formatações e adequações

    anteriores, a etapa da performance tem como efeito o surgimento da emoção.

    Em resposta ao ambiente, o corpo cria a emoção que vem a ser classificada aqui como

    a performance. As emoções foram o que nos fez evoluir, trespassando longos períodos de frio

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    e calor, a necessidade do cultivo de alimento e a evolução das caçadas em grupo até o nosso

    atual churrasco de fim de semana como forma de interação comunitária. Todas estas

    modificações estão relacionadas à forma como o nosso cérebro, com seus mecanismos de

    regulação biológica, e com o passar do tempo, modificou nossas reações físicas.

    A performance equivale às emoções, estas reações físicas que nos auxiliam na interação

    com o meio ambiente e moldam as mais diversas relações entre os seres. Todavia, o processo

    das emoções utiliza o pensamento de forma bastante básica. Embora os processos de

    organização da mente tenham evoluído, ainda se utilizam mais das respostas físicas do que de

    construções mentais. O processo do sentimento utilizará mais efetivamente estados "superiores"

    da mente.

    ESFRIAMENTO

    Chamada aqui de Esfriamento, esta etapa é correlacionada com a etapa do sentir uma

    emoção, ou melhor, dizendo, a etapa do sentimento nos seres humanos. O sentimento é posterior

    à emoção, e pode ser considerado como o momento no qual pensamos a respeito do que

    acontece em nosso corpo.

    Como já foi dito, os sentimentos são determinados por Damásio como sendo o processode sentir uma emoção, ou melhor, o processo pelo qual tomamos consciência de um estado

    emotivo. Sendo assim, o momento do esfriamento, no caso da performance das emoções, não

    seria um momento de retorno par a um estado inicial, e sim um avanço para um estado “superior”

    de pensamento. Passamos a notar, neste momento do esfriamento, o que ocorreu em nosso

    corpo no curto ou nolongo tempo da performance/emoção. Os sentimentos são o processo pelo

    qual o cérebro modifica o mapa mental do corpo durante a emoção.

    O fato de associar o esfriamento ao momento do sentimento cria uma alusão à retiradade energia da ação, ou melhor, à diminuição da ebulição presente no momento da

     performance/emoção. Por serem consideravelmente físicas, as emoções são bem pouco

    analisadas no nível mental. Embora elas utilizem a mente e o pensamento, ou melhor, as

    imagens mentais, para serem “reguladas”, as emoções ainda têm conexões muito fortes com as

     precipitações físicas.

    A célebre frase “pense antes de agir” é bastante complexa para ser colocada em ação,

     pois não percebemos os sinais que nosso corpo está dando. Sendo assim, já “estouramos” e nem

    “pensamos” no que isto acarretará. Quando conseguimos passar pelo estado da emoção sem

    demonstrá-la, conseguimos adentrar no momento do esfriamento, onde nosso pensamento passa

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    a compreender o que nos levou a tal estado emocional, fazendo com que tenhamos pensamentos

    mais claros sobre as ações.

    Imaginemos o seguinte processo: o corpo recebe um estímulo externo e o cérebro

    codifica os códigos e produz uma reação específica, sendo esta uma emoção. Podemos não

     perceber esta emoção; porém, quando a imagem do corpo é modificada no cérebro, ou seja, o

    mapa corporal é reapresentado e comparado à imagem inicial, estamos iniciando o processo de

    sentir a emoção, ou de perceber a emoção. A paisagem corporal anterior à emoção é associada

    à paisagem corporalpós-emoção, fazendo com que o cérebro perceba as modificações que o

    estímulo inicial provocou no corpo.As imagens são cruzadas no cérebro e isto produz um

    sentimento, pois estamos sentindo, no sentido de percepção, a emoção. Neste momento, com o

    cruzamento de dados no cérebro, associamos a determinados objetos e estímulos determinadossentimentos de emoção.

    Por que somos capazes de chorar em momentos fúnebres, sem que tenhamos

    conhecimento algum de quem era o morto? Isso pode ser explicado, pois associamos as imagens

    que nos chegam com experiências passadas, o que pode rememorar estas imagens

    entrecruzadas, que trazem junto consigo uma série de conjunturas e reações. Daí, podemos

    chegar a chorar, ou somente nos sentirmos mal, sem que tenhamos nenhum conhecimento

    consciente do que estamos sentindo.Porém, somente conseguimos pensar sobre oque nos aconteceu numa etapa posterior,

    que pode ser chamada de “tomar um drink”, pois nesta etapa ultrapassaríamos o estado de

     pensamento alcançado pelo sentimento.

    “TOMAR UM DRINK ” 

     Nesta etapa das emoções passaríamos a compreender o que nos ocorreu deste a etapa

    inicial, a produção das imagens mentais, até o momento no qual o sentimento acaba, oesfriamento. Esta etapa não acontece em um momento próximo ao da emoção. Aqui estarão

     presentes os reflexos de todos os procedimentos anteriores, e conseguiremos, já nesta etapa,

     perceber oque nos levou a ter determinada emoção, bem como o que nos ocorreu a partir do

    momento em que começamos a experimentar o sentimento.

    Após um dia cansativo, com diversos percalços, estamos “à flor da pele”, ou melhor,

     podemos estar com altos índices de uma emoção de raiva. Diversas substâncias químicas são

    liberadas em nosso cérebro e nos fazem agir de formas diferentes. O processo de sentir umsentimento acontece quando nos damos conta que, em decorrência do acúmulo de

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    acontecimentos e das decorrências de sentimentos, chegamos acertos estados emocionais que

    nos levaram a ter certas atitudes.

    Este estado acontece entre o estado emocional que estamos vivendo e o próximo pico

    de um estado emocional. Sendo assim, a etapa “tomar um drink” encontra -se entre o pico de

    raiva que tivemos e as emoções que iremos ter. Esta etapa acontece, portanto, entre o estágio

    de aquecimento e o próximo estado de aquecimento para uma nova performance, ou emoção.

    PENSAMENTOS CONCLUSIVOS

    O texto apresentado é uma tentativa de correlacionarmos dois elementos desta pesquisa

    de mestrado: as emoções e os estudos da neurociência moderna e o campo plural einterdisciplinar das Performances Culturais. Este trabalho é uma tentativa de objetificação, pois

    as análises das emoções podem ficar centralizadas no campo das ideias, e através deste trabalho

    tento esboçar uma relação mais concreta entre estes dois assuntos, para que possamos dar início

    a um esboço do que virá a ser a relação entre as performances e os estudos das emoções nesta

     pesquisa de mestrado.

    As apresentações destas características servem para que possamos vislumbrar dois

     pontos importantes. O primeiro é a possibilidade de conexão entre os campos de análise da performance com os campos de estudo das ciências da saúde e biológicas. Além disto, tentamos

    neste texto apontar para características metodológicas das etapas de uma performance, pois,

    numa via paralela, apresentamos estes pontos de contato como uma ferramenta de apropriação

    e análise de estruturas performativas.

     Nosso papel, enquanto pesquisadores é o de compreender os escoamentos de sentido

    que aparecem nas representações objetivas, ou seja, compreendermos de que forma as emoções

    atuam sobre as construções do cotidiano, bem como a forma como elas devem ser vistas ecompreendidas enquanto experiências do cotidiano.

    Este texto encontra-se em um momento de aquecimento, sendo a performance o

    momento de escrita e procedimentos de defesa da dissertação. Espero poder retomar este texto

    num momento pós esfriamento dos pensamentos do mestrado, e num momento posterior de

    “tomar um drink”, possa rever, comentar ou observar os andamentos do campo das

     performances em relação a compreensão das performances das emoções.

    Esperamos que este texto auxilie nas construções de nossos pensamentos sobre a

    formação das emoções, bem como as suas relações com o campo da performance. Além disso,

     pretendemos que este trabalho possa auxiliar futuros pesquisadores destes campos a vislumbrar

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    uma parte das imbricações de pensamentos que os pesquisadores do Mestrado Interdisciplinar

    em Performances Culturais da UFG fizeram nos primeiros anos de estudos do programa, para

    que possamos, posteriormente, entender os caminhos percorridos pelas performances culturais

    no Brasil.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    DAMÁSIO, Antônio. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo:Companhia das Letras, 1996.

     __________________. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimentode si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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