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ENSINANDO HISTÓRIA DO PARANÁ: UMA EXPERIÊNCIA SOBRE A GUERRA DO CONTESTADO
Maria Carmem Alvarez1
RESUMO
Este artigo pretende analisar e refletir sobre a importância da guerra do Contestado para a História do Paraná. Na intervenção utilizou-se o material didático Folhas produzido pela autora, cuja aplicação se deu com alunos da terceira série do ensino médio, especificamente três turmas, totalizando 65 alunos em uma escola pública. A intenção é proporcionar possibilidades de intervenção despertando o pensar histórico e contribuindo para que as aulas da disciplina tornem-se mais interessantes e próximas à realidade do educando. Para isso a abordagem inicial se deu através de conteúdo relacionado à história local, possibilitando a construção e a compreensão do conhecimento histórico. Foram utilizadas diferentes linguagens e recursos, contribuindo para uma aprendizagem mais significativa e percepção, por parte do aluno, da História como parte do seu cotidiano e da sua própria história. PALAVRAS-CHAVE: Guerra do Contestado. História do Paraná. Pensar Histórico. História Local.
ABSTRACT This article aims to examine and reflect on the importance of war for the Contested History of Paraná. In the intervention used the teaching material leaves produced by the author, whose implementation has been given to third graders in high school, specifically three classes totaling 65 students in a public school. The intention is to provide opportunities for intervention arousing the historical thinking and contributing to the lessons of discipline to become more interesting and close to the reality of the student. For this initial approach was through content related to local history, enabling the construction and understanding of historical knowledge. We used different languages and resources, contributing to a more significant learning and perception by the student of history as part of their daily lives and their own history. KEYWORDS: Contested War, History of Paraná Thinking History, Local History, Historical
Knowledge
APRESENTAÇÃO DA EXPERIÊNCIA
O presente artigo pretende apresentar e analisar um projeto de intervenção
pedagógica em uma escola pública, tomando como tema central a Guerra do
Contestado. Este estudo investiga a exploração das terras na região contestada,
1 Professora de História da Rede Pública Estadual do Paraná. Professora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) do Estado do Paraná. E-mail: [email protected]
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realizada com a construção da estrada de ferro, a situação dos posseiros e o
aparecimento dos monges nessa região conflituosa, por meio de pesquisas já
realizadas e também pela análise de documentos históricos como jornais e fotos.
O presente tema está de acordo com os encaminhamentos propostos nas
Diretrizes Curriculares Estaduais do Ensino Médio do Estado do Paraná, a partir
de conteúdos estruturantes, que são saberes e conhecimentos construídos
historicamente e considerados fundamentais para a compreensão do objeto e
organização dos campos de estudo de uma disciplina escolar. Deles derivam os
conteúdos específicos que compõem o trabalho pedagógico e a relação ensino-
aprendizagem no cotidiano da escola. A disciplina de História no Ensino Médio se
ocupa em trabalhar recortes específicos e mais aprofundados dos conteúdos
estruturantes, os quais estão interligados com o objetivo de uma melhor
compreensão das ações humanas. A partir dos conteúdos estruturantes: relações
de trabalho, relações de poder e relações culturais devem ser refletidos
problemas contemporâneos, bem como aqueles que representam demandas
sociais estabelecidas em lei, por isso a inclusão da temática História do Paraná.
A região do sul do Estado do Paraná fazia parte das terras disputadas pelo
Estado do Paraná e por Santa Catarina, desde seu desmembramento, em 1853,
da Província de São Paulo. Passava por essa região a estrada de ferro ligando
São Paulo ao Rio Grande do Sul. A população local ainda hoje cultua a imagem
do monge João Maria que passou pela região e, através das suas curas e
orações, fortaleceu a fé do povo sertanejo.
No município de Paula Freitas é possível encontrar entre os habitantes
pessoas que possuem fotos do monge João Maria nas suas residências, ou que
foram batizadas no pocinho (nascente onde o monge tomou água ou realizou
batizados) de João Maria.
Apesar da importância do Contestado para a região sul, encontram-se
poucas produções didáticas regionais sobre o tema. Nos livros didáticos, o
Contestado aparece de forma muito reduzida, deixando para o aluno a impressão
de que o fato não teve importância na História do Paraná e do Brasil, por isso a
realização desta experiência.
A experiência foi realizada com alunos das terceiras séries do Ensino
Médio diurno e noturno, do Colégio Estadual Marina Marés de Souza, município
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de Paula Freitas, onde a autora leciona a disciplina de História. A implementação
aconteceu entre os meses de março a junho de 2009. Embora situada no
perímetro urbano, a escola atende em sua maioria alunos oriundos do interior do
município, o que remete à caracterização de escola do campo.
A escolha dos alunos de terceira série do Ensino Médio para a implementação do
projeto, deu-se pelo fato da temática do Contestado fazer parte da proposta
curricular para essa série. A princípio definiu-se por trabalhar somente na terceira
série B do período noturno, por tratar-se de uma turma com alunos do meio rural
e urbano e por esta mostrar-se dinâmica, participativa e receptiva a novos
desafios. Mas, após o início da experiência, decidiu-se pela ampliação do estudo
nas outras duas turmas, sendo uma terceira série do período matutino e outra do
noturno, a fim de envolver mais alunos, ampliando assim o estudo e a
participação.
A escolha do tema Guerra do Contestado contempla o estudo da história
local, articulada à regional e nacional. Pretendeu-se com isso que o aluno
participasse efetivamente na construção do seu conhecimento, de modo a se
sentir também sujeito da própria História. Na realização deste trabalho os
objetivos buscados foram analisar o movimento do Contestado, refletindo sobre o
caráter messiânico da revolta e o papel dos sertanejos durante a guerra.
Nesse sentido, o trabalho foi realizado através de uma revisão bibliográfica
sobre o tema, com a seleção e leitura de livros, dissertações e teses. Optou-se
por pesquisar e conhecer as produções realizadas nas faculdades e
universidades, buscando uma aproximação entre os textos acadêmicos com o
ensino público, além das referências bibliográficas sugeridas pela orientadora. A
pesquisa de documentos históricos deu-se na Biblioteca Pública do Paraná,
localizada em Curitiba, onde foram pesquisadas cópias microfilmadas dos jornais
da época da guerra do Contestado, optou-se por pesquisar as notícias somente
do jornal Diário da Tarde.
Outra forma importante de contribuição ocorreu através do curso à
distância, denominado Grupo de Trabalho em Rede (GTR), envolvendo a
participação de professores da rede pública com os professores PDE2. Este curso
2 Este artigo realiza um relato e as reflexões resultantes de um trabalho desenvolvido durante o processo de formação continuada, nos anos de 2008 e 2009, como professora integrante do
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iniciou seus trabalhos no segundo semestre de 2008 com apresentação do objeto
de estudo, discussão e análise da unidade didática proposta, promovendo a
interação e contribuição dos professores da rede pública.
O estudo sobre o Contestado permite o desenvolvimento de noções e
conceitos básicos da disciplina de História (permanência, mudança, semelhança,
diferença, simultaneidade) pelo educando, na medida em que permite a
compreensão da realidade mais próxima deste (construção da ferrovia)
relacionada a contextos mais amplos (coronelismo, república), possibilitando a
articulação com fatos históricos nacionais. Os documentos devem responder às
indagações e problematizações, entre o passado e o presente. “O trabalho com
documentos em sala de aula proporciona a produção de saber escolar quando
usado como fonte em que se buscam respostas para as problematizações
formuladas. Assim, os documentos permitem a criação de conceitos sobre o
passado e o questionamento dos conceitos já construídos”. (Diretrizes
Curriculares Estaduais 2008).
O CONTESTADO NA ESCOLA: O QUE E POR QUE ESTUDAR
Este estudo encaminha-se no sentido de contribuir para que o educando
torne-se conhecedor e valorize a História local ocorrida em seu Estado.
Compreendendo melhor a História do Paraná, o aluno pode conscientizar-se de
que ele faz parte desse passado, sendo ele, educando, um personagem
integrante e transformador desse fazer histórico.
Neste sentido foram utilizadas as reflexões que Circe Maria Fernandes
Bittencourt (2004) faz na obra Ensino de História: fundamentos e métodos, onde
relata a ideia de que os estudos do Brasil devem contemplar a história local e
regional articulada à nacional. A história local deve necessariamente estar
incluída nos estudos de História, não exatamente na ordenação do mais próximo
Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, em convênio com as instituições públicas de ensino superior do Estado, tendo como objetivo a formação continuada dos professores da Rede Estadual de Educação Básica do Paraná, visando à melhoria do processo ensino e aprendizagem nas escolas públicas estaduais. A autora do presente artigo foi orientada no ano de 2008, pela professora doutora Janaina Zito Losada e neste ano pela professora doutora Serlei Maria Fischer Ranzi, ambas da Universidade Federal do Paraná.
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ao mais distante, mas de forma a ser problematizada a cada momento de estudo.
A História do Brasil se constitui assim por uma dimensão nacional, local e
regional.
Para análise dos documentos históricos nas aulas de História, foram
utilizadas as reflexões de Circe Maria Fernandes Bittencourt, pois podem
contribuir para o desenvolvimento do pensamento histórico. O jornal, como veículo de comunicação fundamental na sociedade moderna, exige igualmente tratamento bastante cuidadoso quanto à análise externa, devendo ser considerado como objeto cultural, mas também como mercadoria, como um produto de uma empresa capitalista. Sendo um meio de comunicação influente, o jornal tem sido analisado em seu papel de formador da opinião pública ligado a interesses variados e, como órgão da denominada “imprensa livre”, faz parte do jogo político e do poder. [...] O importante no uso de textos jornalísticos é considerar a notícia como um discurso que jamais é neutro ou imparcial. (BITTENCOURT, 2004)
Este artigo fundamenta-se nas discussões metodológicas da chamada
Nova História. Esta corrente historiográfica beneficia o ensino, pois teve uma
influência decisiva na renovação da História, criando a concepção de história-
problema ou da história-interdisciplinar. Para Marc Bloch (2001) o historiador deve
compreender o presente pelo passado e, correlativamente, compreender o
passado pelo presente.
Neste sentido as ideias de Jacques Le Goff (2003) sobre memória como
propriedade de conservar certas informações remetem-nos em primeiro lugar a
um conjunto de funções psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar
impressões ou informações passadas, ou que ele represente como passadas.
Ainda sobre esta questão, Stella Bresciani e Márcia Naxara (2004), afirmam que a
memória constrói o real, muito mais do que o resgata.
A complexidade da Guerra do Contestado é analisada por Nilson César
Fraga (2006) como um acontecimento alimentado por fatores que se entrelaçam,
seja de ordem social, política, econômica, cultural ou religiosa. O autor menciona
ainda o Tratado de Madrid, de 1750, o qual se iniciou depois do Tratado de
Tordesilhas, com a demarcação das fronteiras nas terras brasileiras pelos
soberanos de Portugal e Espanha.
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Eloy Tonon revela que no período monárquico o Estado do Paraná
emancipou-se do Estado de São Paulo:
A disputa política e jurídica sobre os limites nasceu com a criação da Província do Paraná, através da Lei imperial nº. 704, de 29 de agosto de 1853. A Lei, ao emancipar a Quinta Comarca da Província de São Paulo, não definiu os seus limites, dizendo apenas que sua extensão e limites seriam os mesmos da referida Comarca. A Província do Paraná nasceu territorialmente indefinida. A Província de Santa Catarina foi desmembrada da de São Paulo em 11 de agosto de 1738, ainda no período colonial. (TONON, 2002)
A obra denominada Contestado (2002), editada pelo governo de Santa
Catarina, relata a disputa das terras contestadas pelos dois estados. Na disputa
judicial, o Estado de Santa Catarina reivindicava a posse da área situada ao sul
dos rios Saí-Guaçu, Negro e Iguaçu. Em 1904, o Supremo Tribunal Federal deu
ganho de causa ao Estado de Santa Catarina. Mas o Paraná não aceitou o
resultado e protelou a execução da sentença.
O conflito ocorreu na região que se estende ao meio oeste, conforme nos
relata Liz Andréa Dalfré (2004), ao planalto central e ao norte do estado
catarinense. O território paranaense envolvido no conflito localizava-se à margem
direita do Rio do Peixe, onde hoje se encontram os municípios de Rio Negro,
União da Vitória e Palmas, região disputada judicialmente pelos dois estados no
período em que ocorreu o conflito.
Nessa região contestada, onde a igreja católica pouco se fazia presente, a
população era muito ligada ao misticismo. Segundo José Fraga Fachel (1995) em
sua obra Monge João Maria – Recusa dos Excluídos, no sul do Brasil estiveram
três monges. Chegou ao país em 1844, João Maria d’Agostinho, natural da Itália.
Este vestia um hábito, usava cabelos e barba longos. Dormia sobre uma tábua e
alimentava-se de frutos e dos alimentos que ganhava, pregava a palavra de Deus
e a penitência. O monge João Maria esteve no Rio Grande do Sul e a população
acreditava que a água de uma nascente benzida pelo monge era santa e
milagrosa. Este monge instalou-se numa gruta no município da Lapa, no Paraná,
para onde atraiu centenas de pessoas. Passou por cidades de Santa Catarina e
depois desapareceu, sem que se confirme onde faleceu.
Nesse contexto surge o segundo monge, João Maria de Jesus, na região
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sul do país, no final do século XIX, segundo Delmir José Valentini (2003). Frei
Rogério conversou com João Maria, o qual relatou que teve um sonho orientando-
o a caminhar pelo mundo, sem comer carne nas quartas, sextas e sábados e sem
dormir na casa de ninguém. O monge benzia água, realizava batizados, erguia
cruzes, era monarquista e realizava profecias.
De acordo com Liz Andréa Dalfré (2004) o terceiro monge, José Maria,
intitulado curandeiro, sabia ler e escrever. Katiuscia Maria Lazarin (2005) analisa
a população que habitava a região contestada e os denominou de caboclos,
sertanejos, matutos, mas, sobretudo brasileiros que protagonizaram a Guerra do
Contestado. Em 1906, a Brazil Railway Company adquiriu a concessão para
construir a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. A construção do trecho
entre União da Vitória e Marcelino Ramos levou dois anos. De acordo com a obra
Messianismo e conflito social: a guerra sertaneja do Contestado - 1912-1916, de
Mauricio Vinhas de Queiroz: Uma concessão de terras equivalente a uma superfície de nove quilômetros para cada lado do eixo, ou igual ao produto da extensão quilométrica da estrada multiplicado por dezoito. A área total assim obtida deveria ser escolhida e demarcada, sem levar em conta sesmarias nem posses, dentro de uma zona de trinta quilômetros, ou seja, quinze para cada lado. Não só por isso, mas também pela subvenção quilométrica, o traçado se desdobrava em exagerada sinuosidade. Desse modo, a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande ziguezagueava para todos os pontos cardeais, a furtar-se de pequenas obras de arte. (QUEIROZ, 1966)
A empresa contratou operários vindos de várias regiões do Brasil, para
trabalhar na construção da estrada de ferro. Por outro lado, as pessoas que
habitavam na região explorada pela empresa Brazil Railway Company não
possuíam escritura das terras. Caso os moradores se recusassem a deixar as
terras, eram expulsos pelos seguranças da empresa que desalojavam moradores
que ali viviam há muitos anos. Entre os expulsos de suas terras, muitos se
tornariam fanáticos e jagunços. A população desalojada passou a descrer no
governo republicano, esperando outro messias para salvá-los dessa situação.
Dessa forma, Marli Auras (1997) revela que o curandeiro José Maria (o
terceiro monge) chegou a Campos Novos em 1912, dizendo-se irmão de João
Maria. Não demorou muito para que, das redondezas e das regiões mais
distantes, muita gente afluísse ao local onde se achava José Maria. O curandeiro
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começou, então, a ser alvo de veneração. Em pouco tempo era seguido por
centenas de pessoas. O monge organizou o reduto de Taquaruçu, no interior de
Curitibanos. Conforme analisa Hermógenes Lazier: Taquaruçu tornou-se a terra da promissão para os injustiçados do campo. O reduto foi crescendo, crescendo... Começou a tumultuar a região. O governo catarinense enviou tropas contra José Maria e seus seguidores, os quais foram expulsos para o Paraná, e se instalaram em Irani, município de Palmas. Surgiu novo reduto. Agora é a polícia do Paraná que manda tropas contra os fanáticos. (LAZIER, 2003)
No primeiro combate morreu o Coronel João Gualberto, comandante das
tropas da Polícia do Paraná e também o monge José Maria. Após a morte de
José Maria, os sertanejos organizaram-se em outro reduto, com líderes que
diziam receber mensagens do monge morto. Ampliou-se o fanatismo religioso e a
crença na ressurreição, os moradores do reduto passaram a crer que os mortos
nos redutos voltariam como o exército encantado de José Maria. Passaram a não
ter medo da morte; diziam que a pessoa não morria, passava para o lado de José
Maria.
Tomando conhecimento de que os fanáticos se haviam juntado de novo em
Taquaruçu, onde se organizavam rapidamente, e esperavam a “volta” do monge
José Maria, o Ministério da Guerra e o Governo catarinense elaboraram um plano
de dispersão, segundo o qual três expedições cercariam o “quadro santo”. Frei
Rogério ainda tentou dissuadir os fanáticos, mas foi expulso do reduto, enquanto
ali aumentavam os preparativos para enfrentar as tropas. (Adaptado de Thomé,
1992)
Das forças que atacaram o reduto, a que partiu de Campos Novos nem
chegou ao objetivo e retirou-se em pânico. A de Caçador, após rápido tiroteio,
debandou; e a de Curitibanos lançou-se ao combate, mas desconhecendo o
terreno e emboscada pelos flancos, também foi obrigada a retroceder. (Adaptado
de Valentini, 1992). Joaquim, neto de Eusébio, foi aclamado novo menino deus e
chefe supremo do reduto depois disso ordenaram a construção de outra cidade
santa em Caraguatá.
Em janeiro de 1914 a população mudou-se, mas ficaram em Taquaruçu
muitos velhos, mulheres e crianças. Em fevereiro, aproximadamente 700
soldados com armamento pesado (canhões e metralhadoras), atacaram
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Taquaruçu, que não resistiu. Quem não fugiu morreu. O vilarejo foi destruído e
incendiado. Muitos sobreviventes apareceram em Caraguatá. Maria Rosa era a
líder, era quem ouvia José Maria e dava ordens. Venuto Baiano, ex-marinheiro, foi
nomeado comandante de briga e iniciou uma nova estratégia para obter
alimentos, armas e pessoas: realizava piquetes, tomando bens e obrigando as
pessoas a morarem no reduto. Assim o número de habitantes aumentava
consideravelmente. Os bombeiros (olheiros) sabiam que as tropas do governo se
aproximavam. Os sertanejos se organizaram para mais uma luta, esperavam os
soldados na mata, atacando-os de surpresa, com uma arma em uma mão e facão
em outra. Venceram facilmente o exército, pois achavam que eram protegidos por
forças sobrenaturais. Mais tarde desenterraram os inimigos e trucidaram os
cadáveres de 26 soldados, deixando-os insepultos. Para Auras (1997) essa
prática de deixar insepultos os cadáveres dos inimigos tombados em combate
passa a ser uma constante, aliada à preocupação de enterrar todos os
companheiros que ‘passassem’ para o lado de José Maria.
Depois houve uma epidemia de tifo, matando muitas pessoas em
Caraguatá, principalmente crianças. Maria Rosa anunciou que havia recebido
mensagem de José Maria alertando para mudarem o acampamento para os
campos de Bom Sossego em Pedras Brancas, pois o exército voltaria a atacá-los.
Em poucos dias mudaram-se para o reduto de Bom Sossego, construindo cerca
de 500 casebres. Ali os costumes permaneceram os mesmos, os sertanejos
tinham o hábito de usar, enrolada no chapéu, uma fita branca com o comprimento
de 1,70 metros, pois essa era a altura do monge José Maria. As tropas do
exército estavam sob o comando do general Mesquita, sendo substituído pelo
general Setembrino de Carvalho. Estava na região o capitão Matos Costa, sendo
o único militar que acreditava que os sertanejos eram vítimas, pois não tinham
terras e nem direitos. Este tentou um acordo de paz, mas não foi possível.
Francisco Alonso tornou-se comandante do reduto e Maria Rosa perdeu o poder.
O reduto foi mudado para Caçador, onde o número de adeptos aumentava cada
vez mais. Os sertanejos reuniam animais e tomavam para si bens e alimentos.
Este recado foi encontrado escrito na porta da estação São João (hoje
Matos Costa). “Nos estava em Taquarussú tratando da noça devoção não matava nem robava, o Hermes mandou suas força covardemente
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nos bombardiar onde mataram mulheres e crianças portanto o causante de tudo isto é o bandido do Hermes e portanto nós queremos a lei de Deus que é a monarchia. O guverno da Republica toca os Filhos Brasileiros dos terreno que pertence a nação e vende para o estrangeiro, nós agora estemo disposto a fazer prevalecer os noços direito”. (Adaptado de ESPIG, MACHADO, 2008)
Em dezembro de 1914, mudaram o reduto para o Vale de Santa Maria.
Este chegou a ter aproximadamente 5.000 habitantes, por isso foram criados
redutos menores. Adeodato tornou-se chefe do reduto, onde no início havia
fartura de alimentos, mas com o aumento da população, o alimento escasseou a
fome chegou. Também havia o problema do tifo. O exército cercou o reduto em
quatro frentes de batalha. Pela primeira vez no Brasil foram usados aviões com
objetivos militares: fazer um reconhecimento do reduto e lançar bombas. Mas nas
primeiras expedições um dos aviões caiu. Também foi instalado telefone para uso
militar.
Uma testemunha lembra que em Santa Maria os jagunços devoravam
cavalos e até cachorros. “Aí veio a miséria”, acrescenta “Comiam couro cru,
correia, capa de cangalha, bruaca” (depoimento de Maria - adaptado de
QUEIROZ, 1981)
A população de Santa Maria resistiu até abril de 1915, quando muita gente
se entregou devido à fome e a doenças. Quando as lutas acabaram, seis mil
casas foram incendiadas, aproximadamente 600 pessoas morreram, muitos
feridos e outros tanto fugiram. Após essa batalha, o exército retirou-se. Haviam
“vencido a guerra”.
Tempos depois outro reduto organizou-se em São Miguel, sob as ordens
de Adeodato. Depois esse reduto deslocou-se para Pedras Brancas e em seguida
para a cidade de São Pedro. Ficou a cargo da força policial e dos vaqueanos
acabar com os últimos redutos, incendiar as casas, prender e assassinar quem
resistisse. Assim acabou a guerra, com muitos mortos, pessoas de todas as
idades que tinham sonhos em comum. Segundo a população local, em todo o
período do conflito mais de quatro mil pessoas morreram, mas muitos autores
supõem que podem ter sido vinte mil as pessoas mortas Ninguém venceu: o
governo federal, os sertanejos, os estados do Paraná e Santa Catarina, todos
passaram a conviver com esse genocídio.
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No Contestado, o povo simples que perdeu suas terras sentiu-se
abandonado pelo governo, sem ter seus direitos garantidos. O povo sertanejo
protestava contra um mundo hostil e vislumbrava no horizonte outra sociedade,
onde existissem igualdade, fraternidade e liberdade. Nesse sentido, houve um
apelo da população local ao messianismo, definido por Mauricio Vinhas de
Queiroz (1981), como um conjunto de crenças religiosas através das quais, um
povo expressa a sua revolta diante de condições de vida precária, manifestando a
esperança de que um herói com poderes sobrenaturais os salve e os leve para
viver em um paraíso sem males.
PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
Um dos requisitos para a conclusão do Programa de Desenvolvimento
Educacional era produzir um material didático direcionado ao aluno ou ao
professor da escola pública. Entre as possibilidades de produção didático-
pedagógica há o Folhas3, material didático destinado ao aluno.
A produção do Folhas inicia-se com uma problematização, para que o
aluno sinta-se desafiado a buscar a resposta.
“O questionamento é o movimento inicial da investigação
e da construção do conhecimento através da pesquisa. É a formulação de uma pergunta ou a existência de uma dúvida ou problema que geram a busca por informações já elaboradas e a construção de novos argumentos a respeito do tema pesquisado”. (RANZI, FUCKNER, LIMA, 2006).
Durante os encontros de orientação, decidiu-se pela produção do Folhas
para contemplar melhor o desenvolvimento do aluno e também para possibilitar o
aprofundamento do tema, através da utilização de imagens, fotos, mapas,a fim
de enriquecer as informações do texto. Ainda para estudo dos textos sobre os
combates na região, foram utilizadas para análise fotografias da época retratando
cenas reais e acampamentos do exército, também foram localizadas em mapas
do estado de Santa Catarina as localidades onde ocorreram os confrontos
3 Esse material tem um formato específico, sendo necessária, para sua realização, a escolha de um conteúdo estruturante e um conteúdo básico da disciplina. È possível encontrar Folhas nos livros didáticos públicos produzidos pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná, ou disponível no site www.diaadiaeducacao.pr.gov.br
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armados. Nesse sentido, pretendia-se contribuir para ampliar o pequeno número
de material didático destinado ao aluno do Ensino Médio, dentro desse tema.
Como ainda é possível encontrar jornais produzidos na época da guerra,
optou-se por utilizá-los para realização de uma análise sobre como a imprensa
periódica tratava a guerra do contestado. Entre os anos de 1914 a 1916, o jornal
destacava as notícias da Primeira Guerra Mundial, dando menos destaque aos
acontecimentos da região contestada. Um dos traços predominantes nas
manchetes do periódico é a valorização do Exército brasileiro, e a alusão aos
sertanejos como fanáticos e jagunços.
Denominou-se o material didático produzido de Memória e Messianismo4 a
fim de problematizar o culto à figura do monge João Maria, bem como aos
pocinhos e cruzeiros a ele relacionados existentes em muitos lugares no sul do
Brasil. Nos pocinhos ainda é prática comum o ritual dos batizados ou o costume
de levar a água para batismos em casa. No decorrer do trabalho, foram realizadas
atividades em que o aluno pôde analisar pesquisar, comparar, além de solicitar a
contribuição da família em pesquisas quanto a esses fatos. Como material escrito,
além do Folhas, foram abordadas textos acadêmicos matérias jornalísticas e uma
matéria de revista do judiciário paranaense abordando a questão legal dos limites
entre os dois estados. Através da análise das inúmeras fotografias da época os
alunos constataram o poderio do exército brasileiro e quais eram as armas
utilizadas pelos sertanejos.
Para enriquecimento do texto foram intercaladas fotos da época, mapas e
três manchetes do jornal Diário da Tarde, todos retratando momentos da guerra.
Como a temática é complexa, pois envolve vários acontecimentos ligados ao
movimento do contestado, procurou-se abordá-las dessa forma para que o
educando conheça os fatores de ordem social, política, cultural, econômica e
religiosa aí implicados.
O ensino requer entre outros pressupostos o uso do documento histórico
para o estudo da história. Cabe pontuar que o documento não é visto como prova
real do passado, tampouco é tomado como mera ilustração do discurso do texto
didático ou do professor. O uso do documento histórico em aula é visto em sua
4 Este material didático está disponível no formato de Folhas no endereço eletrônico www.pde.pr.gov.br/PDE2008
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dimensão de evidência. Assim, o estudante é estimulado a fazer questionamentos
com relação ao conteúdo do documento. Como afirma Marc Bloch (1970) “A História é a ciência dos homens no tempo”, e tudo que representa a ação humana acaba sobrevivendo ao tempo através de indícios que o historiador chama de documento. Esses indícios podem ser usados para o desenvolvimento das aulas de História, bem como para avaliar os conteúdos que foram apreendidos pelos alunos. (RANZI, FUCKNER, LIMA, 2006).
A possibilidade do uso de documentos variados enriquece o texto, além de
notadamente favorecer a aprendizagem, permitindo ao aluno o desenvolvimento
de ideias e conceitos históricos. “O conceito de documento foi ampliado: imagens,
objetos materiais, oralidade e os mais diversos documentos escritos são tomados
como vestígios do passado, a partir dos quais é possível produzir o conhecimento
histórico. O documento deixou de ser considerado apenas um indício do passado,
sendo ele mesmo determinado por quem o produziu. Assim, o documento não é
mais a prova do real, mas um indício que depende das questões e dos problemas
postos pelo historiador”. (SCHMIDT, apud Diretrizes Curriculares Estaduais,
2008).
Quando o documento é usado como fonte, o trabalho na aula de História
proporciona a produção de um saber escolar sobre o passado. Seu uso nas aulas
deve ser progressivo e dirigido, cabendo ao professor orientar o aluno quanto à
observação, manuseio e análise do mesmo. “Ademais, acreditamos que o documento não deve ser como uma ilustração do passado ou como uma prova da verdade. É fundamental mostrar ao seu aluno que cada documento possui um agente (autor) e um contexto específico (momento) em que foi pensado antes de sua materialização. Dessa forma, todo documento – uma obra de arte, uma música, uma ferramenta ou uma peça de roupa – ao mesmo tempo em que informa – é fruto do momento histórico e do segmento da sociedade que o gestou. O primeiro passo para a avaliação da aprendizagem no ensino de História a partir de documentos históricos é colocá-los em contato com os alunos para que observem cada detalhe do documento selecionado. Quando o professor solicita aos alunos que o ajudem a realizar uma descrição pormenorizada do documento, ele está automaticamente estimulando-os a elaborar problemas ou questionamentos que têm como ponto de partida um vestígio do passado recheado de impressões e concepções das mulheres e homens que o produziram, assim como da época em que fora produzido”. (BLOCH, 1997, apud RANZI, LIMA, FUCKNER, 2006).
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Ao utilizar-se de documentos no processo avaliativo, o professor
proporciona ao aluno desenvolver a capacidade de síntese e produção de uma
narrativa histórica, bem como apropriar-se da capacidade de leitura de
documentos com linguagens contemporâneas.
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA COM O USO DE DOCUMENTOS EM SALA DE AULA
Através dos encontros de orientação foram definidas estratégias para a
implementação do Folhas nas terceiras séries do colégio. Entre elas estava o
levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos sobre a Guerra do
Contestado. Assim, antes de qualquer abordagem, os alunos deveriam produzir
um texto individualmente sobre o que sabiam a respeito do tema, relacionando
fatos históricos a ele ligados.
As principais ideias levantadas nas três turmas relacionam o Contestado a
uma disputa de terras entre Paraná e Santa Catarina, ao monge João Maria com
suas profecias, lendas, grutas, pocinhos, cruzes, batizados, água benta, ao
Parque de São João Maria e ao morro da Cruz, em Porto União. Os alunos
citaram que durante o conflito do Contestado foi construída a estrada de ferro,
sendo utilizada a aviação em uma guerra pela primeira vez. A grande maioria
relacionou o Contestado com a enchente de 1983, em União da Vitória, sendo
essa uma das previsões do monge.
Através dos relatos pode-se considerar a forte influência do monge sobre o
imaginário popular do município, território este antes pertencente ao município de
União da Vitória.
Nas aulas seguintes, os alunos receberam uma cópia do Folhas Memória e
Messianismo em que, os primeiros textos abordavam sobre a vida e os hábitos
dos três monges.O objetivo é que pudessem entender a fé e a devoção da
população da região contestada. Uma das atividades solicitadas aos alunos
incluía a participação das famílias, junto às quais deveriam pesquisar algumas
lendas referentes ao monge que conheciam.
Entre as dados de memória relatadas pelas famílias e mais conhecidas na
região, destacamos dois que fazem parte do imaginário popular:
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“O monge João Maria peregrinava pelos lugares pedindo água e comida
para os moradores dos lugares por onde passava. Quando esteve em União da
Vitória pediu alimento em uma casa, mas não recebeu, sendo depois expulso da
moradia. Mas na casa da família Amazonas foi muito bem tratado e alimentado.
Então disse que haveria na cidade uma grande enchente, no final do século XX,
mas que a água não chegaria até a casa deles. Aconteceu uma grande enchente
em 1983 e a casa ficou rodeada de água, mas sem atingir a casa.”
Outra lembrança relata que “durante sua estadia em União da Vitória, o
monge mandou erguer uma cruz no morro de Porto União e disse que o povo
deveria cuidar para nunca deixá-la cair, pois existe uma grande cobra que está
dormindo embaixo desse morro e quando esta acordar haverá inundação da
cidade. Há a crença também de que se forem tiradas as cruzes do morro, a
cidade será inundada, pois o outro morro existente próximo à ponte dos arcos
cairá, represando o rio e alagando a cidade.” Um aluno interpretou a cobra como
sendo o rio Iguaçu que banha as duas cidades.
Através de relatos constata-se ainda ser na região uma prática comum a
realização de batizados nos pocinhos do monge, assim como a enterro de
crianças próximo às cruzes.
Dando sequência à implementação do trabalho, os alunos conheceram e
analisaram vários mapas históricos do território paranaense, desde que a região
pertencia à província de São Paulo. Com essa análise perceberam como ocorreu
a formação do estado paranaense que, com a emancipação teve a questão das
divisas com o estado catarinense indefinida. Além disso, localizaram em mapas
atuais onde as divisas acontecem através de rios e, posteriormente, identificaram
a localização das cidades criadas nas fronteiras entre os dois estados, fazendo
uma comparação entre os mapas do início do século XX e os atuais.
Para a realização da atividade sobre a estrada de ferro os alunos
realizaram uma pesquisa sobre sua importância para os estados e para aquela
época. Em seus relatos destacaram que: “a ferrovia era um meio de transporte
para as pessoas”; “através da estrada de ferro a região foi colonizada”; “ela ligava
o campo aos núcleos urbanos”; “era utilizada para o transporte de mercadorias”;
“ocorreu o surgimento de novas cidades ao longo da ferrovia”; trouxe o progresso
para os estados do sul”; pela ferrovia chegaram os imigrantes”; “aumentou o
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número de empregos”; “era utilizada para exportação da erva-mate”; “integrava e
ligava o estado de São Paulo com os estados do sul”.
Quanto aos pontos negativos ocasionados pela construção da ferrovia,
após pesquisas e análises, os alunos citaram: “o desmatamento e consequente
retirada das araucárias”; “a falta de legalização da posse das terras pelos
colonos”; “a exploração e posse das terras laterais à ferrovia pela multinacional”;
“construção com muitas voltas para atingir os melhores pinheirais”; “a expulsão
das famílias que ocupavam as terras próximas”; “os trabalhadores da ferrovia não
foram reconduzidos aos seus lugares de origem”; “a empresa explorava a mão de
obra dos trabalhadores contratados”; “a empresa não empregava os moradores
das localidades onde ela se estabelecia”.
Através das pesquisas os alunos constataram ainda que a ferrovia
atualmente foi adquirida pela empresa América Latina Logística do Brasil S.A.
(ALL), através de concessão, sendo que alguns trechos dela, dentro do estado
do Paraná, foram desativados e desmontados; já no estado de Santa Catarina ela
está sendo parcialmente utilizada, principalmente para transporte de mercadorias.
Foi apresentada aos alunos a frase “Quem tem mói, quem não tem mói também,
e no fim todos ficarão iguais”. Estes deveriam interpretá-la relacionando-a com o
relato sobre a vida comunitária nos redutos. Estes são alguns dos comentários
surgidos após a análise: “Tudo que tivesse nos redutos era repartido, dividido com
quem não tinha;” “para que todos se igualassem”; “sem haver diferença alguma
de classes sociais”; “não havia ricos nem pobres”; “todas as cidades santas
possuíam muito dinheiro de doações”; “dividindo os bens os moradores viviam em
harmonia”; “viviam em comunidade, eram solidários entre eles”; “seguindo regras
para que não houvesse diferença entre as classes sociais e para que todos
fossem iguais”.
No decorrer do desenvolvimento teórico buscou-se oportunizar momentos
em que os alunos interagissem questionando, debatendo, realizando análises do
conflito e expondo suas opiniões e comentários sobre essa revolta. Foram muitos
os momentos em que mostraram indignação quanto a essa guerra que poderia ter
sido evitada, pois iniciou por motivos banais. Ficou evidente a posição assumida
pelos estudantes em apoiar e defender os sertanejos e criticar as ações
realizadas pelo exército e pelos policiais do Paraná e de Santa Catarina, no
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decorrer dos quatro anos do conflito.
Um dos desafios lançados aos alunos era a produção de uma charge
retratando um fato do conflito. Essa atividade foi realizada em pequenos grupos.
Entre os principais temas relacionados à guerra e representados nas charges
estão: as curas dos monges, a fé do povo, a vida nos redutos, as orações diárias,
os combates, as armas dos sertanejos e do exército e a utilização da aviação.
Assim foi possível visualizar os diferentes aspectos da temática compreendidos
pelos grupos, sempre priorizando o cotidiano dos sertanejos e seus hábitos.
Ao longo do estudo do Folhas os alunos foram constatando que os
sertanejos foram perdendo a guerra principalmente pela falta de alimentos e
condições básicas de sobrevivência, já que, por isso, muitos moradores dos
redutos se entregaram às forças legais.
Muitas obras (AURAS. 1984; ESPIG, MACHADO, 2004; QUEIROZ, 1966;
THOMÉ, 1992) sobre o tema Contestado apresentam a cópia de um bilhete
encontrado no bolso de um sertanejo morto. Este dizia: ”Nóis não tem direito de
terras tudo é para as gentes das Oropa (Europa)”. Após a análise do bilhete os
alunos deveriam relacioná-lo com a guerra, produzindo um comentário. A maioria
dos alunos comentou que: “os sertanejos não tinham direitos”; “com a estrada de
ferro as pessoas perderam o direito de uso e posse da terra”; “progresso para o
sul e sofrimento para o povo”; “a empresa vendia as terras dos colonos aos
imigrantes vindos da Europa”; “falta de legalização das terras nos cartórios”; “o
bilhete mostra a indignação dos sertanejos”; “o governo republicano apoiava a
empresa que construiu a estrada de ferro, não dando valor ao povo”;
“estrangeiros valorizados.”
Após a conclusão do estudo e problematização do Folhas, o passo
seguinte foi a exibição do vídeo Guerra dos Pelados, produzido por Sílvio Back,
(1971), para as três turmas. Procurou-se evitar muitas interrupções, devido à
duração das aulas, mas os alunos poderiam solicitar paradas para
esclarecimentos. Foram lançados questionamentos tais como “que momentos da
guerra o filme representa? Que sujeitos são retratados no filme? Qual visão do
filme sobre o episódio? Proporcionou-se espaço para a realização de um debate,
com comentários sobre fatos relacionados ao Contestado retratados no filme.
Com a exibição do filme somente no final do estudo da temática, procurou-se
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ampliar os conhecimentos e informações já conhecidos, além de tornar possível o
reconhecimento dos principais personagens apresentados e das situações por
eles vividas.
A produção de narrativas históricas oportunizou aos estudantes a
construção de textos, depois de terem passado por várias etapas da
aprendizagem. A atividade foi realizada individualmente em sala de aula. Nessa
produção o aluno construiu uma narrativa sobre todos os acontecimentos que
tiveram relação com a guerra do Contestado, sobre o conflito e seu desfecho.
Seguem algumas narrativas, nas quais os alunos narram com mais ou
menos detalhes fatos históricos sobre a guerra:
Aluno da terceira série B:
“A guerra do Contestado aconteceu entre os estados de Santa Catarina e
Paraná, depois de ambos se desmembrarem do estado de São Paulo. Começou
com uma disputa de terras nos tribunais. Essa região era chamada de contestada.
Depois de tantos ganhos de causa para o estado de Santa Catarina, e depois do
Paraná recorrer das decisões tantas vezes, somente em 1916 o presidente da
república assinou um acordo de limites dividindo o território do contestado entre
Santa Catarina (onde ficou a maior parte das terras) e o Paraná. A ferrovia que
estaria sendo construída em meio a essa disputa, ligaria São Paulo ao Rio
Grande do Sul, com a função de colonizar a região sul e ligá-la aos centros
urbanos. A empresa Brazil Railway Company, responsável pela construção da
estrada de ferro, tinha no acordo o direito de explorar a mata nativa natural que se
encontrava ao longo de 9 km de cada lado da ferrovia, mas ela acabava
explorando 15 km. Com isto acabou revoltando os sertanejos que moravam
nessas terras”.
Aluna da terceira série C:
“A madeira explorada era transportada de trem para os portos de São
Francisco e Paranaguá. Depois da limpeza do terreno, eles o vendiam a colonos
imigrantes. As pessoas que habitavam essas terras eram índios, sertanejos,
caboclos e mestiços que viviam da agricultura e da extração de erva mate. Essas
pessoas foram expulsas das terras porque não tinham documento de posse,
muitas pessoas não tinham lugar para morar e nem algo para se sustentar.
Naquela época rodeava a região o monge José Maria que era a favor da
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monarquia e criticava a república. Dizia ter vários poderes de cura, sempre
procurando uma vida melhor para os sertanejos. Esse monge dizia ser irmão do
monge João Maria, que era conhecido do povo. Aproveitando o boato que João
Maria voltaria, José Maria reúne o povo que o seguia e passam a viver juntos
liderados pelo monge. Como o governo de Santa Catarina decide mandar tropas
para atacá-los, foram em direção a Irani, no estado do Paraná. Em Irani acontece
o primeiro combate com as tropas paranaenses lideradas pelo coronel João
Gualberto, que morre junto com o monge José Maria”.
Aluna da terceira série A:
“Os sertanejos organizavam-se em pequenas vilas, rezavam para idolatrar
João Maria e o santo São Sebastião. Eles pediam a proteção para vencer as
forças do governo. Os primeiros videntes começaram a surgir, falavam que o
monge estava protegendo-os e que podiam lutar contra o governo apenas com
espadas de madeira”.
Aluna da terceira série B
“Viviam do que plantavam ou criavam, um ajudava o outro. Havia normas
nessas vilas, como os homens rasparem a cabeça e usarem uma fita branca no
chapéu, rezar diariamente, eram proibidos bailes, bebidas alcoólicas, prostituição.
Deviam rezar três vezes ao dia em procissões e bandeiras, rezando e cantando,
esperando a volta do monge. Não demorou muito, começaram os ataques pelas
forças policiais, os vaqueanos, e mais tarde pelo exército. Aconteceram vários
combates nos locais onde os sertanejos iam morar. Houve uma epidemia de tifo
que matou muita gente. Em Caraguatá os sertanejos venciam facilmente os
exércitos, ficavam escondidos no mato esperando para atacar, diziam que eram
protegidos por uma força sobrenatural. Em Santa Maria a população não resistiu
à fome, que acabou com as forças dos sertanejos, assim dando a vitória para o
exército”.
Aluno da terceira série B:
“Vários outros confrontos aconteceram, até o objetivo das empresas norte
americanas e do governo brasileiro ser alcançado. O ganhador da guerra foram
eles, mais os mortos no confronto foram muitos, tanto do exército como dos
sertanejos, o que marcou o lado negro do confronto”.
Aluna da terceira série A:
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“A guerra durou muito tempo e os sertanejos se entregaram, pois a fome
falava mais alto, ficavam muito tempo sem comer até que não agüentaram e
acabaram desistindo, só que os sertanejos eram pessoas humildes,
trabalhadoras, não matavam, não roubavam e acabaram perdendo tudo. Essa
guerra saiu em vários jornais, revistas e hoje em dia tem até filme que fala sobre a
guerra”.
Nos depoimentos ficaram registradas informações sobre as atividades de que
mais gostaram e sobre como vivenciaram a experiência. Eis alguns:
Depoimento 1:
Foi um assunto muito interessante de estudar, pois é a nossa própria história, a
história que fala da nossa gente, da nossa cultura e do lugar onde vivemos.
Depoimento 2:
Seria vergonhoso não saber sobre o contestado, afinal muitas coisas do nosso
presente são decorrência do nosso passado.
Depoimento 3:
Quando estudamos fatos dos nossos antepassados, temos mais curiosidade, nos
envolvemos mais, rendemos mais e entendemos o passado do nosso território.
Depoimento 4:
Uma página marcante da História, que foi conhecida nas aulas de História.
Depoimento 5:
Foi muito interessante para mim, uma ótima apostila. A professora mostrou que
tem muito domínio do assunto.
Depoimento 6:
Então, parecia que estávamos fazendo parte da História.
Depoimento 7:
Ficamos mais informados, gostei muito de aprender, foram aulas bem
descontraídas e proveitosas.
Depoimento 8:
Os textos eram objetivos, continham muita informação e linguagem fácil de
compreender.
Depoimento 9:
Estudamos de uma forma diferente e com diversas atividades, com certeza jamais
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iremos esquecer o que foi o contestado.
Depoimento 10:
Eu tenho certeza que o dia em que eu precisar, saberei explicar.
Depoimento 11:
Foi muito bom relembrar das lendas que os nossos pais contavam para nós.
Depoimento 12:
Com a ajuda de meus pais que sabiam algumas histórias eu consegui entender o
tema.
Depoimento 13:
A forma como a apostila foi elaborada, o filme, as fotos, os mapas e as
explicações foram muito importantes para entendermos o contestado.
Depoimento 14:
Um fato histórico que ocorreu próximo ao lugar em que moramos. É importante
conhecermos a nossa história.
Depoimento 15:
Foi bom porque a classe discutia muito o assunto e também apresentava
opiniões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões propostas neste artigo não têm a pretensão de esgotar a
discussão sobre a guerra do Contestado, indicam apenas algumas das
possibilidades que podem contribuir para auxiliar os professores na abordagem
deste conteúdo e quem sabe levar o mesmo a ser abordado de uma forma mais
crítica e aprofundado dentro das salas de aula do ensino Fundamental e Médio.
A utilização de documentos históricos oportuniza ao aluno a valorização
destes como instrumento pedagógico, contribuindo para uma aprendizagem mais
significativa. Através disso, verificou-se nos alunos um despertar do interesse
pela aprendizagem, bem com um maior entusiasmo e interesse acerca da história
local. Assim, houve a compreensão da História como processo dinâmico,
possibilitando que pessoas comuns sintam-se produtoras de saberes. Isso pode
ser constatado a partir de um depoimento, no qual uma aluna relata: “Então,
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parecia que estávamos fazendo parte da História”.
Considera-se que ações como a pesquisa de campo e o uso de novas
linguagens e tecnologias oportunizam atividades que valorizam o papel do
educando como sujeito ativo de sua aprendizagem.
Cabe ressaltar que aprendendo a partir do que está mais próximo,
problematizando questões cotidianas, os alunos são levados a refletir sobre seus
papéis como sujeitos históricos. Estes iniciaram o estudo sobre o Contestado
desconhecendo alguns fatores que envolviam o conflito, porém, com o transcorrer
das atividades ampliaram esse conhecimento e finalizaram o estudo do Folhas
compreendendo e efetivamente construindo seu saber histórico sobre o fato.
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