15
jf % Domingo, 12-3-1950 AB^K^ *,a »*^Mcm0 *f / J Ano 4..°,— N.° 157 1 O SR. Crlstlano Martins, cujos dotes de ensaísta conhecíamos pelos seus estudos sobre Camões e Rilkc, publica, como homenagem a Goethe, por ocasião dos teste-, jos do seu segundo centenário de nascimento, um interessan- te comentário á "Elegia de Ma- rienbad". A elegia foi escrita, como se sabe, cm Marienbad, ao encon- trar-sc o poeta com Ulrica Vou Lcvctzow por quem se apaixo- nou, sem esperanças, aos 73 anos. "O motivo predominante no poema, diz Cristiano Mar- tins, é o da despedida. E' êle um canto de despedida —- mas da despedida definitiva, da des- pedida adeus, e não da simules despedida ou da despedida tornar-a-ver (Wiedersc- lien), pois que se exprime sob a forma de uma elegia, isto é. de uma lamentação por uma dor profunda, uma perda irre- parável, ou sentimento equiva- lente. O poeta tem consciência de que nada lhe resta esperar de um novo encontro ou de uma nova entrevista. Sente que canta um amor impossível de se realizar. Esforça-se, assim, por divisar a sua experiência como um fato distante, procurando mantê-la no plano da memória das coisas gratas á sua sensibi- lidade, da lembrança de suas mais caras emoções. Mas a pai- xão, viva ainda naquele momen- to, não podia confinar se ao domínio espiritual em que a razão buscava isolá-la, teiman- do em irromper no plano da realidade. E, deste modo, sô- bre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de- sejo de reagir, lutar e se afir- mar apesar de tudo, reponta por três vezes a esperança quo recusa deixar-se abater, e por três vezes também desmaia o desejo, vacila a esperança, até que o poeta se resigna a reco- nhecer que tudo está perdido." Essa experiência complexa ? dolorosa do amor septagenario. que a inteligência condena mas não refreia, tornaria o poema algo hermético, como observa « ensaísta, o qual aponta no en- tanto o paradoxo dessa emo- ção confusa se exprimir com a mesma pureza e transparência formal das outras- poesias de Goethe. Mas a dificuldade que ' se tem em entender de imedia- to a elegia, está, como muito bem explica Cristiano Martins, na sua densidade. Não é outro o problema de certos poetas franceses da atualidade, como Claudel, por exemplo, ou Vale- ry, principalmente este ultimo, cujas obras se evidenciam de difícil acesso, embora sua foi- ma seja límpida e perfeita. Ha emoções e pensamentos com- plexos que nenhuma expressão, por mais precisa e harmoniosa, coloca ao nivel da divulgação e há, ao contrario emoções e pensamentos vulgares que a for- ma mais preciosa não conse- gue obscurecer, e muito menos enobrecer.. . , Historiando a "experiência que deu origem á Elegia de Ma- rienbad, comete Cristiano Mar- tins um anacronismo diverti- do. "As fotografias de Ulrica von Levetzow, tomadas nessa ocasião, e que se podem ver nos volumes ou memórias em que se colecionam dados, informa- ções e documentos concernentes a Goethe e ao meio em que vi- veu, etc." Ora estamos, nessa ocasião, em 1823 e portanto lon- ge ainda das primeiras fotogra- fias... Por esses "retratos" ou gravuras é que se tem uma idéia da formosura e da graça insinuante da muito amada pe- BBBMBBBBBBBBBBlBBBBBBm'-;^- ¦ HMB]BCBnffnniB|B]KSBJ¦¦& / *:Ã.^f>^^^^K<g:^«Kre'J«B>MBBBBMBTaLjBBl jJBJrtiEfifflMBaff?!icf*3BBlB" rrlBTTríwTBiBj^BpaM^^BBMrigyi^fc»^^^B«KfflS5Í^JMBBi gggg%SB ffifâsiíM&ffisíM&íS^Jtiv. ^SiBoiBBBBt'^Bl BKíZ3BME HnflmBU^s^^aS^^^^eS^^^^êS^é^i^^Ê^^^^ímt Kit^BXiBk^aBll BIBKl WnrlnnTWM TtIibiI^I II um fBBBFl I IB EH9(íIS^^^PlIftw^RilBflWHü ^Mi^BBMPWBBlllBTHBBBlTBffT»BBJtBBB^BMBBBBBBBBBBBlB mmEHb^^^^^^^^^w^^PüP^^bI+mm BnS^«I» *b •: ¦ <¦'*¦<¦ æbbI Kg3*>sl tSUÊWm BÊmm?MmXmmÊ^mm^^mms^mmm\M^r;-: 'Jjmmm Biffll BfcM BH BBkA^/^BMamSBBBSBfflBBHBBr£&6>s7»«W' á^Éhíflc BBIBBiBKBB9SBB BBJTvlflBI BBsPBI I sufimwM^m^ÊÊSSÊÊ^mmWMffà Jkmmb^IÜ^V ,EjBMm^$ãmMã^'mmm^WÊmm WÊÈ Ibbb&s ^H ¦KBBr ^wlCBBilUSVÉnBEl^ . /wBl BBdwnQBBr ¦ V*-•¦ - - ¦ ¦ ¦ ¦ ¦¦¦•r-f&,Jl ¦///.'*¦'¦ -jvSSBBBbBBBBKV^BB BkwBbHBeIÉÚ BIBrPt*1BB IIpWB^ÍPIbw^-bi bHPIHH II Fl ^^^^^m^m ^^^%t ^b^bbbH^^^bbb^^H^^^Sbb^^b^I W^^B^-%^^Lm^W' ' ^tÉiP^Trlfl frm i'''li 0^PI BJBMflCijjsBKgBTfrWT M^mtBfyfiiF^Wvv^^vifT^v^íV^^X^tmwv^ BBIHBBBl*lKB'^Bffl*r?wB^^^iWf^' 5 ** /J3B3fcBBrStMfligB6^BBMBBBBBBBr/- •TscgaaBE o&BtwW ^*^tv ^Wgj aHBBa. jjgiMPV/^^H InflVBiaBDWA'''%r* B^^^^^^^^g^^^«^^EIaãB^^B^BF^BH^^^£f^i^^l^SMKBB B? !l1 'IHi i Wf IB>irwÉLir "P"T Li * h>*BBra BMBBBÉ l»rMr ' asa Wm^m^^^>^ê^^Ê(iWum9R3aÊM '.laBj^a^H^^HB»K^BaBBB^%- ¦ ^ mxmf-JMs .. ^Sl^^^MsiÍF^aB3BBB#- •' «HPiBiPSsa.,- JbbHP^külü ápr^í*^ PVlaBF-1 v-^Wi^^«b^Êb1»bÍI^h^I PKp^PSM fc^^ ^é^^Pí-I L- b1 F-''3b1 I MbHbmNpi Ba BBBIBb» K3wLí^. •¦.w-w^^W^^^^^^^M^^BlBHBT4 •, ''iw^i$%ffim&mm BJBJ Mt.'.''•''vvX,;v;v>v.fflwwwww^^... A pomba SEVERINI (1929) Ensaio de Cristiano Martins sobre Goethe SÉRGIO MILLIETi dida em casamento pelo poeta. Desiludido, consciente de que sua hora de amor passara üefi- nitivamente ele escreverá en- tão: Que me resta esperar, de um novo encontro, simples promessa, flor ainda em botão? "Já perdida a vaidade de amar e ser amado" sobra entretanto a "esperança de um sonho", a beatitude da simples presen- ca.f Anota Cristiano Martins que o poema "não ficou... adstrito ao simples episódio das espe- ranças e desenganos vividos em Marienbad, senão que o trans- cendeu conferindo àquela expe- riencia inicial o sentido de ge- neralidade, profundidade e es- sencialidade careteristico de to- das as grandes produções goe- thianas". Essa a característica, aliás, dos maiores, capazes de elevar o particular ao universal e assim superar o hermetismo das minúcias pela acessibilida- de do todo. Falei dos maiores e não dos clássicos, porquanto me aborrece esta palavra cheia de confusão e poi* demais como- <la na sua vagueza. Goethe é um romântico (pois quem es- creveu Werther e Fausto traz em si o mais agudo individua- lismo) mas se torna universal e "clássico" porque exprime com fidelidade o clima de sua época, espelha melhor do que ninguém a sensibilidade e o pensamento dos séculos XVIII (segunda metade) e XIX. E como esse clima romântico ain- da não mudou, antes se exas- perou através de uma serie de acontecimentos sociais e cultu- rais altamente perturbadores, o que escreve o poeta nós o sen- timos em sua inteira força, em sua penetrante agudeza. O tema da despedida defini- tiva, que é em suma o tema da separação, pela distancia ou pela morte, foi um dos temas preferidos pelos românticos. Algumas obras primas lhe de- ve a literatura mundial Goe- the emprestou-lhe uma nobre- za inexcedivel, e ao lado de seu poema, os dos românticos fran- ceses, embora mais pungentes, parecem retóricos. A contribuição de Cristiano Martins para o comemoração do bi-centenario do nascimento de Goethe é preciosa. A inteli- gencia sutil e a expressão ucs- pojada fazem do ensaísta mi- neiro um dos mais puros inte- lectuais do Brasil atual. Seu método de trabalho e sua se- riedade na documentação apon- tam-no como um dos nossos melhores críticos. está, a prová-lo, o estudo sobre a Ele- gia de Marienbad, tão co- mentada e que ele soube apre- ciar de modo original. Há, diz Cristiano Martins, duas maneiras de encarar o sentir um poema. Em si mes- mo, avaliando-o então pelabe- leza da forma e pelo que reflete le nossa própria sensibilidade, e em sua relação com o poeta, "buscando descer aos fatos o episódios que lhe hajam cons- tituido o verdadeiro funda- mento", o que seria como se lhe outorgássemos "uma segun- da e uma terceira dimensões", que nos permitissem "conhe- cê-lo e senti-lo em sua unidade feita quase sempre de fundas complexidades". Esta foi a ma- neira adotada pelo ensaísta o essa se me afigura a única dig- na de um verdadeiro crítico. No entanto, para o leitor sen- sivcl, poeta em potência êle c próprio, não creio seja ela ira- prescindivel. Nem á gloria do poeta será favorável, pois o que importa na poesia é a sua comunicação mágica, indepen- dente de explicações e justifi- cativas. E mais vale a poesia pelo que revela de transceden- te no leitor do que pelo que nos do poeta. Pouco importa a mim, tenha ou não o poema de Goethe um ponto de parti* da na realidade de sua vida ín- tima.„0 que me importa é açor- dar ele em mim uma realída- de própria, é que valorize amie- Ias emoções inexprimidas íque ansiavam por brotar de minha alma, que aspiravam a assurur cm meu melancólico cotidiano um lugar proeminente, capaz de elevar-me a um nive) não sonhado sequer, de cercar u animal humano numa almos- fera divina cm que a existência adquire afinal um sentido. Mas sou suspeito para fazer tais reparos, porquanto sempre me guiei em meus comentários por essa necessidade de gozo pessoal, elogiando as obras na medida em que atendem a meus anseios. Em verdade »»- da tenho de um crítico... riX

Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

  • Upload
    leliem

  • View
    229

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

jf

%

Domingo, 12-3-1950

B^ K^ *,a »*^Mcm0 *f / J

Ano 4..°,— N.° 157

1

O SR. Crlstlano Martins,cujos dotes de ensaísta jáconhecíamos pelos seus

estudos sobre Camões e Rilkc,publica, como homenagem aGoethe, por ocasião dos teste-,jos do seu segundo centenáriode nascimento, um interessan-te comentário á "Elegia de Ma-rienbad".

A elegia foi escrita, como sesabe, cm Marienbad, ao encon-trar-sc o poeta com Ulrica VouLcvctzow por quem se apaixo-nou, sem esperanças, aos 73anos. "O motivo predominanteno poema, diz Cristiano Mar-tins, é o da despedida. E' êleum canto de despedida —- masda despedida definitiva, da des-pedida adeus, e não da simulesdespedida ou da despedidatornar-a-ver (Wiedersc-lien), pois que se exprimesob a forma de uma elegia, istoé. de uma lamentação por umador profunda, uma perda irre-parável, ou sentimento equiva-lente. O poeta tem consciênciade que nada lhe resta esperarde um novo encontro ou deuma nova entrevista. Sente quecanta um amor impossível de serealizar. Esforça-se, assim, pordivisar a sua experiência comoum fato distante, procurandomantê-la no plano da memóriadas coisas gratas á sua sensibi-lidade, da lembrança de suasmais caras emoções. Mas a pai-xão, viva ainda naquele momen-to, não podia confinar se aodomínio espiritual em que arazão buscava isolá-la, teiman-do em irromper no plano darealidade. E, deste modo, sô-bre o tema geral da despedida,renova-se por três vezes o de-sejo de reagir, lutar e se afir-mar apesar de tudo, repontapor três vezes a esperança quorecusa deixar-se abater, e portrês vezes também desmaia odesejo, vacila a esperança, atéque o poeta se resigna a reco-nhecer que tudo está perdido."

Essa experiência complexa ?dolorosa do amor septagenario.que a inteligência condena masnão refreia, tornaria o poemaalgo hermético, como observa «ensaísta, o qual aponta no en-tanto o paradoxo dessa emo-ção confusa se exprimir com amesma pureza e transparênciaformal das outras- poesias deGoethe. Mas a dificuldade que' se tem em entender de imedia-to a elegia, está, como muitobem explica Cristiano Martins,na sua densidade. Não é outroo problema de certos poetasfranceses da atualidade, comoClaudel, por exemplo, ou Vale-ry, principalmente este ultimo,cujas obras se evidenciam dedifícil acesso, embora sua foi-ma seja límpida e perfeita. Haemoções e pensamentos com-plexos que nenhuma expressão,por mais precisa e harmoniosa,coloca ao nivel da divulgação —e há, ao contrario emoções epensamentos vulgares que a for-ma mais preciosa não conse-gue obscurecer, e muito menosenobrecer. . . ,

Historiando a "experiênciaque deu origem á Elegia de Ma-rienbad, comete Cristiano Mar-tins um anacronismo diverti-do. "As fotografias de Ulricavon Levetzow, tomadas nessaocasião, e que se podem ver nosvolumes ou memórias em quese colecionam dados, informa-ções e documentos concernentesa Goethe e ao meio em que vi-veu, etc." Ora estamos, nessaocasião, em 1823 e portanto lon-ge ainda das primeiras fotogra-fias... Por esses "retratos" ougravuras é que se tem umaidéia da formosura e da graçainsinuante da muito amada pe-

BBBMBBBBBBBBBBlBBBBBBm'-;^-¦ HMB]BCBnffnniB|B] KSBJ ¦¦& / *:Ã.^f>^^^^K<g:^«Kre'J«B>M BB BBMBTaLjBBl

jJBJrtiEfifflMBaff?!icf*3BBlB"rrl BTTríwTBi Bj^BpaM^^BBMrigyi^fc»^^^B«KfflS5Í^JMBBi gggg%SB ffifâsiíM&ffisíM&íS^Jtiv. ^SiBoiBBB Bt'^BlBKíZ3 BME Hnfl mBU^s^^aS^^^^eS^^^^êS^é^i^^Ê^^^^ímt Kit^BXiBk^aBll BI BKl

WnrlnnTWM TtIibiI^ I II um fBBBFlI IB EH9(í IS^^^PlIftw^RilBflWH ü^Mi^BBMPWBBlllBTHBBBlTBffT»BBJtBBB^BMBBBBBBBBBBBlB

mm EH b^^^^^^^^^w^^PüP^^bI mmBnS^«I» *b •: ¦ <¦'*¦<¦ bbI Kg 3*>sltSUÊWm BÊm m?MmXmmÊ^mm^^mms^mmm\M^r;-: 'Jjm mm Biffll BfcM

BH BBkA^/^BMamSBB BSBfflBBH BBr£&6>s7»«W ' á^Éhíflc BBI BBiBK BB9SBB BBJTvlflBI BBsPBII sufi mwM^m^ÊÊSSÊÊ^mmWMffà Jk mm lü b^IÜ^VEjBM m^$ãmMã^'mmm^WÊ mm WÊÈ WÊ Ibbb&s^H ¦KBBr ^wlCBBilUSVÉnBEl^ . /wBl BBdwnQ BBr ¦ V* -• ¦ - - ¦ ¦ ¦ ¦ ¦¦ ¦•r-f&,Jl ¦///.'*¦'¦ -jvSSBBBbBB BBKV^BB BkwBbH BeIÉÚ BI BrPt*1BBIIpWB^ÍPI bw^-bi bHPI HH II Fl

^^^^^m^m ^^^%t ^b^bbbH^^^bbb^^H^^^Sbb^^b^IW^^B^-%^^Lm^W' ' ^tÉi P^Trlfl frm i'''li 0^ PI

BJBMflCijjsBKgBTfrWT M^mtBfyfiiF^Wvv^^vifT^v^íV^^X^tmwv^ BBIHBBBl*lKB'^Bffl*r?wB^^^iWf^' 5 ** /J3B3fcBBrStMfligB6^BBMBBBBBBBr/ - •TscgaaBE o&BtwW ^*^tv ^Wgj aHBBa. • jjgiMPV/^^H InflVBiaB DWA'' '%r*B^^^^^^^^g^^^«^^EIaãB^^B^BF^BH^^^£f^i^^l^SMKBB B? l1 'IHi i Wf IB>irwÉLir "P"T Li * h>*BBra BMBBBÉ l»rMr ' asaWm^m^^^>^ê^^Ê(iWum9R3aÊM '.laBj^a^H^^HB»K^BaBBB^%- ¦ ^ mxmf-JMs .. ^Sl^^^MsiÍF^a B3BBB#- •' :«

«HPiBiPSsa.,- JbbHP^külü ápr^í*^ PVlaBF-1v-^Wi^^«b^Êb1»bÍI^h^I PKp^PSM fc^^ ^é^^Pí-I

L- b1 F-''3b1 I MbH bmNpiBa BBBIBb» K3wLí^. •¦ .w-w^^W^^^^^^^M^^Bl BH BT 4 •, ''iw^i$%ffim&mm

BJBJ Mt.'.' '•''vvX,;v;v>v.fflwwwww^^ ...

A pomba — SEVERINI (1929)

Ensaio de CristianoMartins sobre Goethe

SÉRGIO MILLIETi

dida em casamento pelo poeta.Desiludido, consciente de quesua hora de amor passara üefi-nitivamente ele escreverá en-tão:

Que me resta esperar, de umnovo encontro,

simples promessa, flor aindaem botão?"Já perdida a vaidade de amare ser amado" sobra entretantoa "esperança de um sonho", abeatitude da simples presen-ca. f

Anota Cristiano Martins queo poema "não ficou... adstritoao simples episódio das espe-ranças e desenganos vividos emMarienbad, senão que o trans-cendeu conferindo àquela expe-riencia inicial o sentido de ge-neralidade, profundidade e es-sencialidade careteristico de to-das as grandes produções goe-thianas". Essa a característica,aliás, dos maiores, capazes deelevar o particular ao universale assim superar o hermetismodas minúcias pela acessibilida-de do todo. Falei dos maiores enão dos clássicos, porquanto meaborrece esta palavra cheia deconfusão e poi* demais como-<la na sua vagueza. Goethe é

um romântico (pois quem es-creveu Werther e Fausto trazem si o mais agudo individua-lismo) mas se torna universale "clássico" porque exprimecom fidelidade o clima de suaépoca, espelha melhor do queninguém a sensibilidade e opensamento dos séculos XVIII(segunda metade) e XIX. Ecomo esse clima romântico ain-da não mudou, antes se exas-perou através de uma serie deacontecimentos sociais e cultu-rais altamente perturbadores, oque escreve o poeta nós o sen-timos em sua inteira força, emsua penetrante agudeza.

O tema da despedida defini-tiva, que é em suma o tema daseparação, pela distancia oupela morte, foi um dos temaspreferidos pelos românticos.Algumas obras primas lhe de-ve a literatura mundial Goe-the emprestou-lhe uma nobre-za inexcedivel, e ao lado de seupoema, os dos românticos fran-ceses, embora mais pungentes,parecem retóricos.

A contribuição de CristianoMartins para o comemoraçãodo bi-centenario do nascimentode Goethe é preciosa. A inteli-

gencia sutil e a expressão ucs-pojada fazem do ensaísta mi-neiro um dos mais puros inte-lectuais do Brasil atual. Seumétodo de trabalho e sua se-riedade na documentação apon-tam-no como um dos nossosmelhores críticos. Aí está, aprová-lo, o estudo sobre a Ele-gia de Marienbad, já tão co-mentada e que ele soube apre-ciar de modo original.

Há, diz Cristiano Martins,duas maneiras de encarar osentir um poema. Em si mes-mo, avaliando-o então pelabe-leza da forma e pelo que refletele nossa própria sensibilidade,e em sua relação com o poeta,"buscando descer aos fatos oepisódios que lhe hajam cons-tituido o verdadeiro funda-mento", o que seria como selhe outorgássemos "uma segun-da e uma terceira dimensões",que nos permitissem "conhe-cê-lo e senti-lo em sua unidadefeita quase sempre de fundascomplexidades". Esta foi a ma-neira adotada pelo ensaísta oessa se me afigura a única dig-na de um verdadeiro crítico.No entanto, para o leitor sen-sivcl, poeta em potência êle

c

próprio, não creio seja ela ira-prescindivel. Nem á gloria dopoeta será favorável, pois oque importa na poesia é a suacomunicação mágica, indepen-dente de explicações e justifi-cativas. E mais vale a poesiapelo que revela de transceden-te no leitor do que pelo que nosdá do poeta. Pouco importa amim, tenha ou não o poemade Goethe um ponto de parti*da na realidade de sua vida ín-tima.„0 que me importa é açor-dar ele em mim uma realída-de própria, é que valorize amie-Ias emoções inexprimidas íqueansiavam por brotar de minhaalma, que aspiravam a assururcm meu melancólico cotidianoum lugar proeminente, capazde elevar-me a um nive) nãosonhado sequer, de cercar uanimal humano numa almos-fera divina cm que a existênciaadquire afinal um sentido.

Mas sou suspeito para fazertais reparos, porquanto sempreme guiei em meus comentáriospor essa necessidade de gozopessoal, elogiando as obras namedida em que atendem ameus anseios. Em verdade »»-da tenho de um crítico...

riX

Page 2: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

Página — 2 LETRAS E ARTES

EM uma nota divulgada na

imprensa, certa coisa quese assina a "diretoria",

Informa aos sócios da ABDEque o III Congresso Brasileirode Escritores se efetuará entre17 e 21 de abril na cidade doSalvador, Bahia. Devia reall-zar-sc antes, esclarece a "dlre-toria", mas a "congênere baia-na" pleiteou a prorrogação do"pleno ampliado". Desse modo,embora sem uma diretoria 1c-galmentc eleita e empossada,embora com os quadros vaziosde autênticos escritores, volta aABDE, seção do Rio, a agitar-see o faz. com tanto desembaraçoque já constituiu mesmo uma"comissão organizadora do cer-tame". Foi um pouco maisadiante, a "diretoria":

— Já indicou aos futuros co»>gressistas o temário!

Sim, meus senhores, o tema-rio. E, nesse temário, que acon-selha o "intercâmbio da cultu-ra", fere sobretudo os ouvidos arecomendação da tese que situao escritor cm face da paz. As-sim, como vemos, e sempre en-trosada com a "congênere baia-na", a ABDE carioca se prepa-ra para mais uma conferênciade Wroclav, New York e Paris.Mas, o que logo surpreendeu osconfrades não foi o Congressoem si mesmo. Ao contrário, foio fato de convocar-se uma as-sembléia preparatória por inter-médio de uma "diretoria" e deorna "comissão" tão abstratascomo aquela "administração"de um dos romances de Kafka.o reacionário. Na verdade, comose tudo estivesse a obedeceruma tática revolucionária, nãoaparecem nomes. Para uma as-sociação sem cr.mando efetivo,sem direção constituída legal-mente, difícil seria efetivamen-te a alguém assumir qualquerresponsabilidade pessoal- Deresto, bastante comprometidospoliticamente os nomes dos ra-ros escritores q«e permanece-

Domingo, 12-3-1950¦

& >• B í» *• •r*STV

ram, simples foi a tangente desaída que encontraram:

— Omitiu-se a responsabili-dade pessoal e, á sombra deuma "diretoria" sem expres-são concreta, moveu-se a en-grenagem do carro.

Quem, na "diretoria", é opresidente, ninguém sabe.Quem o secretário, também nãose sabe. Quais os escritores queIntegram a "comissão organi-zadora do certame", e muitomenos se sabe. O que se sabe,porém, sem a menor dúvidapossível, é que a seção carioca

tiea que, em linguagem maisjusta, assim se define:

— A grossa chantagem, poisnão!

Mas, quebrado êste primeiro"equívoco", possível já se tor-na avançar uma polegada cconcluir que a seção carioca daABDE não se entenderia tãobem com a "congênere baiana"caso a "congênere baiana" nãoreproduzisse, cm ponto menor,a mesma aventura da seçãocarioca da ABDE. E isso por-que, meus senhores, quando dadeserção dos escritores livres e

acontecera antes com a seçãecarioca, passou a ser tambémum rótulo a serviço dos comu-nistas. "Define-se, pois, como sevê, a "congênere baiana":

-r Célula comunista, e nadamais!

Em mãos comunistas, dirl-,gida por comunistas, a "congê-nerc baiana" tornava-se a úni-ca "congênere" capaz de rca-li/ar um Congresso previamen-te programado e sem que umou outro reacionário pudesse en-tornar o caldo da cultura e so-bretudo os discursos da paz...

CIRCO EM SALVADORDjalma Viana

da ABDE, desde o dia em queo ensaísta Afonso Arlnos deMelo Franco mudou de tabacom o seu povo, passou a fun-cionar como um pequeno rótu-Io a serviço da causa comunis-ta. E tão somente isso, meussenhores. Comunistas os quetentaram agredir o poeta Car-los Drummond de Andrade,comunistas os que negaram odireito de posse ao ensaistaAfonso Arinos de Melo Fran-co, comunista os que se esco-raram na ABDE e dela agorase aproveitam como um esplên-dido veículo para mais um"congresso de cultura e paz".Se a "diretoria", pois, viesseao sol através da carne dosseus integrantes, outros nomesnão surgiriam senão de conhe-cidos comunistas. Despida dafantasia, já tão longe do car-naval, a "comissão organiza-dora" também não revelariaoutros nomes senão nomes decomunistas. Daí, portanto, a tá-

democratas, da seção cariocada ABDE, solidarizaram-se,desertando também, os livrese democratas escritores baia-nos. Todos estamos lembradosda atitude corajosa e públicade escritores como Odorico Ta-vares, Carvalho Filho, Godo-fredo Filho e José Valadares.Os baianos, como o povo quevotara no ensaista Afonso Ari-nos, retiraram-se da ABDE. Ea seção baiana da ABDE, como

M ^^Ê ^K^± nf^^u mm

Em São Paulo, por exemplo,onde os comunistas perderama eleição e onde os escritoresdemocratas não chegaram aocisma, o perigo seria enorme,enorme e inevitável. Dar-se-iao mesmo em Belo Horizonte.Em Belo Horizonte ou em Pôr-to Alegre. Mas, se a "congênc-re baiana" ali estava atuandoem fôlego de relógio suíço, sena "congênere baiana" nãohavia um só escritor democra-(a capaz de estabelecer o ban-zé, a cidade do Salvador se im-pôs como uma decorrência ló-gica e normal. E aí está por-que a "diretoria" da ABDEcarioca, articulada com a"congênere baiana", anuncia apróxima festanca:

— O HI Congresso Brasilei-ro de Escritores.

Amigo da verdade a qual-quer preço, mesmo que o pre-ço de tão barato chegue a seralguns palpites do Egídio Si-queff, não seria eu quem fosseengulir a pílula. Não a enguli-rei, por certo. E porque não a

asgulo é que, sempre dentroú»j um raciocínio claro e objc-tiro, poáso distinguir no tema-

frr ns duas teses infalíveis emtfjalqucr manifestação intclcc-tw** «omunista: a embromaçãode. cultura" e o esforço cmfavor da "paz". O temário, cmconseqüência, — mais uma pa-lavra de ordem que própria-mente temário — já denunciaamplamente o que vai acon-tecer na cidade do Salvador:

Não a realização do II íCongresso Brasileiro de Escrl-tores, mas a realização tão sò-mente do I Congresso Brasl-leiro de Escritores Comunistas!

Tão certo como tão certo queo canário belga canta. Tudo,como se vê, muito bem elabo-rado, muito bem estruturado,muito bem apresentado. Rea-lizado, se chegar a ser-realiza-do. essa nova manifestação deWroclav — que não dispensarátalvez a pomba de Picasso —primará pelos desaforos, e de-safôros cabeludos, sobretudoaos escritores que mandaram ocomunismo para o inferno. Nosereno, porém, vendo em suavolta escritores tão inéditos etão desconhecidos, o baianotalvez pergunte como se expli-cará a realização de um Con-gresso de escritores sem escri-torés ou, pelo menos, sem osescritores... Ê possível que a"diretoria", em nota sem res-ponsabilidade pessoal, respon-da. Ê possível também que a"congênere baiana" explique:

Os escritores perderam oavião...

Como quer que seja, porém,o que os organizadores do Con-gresso precisam ficar sabendoé que ninguém mais se iludecom o caráter político e comu-nista do seu trabalho. O circoque estão erguendo, mesmocom novos palhaços, de tãogasto, já não atrairá especta-dores. E, se duvidam, ouçam:

Que esperem!

ESTUDOS SOBRE "FONTE INVISÍVEL"Q UASE todo .o critico trunca o livro sobre o qual

escreve, restringe-o àquilo que prendeu sua aten-ção, àquilo, que quis ver, é muito raro que nesse

çàmpò nos adaptemos à realidade do conjunto, como aspupilas se afinam com a paisagem longínqua, abando-toando os detalhes, os pequenos volumes, e assim apre-endendo toda a concavidade da distância. Antes, agi-mos como os pintores do "quatroecento", que desço-xihecendo em seu ofício a unidade das massas, faziamuma série de pequenos quadros, de formas independen-

i-jfces entre si, sem o grande amálgama do cosmos.i Com um livro de poesia, mais difícil ainda é cap-

j ;fcarmos as linhas genéricas, c que realmente faz o pa-MQorama, pois nele a autonomia de cada um dos poe-í jnas leva-nos a subir muito longe para encontrarmos alluz que tudo congrnga, e é no próprio poeta, que geral-Vjmente vamos descobrir esse traço de união, na sua ati-[flude mais íntima e indevassavel, o cimento que ajuntatodas as pedras do mosaico.

Reconhecendo estas dificuldades é que inicio ojpresçnte testemunho sobre FONTE INVISÍVEL, humil-de como um pintor que apenas quisesse fazer estudos

'da paisagem, uma sebe aqui, um arroio além, o dese-uho,dás.montanhas,,sem pretensão alguma de quadrocompleto. Nessa escala, iniciemos o roteiro.

TERRA DE NINGUÉM

Uma das características que desde princípio noteimo último livro de Augusto Frederico Schmidt foi a sua•aventura por feudos até então inexplorados pela poesia.[Faces da existência, que não supunha cristalizadas pelaitforma poética, surgiram-me, ao lê-lo, frescas ainda comp Sereno da noite d/.., qual o poeta as tirou.

Assim vejo ò esplêndido e desalentado poema que seabre com esses ^versos.Não deixes de beber.Quero que bebas muito.Quero-te bêbada e confusa,As trancas desfeitas...

JOSÉ PAULO M. DA FONSECA•

O mesmo mistério da embriaguez surge no inquie-tante BÊBADO NA ESTRADA, aquele homem comoum pedaço de voz dependurada numa cerca, e que cia-mando procura se libertar do terror...

Insólita é igualmente a estrofe final de AS ARVO-RES TRÊMULAS —No pensamento, a imagem das que morreram jovensE dos débeis que morreram avançados no tempo,Dos delicados seres, que era precisoDefender de tudo, das correntes de ar,Do sereno da tarde e agora estãoSozinhos, abandonados,Dormindo no chão, nos cemitérios descampados*Expostos às chuvas e às tormentas.,insólita não pelo assunto, mas pelo ângulo pelo qual foivisto, pelas relações inéditas qüe o poeta deslinda.

Um derradeiro exemplo desejo ainda registrar,DESTINO DA TENEBROSA, que nos leva a estranhosmundos, que fecunda pensamentos dificilmenfcT sustei-tados e que, esquivos, escapam à nossa exigência de ni-tidez e segurança, essa flor cega e tenebrosa, sôfrega-mente a indagar o seu destino,

A AGONIA¦ Outra aresta à qual me reporto é a agonia do no-mem que o poeta expressa. Dela já falei numa análise

sobre o GALO BRANCO, e de novo a ela torno, tal ainsistência com que se repete na obra desse grandelírico.

Entendo aqui agonia no seu sentido vertical, deluta, de discórdia íntima, pela diversidade dos apelos.Leiamos o primeiro soneto da longa série que integraFONTE INVISÍVEL.Escravo em Babilônia espero a morte,Não me importam os céus tristes e escurosNem claridades nem azuis felizes,Só espero a morte, escravo em Babilônia.

Escravo em Babilônia, não me importamCantos, que de Sião os ventos trazemCom as inaudíveis vozes da lembrança,Se espero a morte, em Babilônia,, escravo.

Não me importam amores e esperançasSe escravo sou e a morte aspiroEm Babilônia, onde me esqueço

Do que fui, das auroras e dos sonhosE da enganosa e pérfida doçuraQue neste exílio me precipitou,

O poeta sabe-se escravo, mas isso é uma perturba-dora constatação, se escravo se julga admite a liberda-de, valoriza, alude a Sião, e no entanto aspira a morte,longe das claridades e dos azuis felizes. Que paz pro-curará nesse paradoxo? Que solução encontra neste ce-lebrar da renuncia pura e simples?

Em outro soneto discorda do precedente.

Morrer o olhar voltado para a alturaPara a face de Deus ardente e pura.

A chave do conflito talvez esteja nos versos queantecedem o citado dístico —

Morrer sabendo próximo e implacávelA hora de deixar o doce efêmero,

Não cabe dúvida que esta agonia seja razão de en-fraquecimento, de dispersão para o homem Schmidt,porém o que nos importa agora é o resultante poético damesma, nessa perspectiva, reciprocamente, é indubitávelque tal cisão constitui generosa fonte de poesia. Quasetodos nós oscilamos entre o eterno e o transitório, nossacondição mergulhada nas coisas efêmeras, vivendo otempo, leva-nos a sorver, avidamente o que à mão pos-suimos. O grande drama do homem é mesmo nãc haversolidariedade entre o eu presente e o eu futuro. O cerne

.(Conclui na 14* página)

-Sr-

-*^;i^*,:-'':1'.-"-ííJ';l -¦•¦'¦ N^-

Page 3: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

domingo, 12-3-1950 IETRAS E ARTES Página — 9

ín

as e nas àrtèsAtividades do jovem escritor catarinense Ody

craga o Silva, no Rio

o jovem escritor ODY FRAGA Hsilva, oía no Itio de Janeiro, 6 umts elementos mais representa.ivos dorupo dos "novos" do Santa Catarina.iá pouco, acompanhando os seus com-anheiros da revista "Sul", veio parasta capital e, diante do ambiente la-oravel que aqui encontrou, decidiu-e permanecer eiitre nós, desfalcando,iSim, infelizmente, o Circulo de Artelodcrna de Florianópolis, de uma das'ias expressões mais significativas.

Ainda jovem, com 22 anos de idade,<IJY FRAGA E SILVA, cuja preocupa-'.o intelectual é mais voltada para oimpo do teatro, já foi convidado pelaUádlo Mayrlnk Veiga para escrever

uma série üc nuvelas ligadas a assuntos bíblicos a seremInterpretadas por Sady Cabral Dentro de alguns dias,aquela emissora irradiara a primeira peça, dessa série, in-titulada: "Moisés" O jovem escritor, como jâ tivemosoportunidade de noticiar, fundou recentemente em Floria- »nópolls, o Teatro da Criança, encenando ali o "Pinocchio"de Colodl, que adaptou ao teatro. Agora, foi o sr. Odyconvidado para interpretar "História de Carlitos" de Hen-rique Porgettl. em que desempenhara o papel de Carlitos.O "Teatro Exnerimental do Negro" solicitou-lhe ainda queescrevesse a lenda do "Negrinho do Pastoreio" para serlevada por esse grupo.

E*-nos grato registrar os primeiros êxitos que vem ai-cançando o jovem intelectual catarinense, em quem "Le-trás e Artes" depositou, desde o inicio, suas melhores es-peranças. Um expressivo convite que lhe foi formuladopela Embaixada do México, para fazer um Curso de Cien-cia e Teatro, durante um ano, na Capital mexicana, evi-dencia-nos o interesse que o seu talento está desper-tando*.

Assinalamos esse fato sobretudo para chamar a aten-ção dos governos estaduais, a fim de que, ao lado dos na-turais estímulos que estejam prestando às novas gerações,no setor da inteligência, procurem reter os seus Jovens va-lõres no âmbito da província, proporcionando-lhes perió-dicas viagens culturais, prevenindo assim o êxodo defini-tivo para a metrópole, de expressões tão promissoras, comoocorre no caso de Ody Fraga e Silva.

No Rio o autor de "Sociologia das Secas"Encontra-se nesta capital, onde se demorara algumas

semanas, o escritor paraibano Lopes de Andrade.Nome ligado ao movimento intelectual do Nordeste,

por sua marcante atuação em favor da renovação do am-biente literário da província, Lopes- de Andrade é autor da"Introdução à Sociologia das Secas", livro que foi recebi-do com gerais aplausos pela critica brasileira e do es-

No momento, Lopes de Andrade tem em preparo novoestudo sobre aspectos de sociologia regional e outro sobreo movimento de correntes imigratórias no pais.

ProvínciaAlves Mota Sobrinho é um dos fie-

$ sionistas de mais comprovado mérito daíova geração paulista. Há cerca de um'.no, estreou-se com "Bola Preta", con-js, em que procurou, quase sempre,ocalizar o drama anônimo das vidasmmildes. Hoje, apresenta-se com "Pro-incia", livro do mesmo gênero, noíual. entretanto, já acentua progresso,iuer na fixação dos tipos, quer na es-ontaneldade e na limpidez da narratl-•a. Roger Bastlde e Yan de Almeida'rado já disseram das possibilidadesesse jovem escritor, cujo último livro

j prefaciado por Brito Broca.

Por quem os sinos dobramPublicamos na última pagina deste número de LE-tiKAS E ARTES, em tradução de Manuel Bandeira, tre-cho de uma obra de devoção ("Devotlons upon EmergentOccaslong") do grande poeta inglês, John Uonne (1573-1631), nmoso cm sua época, depois desprezado e até es-

quccldo durante quase 3 séculos e enfim redescoberto cmnosso tempo, em que T. S. Eliot e outros críticos doimais autorizados lhe atribuíram definitivamente o lugaren-re os maiores poetas da língua. Uonne é porém difícil,acessível apenas, aos leitores da elite sofisticada. Círculosmais amnlos aliás, o conhecem em virtude de Hemingwayter escolhido como epígrafe do seu romance "Por quem ossinos dobram", uma frase de Uonne, tirada exatamente dotrecho que hoje publicamos. Como prosador, especialmon-te como sermonista, Uonne também é dos maiores da lin-gua Inglesa. E' sua uma prosa rltmicamcnte movimen.a-da — no sentido em que a Igreja medieval c ainda a poé-tlca castelhana chamam "prosa" a certos trechos hinicos— e sempre tão cheia de sentido profundo que lembra adefinição de Pound: "As palavras desbordam de sentido".Mas essa definição foi ideada para caracterizar o uso dupalavias na — poesia."Autores e Livros"

Um leitor de A MANHA possui Uma coleção completade "Autores e Livros", o famoso suplemento de MucloLeão, composta de cinco volumes encadernados e desejavendê-la. Os Interessados devem dlrlglr-se a Mário Jorge,na Rádio Ministério da Educação, das 20 ás 22 horas.

Novo romance de Jorge de LimaA Editora A Noite vai lançar, antes de Junho, um

novo romance de Jorge Lima, intitulado "Guerra dentrodo Beco". E' uma obra de maturidade, em que o seu au-tor, uma das mais importantes figuras da moderna litera-tura brasileira, oferece ao leitor uma narrativa dramática,em que a beleza dos símbolos incarna a própria crise cs-piritual dos nossos tempos. Trata-se sem dúvida de umdos momentos mais altos do romance nacional.

>^âÊtf^§wUltimas edições

"Os parlas da Cidade Maravilhosa" é o titulo de umromance de Dilermando Duarte Cox, sobre a vida das ia-

velas do Rio (Ed. José Olímpio). Assunto, sem dúvida,pouco explorado e de grande Interesse tanto realistaquanto romanesco.

"Pequena História do Japão", de JOBé Jamashlro, êuma síntese curiosa da vida do povo ntpônlco, apresen-tando sob esso aspecto indiscutível valor cultural. O 11-

vro traz um glossário de termos japoneses empregadosno texto.

*A coleção Rosa, de Saraiva S. A., de São l*aulo, da-

nos o romance americano "Sempre há uma esperança", deJeanne Bówman, obra especialmente destinada às "jeu-nes filies" e distinguindo-se pelo seu idealismo senti-mental.

Lourival Ribeiro apresenta um.curioso trabalho, "Adoença de Castro Alves", mostrando a influência da tu-bereulose sôfcre a obra do poeta. Ensaio publicado ante-riurmente pela Imprensa Médica e editado agora cm vo-lume.

•Em "Roteiro do Inferno", de Maria Eichemberger, obra

recentemenjíj distribuída pela Ipê, a autora põe a nu odoloroso drama da mulher que vê o seu lar? desmoronar ecom êle todoj os sonhos de felicidade, impressionante es-tudo de psicologia feminina.

Uma entrevista com |ean CocteauPublicaremos no próximo domiugo uma entro-

vista do nosso corresponuonto em Paris, i.«>u,.Wi/.nit/.er, com o famoso escritor e teatrôlogo iran-cês Jcan Cocteau.

Sií^SfSSív^ I '¦:¦.

m^Wí'¦¦¦¦ $»?& W&

Mensagem de Roma

Alceu Amoroso Lima, consuuH»tanciou no volume com titulo aci-ma editado pela Agir, as idéiasiiie a Igreja defende nesta honi detanta confusão e ameaça para aHumanidade São ns linhas nu-s-iras da sociologia crista, a astuta-çáo de um mundo feliz, unificadoem tôrrio de Cristo. Ninguém me-hor do que Tristão de Ataulo cs-ava qualificado para nos dar cs-

se livro, expressão da mensagemde Roma, no momento cm que s«comemora o Ano Santo.

. "Clube do Conto", no Rio de JaneiroSob a direção do escritor Coustontlno Paleólogo, fün«

dou-se no Rio um "Clube do Conto", cuja finalidade 4distribuir semanalmente paru os seus sócios um contoinédito de escritor famoso, traduzido especialmente parao "Clube". Dando início á sua série de íasciculos, o "Ciu-be do Conto" lançou "Quem Sabe?", do Maupa^satt*;numa tradução de Luiz Alberto de Queiroz e ilustradopor Luiz Canabrava e Barbosa Leite. Essa primeira pu-bheação. que tem excelente aspecto gráfico agradará porcerto aos associados dessa organização cultural, cuja es-tréla já se apresenta com grandes perspectivas de êxito.

RevistasACAIACA: Mais um número da revista "Acalaca", da

Belo Horizonte, nos chega às mãos. Com a orientação quete traçou desde o inicio, essa publicação mineira vemnantendo interessante padrão, apresentam boas colabo-rações, além de reproduções de quadros e esculturas dograndes artistas.

PILOTIS: Trata-se de uma revista fundada por estu-dantes de arquitetura, e que se edita em S. Paulo (RuaCaio Prado, -365). E' uma publicação de que se ressentiao nosso meio, superiormonte orientada, com apresentaçãográfica original, contendo trabalhos magníficos sobre ar-quitetura, ilustrados com projetos e fotografias de intoressantes Ilustrações modernas nacionais e estrangeiras.

Cinqüentenário dos "Cahiers", de PeguyComemorou-se no dia 5 de janeiro íiltlmo o cinquen-

tenárlo dos "Cahlers de Ia Quinzalne", de Peguy. Duzen*tos e trinta e oito números deviam aparecer durante quin>ze anos. Não consentindo em escrever, senão depois quedava conta dos trabalhos da gerência e da impressão dos"Cahlers", Peguy dizia:

— Eu gostaria mal», certamente, de fazer novelas, con-tos, romances, poemas, mas tenho de fazer aauilo au«devo e não aquilo de que gosto.Contos rle Gustavo Barroso

"Cinza do Tempo" é o título donovo livro de contos que Gustavo Bar-roso vai publicar este ano, por inter-médio da Editora A Noite. Com a su»extensa bagagem literária, onde sodestacam gêneros os mais diversos pos-siveis, é Gustavo Barroso uma das fi-guras mais respeitadas de nosso pano*rama intelectual.

jSSok'''''}ú^í6' ¦¦¦'•'•''¦ '•'''4w-sk

WêÈêêÊèê

Cultura e Alimentação

Magnífica, quer pela superiorqualidade da colaboração, querpela artística apresentação gráfl-ca é essa revista, ora editada peloSAPS, evidenciando os propósitosdo major Humberto Peregrino deestender, por melo de iniciativasculturais, as atividades da repar-tlção que dirige. A revista reúnegrande número de ensaios e estu-dos, vlslonando os problemas ali-mentares em face da cultura eentre as assinaturas podemos as-elnalar, ao acaso, as de RogerBastlde, Eugênio Gomes, Genoll-no Amado, Dlná Silveira de Quel-roz Peregrino- Júnior, HermanLima, Ernanl Sátiro, Brito Brocae Homero Sena.

•MManav***»^-^¦M*-^»WM^BHMVMvaMM^MM

A ilusão das dedicatóriasPaul Valery viu, certa vjez, na

'itrina de um "sebo" nm exem-flax do seu "Monsieur Teste",junto ao qual havia esta menção:JCom dedicatória do autor". Va-lery falheou o livro e verificouque a dedicatória era apócrifa.Advertiu o livreiro e ante as des-culpas destes, aconseUiou-o "— Nofuturo desconfie... Lembro-me decerto colega que comprou umatarta de Branca de Castela, emque ela escrevia ao seu filho nes-tes termos; "Me* querido Sã»

LLUlS.,-.»y

ANATOLE FRANCE E UMERRO DE FÍSICA

Variou engenheiros conver-savam, certa vez, ao lado de "Mundo Anedotico".Anatole France, sobre a me-lhor maneira de se aproveitara força hidráulica.

No meio da conversa, FranceIntervém:

Senhores, ouvi suas ex

Que é um mal, o mor perigo "Porque eu publico pouco,Emprestar livro; é pois certo acreditam que escrevo lenta-Vai-se o livro, além do amigo" mente. A verdade é que per-

Citado por Meira Pena, no maneço períodos muito longosde minha vida sem escrever.

»a.xr.a - .^^ r*r Desde que meu cérebro se dis-ORATÓRIA E JOGO DE ^e> a pena ou 0 iapiS caml-

CENA nha rapidamente. Escrevi oContou Raul Fernandes, no último ato de "Saul", todo ele,

seu discurso na Academia Flu- num só dia (em Arco). Acon-minense que Nilo Peçanha, tece-me escrever no vagão, no

planaçOes sobre a força hl- como orador, impressionava metro, nos bancos dos cais oudráulica com o mais vivo in- mais pela gesticulação do que dOS boulevards, à beira das es-teressè; mas quero crer que pela palavra. Numa excursão tradas, e são minhas melhoresainda ignoram a mais podero- pelo interior, acabava de dis- páginas, as mais realmentesa força hidráulica do mundo, cursar em Rio Bonito, quan- inspiradas. Uma frase sucede à

«_ Qual?" — perguntam do um fazendeiro, que assis- outra, nasce da outra, e expe-os engenheiros surpreendidos, tira dois grandes oradores rimento ao senti-la nascer e

"— As lágrimas de uma mu- Sizenando Nabuco e Ciro de desabrochar em mim um arre-lher". Azevedo, aproximou-se do po- batamento quase fisico. Creio

Mas o "mot d'esprit" não é lítico fluminense, dizendo com que esse jorro artesiano é operfeitamente adequado, por- entusiasmo e uma franqueza resultado d? uma longa prepa-que as lágrimas são constitui- deliciosa: ração inco -«ciente. Acontece-das por uma secreção e não — sim senhor, doutor, ora- me, em seguida, emprestar apor água. " dores já conheci dois na ml- esses primeiros jatos alguns

, nha vida, Sizenando Nabuco retoques, mas muito poucos.EMPRESTAR LIVROS Ciro de Azevedo. Mas jogo de

Duas curiosas quadrinhas do cena como o seu nunca vi!poeta Melo Carvalho sobre o „_... -„.-..... Av,~„*¦ -¦ COMO TRABALHA ANDRÉ

G1DENuma página do seu "Jour

rm~ riNão sou um escritor.— disse Georges BernanoskN

mal de emprestar livros:"Vejam só a triste sorteDe qualquer livro emprestadoQuando ar&so ao dono tornaSujo volta ou estragado!Há mister &x bem assente

Somente o trabalho de Jun-tura ó por vezes' penoso.

fi verdade que meus borrCessão sempre muito carregadosde rasuras, mas isso vem da

nal", datada de 14 de feverei- abundância de pensamentos ero de 1924, André Gide escreve da dificuldade de ordená-los,o seguinte: de dispô-los.

AO sou um escritor —escreveu Bernanos, em"Les Grands Cimitières

sous Ia lune" — A simples vis-ta de uma folha de papel embranco me irrita a alma. A es-pécie de recolhime7ito fisico queimpõe tal espécie de labor maé tão odioso, que eu o evito tan-to quanto posso... Não, não souum escritor. Se o-fosse não le-ria esperado os quarenta anospara publicar meu primeiro li-vro... Não repilo, aliás, essaclassificação por uma espécie dasnobismo às avessas. Dignificouma profissão à qual minhamulher e meus filhos devem,depois de Deus, não terem mor-rido de fome. Suporto, mesmo,humildemente, o ridículo de nãohaver salpicado de tinta essaface da injustiça, cujo inces-sante ultraje é o sal da vida,Toda vocação é um apelo —"vocatus" — e todo apelo deveser transmitido. Aqueles que euchamo não são, evidentemente,numerosos. Não alterarão emnada os negócios deste mundo.Mas foi para êle, para êtes quseu nasci".

fWBH»V$M***mi*!&tO.

Correspondência e publica-ções literárias devem ser endé*reçadas para Jorge Lacenla,rua RepúbVca do Peru. 101,apartamento 903..

'¦V %;

Page 4: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

fWiPágina — 4 LETRTAS E 'ARTES Domingo, 12 J-IVbü

ESTA'

fora de duvida que omelhor dia da semana éo sábado. Aqui e em

qualquer parte do mundo. Sá-nado é véspera de domingo. Diade descanso, festas, passeios,missas, praias.

A tradição é antiquisslma. OTalmud (1) a consagra, quan-do nos diz: "Sábado — E* ex-cepcional o seu valor". Ou nes-ta passagem:

"Eu, (Israel), sounegro nos dias da semana, masformoso no dia de sábado."

O povo tem fórmulas consa-gradoras dessa alegria de vés-pera de domingo. Em Natal,colhi esta parlenda infantil:

Amanhã é dominge,Pé de galinha,Areia é fina,Que dá no sinoO sino é de ouro,Que dá no besouro,O besouro é valente,Que dá no tenente,9 tenente é valenteQue dá na gente,A gente é valente

^Quc senta o... no batente.

i Numa variante, também pormim recolhida em Natal, em lu-gar do tenente aparece outra

tpersonagem, um vigário :

O sino é de barro,•Que dá no vigário,tO vigário é valentelQue dá na gente...JBti

t,.«•»«

Noutra versão, fala-se nummisterioso "galo ponteiro":

F O L C LOREAMANHA E' DOMINGO...

VERÍSSIMO DE MELL(P

Em Portugal, Adolfo Coelhografou "galo francês'í; Vieirade Andrade, "galo montez"; J.R. dos Santos Júnior, "galo

pedrez": Teofilo Braga, "Gatomontez", como se observa nes-te fragmento, citado pelo autordo "O Folklore";

"O gato montezPica na redeA rede é miúdaToca na tumba...

Adão foi feito de barro

AO ESTUDIOSO do nosso

folk-lorc interessará o re-glsto fiel das manifesta-

ções tradicionais. Sejam quaisforem. Não importa sejam boasou mas suas finalidades. Interes-sara a realidade, anônima e pai-pitante na memória popular,atravessando os anos ç os sécu-los.

Colecionando parlendas em Na-tal, encontro uma que se refereexclusivamente i maneira dos me-nlnos pedirem cigarro, uns aosoutros. Di/. o filante ao compa-nheiro: '

Adão foi feito de barro,Colega, me dã um cigarro.

E a resposta negativa é semprepronta e elegante:

De barro foi feito Adão»Colega, não tenho não.

João Ribeiro anotou uma versãosergipana:"Adão foi feito de barro,O amigo dá-me um cigarro?

Galo ponteiro,taue dá na areia,Areia de barro,Que dá no vigário,Etc

Mais tarde, consultando li-vios, encontrei a mesma par-lenda registada por João Ribei-ro (2), Pereira da Costa (3),Rodrigues de Carvalho (4),Gustavo Barroso (5), Jaime Lo-pes Dias (6), J. R. dos SantosJúnior (7), Mariza Lira e Leo-nor Posada (8), Ildefonso Pe-reda Valdes (9), Domingos Vi-clra Filho (10), Carlos M. San-tos (11) e Luiz da Silva Ribei-ro (11-A), Fausto Teixeira (11-E), além de outros f olcloristas.

I João Ribeiro, entre todos, foio que mais se deteve no estudoe interpretação da versalhadaInfantil. Para êle, o tema fun-damental da parlenda é a "ale-

gria infantil que decoiTe da

perspectiva de um dia santo ouferiado." Registou esta versão:

"Amanhã é domingoPé de cachimbo;A areia é fina '•¦i-Deu no sino1,O sino é de ouroDeu na torre:A torre é de prataDeu na mata;A mata é valente" Deu no tenente;O tenente é mpfinoDeu no menino:O menino é toloDeu um tapa-ôlho.

Esta variante, colhida numaárea distante da nossa, em1919, quase nada difere da queacabo de apontar. A versão deSilvio Romero, citada por JoãoRibeiro, deve ser a mais antigade quantas foram recoltadas no

país:«Galo monteiro

i Pisou na areia'A areia é finaQue dá no sino...O sino é de ouro

[Dá no besouro... ;..'© besouro é de prata -Que dá na mata;A mata é valente... etc.

Um detalhe curioso na par-lenda é a presença desse galoz-~„i.„;voi> ou «galo monteiro-'.

Respondem r"Adão foi feito de barro,E foi nosso pai primeiro;Quem quizer fumar cigarreVá comprar com o seu dinheiro".

Affonso A. de Freitas consignauma variante paulista, acrescidade dois versos:"Há três dias que não comoHá quatro que não escarro;Adão foi feito de barro,Amigo dá-me um cigarro."

E a resposta é a mesma:"De barro foi feito Adão,Amiio, não tenho não."

Pereira da Costa também ano-tou idêntico pedido de cigarro.Vejam a resposta:

Me perdoe o nobre amigoSe o cigarro não lhe dou,O petrecho que eu traziaCaiu nágua e se molhou.

Meu pai, batendo papo umanoite, relembrou uns versos curió-sos que aprendera no sertão,quando menino:"Adão foi feito de barro,EvS» porém, foi de osstCamarão mora no poço,No mar mora o chicharro,Se gosta o médico do carro,Se agarra a ostra ao rochedo.Do gado o rato tem medo,Foge o cordeiro do lobo.O ébrio serve de bobo,Vadio só quer brinquedo.

Com efeito, não há relação dequalquer espécie entre a copiacitada e a perlenda para pedir ei-garro, a não ser a repetição doprimeiro verso.

Há fórmulas clássicas, usadasentre os meninos, para filar ei-garros. Em Natal e no Rio de Ja-neiro ouvi muitas vezes esta, queo homem do povo também a uti-liza:

— Tem um irmão dêsse aí?

Affonso A. de Freitas registouesta rima infantil em São Paulo,que nos parece uma recusa for-mal, diante da Insistência de ai-gum filante inveterado:"Cigarro é fita,Quem não temNão pita."

Os filantes de cigarro gostam dedizer entre si, quando são inter-rogados sobre a marca que prefe-remi

— Se-me-dão.No nordeste há um termo de gi-

ria para designar pontas de ei-gacros: Bagana. Báganeiro é omenino ou o homem que so fumabagana, pontas de cigarros en-contrarias nas ruas.

ADIVINHAS POPULARES

ipontein

""t

AS adivinhas populares são

divertimentos muito agosto de nosso povo Há asmais simples e as mais compli-cadas; as que se revestem decaráter essencialmente humo-rístico e as que têm por finali-dade encabular.

Neste capítulo poderíamos in-cluir ainda as pulhas, que nadamais são do que verdadeirasarapucas fraseológicas, em quese conta uma pequena históriadeixando-a, em certo ponto,suspensa; isso provoca do ou-vinte uma determinada per-gunta para a qual, de antemão,já sé tem uma determinadaresposta, sempre humorística e,quase sempre imoral, razão porque não as relacionaremos aqui.

Vejamos uma pequena coleçãode adivinhas.

O QUE Ê, O QUE É?1 — Caixinha de bom parecernão há carpinteiro que possa ia-

[zer,Amendoim.% — Joga pra cima é pm*-cai no chão é ouro.Ovo.

— Cai em pée corre deitado.Chuva-

— Ê redondoe deixa rasto comprido.Roda de um veículo.

— Quatro na lama.dois na cama. .¦:,.dois que assoprarne um que abana.O boi — pés, chifres, ventas c

[rabo.— Quanto mais cresce

mais perto do chão fica.Rabo.

— Magrinha,velhinha,^sequinhafpassa é, passa ê,quem não souber

FAUSTO TEIXEIRA

burro é, burro é.Passa de uva.

— Tem coroa e não é rei;tem espada e não é soldado;tem olho e não é gente.Abacaxi.

— Tem cabeça e não é gente-tem dente c não é pente.Alho-10 — Alto sobrado,belas janelas,que abrem e fechamsem ninguém tocar nelas.Uma pessoa e seus olhos.11 — Capim não é capimvara não c vara»Capivara.12 — Pula. pro ardá um gritoe vira no avesso.Pipoca.13 — Por mais que se cortefica do mesmo tamanho.Baralho.14 — Carne por fora •e couro por dentro.Moela.15 — Paca, tatucotia não!Paca tatu.

OS JOGOS, RONDAS,CANÇÕES...

"Os jogos, rondas, canções,idivinhas, parlendas, em suasversões mais disparatadas einfiéis, traem e denunciamuma fonte comum e longín-quà. São mensagens è re-cotios de raça a raça, depovo a povo, de século a sé-culo, sem sair da perene on-da infantil que os leva aignorados destinos".

JOÃO RIBEIRO

%êt^

16 — Que passa na águasem se moinar.A sombra.17 _ Os filhos vão na frei...

(quietose„a mãe vai atrás chorando.Os bois e o carro.18 — A mãe é verdea filha encarnada»a mãe é mansaa filha é danada...A pimenteira e a pimenta.19 — De boca pra cima, vazio!De boca pra baixo, cheio.Chapéu.20 — São quatro esteiose uma telha sóTatu..

Eslas vinte perguntas, quasesempre são precedidas do cos-tumeiro: o que é, o que é?

As seguintes são feitas cxpli-citam ente:21 -— Porque é que cachorro en-

[tra na igreja?Porque acha a porta aberea.

22 — Qual o bicho que tira n[rabo pra comer?

Que eu saiba nenhum!23 — Porque cachorro rói osso?

Porque não encontra carne.24 -r- Porque o boi. berra?

Porque não sabe falar.25 — Qual o animal que come

[com o rabo?Todos os que têm rabo.

26 — O que é que mais cheira[neste mundo?

O nariz.27 — Qual é a ave que não voa?

Ave Maria.28 — O que é que tem a mão se-

[parada do corpo?Pilão.

29 — Qual o bicho que anda[com os pés na cabeça?

Piolho, com os pés na caDc-[ça... de outro animai.

30 — Porque é que. boi baba?Porque não aprendeu a cuspú*.

31 — O que c maior do que a

(Conclui na 14.a pág.j

Numa versão de Porto Rico, ogalo Já aparece com outro no-me:

Manana es domingoDe San-Garabito...De pico de galloDe gallo mortero."

A* primeira vista, o galo pa-recla-nos uma palavra à-tóa,sem significação na parlenda.Devemos a João Ribeiro a so-lução do problema. O galo nãoé outro senão aquele que osantigos padres colocavam notopo dos templos. Escreve omestre do nosso folk-lore: "Ve-mos assim associados o Do-mingo tão grato aos rapazes eas festas de igreja, a torre, ogalo, o sino..."

Luis da Câmara Cascudo(12), relembrando a figura doCMpitão-Mór Caetano da SilvaSanehès, grande amigo da Ci-dado do Natal, falecido cm 1800,cita os versinhos que o poetaLouiival Açucena botou no bicodo galo heráldico da nossaL/re.ia de Santo Antônio dosMilitares:"Caetano da Silva Sanches,Governador português. .Foi quem aqui colocou-meHá mais de um século talvez..."

Outro detalhe interessante óa expressão "pé de cachimbo".Na nossa versão é "pé de gali-nha". Em Portugal, registra-ram "páu de cachimbo". Car-los M. Santos e Luis da SilvaRibeiro anotaram nos Açores"pé do caminho". GustavoBarroso consigna "pede ca*chimbo". Que quer dizer "péde cachimbo" ou "pé de gali-nha"? Seria apenas uma rimapara domingo?

E' João Ribeiro ainda quemnos esclarece: "Pé de cachim-ho alude à fuga ao trabalho."Abalar os cachimbos" é fu-gir, dar à perna". O folcloris-ta Oscar de Pratt comunicou aJoão Ribeiro que "pé de ca-chimbo" se deve entender por"pede cachimbo", (pedir).

A parlenda, como dizíamos,não é mais do que uma exalta-ção infantil em face da apro-ximação, do domingo, um hinofestivo ao sábado, o grandedia...

Noutra versão, que João Ri-beiro colheu no norte, a menl-nada não esquece o sábado,acrescentando mesmo a sua de-signação na parlenda, seguida,embora, de uma rima gozada:

"Hoje é sábadoPé de quiabo,Depois é domingoPé de cachimbo...*

Se é tão importante, para 03nossos estudos, citar o maiornumero possível de variantesde uma única região, como en-sinava o prof. Kaarie Kiohn(13), então me permitam íina-lizar estas notas com a vavian-te tão feia, mas tão viva na bo-ca dos meninos e dos molequesda cidade :

Amanhã é dou^igò!O gato cag...Você engulinúot

(responde o oíeruli.clo)'

— E você de besta*aparando os pingos!

(1) Talmud, XXVI. 172,(2) J. Ribeiro, X. 180.(3) Pereira da Costa. VI. 503.(4) Rodrigues cie Carvalho,

XIII, 62.(5) Gustavo Barroso, XXVII.(6) J. L. Dias, IV. 134.(7) J. R.- dos Santos Júnior,

XXXII. 323.(8) M. L. e L. Posada, vil.

,78.(9) I. P. Valdes, XIX. 104.(io) d. v; Pilho, xxvin.(11) C M. Santos, XXIX. 69.Ul-A) L. S. Ribeiro. I. 9.Íll-B) F. Teixeira. XL.

54.(12) L. da C. Cascudo, XXX.

(13) K. Krohn, XXXI.

Page 5: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

w

Domingo, 12-3-1950 IETRiS E ARTES fjgina —• 5

Anote-

<f.» quente c abafada.O casal eslava sentado á por.ta da rua. nas velhas cadei-

ms de vlme que «» acompanhavamíeíde os tempos da Chácara, ju«-do haviam herdado algum objeto»d! Ivó leollna. Nenhum estreme-cimento agitava aa árvore» e, nocéu extraordinariamente baixo, nu-íeni carregadas »e acumulavam,anunciando próximas tempestades.Foi neste Instante que, lamentan-do-se por causa do calor, a mu-lher disse que ia Ia dentro buscarum copo d*»«ua. E como passassea mao pela testa, antes de sair, ?>marido estranhou a atitude e per-{•tintou se ela estava sentindo ai-eu mu coisa. •

mo, nada — respondeu ela.Aiienas um pouco de dôr de cabeça.

E' esie tempo — sugeriu omarido. O verio na ilha é insu-porlável.

Náo era tanto. scmpre~havia um»doce viraçâo que vinha do mar as-sim que a madrugada se aproximo.va E íol pensando nisso que, en-quanto a mulher se mantinha Iadentro, êle deu dois ou três Utt-pulsos mais lorles à cadeira de w-lanço, abrindo a boca num Docejo«ue resumia todo o seu tédio, ire-«isamente neste instante ouviu eleum rumor, como de um corpopesado que tomba. Depois, um ge-mldo. Ergueu-se então de um sanoe correu lá dentro: a mulher esta-va estirada junto a talha de barro,o topo partido no cháo, a águaescorrendo pelos ladrilhos encaroudos. AílUo, Cie pôs-se a sacudt-la.

—Rita, Rita, que foi?Conseguiu apenas ouvir mais aoig

ou três gemidos e a mulher extin-guiu-se ali mesmo, sem nenhumauxilio. Desorientado, sem compre-ender ainda o alcance do dramaque se abatera sobre sua casa, oalfaiate transporlou-a para a cama.abanou o cadáver, derramou-lheágua na testa, esfregou-lhe asmãos. desabotoou o vestido quejulgava sufoca-la. Nada mais adi-antava: a mulher estava morta.bem morta. Ainda percorreu o apo.sento em passadas largas, imagi-nando o que deveria fazer. E ali-nal, tonto, com o coração contran-gido e olhos secos, resolveu baterà porta de alguns vizinhos, soll-citando auxilio.

Foi só na sala, com o cadáver jãvestido e serenamente descansadoentre quatro velas, que ele podepensar nalguma coisa e a avaliar oque realmente lhe sucedera. Sim,Rita morrera, sobre isto não havianenhuma duvida. Ali estava ela.dura, intratável, guardando «m si-lêncio onde êle não podia penetrar.E uma duvida agitou-lhe o pensa-mento: que é a morte? Logo outro,mais estranho c mais sutil na suaausneia, opôs-se a essa questão ltti-ciai: que é a vida? E uma, duas, trêsvezes êle repetiu a mesma pergun-ta, fitando as velas que clareavamo testemunho de uma lição mutu.Algumas sombras se moviam emtorno do cadáver. E enquanto des-lisava a quente noite de verão, oalfaiate Zelmir, com os olhos pre-gados naquela que se converteranum cadáver estranho, sentiu umaluvião de perguntas surgirem emseu pensamento. Não somente oque era a vida, mas também o queer;i a SUA vida, que significado ti-n^a, como se aproveitara êle desseraro privilegio de existir — tudo w-to atropelava-se na sua consciên-cia confusa, afastando-o aindamais do acontecimento grave quese dera momentos antes, isolando-oda morte, como se êle não tivessedireito de fitar face a face aconte-cimento tão solene ,antes de pesarmeticulosamente toda a dura ver-dade de sua própria existência. Outalvez porque tivesse sido abaladapelo acontecimento que sacudira* todas as raizes do seu cotidianaseus dias passados começaram adesfilar no seu pensamento comojim panorama singular e nítido.Viu-se exatamente como era — eera preciso confessar, imenso »*sua mesquinhez e na sua insignit»-cancia. Zelmiro de Novais viu-sedesde os primeiros tempos, quandoainda lutava para estudar, debru-cado sobre os livros, .aflito e estre-ínunhado sobre problemas que naocompreendia ou que, se compre-endia, não conseguia reter na me-morta. Rememorou longamente

. seus ásperos combates e finaimen-te sua derrota, quando, atirandotudo para o fundo de uma gaveta,resolveu dedicar-se ao comércio.Sim, ali estava sua verdadeira pos-slbilidade: o comércio. Durante trêsmeses penara num balcão, servindo,esforçando-se, sem que conseguissese impor à atenção dos chefes. Eraeste, aliás, simplesmente, o seudrama: não conseguia se impor aatenção de ninguém. Aluno, passa-ra de ano para ano sem que nin-guém o percebesse, vulgar e ano-filmo. Caixeiro, era tímido e irrita-,va os fregueses. Tudo isto durouaté o momento em que o patrãomandou chama-lo e entregando-lhe certa soma correspondente a ai-guns dias de trabalho, disse-lhesem mais: "Aqui está, sr. Zelmiro,• senhor não dá para este servi-ço". Não, não dava. Vestiu o pali-tó e, na rua, entre tanta genteatarefada e preocupada consigo

O VIUVOConto de LÚCIO CARDOSO

mesmo, sentiu-se intensa e de*es-peradatnente infeliz. Nilo dava pa-ra caixeiro, não dava para coisa ai-guma. Mas então para que viera aumundo, que destino era o seu?Sentiu-se ludibriado, escorraçadoda comunidade humana, a vida Pa-rcccu-lhc um Jogo cruel e sem sen-tido. Assim, com o coração cheiode amargura, vagoo horas, con-templando com Inveja todas aspessoas que encontrava: um loto-grafo ambulante, que em poucosminutos conseguira dois fregueses,um rapaz simpático que passeavacom a namorada ao lado, um se*nhor de aspeeto abastado que dls-cutla com um chauffeur ã beirada calçada e — por que não dizer?— um mendigo Hrlcamente sentadoà sombra de uma palneira e quecontava moedas num chapéu *s-buracado. \ cada minuto a exis-tenda lhe parecia mais ingrata edeficiente. E todos aqueles senti-mentos foram se convertendo numrancor absurdo, sem objeto, numafúria onde englobava o mundo In-telro e que afinal se dissolveu l>ar.icumular-se sobre dois únicos cul-pados: os pais. Sim, eram eles osgrandes culpados, não tinham sa"bido educa-lo convenientemente.Assim, de emprego em emprego, detarefa em tarefa, chegara êle à Pu-sição que hoje ocupava: alfaiate.Dificultosamente, durante meses emeses, aprendera o oficio com umapaciência, uma tenacidade que só odesespero explicava. A agulha re-belava-se em seus dedos, mancha-ja a costura com pequenos pontosue sangue, os córtés não saiamadequados — mas êle lutava, con-victo de que estava ante sua °er-radeira tábua de salvação. E conse-guira se estabelecer, colocando porcima da porta um lelreiro vistoso:ZELMIRO DE NOVAIS, ALFAIAIB.Mas apesar do letreiro nunca con-seguira tornar-se um alfaiate denome, nem jamais tivera fregueses

fixos, pois suas roupas saiam malfeitas e Irregulares. Este fora o mo-tlvo por que náo conseguira lazerfortuna e, casando-se, fora morarnum dos piores !uga>rcs da ilha,para os lados do Matadouro, ondeurubus voejavam os pantos deágua negra. Seu casamento, natu-ralmente, obedecera em tudo ámesma linha de sua malogradaexistência: Rita era estrábica, de-sajeitada e fria. Sendo a mais ve-lha de uma longa família de moçascasadoiras estava dlslludida hámuito quanto ao seu sucesso — co aparecimento de Zelmiro, numafesta ao ar livre, viera arremessa-ianovamente a todos os entusiasmosda passada mocidade. Casados afl-nal, tornaram-se o mais silenciosoe desapontado casal de toda a ilha.Ria fazia biscoitos para fora — e,ecosturava, c assim iam vivendo.

Agora, diante das veias que seconsumiam vagarosas, Zelmiroaprofundava a verdade*da sua vi-da e compreendia que esse ira-casso ia mais longe, representavauma realidade mais funesta ainda.Nio era êle exatamente o que sechama um tipo medíocre, um ho-mem destinado a passar entre osoutros como uma sombra. Não. suainfelicidade ia mais longe, atingialimites mais recuados: êle era des-graçado, imerso profundamente nasua falta de sorte, o que evitavaque êle se configurasse apenas naimagem de um homem sem perso-nalidadc. Havia mais, um elemen-to mais estranho e mais poderoso,uma ausência qualquer, na sua na-tureza. o vácuo que existia nele,não estava preenchido com os tris.tes fumos da vida mediana — cava-va-se uma rampa audaciosa e nc-v*gra até o fundo do seu espirito,onde em vão apalpava êle um sen-tlmento que o preenchesse. E istoera o que o fazia sentir-se absoiu-lamente desgraçado. Em todos oslturares onde ia, sentia-se sempre

mal, deslocado, e aquela voz lute-rlor lhe prevenia contra as coisas,sussurrando-lhe em linguagem en-venenada, os tem fc> do tácito de-sacordo que existia entre êle e arealidade. Essa consciência davacerta grandeza ao seu infortúnio.E êle só compreendeu isto quandoreparou nos vultos anônimos quegiravam em torno do cadáver, ta-ces que decerto estava habituado avêr, mas que náo i fctstiam. E aque-les pobres vizinhos, eram os unirosque conseguira reunir para auxt-lia-lo na vigília fuuebre. Não tinhaamigos, não tinha ninguém. Ape-nas aquelas silhuetas magras ou-savam interferir na sua vida e, for-coso era confessar, apresentavamcaracterísticos ainda mais diluídose mais amesquin liados do que osdele próprio. Tudo naquela gente odesgostava: as mãos, ossudas e seminteresse, os passos, cautelosos ocheios de humildade, os olhos, bai-xos e desconfiados. Não, realmenteêle não pertencia àquela raça. ripensando bem, a verdade é queainda não encontrara seu caminho.A descoberta iluminou-o inteiro cadmirou-se de que não tivesse pen-sado nisto antes. Pois se o patrãodo armarinho lhe tinha dito qn<"não dava para aquilo, hão queriadizer que não desse para coisa ai-«uma. Durante horas, paclentemen-te, verrumou sua consciência *tentou investigar suas inclinações.Mas insondável mistério de certasnaturezas sem claridade, não acha-va coisa alguma que o elucidassenessa ansiosa busca.

Quando o enterro saiu, algunsoutros conhecidos.se apresentaram.Todos vieram apertar as mãos doalfaiate — gente aliás que não lhetinha pago as encomendas feitasna loja — e êle notou, com certointeresse, o modo diferente comque lhe apertavam as mãos. Havianaqueles cumprimentos certo ca-lor que jamais havia notado. Al-

Aiioaravura de MARCELO GRASSMANft,

•uns, enquanto o pequeno cortejose encaminha para o cemitério, se-grcdaram-llie palavras de slmpaiu— e êle notou pela primeira vez e»-te milagre: prestavam atenção 4sua pessoa. Tornou-se de um Mil '•mento maior, tirou um em.nnelenço do bolso e assoou-se Mtrepi-tosamente. Dois ou tres compa-nhelros acompanharam seu gesto,o alfaiate sentiu mais viva sua re<-ponsabilidade, pendeu a cabeça,cheia de pensaiiva e dolorosa trts-teza. No cemitério, durante a ceri.monla, sua atitude ganhou um""tos de uma dôr sincera c sem bar-relras: chorou, cabeça baixa, o no-bre rosto escondido no lenço. Att-nal era sua companheira, nuncamais a veria. E revia algumas ima-gens familiares, o rosto de Kit ajunto ao forno aberto e de elevadatemperatura, ou pela manhã bemcedo, um pano amarrado à cabeça,enquanto espanavn os moveis.

Ao regressai, foi seguido pelosmesmos dois ou três companhei-ros que haviam ficado desde o <m-cio. Quis ser amável e, junto ã P«,T-ta, convidou-os a entrar, ia prepa-rar um cafezinho. Eles hesitaram,náo querendo dar trabalho. Miscomo Zelmiro insistisse, acabaramacedendo e entrando em casa, comos mesmos modos recatados e com-pungldos. O alfaiate afirmava quenão queria ficar só, que tudo aliapenas lhe recordava a companr»'»-ra que havia partido. E tocava osobjetos, deixando escapar funtfossuspiros. Os amigos acompanha-ram-no à cozinha, em fila. raspei-tosos. E ai, enquanto acendia o :°-go. lembrando-se sem duvida damulher ajoelhada junto ao forno,o alfaiate começou a falar sòb: ¦ *morta, revivendo-lhe as qualid ' l's".os gestos mais caros, detalh: :uh>segredos em que só agora oi sav»tocar. Os amigos, atentos, compre-eudiam bem aquela expansão epontilhavam a narração co.n pe-quena.s exclamações: "Uma Santa'.*'.

, E êle, sentindo-se fraco, abandonoutudo, a cafeteira e as chicar.i.;, in-do até o quarto de dormir, enderememorou as palavras mais re-centes da desaparecida, rcpl^»' ; de,intcrjeiçóes criadas no momento.mas que combinavam bem com asua emoção, e que o levavam a seajoelhar aos pés da cama, ohduchorou novas lágrimas de dôr. Em,tudo isto era atenciosamente segui-do pelos amigos, que lhe baliam ;n»ombro, solicitando-lhe que iivc:».s<;calma, pois estavam ali para auxi-lia-lo e - quem sabe? - talvc. * -'tiose resolvesse em breve. Sim. po-deria até mesmo se casar de novo.encontrar outra igual, a Deus n;Oa.era impossível. A esta idéia, tuiis.sua sensibilidade se rebelou, bateuo pé, jurando que jamais, jamaistrocaria a imagem da sua queridamorta por uma intrtisa. Quem sa-be, talvez mais moça c mais bela— e parecia transfigurado, mini ar-roubo de entusiasmo — mas mm-ca com aquelas prendas que só êleconhecia na intimidade e qufiaqueles homens, que nunca Ha-viam freqüentado sua casa. viamagora se patentear através da suavoz, com calor e veneração.

Findo o cale, os vizinhos se des.pediram. Mas voltaram na noite se.guinte, voltaram cm todas a.s n >l-tes que se seguiram. Jogavam tunapartida de cartas, enquanto irepas-savam os ditos mais felizes da mor.ta recente, afirmando entre süspi-ros que nada como um casamenrto bem sucedido, onde duas alma*realmente se compreendem, vendo-se assim cercado, o airaiate sentiusua tristeza aumentar singular-mente. Dir-se-ia que a medida queo tempo corria, a falta da com a-nhelra se fazia cada vez roai > dl-tida. Vestiusç todo de peeto c afiv-mou que Jamais abandonaria o iu-to, E reparou que desde o momentoem que envergara o traje negro,como que aumentara em torno de-le certa aura de considerarão.Olhavam-no, cumprimcntavanwi<»com respeito. E êle, dando plena,vasão ao seu sentimento, dura fiteum mês conservou fechadas as í.w-tas da alfaiataria. Mesmo ass:m,fregueses antigos vinham à sua, di- :/iam "o que lá foi, lá foi" — <: so-licitavam que êle tirasse novas me-didas ali mesmo, o que Zein.iioatendia, relatando com grande»suspiros detalhes de sua história |fatal. Aos poucos, como não lheapetecesse mais voltar à lòjá —íembrava-ss da pobre morta, que oesperava sempre à janela — trans-feriu tudo para casa tudo o quetinha. E era na sala de entradaque agora atendia aos fragueses,ajoelhando-se no chão cmpoe^iv.do.que não fora vafrido desde o cplãP-so que lhe levara a mulher. Nãotardou muito que um amigo •>:«>-timoso lhe oferecesse um ajudau-te. E êie concordou com a vinda deum negrinho que lhe anunciava oaparecimento de fregueses, úesüt:longe, desde as primeiras poça* on-de voejavam os urubus. Quando osfregueses não apareciam, dedicava-se a confccciocar pequenos ra?*"*de flores que serviam para aaor-nar uma ampliação da finada, co-locada numa moldura de Vu/'que suspendera à sala de entratia,

L (Conclui na 18.* l>Ȑ ).

11„.-- :-.,..,„..., , ^'v^/«ri .*-.!0W'.

Page 6: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

Página — 6 LETRAS E ARTES ,.Ooroingo, 12-3-1950

Em que pese à sabedoriavulgar, o gênio não nasce lei-to, no sentido de que vem doberço com sua substância in-teira da genialidade e com umindefectível destino de criargloriosamente. A mais extra»ordinária predisposição para tatividade criadora poderá pas-sar Irrevelada, infccundsi, pelaTerra, se circunstâncias mülti»pias se não conjugaram parafazer com que essa predispôs!-çao desabroche em obra imor-redoura. Dir-sc-á que, nestecaso, houve o gênio, vindo doberço, mas não tendo encon-trado condições suficientes pa-ra vencer. Por mim, penso quenão. Houve a predisposição in-vulgar^ talvez. O gênio, porem,propriamente falando, não che-gou a existir. Forque o gênio éaquela predisposição inata, —mas quinlesscnciada, elaborada,fecundada pela realidade múi-tipla c pelos acontecimentosúnicos de certos destinos sin-gulares. Essa realidade c essesacontecimentos, a que, "a pos-teriori", chamamos providen-ciais, é que, dada a predisposi-ção inata, geram o gênio, for-necendo-lhe substância, for-mando-lhe a fisionomia, im-primindo-lhe força, movendo-oà expressão de si mesmo naobra que o consagrará.

Camões dependeu, para rcali-«ar a sua grande épica e suagiandc lírica, de que suas con-«lições de nascimento o levas-sem á corte; de que, na corte,seu ímpeto amoroso e sua- "pa-mòchc" provocante suscitassema inveja e a hostilidade que oimpeliram para o primeiro eo segundo exílios; de que for-tuilamente houvesse tido entreas mãos a década primeira deJoão de Barros, que lhe trans-nvtiu a visão global da grande-ve. da história lusa; de que seusamores fossem quase sempreInfelizes, e de que o segundoexílio o jogasse para distantesterras, que êle alcançou atra-xt>r, de viagens acidentadas; deíjuí, antes dele, outros houves-sem introduzido na península a":?.rte nova" de Itália, que lhefc-ieccu o decassílabo e a oi-¦tâva rima, de acento e ampli-tizde indispensáveis aos "Lusia-das", que não teria vasado con

Cruz e Souza e Nestor Vitor

• mesmo esplendor eterno nomolde exíguo das redondilhasmedievais; de que, da mesmamaneira, outros houvessem In-troduzido na península o sone-te, a elegia e a canção, e liou-vessem para a península cana-lizado a influência . do plato-nismo petrarquiano c do acentoheróico do Tusso e do Ariosto;de que sua formação intclec-tual houvesse comportado o in-timo conhecimento dos antigos,assim como da ciência de seutempo; de que Portugal tivesselevado a termo, antes dele, aempresa formidável de desço-brir mundos e povoá-los...

Sc meditarmos um pouco amatéria, compreenderemos quetodas estas circunstâncias detão diverso caracter não vieramapenas favorecer o gênio deCamões. Vieram, de fato, cria-Io, c depois dcfiní-lo c orienta-Io, ordenando em torno do fococentral da predisposição comque nascerá todas as outrascomplexas energias de que se

INTRODUÇÃO A UMA BiO-OkaHA DE D. PEDRO I

(Conclusão da 7.a pág.)

ciiJismos. Quando o Governocie Portugal, num repente rea-càtnário, quis cassar-lhe osseus foros e liberdades, o Bra-si se desligou suavemente dajn e pátria, sob a égide dom ncipe português, já naciona-lizado pela força irresistível daterra que o vira crescer.

Não se tratava da separaçãode uma colônia, mas da cisãode um Reino-Unido. Indepen-dente, de fato, já era o Brasildurante a permanência, pormais^de treze anos, da corteportuguesa no Rio de Janeiro.'O que ás colônias espanholasconquistariam em longos anosde sangrentas lutas, fraccio-nr.ndo-se em uma infinidade deuemenas repúblicas, o Destinoda ia ao Brasil, conservanuo-otinido. Bem longe ainda esta-vam da independência quandonas ruas do Rio de Janeiro, jarodavam as carruagens dosEmbaixadores do Czar de todasas Rússias, do Imperador daÁustria, de Sua Majestade Bri-tanica, do Rei da Prüraa...

Nasceu assim o Império doBrasil. O jovem D. Pedro, he-rói da jornada, símbolo e es-perança, introduz na .termini°-lecia do direito publico umíílologismo: sagra-se "Impera-

dor por Aclamação dos Povos .d7 substrato teológico, cimen-t atlas na origem divina da au-tCÊsta!ívro

é a história ave„.tm-osa e romanesca desse prin-ene E* um retrato da vida narôi-ie portuguesa atirada aoBrasil pelo vendava! nanojeo-r:~o e a dersr*""» rio a' # e-cti* do "mn^ wbinado

"a gloriosos destinos.

TASSO DA SILVEIRA

constituiu esse gênio. Se eli-minarmos uma por uma essasdiversas incidências, veremos ogênio camoncano diminuir deporte, até reduzir-se a simplesvirtuulidade intelectual, maisviva talvez que a do comumdos homens, mas certamenteigual à de milhares de criatu-ras de anônimo destino. Comose condensaria na sua alma osentimento do amor ideal quefaz a alta pureza de sua lírica,se o exemplo de Petrarca eDante, fecundados ambos, aliás,nesse mesmo sentido, por. ener-gias anteriores, não o houvesseroubado a outros influxos, tal-vez dispersivos e contraprodu-centes? Como se cristalizariasua heroicidade interior, deque nasceram os "Lusíadas",sem o sofrimento, a mágoaque seu coração verteu perene-mente, sem os lances da vidaaventuresca que lhe encheramo espírito de experiências, ima-gens, símbolos tão totais, sema história da pátria, tecida só

de heroísmo e audácia, de so-nho e abnegação? E como teriavasado o tumulto intimo noverso, se, para trabalhar, suasmãos só dispusessem do insti u-mento limitado da poética me-dleva? A filologia contemporâ-nea demonstra à exaustão quea linguagem não é somenteexpressão do pensamento, oudo sentimento, ou das voliçõesclaras ou obscuras do ser nu-mano: é também instrumentopara pensar, para sentir, paraquerer. Com o recurso á lin-guagem é que o homem seaprofunda a si mesmo e á rea-lidade cósmica, e se completa,e se complexifica, e se supera asi mesmo. Como imaginar-se opoder de fascínio, o acento do-minador que põe Camões nosseus cantos, totalmente pre-existindo ás formas de poesiaque, recebidas de outros, lheserviram á expressão? Essasfôrmas, é indiscutível, não oajudaram, apenas, a "expri-mir-se": completaram-no an-

Desenho de NOEMI

tes, auxiliaram a formar-lhe •gênio, deram-lhe força ascen-sional que êle antes não pos-8uia' ,. •¦*

E' claro que o que fica ditode Camões poderia repetir-se,"mutatis mutandis", a respeitode qualquer dos outros grandescriadores da humanidade. Oua respeito de qualquer criador,mesmo de significação secun-daria. De ninguém se deverádizer: não fez grande obraporque as circunstâncias nãoo favoreceram, mas, sim: nãofez esta ou aquela obra por-que as circunstâncias não fo-ram suficientes a transmu-dar-lhe em lôrça transfigura-dera o potencial de inteligênciacom que nasceu.

O caso de Cervantes é, por-ventura, de certo ponto de vis-ta, mais expressivo que o docantor máximo de Portugal.Camões deixou-nos uma épicae uma lírica de que cada qualse pôde dizer que por si só valepor toda uma literatura na-cional. E' dos maiores épicos edos maiores líricos de todos ostempos. Apenas sua dramáticase situou em posição secunda-ria. Cervantes, afora o "D.Quixotc", deu á Espanha umaobra abundante e variada: a"Galateia", romance pastoril,duas comédias, oito intermé-dios, a "Viagem ao Parnaso" e"Persilcs", as "Novelas exem-plares". De todas estas obrascitadas, afora o "D. Quixotc",está ausente o gênio. A crítica,por vezes, tem sido implacávelpara com elas. Significa istoque, nelas, nao se conjugaramessas misteriosas energias ob-jctivas, eventos, casualidades,experiências, que, incidindosobre a alma do artista emcondições particularíssimas, ne-Ia insuflam a força da grandecriação original. A hora do"D. Quixote", porém, foi dl-versíssima. Foi a hora do en-contro dó temperamento indi-vidual de Cervantes com umtema que lhe vinha de fora,que as circunstâncias lhe im-punham: a circunstância d*beleza excepcional do canto do"Amadis", apresentando-se co-mo modelo ideal de qualquersonhada criação superior, aomesmo tempo que a prolifera-cão incontida dos maus ro-mances de cavalaria acordava,contra eles, a reação e a iro-nia; a circunstância de estar ahumanidade ás portas de umaera nova. eom pensamentos «desejos difeventes apontandorumos inéditos; a eircunstânciados sofrimentos terríveis huc,depois de toda uma vida aven-turesca, o lançavam na misériaá beira dos sessenta anos^ deidade: as circunstâncias têtlasque foram neesávias para aueno seu esivrito pudessem eo-existir ironia amarga e pieda-de humaníssima, sarcasmo esonho- revoga e pendo? místi-co, mie, á forca catalftica dogrande tema do "Amadis". sefun«H»-<im na eomnlexa e «ir-pree™*e»*e unidade do "Oni-xo+e" flflwn no caso de Ca-mõe«5- f»« circunstâncias obietj-vas Qy$)&?ívzf.o a quasi totah-dado r«n f»«A*neno criador: ín-fundão, nor assim dizer, noâ«ir»o '**"»*o í». ;*üb?tâneia F*es-ma d*> ****&'¦ T,3+o. «mando ph'e-go»i a ^"a flo "Ouixotc". Por-que. com reHcão às outrasoKráp. cirfww+e*! fn!; autor pou-co n><t»,n<! õ«e medíocre.

^is«À «5o «e»*5a d!ficil con-jiiV^r <",*<'' ma^e^a de ver ogA»io rõ»n a ?*>n»,ia do conhe-c;,vo~'4n «*«» /l-*"+A*oles e San-to rrowí<' *» A«nii»no. Para ad-ou»*'- o f>*»»*»»»y>Sni«vnto. dizemo«< *o'S in«"'**,',"! antros, a inte-p<rAVwifa, ?«»»*» *e curvar-se ásCOíc'f,«?. **" *""'». á roa.H»l *•>!«. ©h-{pis*™ T-c«n«*a tin, matéria sópó*- tr»»'«» «?•» *vií»*»r?a atinsr'ráes«a ^'«>«;*«''<» *e «i mesma oueo f>«""**n',:'~,0'****> «5í^»i'f'°a. TLii-çõo '¦wn-1"1 *<»r»fíi^ vews es-0,.<>'.s-»i min»'''» deverá gene-rr,i-v<<r.co n, ?««'a^ os tr*,h»-'*«os

.^ir, „-^í-s*^ ?r»oi'.>!ive o da cria-• c5o «*"*, i""1*™-»,, f\p- reta, fó^ma,

^ íT.+^iíft-s-^/.ír. t*t\ artista é de(.r^a/in !n.,,ni'wo»itç, urna ''f-a.T

|m.í<v vnet* " «mo a réali^^de

teres e figuras imoneílouras. .

Page 7: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

Domingo, 12-3-1950 LETRAS h ARTES Página — 7

o BRASIL começou comoum segredo de Estado.

Muitos anos antes dadescoberta "oficial" da Ainé-rica, os navegantes 'e cartógra-Io* portugueses já tinham to-nhecimento da existência doBrasil, mantida em rigorososigilo para n&o despertar usambições de Castela, da Frau-ça e da Inglaterra. O segredoera a arma com que o mlnús-culo reino ibérico contava pie-servar as conquistas dos seusaudazes marinheiros.

Por esse motivo, as viagensde Cristóvão Colombo alarma-ram os portugueses, que ciie-taram a preparar-se para fa-zer a guerra aos Reis Católi-cos de Espanha, Fernando oIsabel.

Arbitro da pendência, o Pa-pa Alexandre VI decidiu em-pregar a justiça de Salomão:dividiu o mundo em duas par-tcü, por meio de uma linha nc-rldiana passando a 100 léguasa Oeste das ilhas de Cabo Ver-de. Todas as terras e maresconquistados ao- ocidente dalinha pertenceriam à Espanha,dominando Portugal toda aparte oriental.

Os portugueses, que tinhamos melhores cartógrafos da Eu-ropa, aceitaram o alvitre masconseguiram que a linha doPapa fosse recuada para 370 le-guas a Oeste de Cabo Verde.Em vão, bradaria contra o lau-do pontifício o Rei de França,Francisco I. Alegava, com cs-piríto, não ter visto a «láusuiado testamento de Adão quemandava dividir o mundo ape-nas entre os Reis de Espantiae Portugal.

Essa linha ideal, de polo apolo — chamada de Tordezi-lhas — que cortava o salienteoriental da América do Sul,constituiria o primeiro traçadodas fronteiras do Brasil, cujadescoberta "oficial" por PedroAlvares Cabral só se daria ><;elsanos depois (1500).

Com um milhão de habitan-tes, apenas, sentiria Portugal,durante mais de três séculos, aatração irresistível do contl-fjente descoberto, imenso vasio

INTRO D ü Ç Â O A UMABIOGRAFIA DE D. PEDRO I

SÉRGIO CORRÊA DA COSTA

Sérgio Corrêa da Costa, o jovem e brilhante historiador brasileiro, que atualmenteocupa a chefia do nosso consulado em Los Angeles, acaba de publicar nos EstadosUnidos uma biografia de D. Pedro /. Trata-se de uma obra viva, rigorosamente do-vumentada, indicando profundo conhecimento do homem, da época, do ambiente emjue eie evoluiu. Alias Sérgio Corrêa da Costa já publicou aqui um substancioso livronobre o assunto intitulado: "As quatro coroas de D. Pedro I". Da obra, hoje editadanos Estados Unidos, e traduzida por Samuel Petrane — a última tradução feita poresse benemérito divulgador da cultura brasileira — reproduzimos fwje aqui a introdução

a absorver-lhe o sangue, osbraços, o pensamento. O Rol-no europeu ameaçaria despo-voar-se, tragados os seus ho-mens pela terra jovem, taoeheia de riquezas como de pro-messas. Para os degredados, oBrasil era a alforria; para oburguês, era a riqueza fácil queo equiparada ao fidalgo; paraos torturados do espírito, a tu-ga is fogueiras implacáveis daInquisição; para os judeus, aterra prometida; e para a pro-pria metrópole chegaria a seruma razão de sobrevivência ede continuidade.

Precárias as condições riametrópole, o Brasil, desde cedo,teria de aprender a defender-se, com os seus próprios recur-sos, contra os corsários, osfranceses, os holandeses, oscastelhanos e ingleses que len-taram, em diferentes ocasiões,fixar-se no litoral e apossar-sede partes do seu imenso terrí-tório.

A ameaça mais perigosa con-tra a unidade territorial da co-lônia foi levada à cabo pelosholandeses que dominaram aBahia, no século XVII, comuma poderosa esquadra. Masfoi durante essa ocupação, queduraria três decênios, esten-dendo-se até Pernambuco, quese forjou a unidade moral dopaís. Negros, brancos e índiosuniram-se num pacto sagrado

Wjm hjjjjy

K:::xfl^^K*:V- '¦::•:•:•:: :-x:-:-:::-:rSt%-;-:-::: :•:•: -2- ¦¦ ¦

WM H%v:%^::Xv:v:vXv:v: HSk

D. Pedro 1

para expulsar o herege inva-sor. Nos campos de batalha,ombro a ombro as três raças,germinaria, com o sangue deheróis, a semente da democra-cia racial que é hoje o Brasil.

Em dado momento, o próprioPortugal, atormentado nelasameaças castelhanas, reconhe-

ceu a conquista holandesa flordenou aos brasileiros que aacatassem. Mas estes, levanta-dos cm guerrilhas contra o do-mínio flamengo, não depõemas armas; já não lutavam con-ira a nova metrópole, em favorda antiga; lutavam pela "sua"própria liberdade. Era a pri-meira afirmação do Brasil co-mo nação livre.

Quando Napoleão decidiu es*magar Portugal, aliado tradi-cional dos ingleses, o soberanaportuguês, D. João VI, embar-cou para a América com a suacorte e os seus ministérios cinstalou no Rio de Janeiro acapital do Reino.

Transformou-se o Brasil, as-sim, da noite para o dia, cmsede da monarquia, na maiscuriosa das inversões: passou aser a metrópole e Portugal acolônia. Já se disse, por isso.que os pés de D. João VI fi-'zeram mais pelo Brasil que asvinte mãos dos seus predeces-sores

Em lugar do cativeiro ou dasubmissão ao despotismo na-poleônico, a Casa de Bragançarecobraria, sob o sol dos trópi-cos, a vitalidade que se entor-pecera sob as peias naturaisdas contingências da políticaeuropéia. O soberano, balofo,apático e sem vontade, sentiuretezarem-se-lhes as pernas

bambas. Respirou forte. rai*gou a crosta de melancolia •nela primeira vei, conformaconfessou aos íntimos, sentiu-ae "rei de verdade".

Rompendo com todo um pus» •sado de receios e de submissõessempre com os olhos postos na»fronteiras ameaçadas, ergueu »voz pela primeira vez, declc-rou guerra ao tirano da Euro-pa, invadiu-lhe a Guiana, in-terveio no Prata, instalou-seem Montevidéu, estendendo, nomapa da América, os contor-nos dos seus domínios desde oGaribe até à vista de Buenos)Aires e desde a orla do Atlàn-tico aos confins do Potosí. naBolívia.

A cõrlc, instalada no Rio. deJaneiro, criaria raízes na terranova, revitalizando-se ao eon-tacto da seiva virgem e forteque acabaria por imprimir-lhetraços indeléveis. Durante qua-se quatorze anos, lutaria con-tra as injunções políticas quetentaram devolvê-la aos seuspaços seculares. Todas as dila-cões e subterfúgios foram em-pregados para adiar esse re-gresso. A corte se fizera jáamericana. A América era oseu "habitat", não passando a.Europa de um sombrio pesa-delo.

Regressaria a Lisboa o velnorei, em 1821, com lágrimas nosolhos. Deixava, porém, no Bra-sil a flor da Casa de Bragan-ca, o seu primogênito, D. Pc-dro, herdeiro da coroa, o osseus netos, isto é, a própriacontinuidade da monarquia.

A monarquia bragantina, quodesembarcara nas areias bran-cas do Rio de Janeiro absoluta,fundada no direito divino, re-gressava ao velho mundo nu-manizada, liberal, baseada norespeito à liberdade e aos ai-reitos essenciais. O Rei, antesdivindade, chegava a Lisboacomo um cidadão corado.

No Brasil, o ramo braganti-no se desenvolveria sob o influ-x© generoso da terra virgem eas instituições floresceriamisentas de preconceitos e artifi-

(Conclui na 6." pág.J , j

ABRANDANDO*

a caní-chia pelo virar da tardeDomingos abandonou a

rede de imbira onde se entre-tinha arranhando uns respontosna viola, após farta cuia de ja-cuba de farinha de milho e ra«padura que bebera em silêncioàs largas colheradas, e saiu aoterreiro, onde demorou a aliarnuma pedra piçarra o corte dafoice. ,'/.

Era pelo domingo, véspera?quase da colheita. O milharalestendia-se além, na baixadadas velhas terras devolutasamarelecido já pela quebra,que realizara dias antes, e overánico, que andava duro naquinzena.

Enquanto amolava o ferrono propósito de ir picar unsgalhos de coivara no fundo doplantio para o fogo na cozi-nha, o Janjão rondava em tôr-no, rebolando na "\erra, olhoaguçado para o trabalho pa-terno.

— Não se esquecesse, o papá,dos filhotes de periquitos, queficavam lá no fundo do grotão,entre as macegas espinhosas de"malícia" num cupim velho dopé da maria-preta. Não esque-cesse...

O roceiro andou lá pelos run-dos da ro^a, a colher uns pepi-nos temporões; fbi ao paiol depalha d'arroz, mais uma vez ava-liando com. a vista se possuíacapacidade precisa para a ricacolheita do ano; e, tendo ajun*tado os gravetos" e uns cernesde coivara, amarrava o feixe eia já a recolher caminho decasa, quando se lembrou do pe-dido do pequeno.

— Ora. deixassem lá em pazos passarinhos.

Mas aquele dia assentava oJanjão a sua primeira dezena

NINHO DE PERIQUITOSConto de HUGO DE CARVALHO RAMOS

tristonha de anos; e pois, nãovalia por tão pouco amuá-lo.

O caipira pousou a braçadade lenha encostada à cerca doroçado; passou a perna por ei-ma, e pulando do outro lado.as alpercatas de couro cru apisar forte o espinharei resse-quido que estralejava, entra-

nhou-sè pelo grotão —- nessesdias sem pinga d'agua — galgoua barroca fronteira e endirei-tpu rumo da maria-preta, queabria ao mormaço crepusculaida tarde a galharada esgula,toda tostada desde a época daqueima pelas lufadas de fogoque subiam.da malhada.

Ali mesmo, na biiurcação dotronco, assentada sobre a for-quilha da árvore, í. altura dopeito, escancarava a boca ne-gra para o nascente a casaabandonada dos i «upins, ondeum casal de periquitos fizeraninho essa estação.

O lavrador alçou com caute-

~x-<*

*'" .......WMÊÊMM mm

5:<Hytf<i

desenho de OS WALDO COELDI

Ia a destra calosa, rebuscandolá por dentro os dois borra-chos. Mas tirou-a num repen-te, surpreendido. E' que uma "

picadela incisiva, dolorosa, ras-gara-lhe por dois pontos, viva*mente, a palma da mãd^.

E enquanto olhava admira-io, uma cabeça disforme,oblonga, encimada a testa du-ma cruz, aparecia à aberta docupinzeiro, fitando-o, persls-tentes, os seus olhinhos redon-dos, onde uma chispa má luzia,malignamente...

O matuto sentiu uma frialda-de mortuária percorrendo-o aolongo da espinha.

Era uma urutu, á terrível dosertão, para a qual a mezínhadoméstica nem a dos campos,possuíam salvação.

— Perdido... completamenteperdido...

O réptil, mostrando a línguabífida, chispando as pupilasem cólera, a fitá-lo ameaçador,preparava-se para novo ataquá*ao importuno que viera arran-cá-lo da sesta; e o caboclo, vol-tando a si do estupor, numgesto instintivo, sacou da bai-nha o largo "jacaré" insepa-rável, amputando-lhe a cabeçadum golpe certeiro.

Então, sem vacilar, num mo«vimento inda mais brusco,apoiando a mão molesta à cas-ca carunchosa ,da árvore, dece-pou-a noutro golpe, cerce qua-se à juntura do pulso.

E enrolando o punho mutl-lado na camisola de algodão,que foi rasgando entre dentes,saiu do cerrado, calcando duro,sobranceiro e altivo, rumo docasa., como um deus selvageme tritinfante apontando da ma-ta companheira, mas assassina,mas perüdamente traiçoeira..*

!XMíJ»W«»s»ifW*f»'*?»'i«íV«',." - [ja^M**^^-^^-'-1*'' '.v-'¦-,,.¦ ¦¦•¦•

Page 8: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

•',. -t, ,\. ,,; T(*V*V-.-?'*.* - > '¦»¦<• «

g !

Kl

%

1 ^

v,-

Xilogravura de André Deslignères

PARIS

— março — Via"Air France" — EtlcnneGilson e mais célebre,

taivcz, na América do Norte doque na França. Trata-se de umgrande filósofo, cem por centofrancês, e um dos maiores espe-cialistas da Idade Média. Seusestudos sobre Duns Scot, Santo

Tomás, Santo Agostinho, SãoBernardo formam a oasc dasmodernas pesquisas sobre a fi-losofia medieval. Aliás, Gilsonc, juntamente com Brehier, ohistoriador da filosofia naFrança.

Encontrei-o no seu aparta-mento, nas cercanias da TorreEiffel. E' um homem gordo, bo-nachão, i;m pouco tímido c deelocução .rmta. A força de fre-quentar os monjes medievaisacabou por assemelhar-se a eles.Vejo-o mesmo com um solidéode monge e uma tonsura, oitoséculos antes da nossa época,discutindo sutilezas teológicas.Não é a imagem do filósofo mo-derno, de rosto rígido, olhar an-gustiado, atormentado pelos pro-blemas metafísicos; é um sábiopacato e bem alimentado, tãopesado fisicamente quanto pesa-do de erudição. Devo dizer? Gil-son me faz pensar em Abelard.

Lembrando Tristão deAtaíde

Falou-me êle, primeiramente,de sua viagem ao Rio. Esse sá-bio todo imerso no "distingus",lembra-me de Niterói, do pe-queno barco em que atravessoua baía e me interroga sobre osarranha-céus, receiando que elesestraguem a paisagem carioca.Depois me fala de Tristão deA t a i d c, cujas conferências,atualmente em Paris, lhe pare-cem do mais alto interesse.

—* O professor Ataíde — acen-tua-mc êle — diz esta coisa mui-to justa que é preoiso dizê-lo:"se os escritores brasileiros rea-lizam, por vezes, pbras seme-

lhantes aos portugueses, não re-sulta isso de uma influência,mas de uma semelhança de na-tureza, de um parentesco". Re-gozijo-mc de vê-lo frisar essaverdade.

O Cristianismo e o mundomoderno

Chegou-me a vez de inler.ro-gá-Io:

— Acha que o Cristianismo po-de trazer uma solução ao nossomundo atormentado?

—' Sim, se os cristãos o quisc-rem, mas não basta dizer simou não. Isso cm nada mudaráa ordem das coisas. E' precisotrabalhar, decidir-se a efetuaressa transformação. Sc os cris-tãos enviarem missionários paratodas as partes do mundo, luta-rem no plano moral e material,sim, podeni salvar o mundo. Masnão sou profeta para predizeruma renovação da 'fé. As pala-vras têm, aliás, pouca impor-tância; trata-se de agir.

O "reino" da quantidade"Estaremos realmente mer-

gulhados naquilo que Guenonchama "o reino da quantida*de"?

Não vejo em que argumen-tos, em que fatos nos podemosapoiar para falar de quantida-dé. Há hoje, como em todos ostempos, artistas, monges. Olheêste quadro de Bonnard (Gilsonmostra-me na parede do apo-

jyi|.iVW^r^;^w'w^y*"^^m'l''w^'n't"''"*^ *"*" _"' ¦'""•*'™

Gravura de Lucaso velho

Prnnao'*"'

SOMERSET MAUGHAMEA CELEBRIDADE

Qual a impressão quelhe produz a celebridade? -7-perguntaram a Somerse*Maugham.

Como responder?. -.Direi que se assemelha a umcolar de pérola que acabamde oferecer-nos. No come-ço, é muito agradável, masdepois começamos a duvi-dar de serem as pérolas,mesmo, verdadeiras.

Alexandre Dumas teriarecebido Poe em Paris!

Pelo coronel Richard Gim-bel, do exército americano,foi organizada, há pouco,em Filadélfia uma exposi-ção de documentos raros sô-bre Edgard Poe, na qual fi-gura uma carta de Alexan-dre Dumas, em que este con-ta haver recebido o autordo "Corvo", em Paris, re-comendado por FenimoreCooper. Ora, a maior partedos biógrafos de Poe negaque ele tenha estado em Pa-ris. Essa carta vai, portart-to, suscitar unia qüèstãé en-tre os que se têm ocupado davida do no*ta.

ETIENNE GILSON FALà A "LETRAS E AR ES"se mo um dos mais belos liou-nard que jamais vi). Pois bem,Bonnard trabalhava, som jamaiscogitar de saber se seus quadrosvender-se-iam ou não. Continuahaver pessoas que procuram osmonasterios clsterseus que hojese findam, exatamente como ou-trora. Todas as pessoas liabl-tuadas jl clamar contra o pro-gresso material não andam des-calças no campo. Aliás, no Bra»sil se adota muito bem o cònfôr-to moderno. Basta fazermos umapequena caminhada pelo campopara desejarmos um banho quen-U, um asecnsor e um rádio. Operigo não é a matéria, a quan-tidade. E na verdade, para orga-nizar-se a quantidade, como fa-zemos hoje é necessário a inter-vencão muito direta da qualida-de. Lembre-se de que tomamoso avião, corremos os riscos deuma viagem aérea, confiandonos operários, nos técnicos queidearam e fabricaram a máqui-na. O ideal não será suprimir aindústria, mas fazer com que,empregando um mínimo de es-forço, todo mundo possa, com oseu trabalho, o máximo de con-torto

Não há nada de novo noexistencialismo

Qual sua^ posição em facedo existencialismo moderno?

Oh!... Há vinte anos, eulia um livrinho de autoria deum tal Heidegerr sobre DunsScott e estava longe de imaginarque esse professor fosse tornaro Heidegerr de hoje. Creio queo seu pensamento é ainda ummovimento e êle não chegou atéagora a aprovar nenhuma inter-pretacão desse pensamento. En-tretanto, experimento diante do

O conhecido medievdSsta francês íalaLembrando Tristão de Ataíde - "Não esl

e Camus não são filo

exiitencialismo menos estranhe-za do que se poderia imaginar.Não há nada de novo nessa fi-losofia, nada que ignorasse aIdedc Média. O nada existen-ei ali st a chamava-se ouírora"verbitilis in nihilo". SantoAgostinho conhecia essa verti-gem de que eles falam. Achoabsuvdo pretenda-se separarDescarto.* da Idade Média e vêrcom o autor do "Discurso sobreo Método" o começo de um mun-do novo. Sim, sob o ponto devista do método há uma dife-rênça, mas não do ponto devista do conteúdo.

Mas foi Descartes quemprimeiro fez repousar a verdadesobre a certeza c fez da certezaum absoluto, isto é, tornou o su-jeito a base do mundo?

E* o que pretende Descartes.E está certo quanto à ordem daexposição. Mas, afinal de con-tas, é preciso repousar a certe-za numa prova da existência deDeus e cis-nos de novo na Ida-dc Média. Direi antes que nãohá rotura entre a Idade Médiae o mundo moderno. Os mongesdo século 13 chamam-se a simesmos de "modernos".

Deus e o nadaQuando situa o senhor a

transformação do mundo anti-go no mundo verdadeiramentemoderno?

No fim do século 18.Com que filosofia, em par-

ticular?—- Com nenhuma. Ou an-

tes, foi no século 18 que os pen-

LOUIS Wí#.¥|#»á í ?»ÍSjãJÈ

este suplemento literário, em Paris —ios no reino da "quantidade" — "Sartre

>fos, mas moralistas"

:NITZER.isè ¦"?»'. i»

Santo Tomás de Aquino, ymcorrente filosófica Etienne Gacima é um fragmento de um

[ do museu de Li

CADERNO

ide doutor da Igreja, a cujaon é filiado. — O retratouaãro de Benozzo di Gozzoli,me, XV século

«adores procuraram abandonara metafísica, e abandonandoesta, abandonaram o Cristianls-mo. Fichtc, Scheliing, Hegel, si-tuam-se, porém ainda com re-laça o ao Cristianismo, mesmosendo contra êle. Não vejo umaidéa metafísica moderna que nãoseja de inspiração cristã. Mes-mo a de Heidegerr. O existência-lismo moderno rejeita o criador,mas guarda o mundo criado porêle. O mundo dos existência-listas é o mesmo mundo doscristãos. E o mundo grego nadatinha que ver com o mundo dosexistencialistas. Mas esse mun-do, segundo os últimos, não temDeus como causa. Os existen-cialistas são obrigados a recor-rer ao nada. O mundo devecriar-se por si mesmo, não "ex-nihilo", mas "a nihilo". E elesesbarram nessa impossibilidade,angustiam-se e não conseguemsair.

—Nietzschc disse "Deus mor-reu..."

Mas Nietzche não era ummetafísico, era um moralista,um poeta.Nesse caso, Anaximandro,Heráclito...

Que sabemos deles? Nãoconservamos nada que prove ne-les um pensamento orgânico,sistemático.

(Nesse ponto não estou per-feitamente de acordo com Gil-son. Não é o sistematismo que'faz a profundidade de vista ouprova a inteligência)*

Gilson retorques

[

u-.m .wjMiiiii.iinTnirniMiíniTr^rniTTTTrTi'-

CAMPO GRANDE

De aviap, muitos misté-rios se desvendam — osrios aprenderam a fazercurvas com as cobras.

CUIABÁ'

Às quatro da manhã ossinos acordam, inditerente-mente, católicos e ateus.

CÁCERES

Na rua sem ninguém fo-ra o pó sob o sol escaldan-te, o convite era invéncí-vel. Entrei no "Ao Anjo daVentura" -para comprar lâ-mina gilete. Não havia.

FORTE PRÍNCIPE DA

BEIRA

Ó rio rola gordo como ji-bóia, levando árvores eilhotas de capim, sob o céude azul ardente.

Faço parte do silêncioque emana das coisas e queo vôo do pássaro não per-turba

CUA]ARA'-MIRIM

A floresta primeiro as-sombra, depois amedronta.

PORTO VELHO

Gosto da tese que o go-vemador do Guaporé, en-genheiro Araújo Lima, vaidefender na II Conferên-cia da Borracha: a de pôrem execução todos os pon-tos aprovados na conferên-cia anterior.

RIO BRANCOEis um lugar em que

ninguém pode atirar pedrasno reinado alheio. Não hápeoras.

MANAUS

A cúpula do teatro emazulejos a z u i s, verdes,amarelos, brancos e gre-nás perturba a harmoniado edifício, como se fossepossível misturar severida-de e papagaio. Causou-mea mesma penosa impressãoquando vi, no Museu Impe-rial de Petrópolis, o mantodo Imperador feito de papode tucano

ITACOATIARA

Não há solidão mais so-lidão que o imenso riotrar-^^P.ndq. E de r^pp.n-te, ítacoatiara. Os cabocii-

MARQUE3nhos cercam o navio' comcestinhas para vender, deum trançado que parece

E VI REBELOI,r

í vesse cascavéis roxas, ver-j melhas, verdes ou azuis| como as ondas do mar que

está loncío

Quanto a Sartre, Camus,não são filósofos, mas moralis-ta» franceses, os Nicolc, osChamfort. Chego mesmo a dl-ser uma coisa que o surprecn-dera: essa gente não passa dosucessores dos jansenistas. Sim?eja a inquietude dc Sartre!seus problemas, a liberdade, co-mo ser livre, etc. E» o puro jan-senismo, Aliás, Maritaln, jun-temente comigo, vê com multasimpatia tais escritores. O queconstata é que todos se movemnum mundo cristão, que nãosupõem, entretanto, como tal.Daí, o absurdo de suas conclu-soes; não são ctys as conse-quências das premissas.

O tomismo e o existen-cialismo

—O tomismo que absorveuBergson, outrora, julga que iráabsorver os existencialistas?

Não gosto dessa noção deabsorver. Uma filosofia não ab-sorve outra. Creio que SantoTomás, se fosse vivo, empreen-deria um diálogo com Heidegerre Jaspers, como no seu tempo, o..lantivera com Averrões e Avi-cenes. Não se trata de absorver,de redigir, mas de estabeleceros problemas dos outros filôso-fos e encontrar-lhes uma solu-ção em nossa própria linguagem,em nossa perspectiva. Os to-mistas são discípulos dc SantoTomás, eles estabeleceram osproblemas de Bergson' e lhesencontraram uma solução. Amesma coisa pode dar-se hofe.Manto Tomás não poderia resók/er os problemas de hoje, por-\ie eles não tinham sido aindaformulados. Mas tentaria resol-vê-los agora e nós nos esforça-ihios para fazê-lo em seu lugar

AGEM'

Gravura de Luvas \crunach, o velho

SANTARÉM

Compro uma garrafa deágua de cheiro para o meubanho de sexta-feira, fil-tro maravilhoso de prospe-ridade e amor, a felicidadepor dois cruzeiros.

BELÉMA luz é fraca apesar do

extraordinário esforço dosvaga lumes.

* *

Aviso aos navegantes: se

por acaso virem um zepe-lin solto na rua, não se as-sustem — é um ônibus.

* *

O caboclo nunca tinhaandado de avião e veio lo-

go de Porto Velho por sô-bre aquele mundo de águae mato.

Do que é que você

gostou mais na viagem?Pensou um pouco:,— Do lanche.

# *.

Certamente é por umafalha do meu caráter, masnão gostei do assaí^ — tem

gostinho de bambu.r:iquei escravo do cupu-

assu,

O vendedor de coisastípicas logo viu que tratavacom um cavalheiro diferen-te e compreensivo. E ofe-receu-me um guaraná em

<> forma de macaco-prego, fi-gurinha proibida pela mo-ralidade local.

Comprei a oferta, cujaúnica imoralidade consti-tuia no preço. E quero crerque a*mesma vigilante mo--ralidade esteja providen-ciando a extinção, na fio-resta amazônica, da inde-corosa raça dos macacos-prego. , >

* *

E depois de quase ummês de planície amazônica,como sentisse a necessida-de premente de ver jacarése sucuris, fui fazer umavisita ao Museu Goeldi.

* »

Na noite morna, detranstornante luar, despe-ço-me das mangueiras so-nolentas em pundonorosascamisas de dormir, que, co-lantes ao tronco palpitante,v£^> em pregas cair até ochão.

Xilogravura de André Deslignères

Não há civilização européia— Têm-se travado muitas

discussões para saber-se se nosassiste o direito de falar da ei-vilização européia, atlântica, me-diterrânca. Julga haver algumasubstância nessas discussões?

•ii bem dizer há uma civil?7/M1A0 mediterrânea. Mas nã.uma civilização européia. Isso não•*uer dizer nada. Lisboa está nu.-.»

• "exima do Rio do que B»rKf.de Paris; o México mais pertode Paris do que Estocolmo. An-tes de tudo, precisamos definirbem as coisas. A cultura não temfronteiras. O saber não tem pá-tria. Não há uma química fran-cesa e outra inglesa. Mas asculturas se encarnam em civili-rações, em tradições morais, nfrluicas, religiosas. E ainda niss-é preciso ser prudente. Falar decivilização atlântica será genera-lizar grosseiramente. Tomar-se-ianecessário incluir a África, aAmérica do Sul, do Norte, etc...Que diferença entre Washingtone Los Angeles. E aqtó, entre aInglaterra e Madrid-

A Europa e a AméricaSei que o senhor vai, com

freqüência, ao Canadá. Tem poresse país uma afeição particular?Qual a razão?

Vou sempre, vou com regula-ridade ao Canadá. É que vejo^apossibilidade de um traço de uniãoentre a Europa e a América. NaAmérica estão enraizadas velhastradições inglesas e francesas.

A BÍBLIA, O LIVRO ETERHCFrei Francisco de São Car-

los, também poeta, autor deum poema místico "Assunção"achava, apezar de sua grandecultura, que os livros sagradospodem satisfazer a "fome doespírito". Certo dia, entrandona eela de um companheiro declaustro, encontrou-o aborre-cido. Perguntou-lhe o motivoda contrariedade.

É que não tenho nem umlivro para ler — disse o outro.Frei São Carlos voltou-se o-fendido:

e que fazeis da Biblia, ir-mao? Esse episódio narradopor Moreira de Azevedo, fazlembrar um outro, há poucorelatado pelo escritor franco-americano Julien Green, noúltimo volume do seu "Jour-nal"; Chegando a Paris, mesesapós a libertação, Green ouviuas confidencias de alguns ami-gos que* estiveram presos. Umdeles contou-lhe que pediravárias vezes ao carcereiro ai-guns livros, sem que este oatendesse. Finalmente, o ho-mem trouxe-lhe uma Biblia.

Mas — diz o ex-prisionel-ro — li aquilo em três dias efiquei de novo sem ter o queler.

Leu a Biblia em três dias— considera Julien Green —pois eu leio-a a vida toda eainda não julgo nem de longe

Elas subsistem colaborando um.iicom as outras. O Canadá é, aomesmo tempo, um país grande eum país civilizado. Deposito neleas maiores esperanças. Encontra-mos ali tradição e espaço. Temosa impressão de que tudo está paracriar. Uma terra de experiência»uma boa terra

Um livro sério e um diverti-mento

Prepara algum livro, atual*mente?

Sim, trabalho num livro quase intitulará "Duns Scot e os fi-/osofos". É um título curioso queK suas explicações. Há muito?anos que estudo e faço pesquisassobre Duns Scot, há cerca de qua-renta anos. Pensava em intitularesse trabalho "Teologia e Filoso-ria", mas compreendi na vcrdaueter sido Duns Scot um homemque perguntara quem eram Aris-toteles e Platão, o que diziameles, o que tudo isso queria di7ei:Era um teólogo, empenhado en»assimilar a intuição dos gregos.Dai o título: "Duns Scot e os fUlosofos". Fora dai, escrevo um li-vro, cujo assunto não se relacio-.na com a filosofia: "A escola dasmusas"

Surprecndcu-me o título numsábio tão severo, como Gilson.

— Procuro estudar —- expnea-me ele — as relações entre ospoetas e as suas musas, tomandoexemplos históricos: Baudclalrc eMadame Sabaticr, Wagner e Ma-tilde, Petrarca e Laura. Goethe,c... será preciso enumerar?(Aliás, denominarei o capítulosobre Goethe: "A arte da fuga").Procuro tirar conclusões gerais.fiis, pois, um filósofo, comoEtienne Gilson, a realizar um"divertimento" no sentido dePa sc 3.1

E despeço-me do meu ilustreinterlocutor, ouvindo as recome»dações que êle manda para osseus amigos brasileiros.

1 n^TT^^f^^"TOM^T ^-^^y*"^*^^? ~~^^i. . ^•^¦m»^ hMÉr

J

a

Grapura áe Lucas Cranach,o velho

jy^u^f^w^Mb*. w<..**w ",;¦''»* :,!*--«r-*

Page 9: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

'tn^Kmgmmmvmas^mmmmfíéès^ -. .„..» m*-J^ • „4;»A<twNijirWf' »"«»#" »»¦ «*"&¦*» .tftp**.. .^—j»»»--^- i. Mi '"— »-ii¦

f Página — 10 LETRAS E ARTES Domingo, 12-3-1950

/£..

PRECISA-SE DE UM LIVROContinua em franco movi-

mento a nova seção desta pá«glna. Por enquanto nao foi pre-ciso a publicação de anúncioporquanto os pedidos de livroufeitos até agora foram aten-d idos por mim mesmo.

Assim é que os volumes soli-citados pelos srs. Manuel SilvaPinto (de Campos, Estado doRio), Nereu Corrêa (de Itaja»,Estado de Santa Catarina), deRalfo Xavier (de Campo Gran-de, Estado de Mato Grosso), jáforam enviados aos seus des-tinatários.

Quanto ao sr. Rui Melo (doRio de Janeiro, Distrito Fe-dcral) temos a explicar que es-ta página não pode atender apedidos de livros nacionais quesão facilmente encontráveis emqualquer livraria do Brasil, pel.imenos nas livrarias cariocas.Não podemos, cm absoluto, fa-zer concorrência às livrarias,muito menos às casas editoras..

Continuem mandando anún-cios para troca ou compra delivros. O endereço é Rua Al-buquerque Lins, 686. S. Paulo.

UM QUE NÃO GOSTOU (OUNOVO CONVITE AOS

CARIOCAS)

O leitor carioca sr. AlvesNogueira escreveu-me para di-zer que tendo estado em SãoPaulo nos dias de carnaval,achou-o muito fraco. Os pau-listas — no entender do mis-sivista — "não fazem carnavalalegre, são insipidos e tacitur-nos". Afirma mesmo que nos"chamados lugares de retiro,quando os cariocas fogem doRio nos dias carnavalescos, ocarnaval é 'mais animado, osfoliões que fogem do Rio fazemmelhor carnaval que os (meus)conterrâneos".

Meu caro sr. Alves Nogueira,sinto muito que o senhor tenhaperdido o seu tempo vindo verde perto o carnaval paulistano.Quando fiz o convite aos ca-rlocas, através desta página, ti-nha em vista unicamente atrairpara cá algumas pessoas quegostassem de turismo. O car-naval foi apenas um chamariz...

Vejo agora que a propagandafalhou c lanço portanto um no-vo convite aos cariocas, estemais irresistível do que o pri-meiro: venham a São Paulopara jogar. Aqui se joga à von-tade, no bicho, na roleta e nobacará. O jogo é franco, se-nhores: roleta para pé rapado,roleta para grãfino, roleta nocentro da cidade, longe da 2l-dade, nas praias, nas estaçõesde água. Querem bingo? Tam-bém temos. Querem corrida decavalos? Também temos. Que-rem jogo de bicho? Também te-mos. Querem rifas de automó-veis? Também temos.

Em matéria de jogatina peu-so que o sr. Alves Nogueira naopode dizer que somos inferioresao Rio.

MÁRIO DE ANDRADE NO MU-SEU DE ARTE MODERNA

O Museu que. obedece &orientação do sr. Lourival Go-mes Machado está expondo umacoleção de peças pertencentes aMário de Andrade, lembrando"

CORRESPONDÊNCIAMARISTELA — Rio — A

respeito do assunto que apreocupa veja se encontrapor aí exemplares âe "Psy-ché", que é uma revista depsicanálise muito boa. Leiaprincipalmente os números33, 34 e 35. Os seus elogiosme confundem... Felicida-ies no concurso.

DR. COSTA MOREIRA —Ribeirão* Preto — Recomén-do-lhe os "Cahiers Interna-tionaux de Sociologie", In-felizmente só tenho uma co-leção da revista, motivo peloqual, pesaroso, deixo âeatender ao seu pedido. Leia"Psychologie, Marxisme, Ma ¦tèrialisme", de Pierre Navil-le: reputo o livro muito bom,apesar do "part-pris" doautor.

miMifalilitíts é mas ArtesICANTARA SILVEIRA

"TENTATIVA" DÁ O EXEMPLOOs que escreveram no na-

mero de aniversário de "Ten-tativa" — o jornal literáriode Atlbaia — tiveram a sur-presa de receber uma cédulade vinte cruzeiros, como pa-gamento da respectiva cola-boracão.

O jornal de André Carnei-ro e Memolo Júnior dá —com este pagamento simbó-lico — um exemplo a ai-gumas antigas publicaçõesde nomeada do pais, quenão pagam seus colaboradoresou que lhes pagam pouco,como se o fato de publicarproduções literárias consti-tuisse uma honra para o es-critor.

Jornal do interior, que vaivencendo as dificuldades queaparecem às publicações des-se gênero, "Tentativa" nãoolvida que o esforço intelec-tual, como qualquer outra es-pécie de trabalho, precisa serremunerado. E os vinte cru-eeiros que ele paga por arti-

go ou poema eqüivale a qui-nhentos cruzeiros que osgrandes jornais e revistas de-veriam pagar a seus coiabo-redores.

Aliás, o fato de os escritoresserem mal pagos (quando sãopagos...) em parte cabe aospróprios homens de letrasque não dão suficiente valoreconômico ao seu trabalho.Em geral eles acham que oseu poema é uma mistura deEliot Rilke e Keats. que o seuestudo sobre Heideger é novi-dade autêntica, que o seuconto poderia ser assinadopor Maupassant ou Kafkamas não fazem questão de re-ceber um cruzeiro por eles, ourecebem o que o jornal ou re-vista Jhes. atira do alto da suariqueza .0 poderio.

Ê preciso, porém, acabarcom esse amadorismo. Afinal,escrever é uma profissãoeomo outra qualquer. Forenquanto, aqui no Brasil a

função de escrever não passade um "bico", fraco "bico"acrescente-se. Mas por istomesmo 6 preciso não despre-sã-lo. Ao contrario: necessã-rio se torna fazer uma fren-te única, uma espécie de "as-sembléla permanente" — úl-tima moda aqui em S. Pauloentre os funcionários públi-cos que acham que merecemaumento de vencimentos —com o objetivo de fazer comque esse "bico" seja aumen-tado.

Tem havido tanto Congres-so de Escritores e no entai.toem nenhum deles se cogitoudessa medida tão utll à classetoda. Igualmente nos progra-mas dos candidatos à direçãoda A.B.D.E. não se cuida doassunto. Oxalá a nova direto-ria dessa entidade de classe,que tem à frente um homemque vive exclusivamente dapena — como o é o sr. JoséGeraldo Vieira — faça algu-ma coisa em prol da causa.

desse modo, a passagem do 5.9aniversário de sua morte.

Já estava mesmo tardando talexposição, pois poucas coleçõesde arte de São Paulo são tãopreciosas quanto a de Mário aeAndrade. Talvez sejam maisricas, mais caras, mas não te-rão o bom gosto das peças re-colhidas pelo poeta do "Lozan-go Caqui", através de sua vidade pesquisador curioso e inte-ligente.

A coleção de pintura poueser apresentada em sua totah-dade, o mesmo não tendo acon-tecido com a de gravuras e de-senhos — dado o grande ml-mero de peças existentes. En-

tretanto. foi feita rigorosa se-leção que mostra o valor doacervo deixado por Mário deAndrade.

Também estão expostas as se-leções completas das ilustra-ções de Caribe feitas para aedição argentina de "Macunat-ma" e das executadas por Cio-vis Oraciano para a primeiraedição de "Café", ora em pre-paro.

A atual exposição do Museude Arte Moderna atinge assima um duplo objetivo: homena-gear a memória de Má£o deAndrade e incentivar, com ámostra de algumas peças de suacoleção artística, outros inte-

lectuais a Imitar o gesto dopoeta.

SÃO PAULO POSSUI NOVOTEATRO

Foi finalmente inaugurado oteatro da Sociedade de CulturaArtística, considerado- a melhorcasa de espetáculos da Américado Sul. Dotado do mais mo-derno aparelhamento cênico,com todos os requisitos maisavançados exigidos por edifi-cios erigidos para tal fim, delinhas sóbrias e elegantes, onovo teatro de São Paulo —embora um pouco fora de mão— será mais um orgulho paiaos paulistanos, mais um ponto

>t '

UM PINTOR ITALIANO NO BRASILMASSAGUASSÜ é o nome de uma fazenda no Estado de São Paulo, nome do qual emana todo

> perfume de uma paisagem indígena, assim como só um artista brasileiro poderia pintá-la. Odestino levou porém para Massaguassú o jovem pintor italiano ROBERTO SAMBONET; e a pas-sagem das impressões inesperadas de figuras e paisagens tipicamente brasileiras pelo temperamentodl um artista europeu, de observância rigorosa mente modernista, produziu um série de quadrose desenhos interessantíssimos, pela composição e pelo colorido, sobretudo quando a edição permitea comparação com fotografias dos objetos pintados. "Massaguassú" é uma edição, primorosamen-te apresentada, do Museu de Arte de São Pauto; mais nina realização admirável do professor BAR-Dl, grande benemérito da cultura artística no Brasil. Acima, vemos um desenho de Sambonet,

de visita obrigatório aos quenos visitam.

O espetáculo inaugural con-sistiu num grande concerto or-questral de música orasileua,com á Orquestra Sinfônica deSoo Paulo. A primeira parte doprograma foi constituída aecomposições de Camargo Guar-lieri, sob sua própria regência,

tendo como solista a cantoraMadalena Lebeis. A segundaparte foi integrada pelas "Ba-chianas" 8 e "Choros" numero6, de Villa-Lobos, regidas porêle próprio.

Foi um grande acontecimentosocial e artístico a inauguraçãodo novo teatro, a qual deveráficar marcada nos anais da vidada cidade como um dia deglória.

O SECRETÁRIO RUI BLOEMRui Bloem, o simpático no-

mem de letras, autor desse li-vro interessante que e "Pai-meiras do Litoral", acaba deassumir as funções de secreta-rio da Educação e Cultura doMunicípio da Capital. A notl-cia somente júbilo trouxe áclasse intelectual, principal-mente aos escritores que sevêem assim prestigiados na pes-soa daquele homem de letras,

O novo titular da pasta deEducação e Cultura, porém, nãoé apenas um escritor, títulohoje em dia tão-desacreditadoquanto as palavras dos politi-?os... E' principalmente um'««u-jeito correto e sério, de umasimpatia extremamente cativan-te. Por certo todos esses d^tesconcorrerão para plainar as dl-ficuldades e espinhos que cer-tamente surgirão pelo seu ca-minho. Boa sorte!

"DIO&UINHO", DE JOÃOAMOROSO NETO

Dioguinho — ou melhor Dio-*o da Rocha Figueir-a — foi um

célebre bandido dos sertões pau-listas de fins do século passado.Pode mesmo ser considerado onosso maior facínora, o nume-ro 1, tais as tropelias que"an-dou fazendo pelo interior, sem-pre conseguindo escapar dasredes.da polícia. Não digo te-nha sido êle o nosso Dilingerou o Giuliano paulista, masque o homem foi um cabradecidido, isso não há dúvidanenhuma.

Amoroso Neto, que é umamistura de delegado de poli-cia, escritor e colecionador dearte. revela-se — ao trasladaipara as páginas de "Diçgui-nho", a vida do famoso bandi-do — tendências para historia-dor — pois para escrever o vo-lume teve que compulsar proces-sos. autos, ouvir depoimentos degente antiga, enfim: precisourespirar um pouco o pó de ve-lha panelaria que mofava nosarquivos.

Melhor faria entretanto (sobo aspecto comercial...) se, emluçar de reconstituir a vida deDioguinho como historiador, fi-zesse dela um romance. Toda-via. mesmo como biografia, olivro de Amoroso Neto agrada-rá aos leitores sequiosos deaventuras e dos velhos, que serecordarão um pouco da siuxmocidade, quando o nome dofacínora pronunciado a medo,fazia tremer os brotinhos da-quele tempo.

ri; rr

n

Consta que o Departamen-to de Cultura da Prefeiturade São Paulo publicará umarevista de arte e literaturadestinada a abafar todas as

I outras publicações paulistas• neste gênero. "Trópico" se-I ria entregue à direção com-| petente de Ciro Mendes queI com o "Jornal das Artes" se

revelou capaz da missão.Não fosse a falta de nume-rário e ainda hoje estaria-mos lendo o célebre jornaldo Clube dos Artistas eAmigos ãa Arte. Nada po-rém sabemos de oficial a res-peito da nova revista, motivopelo qual a notícia vai apo.-nas como um "consta" quetorcemos para que se tornerealidade.

Page 10: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

ff^jpfllplií?

r^HfcWMy. ,«¦¦¦**«< ^-;T"^w»^WBWWWgywtWW^rii

Domingo, 12-3-1950 LETRAS E rARTES Página — 11

UMA PAGINA INÉDITADE FARIAS BRITOReproduzimos adiante mais uma das páginas inéditas do diário do grande

Farias Brito. Graças à gentileza do nosso confrade Romulo de Castro, genro do fi"lôsofo patrício, iremos divulgando os capítulos desse importante depoimento de umdos mais altos espíritos do nosso passado. A página de hoje fixa os momentos deangústia de Farias Brito, por ocasião do.falecimento de sua esposa.

1—g—97 — No dia 11 de junho de 1897, apósionK08 meses de atroz sofrimento, faleceu a ml-«ha inditosa Nanoca (*), pelas 6 horas da ma-iiha Já se achava doente antes de seu ulti-mo parto e com êste por tol modo "• a8rava"rim seus padeclmentos que nunca mais teveum só dia de descanso, até que veio a exalar oseu ultimo suspiro. Teve febre durante seis me-ses todos os dias e esteve em estado de extremaprostração mais de dois meses. Sofreu muito eela mesma poucos dias antes de morrer me fa-lava neste* termos: "Quando eu morrer todosdigam: descansou".

Morreu como uma santa. Eu a chamava aminha Mena grande, em comparação com aminha filhinha a que dava o nome de Me-na (**) pequena: taí era a analogia que haviaentre ambas, tendo ficado a minha pobre e fielcompanheira reduzida à condição de uma cri-anca que ainda no berço só pode viver com au-xilio estranho. '

Não obstante, tomava interesse por tudo,observava tudo o que se passava em casa, fa-zia a todo o instante recomendações sobre o quedizia respeito à direção de nossas pequenas coi-sus domésticas, trazia enfim debaixo de vistatudo o quê nos dizia respeito. Sú então pudeverdadeiramente compreender quanto era dig-na o boa. _

Eu sabia que ela tinha de morrer, pois naome podia iludir sobre a gravidade de sua mo-léstia e supunha por isto que havia de assistirsem abalo à grande crise; mas é só agora, de-pois que ela já não existe, que compreendoquanto ela me era necessária. .....

Recordo-me de suas mais insignificantespalavras, de seus mais triviaiá movimentos, desua voz que era já por ultimo apenas um soproquase imperceptível, de seu olhar que ja naotinha mais vida; vejo-a tossindo e gemendo,sinto-a dentro de mim com a sua magreza, comos seus sofrimentos. -

Como ela era digna de piedade, meu Deus.E como é triste esta vida.

A principio tinha muito medo de morrer eme pedia a todo o instante para fazer cessaraouela febre. Depois foi pouco a pouco se de-sengànandÒ, deixando transparecer em seus po-bres olhos, enfraquecidos a mais profunda edesoladora tristeza.

Quantas vezes a vi chorar, quantas \ezes a

ouvi repetindo estas dolorosas palavras: "Estoume acabando!"

Em um de seus momentos mais tristes medisse: "Agora que já está consertada a nossacasa e que já temos a nossa Meninha, é quevou morrer! Oh, eu desejava viver mais unstempinhos. Queria plantar nosso quintal, que-ria preparar a roupinha de nossa filha".

No ultimo mês sempre que.se tinha de fa-ier movimento com seu corpo, dizia: "Levan-tem com cuidado os meus ossos". De fato, aesse tempo já só tinha ossos e tudo lhe doia.

Quando o sofrimento se tornou muito gran-de, ela desejava a morte como um descanso.

Depois da confissão e dos últimos sacra-mentos, desejava ansiosamente a morte. "Eu

quero, eu quero morrer, dizia ela. Eu vou parao Céu, eu vou ver meu filho".

Dirigindo-se para mim disse: "Tu ficascom a Meninha".

De outra vez me disse: "Não te cases mais:vive para a Meninha".

Em sua ultima noite mostrou-me a cami-sa com que estava vestida e me disse: "Estasvendo esta camisa? Foi a de nosso noivado . *

Foi também a de seu enterro. ¦Só teve coração para amar, so teve vida

para sofrer. Será esta a condição mesma daexistência, meu Deus, ou é que fomos mais in-felizes do que todos os outros?

Foi aliás no Cemitério que eu tomei a re-solução de me casar com ela, vendo a piedadecom que sempre zelava o túmulo materno.

Depois que ela exalou seu ultimo suspiropelas seis horas da manhã, logo depois de ha-ver bebido seu ultimo gole de leite, ficou uno-vel e fria, sem nunca mais gemer, sem nuncamais tossir, com aquele mesmo ar resignado ctriste, com aquela mesma expressão de bon-dade que lhe era tão natural. E eu vendo-aassim imóvel e gelada, mas também ja sem ne-nhuma angustia, já sem nenhum sofrimento,pensava comigo mesmo no desespero de queme achava possuído: "Como deve ser boa amorte. Como é invejável aquele supremo re-pouso".

(*) Ana Bastos de Farias Brito, primeira espo-Sa do4UMSna

pequena: hoje «a. Joaquim Pontesde Miranda.

_____i__________ m— ]—jiii«irin ...

nmw^ymtJM mr w ám K^-^c^

ww'/ ^^JÉfl iV^ii íhv - ali ¦4 ^Cx \T^ B^

CARTA DO FILOSOFODICqS A UM ESCRITOR

Vj i\TO INÉDITO, entre nós, ó§ ' um filósofo de renome m-

-*- tcrnacional acusar o recc-bii.iento de uma obra de pensa-dor urasiieLo còííi os maiores én-coxnios. Foi exatamente o queaconteceu com o jovem íüósolopaulista, Renato Cirell Czerna,que tendo enviado seu livro "Na-turéza e Espirito" a Fritz Medi-eus, respondeu ele de maneiraque muito honra o nosso pensa-monto especula.lvo.

Fritz Meuicus è, um dos maisiiustres continuadóres da tradiçãodo idealismo alemão iniciada porFíchte, Hcgel c Schclling. Segui-dor das idéias fichteanas (Medi-eus, aliás, é o editor das obrascompletas de Fichte), sua filoso-fia é profundamente caracteriza-üa por um caráter ético. Medicusé .ambém um notável filósofo dareligião. Amigo pessoal de Croce,atualmente está regendo a cate-dra de filosofia da Universidadene Zurich.

O texto da carta de Fritz Medi-eus ao prof. Renato Cirell. Czernae o seguinte: "O sr. me causouurna ferantíe alegria, mandando-me o seu livro "Natureza e Espi-rito", e a bondosa dedicatória quelhe apôs de próprio punho. E' oprimeiro livro em língua portu-guêsa.que vem fazer parle de mi-nha estante, ou melhor, que mechega às mãos. Mesmo assim, naonie ó incompreensível: ha muitosanos aprendi um pouco de espa-nhol, e isto me auxilia a tomareontato com o seu livro com bas-tantt» compreensão, e, ao mesmotampo, a assimilar alguma coisatios elementos do idioma portu-Suêc."Cim viva satisfação observeialguns nomes de filósofos alemãeseom os quais eu tive e ainTa te-«bo relações pessoais. Passei o

semestre do verão de 1897 comoestudante em Strasburgo, e Ia eusegui o curso de lógica de Win-delband (1) e tomei parte numseminário sobre Kant: esta foi araiz do meu contato (que o sr.evoca à p. 91) com Wintíelband ea Escola Sul-Ocidental Alemã.(2)i Mais tarde, como livre-tío-cente da Universidade de Halie,durane alguns anos eu ia pelomenos três vezes por semana commeu violino à casa de BrunoBauch (3), e com a sua esposa,que se encarregava da parte dopiano, tocávamos sonatas classi-cas: Bruno Bauch era o nosso pu-blico agradecido... Também Hot-nitsivald conheci em Baile; antesde viajar definitivamente para aAmérica do Norte, êle foi algumtempo hóspede de minha casa eraZurirh. Conheci igualmen>e Kro-ner na casa de Rickert (4), quan-do em Friburgo, em 1911, eu ini-ciava a minha viagem para assu-mir a cátedra de Zurich.

"Quando retirei o seu presentedo seu envólucro, e li o iitulo, re-parei que o mesmo correspondoàquele da publicação feita poiocasião do meu jubileu (a). Comgrata surpresa vi depois que esUpublicação lhe é familiar, e comespecial prazer constatei que tam-bém o sr. apreciou o ótimo jen-saio de Brehier (6). Reputo tam-bém excelente o ensaio de Hot-nigswald que igualmente o sr."^Fiquei

muito satisfeito em wrnue o sr. (P. 109) aceita a, dite-renca entre supra-temporalidadee a-temporalidade (7);, quem ocompreendeu deve acha-lo pertel-tamente claro; e contudo e sue-nreendente constatar como é diíi-cü a sua comprensãoa quase tó-das as cabeças alemãs.

Pelo muito alto reconhecimentoque o sr. me hipoteca na nota da

FRITZ ME-PAULISTA

p 91, devo deixar-lhe toda a res-ponsabilidade; mas não estareinegando que me tenha causadoalegria... Com os mais cordia.sagradecimentos e a estima doconfrade, a) Fritz Medicus.

NOTAS: 1) Um dos dois funda-dores da Escola Sul-Ocidental Ale-mã, de tendência , neo-kantiana,uue exerceu enorme influência naAlemanha e na Europa durante osprimeiros decênios dêsie século, centre cujos indiretos discípulospodem contar-se também Spran-eer. Radbruch e mesmo, em cer-to sentido, Scheler, Uartmann .«

2) Também conhecida por Esco-Ia de Baden.

3) Um dos chefes mais recentesda Escola Sul-Ocidental Alemã,Neo-kantiano influenciado tam-bém por elementos begelianos.importan.iysimos os seus concei-tos de temporalidade e ser, emcerto aspecto paralelos aos de Hei-degger, e importante também oseu conceito de funcionaUcade ló-

4)'Chefe, com Windelband, dacorrente neo-kanüana de Baden.Pode ser considerado o fundadorda axiologia ou filosofia dos va-loFf*S

5) Publicação feita por ocasiãodo 70.° aniversário de Fritz Me-dicus, na qual participaram comtrabalhos alguns dos mais im-poitantes pensadores contempo-raneos. Tais trabalhos foram reu-,nidos, em 1946, sob o título "Na-tur und Geist".

6) Filósofo e historiador fran-cês da filosofia, especialista doperíodo que medeia entre o ale-xandrismo e a patrística.

7) E' êste um dos conceitosfundamentais de Fritz Mc-iicus

(Tradução da carta e notas deR. C C.)

Dois poemas deHenríqueta Lisboa

O VIU

OS MORTOS ESTÃO DEITADOSE TÊM SOBRE O ROSTO UM VÉU.UM TÊNUE VÉU SOBRE O ROSTO.

NENHUMA FORÇA OS PROTEGESENÃO ÊSTE VÉU NO ROSTO.NENHUMA PONTE OS SEPARADOS VIVOS, NENHUM SINALOS DISTINGUE MAIS QUE O VÉUBAIXADO AO LONGO DO ROSTO.

O VÉU MODELA O PERFIL(FILIGRANAS DE MEDALHA)ACOMPANHA O ARCO DOS OLHOS,SOBE NA ASA DO NARIZ,COLA-SE AOS LÁBIOS. O MORTORESPIRA POR SOB O VÉU.(TAMBÉM OS VALES RESPIRAMAMOLDADOS A NEBLINA).

0

E ATRAVÉS DO VÉU A ARAGEXDE UM SORRISO TREME, PRESmA DAR A LUZ UM SEGREDO.

UM VÉU COMO OS OUTROS, TÊNUE,GUARDA O SEGREDO DOS MORTOS,NADA MAIS DO QUE UM VÉU.

REMINISCÊNCIA DE OUTROS VÉUS,DE OUTRAS. VERÔNICAS, DE OUTRASMASCARAS. SÍMBOLO, ESTIGMA.

DOS INUMERÁVEIS VÉUSQUE OS VIVOS ROMPEM OU ACEITAi»RESTA PARA O MORTO, APENAS,UM VÉU ADERIDO AO ROSTO.ENTRE A VIDA E A MORTE, UM VÉU.NADA MAIS DO QUE UM VÉU

TRÂNSITO

ANÊMONA? DE NATA.FLOR NASCIDAAO PÉ DA MORTE — TRANQÜILA.

FLOR NO TÚMULO.

ENTRE A AURA CREPUSCULAR E O FRIODA LOUSA, PERFUMAE OSCILA.

COM OLHOS DE ORVALHvFlXOS *NA SUSPENSA ABÓBODA, *A NOITE, EM PLENASOLIDÃO,CINTILA.QUANDO A ALBA A ENVOLVFESPESSADE CARICIA COM BRUMA,EM DELICADO E SÚBITOCALAFRIO,SEM NENHUMAQUEIXA,EXPIRA.

Page 11: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

Página — 12 LETRAS E ARTES Domingo. 12-3-1950

UM crítico paulista (&) et-

crevendo sobre LéonBloy quando da passa-

gcm do centenário de nasci-mento do peregrino do Abso-luto, saüenlrva o fato do quasedesconhecimento ou de esque-cimento em que vive Bloy en-tre nós, dizendo mesmo o sr.Alcântara Silveira ser inexis-lente a bibliografia brasileirado autor de "Le mendiant in-grat"... Lamentável distração,pois em 1939, o sr. Otávio deFaria nos deu um apalxonanteensaio "Fronteiras da santi-dade (3), em que estudou estafigura assombrosa de católico,de escritor católico, que foiLéon Bloy. Verdade que nestelivro se cuidou também de Pas-cal, mas a sua maior parte édedicada ao Tinvendable, pre-venindo o sr. Otávio de Fariaque sobre Pascal ia escreverainda uma outra parte, conti-nuação do mesmo livro ("Fron-teiras da santidade"), o queinfelizmente, ficou só na pro-..inessa, ou, pelo menos, não foipublicado. No resto, AlcântaraSilveira está com a razão. LéonBloy bem pode ser ura escritordesconhecido ou esquecido danossa elite intelectual (não o'será. entretanto, de uma tur-ma de católicos que escreveramsobre Bloy num número espe-

. ciai da revista do Centro DomVital: A ordem; e de um bom-número destes leitores anônl-mos que colaboram com os es-critores...). Por vários moti-vos. Hoje talvez não tanto pe-Io caráter deliberadamente po-lêmico da sua obra, tornando-o um católico incômodo aospróprios católicos, ou, mais exa-tamente, aos soi-disant.. mastalvez pelo descaso do místicopelas coisas deste mundo, pelasua perseguição incessante deDeus, de Cristo, da Pobreza...Quem lê Bloy está obrigado aum seríssimo exame de consci-ência, mais que isso, a umavigília. E descaso que o levamesmo a negação da música,quando menos, a sua limitação,como nesta passagem em queêle nos conta um après diné,ocasião em que uns amigosdiscutiam sobre o valor d«Meyerbeer e Wagner:

" Jlnterviens pour formule)de precises malédictions contretoute musique n'ayant pas di-rectement Ia louagne de \ Dieupour unique objet. Je dis queIa pius belle musique, mêmedéglise, ne parait belle queparce qu'elle est 1'occasion depressentir In v.raie musiqueFharmonie divine qui est aufoncl du Parfalt Silence" (4).

Estou imaginando (e de quêprodígio devo me socorrer!) oMarchenoir me ouvindo e sol-tando um iTaqueles seus habi-tuais e certeiros palavrões, di-zendo depois que eu, nesta ai-tura, nem aprendi a ler... Poisé difícil crer que Bloy desligas-se da música, esquecendo quoela é a única linguagem pos-sível aos gênios musicais, comoBeethoven, que gastou sua im-petuosidade e viveu a sua vidaverdadeira combinando os setesons, assim Bloy perseguiu oAbsoluto através a sua obra li-terária. Alguém dirá que o„autor de "Le desespere" não seconsiderava senão católico, co-mo êle próprio escreveu váriasvezes, e nesta carta a PaulAdam:

"Je ne suis ni journaliste, mécrivain, ni pamphlétaire, nipenseur, ni artiste, ni maitre,ni écolier, ni même patriote(...) ni quoi que ce soit, en-fin, sinon le catholique LéonBloy" (5). Saio então com adesgraçada impressão de terfeito chover no molhado. •.

*

A leitura de "Le mendiantingrat", o diário do católicoBloy, põe à nossa frente umpunhado de questões, diantedas quais a gente tem firme-mente de se decidir, ou, deixaro livro de lado. O autor nosinquieta, nos apavora mesmo,pelo seu dom profético. O quêdizer desta passagem em queêle queria constituir "obligati-on pour tous les Français d'en-tendre Ia Mcise tous les di-

RONDA A LEON BLOYCARLOS DAVI

Lei incroyanrs me détestent parce que je bafoue leurs sophismes, et lescroyanti nTabhorrent parce que je contpue leur lâcheré" (1).

manches et de eommunler aumoine quatre fois par an, souspelne de mort" (6)...

Também* não podemos pen-sar medrosamente, porque Bloynos adverte de que a sua pa-ciência — hétoi — é muito pe-quena: "Marchenoir a Ia cia-que faclle, Ia dent louguc etIa patlence inflnlmcnt cour-te» (7).

Escritor desconeertante, queparece justamente querer tiraro disfarce às nossas pobres con-vençôes; escritor que tem umsurpreendente faro, propondo ànossa Imaginação e ao .nossopensamentar, problemas emque não nos deteríamos nâofosse a vos de Bloy clamando-pela Verdade, pelo Absoluto.

Impossível negar a Léon Bloyo caráter de iluminado, de re-velador, revelador da VerdadeDivina, de Deus e de seu Fi-lho Único Jesus Cristo. E tal-vez reconhecendo isto é. queBloy preferiu a todos os seuslivros este patético "Salut parles juifs" (8); "cette brochure(...) qui me donne une peineinfinie, est certainement ce quej'ai écrit de plus importantjusqu'à ce jour (9)". Nele en-contramos a solução à questãojudia que convém à nossa con-diçâo de católicos: "II est doncbien démontré que rien n'està faire, et, considérant ce queDieu supporte, 11 convient. as-surémcnt, à des ames religleu-ses de se demander une bonne

fois, sans présomption nl rágeimbécile et face â face aveeles Ténèbres, si quelque mys-tère inflnlmcnt adorable ne secache pas, après tout, sous lesespèces de 1'ignominie sans ri-vale do Peuple Orphelin con-damué dans toutes les asslsesde TEspérance, mais qui, peut-étre, an jour marque, ne serápas trouvé sans pourvoi". (10)

E a explicação da perseguiçãodos judeus ao DINHEIRO:"Ona fort écrit sur PargentLes politiques, les économistes,les moralistes, les psychologueeet les mystagogues s'y ontépuisés. Mais je ne remarquepas qu'aucun d'eux ait jamaisexprime Ia sensation de mys-tère que dégage ce mot éton-nant.

"L'exégès? bibüque a relevecette particularité notable que,dans les Livres sacrés, le motARGENT est synonyme et fl-guratif de Ia vivante Parole deDieu (Ps., IX, 7). D'oú décou-le cette conséquence que lesJuifs dépositaires anciens decette Parole, qu'ils ont fini parcrucifier quand elle est deve-nue Ia Chair de 1'Homnie, enont retenu, postérieurement àleur déchéance, le slmulocre.pour accomplir leur destin etne pas errer sans vocation surIa terre.

"Cest donc en vertu d'un de-cret divin qu'iis posséderaient,n'importe comment, Ia plus lar-ge part des biens de ce mon-

de. Grande joic pour eus! maisqu'en font-üs?" (11)

Acrescentando cm s e g uidaBloy:"Ce qu'ils font de 1'argent,je vais vous le dire, ils se cru-clflent"."Salut par les juifs" velo au-raentar o número já bastantecrescido dos amigos e leitoreslachés de Bloy, coisa que cer-tamente êle esperava, o intui-tivo Léon Bloy, que coloca co-mo epígrafe do seu journal (Lemendiant ingrat) estas palavrastirados a Barbey d'Aurevillv:"Les plus beaux noms portespar les hommes furent lesnoms donnés par leurs en-nemis".

*Estudado o caso Bloy. não se

pode senão colocá-lo nas fron-teiras do sobrenatural, se nãoquisermos, nas da santidade.Impossível que o peregrino doAbsoluto não tivesse inspiraçãodivina, êle que em meio a tan-to sofrimento, a tanta misériaconscientemente querida, escre-via estas coisas ao seu fielamigo De Groux:"Je suis 1'enclume de Dieu.au fond du gouffre, 1'enclume de-Dieu, qui me fait souffrír ainsiparce qu'il m'aime, je le saisbien."L'enclume de Dieu, au fonddu gouffre!..."Soit. Cest une bonne plácepour retentir vers Lui."Tout ce qui arrive est ado-rable, parfaitement adorable,

PEQUENA NOTA EMTORNO DE "DOROTEIA" •:.

NELSON Rodrigues é um

fenômeno curioso emnossa literatura teatral.

Sendo o autor mais discutidoaté hoje, entre nós, tendo des-pertaâo muita gente desta apa-tia inexplicável pelas coisas doteatro, traz, estejamos de acôr-do ou não com êle, aceitemosou repudiemos suas soluções cê-nicas, o teatro brasileiro a umplano acima do medíocre, crian-do uma atmosfera de polêmica,onde se faz necessário o cohhe-cimento da tragédia clássica, daestética de cena e da inquieta-ção do teatro moderno.

Não nos colocamos no meiodos admiradores ou inimigos doteatro de Nelson Rodrigues.Procuramos ficar no plano dosque estudam e observam ape-nas, pois pela primeira vez en-contramos, em nossa literaturateatral, uma expressão criadora,

um espirito angustiado, buscan-do formas plásticas, dando ca-minho e solução aos temas con-tra todos os conceitos e precon-ceitos, já estabelecidos entrenós, na matéria.

Há, em Nelson Rodrigues,uma nova visão na fixação datemática, visão com a qualZiembinsky, este "borracho deestrelas", encontrou pela iden-tidade ao dar o sopro' de vida,o ritmo e a expressão, nas obrasdo autor de "Vestido de Noiva".E' inerente das peças dê Nelsonum avanço, deixando-nos nummeio termo entre o teatro e ocinema. Oferece assim, a umpesquisador de formas, sonha-dor inquieto de ritmos e marca-ções interiorizadas, puramenteespirituais, campo vasto parabuscar, longínquo ao conven-cional, ao já feito e refeito.

Há coisas, também, r.a obradeste teatrólogo, que nos cho-cam e desorientam, como apseudo-püraVisia de "A mulher

ODY FRAGA

sem pecado", ou o excesso, mui-to além do admissível, de tra-gédia em "Álbum de família",peça para nós absurda em todosos seus aspectos.

Dá-nos agora, Nelson Rodrl-gues, "DOROTEIA", talvez asua melhor obra. Sem o cine-mátográfico de "Vestido de Nol-va", sem as fraquezas de "AnjoNegro", uma peça de excepcio-nal valor intrínseco, a qual le-vantará, certamente, enorme ce-leuma entre a critica e o público."Dorotéia" chama logo aatenção para um fato bastanteinteressante. Partindo de umprincípio irracional, alucinado,tem, no entanto, um desenvol-vimento lógico, com continul-dade e seguimento, tudo funda-

O VIUVO(Conclusão da 5." pág)

E com o correr do tempo, Zelmirode Novais percebeu que sua, impor-tancia crescia. A medida que veri-ficava isto, apurava detalhes quecompletavam singularmente suaindumentária; por exemplo, aque-Ia fita de gaze que colocara nochapéu e que esvoaçava com tantagraça quando êle passava a çami-nho do cemitério ou da missasSentindo-se reconhecido e ampara,do, sentia renascer no seu íntimorestos de confiança, cumprimen-tava com delicada unção os novosconhecidos. E já todos o respeita-vam, convidavam-no para reuniões,aconselhavam-no com êle em pro-blemas familiares, o alfaiate sen-tia-se integrado na comunhão doshomens e compreendia que acerta,ra, que agora qualquer coisa anda.va direito em sua vida. E todo «depreto, cada vez mais rígido e maistriste, quando o apontavam dizen-do: "E' o viuvo", percebia que fi-nalmente havia acertado com suaverdadeira vocação. Mas no fundo,êle que sempre temera os homens,julgando-os superiores, agora olha-va-os com desprezo, e caminhavade passo duro. um indefinivel sor-riso nos làbfps.

mentado no clima desconcer-tante do ponto de partida.

As mulheres que nunca vi-ram homem, a náusea tradicio-nal da noite de nupeias, o ca-samento de Das Dores, que nas-ceu morta de cinco meses ecresceu na ignorância áe suamorte, com o filho de D. As-sunta da Abadia. O jarro, asbotinas. Tudo se desenvolvenum clima de pesadelo denso,dentro do qual se constrói umabela peça, que prescinde doreal. Sem procurar explicar,sem concluir, dando direta e ob-jetivamente em um plano só:teatro. Teatro feito com liber-dade. Teatro honesto e inde-pendente.

Além das qualidades artistl-cas, "DOROTEIA" possui outravirtude. Trabalhada dentro doplano em que foi concebida, apeça não faz concessões e, fe-lizmente, o espetáculo é manti-do no mesmo padrão, longe dointeresse subalterno. DORO-TEIA é uma aventura sadiaonde se procura uma expressãoartística. Aventura dirigida pa-ra a liberdade criadora e ex-pressionai.

O público irá estranhar gran-demente esta peça. Ficará de-sorientado, pois hão irá chegara nenhuma conclusão, ficaráimpedido da cômoda atitudeburguesa de julgar, porque éimpossível julgar as personagensde DOROTEIA. No entanto,reagindo contra ou favorável-mente, êle sentirá haver algumacoisa em teatro além do queassiste comumente. Alguma coi-sa nova e real, onde a dor e aalegria se expressam em formasinéditas e estranhas.

DOROTEIA é representativapara o nosso teatro e será, tal-vez, o maior espetáculo da tem-uoraãa. Esperemos o que diráa crítica e o público.

et 'je suis brulé de larmes. .*<n)' t. à. »Bloy mesmo reconhecia essa"força que lhe vinha de fora,de Alguém, do Absoluto e queo fazia despertar, em plenanoite, ouvindo o carrilha© dasbasílicas do céu (13):"Cest quelque chose. d'aper-cevoir 1'ombre de Ia Main deDieu" (14)."Ma très-profonde et três-Inébranlable con viction c'cstque je suis reserve pour être letémoin de Dieu, l'aml tres-suidu Dieu des pauvres e desopprimés, lorsque 1'heure serávenuc, et que rien ne prévau-dra contre cet appel. J'ai 1'ln-comparable et miraculeux hon-neur d'être nécessaire à Celuiqui n'a besoin de personnc, etj'ai été salé de douleur pourun long voyage" (15)."... je suis certainement deceux qui devront parcourir lemonde, en criant aux hommes:

— Quittez tout, vendez tout;.et suivez-nous!" (16)

O seu ascetismo era a causade que Bloy dlsesse confiante-mente a si próprio, numa me-ditacão à Missa matutina: "IIne s'agit pas d'implorer, exige.Tout n'est-il pas à toi?".

Csse homem que dependia detodos, que num momento emque se viu privado do seu ga-nha-pão junto a um jornal emque colaborava (o Gil Blas,Journal des cochons, como êleo chamava,..-, passou a viverda esmola de alguns, vários,desconhecidos que lhe envia-vam uma certa quantia pelocorreio, porque souberam ouleram alhures que o escritorestava, com a família, em pro-funda miséria; esse católico or-gulhoso e malquisto, era umesplêndido intolerante. A forçade tanto heroísmo, de tantaprece, êle edificou a sua fénestes 3 princípios:

«l.o Tout ce qui arrive estadorable. 2.° Accord parfait deIa liberte divine et de Ia liber-te humaine. De toute éternitfi,Dieu salt que, tel jour, tel in-dividu accompíira límeraent unaete nécessaire. 3.° Enfin toutce qui n'est pas strictemcnt, ex-clusivement, épurdement ca-tholique, doit être jeté aux la-trines" (17).

A tortura humana que eraImposta a Bloy, a fome, o frio,a morte de seus filhos Andrée Pierre, as doenças, todo estecontingente de desesperação quelança as criaturas num abismodosloierskiano. só serviam paraaumentar nele a certeza de queassim, Deus eslava provandoque o amava..."Seigneur, vous priez pourcèúx qui vous crucifient et vouscrucifiez ceux aui vous ai-ment!" (18)"Je saia que nous vi vous deIa Main de Dieu, uniquement.et que nous n'avons rien âcraindre. Mais cete certituden'èxclui pas ia souffrancc, etnouravons eu lecoeur siméur-trü... (19)"Tribslation excessivo, maisDieu ne cesse pas d'être ado-rable" (20).

\

¦

I i

(1) — Léon Bloy, "Le mendiantingrat", II, p. 52, Paris, Mercurede France, 1946.

(2) — Alcântara Silveira, "O es-quecido Léon Bloy", "Letras e Ar-tes", suplemento literário de "AMANHA", Rio, 6-10-1946.

(3) — In "Cadernos da horapresente, n. 2, São Paulo, 1939.

(4) — "Le mendiant ingrat", í,p. 201.

(5) — Idem, p. 176.(6) — Idem, p. 125.(7) — Idem, p. 184.(8) — Mercure de France, 1946.(9) — "Le mendiant ingratV I»

p. 71. Tendo escrito, já no 2.° vo-lume, p. 215: "Cest sans compa-raison le plus considérable demes livres, celui dont je suis leplus fier et le seul, jusqu'à cejour, que j'oserais présenter àDieu, sans aucune crainte". -¦

(10) — "Salut par les juifs", p.46-47.(11) •— Idem, p. 48 a 50.(12) — "Le mendiant ingrat".

II, p. 218. -*)(13) — Idem, p. 107. '(14) — Idem, p. 110.(15) — Idem, p. 118.(16) — Idem, p. 194.(17) — Idem, p. 31-3(18) — Idem, p. 170.(19) — Idem, p. 199.

s Í20) — idem, p. 208.

-i

¦'-.¦¦ . ¦.

HJjJteg^fe.ísfiaÈt--'»«W--WI|*l»^^SJT^»„j4jK,m^«^

Page 12: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

Domingo, 12-3-1950 Letras n 'artes Página — 13

I

*

(CONCLUSÃO)

E» POIS o introspccclo-

nismo, o também cha-mado consciencionismo,

a fase preparatória do métodochamado Cartesiano

O sistema psicológico de Des-cartes procede do PanpsiqulsmuPanteista dos humanistas seusantecessores e contemporâneos,e como reação. O matemáticobuscou, consoante o diz . naResposta ás Segundas objcções,fixar uma distinção bem clarae bem marcada entre o espírl-to e a matéria. E' de tal dis-tinção extremada, como sesabe, que nasceu o famoso dua-lismo exagerado de toda a psi-cologia cartesiana. (cf. v. g.Principia Philosophiae, Ediçãolondrina de 1645 pag. 1 5 53.pag. 14. § 9 e pag. ?.). Nestestermos podemos asseverar queDescartes de certo modo res-taura a Platão: pelo supremovalor que concede ao testemu-nho da consciência, critérioprimeiro da Verdade e instânciaúltima contra todo ceticismo, epelo desdém com que trata oconhecimento sensível. E* suapsicologia pois restri ti vista,consciencionista, apnorista e

* exageradaménte espiritualista." No entanto Descartes picava-

se de médico, anatomista e fi-fciologistá e de grande emulodesse extremo observador daNatureza que foi Francis Baconde Verulam. De fato o que sedá é não podermos apartar emCartesius o Filosofo do sábio.Neste sentido ele é um legíti-mo precursor do positivismofrancês, em sou vão tentamede tornar a Filosofia uma ei-ência exata. Os seus erros sãoos do grande Metafísico dasEscolas, no afã de concluir ede sistematizar, separando mal,método de investigação cientí-íica com método de exposição,(cf. Etienne Gilson — Etudessur le Role de Ia Pensée Mé-diévale dans Ia formation dugvstéme Cartésien. 1930. Pa-ris. J. Vrin. PASSIM).

Aplicar o método geométricoà Metafísica para fazer da Me-tafísicà uma' ciência exala, eisai a pretensão nuclear do Car-tesianismo. Partindo de umpequeno grupo de axiomas e dedefinições, o geometra, alcan-ca, por via dedutiva, verdadesnotáveis, oor que não fazer omesmo com a Metafísica? Masaqui faltam os pontos de parti-dá, vale dizer, os axiomas e asdefinições. Descartes encontra-los-á a uns e outros, através daintfospécçãò ajudada do Racio-cinio, e o resto ser-lhe-á fácil...tão fácil, tão claro e tão lógicocomo em Geometria...

Todas as coisas que nós sa-bemos, ou julgamos saber, pro-cedem já da tradição, já dossentidos. Mas os sentidos en-ganam, provaram-no os presso-

1^- cráticos, os sofistas e cs céticos,e quanto à tradição... Descar-tes resolve portanto por dequarentena tudo quanto sesabe. Todavia, a sua dúvida ?.apenas uma dúvida metódica,isto é, uma suspensão de juizoindagatória, voluntária, fictícia,limitada. Seu ceticismo é radi-cal, mas provisório: apenas ummétodo, uma técnica de estudo'e de prova: Suponhamos quetudo isso seja falso... beíldubito ut intelligam.

E foi por aí que se fundou áFilosofia racionalista moderna.Porque eu duvido de tudo, écerto. Mas duvidar é pensar:Disso tenho a certeza. E mais,pensar é existir. E' pois igual-mente certo que eu existo. Co-giio, ergo sum... "Notei,então, que. esta verdade, pen-so, logo existo, era tão sólida e•tão certa, que nem mesmo asmais extravagantes suposiçõesdos céticos poderiam abalá-la.E, assim julgando, conclui quenão deveria ter escrúpulo emaceitá-la como o primeiro prin-cipio da Filosofia que buscava".(Discurso do Método. QuartaParte, e Segunda Meditação).

Mas este raciocínio é de San-to Agostinho. Descartes dá-lheum torneio novo, resume-o:Cogito, ergo sum... E' umlema, um juizo analítico, evi-ciente por si mesmo: umaxiomá. È deste axioma vãodecorrer proposições natural-

REN*E DESCARTESARTHUR VURSIANI VELLOSO \

mente t&o verdadeiras como &próprio axiomr*. Cogito, er-go sum... Somente a evi-dência, unicamente a evldén-cia, pode dar-me a certeza dealguma coisa. A evidência écritério exclusivo da Verdade.Ora, é evidente que eu pen-so e que eu existo, mas nãoé que o objeto de meu pen-samento exista fora de mim,verbi gratia, que o -sol seerga e se ponha. Dcssarte, ebem possivel que as minhasidéias sejam simples produto deminha imaginação, as sensa-ções, mero abalo produzido pelomundo exterior em meu corpo,nada se alcançando, nada ab-solutamente, da Realidade emsi:

Contudo, algo há que nossurpreende e esmaga: a idéiade Deus, com Ser Infinito ePerfeito. Eis uma idéia alie-nígena dentro de nós. De ondeviria ela % Não do meu própriopensamento, de seu naturalconfinado, frágil, finito e im-perfeito. E' evidente que umacausa finita não pode produ-zir um efeito Infinito. O fun-damento lógico de nossa fé emDeus, não é uma joncepçaonossa, necessariamente subje-tiva e por onde frágil, e sim opróprio Deus afirmando-se emnós pela idéia inata de Infini-to. Não é que Deus existe por-cue o meu espirito o conceba,mas sim: minha Razão conce-be-o porque Ele existe. Naoconfundir Santo Anselmo comDescartes. Aliás, de fato,, a"prova ontoiógica anselmiana,como o Cogito, ergo sum,não constitui um raciocínio,mas o enunciado de um axio-ma, o enunciado de uma ver-dade, que nossa Alma apreen-de logo, diretamente, intuitiva-niénte, antes de toda e qual-qUNósrsabemos pois em P^mei-ro lugar que existimos e em se-gundo lugar que Deus existepsereve Descartes. Sem a cei-mm existência *.W» naohaverá ciência positiva, permaneceriamos emparedados emnós mesmos sem jamais conne-ceifoSTcoisa. E» pela certeza

pntre o Pensamento e a R^11lâde ^rna. Somente Deus e« íípnnor e a caução de queniiSs idéias sejam verdjdei-ETe não alucinaçdes purassonhos de um louco em Delírio.

E' a idéia de Deus, idéia queEle próprio em nós inseriu, aúnica defesa contra o Ceticis-mo. Ele nàos nos enganaria,escreve Descartes na Meditaçãonúmero cinco, parágrafo oito.Deus não nos enganaria, nãoestamos sonhando... O mundodos corpos existe.

Estamos pois de posse de trêsRealidades inegáveis: a Subs-tância Infinita da qual tudoquanto existe depende e quepor sua vez de nada absoluta-mente nada depende, isto é,Deus; a Alma, que é uma subs-tância pensante, e o corpo:res extensa... entendendo-se por substância, algo queexista de tal modo que naoprecisa de outra coisa paraexistir. (Principia Philoso-phiae I. 912.51).

Mais tarde dirá Baruch Spi-nosa, nas pegadas do estudan-te de La Fléche: - pois que asubstância é uma coisa quenão exige outra para existir,seguir-se-á logicamente que sóDeus é substância propriamen-te dita. E' obvio: somente Deusafinal existe, pois nada há quepossa ser sem Ele! Razão u-nham as Escolas ao dizeremque a voz substantia nao eraunívoca, relativamente a Deuse às Criaturas. Em si_ e defato, as Criaturas nao po-dení ser substâncias pois exis-tem em função de reciprocida-de, ao passo que de Deus ae-Peparamsafar-se do enliçamentoDescartes diz-nos de substàn-cias relativas e finitas,de modos e de atributos,Os espíritos e os corpos sendosubstâncias relativas, o atribu-to vale dizer a essência, a qui-didade dos primeiros é o pensa-mento, isto é, a consciência, oquerer, o entender, o ^ginare até o sentir (Principia, Phi-losophiae I. 9.) e o atributoa essência e a quididade doscorpos é a extensão. Disso pio-cede que não poderia haver emo Universo, extensão sem cor-po, vale dizer, vácuo, nem cor-pos inextensos, isto é, átomos.Resulta ainda do dito que omundo corporeo é ilimitado,visto ser impossível conceber-sea extensão com limites. E nes-te passo Descartes anda às tes-tilhas com Aristóteles mais deuma vez.

Para o gentilhomem de LaHaye a ciência do mundo éum simples problema de Meca-

nica. E' uma engrenagem, umagrande máquina, o inundo ma-teriol, mera sucessão de movi-mentos que têm a sua origemem Deus. (Principia Philoso-phiae II. m.). Todavia, ob-serva o criador da geometriaanalítica, não se mescle a Teo-logia com a exegese da Natu-reza: deve a Física renunciarin totum à especulação dascausas últimas, atitude que nretardou por dez séculos, pormil anos! (Principia I. 28).

O Espírito, livre e inextenso,ativo e sul júris p. a. d.significa a antítese do corporeo,material e extenso. São duassubstâncias inteiramente opôs-tas, exclusivas e antitéticasuma à outra. Nada há de co-mum entre elas. Em absoluto.Nem mesmo o conhecimentode uma e de outra.

O dualismo cartesiano é fer-renho e radical: — a alma na-da tem que ver com o corpo evice-versa. (Lettre XIX — Amadame Elisabeth, princessePaiatinc). Mais tarde éle faráconcessões à tese conciliatóriaaristotel ico-tomista. Jamaisporém Descartes confunde asduas substâncias. E' interes-santo todavia verificar-se quesua Antropologia, tal e qual seformula no Tratado das Pai-xões, pressupõe tudo aquilo quea sua Metafísica nega. AhDescartes concede que a almase encontra infusa por todo ocorpo, exercendo particular-mente na glândula pineal asfunções precípuas: é verbi gra-tia através da dita glândula tdos Espíritos animais, que ocorpo e a alma se entendemnas suas ações recíprocas. Maso Tratado do homem rasgr. denovo entre as duas substânciaso hlatns que existirá de todaa eternidade entre as mes-mas.

O corpo se move, respira, ali-menta-se, mas quem deseja,ama, espera, sofre, teme, so-nha, quer, sente, imagina, pen-sa é a alma.

E estes fenômenos s5o con-seqüências, não efeitos, das vi-brações determinadas nos po-ros do cérebro, sede da alma,pela entrada e pela saída dosespíritos animais...

Sem o corpo, e principalmen-te sem o cérebro, todos estesfenômenos desapareceriam, co-mo também a memória que osinforma. A Alma reduzir-se-ianeste caso às concepções puras

•¦*

R£C!FE — Desenho d e BARBOSA LEITE

c abstratas de substância, pen-samento, espaço, infinito, idéiasradicalmente intensas à sensa-çfto. Ainda: aquelas idéias, pa-ra cuja formação a ajuda dos.sentidos c em conseqüência acooperação do cérebro ò con-ditio sinc qua non, em na-da se assemelham ás coisasde que supomos serem elas re-presentações, isto é, são dcfi-Altivamente outra coisa queo representado. E aqui afamigerada encruzilhada doCartesionismo, seu impasse cru-ciai de ominosas e incalculâ-veis conseqüências: à idéia,abstrata, imaterial, genérica,opõe-se o objeto, material, con-ereto, sensível, particular: —"Nossas idéias das qualidadesmateriais se parecem com ascoisas como se parece a dôrcom a ponta de ferro que acausa, ou as cócegas com apeninha que as provoca"...

Patenteia-se logo o grandedrama cartesiano: racionalistae espiritualista de início, emtese, e de boa fé, René Des-cartes o fundador da FilosofiaFrancesa despenha-se ric fa-to no empirismo. no materialta-mo, no idealismo e no ceticis-mo. E' um precursor do sen-sismo de Locke, do cetici.smc»de Hume, do idealismo de Kante do materialismo de um LaMetrie, verbi gratia..

Condenada, málsinada e des-virtuada, esta grande filosofiacartesiana, que afinal traduziaem termos claros e precisos odesejo ardente do século XVI).d? romper com a tradicionalautoridade, com a hierarquia eordem estabelecidas desde nu-merosos séculos, teve contra si,no processo de seu espantoso eretumbante evolvimento e desua ressonância sem par, ossutis jesuítas das Gálias e ossombrios Calvinistas de Holan-da, os severos materialistas deInglaterra, como os alegres çé-ticos da França. A sua Uiflu-ência foi irresistível e como* ade Kant dificilmente poderáser exagerada, bastando citara sua larga e insidiosa intro-missão entre as sumidades ca-tólicas do século entre os ngi-dos jansenistas de Port Royal.

E as infinitas razões possi-veis dessa inacreditável reper-cussão em todos os meu>s, atéhoje têm sido objeto de afev-voradas controvérsias e inter-mináveis estudos, volvendo ãpauta, com mais instância,aquela tese segundo a qual .osistema de Descartes renoe dpnovo os problemas dai Filo^o-fia em discussão, como se na-da houvera sido feito. Verbigratia, o problema das relaçõesentre o Espirito e a Mate-ria, ou seja entre a almae o corpo, e os caluniosose transcendentes problemascòrrelatos e afins com este. Asagudas e enervantès questõescríticas e mais as atinenter. asconexões entre a alma e Delise entre a Liberdade humana aeum lado e' a onipotência e oiii-ciência divinas de outro lado.

Dizer da forma através daqual o cartesianismo agita eanalisa estes problemas e mui-tos outros mais, em suas bJíur-cações e esgalhamentos mume-ráveis, assim como tratar dasacirradas e ininterruptas- con-troversias que Descarte, susci-tou, digamos, do Discurso doMétodo (1637) à Crítica darazão pura (1781), durante 144anos, sem pausa nem descanso,entre os mais credenciados es-tudiosos.de todos os países ei-vilizados, seria tentamen im-possível para um despreten-cioso ensaio informativo,de natureza jornalística eportanto efêmera. Remetemosdessarte o leitor curioso oa Bi-losofia que rompeu com a uni-dade espiritual européia, namais desastrosa e incalculávelde todas as rupturas, as obrasde um Karl Jaspers (Descav-tes e a Filosofia) de-um LeonBrunschwigc (Descartes), deE. S. H, ,J"< -e (Descartes suavida e seu tempo) de H. Gou-liier (O pensamento religioso deDescartes) ou às.obras de umOlgiati.

Page 13: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

Pigini — 14 LETRAS E ARTES Domingo, 12-3-1950

^^êÊÊf '" jf ^zp*-^im**** ** ^L ft L^W^SzWr» fjH ^^K^' ^¦^k ^z^B^z^zk

Desenho de Y LLEN KERk

SPAujjv»,

ao-lX-31.Manú,

afinal me sinto umbocado mais bem-disposto e ve-nho lhe agradecer tele e ex-pressa que o seguiu. Hoje nadoem pleno Paraíso, satisfeitonesta minha curtida vaidadi-nha de jamais não perder na-da neste mundo. Mas o que me'deu de caceteaçáo, de males-tar, de inquietação a presumi-da perda das três folhas vocênão imagina. E já tinha escri-to pro Prudente, como foi seuconselho, não me atrevendomesmo em carta, a aparecerassim nú e crú diante do Sér-gio. Já desescrevj e estou feliz.

O X chegou aqui e já an-dou fazendo intrigas. Creioque ele tem uma curiosidadeinsaciável de mim. curiosidadeao mesmo tempo de mãe, clu-menta de amante, e ocupadorade tempo do basbaque. Isso tleva a cuidados, ações, pes-quisas e o diabo que é difícilda gente analisar completa-mente, por causa da formida-vel dose de instintivlsmo quenorteia o Paulo, desde que nãose trate dessa honestidade piá-tica-e objetiva, exterior da vi-da. Já arranjou jeito de teruma conversa comprida com Y,não sei o que êle disse na con-versa, mas depois veio me con-tar coisas que ela falou de mim,que me deixaram p. da vida.

A outra não conseguiu, foicom você. Antes mesmo de meabraçar, já foi contando quevocê tinha ficado danado com

CARTA DE MARIO DE AN-DRADE A MANUEL BANDEIRAminha primeira carta depoisdo Rio, e com consideraçõesque é meio besta repetir. Acre-ditei e acredito na possibilidadeda carta ter irritado você, maso resto era besteira visível praque eu me inquietasse. Podeter certeza que a parte intrigado contado gorou. Mas é de fa-to possível que a minha cartativesse de alguma forma feri-do você, ou na compreensão

que tem de mim, ou na com-plexidade do seu ser interior.Não tive intenção de. está cia-ro. O caso me preocupava, tan-to mais, não sei si referi nacarta ou em conversa, que ten-do querido explicar ao Maron.porque êle falou nisso, o queimaginava do quadro, meu ale-mão não deu, já não era con-versa só, era estética, critica,e meti os pés pelas mãos. Tan-

to mais que o homem nem sa-bia o que era "fusion" emfrancês, que eu não lembravacomo era em alemão 1

Você dirá que se este casonão pegou, estou sempre sendovítima de intriga caçoista doX., no caso da Y.. O que elefalou é verdade, e velo apenasse acrescentar a uma série decoisas de que jamais fiz partea você, e muito menos a êle,

Adivinhas populares

1

(Conclusão da 4.* pág.)sua casa e mora dentro dela?

Botão.32 — o que é que mais parece

[com meio queijo?A outra metade.Além destes tipos de adivl-

nhas, que são os mais comuns,temos ainda as pequenas histó-rias para decifração. Comoexemplo, cremos, o mais conhe-cido, é:"Comprei pão e matei Pita;Pita matou sete; de sete tireium; atirei no que vi e matei oque não vi; com palavras san-tas assei e comi? entre o céu ea terra tirei água e bebi".

Agora a explicação:"Comprei pão e com minhacachorrinha Pita fui à caça. Nocaminho dei-lhe um pedaço do

pão; êle estava envenenado eela morreu. Tirei o seu couro esalguei o corpo, continuando omeu caminho. Encontrei setebandidos que me assaltaram eroubam a carne de Pita. Elescomeram e morreram. De umbandido tirei uma arma e ati-rei em um ninho; dentro, queeu não vi, estava um passarinhoque morreu. Com palavras san-tas assei, e comi. Fiquei comsede e tirei água de um ocode pau, entre o céu e a terra, ebebi".

Há também nas pequenas his-tõrias, em cujo final se formu-Iam perguntas, para as quais jase têm respostas. Vejamos umadelas, bastante popular:"Três moços foram caçar e

encontraram três pombas; cadaum matou uma. Quantas pom-bas voaram?" A resposta nãose faz demorar: nenhuma. Po-rem, aponta-se logo o engano:Cada um é o nome de um dostrês moços, filho de sírio!

Adivinhas deste tipo encon-tramos no folclore dos paísesamericanos e europeus.

De fato, as adivinhas têm umcaráter de universalidade, nãosó ocorrendo em países cultoscomo também em atrasadas re-giões africanas.

Ê uma faceta curiosa de nos-so folclore, pouco explorada emuito produtiva, onde interes-santes observações poderão serfeitas pelos estudiosos da ma-teria.

não só por causa do meu jei-to, como porque nunca vi emquê isso podia nos adiantar emnossas cartas-

Já recebeu a Revista Nova?Aliás onde mora o Cícero ago-ra? Me pediu colaboração praRio, escrevi pra rua Aprazívelperguntando como queria a co-laboração que aliás êle exigiaaté dia 18 passado e não rece-bi resposta nenhuma até ago-ra. Mande opinião sobre oAmor e Medo. Aliás saiu umartigo dum tal Aurélio Gomesde Oliveira, incrível, que medeixou bastante amolado. Pa-lavra que me deixa ridículoesse artigo e esse admirador.Da admiração nem o* Aurélio(se é que existe...) tem a cul-pa, mas nada me impede desofrer que Pru tenha mandadoesses elogios pra mim, e o Al-cantara os tenha deixado sair.fi certo que este me contaraa coisa e pedi pra êle cortarou que eu fizesse a revisão doartigo pra cortar por mim. Istonão foi possível e o Alcântaranão quis fazer a caridade. Pa-ciência.

E ciao com abraço doMario.

1. Carta anterior a esta, queserá publicada depois comas necessárias ilustrações-

2. RIO: era o título da revistaque Cícero Dias pretendeufundar.

3. Amor e Medo: ensaio deMário. (Notas de ManuelBandeira).

Estudos sobre "Fonte Invisível"

V

(Conclusão da 3.a pág.)

desse ^oismo do homem tempo contra o homem eterni-dade reside, antes de tudo, na impaciência de logo che-

garmos à desejada intensificação. Por toda essa nossaincoerência, profundamente atinge-nos o dilema do poe-ta, suscita um "tonus" de emoção que densifica a vi-vencia estética.

E' evidente que tal problema se torna muito maiscomplexo, ultrapassa esta enunciação simplificada pelofato da fé, esta fé da qual Schmidt se aproxima efoge, deseja e se esquiva, mas tudo isso já escapa aonosso campo, o que é seguro é o ácendrado anseio paraa transcendência que «aflora em muitos versos de FON-TE INVISÍVEL, i

A TRADIÇÃO

Encontro em Schmidt a presença nítida das duasmais importantes tradições do ocidente — a bíblica e agreco-romana. Já muito se aludiu ao tom bíblico dopoeta do CANTO DA NOITE, este tom permanece emFONTE INVISÍVEL, como por exemplo no SONETOVI, poesia de surpreendente beleza, uma das mais per-feitas de nossa língua e que não me furto a transcre-ver, de tal modo a admiro —

ó lendas de Israel mergulhadas na noiteBelas filhas de Elfir, de Cibrão e de Olganu.,Dansannas — o luar v»* v»vovv». uuE inundando o deserto, que c um mar,

Raparigas de mãos tão úmidas e quentes,Sobre os longos areais o vento geme e sopraE um noturno terror vossos olhos acende,O noivas de Israel à espera do Senhor.

Mornos corpos em flor que a noite mais enflorá,Loucas que soluçais na ansiedade amorosa.Que sono vos prendeu como um muro de trevas?

ó virgens de Israel, que suspiros gelados <Sobem da noite antiga em que dormis, perdidas»Filhas que o Amor tornou prisioneiras da Noite.

Com mais tom bíblico que o precedente, que seprende à Bíblia sobretudo pelas imagens, pelo âmbito,são alguns longos poemas como SENHOR, A NOITEVEM DESCENDO — POEMA DO ESPIRITO E DO VI-NHO, etc...

Passemos agora a linha greco romana: apesar daagonia barroca, Schmidt mantem-se um apaixonadopelo mundo clássico. Celebra Homero, mostra-se enrai-zado na paisagem virgiliana, que vamos deparar emquase todo o seu livro, povoado de orvalho, de árvores,cheio de pomos amadurecidos, esses dons da terra quesonoros, surgem em ROMANA —

Colheremos os pomos.O amor será tranqüilo, «Como se fossemos sereiIsentos da morte,Livres das mutaçõesE dos desenganos brusco?,

Mas além dessas tradições, cumpre aludir à outr*ão menos importante e que decorre da castiça lingua*

gem do poeta, da sua fidelidade ao português, do qualprocura extrair os amplos e serenos acordes, a sua be»leza austera e digna, os adágios e largos. Assim, mau-grado toda a genuinidade, sinto uma madureza qui-nhentista neste comovente soneto, que desejo, como umúltimo e claro aspecto da nobre paisagem pela qualviemos caminhando.

Senhora, o meu amor não tem destino!Em mim tão só lavrou e fez tormenta,Em mim tão só ardeu, maguou, fez ruina,Em mim tão só tristezas provocou.

Senhora, o meu amor é pobre e ardenw,E' um amor sem história, solitário,Amor que um peito só conhece e sentaE que das próprias chagas se alimenta

Senhora, o meu amor é triste e inútil^Não tem razão, é injusto e miserando,Vive de enganos, d» ilusões do nada.

No entanto, é grande o meu amor. Senhora,E' maior do que o amor que eu tenho ao munafe,Bem m«tfor do que o amor que eu tenho a yid»«s

W

Page 14: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

%

'¦¥¦

Domingo, 12-M950

UM

ACADÊMICO, que sedá ao luxo. Intelectual dc

usar no seu comércio «o-tini doses mortais dc malícia ehumor, fez há tempos, numaroda do Petit Trianon, a apo-logla do inimigo. Não só doinimigo literário (que o mestreJoão Ribeiro definia comoàquele que, gostando de litcra-tura, não gosta da "nossa jlti-fatura"...), mas do inimigo emgeral. E dizia êle, com uma vi-vacidade talvez um pouco cx-cessiva para um acadêmico, oseguinte:

• — "Ora bolas! Eu me senti-ria acabrunhado c triste se nãotivesse inimigos. Só não teminimigos esses indivíduos amorfos, ineolores e melancoli-cos, que toda gente estima,porque eles não fazem sombraa ninguém. Todos os homensque possuem uma personaüda-dc — que são afirmativos cmarcantes — têm por força quedespertar reações dc inveja, dcirritação, de má vontade gra-tuita. E' inevitável. Aliás, Wil-de já havia observado que todoefeito belo que produzimos nos

! traz um inimigo. Para ser po-pular, para ser geral e unam-mrmonte estimado, é indispen-sã" ser uma rematada médio-crida» ?. Nada mais irritantedo que uma inteligência forte,do que uma personalidade bri-

ri.Ir 1' I

¦

\ 1

LETRAS E ARTES Página — 15

DA UTILIDADE DOS INIMIGOSDl OGENES LAERCIO

! |f(f,

si fi

lhante, do que um nome ilustree admirado. O rebanho panúr-gico da mediocridade sofremuito com o valor alheio, por-que só se sente à vontade noclima, que é o seu, da medio-cridade, cujo oxigêniozinho po-bre c triste respira sem riscos esem mágoas. As coletividadesgeralmente só se sentem *oem,

confiantes e tranqüilas, quanuolhes falam os homens medío-ores. E' a linguagem que elasentendem. Entendem c amam.Por isso mesmo é que um ho-mem consciente do seu valornão deve cortejar a popularida-"de, não deve nem pode querera estima de toda gente. Serestimado por toda gente ricapara os "bons moços". Para osverdadeiros valores deve existirapenas a admiração e o respeá-to dos seus iguais — ao lado da

, indiferença ou do ódio da me-diocridade. Não era por outro /motivo que certo escritor inglêsafirmava: "Quando toda gente

está dc acordo comigo, sintosempre que não tenhov razão"...A regra deve ser esta: só os ho-mens inteligentes estimam oshomens inteligentes; os quenão gostam deles c porque saomedíocres c burros. Um homemconsciente dc seu valor nuncadeve entristecer por ter inimi-gos, por ser negado c combati-do. Uma estima generalizada,ao contrário, é que lhe deveráinspirar desconfiança e preo-cupação. E cie poderia pensar:— Será que estou ficando óur-ro?... Além de tudo, os inimi-gos têm também a sua utllida-de: são um estimulo salutar,porque nos estão sempre pro-votando c irritando, o que equi-vale a dizer: estão sempre nosconvocando para o trabalho,para a luta, para o progresso ea superação".

JUBILEU DE JÚLIO DANTASHá 50 anos Júlio Dantas —

ainda muito jovem — escrevia

a sua primeira peça teatral. Adata, das mais significativaspara a literatura Portuguesa,foi comemorada com grandebrilho, em Portugal. A Acadc-mia das Ciências realizou amasessão comemorativa, nresttüüapelo Ministro das Relações Ex-teriores, tendo sido o autor da"Ceia dos Cardeais" saudadopelo Prof. Egas Moniz, prêmioNobel dc Medicina de 1919. AJúlio Dantas foi oferecido, nes-sa ocasião, uma medalha deouro.

A Academia Brasileira, ipê-sar dc estar em férias, asso-dou-se cordialmente a issaahomenagens, devendo tratar dajubileu teatral dc Júlio Dantasna sua primeira sessão deabril.MEMÓRIAS DO SR. GETULIO

VARGAS

O sr. Getúlio Vargas, noseu doce recolhimento da Fa-zenda Itú, onde é permanente

NAO

sei se estou chegandotarde, ou atrasado, paraaplaudir o trabalho rea-

lizado por Tulo Hostílio Monte-,negro com seu ensaio "Tuber-culose e Literatura". Creio que,não me alinhando entre os pri-meiros, não serei também dosúltimos, pois um livro, comoesse jamais se deixará de lou-var, pelo que vale e pelo que

I merece justamente.Não é só a riqueza da docu-

*mentação reunida, nem exclu-slvamente a análise a que sub-meteu esse material, o que faz

| de "Tuberculose e Literatura"i um dos mais sérios trabalhosoferecidos à nossa bibliografia.

IO que Tulo Hostílio Montenegrol chamou modestamente de "no-tas de pesquisa" constitui, narealidade, uma das pesquisasmais completas já realizadasem ensaios literários.

Evidentemente, não é isso, ousô isso, o valor do livro; êle es-

TUBERCULOSOS NA LI-TERATURA BRASILEIRA

MANUEL DIÉGUES JÚNIOR

tende-se ao espírito critico doAutor, que soube trabalhar omaterial reunido, e ao bom gos-to literário, que deu ao volumeuma redação agradável. Sãomotivos estes e aqueles que sereúnem para indicar "Tubercu-lose e Literatura" como um doslivros mais expressivos, no cam-po dos ensaios, que enriquece-ram a bibliografia brasileirade 49.

Meu conhecimento com TuloHostílio Montenegro vem já deuns dez anos. Conheci-o cm suaprovíncia natal, o Espirito San-

A poesia dos ditos infantisMaria Cristina, filhinha do

jornalista Francisco de AssisBarbosa, depois de observaratentamente os trabalhos âeaterro na Praia do Botafogo,fez o seguinte comentário:"Acabam fazendo uma pis-dna com êste mar..."

Um filhinho, âe três anos,do arquiteto Stelio Moraes,olhava para o céu, em Itaipa-va, no momento em que gran-des nuvens desciam sobre osmorros. Impressionado, o pe-queno chamou a atenção desua mãex "Mamãe as nuvensestão desmanchando os mor-ros".

O mesmo garoto, acostuma-do a ver um pequeno fole dalareira de sua casa, ao obser-var, surpreendido, o enormefole de um ferreiro, comen-tou: "Olhe, ali, o paizinho aofole de casa".

Farisinha, filhinha do Dr.Bertholdo Baratz e sobrinhade Enryalo Cannabrava, ou-via de sua tia, Catharina

Cannabrava, em Teresópolis,uma complicada história rela-tiva a patos do lago São Lou-renço. A certa altura, sua tiacomeçou a falar em patosvermelhos, azuis e verdes. Agarota, de 5 anos, com ar iro-nico, interrompeu a narra-tiva:"Ora, titia, isso já é imagi-nação de côr!

Por que, Fanizinha?Porque só há patos de

côr branca e preta."Essa passagem, contada lo-

go depois aos amigos da fa-mília, chegou aos ouvidos deuma figura popular da cida-de, o qual, querendo confun-dir a menina, passou, no diaseguinte, pela casa dela. e doportão mesmo foi oferecendo:

"Dona Catharina, quercomprar patos vermelhos?Tenho dois em casa para ven-der".

A garota, que estava pre-sente, observou, zombeteira, atia:"Titia, êle pintou os pa-tos!"

to, até onde, para alegria mi-nha, me levara a carreira buro-crática. Lá suas atividades li-terárias já o projetavam comouma das autênticas expressõesde valor mental do Estado. Oexercício de função publica quelhe coube no censo de 1940.aproximou-nos; e me deu aoportunidade de apreciar o mé-rito real daquele moço simples emodesto. Boas e agradáveis ío-ram as nossas horas de palestra,fora das preocupações adminis-trativas.

De modo que conhecendo ovalor real de que é portadorTulo Hostílio Montenegro, pos-so dizer que, no terreno do en-saio, muito dele se pode colher.Se "Tuberculose e Literatura"já o revela, devo dizer que sepode esperar dele coisa aindamuito mlhor, muito mais acu-rada, talvez mesmo muito maisbem planejada. Sua culturasua observação aguda, seu bomgosto literário -fazem-no um en-sáista em que se pode confiar;seu senso critico situa-o em con-dições de realizar uma obra degrande vujto.

E' o que já o demonstra nesteseu livro, que não poderia senãoreceber com o interesse deseja-do. Receber e ler com a ânsiade quem está aprendendo coisase reunido novos esclarecimentos.Tal o que sucede com a leiturade "Tuberculose e Literatura"Não entramos apenas em con-tacto com autores, mas, igual-mente, com personagens.

No que toca aos autores nosdá Tulo Hostílio Montenegroum estudo retrospectivo quevem da pré-história ao roman-tismo para chegar depois às le-trás e artes universais; parti-culariza após os autores brasl-leiros, poetas e prosadores —estes apenas três — vitimadospela "dama branca" da poesiade Manuel Bandeira. A segun-da parte do livro inclui os per-sonagens de poemas e de ro-mances que foram apresenta-dos como tísicos pelos autores.

E' de ver-se o que representa,como pesquisa, êste estudo. Ese destaco êste aspecto — o da

- pesquisa realizada para a ela-boração do livro — é que sei ooue vale tal esforço; faltam-

me, é certo, aptidões para falarde outros méritos que, de fato,os tem o livro, mas como vicia-do em pesquisas posso bem di-zer o que representa a tarefaempreendida pelo autor e tra-duzida nas páginas deste en-saio. Aparentemente quase ne-nhum trabalho; mas, nareali-dade, duro de realizar-se, atra-vés da tarefa quotidiana dereunir material, de respigarfontes, de colher informes.

Parece-me êste, realmente,um aspecto do livro que mere-ce ressaltado: o da pesquisa em-preendída. O que mostra que

a romaria dos políticos, contij,nua escrevendo o mais sensa-cloual documento político daatualidade: as suas memórias.Quer dizer: a história dc umdos mais longos o acldoiiladosperíodos da nossa vida publica.

12 DE MARÇO

Ncsla data, no mesmo ano,nasceram dois acadêmicos: Kl-beiro Couto e Peregrino Júnior.Mas não foram esses os umeosescritores nascidos no dia 12dc março. No Brasil nasceramnesse dia Coelho Neto, CostaKcgo, Aprlgio dos Anjos, e naItália Gabriel Dannuz/.io. Alias,no mês dc março nascerammuitos outros membros efeU-vog ou correspondentes da Àev-demia: Silva Ramos, no dia C;Lúcio dc Mendonça, no dia lü;Alfredo Pujol c Henrique Ib-sen (sócio correspondente) a20; Dantas Barreto, e Ciuima-ràes Passos, a 22; LaiayctteRodrigues Pereira, a 28; Afon-so Celso a 31. Nasceram aindaem março os seguintes patro-nos: Castro Alves, a li; Viscon-dc do Rio Branco, a 16; Soterodos Reis, a 22.

REGRESSO DE GUSTAVOBARROSO

Regressou de sua propriedadede Lambarí o sr. Gustavo Bar-roso, Presidente da Academia.

o ensaio de Tulo Hostílio Mon-tenegro não foi um trabalhoimprovisado. Ao contrário: re-presenta uma acumulação de-esforços-de anos, através do re-colhimento de notas metódicas,cie indicações, de sugestões. Nãose improvisaria, de certo, umestudo desse vulto, onde sãoapresentados numerosos auto-res e personagens envolvidospelo traço fatídico da tubercu-lose.

O que só por si merece lou-vores, e não os regateio nestanota, ao que de fato represèn-ta, como valor de pesquisas eainda de interpretação, o livrode Tulo Hostílio Montenegro."Tuberculose c Literatura"como um dos ensaios mais inte-ressantes de nossa bibliografia,constitui não apenas um esfor-ço de pesquisa; mas, sobretudo,uma expressiva demonstraçãode como, com bom gosto li terá-rio, se pode apresentar umapesquisa, interpretá-la e usá-la.

Ldrase ArtesDIREÇÃO

DB

JORGE LACERDA 'I

COLABORADORES*

Adonias Filho, Afranio Coutmno, Alcântara Silveira, Alceu Amo.roso Lhna, Aüneida Fischer, Almeida Sales, Alphonsus ««'TT8Fiho,âBaro Gonçalves, Aníbal Machado Anor Butler Macíe Antonio Rangel Bandeira, Ascendino Leite, Augusto Fredcr co benmiuiAugusto Meyer Batista da Costa, Breno Acioll, Britos «roca, carosDrummond de Andrade, Cassiano Ricardo Cecilia Meireles, ei ris-tiano Martins, Ciro dos Anjos, Clarisse Llspector, Cláudio r. «*rbosa Dalton tfrevisan, Dâmaso Rocha, Dantas Mota, Dmah S. "<QueiVoz, Eugeiio Gomes, Euryalo Canabrava, Fernando mrcira deLoanda,' FrankHn de Oliveira, Geraldo. ^^^VrJlT^ÍxtRocha, Guerreiro Ramos, Gustavo Barroso, Gilberto * reyre, HcruertParentes Fortes, Herman Lima, Jayme Adour da Çamara, João con-dé, Joaquim Ribeiro, J. P. Moreira da Fonseca, Jose Lins do.RegoJorge de Lima, José F. Coelho, José Geraldo Vieira, Jose ^»nuaoLeal, Josué de Castro, Josué MonteUo, Leony de Oliveira Machado,Ledo Ivo Ligiá Fagundes Teles, Louis Wiznttzcr, Lopes de Andrade,Lucfo Cardoso, Luiz Jardim, Manueüto de Orneias, Manuel Bahdei-ra. Marcos Konder Reis, Mario da Silva Brito, Mario Quintana. Mar-qúes\ebIlo, Murilo Mendes, Novelli Jun|or, Neli Pg^ffi*??ffiíSFreitas, Octkvio de Faria, olímpio Mourâo Filho, Oliveira ebiiya,Otto Maria Carpeaux, Paulo Ronal, Peregrino Júnior, gftsgefdgSilva Ramos, Rénáto Almeida, RenZo Massaranl, Ribeiro Couto, no-drigo M. F. de Andrade, Roger Bastide, Rogério Corção, Roland torblsier, Rosário Fusco, Rubem Biaíora,^ Santa Rosa, Sérgio Mi'et,Servuío de Melo, Silvio Elia, Sylvio da Cunha Tasso.dg«gJJ'Temístocles LinnV*es, Thiers Martins Moreira Umberto pegfgJJVan Jafa, Vicente Ferreira da Silva, Wilson Figueiredo Xavier Piacer. t

BLUSTRADORES?Alfredo Ceschiatti, Armando Pacheco, Athos Buic&o,

JUJJJJJFayga Ostrowcr, Iberê Camargo, Luiz Jardim Noemia OswaiuoGoeldi, Paulo O. Slores, Paulo Vincent, Renina Raiz, rercySanta Rosa, Van ftogger e Yllen Kerr.

¦hi. í

-VwV.MÍ?'; - ;-/< ¦' «»«•»* v. ^ftÇt^ÁU ,-.J,—wflJ>;.,;1 >-,,<..>..'>.</-,•«¦•., , •;«-..f.**Mt**M ..fc»«B**^^»^.w^^.^^^ç•'^;'^f*'=^^*, »<». .seSsSjJf*?*****»- — ¦•«*»-*-*

Page 15: Ensaio de Cristiano Martins sobreGoethe - memoria.bn.brmemoria.bn.br/pdf/114774/per114774_1950_00157.pdfbre o tema geral da despedida, renova-se por três vezes o de-sejo de reagir,

• I ;

Página — 16 LETRAS E ARTES Domingo, 12-3-1950

POR QUEM OS SINOS DOBRA

^^^. ^^^. ^ ^^^m^^ Mm mm- ^1 ^ I ^^ ^^^**^^_ I r

«âo de SANTA ROSA

JOHN D O N N ETAIVFZ AQUELE POR QUEM O SINO DOBRA ESTEJA

TAO DOENTE QUE NAO PERCEBA QUE E* POR ÊLE; E TAL-VEZ EU. POR MINHA PARTE. ME JULGUE MUITO MELHORDO QUE ESTOU, E OS QUE ME CERCAM E VÊÇM O MEU ES-TADO TENHAM MANDADO DOBRAR POR MIM, E EU NAOTENHA CONHECIMENTO DISSO.

A IGREJA E' CATÓLICA, UNIVERSAL, E ASSIM SAOTAMBÉM TODOS OS SEUS ATOS: TUDO O QUE ELA FAZ,PERTENCE A TODOS. QUANDO BATIZA UMA CRIANÇA,ESSE ATO ME CONCERNE; POIS ESSA CRIANÇA E* POR MEIODELE LIGADA ÀQUELA CABEÇA QUE E* TAMBÉM A MINHACABEÇA, E ENXERTADA NAQUELE CORPO, DE QUE SOU"MEMBRO,

E QUANDO ELA SEPULTA ALGUÉM, ESSE ATOME CONCERNE; TODO O GÊNERO HUMANO E' OBRA DEUM SO' AUTOR, E FORMA UM SO' VOLUME; UMA PES-SOA QUE MORRE NAO E' UM CAPÍTULO ARRANCADO DOLIVRO, E SIM UM CAPÍTULO TRADUZIDO PARA MELHORIDIOMA; E TODOS ELES TÊM DE SER TRADUZIDOS DAMESMA MANEIRA; DEUS EMPREGA VÁRIOS TRADUTORES:UNS TRECHOS SAO TRADUZIDOS PELA VELHICE, OUTROSPELA DOENÇA, ESTES PELA GUERRA, AQUELES PELA JUS-TIÇA; MAS A MÂQ DE DEUS ESTA' EM TODAS AS TRADUCOES; E A MÃO DELE HA* DE REENCADERNAR TODAS AS

NOSSAS FOLHAS SOLTAS. DO ME5MÜ MODO QUE O SINOQUE CHAMA PARA UM SERMÃO, NAO CHAMA APENAS OPREGADOR, MAS TODA A CONGREGAÇÃO; ASSIM ÊSTE SI-NO CHAMA POR NÓS TODOS: E QUANTO MAIS POR MIM-A QUEM A DOENÇA PÔS ÀS PORTAS DA MORTE.

QUEM NÃO PRESTA OUVIDOS AO BADALAR DE UMSINO, QUALQUER QUE SEJA O MOTIVO DESSAS BADALA.DAS? MAS QUEM DE NÓS PODE DISTRAÍ-LOS DAQUELE SI-NO QUE TRASPASSA UM PEDAÇO DE NÓS MESMOS PARAFORA DESTE MUNDO?

PESSOA NENHUMA E' UMA ILHA; QUALQUER UM DENÓS E' UMA PARTE DO CONTINENTE, UMA PARTE DA TER-RA FIRME; SE UM TORRÃO E' ARREBATADO PELO MAR, AEUROPA FICA MENOR, COMO SE FOSSE UM PROMONTÓ-RIO, COMO SE FOSSE UMA MORADA DE SEUS AMIGOS OUSUA PRÓPRIA MORADA; A MORTE DE QUALQUER

"SEME-

LHANTE DEIXA-ME DIMINUÍDO, PORQUE EU ESTOU INTE-GRADO NO GÊNERO HUMANO; E POR ISSO NUNCA MAN-DES SABER POR QUEM O SiNO DOBRA; E* POR TI QUE ÊLEDOBRA.

(Tradução de Manuel Bandeira)