8
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dussel, Enrique 1492 : o encobrimento do outro : a origem do mito da modernidade : Conferências de Frankfurt / Enrique Dussel; tradução Jaime A. Clasen. - Petrópolis, RJ : Vozes, 1993. ISBN 85-326-1045-5 1. América - História 2. Descobertas geográficas 3. Europa - História 4. História moderna I. Título. II. Título: Conferências de Frankfurt. 93-2397 CDD-940.2 índices para catálogo sistemático: 1. Civilização moderna: Europa 940.2 2. História moderna : Europa 940.2 Enrique Dussel 1492 O ENCOBRIMENTO DO OUTRO (A origem do "mito da Modernidade") Conferências de Frankfurt Tradução: Jaime A. Clasen yVQZESy Petrópolis 1993

Enrique Dussel - 1492, O Encobrimento Do Outro

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Um clássico de Dussel que discute pós-colonialismo.

Citation preview

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Dussel, Enrique 1492 : o encobrimento do outro : a origem do mito da

    modernidade : Conferncias de Frankfurt / Enrique Dussel; traduo Jaime A. Clasen. - Petrpolis, RJ : Vozes, 1993.

    ISBN 85-326-1045-5

    1. Amrica - Histria 2. Descobertas geogrficas 3. Europa -Histria 4. Histria moderna I. Ttulo. II. Ttulo: Conferncias de Frankfurt.

    93-2397 CDD-940.2

    ndices para catlogo sistemtico: 1. Civilizao moderna: Europa 940.2 2. Histria moderna : Europa 940.2

    Enrique Dussel

    1492 O ENCOBRIMENTO

    DO OUTRO

    (A origem do "mito da Modernidade")

    Conferncias de Frankfurt Traduo:

    Jaime A. Clasen

    yVQZESy

    Petrpolis 1993

  • Nesta primeira parte nos situaremos intencionalmente na perspectiva europia. Metodicamente, para ns, uma das perspectivas e a desenvolveremos o mais completamente pos-svel. Por se tratarem de conferncias curtas, s podero ser esquemticas; sugerem temas, mas de modo algum podem esgot-los. So por isso "figuras" abstratas do processo de constituio da subjetividade moderna, do "ego" que, de 1492 a 1636 (quando Descartes exprime definitivamente o eu penso no Discurso do mtodo1), primeiro momento da "constituio histrica" da Modernidade. Espanha e Portugal (a este ltimo no poderemos dedicar nossas reflexes para no nos estender-mos excessivamente) do final do sculo XV j no so mais um momento do mundo propriamente feudal. So mais naes renascentistas: so o primeiro passo rumo modernidade pro-priamente dita. Foi a primeira regio da Europa a ter a "expe-rincia" originria de constituir o Outro como dominado e sob o controle do conquistador, do domnio do centro sobre a periferia. A Europa se constitui como o "centro" do mundo (em seu sentido planetrio). o nascimento da Modernidade e a origem de seu "Mito"! Para ns importante incluir a Espanha no processo origi-nrio da Modernidade, j que ao final do sculo XV era a nica

    15

  • potncia europia com capacidade de "conquista" territorial externa (e tinha provado isso na "reconquista" de Granada), porque desta maneira a Amrica Latina redescobre tambm seu "lugar" na histria da Modernidade. Fomos aprmeia "periferia" da Europa moderna; quer dizer, sofremos globalmente desde nossa origem um processo constitutivo de "modernizao" (embora naquele tempo no se usasse esta palavra) que depois se aplicar frica e sia. Embora nosso continente j fosse conhecido - como prova o mapa mndi de Henricus Martellus em Roma em 1489 -, s a Espanha, graas habilidade poltica do rei Fernando de Arago e a ousadia de Colombo, tentou formal e publicamente, com os correspondentes direitos outor-gados (e em franca competio com Portugal), lanar-se ao Atlntico para chegar ndia. Este processo no anedtico ou simplesmente histrico: , alm disso, o processo originrio da constituio da subjetividade moderna.

    Nota 1. German Marqunez Argote defendeu uma tese sobre Interpretador) dei "Cogito" cartesiano como modelo de hermenutica latinoamericana. Universidad S. Tomas de Aquino, Bogot, 1980. A estuda comparativamente meu pensamento sobre o ego conquiio relacionado ao ego cogito, com excelentes textos comprobatrios de Descartes quanto conscincia que tinha de se situar diante do "descobrimento de um Novo Mundo".

    16

    Conferncia 1 O EROCENTRISMO

    A histria universal vai do Oriente para o Ocidente. A Europa absolutamente o fim da histria universal... A histria universal a disciplina da indmita vontade natural dirigida para a universalidade e a liberdade subjetiva (Hegel, Filosofia da Histria Universal). No "conceito emancipador de Modernidade est encoberto um "mito" que iremos desenvolvendo no decorrer destas con-ferncias. Por ora desejamos, em primeiro lugar, tratar um componente mascarado, sutil, que jaz em geral debaixo da reflexo filosfica e de muitas outras posies tericas do pensamento europeu e norte-americano. Trata-se do "eurocen-trismo" - e seu componente concomitante: a "falcia desenvol-vimentista"1. Consideremos o que Kant nos diz em sua Resposta pergunta: o que significa a Ilustrao? naquele distante ano de 1784: Ilustrao a sada2 por si mesma da humanidade de um estado de imaturidade culpvel... A preguia e a covardia so as causas pelas quais grande parte da humanidade permanece prazerosa-mente nesse estado de imaturidade3. Para Kant a "imaturidade" ou "minoridade" culpada. A "preguia" e a "covardia" constituem o ethos desta posio existencial. Hoje devemos fazer a Kant esta pergunta: um africano na frica ou como escravo nos Estados Unidos no sculo XVIII, um indgena no Mxico ou um mestio latino-ame-ricano depois, devem ser considerados nesse estado de imatu-ridade culpvel? 17

  • Vejamos como Hegel responde pergunta. Nas Lies sobre a Filosofia da Histria Universal mostra como a Histria Mundial a auto-realizao de Deus (uma teodicia*), da Razo, da Liberdade. Na realidade um processo rumo Ilustrao: A histria universal representa... o desenvolvimento da conscin-cia que o Esprito tem de sua liberdade e tambm a evoluo da realizao que esta obtm por meio de tal conscincia. O desen-volvimento implica uma srie de fases, uma srie de determina-es da liberdade, que nascem do conceito da coisa, ou seja, aqui, da natureza da liberdade ao se tornar consciente de si... Esta necessidade e a srie necessria das puras determinaes abstra-tas do conceito so estudadas na Lgica6. Na ontologia hegeliana o conceito de "desenvolvimento" tem um papel central. ele que determina o movimento do prprio "Conceito" at culminar na "Idia" (desde o Ser indeter-minado at o Saber Absoluto da Lgica). O "desenvolvimento" dialeticamente linear; uma categoria primeiramente ontol-gica (hoje sociolgica, mas queremos retornar a sua origem filosfica propriamente dita6), mais ainda no caso da histria mundial. Este "desenvolvimento", alm disso, tem uma direo no espao: A histria universal vai do Oriente para o Ocidente. A Europa absolutamente o fim da histria universal. A sia o comeo7. Mas este movimento Leste-Oeste, como se pode observar, teve antes de eliminar da Histria Mundial a Amrica Latina e a frica (e alm disso situar a sia num estado de "imaturida-de" ou de "infncia"8 essencial). De fato: O mundo se divide em Velho Mundo e Novo Mundo. O nome Novo Mundo provm do fato de que a Amrica... no foi conhe-cida at h pouco pelos europeus. Mas no se acredite que a distino puramente externa. Aqui a diviso essencial. Este mundo novo no s relativamente mas tambm absolutamente; o com respeito a todos os seus caracteres prprios, fsicos e polticos... O mar de ilhas, que se estende entre a Amrica do Sul e a sia, revela certa imaturidade no tocante tambm a sua origem... A Nova Holanda tambm no deixa de apresentar caractersticas de juventude geogrfica pois se, partindo das possesses inglesas, penetrarmos em seu territrio, descobrimos

    18

    enormes rios que ainda no abriram seu leito... Da Amrica e de seu grau de civilizao, especialmente no Mxico e Peru, temos informao a respeito de seu desenvolvimento, mas como uma cultura inteiramente particular, que expira no momento em que o Esprito se aproxima dela... A inferioridade destes indivduos , em tudo, inteiramente evidente.9 A "imaturidade" total, fsica (at os vegetais e os animais so mais primitivos, brutais, monstruosos; ou simplesmente mais fracos, degenerados)10 o signo da Amrica (Latina). Por isso: No que se refere a seus elementos, a Amrica ainda no terminou sua formao... A Amrica (Latina) , por conseguinte, a terra do futuro. Em tempos futuros se mostrar sua importncia histrica... Mas como pas do futuro a Amrica no nos interessa, pois o filsofo no faz profecias.11 A Amrica Latina, portanto, fica fora da histria mundial. O mesmo acontecer com a frica. De fato, embora haja uma espcie de trindade (Europa, sia e frica), ainda assim a frica ficar igualmente descartada: As trs partes do mundo12 mantm, pois, uma relao essencial entre si e constituem uma totalidade (Totalitaet)... O Mar Medi-terrneo o elemento de unio destas trs partes do mundo, e isso o transforma no centro de toda a histria universal... O Mediterrneo o eixo da histria universal.13 Temos assim o conceito de "centro" da histria mundial. Mas veremos que das "trs partes" que constituem a Totalidade (aqui a Amrica Latina ficou descartada14), duas delas sero desqualificadas. Acerca da frica Hegel escreveu algumas p-ginas que merecem ser lidas, embora se deva ter muito senso de humor, j que a culminao fantstica de uma ideologia racista, cheia de superficialidade, com um sentido infinito de superioridade, que mostra bem o estado de esprito da Europa no comeo do sculo XIX: A frica em geral uma terra fechada, e conserva este seu carter fundamental15. Entre os negros realmente caracterstico o fato de que sua conscincia no chegou ainda intuio de nenhuma objetividade, como, por exemplo, Deus, a lei, na qual o homem 19

  • est em relao com sua vontade e tem a intuio de sua essncia... um homem em estado bruto1 6. So algumas das pginas mais insultantes na histria da filosofia mundial. Depois delas Hegel conclui: Este modo de ser dos africanos explica o fato de eles serem to extraordinariamente facilmente fanatizados. O Reino do Esprito entre eles to pobre e o Esprito to intenso que basta uma representao que lhes inculcada para lev-los a no respeitar nada, a destroar tudo... A frica... no tem propriamente histria. Por isso abandonamos a frica para no mencion-la mais. No uma parte do mundo histrico; no representa um movimento nem um desenvolvimento histrico... O que entendemos propria-mente por frica algo isolado e sem histria, sumido ainda por completo no esprito natural, e que s pode ser mencionado aqui, no umbral da histria universal1 7. A soberba europia (o "orgulho" hegeliano que Kierkegaard tanto ironizava) mostra-se no texto citado de maneira paradig-mtica. Mas, no final das contas, tambm a sia desempenha um papel puramente introdutrio, preparatrio, infantil no "de-senvolvimento" da Histria Mundial. De fato, como a Histria Mundial se move do Oriente para o Ocidente, era necessrio descartar primeiro a Amrica Latina (que no se situava no Leste do Extremo Oriente, mas ao Oeste do Atlntico) e a frica (o Sul brbaro, imaturo, antropfago, bestial): A sia a parte do mundo onde se verifica o comeo enquanto tal... Mas a Europa absolutamente o Centio e o F im 1 8 do mundo antigo e o Ocidente enquanto tal, a sia o Oriente absoluto19. Mas na sia o Esprito est em sua infncia; o despotismo permite s que o "Um" (o imperador) seja livre. a aurora, mas de modo algum a culminao da Histria Mundial. O comeo e o fim da histria a Europa. Porm h diversas Europas: a Europa do Sul2 0, o sul da Frana e Itlia. Ali habitou o Esprito na Antigidade, quando o norte da Europa no estava "cultiva-do". Mas o Sul "no tem um ncleo estampado em si" 2 1 , e por isso o destino se encontra no Norte da Europa. Tambm h dois Nortes: a Oriental (Polnia e Rssia), que se encontram sempre em relao com a sia. Deveremos falar da parte Ocidental do Norte da Europa: 20

    A Alemanha, Frana, Dinamarca, os pases escandinavos so o corao da Europa2 2. Agora Hegel comea a se emocionar. Pe em suas palavras o timbre das trombetas de Wagner e escreve: O Esprito germnico o Esprito do Novo Mundo 2 3 , cujo fim a realizao da verdade absoluta como autodeterminao infinita da liberdade, que tem por contedo sua prpria forma absoluta. O princpio do Imprio germnico deve ser ajustado ao modelo cristo. O destino dos povos germnicos fornecer os portadores do Princpio cristo2 4. E Hegel, expressando a tese exatamente contrria que eu quero provar, escreve sobre os povos germnicos: A significao ideal superior a do esprito, que volta a si mesmo, desde o embotamento da conscincia. Surge a conscincia da justificao de si mesmo, mediante o restabelecimento da liber-dade crist. O princpio cristo passou pela formidvel disciplina da cultura; e a Reforma lhe d tambm em seu mbito exterior, com o descobrimento da Amrica... O princpio do Esprito livre se fez aqui bandeira do mundo, e a partir dele se desenvolvem os princpios universais da razo... O costume e a tradio j no valem; os diferentes direitos precisam se legitimar como fundados em princpios racionais. Assim se realiza a liberdade do Esprito . Quer dizer, para Hegel, a Europa crist moderna nada tem a aprender dos outros mundos, outras culturas. Tem um princ-pio em si mesma e sua plena "realizao": O princpio se realizou, e por isso o Fim dos Dias chegou: a idia do cristianismo alcanou sua plena realizao26. As trs etapas do "mundo germano" so um "desenvolvi-mento" desse mesmo Esprito. So os Reinos do Pai, do Filho e do Esprito Santo27, e "o Imprio germnico o Reino da Totalidade, no qual vemos se repetirem as pocas anteriores"28: a primeira poca, as migraes germnicas no tempo do Imprio romano; a segunda poca, a idade mdia feudal. Tudo rema-tado com trs fatos finais: o Renascimento das letras e das artes, o descobrimento da Amrica e a passagem para a ndia pelo Cabo da Boa Esperana no sul da frica. Estes trs fatos terminam a terrvel noite da Idade Mdia, mas no "constituem"

    21

  • a idade nova. A terceira idade, a "Modernidade" inicia-se com a reforma luterana propriamente alem, que se "desenvolve" totalmente na "Ilustrao (Aufklaerung)" e a Revoluo France-sa. A Modernidade chega a sua culminao, da qual poderamos dizer o que Hegel atribui aos ingleses: Os ingleses decidiram se transformar nos missionrios da civili-zao em todo o mundo29. Perante esta Europa do Norte ningum mais poder (como hoje diante dos Estados Unidos) pretender ter qualquer direito, tal como se exprimiu Hegel na Enciclopdia: Porque a histria a configurao do Esprito em forma de acontecimento30, o povo que recebe um tal elemento como princpio natural... o povo dominante nessa poca da histria mundial... Contra o direito absoluto que ele tem por ser o portador atual do grau de desenvolvimento do Esprito mundial, o esprito dos outros povos no tem direito algum3\ Este povo, o Norte, Europa (para Hegel sobretudo Alemanha e Inglaterra), tem assim um "direito absoluto"32 por ser o "por-tador" do Esprito neste "momento de seu Desenvolvimento". Diante de cujo povo todo ouo-povo "no tem direito". a melhor definio no s de "eurocentrismo" mas tambm da prpria sacralizao do poder imperial do Norte e do Centro sobre o Sul, a Periferia, o antigo mundo colonial e dependente. Creio que no so necessrios comentrios. Os textos falam, em sua espantosa crueldade, de um cinismo sem medida, que se transforma no prprio "desenvolvimento" da "razo" ilustrada (da Aufklrung). Alm disso, e isto passou despercebido a muitos comenta-ristas e crticos de Hegel - e ao prprio Marx - a "sociedade civil" contraditria superada como "Estado" em Hegel graas constituio de "colnias" que absorvem tal contradio: Por uma dialtica que lhe prpria, a ser superada, em primeiro lugar, tal sociedade levada a buscar fora dela mesma novos consumidores, e por isso busca meios para subsistir entre outros povos que lhe so inferiores quanto aos recursos que ela tem em excesso, ou, em geral, a indstria"33. Este desdobramento de relaes oferece tambm o meio da colonizao qual, de forma 22

    sistemtica ou espordica, uma sociedade civil acabada impe-lida. A colonizao permite que uma parte de sua populao (sic), sobre o novo territrio, retorne ao princpio da propriedade familiar e, ao mesmo tempo, procure para si mesmo uma nova possibili-dade e campo de trabalho.34 A "Periferia" da Europa serve assim de "espao livre" para que os pobres, fruto do capitalismo, possam se tornar proprie-trios capitalistas nas colnias35. Ora, Jrgen Habermas trata do mesmo tema em sua obra O discurso filosfico da Modernidade26, quando escreve: Os acontecimentos histricos-chave para a implantao do prin-cpio da subjetividade so a Reforma, a Ilustrao e a Revoluo Francesa37. Para Habermas, como para Hegel, o descobrimento da Amrica no um determinante constitutivo da Modernidade38. Desejamos demonstrar o contrrio. A experincia no s do "descobrimento", mas especialmente da "conquista" ser es-sencial na constituio do "ego" moderno, mas no s como subjetividade "centro" e "fim" da histria: Por outro lado, evidente que tanto Hegel como o prprio Habermas descartaro a Espanha da definio originria da Modernidade (e com isso a Amrica Latina). Hegel escreve: Aqui se encontram as terras de Marrocos, Fas (no Fez). Arglia, Tniz, Trpoli. Pode se dizer que esta parte no pertence propria-mente frica, mas de preferncia Espanha, com a qual forma uma bacia. O polgrafo de Pradt diz por isso que na Espanha se est j na frica. (A Espanha...) um pas que se limitou a participar do destino dos grandes, destino que se decide em outras partes; no foi chamada a tomar figura prpria39. Se a Espanha est fora da modernidade, muito mais a Amrica Latina. Nossa hiptese, pelo contrrio, que a Amrica Latina, desde 1492 um momento constitutivo da Modernidade, e a Espanha e Portugal como seu momento constitutivo. a "outra cara" {teixtli, em asteca), a Alteridade essencial da Modernidade. O ego ou a "subjetividade" europia imatura e perifrica do mundo muulmano que se desenvolver at chegar com Fernando Corts, na conquista do Mxico (o primeiro

    23

  • "espao" onde o referido "ego" efetuaria um desenvolvimento prototpico), a se tomar "Senhor-do-mundo", como "vontade-de-poder". Isto permitir uma nova definio, uma nova viso mundial da Modernidade, o que nos descobrir no s seu "conceito" emancipador (que preciso subsumir), mas igual-mente o "mito" vitimrio e destruidor, de um europesmo que se fundamenta numa "falcia eurocntrica" e "desenvolvimen-tista". O "mito da Modernidade" tem agora um sentido diferente para Horkheimer ou Adorno4 0, ou para os ps-modernos como Lyotard, Rorty ou Vattimo. Contra os ps-modernos, no criti-caremos a razo enquanto tal; mas acataremos sua crtica contra a razo dominadora, vitimaria, violenta. Contra o nacionalismo universalista, no negaremos seu ncleo racional e sim seu momento irracional do mito sacrificai. No negaremos ento a razo, mas a irracionalidade da violncia do mito moderno; no negamos a razo, mas a irracionalidade ps-moderna; afirma-mos a "razo do Outro" rumo a uma mundialidade transmoder-na. Notas 1. A palavra espanhola "desarrollismo" (portuguesa "desenvolvimentismo") intraduzvel para o alemo ou ingls. Sua raiz (desenvolvimento: Entwicklung, develop-ment) no permite a construo de derivado depreciativo, negativo, excessivo; como por exemplo para "cincia": o cientificismo (Scientifizismus) ou o cientifista (Scientifi-zist). Deveria ser algo como "developmentism" (ou developmentalism). Trata-se de uma posio ontolgica pela qual se pensa que o "desenvolvimento" (= desenvolvimentismo) que a Europa seguiu dever ser seguido unilinearmente por toda outra cultura. Por isso a "falcia do desenvolvimento" (= falcia desenvolvimentista) no mais uma categoria sociolgica ou econmica, mas uma categoria filosfica fundamental. o "movimento necessrio" do Ser, para Hegel; seu "desenvolvimento" inevitvel. O "eurocentrismo" cai na "falcia desenvolvimentista" - so dois aspectos do "si-mesmo". 2. Interessa-nos o fato da "sada", o "xodo", como processo de emancipao. 3. A 481. 4. Fim de toda a obra: "A histria do mundo (...) o processo do desenvolvimento do Esprito - uma verdadeira Teodicia, a justificao de Deus na Histria". 5. Hegel, edio castelhana Lecciones de FilosoBa de la Historia Universal, Revista de Occidente, Buenos Aires, 1946,1.1, p. 134; ed. alem Die Vemunftin der Geschichte, Zweiter Entwurf, 1830, C, c; em Smtliche Werke, ed. J. Hoffmeister, F. Meiner, Hamburg, 1955, p. 167. Ver Martin Bernal, Black Athena. The Aroasiatic Roots o Classical Civilization, Rutgers University Press, New Brunswick, 1987-1991, especial-mente Filosofia da Histria Universal de Hegel, vol. \ . 6. De Hegel o conceito "desenvolvimento" passou para Marx, e deste para a economia e sociologia do "desenvolvimento". Por isso desejamos hoje retornar ao

    24

    contedo "filosfico" desta palavra que, como dissemos, foi o mais antigo. Um pas "subdesenvolvido", ontologicamente, "no-moderno", pr-Aufklrung, para Hegel. 7. bid., Anhang, 2; p. 243; ed. cast. I, p. 207. Demonstraremos mais adiante que este "desenvolvimento" da histria do Leste para o Ocidente puramente "ideolgico"; um momento constitutivo do "eurocentrismo", que todavia se imps em todos os programas de histria (das High School ou universidades), no s na Europa ou Estados Unidos, mas tambm na Amrica Latina, frica e sia (tambm atravs das revolues socialistas, que infeliz e freqentemente so "eurocntricas", atravs do eurocentrismo do prprio Marx, pelo menos at 1868 - ver minha obra El ltimo Marx (1863-1882), Siglo XXI, Mxico, 1990, cap. 7 - ano em que se abre a problemtica da Rssia "perifrica" graas a Danielson e os populistas russos). 8. "A criana no tem racionalidade, a no ser como possibilidade real (...) S o adulto tem inteligncia (...) e o centro de tudo (...)" (bid., Zweiter Entwurf, C, b; p. 161). "A primeira figura do Esprito o Oriente..." {bid., Anhang, 2; p. 244). A "imediatez" da conscincia da "criana" como "possibilidade" no pode ser centro mas "periferia". 9. bid., Apndice, b; p. 199-200; ed. cast., p. 171-172. 10. Antonello Gerbi, em sua obra La naturaleza de Ias ndias Nuevas, FCE, Mxico, 1978, mostra que os europeus, e o prprio Hegel, pensavam que at a geologia (as pedras), a fauna e a flora nas ndias eram mais brutais, primitivas, selvagens. 11. Md., p. 109-210; ed. cast. p. 179-180. 12. Na prxima conferncia veremos que esta diviso trinitria do mundo medieval, pr-moderna, e Hegel continua repetindo-a, como Cristvo Colombo. 13. bid., c; p. 210; ed. cast. p. 181. 14. bid., c; p. 210s. 15. bid., c; p. 212; ed. cast. p. 183. 16. bid., p. 218; p. 187. 17. bid.. p. 231-234; p. 198-201. 18. Em alemo: das Zentrum und das Ende. Pode-se ver que Fukuyama toma esta expresso de Hegel (Francis Fukuyama, The End of History? em The National Interest, Summer, 1989). Fukuyama pretende, exatamente, que os Estados Unidos e o livre mercado capitalista, depois do colapso do socialismo real do Norte a partir de 1989, o modelo a seguir sem nenhuma outra alternativa; o "fim da histria". Para Hegel era a Europa, alm disso, o "Centro". 19. bid., beta; p. 235; ed. cast. p. 201. 20. bid., gama; p. 240. Com isso se descarta a importncia dos sculos XV, XVI e XVII, a poca do mercantilismo, que so objeto destas conferncias. 21. bid., p. 240. 22. bid., p. 240; p. 205. 23. Hegel, sem se dar conta, volta emoo causada na Europa no fim do sculo XV pelo "descobrimento" do Novo Mundo. De maneira que est projetando para o passado germano o conceito "moderno" de "Novo Mundo" que se origina com a Amrica Latina, mas que no tem nenhum lugar em sua Histria Mundial (no acontece o mesmo com a "Amrica" anglo-saxnica posterior, que um Ocidente de segundo nvel para Hegel, e por isso tem um certo lugar na Histria Mundial). 24. Hegel, Lecciones sobre la Filosofia de la Histria, ed. cast., t. II, p. 258; Vorlesungen ber die Philosophie der Geschichte, em Werke, Suhrkamp, Frankfurt, t. 12, 1970, p. 413. 25. bid., p. 413-414; p. 260. 26. Md., ed. alem, p. 414. 27. bid., p. 345. o "joaquinismo" de Hegel. 25

  • 28. Ibid.. ed. alem, p. 417. 29. Ibid, ed. alem, IV, 3, 3; p. 538. 30. O.c. 346. 31. Ibid., 347. 32. Na Enciclopdia 550 (ed. F. Nioolin-O. Poeggeler, F. Meiner, Hamburg, 1969, p. 430), Hegel fala claramente sobre este tema. 33. Fosofia do Direito, 246. 34. ibid. , 248. A Europa ento "ocupa" territrios alheios. Hegel no acha que isso significa que preciso arrebat-los de outros povos. 35. Quando a Europa teve "superpopulao" ou pobres e miserveis, enviou-os para o Terceiro Mundo. Hoje no permite que entrem na Europa e fecha suas fronteiras. 36. Ed. cit., Taurus, Buenos Aires, 1989; Derphosophische Diskuis der Moderne, Suhrkamp, Frankfurt, 1988. 37. O.c, 27 (ed. cast., p. 29). 38. Fala do descobrimento, mas no lhe d nenhuma importncia (por exemplo, em O.c, p. 15, ed. cast., p. 13 da ed. alem). 39. Ibid., c, alfa: frica; p. 213; ed. cast. I, p. 183. 40. Ver, no final destas conferncias, o Apndice 2. Dos autores citados, ver Dialektik der Aufklaerung, Fischer, Frankfurt, 1971. A posio de J. Habermas est expressa em seu El discurso filosfico de la Modemidad (5. Horkheimer e Adorno: o entrelaamento do mito e Ilustrao, p. 135s, ed. cast.; p. 130s da ed. alem).

    26