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ENSINANDO ARTE POR MEIO DE “SABERES ESPECIAIS”
Ivanir Bernardi Gnoatto1
Nara Maria W. Górski2
RESUMO
O presente trabalho faz uma relação entre o ensino/aprendizagem de arte através do universo cotidiano e da cultura local, tendo como proposição para o ensino o “fazer especial” da pintora Carmes Eunice Camilotti Franciosi, beltronense, que retrata em suas telas a região sudoeste do Paraná, contextualizado com a obra dos pintores acadêmicos brasileiros Almeida Junior, Pedro Américo e Eliseu Visconti. A execução desta proposta ocorreu mediante a apreciação da temática, dos princípios estéticos e dos procedimentos técnicos das pinturas. A abordagem metodológica fundamentou-se na estética do cotidiano que, segundo Ivone Mendes Richter, tem a finalidade de tornar o ensino de arte significativo, possibilitando aos alunos o reconhecimento de sua identidade cultural. Ressalva-se, ainda, que um fazer artístico criativo, individual e estético, com linguagem simples e singular, humaniza e socializa aluno, escola e comunidade.
Palavras chaves: arte e ensino; estética do cotidiano; arte acadêmica; fazer especial.
INTRODUÇÃO
A estética do cotidiano está presente no contexto educacional? Como os
adolescentes a percebem? É possível trazê-la para a sala de aula? Como propor
uma ação pedagógica que desperte nos alunos um olhar sensível para o seu
entorno?
Considerando esses e outros questionamentos sobre estética do cotidiano no
âmbito escolar, buscou-se trabalhar autores que norteassem o conhecimento para o
ensino de arte na perspectiva do desenvolvimento pessoal e social, que
possibilitasse a compreensão e o sentido dessa referência estética, influenciando os
valores estéticos trazidos para a escola pelos estudantes, jovens e adultos
trabalhadores, que não tiveram acesso ou a continuidade da escolarização na idade
própria.
Este estudo teve por finalidade a busca de caminhos para tornar o ensino da
1 Professora PDE, 2012. Disciplina de Arte, Núcleo Regional de Francisco Beltrão/PR.2 Professora Orientadora PDE, Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), campus de Guarapuava/PR.
arte mais significativo na escola, relacionando as características culturais individuais
dos alunos na sociedade em que vive. Utilizando-se da abordagem metodológica da
pesquisadora Ivone Mendes Richter (2003), com o objetivo de resgatar os valores
estéticos presentes na comunidade escolar. Valores estes, que foram trabalhados na
escola, buscando a ponte entre o conhecimento cultural artístico presentes na
comunidade e o conhecimento elaborado em artes visuais, centrados na estética do
cotidiano.
Richter define a estética do cotidiano de acordo com a seguinte perspectiva:
[...] além dos objetos ou atividades presentes na vida comum, considerados como possuindo valor estético por aquela cultura, também e principalmente a subjetividade dos sujeitos que a compõem e cuja estética se organiza a partir de múltiplas facetas de seu processo de vida e de transformação. (RICHTER, 2008, p. 20,21)
Trabalhar a estética do cotidiano no ensino das artes, permite tornar o
conceito de arte mais abrangente e significativo, possibilitando aos alunos o
reconhecimento de sua cultura. O valor estético se relaciona com o prazer que todo
o ser humano tem no simples olhar para coisas da natureza ou para objetos
fabricados.
Na verdade a experiência estética envolve bem mais do que o prazer, ela
pode provocar inúmeras reações na mente do ser humano através dos seus valores.
A função do artista é aguçar o sentido de estranhamento na beleza das coisas mais
comuns do cotidiano das pessoas na sua comunidade.
Richter (2003) desenvolveu essa pesquisa sobre a estética do cotidiano com
mulheres, com a finalidade de entender como acontecem as relações estéticas entre
a escola e a sociedade na qual a escola está inserida. A pesquisa centrou-se no
papel da mulher como promotora da herança cultural e estética, por meio de seu
trabalho na família. Este estudo foi feito com as famílias dos alunos da Escola de
Ensino Fundamental Aracy Saccchis, em Santa Maria, RS.
A estética do cotidiano é abordada através
[...] do conceito de “fazer especial” e de “valor estético”, desenvolvido a partir de um estudo sobre a arte do cotidiano e os valores humanos, em que estudiosos abordam o mesmo aspecto (Melvin Rader e Bertram Jessup, 1976 e Ellem Dissanayake, 1991). De acordo com os autores mencionados, o interesse estético é algo que contempla grande parte da vida diária de cada indivíduo, trata-se de um ingrediente importante que penetra em todos os aspectos da vida e a torna mais interessante. (RICHTER, 2003, p.23)
Segundo a autora, essa abordagem tem a finalidade de buscar a
compreensão estética presente nas famílias dos alunos, relacionando essa estética
cotidiana com a estética artística.
Nesse enfoque a autora concentrou-se em uma análise de relação escola-
família, buscando investigar se a estética do cotidiano dos estudantes estava ou não
sendo considerada, aceita ou simplesmente esquecida (RICHTER, 2003, p.18).
A proposta de estudo envolveu a análise e a apreciação dos fazeres artísticos
da pintora com as obras de artistas acadêmicos para a associação e o entendimento
das artes do cotidiano e o conhecimento com as obras de arte acadêmica.
No entanto, para a autora
[...] usar o “saber especial” como ponto de partida para a compreensão da arte amplia os horizontes sobre o que a integra ou não, permitindo a inclusão de fatos produzidos por outras culturas, feitos sem uma motivação estética consciente. (RICHTER, 1991, p.92).
Todavia, de acordo com a visão da autora, o “saber especial” requer intenção
e conhecimento, influenciando a estética cotidiana, tanto na organização dos
ambientes quanto na vida social das pessoas. Assim, ao dar forma ou expressão
artística a uma ideia, ou a um objeto, coloca essa ideia ou objeto como “fazer
especial” hoje na arte.
Tendo como escolha a pintura de Carmes Franciosi, artista beltronense,
conduziu-se o trabalho para estabelecer relações com os pintores acadêmicos
Almeida Junior, Pedro Américo e Eliseu Visconti.
Em suas telas a pintora revela imagens cotidianas de um passado pleno de
significados, registrando os acontecimentos históricos e os costumes regionais.
Também, produz imagens que revelam as paisagens típicas do sudoeste
paranaense. Percebe-se que tanto na escolha de seus temas para a pintura, como
em seus procedimentos técnicos e compositivos, Carmes nitidamente aproxima-se
dos princípios da pintura acadêmica.
Assim, foi proposto aos alunos, jovens e adultos do CEEBJA de Francisco
Beltrão, um ensino que os aproxima-se da estética de seu cotidiano conhecendo a
produção artística da pintora local Carmes Franciosi, que retrata as paisagens , os
costumes, os casarios antigos e os acontecimentos históricos da cidade,
contextualizando com a pintura acadêmica dos artistas Almeida Junior, Pedro
Américo e Eliseu Visconti.
Segundo Richter, para trabalhar com a estética do cotidiano no ensino das
artes visuais, é preciso resgatar o conceito de arte utilizado na escola, explorando a
experiência estética, incluindo, desta forma, toda arte produzida pela população, na
forma de artesanato. Em sala de aula, essa experiência estética pode ser pensada
como uma oportunidade em que se desdobram em muitos questionamentos sobre o
cotidiano, sobre a crítica social e sobre a expressão criativa das pessoas.
A partir disso, buscou-se o conhecimento da arte através do que está próximo
dos alunos, a fim de propiciar uma visão múltipla das manifestações históricas e
culturais de sua região e a sua relação com a arte, possibilitando o diálogo entre o
conhecimento elaborado e o conhecimento popular
De conformidade com o Projeto Politico Pedagógico da escola, os alunos do
Centro Estadual de Educação Básica para jovens e Adultos de Francisco Beltrão,
são em geral, jovens, adultos e idosos entre 15 a 70 anos, oriundos das classes
assalariadas, trabalhadores, urbanos e rurais, com diferentes origens étnicas e
culturais, com direito de acesso ao conhecimento produzido pela humanidade e que,
na escola se traduzem pelos conteúdos das diferentes disciplinas ministradas em
sala de aula (PPP, 2012).
Tendo em vista este papel, a Educação de Jovens e Adultos volta-se para
uma formação na qual todos os alunos são trabalhadores, cuja característica é a
diversidade do perfil, com relação a idade, ao nível de escolarização, a situação
sócio-econômica e cultural. Tudo isso, aponta que o motivo para o seu retorno aos
bancos escolares é a promoção no emprego, a satisfação pessoal e a busca pela
certificação, além do conhecimento historicamente elaborado.
O contato com as várias formas de expressão artística tem se revelado um
excelente recurso de ampliação da capacidade de interpretação crítica do mundo
para os alunos de todas as séries no ensino da EJA.
O valor educativo desse experimento promoveu o desenvolvimento na forma
de conhecimento do ser humano, enquanto sujeito fruidor, tornando nosso aluno
mais crítico, possibilitando um novo olhar para o cotidiano em que se encontra.
A estética acadêmica na sala de aula
Para que a atuação do professor se torne efetiva é necessário que sua
prática pedagógica esteja voltada para a realidade dos alunos. Neste sentido, os
conhecimentos sobre os princípios estéticos da arte acadêmica foram vinculados à
estética do cotidiano individual e social dos alunos, através do fazer especial da
pintora local Carmes Franciosi e de imagens fotográficas da cidade.
As obras acadêmicas e os artistas selecionados para este estudo foram:
“Picando Fumo” (1893) de Almeida Junior, “O Grito do Ipiranga” (1888) de Pedro
Américo e “Moça no Trigal” (1913) de Eliseu Visconti.
A escolha deu-se em razão de serem artistas influenciados por uma
concepção estética na qual a ideia de obra de arte e de sua criação valoriza a
representação naturalista, com normas convencionais estabelecidas pela academia.
Para Tadeu Chiarelli (2002), “a arte brasileira se enquadraria em dois grupos:
no primeiro estaria as manifestações dos segmentos sociais para a produção
artística erudita; o segundo congregaria a produção erudita, herdeira da arte
europeia , com a atuação da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro no
século XIX”.
O circuito artístico brasileiro foi, assim, lentamente, constituindo-se. De um
lado estava a Academia, o Estado e a burguesia e, do outro, os artistas populares,
mais artesãos que artistas eruditos com fórmulas prontas.
Segundo Proença, (2001) “a Academia Imperial de Belas Artes (transformada
a partir da República em Escola Nacional de Belas Artes) seguia padrões estéticos
da arte neoclássica europeia, muito comum entre os jovens artistas brasileiros. São
estes padrões (a representação naturalista, a qualidade técnica da pintura, a
tendência narrativa das obras e a composição organizada segundo o gosto da
época) que chamamos de arte acadêmica” (PROENÇA, 2001).
A supremacia de normas rígidas, estabelecidas como convencionais da
chamada Arte Acadêmica, fez surgir composições que representam uma cópia fiel
da realidade marcada pelo uso do claro e escuro para obter volume e luminosidade
nas telas, com cenas históricas, paisagens bucólicas e cenas cotidianas de
costumes.
A autora enfatiza que:
[...] de acordo com esses padrões, a beleza perfeita é um conceito ideal e, portanto, não existe na natureza. Assim, o artista não deve imitar a realidade, mas tentar recriar a beleza ideal em suas obras, por meio da imitação dos clássicos, principalmente dos gregos, que foram os que mais se aproximaram da perfeição criadora (PROENÇA, 2001, p.218).
Os artistas acadêmicos influenciados por essa concepção estética passaram
a valorizar o desenho, o uso das cores, a escolha dos temas que deveriam ser
religiosos e históricos.
É neste contexto que Almeida Junior, Pedro Américo e Eliseu Visconti
realizam a sua trajetória artística de forma singular, apesar de todas as regras e
convenções ditadas pela Academia.
Eliseu Visconti foi um dos pintores que abriu caminho para a modernidade.
Pelo seu trabalho ganhou prêmio de viagem à Europa, passando a estudar na
escola de Belas Artes, em Paris.
Sua obra apresenta aspectos da pintura impressionista, como em “Moça no
Trigal”, que registra os efeitos da luz solar nos objetos e seres humanos que retrata,
por isso considerada inovadora. (PROENÇA, 2001, p.220-22).
Quanto a Pedro Américo (1843-1905), o mesmo nasceu em Areia, Estado da
Paraíba. Em 1854, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde frequentou a Academia de
Belas-Artes. Estudou na Escola de Belas Artes em Paris, entre os anos de 1859 e
1864. Os temas de suas pinturas eram bíblicos e históricos, também havia muitos
retratos, cenas históricas e paisagens regionalistas.
Uma das obras mais divulgadas de Pedro Américo mostra Dom Pedro I
proclamando a Independência do Brasil, que, na visão do pintor, retratava um
momento privilegiado da História do Brasil.
A pintura acadêmica de Pedro Américo está visivelmente ligada ao
Neoclassicismo. Sua produção manteve-se fiel aos princípios da Imperial Academia
de Belas-Artes. Entre seus quadros mais famosos estão A Batalha do Avaí (1877) e
o Grito do Ipiranga (1888), que hoje fazem parte do Museu Imperial de Petrópolis.
(PROENÇA, 2001, p. 216).
Assim como Pedro Américo, Almeida Junior estudou e formou-se na
Academia Imperial de Belas-Artes no Rio de Janeiro. Também, estudou pintura em
Paris, moldando com isso sua pintura que retratava o cotidiano das famílias
paulistanas, legitimando a vida em sociedade e as pinturas de temática regionalista,
em que o personagem principal é o caipira. A presença desse universo rural nas
obras regionalistas do artista faz jus à necessidade da afirmação das raízes que
identificam a burguesia paulista, herdeira da riqueza derivada da economia cafeeira.
(CHIARELLI, 2002).
Almeida Junior ao tratar dos temas regionalistas desvincula-se da tradição
acadêmica mais rígida e passa a explorar a luminosidade mais intensa, com
pinceladas mais visíveis e espontâneas, tornando suas composições mais
inovadoras.
Carmes Eunice Camilotti Franciosi – Nascida em Guaporé – RS, reside desde
1960 na cidade paranaense de Francisco Beltrão. Possui um acervo catalogado
com mais de 4.000 pinturas e tem participado de várias exposições no Brasil,
Europa e estados Unidos. Além de sua produção artística, promove, nas escolas de
Francisco Beltrão e região, oficinas e relatos sobre seu trabalho.
Assim como os artistas acadêmicos, Carmes opta pelo figurativo, em pinturas
que representam as paisagens, os costumes e a história do sudoeste paranaense.
Arte figurativa é um termo usado para descrever as manifestações artísticas
representam com realismo a natureza, a forma humana e os objetos criados pelo
homem. (PROENÇA, 2001).
Como Carmes reside em Francisco Beltrão e ali mantém seu atelier, foi
possível realizar uma visita para que os alunos conhecessem suas telas e
interagissem com a pintora.
Figura 1 – Visita ao Ateliê
Fonte: Arquivos pessoais.
Segundo Arslan e Iavelberg (2006), [...] dificuldade de interagir com
produções artísticas visuais, pode ter origem na ausência de museus, galerias,
oficinas e casas de cultura em algumas regiões. O interesse em apreciar ou estudar
arte surgem com o entendimento e o relacionamento da linguagem artística.
Desta forma, sem acesso a bens culturais não se desenvolvem hábitos,
valores e atitudes na relação com a cultura, tampouco se é capaz de construir um
olhar crítico sobre as produções artísticas.
Identificar e discutir arte fora da sala de aula são fundamentais para a
compreensão de que a arte pode estar relacionada com a vida (p.40).
Para Arslan e Iavelberg,
[...] O ateliê coloca os alunos em contato com o processo artístico de criação: desenhos inacabados, ideias em suspensão, dúvidas, pinturas antigas e recentes, obras embaladas, catálogos e tudo o mais que um ateliê oferece. Muito diferentes entre si, os ateliês são espaços privilegiados para qualquer aprendiz. (ARSLAN E IAVELBERG, 2006, p.44).
Com a visita ao ateliê de Carmes, os alunos conheceram-na pessoalmente,
tiveram contato com seu processo de trabalho e puderam perceber em sua
representação naturalista com temática regional, a aproximação de Carmes aos
pintores já citados.
Reconhecer em suas telas as paisagens do sudoeste paranaense, repleta de
pinheiros, cenas do cotidiano dos primeiros moradores e de suas casas foi um
momento impar para os visitantes.
Figura 2 – Visita ao Ateliê
Fonte: Arquivos pessoais.
Segundo Carmes Franciosi, “seu trabalho tem como princípio o equilíbrio da
natureza e do meio ambiente, razão pela quais as águas são sempre límpidas,
cristalinas e transparentes, o céu azul, as árvores frondosas e verdejantes como
numa declaração de amor, num grito silencioso e colorido de alerta”. Destaca que,
para melhor sensibilizar o apreciador, suas telas devem ser observadas a uma certa
distância, facilitando, assim, captar a harmonia das cores que a técnica de espátula
proporciona”. Esta é uma evidência na pintura Impressionista da qual Eliseu Visconti
já apresentava alguns aspectos, como a definição nítida da forma.
Para a formalização da visita cultural ao Ateliê de Carmes, a participação dos
alunos foi essencial. Os mesmos organizaram-se em equipes para providenciar o
agendamento, câmeras fotográficas, materiais para experimentação artística,
deslocamento, seleção e digitalização de perguntas que seriam dirigidas à artista.
Diante da possibilidade de visitar o ateliê de uma pintora com notoriedade na
cidade, os alunos demonstraram-se extremamente competentes e interessados em
participar de todo processo, da organização às atividades de pós visita, tecendo
considerações significativas para o saber arte, tais como: “a arte aproxima as
pessoas”; “a visita quebrou barreiras entre a produção, o artista e o público”;
“valorizou-se o artista regional”; “conhecer técnicas de pintura e estilo”; “conhecer
telas e tintas, desenhos inacabados, pinturas antigas e recentes e catálogos sobre
sua pintura”; “conhecer quadros premiados da artista”.
Segundo relato dos alunos, esta foi a primeira vez em que estiveram em um
atelier de pintura e tiveram a oportunidade de ver uma artista em atividade, a qual se
mostrou receptiva aos questionamentos e interesse dos alunos.
Figura 3 – Artista em atividade
Fonte: Arquivos pessoais.
De posse de livros, folders, jornais e revistas sobre a vida e obra da pintora,
os alunos elaboraram um texto sobre a trajetória artística da mesma, bem como
produziram artisticamente vivenciando o processo técnico de Carmes.
Revelando a cidade pela câmera fotográfica
Toda cidade apresenta uma dimensão estética própria que define o legado
cultural de uma região. Por meio do olhar sobre a cidade, da observação atenta do
espaço em que se vive, pode-se compreender esta dimensão estética que lhe é
conferida.
Ao falar da cidade como espaço de arte, Sant’Anna (2009) apresenta
caminhos que norteiam as artes visuais, relacionando-a à escola e à família,
construindo uma relação de conquista caracterizada pela necessidade de ocupar o
espaço urbano apropriando-se da cidade.
Visitar a cidade, registrando com câmeras fotográficas os lugares mais e
menos comuns, possibilitou a apropriação e compreensão da estética cotidiana,
tornando-a suporte de ações artísticas e processos criativos. O espaço urbano
revela-se, assim, como um laboratório de vivências e fruição artística.
Buscando compreender a estética do cotidiano presente na família dos
alunos, Richter (2003) relacionou essa estética cotidiana com a estética artística.
Sendo assim, a construção da leitura estética é dependente de vários elementos
constituídos pelo desenvolvimento desse conhecimento, tendo como base o
cotidiano do aluno e seu entorno.
Diante disso Richter (2003, p.18) concentrou-se “[...] em uma análise de
relação escola-família, buscando investigar se a estética do cotidiano dos
estudantes estava ou não sendo considerada, aceita ou simplesmente esquecida”.
A fotografia, invento surgido no século XIX, tornou-se uma ferramenta comum
e de acesso fácil, tanto pelo uso de câmeras digitais quanto por celulares. Assim, a
proposição de usar esta tecnologia nas aulas de arte como ferramenta para o
processo de ensino aprendizagem veio de encontro ao que para os alunos é
entretenimento.
Oficialmente, a fotografia surgiu em 1839. Nessa época, em Paris, foi
anunciado um processo de fixação de imagem em papel especial, inventado por
Louis Jacques Mande Daguerre (1789-1851).
Nicéphore Niépce (1765 -1833) e Daguerre estiveram juntos nessa pesquisa
e experiência, onde foram necessários mais de dez anos para chegar a um
resultado satisfatório. Houve a necessidade de aperfeiçoamento deste invento até a
produção de que hoje se conhece como fotografia, pois a imagem obtida por esse
processo apresentava-se sem grande precisão e não permitia cópias (FIEST, 1996).
Em 1840, o inglês Fox Talbot, criou um sistema, que permitia reproduzir uma
quantidade de cópias a partir de um único negativo. Era o aperfeiçoamento do
processo fotográfico.
No Brasil, o imigrante francês Antonie Hercule Romuald Florence, realizou
descobertas independentes do processo fotográfico, onde, conseguiu fazer
fotografias de painéis e letreiros
Para que os registros fotográficos dos alunos se realizassem de forma
singular, denotando a ampliação do olhar, contextualizou-se fotografia e arte.
Segundo Costa, com o avanço da fotografia ocorre o aparecimento de um
novo paradigma da cultura do ser humano, embasado na semiótica e na tecnologia.
A partir daí uma revolução passa a ocorrer no mundo e uma nova realidade na
construção de imagens começa a se constituir (COSTA, 2005).
Assim, “com o surgimento da fotografia, a pintura sofreu uma grande
transformação, aos poucos os retratos pintados a mão foram deixando de ser
solicitados aos artistas, obrigando-os a buscar novas formulas de retratar, deixando
para os fotógrafos a fidelidade das imagens através das lentes fotográficas” (FEIST,
1996).
Inicialmente foi solicitado aos alunos que fotografassem em suas casas o que
consideram como arte. Posteriormente a proposta estendeu-se para as ruas e
praças da cidade. Os resultados foram socializados na sala de aula ampliados com
relatos e reflexões sobre arte, estética e cotidiano.
Outros experimentos fotográficos foram realizados em sala de aula com
objetos do cotidiano escolhidos pelos alunos de suas casas. Primeiramente os
objetos foram apresentados em uma roda de conversa orientada por questões, tais
como: em que lugar da casa fica o objeto? A quem pertence? Foi ganho de alguém
ou comprado? Em que ocasião? O que significa afetivamente? Seguiram-se
reflexões sobre forma, material, cor, brilho, opacidade.
Figura 4 – Objetos do Cotidiano
Fonte: Arquivos Pessoais.
Neste contexto, foram realizados registros fotográficos dos objetos explorando
diferentes possibilidades de posição, aproximação e distanciamento, sombra e
luminosidade. Estes processos experimentais serviram para motivar os alunos a um
novo olhar sobre a sua cidade.
Então, preparados com câmeras fotográficas e muita animação partiram para
um passeio pala cidade. Não registraram tudo o que viam, mas com certeza
exploraram de forma significativa o que percebiam (cenas das ruas, paisagens
urbanas e naturais, monumentos, calçadas, painéis, vitrines e letreiros).
Indiscutivelmente esta foi a proposta que os alunos realizaram com maior interesse
e dedicação.
Figura 5 – Passeio cultural
Fonte: Arquivos pessoais.
Todo passeio cultural requer após o retorno uma etapa de análise reflexiva
para a efetivação do conhecimento. Os alunos participaram significativamente deste
momento emitindo idéias, relatando experiências, organizando e selecionando
imagens, providenciando as impressões e preparo de suporte para a mostra “o olhar
sobre a cidade”.
A utilização de novas tecnologias como ferramenta no processo de ensino da
arte, promoveram a motivação e o interesse tanto dos jovens como dos adultos que
participaram da ação. O olhar pela cidade instigou novos olhares, (os bairros, as
pessoas, as moradias, a história, a memória) ampliou saberes e conhecimentos
essenciais para uma leitura de mundo crítica e comprometida com a realidade e a
cidadania.
A sala de aula como ateliê de pintura
Por dois dias a pintora Carmes Franciosi esteve na escola interagindo e
orientando os alunos em processos artísticos individuais no intento de realizar uma
construção coletiva. Partindo de estudos já realizados sobre a pintura acadêmica de
artistas como Almeida Junior; Pedro Américo e Eliseu Visconti, seus princípios
estéticos, procedimentos técnicos e inventivos e dos registros fotográficos realizados
durante o percurso, os alunos experimentaram os processos pictóricos com tinta à
óleo usado por Carmes. Os alunos adquiriram as telas e a escola providenciou os
demais materiais necessários à realização da proposta.
Figura 6 – Sala de Aula
Fonte: Arquivos Pessoais.
A pintura óleo sobre tela foi altamente difundida nas academias pela sua
facilidade de aplicação, durabilidade e pela versatilidade de técnicas que podem ser
usadas. Pode-se pintar com grossas camadas de tinta denominando-se “empasto”
ou pintar com delicadas e finas camadas sobrepostas, pintar utilizando-se de pincéis
ou espátulas.
Artistas como Almeida Junior, Pedro Américo e Eliseu Visconti produziram suas
obras com a técnica de pintura óleo sobre tela, sem com tudo deixar de apresentar
em suas criações traços singulares de identidade própria.
Neste período, era evidente a influência tradicional das academias,
preservando valores estéticos híbridos, constituídos pelas experiências populares,
enraizadas pela tradição do lugar. As exceções ficaram por conta dos artistas
acadêmicos Victor Meirelles, Pedro Américo e Eliseu Visconti, que conseguiram
romper as barreiras locais e firmaram-se como artistas eruditos prestigiados em
suas carreiras (CHIARELLI, p.14).
Os processos experimentais com a pintura à óleo fez com que os alunos
retornassem a biblioteca e ao laboratório de informática para rever as obras de
Almeida Junior, Pedro Américo e Eliseu Visconti e por consequência passaram a
analisar as qualidades estéticas e o primor técnico conquistado pelos artistas
acadêmicos de maneira mais significativa.
Figura 7 – Laboratório
Fonte: Arquivos Pessoais.
Mostra artística no espaço escolar
A organização de uma Mostra Artística, no final de uma unidade pedagógica,
permite que os alunos e o professor avaliem objetivamente os resultados do
percurso que fizeram e reflitam sobre a expressividade e a qualidade do fazer
artístico realizado.
Uma exposição-mostra possibilita olhar o conjunto dos trabalhos e retomada dos objetivos e da proposta do professor, muitas perguntas podem ser formuladas: quais trabalhos parecem responder melhor aos objetivos da proposta? Quais demonstraram soluções mais inusitadas? Existem características comuns a todos? Como o aluno destacou determinadas ideias? Transformando as figuras? As cores? Modificando o tema? Existem semelhança com a obra de algum artista? O que acharam das técnicas e dos materiais utilizados? Quais os recursos que as técnicas ofereceram? Que tipo de dificuldades e facilidades tiveram no manuseio do material? (ARSLAM E IAVELBERG, 2006, p.93).
Uma mostra também permite que o espaço da escola se transforme em
espaço social e de experiência estética, em que toda comunidade escolar possa
participar usufruindo de forma sensível da realidade de seu cotidiano.
Através destes argumentos, pensou-se em organizar uma mostra onde fosse
possibilitado apresentar, além dos resultados, a trajetória percorrida durante a
implementação do projeto na escola, permitindo-se, assim, a compreensão de todos
que a ela tivessem acesso.
Figura 8 – Preparando Material
Fonte: Arquivos Pessoais.
Para tanto, os alunos elaboraram textos concisos sobre Academismo,
Impressionismo, arte figurativa e realista, bem como inspirados nas fotografias dos
objetos do cotidiano, além de terem preparado slides dos registros fotográficos e
suporte para as fotografias impressas.
De posse desse material, elegeu-se um espaço nobre da escola que fosse
adequado à circulação das pessoas e suficientemente amplo para a disposição de
todo o conjunto dos trabalhos, conforme orientam Arslam e Iavelberg, para que se
possibilite olhar o todo.
Figura 9 – Mostra Artística
Fonte: Arquivos Pessoais.
Assim, foram expostos os resultados das experimentações artísticas, as
fotografias, os processos criativos individuais, a construção coletiva, os diários dos
alunos, os textos e exibidos os slides, concomitantemente à mostra.
Figura 10 – Mostra Artística
Fonte: Arquivos pessoais.
A mostra possibilitou aos alunos a retomada dos saberes, a reflexão e a
análise de seus fazeres, mas foi, essencialmente, um tempo de descoberta de
outros aspectos em que a fruição e a análise estão em harmonia com as visões da
realidade de cada aluno e em que os anseios e os desejos puderam ser
compartilhados através do conhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os alunos do Ensino Médio Centro Estadual de Educação básica para Jovens
e Adultos, sujeitos desta Intervenção Pedagógica, demonstraram muita disposição
durante as aulas, participando ativamente de todas as ações. Para isso, foi
fundamental a apresentação do projeto, dando ciência aos alunos dos saberes sobre
arte que seriam abordados, bem como dos procedimentos metodológicos.
A possibilidade de conhecer o atelier e ter o contato com Carmes Franciosi
motivou os alunos a participarem ativamente das aulas, sendo que muitos, devido à
rotina de trabalho diário sentem-se desestimulados para os estudos.
Em todas as comunidades existem artistas – muitos, anônimos – que podem
contribuir no processo de construção do conhecimento. Fazer a intersecção entre as
manifestações culturais ou artísticas locais e o ensino que se promove na escola
pode tornar os saberes expressivamente mais significativos aos estudantes.
Uma prática pedagógica efetiva é aquela condizente com a realidade dos
alunos. Assim, a contextualização entre as obras dos artistas acadêmicos Almeida
Junior, Pedro Américo e Elizeu Visconti com o “fazer especial” de Carmes Franciozi
levou ao entendimento da estética acadêmica, seus princípios e procedimentos
pictóricos.
Os temas históricos, de costumes regionais e de paisagens, tão explorados
na pintura acadêmica, revelaram-se pelo “clic” das câmeras digitais e celulares dos
alunos. Os objetos comuns do cotidiano tornaram-se singulares em experimentos
fotográficos, traduzindo novas ideias e conceitos. Um novo olhar – mais crítico,
reflexivo e significativo – permitiu que se transformasse o cotidiano em objeto de
estudo para o ensino da arte.
Contextualizar arte, estética e cotidiano desvelou traços comuns entre os
alunos, identificando-os culturalmente, revelando seu pertencimento e o modo de ser
e estar no mundo.
REFERÊNCIAS
ARSLAN Luciana M.; IAVELBERG, Rosa. O ensino da arte. São Paulo: Thomson Learning, 2006.
BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2.ed. São Paulo: Cortez, 2008.
CHIARELLI, Tadeu, Arte internacional brasileira. 2.ed. São Paulo: Lemos-Editorial, 2002.
FRANCIOSI, Carmes Eunice Camilotti. Vida e obras. Disponível em:<www.carmesfranciosi.com>. Acessado em: 05/2013
PARANÁ. Secretaria do Estado de Educação – Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná – Arte – SEED. 2008.
PROENÇA, Graça. História da arte. São Paulo: Ática, 2001.
RICHTER, Ivone Mendes. Interculturalidade e estética do cotidiano no ensino das artes visuais. 2.ed. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2008.
SANT’ANNA, Renata. Saber e ensinar: arte contemporânea, São Paulo: Panda Books, 2009.