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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA Ensino de Ciências para alunos surdos nos anos finais do Ensino Fundamental: focalizando a formação do tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais Língua Portuguesa e seu papel no processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos Letícia Pinheiro Corrêa Monografia apresentada ao Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, como parte das exigências para a obtenção do título de Bacharel em Ciências Biológicas. RIBEIRÃO PRETO SP 2013

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA

Ensino de Ciências para alunos surdos nos anos finais do Ensino Fundamental: focalizando a formação do tradutor e intérprete de

Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa e seu papel no processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos

Letícia Pinheiro Corrêa

Monografia apresentada ao Departamento

de Biologia da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo, como parte das

exigências para a obtenção do título de

Bacharel em Ciências Biológicas.

RIBEIRÃO PRETO – SP

2013

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO

DEPARTAMENTO DE BIOLOGIA

Ensino de Ciências para alunos surdos nos anos finais do Ensino Fundamental: focalizando a formação do tradutor e intérprete de

Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa e seu papel no processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos

Letícia Pinheiro Corrêa

Orientadora: Profa. Dra. Ana Claudia Balieiro Lodi

Monografia apresentada ao Departamento

de Biologia da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Ribeirão Preto da

Universidade de São Paulo, como parte das

exigências para a obtenção do título de

Bacharel em Ciências Biológicas.

RIBEIRÃO PRETO – SP

2013

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a

fonte.

Ficha Catalográfica

Corrêa, Letícia Pinheiro Ensino de Ciências para Alunos Surdos nos anos finais do Ensino Fundamental: focalizando a formação do tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa e seu papel no processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos / Letícia Pinheiro Corrêa; orientadora Ana Claudia Balieiro Lodi - Ribeirão Preto, SP, 2013. 78 p.

Monografia (conclusão de curso) – Universidade de São Paulo, 2013.

1. Ensino de Ciências. 2. Educação de surdos. 3. Formação de Tradutor e Intérprete de Libras – Língua Portuguesa. 4. Educação inclusiva. 5.

Progressão conceitual

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Aos meus pais, fonte de minha inspiração,

e ao Leandro, por quem hoje sou.

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iv

AGRADECIMENTOS

Nessa caminhada até aqui, tantas foram as pessoas que cruzaram meu

caminho e contribuíram de alguma forma para a finalização dessa etapa da minha

vida! Grandes e pequenos gestos e vivências, longas e curtas conversas – faladas ou

sinalizadas, intervenções conscientes, e a grande maioria delas, sem a consciência

do impacto que causariam em mim – a todos esses momentos eu agradeço.

Agradeço à minha querida orientadora, Profa. Ana Lodi, por me acolher

nessa pesquisa e me proporcionar todo o apoio e paciência de que precisei –

obrigada, Ana, te tenho enorme admiração!

Agradeço à Elaine Bortolotti e suas alunas surdas, figuras sem as quais esse

trabalho não teria se concretizado, e à Larissa Malvestio, pela ajuda ao longo da

pesquisa, seja braçal ou emocional.

Agradeço à Elomena Almeida, por ter permitido que eu entendesse um

pouco mais sobre a realidade dos surdos pela perspectiva de quem o é – Elô, tem

meu carinho e admiração!

Agradeço aos meus pais, por todos os anos de minha história e pelo apoio

incondicional. E também às minhas irmãs, ao meu cunhado, à minha família, aos

meus amigos de Ribeirão e àqueles que conquistei ao longo de toda a faculdade,

por todos os instantes vividos.

Agradeço imensamente à Panela 44 e à Fernanda Mulan, por todos os

momentos leves e pesados que passamos juntos! Agradeço especialmente à Laura

Pamonha, Maria Izabel Moita e Lívea Poka, por aqueles em que quando ninguém

mais me aguentaria, elas o fizeram.

Agradeço aos Salermos, que perto ou longe me servem de exemplo de força

para seguir. E ao Leonardo Timão, pois toda vivência é aprendizado e crescimento.

Agradeço, também, à Pró-Reitoria da USP, pelo apoio financeiro.

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RESUMO CORRÊA, L.P. Ensino de Ciências para alunos surdos nos anos finais do Ensino Fundamental: focalizando a formação do tradutor e intérprete de Língua Brasileira de Sinais – Língua Portuguesa e seu papel no processo de ensino-aprendizagem de alunos surdos. 2013. 78p. Monografia (conclusão de curso) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2013.

O Decreto Federal no 5.626/05, que regulamenta a Lei no 10.436/02, garante às pessoas surdas o direito à educação bilíngue, compreendida como o processo educacional em que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a Língua Portuguesa em sua modalidade escrita são consideradas línguas de instrução e utilizadas durante todo o processo educativo. Prevê-se ainda neste documento a presença de tradutores e intérpretes de Libras – Língua Portuguesa (TILS) nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, responsáveis por mediar os processos de ensino-aprendizagem entre alunos surdos e professores. Essa mediação é vista como de extrema importância na abordagem histórico-cultural, por entender que a linguagem é a responsável pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores, proporcionando as relações sociais, como também o conhecimento. Visto que é nas relações com os outros, nas diferentes situações, que conceitos são generalizados, significados pelo pensamento, essa dinâmica promove um processo de construção de conceitos de maneira a interferir nas novas experiências, culminando em aprendizagem e desenvolvimento. No entanto, pesquisas comprovam que apenas o domínio de Libras não é suficiente para a atuação de TILS nos espaços escolares, pois conhecimentos específicos das diferentes áreas de saber são mobilizados e seu desconhecimento pelo profissional pode inviabilizar a construção de conceitos pelos alunos surdos. Nesse contexto foi desenvolvida esta pesquisa cujo objetivo foi a formação de uma TILS, que atua em uma escola estadual de um município localizado no interior do Estado de São Paulo, na área de Ciências. Para isso, foi realizado um estudo detalhado dos conteúdos na área de Ciências presentes no material didático disponibilizado pelo Estado às escolas, e produzido um material de apoio e de formação profissional a partir de uma proposta de progressão de conceitos, que visa determinar quais conceitos anteriores são necessários para a compreensão dos atuais, bem como a antecipação daqueles que serão estudados nos bimestres posteriores. Paralelamente, houve o processo de formação da TILS pelo material, como forma de propiciar a aprendizagem das alunas surdas nesta área específica do conhecimento. Por meio de relatos e anotações de caderno de campo da TILS, os materiais de apoio elaborados foram considerados relevantes para sua capacitação, visto que acabaram por resolver problemas como falta de tempo para investir nos seus estudos e de materiais didáticos. A pesquisa evidenciou, principalmente, a importância da formação da TILS para a interpretação dos conteúdos das diferentes áreas do conhecimento do ensino fundamental e o reflexo desta formação para a aprendizagem das alunas surdas, que puderam colocar conceitos em relação. Apontou também para a fragilidade da proposta de educação inclusiva à medida que, por despreparo e desconhecimento dos professores e do sistema educacional como um todo sobre as especificidades dos

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processos educacionais de alunos surdos, há a transferência da responsabilidade da aprendizagem das alunas surdas para a TILS, que não domina os conceitos/conteúdos de todas as disciplinas. Assim, questiona-se quanto os benefícios da educação inclusiva para surdos nos moldes como é atualmente entendida e implantada.

Palavras-chave: ensino de Ciências, educação de surdos, formação de tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa, educação inclusiva, progressão conceitual.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Esquema referente à 2ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 8º ano (SÃO PAULO, 2010) ....................................................................... 23

Figura 2. Esquema referente à 5ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 9º ano (SÃO PAULO, 2010) ....................................................................... 29

Figura 3. Esquema referente à 7ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 9º ano (SÃO PAULO, 2010) ....................................................................... 30

Figura 4. Esquema referente à 2ª Situação de Aprendizagem prevista para o 4º bimestre do 8º ano (SÃO PAULO, 2010) ...................................................................... 31

Figura 5. Exercício realizado em sala de aula por uma das alunas sobre conteúdo previsto para o 3º bimestre do 9º ano presente no Caderno do Professor ............................................................................................................................. ............ 34

Figura 6. Esquema referente à 1ª Situação de Aprendizagem prevista para o 4º bimestre do 8º ano (SÃO PAULO, 2010) ....................................................................... 46

Figura 7. Esquema referente à 2ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 8º ano (SÃO PAULO, 2010) ....................................................................... 47

Figura 8. Recortes da avaliação voltada a toda turma feitas pelas alunas no 3º bimestre do 9º ano ..................................................................................................................... 48

Figura 9. Recorte da avaliação desenvolvida pra TILS respondida pelas alunas surdas no 3º bimestre do 9º ano ............................................................................. 49

Figura 10. Esquema referente à 4ª Situação de Aprendizagem prevista para o 3º bimestre do 9º ano (SÃO PAULO, 2010) ...................................................................... 50

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SUMÁRIO

Dedicatória ......................................................................................................................... .............. iii

Agradecimentos ............................................................................................................................. iv

Resumo .............................................................................................................................................. v

Lista de figuras ............................................................................................................................... vii

Apresentação .................................................................................................................................. 1

Capítulo 1 – Contextualizando o tema .................................................................................. 4

1.1 – Base legal acerca da educação de surdos e do tradutor e

intérprete de Libras – Língua Portuguesa .......................................................................... 4

1.2 – O papel da linguagem na construção conceitual à luz da

perspectiva histórico-cultural ................................................................................................. 11

1.3 – Objetivos .................................................................................................................. 15

Capítulo 2 – Procedimentos Metodológicos ...................................................................... 17

Capítulo 3 – Resultados e Discussões ................................................................................... 22

3.1 – Apresentação dos resultados .......................................................................... 22

3.2 – Análise e discussão dos resultados ............................................................... 35

Capítulo 4 – Considerações Finais .......................................................................................... 58

Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 60

Anexos ...................................................................................................................... ......................... 64

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APRESENTAÇÃO

Reconhece-se que o sistema educacional brasileiro ainda se mostra

insuficiente em fornecer uma formação adequada a todos os seus cidadãos

(BRASIL, 2010a; BRASIL, 2013a). Mesmo com a tendência de adequação na

distribuição das matrículas da educação básica, por modalidades e etapas de

ensino (BRASIL, 2013b), ainda há de se ponderar sobre a permanência nas escolas

e a conclusão do ensino pelos alunos, além de se questionar quanto à qualidade da

formação que é oferecida nos espaços escolares (MARCHELLI, 2010; BRASIL,

2012). A situação se agrava quando se refere às chamadas minorias, que

necessitam mais do que a garantia de uma vaga - precisam de um trabalho

diferenciado que realmente leve em conta as particularidades de cada um desses

grupos no processo de ensino-aprendizagem.

É nesse contexto que se encontram os surdos, e é sobre a situação

educacional dessa minoria, que tive contato em 2010, ano em que cursei a

disciplina de Introdução à Língua Brasileira de Sinais (Libras) como disciplina

optativa1, que versa esse estudo. Naquele período, o desenrolar das aulas

determinou a transformação do meu interesse inicial, o simples desafio de

aprender uma nova língua, em vontade de me aproximar mais dessa realidade tão

diferente da minha – uma realidade em que a dificuldade de se expressar, de

entender e ser entendido pelo o mundo à volta, me deixava ao mesmo tempo

intrigada e instigada a compreender tais desafios. Passei então a freqüentar o

grupo de estudos e pesquisas coordenado pela docente da disciplina de Libras, e

que veio a ser minha orientadora de Iniciação Científica e deste trabalho de

conclusão de curso, Dra. Ana Claudia Balieiro Lodi.

O grupo de estudos e pesquisas em questão foi criado com o objetivo de

transformar a realidade educacional de surdos no município de Santa Cruz das

1 Conforme disposto no Decreto Federal nº 5.626/05, a partir de 2006, tornou-se obrigatória a inclusão da Libras como disciplina curricular a todos os cursos de formação de professores e foi previsto prazo de dez anos para a sua implantação nas instituições de ensino superior (BRASIL, 2005, Artigos 3º e 9º). A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), desde 2010, tem oferecido a disciplina optativa Introdução à Língua Brasileira de Sinais aos alunos de suas licenciaturas; esta disciplina se tornou de natureza obrigatória para os ingressantes no ano de 2011.

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Palmeiras (SP) que, desde agosto de 2009, tem investido na formação teórico-

prática de professores e de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa

(TILSs) para o atendimento educacional de crianças surdas. Esse trabalho

formativo tem sido realizado na Universidade de São Paulo, campus Ribeirão Preto,

e participam do grupo de estudos e pesquisas os profissionais daquele município e

alunos de diferentes cursos de licenciatura da FFCLRP.

Em função dos resultados positivos obtidos na educação das crianças

surdas do município2, no ano de 2010, foi estabelecida parceria entre Diretoria de

Ensino do Estado (responsável pela região) e Departamento de Educação do

Município, a fim de que adolescentes surdos matriculados em escolas estaduais da

cidade também fossem acompanhadas por um profissional capacitado nos anos

finais do ensino fundamental. Assim, um professor bilíngue Libras-Português,

alocado no Departamento de Educação, passou a atuar como TILS na sala de aula

da escola estadual onde estão matriculadas três adolescentes surdas.

No acompanhamento e análise das práticas em desenvolvimento neste

período na escola estadual, observou-se que a TILS demonstrava muita dificuldade

em lidar com conteúdos específicos de algumas áreas de conhecimento, devido à

falta de conceitos anteriores pelas estudantes e de formação da própria

profissional em algumas áreas de saber, entre elas a de Ciências.

Assim, o presente trabalho, fruto de um projeto de Iniciação Científica

financiado pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de

Pesquisa da Universidade de São Paulo (RUSP), teve como objetivo analisar os

impactos de uma formação específica em uma área do conhecimento (no caso,

Ciências) na atuação de uma TILS e, consequentemente, no ensino-aprendizagem

de alunos surdos.

2 A proposição e implantação da proposta em desenvolvimento no Município de Santa Cruz das Palmeiras estão sendo acompanhadas pelo projeto de pesquisa “Educação Bilíngue para Surdos e Educação Inclusiva: implantação de uma proposta pedagógica”, financiado pela FAPESP (Proc. 2010/11012-1) e coordenado pela professora orientadora da Iniciação Científica que deu origem a este trabalho de finalização de curso. O desenvolvimento desta pesquisa foi previsto no projeto mãe da orientadora, que foi analisada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) e considerada aprovada, de acordo com o Processo CEP-FFCLRP no 524/2010 – 2010.1.1574.59.2.

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Para o desenvolvimento deste estudo, serão abordados, no capítulo 1, os

aspectos legais que tratam do direito dos alunos surdos a uma educação bilíngue, a

garantia do oferecimento de um ensino inclusivo que respeite as singularidades

linguísticas desses alunos e a relação existente com a legislação que dispõe sobre a

profissão de TILS. Será também discutida a importância desse profissional no

processo de ensino-aprendizagem entendido à luz da abordagem histórico-

cultural, bem como os objetivos da pesquisa. Em seguida, no capítulo 2, serão

apresentados os procedimentos metodológicos, e no capítulo 3, serão realizadas a

análise e discussão dos resultados. Por fim, serão apresentadas considerações

finais acerca da pesquisa.

Espera-se que ao se levantar questionamentos quanto à formação

necessária de um TILS para o desenvolvimento de um trabalho adequado com os

alunos surdos, possa-se contribuir para a discussão do papel desse profissional no

processo de ensino-aprendizagem desta minoria, e se a educação esperada é, de

fato, inclusiva.

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CAPÍTULO 1 – Contextualizando o tema

1.1 – Base legal acerca da educação de surdos e do tradutor e intérprete de

Libras – Língua Portuguesa

“Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, Artigo 3º, Inciso

IV) é um dos objetivos fundamentais definido pela Constituição Federal de 1988.

Entre os muitos direitos sociais e individuais garantidos pela Carta Magna, a

educação, compreendida como um direito de todos, deve organizar-se de forma a

promover o pleno desenvolvimento da pessoa, o preparo para o exercício da

cidadania e a qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, Artigo 205). Para isso, o

ensino deve assegurar “igualdade de condições para o acesso e permanência na

escola” (BRASIL, 1988, Artigo 206, Inciso I), sendo um dever do Estado a garantia

de “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,

preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988, Artigo 208, Inciso

III).

Tais pontos da Constituição parecem suficientes para garantir o acesso de

todos à educação, porém, historicamente, esta foi caracterizada como privilégio de

um grupo, legitimado nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem

social; apesar de todo o processo de democratização e de universalização do

acesso à escola, os sistemas de ensino continuam excluindo indivíduos e grupos

que se diferenciam dos padrões homogeneizadores da escola (BRASIL, 2008). É o

caso de alunos com deficiência, mesmo estes tendo garantido seu direito à

educação regular básica, por meio de leis, decretos e políticas públicas

razoavelmente recentes.

Tendo como base as Diretrizes Nacionais para Educação Especial na

Educação Básica (BRASIL, 2001a), a educação especial é entendida como

modalidade da educação escolar, definida como uma proposta pedagógica que

assegura “recursos e serviços educacionais especiais” (BRASIL, 2001b, Artigo 3º),

com vistas a promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos.

Para esse processo, “os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos,

cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com

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necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para

uma educação de qualidade para todos” (BRASIL, 2001b, Artigo 2º). No entanto,

conforme discutido pela atual Política Nacional de Educação Especial na

Perspectiva da Educação Inclusiva, apesar desses documentos estarem em

consonância com alguns princípios dos processos inclusivos, eles não

potencializam a “adoção de uma política de educação inclusiva na rede pública de

ensino” (BRASIL, 2008, p.03), pois além de ampliar o caráter da educação especial

para realizar o atendimento educacional especializado complementar ou

suplementar à escolarização, admitem a possibilidade de que a educação especial

substitua os serviços educacionais comuns.

A educação inclusiva, entendida como “uma ação política, cultural, social e

pedagógica desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem

juntos, aprendendo e participando sem nenhum tipo de discriminação” (BRASIL,

2008, p.01) ganha forças somente após a publicação da atual Política Nacional de

Educação Especial. Tendo como referência uma série de documentos nacionais e

internacionais, esta proposta educacional, ao buscar conjugar igualdade e

diferença como valores indissociáveis e constitutivos de nossa sociedade, defende

o direito de todos os alunos estarem matriculados na rede regular de ensino,

incluindo aqueles considerados com necessidades educacionais especiais; cabe,

então, às escolas organizarem-se para o atendimento e para o delineamento de

uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 2008).

Uma vez que “é pela linguagem e na linguagem que se pode construir

conhecimento” (LACERDA, 2009, p.06), a garantia da educação de surdos em

igualdade de condições oferecidas aos alunos ouvintes implica em mudanças em

relação à língua a ser utilizada nas escolas, à medida que as pessoas surdas

necessitam adquirir um sistema linguístico de natureza visual-espacial que difere

substancialmente do sistema oral-auditivo usado pela grande maioria das pessoas

– logo, também, pelo sistema regular de ensino, uma vez que os surdos não podem

ter acesso aos conteúdos expressos por meio da linguagem oral dada a perda

auditiva que possuem. Foi justamente o não uso da língua de sinais nos espaços

educacionais o principal motivo que os deixaram, por muitos anos, às margens da

educação.

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Um passo importante para a reversão dessa situação foi o reconhecimento

da Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de expressão e

comunicação das comunidades surdas do Brasil pela Lei no 10.436/02,

regulamentada pelo Decreto Federal no 5.626/05, que garante o direito dessas

pessoas à educação bilíngue. Por escolas e/ou classes de educação bilíngue

entende-se aquelas em que a Libras e a Língua Portuguesa em sua modalidade

escrita são consideradas línguas de instrução e utilizadas durante todo o processo

educacional (BRASIL, 2005, Artigo 22, § 1º). Para tanto, prevê que no período em

que os alunos se encontram na educação infantil e nos anos iniciais do ensino

fundamental, os processos educacionais sejam desenvolvidos por professores

bilíngues, e nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio, por licenciados

nas diferentes áreas do conhecimento acompanhados por tradutores e intérpretes

de Libras - Língua Portuguesa (TILS), responsáveis por mediar os processos de

ensino-aprendizagem (BRASIL, 2005, Artigo 22, Inciso II).

Em âmbito regional, no Estado de São Paulo, a educação inclusiva visa

atender aos alunos com necessidades educacionais especiais preferencialmente na

rede regular de ensino, por meio da presença de professores capacitados (SÃO

PAULO, 2007). Especificamente sobre a educação de alunos surdos, a Resolução SE

- 38, de 19 de junho de 2009, dispõe sobre a necessidade de admissão de docentes

com qualificação em Libras nas escolas da rede estadual de ensino, para garantir o

acesso desse alunado às informações e aos conhecimentos nos níveis de ensino

fundamental e médio. Portanto, nas escolas estaduais em que alunos surdos

estiverem matriculados, deverão ser incluídos docentes com qualificação e

proficiência em Libras no quadro de funcionários, que atuarão na condição de

Professor Interlocutor, assegurando a comunicação/interação professor-aluno no

processo de ensino-aprendizagem. Para atuar como professor interlocutor, os

profissionais devem ser

portadores de diploma de licenciatura plena, para a atuação nas séries finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, ou de curso de nível médio com habilitação em Magistério, para atuação nas séries iniciais do Ensino Fundamental, e apresentar pelo menos um dos seguintes títulos:

1 - diploma ou certificado de graduação ou de pós-graduação em Letras – Libras;

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7

2 - certificado de proficiência em Libras, expedido pelo MEC;

3 - certificado de conclusão de curso de Libras de, no mínimo, 120 (cento e vinte) horas;

4 - habilitação ou especialização em Deficiência Auditiva/ Audiocomunicação com carga horária de Libras (SÃO PAULO, 2009, Artigo 2º, § 2º).

Percebe-se que tanto os documentos nacional como estadual versam sobre

o mesmo profissional - tradutor e intérprete de Libras – Língua Portuguesa (TILS),

porém este ganha diferentes denominações nos documentos que prevêem sua

atuação. TILS são, de acordo com o Decreto no 5.626/05, profissionais de atuação

generalista, formados em curso superior de Tradução e Interpretação com

habilitação em Libras – Língua Portuguesa. Quando em espaços educacionais, esse

profissional pode ser denominado Professor Interlocutor ou Intérprete

Educacional. A primeira denominação é a encontrada na legislação do Estado de

São Paulo, exposta anteriormente, e diz respeito ao profissional com formação na

área de educação e com títulos de conhecimento de Libras, que atua como

interlocutor dos professores e alunos no ensino fundamental e médio. Já a

segunda, Intérprete Educacional, denomina-se o profissional que atua como

intérprete de língua de sinais na educação nos diversos níveis. Ele pode ter

formação em ensino superior ou ensino médio dependendo da área educacional

que atuará, sem necessitar de formação na área de educação ou de TILS

(QUADROS, 2004).

Frente às diferentes formas de se designar o profissional, optou-se, nesta

pesquisa, por manter a denominação encontrada no Decreto Federal no 5.626/05 -

TILS. Porém, independentemente de como é denominado, a questão passa a ser se

as atribuições requisitadas para a atuação desses profissionais de fato garantem a

educação bilíngue, pela incerteza da capacidade de fornecer conhecimentos

necessários para interpretar conteúdos de qualquer disciplina dos anos finais do

ensino fundamental e ensino médio, bem como seu impacto em salas de educação

infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

A tentativa de se encontrar um documento geral que verse, de maneira mais

direta, sobre a questão da formação necessária desse profissional para atuação em

espaços educacionais leva à Lei no 12.319/10, que regulamenta a profissão de

TILSs. A formação profissional de TILS é colocada a nível médio, realizada por meio

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de cursos de educação profissional reconhecidos, de extensão universitária e de

formação continuada por instituições de ensino superior e por instituições

credenciadas por Secretarias de Educação. Além disso, os profissionais devem

possuir certificação de proficiência em Tradução e Interpretação de Libras –

Língua Portuguesa, (BRASIL, 2010, Artigos 4º e 5º), obtida por meio do exame

nacional denominado ProLibras.

Entre as atribuições no exercício de suas competências, está a de

interpretar, em Libras - Língua Portuguesa, “as atividades didático-pedagógicas e

culturais desenvolvidas nas instituições de ensino nos níveis fundamental, médio e

superior, de forma a viabilizar o acesso aos conteúdos curriculares” (BRASIL, 2010,

Artigo 6º, Inciso II). No entanto, não há diferenciação quanto à formação desses

profissionais atuando nesses espaços educacionais, e aquela exigida no documento

não garante a formação específica necessária para se concretizar o processo de

ensino-aprendizagem, pois como alertou Quadros (2004, p.72),

mais do que nunca, pensar no intérprete de língua de sinais na sala de aula para intermediar a interação professor-aluno em que se deve dar o processo de ensino-aprendizagem é uma responsabilidade enorme e exige qualificação específica na área da interpretação e nas áreas de conhecimento envolvidas.

Tal conclusão é trazida neste documento a partir de pesquisa realizada pela

referida pesquisadora em 2001, que pretendeu analisar o processo e o produto das

interpretações simultâneas de Língua Portuguesa para Libras em aulas

ministradas na presença de surdos em uma universidade. Ao se comparar a versão

da língua fonte (o Português) com a versão interpretada na língua alvo (a Libras)

em sala de aula de duas disciplinas diferentes, identificaram-se problemas no

processo, como a omissão de informações, acréscimos de informações inexistentes,

distorções semânticas e pragmáticas em menos ou maior grau do conteúdo

veiculado na língua fonte e escolhas lexicais inapropriadas, constatando-se que o

domínio das línguas não garantiu a qualidade da interpretação, uma vez que os

intérpretes selecionados para o estudo eram fluentes em ambas as línguas

(QUADROS, 2004).

Acrescida à problemática da falta de formação específica exigida de TILSs, a

realidade atual, considerando-se a atual Política Nacional de Educação Especial na

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Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), difere do disposto nos Decretos

5.626 (BRASIL, 2005) e 7.611 (BRASIL, 2011) e processos educacionais mediados

por TILS têm sido implantados desde os anos iniciais do ensino fundamental,

período em que se concentram a maioria das pesquisas. Esses estudos, que buscam

compreender os resultados dessas experiências, afirmam que os processos de

ensino-aprendizagem das crianças surdas têm ficado muito aquém do esperado.

Como principais fatores para as dificuldades observadas, destacam-se: a idade dos

alunos e o período de desenvolvimento de linguagem em que se encontram; os

processos específicos deste período educacional (que requerem uma maior

atenção e aproximação entre professor e alunos) e a falta de metodologias de

ensino voltadas às crianças surdas, difíceis de serem implantadas em classes

constituídas por surdos e ouvintes. Além disso, os papéis assumidos pelo professor

e pelos TILSs, pelos aspectos apontados anteriormente, não são claros e muitas

vezes estes últimos acabam assumindo funções que, a priori, caberiam aos

professores (FERREIRA; ZAMPIERI, 2009; LACERDA, 2009).

Este fato tem determinado domínio insuficiente da linguagem escrita da

Língua Portuguesa pelos alunos surdos e a construção de poucos conceitos, base

para a compreensão dos conteúdos abordados nos anos finais do fundamental.

Além destes fatores preocupantes, ao se pensar neste nível educacional, os

processos escolares ganham outros agravantes, pois devido à própria organização

do ensino, os alunos precisam conviver com uma diversidade grande de

professores que acabam tendo pouco contato com os estudantes (se em

comparação com os anos iniciais em que apenas um professor é responsável por

todas as disciplinas escolares) e com TILSs que não dominam os

conteúdos/conceitos específicos das diferentes áreas de saber (ALMEIDA, 2010).

Diante desses levantamentos, percebe-se que a formação específica para

atuação de TILS em espaços educacionais não tem recebido a devida atenção, pois

apenas o domínio da Libras por esses profissionais não tem se mostrado suficiente

para garantir processos de ensino-aprendizagem. Lacerda (2009), em seu estudo

sobre a presença e o trabalho de intérpretes de Libras na esfera educacional

(educação infantil e ensino fundamental), levantou diversas informações acerca

dessa profissão, buscando aproximar a atuação desses profissionais com a

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desenvolvida por tradutores e intérpretes de línguas orais. No que diz respeito à

forma de compreender a prática desses profissionais, Lacerda (2009) explica que

há autores que defendem a diferenciação entre ser tradutor e ser intérprete - este

atuante nas relações interpessoais que ocorrem simultaneamente, face a face, e

aquele responsável por textos escritos; outros defendem que as duas práticas são

complementares e equivalentes, uma vez que versam “os conteúdos de uma dada

língua para outra, buscando trazer nesse processo os sentidos pretendidos, sem

que eles se percam ou sejam distorcidos no percurso” (LACERDA, 2009, p.14-15).

Independentemente de como essas duas atuações são definidas, é defendido que

ambas devem transcender o nível linguístico e os conhecimentos das regras

gramaticais das línguas de partida e chegada, garantindo, além do significado das

palavras, os sentidos construídos no discurso e os aspectos culturais e situacionais.

No caso de TILSs, tal colocação não é diferente; o profissional, apenas, ganha

denominações diferentes - Intérprete Educacional ou Professor Interlocutor -

quando o trabalho é desenvolvido no âmbito escolar. A diferença na forma de se

referir ao profissional está relacionada à prática que o mesmo desenvolve, pois

além de intermediar as relações entre professor-aluno surdo e aluno ouvinte-aluno

surdo nos processos de ensino-aprendizagem, o profissional acaba se envolvendo

de alguma maneira com as práticas educacionais.

Não se trata de ocupar o lugar do professor ou de ter a tarefa de ensinar, mas sua atuação em sala de aula, envolvendo tarefas educativas certamente o levará a práticas diferenciadas, já que o objetivo nesse espaço não é apenas o de traduzir, mas também o de favorecer a aprendizagem por parte do aluno (LACERDA, 2009, p.34).

‘Saber falar’ Libras e Língua Portuguesa, assim, não implica

necessariamente em atingir a expectativa de um TILS em sala de aula - a de ser

mediador. Mediação essa vista como de extrema importância na abordagem

histórico-cultural, uma vez que a linguagem é determinante para os processos que

definem conhecimento, aprendizagem e desenvolvimento, possíveis apenas nas

relações sociais - no caso, entre o professor e seus alunos surdos e entre alunos

surdos e ouvintes, colocando grande expectativa na atuação de TILS para o

estabelecimento de uma educação bilíngue e inclusiva, uma vez que é esse

profissional a ponte entre todos esses processos.

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1.2 – O papel da linguagem na construção conceitual à luz da perspectiva

histórico-cultural

Para elucidar a importância desse profissional no contexto de uma proposta

educacional bilíngue, assumem-se aqui pressupostos da perspectiva histórico-

cultural sobre o papel da linguagem nos processos de comunicação, cognição e

aprendizagem, na constituição dos sujeitos, nas relações sociais e nos processos

pedagógicos.

Sendo a relação do homem com o meio mediada pelos outros e por

produtos culturais humanos, como os signos e os instrumentos (LACERDA, 2009),

a aquisição de um sistema simbólico permite ao homem descobrir maneiras de

adaptação ao meio e novas formas de pensamento que transformam sua concepção

de mundo e de representar a realidade (FERNANDES; CORREIA, 2010). Esse

processo determina uma transformação qualitativa no ser humano, que

diferentemente de outras espécies animais, que orientam sua conduta por mecanismos inatos e instintivos, o ser humano cria instrumentos de ordem física e simbólica, que passam a ser utilizados para conhecer, criticar e transformar o mundo que o cerca, comunicar suas ideias e experiências e construir novas formas de pensar (DAVIS, 2005, p.44).

Como parte desse sistema simbólico, a linguagem torna-se um aspecto

central na perspectiva de Vigotski3. Por ser a responsável pela transformação

profunda das funções psicológicas elementares, de origem biológica, em funções

psicológicas superiores, de origem sociocultural (DAVIS, 2005), alterando seu fluxo

e sua estrutura, permite ao ser humano a realização de operações

progressivamente mais intrincadas sobre os objetos, importante para os processos

cognitivos/desenvolvimento do pensamento. Também para ele, os signos são

formações dinâmicas, que se modificam e evoluem à medida que a criança se

desenvolve; assim, o significado de um signo depende da maturação cognitiva e

linguística do indivíduo. Nessa relação, Vigotski mostra o quão intrincado e

complexo é o sistema que envolve linguagem e pensamento, uma vez que o

“significado das palavras é um fenômeno do pensamento apenas na medida em que

3 Como a grafia do nome do autor varia nas diversas edições e países, será adotada, nesse trabalho, a grafia Vigostki.

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o pensamento ganha corpo por meio da fala e só é um fenômeno da fala na medida

em que esta é ligada ao pensamento, sendo iluminada por ele” (FERNANDES;

CORREIA, 2010, p.19).

Sendo a linguagem um sistema simbólico de significação, proporciona não

só a comunicação e as relações sociais, como também o conhecimento, visto que é

nas relações com os outros, nas diferentes situações, que conceitos são

generalizados, significados pelo pensamento, permitindo um processo de

construção de conceitos de maneira a interferir nas novas experiências e em outras

situações. Conforme constrói conhecimentos, o homem se transforma ao mesmo

tempo em que novos conceitos são (re)elaborados e construídos (LACERDA,

2009), ou seja, “o indivíduo internaliza de modo ativo e singular o repertório de

seu grupo cultural” (REGO, 2005).

Schroeder (2007, p.299-300) discute que, para Vigotski, tais conceitos

são generalizações cuja origem encontra-se na palavra que, internalizada, se transforma em signo mediador, uma vez que todas as funções mentais superiores são processos mediatizados e os signos são usados para dominá-los e dirigi-los. Ou seja, os conceitos são, na verdade, instrumentos culturais orientadores das ações dos sujeitos em suas interlocuções com o mundo e a palavra constitui signo para o processo de construção conceitual.

Assim, os conceitos não são elementos estáticos pertencentes ao sujeito, e

são continuadamente transformados num contexto social entre sujeitos que

interagem entre si, resultando em construções conjuntas de significações mediadas

pelo conhecimento (OLIVEIRA, 2005). Tem-se, nesse sentido, a importância da

aprendizagem conceitual, que passa a ser “uma espécie de garantia de

desenvolvimento das características psicológicas humanas e culturalmente

organizadas” (REGO, 2005, p.60).

A aprendizagem conceitual e consequente desenvolvimento das funções

mentais superiores ocorrem, nessa perspectiva, à medida que conceitos básicos

são enriquecidos e modificados em conceitos mais complexos, levando ao processo

de generalização. Os conceitos básicos são chamados por Vigotski (2009) de

conceitos espontâneos, pois são formados incidentalmente nas atividades

cotidianas, vinculados à experiência com objetos, permitindo meios de descrição

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simples da realidade empírica. Quando a criança é imersa em um processo de

ensino organizado, ela passa a dominar os conceitos mais complexos, chamados

pelo autor, conceitos científicos, frutos do estudo sistemático de uma área do

conhecimento que permite a troca do simples registro do fenômeno em grupos de

fenômenos que se inter-relacionam, possibilitando que, gradativamente, se

construa o conceito propriamente dito, em um processo de transição a um nível

mais elevado de abstração - a generalização (VIGOSTKI, 2009).

Schroeder (2007) acrescenta que Vigotski concluiu que os processos de

formação conceitual têm origem no início da infância e atingem a maturidade

apenas na adolescência com o desenvolvimento das funções mentais, formando

uma base psicológica para tal processo. Durante esse desenvolvimento, “a criança

não assimila, não memoriza, nem decora um conceito científico, mas o constrói

pela grande tensão de toda a atividade do seu próprio pensamento”, e “os

processos deliberados de ensino se revelam como sendo uma das principais fontes

e força orientadora no desenvolvimento dos conceitos da criança” (idem, p.306).

Nesse sentido, a escola tem papel fundamental na aprendizagem dos

conceitos científicos por ser o local onde se encontram os processos de ensino

organizados e sistematizados, e se partilham os conhecimentos que foram

historicamente construídos, tornando a cultura científica acessível aos estudantes

(SCHROEDER, 2007; SCHROEDER; FERRARI; MAESTRELLI, 2010). Ao promover

um deslocamento das informações perceptuais imediatas do senso comum

presentes nas situações cotidianas para um modo de pensar com referência nas

características das ciências (OLIVEIRA, 2005), a escola é capaz de ampliar e

transformar as relações dos estudantes com a sua realidade, alterando a forma e o

conteúdo do seu pensamento (SCHROEDER, 2007).

No entanto, Rego (2005) pondera que, para a abordagem histórico-cultural,

a qualidade do trabalho realizado e das práticas pedagógicas aplicadas é

determinante para o impacto da escolarização no desenvolvimento de funções

psíquicas mais elaboradas, uma vez que só é efetivo e eficaz o ensino associado à

capacidade de promover avanços no desenvolvimento do aluno, ou seja, aquele

que se adianta ao seu desenvolvimento. Essa premissa evidencia “a importância da

atuação de elementos mais experientes para que determinadas competências dos

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estudantes possam se transformar em conquistas” (idem, p.61), ação

fundamentada na Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

Tal conceito, para Vigotski, toma significado na relação com outros dois. Ele

se caracteriza pela distância entre o nível de desenvolvimento real, aquilo que o

indivíduo realiza de maneira autônoma como resultado do desenvolvimento das

funções mentais já internalizadas, e o nível de desenvolvimento potencial, ou

aquilo que o indivíduo realiza em colaboração com os outros de seu grupo social,

ou seja, com o auxílio do adulto ou de seus pares. O resultado se configura, assim,

na ZDP, que, em um contexto escolar, pode ser percebida nas transformações dos

alunos, determinada pela ação intencional do professor em promover progressos

que não aconteceriam de maneira espontânea, com atenção aos conceitos que

ainda precisam ser dominados (REGO, 2005; SCHROEDER; FERRARI;

MAESTRELLI, 2010). Em outras palavras, o desencadeamento de processos que

podem determinar o desenvolvimento intelectual do alunado está diretamente

ligado às ações deliberadas do professor, às suas ações mediadoras que levam em

consideração o que o estudante já sabe para elevá-lo à conscientização dos

próprios processos mentais, e que são possíveis pela linguagem - reguladora da

ação e reorganizadora de processos cognitivos (SCHROEDER; FERRARI;

MAESTRELLI, 2010).

Por tudo isso, considera-se então a importância das relações sociais com

adultos e pares para o desenvolvimento da linguagem das crianças, determinante

dos processos de construção de conceitos espontâneos e científicos.

Tem-se, porém, que considerar que vivemos em uma sociedade em que a

apropriação da cultura e a construção de conhecimentos se dão majoritariamente

por meio da linguagem oral. Crianças ouvintes são imersas na cultura da fala assim

que os sons que emitem são significados pelo outro; crescem ouvindo o nome de

todos os objetos que as rodeiam, iniciando desde muito novas a construção de

conceitos.

No caso das crianças surdas, a barreira linguística acaba por determinar

menos oportunidades de contato com vivências e experiências permitidas pelas

informações orais, comprometendo a construção de conceitos tanto espontâneos

como científicos. Assim, quando essas crianças vão para as escolas, deveria ser

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garantido um ambiente que as levassem a ter acesso a essas informações em uma

língua que lhes é acessível – Libras - para que de fato possam construir

conceitos/desenvolver linguagem. Em um primeiro momento, nas aulas com um

professor bilíngue na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, e

posteriormente, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio, com a

presença de TILSs em sala mediando os processos de ensino-aprendizagem das

aulas de professores licenciados nas diferentes áreas do conhecimento. Em outras

palavras, deveria lhes ser garantida a apropriação da linguagem/construção dos

conceitos espontâneos e científicos na relação com professores usuários de Libras

nos primeiros anos escolares e, por meio da TILS, uma ponte entre o aluno surdo e

o professor (ouvinte) responsável por operar em sua ZDP, nos anos finais do

ensino fundamental.

Como trazidos nos estudos de Ferreira e Zampieri (2009), Lacerda (2009) e

Almeida (2010), essa organização não tem sido respeitada e tem determinado a

chegada de crianças surdas nos anos finais do ensino fundamental ainda em

processo de aquisição de linguagem e com conceitos espontâneos e científicos

bastante aquém do esperado. Agravando essa situação, tem-se a falta de formação

específica de TILSs, que não conseguem então realizar a mediação entre

professor/aluno surdo por não terem eles próprios se apropriado desses conceitos

que a eles são requisitados.

Assim, faz-se necessário voltar a atenção para esse profissional, o TILS, para

que os surdos tenham, de fato, uma educação bilíngue e inclusiva.

1.3 – Objetivos

Diante do exposto acerca do impacto da atuação de TILS na educação

bilíngue de surdos em uma perspectiva inclusiva, o presente trabalho teve como

objetivo principal contribuir com a formação de uma TILS e, consequentemente,

proporcionar uma maior aprendizagem das alunas surdas. Desse modo, por meio

de um estudo detalhado dos conteúdos abordados na área de Ciências nos

diferentes anos escolares presentes no material didático disponibilizado pelo

Estado às escolas, buscou-se a produção de um material de apoio e de formação

profissional a partir de uma proposta de progressão de conceitos, ou seja, foram

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levantados os principais conceitos da área de Ciências abordados, bimestralmente,

no 8º ano e 9º ano (anos escolares em que as alunas surdas estavam e estão

matriculadas em 2012 e 2013 respectivamente) e, a partir deles, determinados

quais conceitos anteriores eram necessários para a compreensão dos atuais, bem

como foi realizada a antecipação daqueles que serão estudados nos bimestres

posteriores.

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CAPÍTULO 2 – Procedimentos Metodológicos

Assumir a perspectiva histórico-cultural para o desenvolvimento desta

pesquisa implicou, necessariamente, em considerar, em todo o percurso da

investigação, a dimensão histórica e social dos sujeitos, das situações e dos

fenômenos investigados. Histórico compreendido não como restrito ao passado,

mas como “curso de transformação que engloba o presente, as condições passadas

e aquilo que o presente tem de projeção do futuro” (GÓES, 2000, p.13) e social

entendido como “fruto de significados/interpretações produzidas pelos

participantes” (LOPES, 1996, p.167).

Nesse sentido, esta pesquisa, de cunho qualitativo, contou com três

momentos distintos que se inter-relacionaram em todo o processo da pesquisa. O

primeiro deles constituiu-se na análise documental de materiais didáticos à luz dos

conteúdos de Ciências esperados para os 8º e 9º anos do Ensino Fundamental; o

segundo, na preparação de material voltado à formação da TILS com base na

análise anterior dos materiais que seriam utilizados pela escola; e por último, no

acompanhamento do processo de uso dos materiais produzidos e seu impacto para

a formação da profissional.

Primeiro momento: análise dos materiais didáticos

Após os contatos iniciais com a TILS, entendeu-se que a escola, como

instituição da rede estadual de ensino, segue, como referência para as atividades

educacionais, a Proposta Curricular do Estado de São Paulo, textos-base em que

são descritos os conteúdos, as competências, as habilidades, as estratégias

metodológicas e o que se espera dos alunos em cada série/ano para cada disciplina

básica do Ensino Fundamental - Ciclo II e do Ensino Médio. Definida pela promoção

de competências entendida como “o compromisso de articular as disciplinas e as

atividades escolares com aquilo que se espera que os alunos aprendam ao longo

dos anos” (SÃO PAULO, 2010, p.12), a proposta faz concordância com o

entendimento do processo de construção de conceitos, conforme compreendido

por Vigotski (2009).

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Assim, em um primeiro momento, o Currículo da Secretaria da Educação

para a área de Ciências e suas tecnologias foi utilizado como guia para se compilar,

a partir dos eixos temáticos e subtemas propostos para cada bimestre, os

conteúdos determinados para os 8º e 9º anos do ensino fundamental e aqueles

relacionados a estes conteúdos encontrados em bimestres anteriores e

posteriores, e se verificar a extensão da abordagem desses conteúdos pelo material

didático utilizado pela escola para a disciplina de Ciências, série Ciências Naturais –

Aprendendo com o cotidiano (CANTO, 2009). Observou-se, no entanto, que alguns

conteúdos não se encontravam amplamente explorados nesses materiais, sendo,

portanto, necessária pesquisa em outros livros didáticos, também utilizados pela

rede estadual de ensino, a fim de aprofundar o tratamento dado a esses pontos.

Foram consultados os livros Coleção Perspectiva (PEREIRA; SANTANA;

WALDHELM, 2009; PEREIRA et al, 2009), Ciências (GEWANDSZNAJDER, 2009),

Ciências: Manual do Professor (BARROS; PAULINO, 2006), O corpo humano – série

Ciências e Educação Ambiental (CRUZ, 2004), além de recursos eletrônicos

disponíveis online, como sites sobre os temas, vídeos e acervos multimídia.

Segundo momento: elaboração do material voltado à formação da TILS

Feita a análise documental e estudo dos conteúdos, foi realizada a confecção

dos materiais de apoio, visando por meio deles o tratamento das temáticas de

forma mais satisfatória para a formação da intérprete do que apenas o material

contido no livro didático utilizado na escola. Estes materiais foram desenvolvidos

por esta pesquisadora em parceria com uma aluna do curso de Licenciatura em

Química (DQ/FFCLRP-USP). A fim de contemplar a característica visual-espacial da

Libras, tentou-se organizar os conteúdos programáticos em esquemas conceituais,

imagens e filmagens de vídeos ilustrativos, além da pesquisa e indicação de

recursos eletrônicos disponíveis na Internet. Foram desenvolvidos materiais para

os 1o, 2o, 3o e 4o bimestres de 2012, e para os 1º, 2º e 3º bimestres de 2013 (Anexo

I)4, que foram enviados à TILS por meio de imagens digitalizadas e materiais

4 A totalidade de materiais desenvolvidos somou um número elevado de páginas que seria inviável anexar neste trabalho. Assim, optou-se por anexar impressões de parte das situações confeccionadas, preferencialmente aquelas que são citadas ou consideradas mais relevantes

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computadorizados ao longo dos bimestres. Em todo este processo houve a

preocupação de se tecer uma progressão conceitual baseada na teoria de Vigostki.

Assim, uma vez que a TILS tinha em mãos o material preparado pela

pesquisadora e já o havia estudado e utilizado tanto como apoio à sua formação

quanto para o ensino-aprendizagem das alunas, fez-se necessário, para esta

investigação, a identificação das situações em que seu uso foi importante ou não,

como forma de subsidiar a análise da eficácia do material produzido para a

formação da profissional.

Terceiro momento: Acompanhamento do uso dos materiais e análise de seu

impacto para a formação da TILS/aprendizagem das alunas surdas

Visto que a linguagem usada pelas alunas e TILS é de caráter visual-espacial

(Libras), uma maneira de se obter material adequado para tal análise seria o uso

de filmadoras que pudessem captar as explicações do professor, as interpretações

feitas pela TILS e as dúvidas e comentários das alunas. Esses diferentes vídeos

deveriam ser sincronizados para posterior comparação das imagens com os

conteúdos abordados no material de apoio. No entanto, a realização deste

procedimento requereria autorização da Diretoria de Ensino responsável pela

escola estadual do município em que as alunas surdas estão matriculadas, dos

professores e dos responsáveis pelos alunos, processo longo que inviabilizaria o

desenvolvimento desta pesquisa.

Reconhece-se ainda que o processo de formação da TILS teria sido mais

satisfatório se tivessem sido realizados encontros periódicos entre TILS e

pesquisadora a fim de que esta pudesse contribuir na formação daquela,

momentos em que dúvidas e aprofundamentos dos conceitos da área de Ciências

poderiam ser melhor explicados e detalhados. No entanto, a distância entre as

cidades em que a TILS trabalha/reside e em que a pesquisadora estuda/reside

somada à grande carga horária de trabalho e estudo de ambas as envolvidas não

permitiram momentos viáveis à realização dessas atividades, razão pela qual se

optou pela obtenção e análise dos dados a partir dos relatos da TILS.

em determinados momentos ao longo do texto, e por se fazer a compilação de todos os materiais realizados em um DVD, anexo ao final deste trabalho (Anexo I).

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Assim, ao final do ano de 2012 (dez/2012-jan/2013), final do 1º semestre

de 2013 (jul/2013) e final do 3º bimestre de 2013 (out/2013), foram realizadas

entrevistas com a TILS. Entendeu-se que a entrevista seria a melhor estratégia

para a obtenção destes dados por possibilitar uma conversa entre a pesquisadora e

a TILS acerca da experiência do uso do material, sem que houvesse desvio do tema

original (GIL, 1999), momentos que permitiram a obtenção de informações

relevantes sobre o processo propiciado pela formação que estava sendo

desenvolvida. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas para a

realização deste estudo. Antes da realização da primeira entrevista, a TILS assinou

o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo II) por meio do qual foi

informada sobre os objetivos da pesquisa e de que as entrevistas seriam gravadas

e, posteriormente, transcritas para a realização deste estudo.

Vale ressaltar ainda outro aspecto importante que decorreu do

procedimento de entrevista: como a primeira e segunda entrevistas forneceram

um balanço sobre o processo no momento em que ele se desenrolava, tornou-se

possível colocar em ação outras práticas que contribuíram para o

acompanhamento tanto do processo formativo da profissional quanto do uso dos

materiais elaborados. Para isso, no entanto, era necessário haver um contato mais

próximo entre TILS e pesquisadora. Acordou-se, então, que a profissional relataria,

em um caderno de campo, suas experiências no cotidiano das aulas de Ciências,

informações que foram sendo passadas quinzenalmente por e-mail à pesquisadora

ao longo dos 1º, 2º e 3º bimestres de 2013.

Os dados provenientes das anotações do caderno de campo somaram-se,

assim, aos das entrevistas realizadas nos meses de julho e outubro de 2013 para a

análise dos resultados do presente trabalho.

Para a apresentação desses dados, inicialmente será realizado um relato

cronológico dos acontecimentos que se sucederam ao longo da pesquisa para

posterior análise, organizada a partir de temáticas que auxiliaram na compreensão

do processo investigado. Estas disseram respeito ao uso/não uso do material de

apoio e sua relação com a formação da TILS e consequente aprendizagem das

alunas. Em alguns momentos, a TILS é convidada a enriquecer o estudo por meio

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de trechos retirados das entrevistas e do caderno de campo5. Finalmente, será feita

uma discussão quanto ao real papel da TILS no contexto escolar.

Caracterização da TILS e o contexto da pesquisa

A TILS possui graduação em Ciências com habilitação em Matemática e é

professora concursada do município de Santa Cruz das Palmeiras. A partir do ano

de 2010, passou a atuar como TILS em salas dos anos iniciais do ensino

fundamental, na mesma escola municipal onde antes atuava como professora

regente. Após três alunas surdas – M., S. e I. – completarem a 4ª série/5º ano do

ensino fundamental nessa escola, foram matriculadas na escola estadual em que

esta pesquisa foi desenvolvida e passaram a ser acompanhadas pela TILS (desde a

5ª série/6º ano do ensino fundamental). Apesar não ser contratada pelo Estado, a

TILS acompanha as alunas em sala de aula regular de todas as matérias do ano

vigente, sendo os horários destinados a Língua Portuguesa e Inglês realizados fora

da sala de aula regular, momento em que aprendem a Língua Portuguesa como

segunda língua (L2) e recebem apoio em relação aos conteúdos, de outras

disciplinas, abordados em sala, como Matemática, Geografia, História e Ciências.

Além desses momentos, as alunas também frequentam uma oficina de

Libras com um professor surdo em período contrário às aulas regulares, voltada,

no início, para propiciar o desenvolvimento de Libras como primeira língua (L1) e,

atualmente, para discussão de assuntos do cotidiano, de questões que se

relacionam com a adolescência (DSTs, drogas, uso e cuidados com redes sociais,

por exemplo) e de temas específicos das comunidades surdas do Brasil, como

cultura surda, aspectos identitários, lutas políticas, entre outros.

Ainda sobre a atuação da intérprete, ela continua atuando na escola

municipal citada anteriormente como professora regente bilíngue da sala Libras-

língua de instrução com alunos surdos dos anos iniciais do ensino fundamental.

5 Os trechos retirados do caderno de campo aparecem entre aspas e fonte sem itálico, enquanto que aqueles retirados da entrevista aparecem entre aspas e fonte em itálico.

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CAPÍTULO 3 – Resultados e Discussões

3.1 – Apresentação dos resultados

Os resultados apresentados aqui são referentes aos trabalhos desenvolvidos

durante todo o ano de 2012 e os três primeiros bimestres de 2013. Para a

apresentação dos mesmos, inicialmente serão relatados os dados obtidos nas

entrevistas realizadas com a TILS nos meses de janeiro, julho e outubro de 2013.

Vale retomar que a segunda e terceira entrevistas foram postas em diálogo com as

anotações presentes no diário de campo realizado pela profissional durante os três

primeiros bimestres de 2013.

A fim de entender a adequação do material desenvolvido pela pesquisadora

para a formação da TILS e conseqüente aprendizagem das alunas surdas na área de

Ciências, buscou-se, na conversa com a TILS, compreender o uso do mesmo em

tempo cronológico, de bimestre a bimestre do período acompanhado.

No início do ano letivo de 2012, a TILS acompanhou as aulas regulares de

Ciências, que foram ministradas por um professor que, há muitos anos, era o

responsável pela disciplina. Para o desenvolvimento dos conteúdos, o professor,

segundo a profissional, seguia o Currículo proposto pelo Estado, que para o 1º

semestre do 8º ano (SÃO PAULO, 2010) prevê que sejam vistos os nutrientes e os

sistemas de nutrição – digestório, respiratório, circular e excretor, o sistema

imunológico, e os tipos de reprodução e manutenção das espécies e reprodução

humana/saúde reprodutiva.

Em função da organização do trabalho voltado à formação da TILS nesta

área do conhecimento, a profissional recebeu parte do material do 1º bimestre

após o início das aulas na escola e, depois, parte do material do 2º bimestre6, que

6 O atraso no envio do material justifica-se ao se considerar o tempo necessário para a elaboração do projeto; estabelecimento de parceria entre TILS e a pesquisadora; autorização da escola estadual para o desenvolvimento da pesquisa; estudo do Currículo do Estado para o levantamento dos conteúdos abordados na disciplina de Ciências; obtenção dos Cadernos do Professor e do Aluno; pesquisa de outros materiais didáticos complementares; e estudo para o desenvolvimento do material em si. Esse processo transcorreu em oito meses (nov/2011 a jun/2012). No final do primeiro semestre de 2012, este projeto de pesquisa foi proposto e aceito pelo Programa de Bolsa de Iniciação Científica da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo (RUSP). A partir de junho de 2012, as situações propostas pelo

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foram imediatamente utilizados como apoio para a interpretação das aulas. Pelo

atraso no envio dos materiais, a TILS relatou que estes foram usados para se

retomar os conteúdos abordados em sala nos horários em que as alunas surdas

estudavam fora da sala regular. Para esta prática, foi mostrado a elas alguns dos

esquemas de progressão conceitual (Figura 1), imagens e vídeos selecionados pela

pesquisadora, e considerados, pela TILS, importantes para a aprendizagem das

alunas, como relatado por ela:

TILS: “Já usei sim alguns textos que você montou com as setinhas, acho que foi esse até da energia, dos alimentos, eu achei que tava muito claro pra elas enxergarem essa questão do consumo de alimento, gasto de energia e tudo mais, então eu até trabalhei com elas. Mas ai eu vou montando junto com elas pra elas verem o processo, pra enxergar, depois eu passo, eu posso até passar, digitei tudo, e mandei pro email delas” (entrevista – jan/2013).

Figura 1. Esquema referente à 2ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 8º ano

(SÃO PAULO, 2010).

Currículo para os 3º e 4º bimestre de 2012 e 1º, 2º e 3º bimestres de 2013 foram sendo entregues à TILS no início e ao longo de cada bimestre.

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A TILS relatou ainda que o professor ministrava as aulas baseando-se quase

que unicamente no Caderno do Aluno e que, apesar de imaginar que o Caderno do

Professor fosse por ele também usado, não poderia realizar essa afirmação, uma

vez que ela própria não tinha acesso a um exemplar pela indisponibilidade desse

recurso na escola. Mesmo assim, o conteúdo do material de apoio produzido pela

pesquisadora e desenvolvido com base apenas no Caderno do Professor era

condizente com o conteúdo exposto em aula. Reconhecendo a importância do

material elaborado pela pesquisadora e a necessidade de metodologias de ensino

que utilizem recursos visuais para alunos surdos, a TILS buscou parceria com o

professor, mostrando a ele o conteúdo do material e sugerindo o uso do mesmo

para todos os alunos, como indica sua fala:

TILS: “... todo material, eu buscava assim, uma horinha ou outra, que ele [o professor] dava uma paradinha, mostrar pro professor porque eu achava que era uma forma, assim, de tá estimulando ele a querer participar e ver que é mais fácil, né, ao invés de você passar um texto sobre sistema digestório, mostra um vídeo, vai ficar muito mais claro pros alunos” (entrevista – jan/2013).

Tal sugestão parecia interessante em um primeiro momento, porém a

dificuldade em conseguir os recursos necessários para a atividade (como o uso de

projetor multimídia) não permitiu a sua realização, uma vez que, pela política da

escola, é necessário que se agende data e horário para o uso do equipamento, que é

montado apenas pela direção e coordenação da escola quando previamente

requisitado. Como a TILS conseguia falar com o professor apenas durante a própria

aula, essa proposta não foi de fato desenvolvida.

Ela relatou ainda que muitas situações que envolviam experimentos para

serem realizados em sala de aula eram passadas, aos alunos, como tarefa de casa.

Frente às condições sociais e conhecimentos prévios das alunas surdas, a TILS

pensou em utilizar no decorrer da aula alguns vídeos sugeridos no material de

apoio como forma de garantir essas vivências. Encontrou, porém, dificuldades para

esta prática em função da qualidade e alcance da conexão da Internet disponível na

escola. Para o uso deste recurso, era, então, necessário que anteriormente a TILS

assistisse ao vídeo, salvasse em seu computador pessoal, para então apresentá-lo

às alunas. No entanto, algumas vezes, pela própria demanda de trabalho, esse

processo não era viável.

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Quando questionada sobre a relação entre o material produzido e sua

prática neste primeiro semestre, a TILS relatou ter havido diferença significativa

no acompanhamento dos conteúdos abordados em sala após o início deste projeto.

Reconheceu que o atraso/ausência de alguns materiais comprometeu a explicação

de alguns conteúdos, pois houve partes da disciplina do 1º e 2º bimestres de 2012

que o professor não conseguiu ministrar por falta de tempo, como por exemplo, a

saúde reprodutiva, ficando essa explicação por sua conta. Além disso, em sua

opinião, o modo como o professor explicou alguns conteúdos não foi adequado à

prática de interpretação: o professor passava resumos do conteúdo na forma de

texto na lousa para cópia no caderno ou de ditado e pedia que os alunos

respondessem as questões referentes no Caderno do Aluno, sem explicações

adequadas. Cabia, então à TILS, realizar a explicação do conteúdo às alunas surdas,

prática que foi dificultada pela falta de material de apoio/formação da profissional.

TILS: “[o professor] passava um resumo, ai depois ‘vamos responder as perguntas... vocês respondem da pergunta tal a pergunta tal’” (entrevista – jan/2013).

Entre o 1º e 2º semestres, houve uma mudança de professores de Ciências,

pois o professor responsável obteve licença das aulas, que foram

momentaneamente atribuídas a um estudante de Biologia que assumiu a disciplina

até quase o final do segundo semestre.

Antes do início das aulas do 3º e do 4º bimestre, a TILS recebeu material

completo respectivo a cada bimestre. O professor substituto, apesar de não ter o

Caderno do Professor, também seguia o Currículo proposto pelo Estado, que para o

2º semestre do 8º ano prevê que sejam vistos conteúdos relativos ao planeta terra

e sua vizinhança cósmica, e energia no cotidiano e no sistema produtivo (SÃO

PAULO, 2010).

A profissional relatou que, em alguns momentos do 2º semestre, os

conteúdos do material de apoio foram abordados de maneira geral e pouco

aprofundados em relação ao conteúdo passado pelo professor em aula, porém

acrescentou que essa forma de organização do material não se caracterizou um

problema, pois ela conseguiu relacionar os conteúdos ministrados naquele

momento com outros trabalhados em anos anteriores e em outras disciplinas,

como a Geografia por exemplo. Ao ser solicitada a maiores esclarecimentos sobre a

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relação por ela realizada, a TILS relatou que em determinado momento do

bimestre, o tópico abordado em aula tratava dos diversos tipos de energia, como

solar e térmica, utilizadas para a produção de energia elétrica; a TILS considerou

que esse mesmo tema havia sido abordado no ano anterior nas aulas de Geografia

e julgou mais fácil fazer a ponte dos assuntos entre elas e as alunas surdas,

resgatando conceitos e conhecimentos já construídos pelas alunas.

PESQUISADORA: “Você já saberia dizer quais conceitos anteriores elas teriam ou não?”

TILS: “Sei. Inclusive eu retomo com elas. Falo: ‘Vocês lembram que ano passado vocês já viram isso em geografia? A professora já explicou esse conteúdo, vocês lembram? Lembro. Que que vocês lembram? Ai eu retomo com elas, né, e se faltou alguma coisa que precisa relembrar, ai junto, ai nós vamos retomando. Então essa parte que o professor trabalhou foi mais fácil porque elas já tinham visto anteriormente em geografia. Elas conseguem, assim, fazer uma... uma ponte entre os conteúdos de história, geografia, ciências” (entrevista, jan/2013).

Reconheceu, ainda, que seu trabalho foi facilitado pelo modo como o

professor substituto ministrava as aulas, pois explicava o conteúdo em função das

questões presentes no Caderno do Aluno instigando os alunos a debater as

respostas, prática que permitiu, além da participação das alunas surdas, que a TILS

realizasse a interpretação em sala de aula de maneira satisfatória.

TILS: “Ele, apesar de tá seguindo a apostila, ele explicava o conteúdo antes, né, por exemplo assim, ‘agora nessa pergunta vai tá analisando os pontos positivos e negativos da energia hidrelétrica, né, o que tem de bom, o que tem de ruim... o que que vocês acham? Né... da onde vem a energia elétrica das nossas casas aqui no Brasil?’ Ai ele fazia uma ponte com os outros países [...] ‘Por que que isso é facilitado no Brasil [energia hidrelétrica]? Porque a gente tem muitos rios e tudo mais. E qual que são os pontos positivos? [...] E os negativos?’ [...] Era tudo discutido antes pra depois tá fazendo a atividade na apostila, respondendo essa questão” (entrevista – jan/2013).

Disse ainda que quando sentia que as explicações dadas pelo docente não

eram compreendidas pelas alunas, valia-se do material elaborado para sua

formação que, em alguns momentos, explorava as temáticas de maneira a permitir

explicações diferenciadas e com focos diferentes – situação que será discutida

posteriormente sobre o conteúdo referente às estações do ano.

Em relação a uma possível parceria com o professor substituto e uso de

recursos visuais interessantes para todos os alunos, o processo não foi muito

diferente do ocorrido com o professor responsável pela disciplina, devido à falta de

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planejamento e agendamento prévios dos equipamentos necessários para a

exposição desse conteúdo.

TILS: “Eu até comentei com ele do projeto. [...] E ele assim, mostrou interesse no projeto, tudo, mas ele seguiu o planejamento dele [...] que era [do currículo], ele seguiu a apostila” (entrevista – jan/2013).

Relatou ainda que talvez a proposta por ela realizada não tenha sido muito

bem entendida pelo professor, ao narrar uma situação: em um determinado dia,

muitos alunos faltaram à aula, o que resultou em um pequeno número de pessoas

em sala; nesse momento, o professor pediu para que a TILS mostrasse um dos

vídeos que ela tinha sugerido para a turma, pois pela quantidade reduzida de

alunos, seria possível que todos assistissem ao filme no computador pessoal da

TILS. O resultado foi que o vídeo passado, além de já ter sido visto pelas alunas

surdas, não fazia conexão com o momento em que aquele conteúdo fora

ministrado, tornando-se assim, apenas um vídeo de curiosidade para os alunos

ouvintes. Isso determinou que a TILS passasse a utilizar os recursos visuais

sugeridos no material apenas com as alunas surdas em seu próprio computador,

não havendo mais a tentativa de exploração do material selecionado por toda a

turma.

No final do 2º semestre, o professor responsável voltou de licença, porém a

poucos dias do fim do ano letivo, não sendo mais necessário o uso do material.

Novos desafios foram enfrentados pela profissional no início do ano letivo

de 2013, pois uma professora substituta havia sido designada para ministrar as

aulas da turma em decorrência de licença maternidade da professora responsável

pelo 9º ano no decorrer do 1º bimestre. Este processo de substituição determinou

adiamento do início das aulas de Ciências em duas semanas, o que, somado a

outros fatores que serão vistos adiante, acarretou em atraso e incompletude na

exposição da matéria prevista para o semestre.

Parte do material de apoio foi entregue à profissional antes do início do 1º

bimestre, e o restante ao longo do período, porém antecedendo às respectivas

aulas. Importante dizer que, no início do ano, a TILS conseguiu cópia do Caderno

do Professor dos quatro bimestres do 9º ano, que foi usado por ela juntamente

com o material de apoio produzido pela pesquisadora.

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Novamente, a TILS buscou parceria com a professora substituta logo no

início do semestre, mostrando a ela o material desenvolvido pela pesquisadora

com conteúdos que poderiam ser utilizados com todos os alunos.

“[a professora] se encontrava um pouco nervosa pois nunca havia trabalhado com surdos, porém disse-me que gostou muito do material e gostaria de utilizá-lo para elaboração de suas aulas. Expliquei sobre o projeto e tranquilizei-a quanto ao trabalho, pois seríamos parceiras” (caderno de campo de 18/fev/2013).

A profissional se mostrou bastante interessada e solicitou uma cópia do

material que, segundo a TILS, foi usada pela professora para o planejamento da

aula seguinte, com acréscimo de tópicos de pesquisa própria. Porém, devido à

dificuldades encontradas na própria dinâmica das aulas, o material não foi mais

disponibilizado à professora, e a parceria entre as duas profissionais, mais uma

vez, não foi concretizada.

Assim, conforme relato da TILS, a professora seguiu o bimestre baseando-se

nos conteúdos propostos pelo Currículo do Estado, fazendo uso do Caderno do

Professor e do Aluno. Vídeos sobre os temas em desenvolvimento em sala de aula

também foram utilizados pela docente, porém, como eram voltados para ouvintes,

necessitavam ser interpretados, simultaneamente, para Libras. Esta prática foi

avaliada como pouco efetiva para a aprendizagem das alunas surdas uma vez que

elas precisavam dividir a atenção entre a interpretação da TILS e as imagens do

vídeo, duas atividades visuais que concorriam no momento da aprendizagem, e,

desse modo, pontos não compreendidos pelas alunas foram trabalhados pela TILS

com base no material de apoio.

Ao longo do semestre, foi relatado pela TILS o uso do material em diversas

situações, tanto para a interpretação na sala de aula regular como nas aulas de

apoio. Sendo o tema principal do 1º bimestre do 9º ano a introdução aos estudos

da Química (SÃO PAULO, 2010) - um assunto totalmente novo para os alunos do

Ensino Fundamental e que, por este motivo, torna-se um desafio ao ser ministrado,

recursos visuais presentes no material de apoio, como links de vídeos, esquemas

conceituais (Figuras 2 e 3) e vídeos ilustrativos de experimentos propostos pelo

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Currículo do Estado e filmados pela pesquisadora, mostraram-se bastante

relevantes para a formação da profissional e para a aprendizagem das alunas7.

Figura 2. Esquema referente à 5ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 9º ano (SÃO PAULO, 2010).

A TILS relatou ainda que a professora substituta estava relativamente

atrasada com a matéria ao final do 1º bimestre de 2013, o que determinou a não

finalização de todo o conteúdo programado para o período. A TILS, entretanto,

conseguiu abordar boa parte dos conteúdos finais do bimestre com as alunas

surdas utilizando o material de apoio feito para esse bimestre e fazendo relações

com conteúdos anteriores presentes no material utilizado no ano passado. Assim,

mesmo que também não tenha conseguido aprofundar o conteúdo final – expor

7 Diferente de como aconteceu no 1º semestre de 2012, a pesquisa, como tarefa, e a apresentação de experimentos, em sala de aula, foram solicitadas aos alunos pela professora como trabalho escolar, o que possibilitou a todos uma vivência bastante rica. Porém, os alunos foram convidados a buscar experimentos diferentes dos que constavam no Caderno. Embora cientes de que o vídeo não substitui essa vivência pessoal do experimento, este material mostrou-se uma ferramenta interessante e efetiva para a aprendizagem das alunas surdas, na medida em que foi organizado para elas e, portanto, privilegiou os aspectos visuais em detrimento da língua portuguesa.

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modelos atômicos até o nível de elétrons -, a TILS conseguiu explicar um

experimento proposto e gravado em vídeo pela pesquisadora8 remetendo ao

material de circuitos elétricos dados no 4º bimestre de 2012 (Figura 4). Desse

modo, as alunas surdas puderam estudar conteúdos não ministrados aos alunos

ouvintes, havendo, assim, uma diferenciação nos processos educacionais entre os

alunos ouvintes e surdos.

Figura 3. Esquema referente à 7ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 9º ano (SÃO PAULO, 2010).

PESQUISADORA: “Porque não conduz o elétron?”

TILS: Iisso... então deu pra fazer uma comparação do que elas haviam feito o ano passado com essa experiência. Elas não refizeram porque você fez a experiência, mas elas compararam com o que elas já tinham realizado no ano passado

8 Vídeo “Experimento-1oBim.Situacao8” presente no DVD (anexo I).

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PESQUISADORA: “Mas ai no final das contas elas conseguiram relacionar com o que tinham visto, mas a parte que é o elétron que estava ali faltando entre... pra fechar o circuito, acha que elas conseguiram relacionar?”

TILS: “Não, acho que não, ainda não” (entrevista – jul/2013).

Figura 4. Esquema referente à 2ª Situação de Aprendizagem prevista para o 4º bimestre do 8º ano

(SÃO PAULO, 2010).

O material de apoio serviu também, segundo a TILS, para que ela e as alunas

confeccionassem outros materiais para o estudo em casa (Anexo III).

O 2º bimestre de 2013 foi marcado pela volta da professora titular e muitos

dias sem atuação da TILS, seja por excesso de feriados e reuniões escolares, seja

pelas muitas faltas das alunas. Nesse início de período houve também atraso na

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entrega do respectivo material didático pela pesquisadora9 que, como forma de

substituição momentânea ao material, sugeriu à TILS sites na Internet referentes

aos conteúdos abordados em sala e utilizados posteriormente na confecção dos

materiais. Tais situações acarretaram em um fraco desenrolar dos conteúdos

programados para o período - sistema nervoso, sistema endócrino e drogas (SÃO

PAULO, 2010).

A parceria entre TILS e professora não foi apontada nesse bimestre, porém,

uma situação evidenciou o interesse da docente pelo material: a TILS mostrou a ela

um site selecionado pela pesquisadora para que as alunas surdas pudessem

melhor visualizar a temática em foco naquele momento na disciplina, o sistema

endócrino (http://planetabio.com/planetabio.html); na aula seguinte, a professora

levou a turma para a sala de informática para que os alunos ouvintes também

pudessem realizar pesquisas sobre os conteúdos em estudo no mesmo site

sugerido pela TILS. Nesse momento, como as alunas já haviam realizado esta

atividade, a TILS aproveitou para mostrar todos os outros sistemas do corpo

presentes no site e, também, aprofundar assuntos que estavam latentes

considerando a idade das estudantes, e que se relacionavam diretamente com a

matéria ministrada no momento - o sistema endócrino e hormônios. Esta prática

permitiu ainda que temas relacionados à sexualidade fossem resgatados e

retomados, considerando ser este um conteúdo previsto no currículo escolar

(saúde reprodutiva), mas que não foi abordado no 2º bimestre de 2012 por falta de

tempo ao final do semestre, como comentado.

Conforme as últimas semanas do semestre se aproximavam, foi notado pela

TILS que não haveria tempo hábil para que a professora trabalhasse o último

tópico do bimestre - drogas - de maneira satisfatória. Considerou ser um assunto

importante para o momento de vida das alunas e, por isso, combinou com o

professor surdo que ele trabalharia esse tema na oficina de Libras na forma de

diálogo aberto, enquanto ela utilizaria a última aula destinada ao tema das drogas

na aula regular para terminar o assunto sobre o sistema endócrino/sistema

reprodutor/sexualidade. No bimestre seguinte, o tema drogas seria retomado pela

9 Devido à carga horária somada entre aulas e realização de estágio de Licenciatura pela pesquisadora, foi possível entregar duas das quatro Situações de Aprendizagem nesse 2º bimestre.

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profissional. Vale comentar que as mães de duas alunas haviam pedido ajuda à

TILS e ao professor surdo para o tratamento de temáticas como drogas e relações

sexuais com as meninas, assunto que será abordado posteriormente.

Ainda sobre os sites indicados pela pesquisadora, a profissional relatou que

fez uso de alguns, mas que também fez substituição por outros que encontrou por

conta própria e considerou melhor para abordar determinadas temáticas com as

alunas. Porém, não conseguiu aprofundar alguns conteúdos com as alunas

(principalmente o sistema nervoso) nem dinamizar as aulas, pois o atraso do

material a impossibilitou de estudar com antecedência os conteúdos do bimestre

como um todo, apresentados também de maneira superficial pela professora pela

falta de tempo.

Para o 3º bimestre de 2013, não houve mudança de professor, e foram

entregues os materiais referentes aos conteúdos esperados para o 9º ano relativos

ao sistema locomotor e cinco sentidos10. Apesar de conturbado - com faltas das

alunas e feriados que acarretaram em falta de tempo se para trabalhar com

recursos visuais (vídeos) e para finalização de todos os conteúdos por parte da

professora, a TILS considerou o bimestre tranquilo em relação aos temas

abordados, por estes serem mais próximos à vida e ao cotidiano das alunas.

Relatou que utilizou o material em diversas situações como base para o

entendimento das alunas, principalmente quando o conteúdo não estava

contemplado no livro didático. Fez a utilização de um material eletrônico

(http://www.zygotebody.com/) que considerou um sucesso entre as alunas.

Porém, a TILS relatou que utilizou o material mais diretamente na sua

formação:

TILS: “O material, esse bimestre, foi a diferença o seguinte: que esse bimestre eu usei o material mais pra mim tá me preparando pra depois nas aulas com as alunas” (entrevista, out/2013).

Ao longo do bimestre, foram realizados diversos trabalhos escolares

diferentes (Figura 5), além da exibição de um filme (que será discutido

10 Alguns tópicos foram desenvolvidos diretamente a partir do Caderno do Professor do ano de 2013, pois essa nova versão apresenta acréscimos de conteúdos quando comparado ao proposto pelo Currículo do Estado mais recente (SÃO PAULO, 2011).

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posteriormente). Foi possível retomar o tema ‘drogas’ sob uma abordagem

interdisciplinar, uma vez que esse material, que não foi desenvolvido pela

pesquisadora a tempo de ser utilizado no bimestre anterior11, mas que foi

confeccionado e entregue à TILS no período atual, foi utilizado como base para

confecção de texto argumentativo na matéria de Língua Portuguesa pelas meninas.

Figura 5. Exercício realizado em sala de aula por uma das alunas sobre conteúdo previsto para o 3º

bimestre do 9º ano presente no Caderno do Professor.

11 Em diálogo com a TILS, foi acordado que a Situação de Aprendizagem referente ao sistema endócrino não seria confeccionada pela pesquisadora, pois, além de não haver tempo suficiente para voltar a esse conteúdo, a intérprete considerou que foi trabalhado satisfatoriamente com as alunas através do site citado anteriormente sobre sistemas do corpo. A profissional acreditava que as alunas não tinham dúvidas sobre o tema.

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Ao final do bimestre, a professora pediu que a TILS elaborasse uma prova

de fechamento do período, especialmente para as alunas surdas, pois no dia em

que seria aplicada a avaliação, a profissional não estaria em sala de aula para

interpretar as questões para as estudantes. As alunas fizeram a prova idealizada

pela TILS em dia diferente do restante da turma. No entanto, devido a uma

alteração de calendário, a TILS pôde estar presente no dia da avaliação com a

turma toda e, portanto, as alunas realizaram duas avaliações, as quais serão

discutidas posteriormente.

A partir desses resultados, serão feitas análises e discussões relativas ao uso

do material pela TILS e sua formação, e o possível impacto na aprendizagem das

alunas surdas. Trechos das entrevistas e do caderno de campo serão trazidos como

forma de enriquecer as discussões, bem como partes do material desenvolvido

pela pesquisadora.

3.2 – Análise e discussão dos resultados

Pelos relatos da TILS nas três entrevistas, foi possível analisar e tecer

algumas discussões em relação à eficácia do material de apoio desenvolvido para a

formação da profissional e, como decorrência, para a aprendizagem das alunas.

De maneira geral, em diversos momentos a TILS relatou que o material foi

de extrema relevância para sua prática educacional por diferentes razões. Uma

delas refere-se a situações que dizem respeito à própria dinâmica escolar.

Ao longo de 18 meses, o cargo de professor de ciências foi ocupado por

quatro profissionais, que possuíam dinâmica e organização de trabalho diferentes.

Apesar de se mostrarem curiosos em relação ao projeto desenvolvido pela TILS,

nenhum professor demonstrou ter conhecimentos sobre os processos

educacionais de alunos surdos e/ou preparo para o desenvolvimento de práticas

pedagógicas que contemplassem a presença de um tradutor-intérprete em sala de

aula, ou mesmo entender a função da TILS no ambiente escolar. Essa falta de

capacitação para a efetivação da educação inclusiva inviabilizou não só a parceria

professor/TILS proposta pela profissional, como também impossibilitou uma

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comunicação efetiva entre esses dois profissionais responsáveis pelo processo

educacional, no sentido de ser possível o conhecimento antecipado dos conteúdos

e do programa escolar pela TILS, para que ela pudesse se preparar para a sua

prática em sala de aula por essa via (por meio de estudos particulares ou

juntamente com os professores).

Essa antecipação foi possível, no entanto, pelo material produzido pela

pesquisadora e, especialmente, pela forma como foi organizado - de acordo com o

Currículo do Estado - visto que a escola orienta que o professor se baseie nas

competências e habilidades do Currículo e do Caderno do Professor. Desse modo,

buscou-se organizar o material de forma a torná-lo condizente com o que a escola

espera que o professor ministre em sala. Importante destacar que o material de

apoio e formação da TILS não foi desenvolvido com o objetivo de substituir os

conteúdos ministrados pelo professor, mas de complementá-los; por este motivo,

avaliou-se importante que sua elaboração seguisse o previsto no Caderno do

Professor e nos livros didáticos indicados pela Secretaria de Educação do Estado

como forma de situar a TILS em relação aos conteúdos que seriam abordados em

aula, permitindo que ela se preparasse e antecipasse seus estudos para a prática da

interpretação em sala de aula.

Percebeu-se que este processo auxiliou a TILS no desenvolvimento de sua

prática visto que ela não precisou mais buscar os conteúdos por conta própria,

permitindo-lhe utilizar seu tempo para se preparar para os momentos destinados

ao apoio das alunas surdas, antecipando, pondo em relação, retomando e

aprofundando conteúdos programáticos que julgava necessários para a

aprendizagem das alunas surdas. Desse modo, as estudantes tiveram a

oportunidade de trabalhar e vivenciar experimentos e experiências não

contemplados na sala de aula regular, uma vez que a TILS pode organizar-se

previamente para possibilitar tais atividades para as alunas. Pôde ainda abordar

conteúdos não ministrados ou ministrados superficialmente pelo professor (ou

aqueles trabalhados em sala de maneira não adequada à prática da interpretação);

recorrer ao material para tirar dúvidas no momento em que surgiam (situação que

anteriormente era resolvida com pesquisas rápidas em conteúdos online em seu

computador pessoal, mas dificultado pelo acesso restrito à Internet); ter

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conhecimento dos conteúdos a serem vistos no bimestre como um todo e

conseguir antecipar conceitos ministrados em ordem diferente da prevista pela

própria dinâmica da aula, viabilizando que as alunas esclarecessem dúvidas e

realizassem perguntas sobre os conteúdos.

O material permitiu-lhe também, segundo relato da profissional, lidar com

algumas dificuldades materiais e financeiras enfrentadas no cotidiano escolar e, no

caso das alunas surdas, de recursos visuais que as auxiliariam na compreensão dos

conteúdos/construção de conceitos específicos deste nível educacional.

Como exemplo da importância do material elaborado pela pesquisadora no

auxílio dessas dificuldades, a TILS citou a não existência de conteúdos ministrados

no livro didático escolhido pela escola, porém contemplados na pesquisa realizada

pela pesquisadora para a elaboração do material. Quando isso acontecia, cabia ao

professor responsável pela disciplina a seleção e entrega de materiais auxiliares

aos alunos, procedimento que era inviabilizado pela falta de verbas da escola para

cópias. Uma forma encontrada para se contornar esse problema foi o ditado de

textos complementares pelo professor aos alunos. Esse é um ponto delicado que

merece discussão a parte: como as alunas surdas mantêm a percepção visual

voltada para as interpretações da TILS, nos momentos em que o conteúdo era

ditado, a elas era negada a possibilidade de fazer registros escritos em seus

cadernos, o que impossibilita o estudo posterior desse conteúdo. Este fato, comum

no cotidiano escolar, impossibilita a participação das alunas surdas na atividade e

evidencia o despreparo dos professores frente ao ensino de surdos –

exemplificando a problemática da implantação de uma proposta bilíngue inclusiva.

Coube, então, à TILS a tarefa de disponibilizar materiais de estudo às alunas

surdas, além da explicação do conteúdo de forma a viabilizar a aprendizagem das

estudantes.

Ainda em relação às dificuldades enfrentadas com relação ao material

didático e a relevância do material produzido pela pesquisadora, a TILS comentou

a falta de livros didáticos e apostilas para todos os alunos, mas em especial, para

uma das alunas surdas, que tem baixa visão e precisa de uma apostila ampliada.

Quando esta é disponibilizada, sua entrega geralmente atrasa se em comparação

com as apostilas comuns.

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TILS: “A S. tem mais dificuldade, mas é mais por uma questão própria e particular dela. Além da deficiência auditiva, ela tem uma perda visual grande, então tudo complica. Por exemplo, na apostila, você tem acesso à apostila do aluno, a legenda que tem nos mapas é impossível para ela ler, porque a letrinha é desse tamanho. Ela tem a lupa, ela tem a lupa, mas... e ela tem também a dificuldade da língua portuguesa em si, que muitas vezes não ajuda, então eu tenho que tá explicando e tudo mais pra ela em Libras, né, ela tem uma dificuldade maior” (entrevista, fev/2013).

Frente a isso, o material serviu diretamente de apoio para a aluna, uma vez

que pôde ser utilizado no computador e ampliado de forma a neutralizar o

problema apresentado por ela. Além disso, os esquemas de progressão conceitual

tornaram-se um apoio para as três alunas que puderam, por meio deles, ganhar um

registro do que foi interpretado ou mesmo suprir a falta do material escolar,

transformando-se em material de estudo em casa. Os materiais elaborados pela

pesquisadora foram usados também como base para que as alunas produzissem

seus próprios materiais de estudo com a ajuda da TILS, que embora já realizasse

essa prática antes do início do projeto com as alunas, os esquemas de progressão

conceitual, por terem sido construídos com definições, imagens e esquemas que

buscaram respeitar a característica visual-espacial da Libras, auxiliaram as alunas

na reflexão e construção de seus próprios materiais com menos imagens e mais

relações conceituais e, portanto, mais ricos do que no passado (Anexo III e IV). A

TILS relatou também que incentivava cada vez mais a produção dos materiais

pelas alunas como forma de promover maior independência e autonomia por parte

delas quanto a seus próprios processos de busca por conhecimento. Tais práticas

permitem, assim, colocar a TILS como atuante na ZDP das alunas, em que o papel

da cooperação constitui prática que auxilia no desenvolvimento intelectual das

alunas (VIGOSTKI, 1983).

TILS: “Esses materiais que eu confecciono com elas, geralmente, nós fazemos, discutimos o que que cada um tá entendendo, e ai nós vamos montando, então vamos pegar isso, figura daqui e dali, ‘vocês acham que ficam mais fácil pra entender’ e ai eu monto e eu mando pro email delas e ai elas tem material para estudo em casa?” (entrevista, jul/2013).

Outro aspecto comentado que se buscou observar foi quanto à forma de

organização do material elaborado pela pesquisadora e seu efetivo uso na

formação da TILS. Como já mencionado, o material de apoio foi pensado para ser

usado pela TILS em sua formação na área de Ciências, como forma de garantir a

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construção de conceitos pelas alunas surdas. Dessa forma, o conteúdo foi

desenvolvido mesclando-se definições teóricas, esquemas de progressão

conceitual a partir dos conteúdos previstos para cada bimestre, imagens e vídeos

relacionados às temáticas. O resultado determinou, em algumas situações, a

elaboração de um material de cunho mais teórico, percebido como satisfatório

para a formação da TILS, uma vez que minimiza a falta de tempo hábil para

adquirir tais conhecimentos por conta própria. Além disso, a colocação de

definições de conteúdos se deu no sentido de haver a busca pelo entendimento

correto e claro de certos conceitos pela TILS, conhecimento imprescindível para a

interpretação para as alunas surdas das explicações realizadas pelo(s)

professor(es), pois pela barreira lingüística que enfrentam em seu cotidiano, a

construção de conceitos por essas alunas ocorre por meio da TILS.

TILS: “... [precisa de uma teoria com definições corretas dos conceitos] principalmente na hora de tá comparando as coisas pra ta ficando claro pra elas o que é aquilo. Então eu tenho que entender aquilo de uma forma pra não ser confundido depois com outra coisa. Então eu tenho que ter isso claro pra gente tá explicando depois” (entrevista, fev/2013).

Identificou-se que a teorização de certos conteúdos no material, em

detrimento da exemplificação de situações relacionadas a esse conteúdo, não se

configurou em problemas para a atuação da TILS, pois citou atividades que

envolviam a vivência/prática cotidiana das alunas12. A experiência, o tempo de

trabalho e a proximidade com o cotidiano das alunas levou a facilidade e efetivação

da prática, por meio da qual, TILS e/ou as alunas puderam dar exemplos e

construir as relações entre teoria e vida real. Considerou-se para tal a vivência das

e com as alunas, como também a troca realizada no decorrer da interpretação e

nos estudos extraclasse, quando as adolescentes apresentavam dúvidas e questões

próprias. Como exemplo, houve uma situação em que o político José Sarney

12 Uma das propostas do Currículo do Estado é que se façam pontes entre os conteúdos abordados em aula e situações do dia-a-dia dos alunos, ou seja, que se estenda o conteúdo para além da teoria: um exemplo é o proposto nas aulas de valor nutricional dos diferentes tipos de alimentos, em que se procura capacitar os alunos a ler rótulos de embalagens atentando para o valor nutricional do alimento por meio de exemplos do que são por eles consumidos em seus cotidianos (bolachas, refrigerantes...).

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precisou realizar cirurgia no coração e o assunto foi levantado por uma das alunas

quando estavam estudando sobre o sistema circulatório.

TILS: “A gente pega as coisas com o dia-a-dia e vai relacionando. A gente procura fazer dessa forma porque acho que é uma forma de chamar a atenção e relacionar o que eu to estudando com o mundo que eu vivo, porque eu também não to estudando só pra ficar ali no meu caderno né. Tem que relacionar e ver essas questões do dia-a-dia [...] eu to assistindo televisão, eu vejo, e falo: ‘nossa, preciso comentar isso com elas’, eu to lendo a revista, eu já to arrancando a folha pra levar não só de ciências, mas das outras matérias também” (entrevista, fev/2013).

Quanto à organização do material de apoio de forma a colocar em relação

conceitos passados, presentes e futuros considerados importantes para uma

progressão e apropriação conceitual, baseada na perspectiva histórico-cultural, a

proposta se mostrou bastante válida para todo o processo. Um exemplo foi a

possibilidade de diálogo entre conteúdos abordados nas aulas de Geografia com

aqueles trabalhados nas aulas de Ciências, relatado anteriormente. A TILS destacou

o fato de a professora de Geografia ter um olhar diferenciado em relação ao

tratamento dos conteúdos, à medida que procura sempre se atentar a conceitos

mais básicos exigidos para a explicação de mais complexos, e caso perceba que há

alguma defasagem na aquisição dos conceitos pelos alunos, não se importa em

voltar a matéria e repetir estágios anteriores do conteúdo almejando garantir a

aprendizagem dos estudantes. Essa não é a realidade das aulas de Ciências,

processo que se tornou possível pelo material elaborado pela pesquisadora e pela

aquisição dessa visão de progressão conceitual por parte da TILS.

TILS: “Adianta o que vai tá sendo trabalhado, então você tendo essa visão né, linear do processo, você já começa a pensar agora em garantir algumas coisas pra lá na frente já não ter que se preocupar tanto com isso [...] não tenha a pretensão assim de achar que tá tudo resolvido e que elas tão realmente adquirindo aquele conceito, mas elas estão começando a desenvolver esses conceitos e pensar sobre eles até chegar num conceito que elas vão entender de forma mais profunda, vamos dizer assim. Elas tão adquirindo conhecimentos prévios pra tá pensando, refletindo e desenvolvendo os conceitos delas” (entrevista, fev/2013).

Além disso, nos momentos em que a TILS trabalhou com as alunas surdas

fora da sala de aula, a elas foi permitido que os conteúdos de diferentes disciplinas

fossem postos em relação, construindo exemplos possivelmente mais ricos que o

material poderia fornecer, por ser um recurso que não conseguia nem pretendia

prever esses tipos de relações. Essas relações podem ser mais bem compreendidas

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com trechos de aulas citados pela TILS, como exemplo, a aula sobre tipos de

energia estudados antes em Geografia e citado anteriormente, ou a ocorrência do

tsunami no Japão em 2011, lembrado pelas alunas em sala e trabalhado pela TILS

como tema de intersecção entre Geografia e Ciências, pela localidade do país no

mapa mundi e por envolver energia nuclear. Têm-se ainda como exemplos,

dúvidas levantadas pelas alunas quanto às medidas de volume (cm3) durante

exercícios sobre densidade passados pela professora como conteúdo de Química,

pois pensavam que volume poderia ser medido somente por litros e tinham

compreensão apenas do conceito de área (m2), conteúdo que a TILS então

trabalhou em interface com a Matemática. Outra situação lembrada pela

profissional foi a indagação de uma das alunas sobre o porquê do elemento prata

ter símbolo Ag e não Pr e, diante da explicação de que o símbolo era proveniente

do latim, as estudantes quiseram saber de qual país essa língua é proveniente, e o

assunto tomou outros rumos.

Essas situações exemplificam também como a TILS passou a se preocupar

com a bagagem conceitual trazida pelas meninas e perceber a importância de

utilizar esses conhecimentos prévios na construção/relação conceitual. Em suas

anotações, retiradas do caderno de campo de 6/jun/2013:

“Nesse dia, quando comecei a interpretar, as meninas me disseram que já conheciam a palavra ‘hormônios’ pois já haviam aprendido na 4ª série e que eu já havia explicado. Quando questionei o que já sabiam percebi que elas relacionavam esse conceito apenas ao sistema reprodutor (ovários e testículos) e à menstruação... já é um começo, mas precisamos partir desse ponto e ampliar os conhecimentos... expliquei que existem outros hormônios e outros órgãos que os fabricam... e os mostrei na ilustração”.

Percebeu-se ainda, nas entrevistas realizadas, a preocupação demonstrada

pela TILS em destacar, para as alunas, a importância de alguns conceitos

introduzidos no ensino fundamental que serão importantes e melhor

abordados/aprofundados futuramente no ensino médio, como por exemplo, a

introdução do funcionamento de uma tabela periódica interativa a partir de um

site da Internet proposto pelo material. Assim, além de antecipar a relevância

desse conteúdo para os anos posteriores, sugeriu que as estudantes guardassem o

link para utilizarem então no momento apropriado.

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TILS: “Ah, elas adoraram [o link interativo de tabela periódica] aquela tabela, elas adoraram, porque vai mudando as temperaturas, alguns (inaudível) de sólidos vão ficando pra líquidos, então foi muito legal porque dá pra ver... eu acredito que o ano que vem elas vão ver as propriedades na tabela periódica né, mais pra esquerda, mais pra direita, então deu pra elas perceberem isso, elas visualizaram essa questão: conforme vai aumentando a temperatura, os sólidos vão ficando líquidos, né, os que precisam de temperatura maior, depois de líquido para gasoso... então elas perceberam essas variações, eu achei legal porque mais pra frente em química elas vão ver essas propriedades, então vai ser legal pra elas. Pedi pra elas até guardarem o site pra depois, no colegial, elas darem uma olhada” (entrevista, jul/2013).

Ademais, as discussões que se sucederam entre as alunas e a TILS após a

exibição de um filme (‘Mãos talentosas’) para toda a turma evidenciaram que elas

se apropriaram de conceitos e conseguiram fazer a relação com o que estavam

assistindo no filme, ou seja, ocorreu a generalização dos conceitos de forma que

elas conseguiram abstraí-los e deslocá-los para outro contexto. O enredo, baseado

em fatos reais, é sobre um aluno negro que cresce e se torna neurocirurgião

pediátrico. Em determinado momento do filme, é mostrado um procedimento

cirúrgico de separação de gêmeos siameses ligados pelo crânio, e as alunas

demonstraram conceitos apreendidos em aulas quando na relação com o filme:

TILS: “Na hora que aconteceu isso [houve interrupção dos batimentos cardíacos das crianças para evitar hemorragia durante o procedimento cirúrgico], as meninas viraram pra mim e falaram: ‘Alá, o coração parou, o sangue também não vai bombear’ [...] [após o fim da cirurgia, foi realizado procedimento de desfibrilação nos corações com restabelecimento dos batimentos cardíacos] ai elas me perguntaram: mas sempre volta? Falei: Não, pode acontecer de não voltar, de não dar certo, corria-se o risco de uma das crianças não voltar, ou nenhuma das duas [... ] mostrou também a questão do cérebro, porque eles não compartilhavam a massa encefálica, era crânio, era o osso. Então elas até perguntaram: ‘mas como que vai fazer? O cérebro vai ficar com um? O outro não vai viver sem’ [...] Expliquei, falei que o cérebro tá separadinho né, algumas ligações [...] mais circulatórias, por isso [...] o risco da hemorragia. Então não era um cérebro para duas crianças, eram dois que estavam ligados então dava para fazer a separação. [...] Mostrou que elas estavam ligadas com os acontecimentos e relacionando com aquilo que elas aprenderam, achei que foi super válido” (entrevista – out2013).

Observa-se, desse modo, que o material elaborado pela pesquisadora a

partir da perspectiva vigotskiana de construção conceitual/aprendizagem

influenciou positivamente a prática da TILS, que passou a utilizar o conhecimento

prévio das alunas como base para a compreensão e aprofundamento dos

conceitos/conteúdos em estudo, assim como para introduzir novos, que serão

aprofundados no futuro na relação com aqueles que estavam sendo abordados no

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momento atual pelas estudantes, garantindo, dessa forma, um processo de

construção de conceitos.

As análises realizadas até o momento, possibilitadas pelos relatos da TILS

nas entrevistas e redigidas em seu caderno de campo, apontam para a importância

do material produzido para o processo de formação da profissional neste campo

específico do conhecimento – Ciências. No entanto, o modo como ele foi utilizado

para a construção dos conhecimentos pela profissional fugiu do alcance da

pesquisa, pois este processo envolveria o acompanhamento dos momentos em que

a profissional realizava seus estudos. Entretanto, a comparação das três

entrevistas e a análise de seu caderno de campo permitiram a percepção de uma

mudança na postura apresentada pela TILS ao longo da pesquisa, indicando, assim,

que o trabalho realizado influenciou positivamente na construção de

conhecimentos pela TILS.

Pôde-se perceber que na primeira entrevista (janeiro de 2013), o discurso

da TILS era carregado de reclamações, questionamentos em relação aos

professores responsáveis pela disciplina e nas dificuldades que ela tinha que

enfrentar na interpretação para as alunas. Seus relatos sobre a sua prática

pareceram caracterizá-la como bastante desafiadora e penosa devido a diversas

variáveis do cotidiano escolar e as quais ela não podia interferir, como por

exemplo, a falta de materiais adequados às particularidades de aprendizagem de

suas alunas surdas e de planejamento conjunto/parceria TILS-professor. Tal

parceria, em um primeiro momento, era entendida por ela como sendo uma

prática necessária e possível, única que possibilitaria seu planejamento prévio das

aulas, a troca de conteúdos, de experiências e de opiniões, garantindo-se, desse

modo, a aprendizagem de todos os alunos. Esta questão foi trazida pela intérprete

como um sério problema a ser enfrentado, mas no decorrer dos semestres,

percebeu que não havia efetivamente momentos em que essa preparação de fato

acontecia. Citou como exemplos desta realidade, a falta de planejamento conjunto

mesmo entre diferentes professores a que são atribuídas salas de aula da mesma

disciplina no mesmo ano letivo e a frequência com que professores substitutos

assumem as aulas e ministram conteúdos aleatórios e sem conexão com o que

estava sendo estudado pelos alunos.

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Na segunda entrevista (julho de 2013), no entanto, percebeu-se uma

mudança na postura da TILS quanto a essa parceria. Conforme sua (re)análise da

questão, seria inviável fazer planejamentos individuais com cada um dos muitos

professores que acompanha, e reconheceu que essa impossibilidade passou a ser

suprida, na disciplina de Ciências, pelo material de apoio elaborado pela

pesquisadora. Segundo seu relato, sentia-se, inicialmente, sempre um passo atrás

do professor, uma vez que tinha contato com o conteúdo que seria ministrado

apenas no início de cada aula, fato que a impedia de se preparar em relação aos

assuntos que seriam abordados e, portanto, ter conhecimentos suficientes para

possibilitar a construção de conceitos pelas alunas surdas.

TILS: “Às vezes eu tenho que esperar o professor dar [o conteúdo] pra depois eu ir atrás pra ver que vai ser feito, então eu vou estar sempre aquém do professor, o professor vai estar sempre um ou dois passos na minha frente, e eu tendo o material eu posso caminhar junto ou às vezes até antecipar [...] como teve dia que eu mostrei a experiência antes para quando chegasse na sala de aula, o professor fala ‘a experiência é assim, assim, assim’ [ela fala para as alunas:] ‘ó, vocês lembram que a gente viu aquela experiência? Agora nós vamos ver as perguntas que têm aqui e vocês vão relacionar e vão pensar sobre isso’. Então, eu tô um passo à frente” (segunda entrevista - jul/2013).

Esse discurso pode ser interpretado como a percepção da TILS quanto à

autonomia relativa que adquiriu quando passou a ter o material de apoio.

Autonomia, pois ter o material lhe permitiu a antecipação, organização e estudo

prévio dos conceitos que seriam abordados em sala, não sendo mais necessário

esperar a aula do professor para tornar sua prática possível; relativa, pois, como já

dito, o material não teve a intenção de substituir o que é ministrado pelo professor,

e sim servir de fonte adequada e direcionada para a formação da TILS. Toda essa

dinâmica afetou a relação da TILS com o professor no sentido de que a parceria

buscada por ela no início transformou-se em uma atuação quase que em pé de

igualdade: antes, ela esperava pelos conteúdos a serem ministrados, agora buscou

cópia do Caderno do Professor e pode colocar os pontos ali presentes em relação

com o material elaborado pela pesquisadora; antes ficou sem ação quando o

professor pediu para que ela mostrasse um vídeo à sala que as alunas surdas já

haviam visto, agora ela, além de ter indicado o material virtual usado na sala de

informática, utilizou o tempo para aprofundar questões importantes com as alunas

surdas, que já haviam assistido o vídeo.

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Ou seja, percebe-se que a TILS segue o Currículo e respeita o papel do

professor, porém aprofunda, retoma, altera as relações entre os conceitos a serem

aprendidos pelas alunas da forma como considera mais efetiva. Relatou, inclusive,

que não utilizou um vídeo indicado pela pesquisadora em determinada aula e sim

um que encontrou e considerou mais eficiente para sua atuação, o que mostra que

a TILS não apenas reproduz o material a ela fornecido, ela pensa sobre o material e

sua prática e chega a suas próprias conclusões sobre como agir. Observa-se assim,

que ela, ao longo da pesquisa, adquiriu conhecimentos suficientes para se tornar

atuante no processo de aprendizagem das alunas, facilitando seu trabalho ao longo

desse processo, como relatado na última entrevista:

TILS: “Achei que esse bimestre foi o mais tranqüilo, não sei se é porque assim, me preparei antes, tudo, já sabia tudo que ia tá acontecendo, e também já era um conteúdo que dava pra tá voltando, retomando algumas questões, achei que foi tranqüilo. Deu para fazer o link dos conhecimentos anteriores mais claramente, [...] esse foi mais próximo, elas relacionaram com coisas que elas viram até na quarta série, né? Então, achei que foi mais fácil de trabalhar, mais interessante, porque daí você tem o que comparar, né? O que buscar lá atrás para poder tá trazendo agora pra aumentar os conhecimentos, então achei que esse bimestre foi o mais tranquilo esse ano” (entrevista, out/2013).

Ao se pensar no uso do material para a formação da profissional e os

reflexos diretos e indiretos desta para a aprendizagem das estudantes surdas,

pode-se avaliar, a partir dos relatos da TILS, que as próprias vivências entre ela e

as alunas têm mostrado resultados satisfatórios, principalmente em momentos em

que as alunas conseguiram fazer relações entre os diversos conteúdos e disciplinas

tratados ao longo dos bimestres acompanhados.

Esse fato pode ser exemplificado a partir do relato sobre uma aula cujo

tema foi as estações do ano. Segundo a TILS, para explicar o conteúdo, o professor

valeu-se de um esquema, em que dividiu o globo terrestre em quatro quadrantes e

relacionou cada uma das quatro estações a um dos quadrantes imaginários; ao

olhar tal explicação, as alunas demonstraram estranheza, pois já haviam visto que

as estações não acontecem ao mesmo tempo no globo, nem tem a mesma duração

nos diversos locais, por estarem relacionadas ao eixo de rotação da Terra e à

proximidade com a linha do Equador. Nesse caso, a explicação havia sido feita

anteriormente pela TILS a partir do conteúdo presente no material elaborado para

esta pesquisa (Figura 6).

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Figura 6. Esquema referente à 1ª Situação de Aprendizagem prevista para o 4º bimestre do 8º ano (SÃO PAULO, 2010).

Em outro momento, a relação entre os conceitos ocorreu na forma de

analogias feitas pelas alunas. Ao estudarem que o átomo é a menor partícula

constituinte da matéria, as alunas se recordaram e fizeram relação com o que foi

visto sobre os níveis de organização dos organismos vivos, que tem a célula como

unidade estrutural e funcional. Ainda que a comparação não se constitua como

correta – as alunas pensaram que o átomo seria a unidade das “coisas mortas, sem

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vida” e a célula a unidade das “coisas vivas”, nota-se que houve um movimento das

alunas pela busca por relações entre os conteúdos sozinhas, e a TILS então pôde

explicar os dois conceitos (átomo e célula) a partir do discurso das alunas. Vale

lembrar que o conteúdo sobre células havia sido anteriormente estudado no 1º

bimestre de 2012 (Figura 7).

TILS: “é porque elas relacionaram assim, quando a gente vê corpo humano, a menor... célula, então hora que fala de matéria também pensa na célula, e ai que a gente foi falar da, é diferente um ser vivo de um ser inanimado, mas a gente precisa trabalhar pra direcionar, pra entender direitinho e não misturar as coisas” (entrevista – jul/2013).

Figura 7. Esquema referente à 2ª Situação de Aprendizagem prevista para o 1º bimestre do 8º ano

(SÃO PAULO, 2010).

Na escola em que todo o projeto se desenvolveu, são realizadas provas ao

final de cada bimestre, prática comum no sistema educacional como forma de

avaliar a aprendizagem do alunado. O objetivo do projeto não é realizar esse tipo

de avaliação do processo de construção de conceitos, porém foi considerado

interessante a busca por esse material de avaliação como forma de exemplificar o

impacto ou não das práticas das TILS sobre o conhecimento das alunas. Assim, as

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figuras 8 e 9 são recortes de exercícios retirados de duas avaliações feitas pelas

alunas ao final do 3º bimestre de 2013: a primeira diz respeito à avaliação dada à

sala regular que as alunas estudam e a segunda foi elaborada pela TILS a pedido da

professora, como anteriormente descrito.

Figura 8. Recortes da avaliação voltada à toda turma feitas pelas alunas no 3º bimestre do 9º ano.

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Figura 9. Recorte da avaliação desenvolvida pra TILS respondida pelas alunas surdas no 3º bimestre do 9º ano.

Foi relatado pela TILS que esses conteúdos foram estudados por ela a partir

do material de apoio, utilizado também de base para explicação dos conceitos para

as alunas. Ao se comparar as respostas dadas pelas alunas com o material

desenvolvido para a TILS referente à pele (Figura 10), percebe-se que há

correlação dos conteúdos, o que permite dizer que houve impacto da formação da

TILS na aprendizagem das alunas. Nesse sentido, a correção das questões pela

professora também indica que o conteúdo foi apreendido, uma vez que foram

consideradas certas. Vale ressaltar que, quanto à diferença de escrita observada

nas duas avaliações, a TILS esclareceu que na avaliação por ela aplicada, as

próprias alunas fizeram seus registros a próprio punho, podendo-se notar as

marcas da Língua Portuguesa como L2. Já na avaliação aplicada pela professora, a

TILS fez papel de escriba das alunas, fazendo a passagem da Libras para o

português escrito.

É possível identificar que estes momentos, em que as alunas buscaram

relacionar conceitos antes construídos com os atuais, indicam o processo de

aprendizagem das estudantes/compreensão do que estavam estudando. Como

exemplo, tem-se uma passagem da relação realizada pelas meninas entre sistema

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nervoso e sistema endócrino. A partir do conhecimento construído sobre o sistema

nervoso, as alunas relacionaram a dinâmica dos dois sistemas no organismo, assim

como suas semelhanças e diferenças. Conseguiram, ainda, relacionar esses dois

sistemas com todos os outros visto no 1º semestre do ano anterior, quando

tiveram uma visão geral e integradora dos sistemas para o funcionamento do

corpo – o alimento é consumido pelo sistema digestório, que o processa e fornece

energia para todo o organismo; tal energia também é armazenada, tendo seus

níveis controlados pelo sistema endócrino, que por sua vez funciona integrado ao

sistema nervoso na realização e regulação de muitas funções do organismo.

Demonstra assim, que as alunas conseguiram construir uma visão geral do tema

em estudo, ao colocarem em diálogo vários conceitos vistos em diferentes aulas e

ao compreenderem que a separação realizada pelo professor era necessária para a

sistematização do ensino.

Figura 10. Esquema referente à 4ª Situação de Aprendizagem prevista para o 3º bimestre do 9º ano (SÃO PAULO, 2010).

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Assim, frente a todas essas situações relatadas, pode-se concluir que o

material de apoio teve extrema relevância para a formação da TILS na área de

ciências, que passou a utilizá-lo para estudo antecipado dos conteúdos e posterior

interpretação a serem ministrados em aula. Percebeu-se, também, que a TILS

compreendeu a relação existente entre conceitos e a importância desta

conscientização para garantir o processo de construção conceitual durante sua

atuação e consequente aprendizagem das estudantes surdas, como relatada por

ela:

TILS: “Eu acredito que sim [o material ter dado a visão de que os conceitos se relacionam como um todo e importância dessa noção para a aprendizagem das alunas]. Porque o fato, assim, de você pensar que lá no colegial elas vão ver isso, então elas tem que ter essa base hoje porque senão quando chegar ali na frente não vai dar. Então essa visão de um todo, assim, de uma linha do tempo assim, você começa a querer pensar, falar assim: puxa vida, então elas vão ter que ter também não só acesso a essa informação, mas elas têm que fazer essas relações hoje para depois elas também conseguirem evoluir lá, na frente... mudança de comportamento, formas de aprender, formas de enxergar as situações. Uma experiência não serve de nada, você fazer um experimento se você não analisar ele, se você não pensar no que tá acontecendo com ele. [...] Geralmente você se preocupa com o ano [...], esse ano nós vamos ver isso, isso e isso, não é? Quando a gente começa. Dificilmente você pensa pra 3, 4 anos pra frente. Então eu acho que essa forma de pensar lá na frente, no futuro, eu acho que abre um leque de possibilidades, de formas de você pensar, enxergar, ver o conteúdo que você tá trabalhando de forma diferente” (entrevista – jul/2013).

Contrastando todos esses relatos acerca da apreensão dos conceitos pelas

alunas, tem-se uma situação que trouxe a problemática da não apreensão. A aula,

da área de Química, era sobre “propriedades gerais da matéria” e a não assimilação

do conteúdo foi percebida pela profissional na aula seguinte, que tratou das

“propriedades específicas da matéria”. Embora tenha sido observado que, no

momento da aula, as alunas buscaram colocar os temas em relação, respondendo

corretamente a exercícios dados pela professora, mostraram muitas

dificuldades/pouca compreensão desses conteúdos no momento da avaliação. Este

fato chamou a atenção por ter sido uma das únicas vezes comentadas pela TILS em

que se reconhece a pouca compreensão de conceitos pelas alunas. Ao ser

questionada sobre este momento, a profissional disse ter entendido o ocorrido

como um problema de linguagem, uma vez que nem ela nem o professor surdo

sabiam os sinais de tais conceitos e, portanto, para a interpretação, recorreu às

palavras do português, soletradas manualmente por intermédio do alfabeto

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manual ou datilologia13, o que inviabilizou o acesso das alunas a conceitos

específicos da área de Química.

TILS: “Quando tava aqui no trabalho [em sala de aula], o trabalho era assim [...] eram situações bem práticas, assim. Na prova, era definição: dê a definição de maleabilidade, dê a definição de isso... então os nomes, as palavras, maleabilidade... o jeito que eu trabalhei com elas eu acho que também não foi legal porque a gente não tinha um sinal pra maleabilidade. Quando ia se falar em maleabilidade, eu praticamente explicava o que “que era, e na prova eu não podia [explicar o que era], então ‘ó essa palavra, o que é?’ Então ficou complicado pra mim [...] Definir isso, definir aquilo, tava difícil pra elas, por canta das palavras... [para definir] ai eu acho que complicou. Mas eu acho, assim, que pode ter sido até uma falha minha por conta realmente, assim, na hora de a gente falar maleabilidade, ou outra propriedade, eu praticamente definia o que era... É difícil de explicar, eu falo: dá exemplo” (entrevista – jul/2013).

Nesse momento é importante que se faça uma reflexão sobre o problema.

Muitos estudos relacionam a falta de sinais em Libras como fator determinante

para dificuldade de interpretação por TILS e a não compreensão dos conceitos

pelos alunos surdos, principalmente na área de Química (PEREIRA; BENITE e

BENITE, 2011; SOUZA; SILVEIRA, 2011). No entanto, admitir que um sinal carrega

por si só todo o significado do conceito que ele representa é o mesmo que dizer

que a linguagem é transparente, e que, portanto, o enunciar de uma palavra/sinal

é suficiente para que sua significação/o conceito seja instantaneamente

apropriado e compreendido pelo outro. Porém, como discutiu Vigotski (1982,

p.195),

a instrução é um fator decisivo durante a idade escolar, determinante de todo destino do desenvolvimento intelectual da criança, incluído o desenvolvimento de seus conceitos. Baseamo-nos também na consideração de que os conceitos científicos de tipo elevado não podem surgir na mente da criança sem ser a partir das formas mais elementares de generalização que já existiam e não podem ser implantados em sua mente externamente.

Entende-se assim, com base na perspectiva histórico-cultural, que elaborar

conceitos é um modo de reflexão sobre as experiências e, em sendo um processo

histórico e culturalmente determinado, como também discutiu o autor,

a palavra é, ao princípio, uma generalização do tipo mais elementar e, unicamente à medida que se desenvolve, a criança passa da generalização elementar a formas cada vez mais elevadas de

13 O alfabeto manual ou datilologia é o “conjunto de configurações de mão que representam o alfabeto português” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p.88).

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generalização, processo que culmina com a formação de autênticos e verdadeiros conceitos (VIGOTSKI, 1982, p.184-185),

o que pressupõe condições concretas de interação verbal, logo construída na e pela

linguagem. No caso, a linguagem se dá entre as alunas e a TILS, porém, pode-se

questionar se, antes disso, os conceitos específicos de Química estão efetivamente

apropriados pela própria TILS, uma vez que ela não teve formação nessa área do

conhecimento, não teve a vivência necessária para generalizar os conceitos e,

provavelmente, o material preparado não garantiu esse processo. Somado a isso,

tem-se a falta de vivências das alunas surdas com diversos conteúdos anteriores

que não permitiriam que elas se apropriassem dos novos conceitos. Assim, mais do

que a falta de sinais, muitos outros aspectos determinaram a não

compreensão/construção conceitual pelas estudantes surdas de conceitos

específicos da área de Química.

A inter-relação destes dois aspectos – domínio de um determinado tema

pela TILS e falta de vivência das alunas surdas - pode ser mais bem esclarecida ao

analisarmos outro exemplo de uma situação de aula narrado pela TILS e que diz

respeito ao conceito de mapa. Em uma aula sobre órgãos dos sentidos, a professora

passou um mapa da língua para que os alunos compreendessem os tipos de células

receptoras presentes nesse órgão. De imediato, as alunas surdas estranharam o

uso desse conceito por entenderem que mapa é apenas a representação de um

local no espaço geográfico. Porém, ao final da explicação, as alunas sanaram suas

dúvidas quanto ao uso desse conceito em situações que desconheciam.

Compreende-se assim, que a ressignificação do conceito foi possível devido ao

domínio do tema pela TILS e por ser possível partir de um conhecimento

previamente construído pelas alunas para a construção de novos sentidos.

Conclui-se, assim, ser de extrema importância que a TILS tenha realmente

internalizado os conteúdos para que suas interpretações atinjam seu objetivo de

maneira satisfatória, uma vez que apenas o domínio da linguagem não garantiu

esse processo e a aprendizagem das alunas sobre certos conteúdos se mostrou

incompleta. Nesse sentido, o material de apoio teve também suas limitações, uma

vez que, nesta situação (e acredita-se que, possivelmente em outras, não relatadas

pela TILS), ele não se mostrou suficiente para a capacitação da TILS , por não ter

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conseguido abranger toda a gama de possibilidades para o tratamento do tema. No

entanto, não se pode deixar de considerar que todo este processo se deu em um

curto espaço de tempo para que a profissional pudesse ter domínio das temáticas,

além de ser perpassado pela dinâmica não linear que constitui os processos

educacionais. Por outro lado, reforça-se, por meio deste exemplo, a relevância do

material elaborado pela pesquisadora para a formação da profissional e, portanto,

para a aprendizagem das alunas, na medida em que, sua não adequação para a

construção conceitual da TILS, interferiu, diretamente, na construção dos

conhecimentos pelas alunas. Até esse momento, a importância da linguagem para

que todo o processo de ensino-aprendizagem se concretizasse perpassou quase

que de forma intrínseca ao próprio processo – partiu-se do fato de que a TILS é

fluente tanto em Língua Portuguesa como em Libras, colocado até aqui como

insuficiente para a interpretação de conteúdos específicos, mas sem negar a

extrema importância da linguagem para a prática. Algumas situações, porém, nos

permitem refletir sobre o que significa para as estudantes surdas terem esse

contato com uma pessoa fluente em Libras (no caso a TILS), pelo fato de essas

alunas virem de famílias constituídas por ouvintes não usuários da Libras e de não

se relacionarem nessa língua, então, em seus círculos sociais mais próximos.

Tal situação determina que seja atribuída à TILS outra função na relação

que tem com as alunas: os pais pedem à intérprete que ela explique às suas filhas

surdas temas latentes da adolescência, como drogas, namoro e sexo, passando

assim responsabilidades que não conseguem assumir pela falta de linguagem

partilhada com suas filhas, função que passa a ser dividida entre a TILS e o

professor surdo. Tal proximidade entre TILS e alunas acaba por determinar

também a relação que as quatro têm em sala de aula e o papel que as alunas

atribuem à TILS – mais do que intérprete, alguém que podem perguntar sobre suas

questões mais pessoais, alguém com quem se identificam:

TILS: “...a audição, elas perguntaram bastante [...] tem toda a sequência né, o som, o ouvido...

PESQUISADORA: “O problema de cada uma delas em relação à audição é o que, você sabe?”

TILS: “Então, elas me perguntaram onde que é o problema delas no ouvido, se elas não tem aquela... [...] ‘Eu não tenho isso?’ [alguma delas pergunta] Que é a bigorna, o estribo. Eu falei: ‘não, vocês tem, o ouvido de vocês é formadinho’. O problema delas é na cóclea, que elas não tem... elas não tem as células que

PESQUISADORA: “Sensoriais?”,

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TILS: “Isso”

PESQUISADORA: “Então elas não tem o start?”

TILS: “Isso, por causa da rubéola, é”[no caso, S. e I. são surdas devido à rubéola comprovada e M. não tem uma causa determinada]” (entrevista – jul/2013).

Entre os relatos da TILS, alguns denotam a visão que as alunas têm da

profissional, que é realmente mais complexa que apenas de intérprete; ela passa a

assumir o papel daquele que domina os conceitos. Ela explica:

TILS: “...a gente aproveita o interesse na hora que surge pra ta ampliando os conhecimentos. E eu acho que elas, nesse ponto... assim, na aula, elas têm o interesse, mas quando tão comigo. Na sala de aula, quando elas tão explicando, parece que estão ali, tão prestando atenção, tudo, mas não tem essa coisa assim de perguntar: ‘E eu? Por que que eu não escuto? Qual que é o meu problema?’

PESQUISADORA: “Elas não perguntam isso pra professora?”

TILS: “Pra mim, é tudo pra mim...” (entrevista – jul/2013).

Porém, uma fala da primeira entrevista mostra que há uma preocupação

dela própria quanto a sua atuação:

TILS: “Eu falo que na sala de aula eu não to só interpretando a aula do professor pra elas, eu também procuro atuar pedagogicamente junto porque se não for feito isso, elas acabam perdendo muita coisa” (entrevista – fev/2013).

Esses relatos evidenciam que a atuação da TILS não é a de simplesmente

interpretar. É, na verdade, muito mais complexa que apenas o ato de transmitir

uma informação de uma língua para outra: é ela quem se preocupa com a

aprendizagem das meninas surdas, em disponibilizar os recursos mais adequados,

em ser a mediadora entre os conhecimentos e as alunas, sendo ela, assim, a

responsável pelos processos de ensino-aprendizagem. Desse modo, a TILS acaba

sendo a mediadora responsável por atuar na ZDP das alunas surdas, e seus relatos

permitem entender que ela tem consciência de sua atuação, pois considera que os

professores simplificam muito os conteúdos, enquanto ela procura sempre colocar

desafios que vão mais além do que é óbvio, além de levar em consideração o que as

alunas já sabem, ao procurar introduzir os conteúdos com vídeos ou recursos mais

gerais sobre os assuntos e então aprofundá-los a partir dos conhecimentos prévios

das estudantes. Ou seja, ela assume para si a função de ensinar, ela assume a

função do professor.

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Ademais, a TILS é a pessoa procurada pela família para lidar com problemas

da juventude, e acaba sendo peça importante na construção da identidade das

meninas – já acompanha as alunas há anos e é a principal ponte entre elas e o

restante do mundo, pois acaba atuando como intérprete delas em outros locais que

não só os espaços educacionais. Essa proximidade, apesar de contribuir para a

educação das alunas na perspectiva de que a TILS tem conhecimento dos conceitos

que elas já têm construído e pode usar esse fato a seu favor na sua atuação, acaba

por impedir que as alunas tenham abertura a outras realidades, além de criar uma

dependência das alunas a essa figura tão complexa que é a TILS. Percebeu-se que

ela, então, passou a refletir sobre o impacto e importância de sua atuação na

aprendizagem das alunas, não só no processo de construção de conceitos, como

também na formação delas em busca de maior autonomia, sendo essa autonomia o

principal objetivo de sua atuação perante as alunas atualmente.

TILS: “Com elas, a preocupação minha agora, sempre foi, antigamente minha preocupação sempre foi assim, garantir o entendimento, que elas pudessem fazer relações, e tudo mais. Hoje eu já tenho um outro objetivo, o que eu quero é que elas desenvolvam mais independência para tá fazendo essas relações, e elas consigam por si só, se apropriar de mais informação, pra tá revendo os conceitos, então eu queria que elas fossem mais independentes nessas questões. Então meu objetivo é outro hoje, eu quero fazer elas se mexerem mais, sair dessa acomodação, verem que elas precisam se esforçar mais pra ter acesso a mais coisas. Então é isso. E eu acho assim, que a ciência, você... o que move é o interesse, é a curiosidade, é a observação, é você fazer essas relações, é você comparar, fazer essas comparações, então é isso que eu tenho buscado fazer com que elas (ininteligível), tudo vamos comparar, vamos ver isso, ver aquilo, pra tentar fazer com que elas desenvolvam essas atitudes no estudo delas” (entrevista – jul/2013).

Assim, a TILS tem um papel bastante complexo em toda a relação ensino-

aprendizagem das alunas e, por assumir essa responsabilidade, faz-se importante

que uma formação específica que contemple as diferentes áreas do saber.

Observou-se também, que o desenvolvimento deste estudo possibilitou

desdobramentos na formação da intérprete, para além daqueles previstos quando

a pesquisa foi proposta e iniciada. Segundo relato realizado pela profissional na

entrevista de julho de 2013, ao deparar-se com o conjunto de materiais elaborados

para sua formação, permitiu a ela refletir sobre o ensino de Ciências, e de outras

disciplinas, para os alunos dos anos iniciais do ensino fundamental da escola

municipal onde atua como professora bilíngue. Desta forma, em sua prática atual

com os estudantes mais novos, busca garantir conceitos básicos de ciências que ela

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já sabe que serão necessários para a compreensão de conceitos mais complexos

presentes no currículo dos anos posteriores do ensino fundamental, além de

generalizar tal prática a outras disciplinas. Nesse sentido, observa-se ainda uma

mudança de concepção da própria profissional sobre sua atuação como TILS, ao

colocar em relação todo o processo educacional dos alunos e o impacto que o

material teve na sua atuação com as alunas no ensino fundamental I. Tornou-se

necessário, para a TILS, a construção de uma visão do todo em relação aos

conceitos ao longo de todos os anos do processo de ensino-aprendizagem:

TILS: “Pra mim, estar trabalhando com as meninas mais velhas, no ensino fundamental II foi muito bom porque assim, eu consigo enxergar os meus menores, no fundamental I, com uma outra visão, eu consigo perceber, assim, opa, eu preciso trabalhar isso com eles agora para depois eles não terem os problemas que a S., a M. e a I. tão enfrentando lá, né? Então, eu procuro trabalhar com eles os conceitos de história, geografia, ciências, matemática, estou aprofundando umas coisas com a G. e a K. porque eu sei que alguns conceitos, chegam ao final da quinta série achando que a criança tá pronta, então eu to tentando fazer isso sim [usar conceitos mais simples e transformar em mais complexos ao longo do tempo]. Com eles eu acho que mudou muito mais a minha visão do que eu esperava, porque eu achava que esse trabalho que eu to desenvolvendo com S., M. e I. não fosse interferir tanto quanto interfere com os pequenos, mas interfere sim, não só na ciências, mas em outros conteúdos também, né?” (entrevista – jul/2013).

Conclui-se assim, que o material elaborado, mostrou-se relevante frente a

todo esse processo, possibilitando que os objetivos dessa pesquisa fossem

atingidos: o de contribuir para a formação da TILS na área de ciências e, portanto,

para a aprendizagem das alunas surdas. Como conseqüência, permitiu para uma

mudança de postura da profissional, reflexão sobre seu papel quanto à necessidade

do conhecimento específico e da importância de sua prática para a aprendizagem

dos estudantes, o que proporcionou uma maior aprendizagem das alunas surdas.

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CAPÍTULO 4 – Considerações Finais

Ao buscar contribuir para a formação da TILS na área de Ciências, o

trabalho acabou evidenciando situações que dizem respeito não apenas à dinâmica

da prática desse profissional, mas também, e talvez principalmente, como essa

função tem sido entendida de forma equivocada pelo sistema educacional

brasileiro/documentos oficiais pela ótica da educação inclusiva.

De acordo com as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na

Educação Básica, “os sistemas de ensino devem constituir e fazer funcionar um

setor responsável pela educação especial, dotado de recursos humanos, materiais e

financeiros que viabilizem e dêem sustentação ao processo de construção da

educação inclusiva” (BRASIL, 2001b, Artigo 3º, parágrafo único). Para tanto, dispõe

que as escolas da rede regular de ensino devem prever e prover na organização de

suas classes comuns, entre outros pontos, “condições para reflexão e elaboração

teórica da educação inclusiva, com protagonismo dos professores, articulando

experiência e conhecimento com as necessidades/possibilidades surgidas na

relação pedagógica, inclusive por meio de colaboração com instituições de ensino

superior e de pesquisa” e a “sustentabilidade do processo inclusivo, mediante

aprendizagem cooperativa em sala de aula, trabalho de equipe na escola e

constituição de redes de apoio, com a participação da família no processo

educativo, bem como de outros agentes e recursos da comunidade” (idem, Artigo

8º, Incisos VI e VII).

Tem-se que, quanto aos recursos humanos necessários à educação inclusiva

de surdos, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação

Inclusiva entende que “cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação

especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizar as funções de

instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia-intérprete (...)” (BRASIL, 2008,

p.11). Essa condição está de acordo com o que já havia sido disposto no Decreto

Federal no 5.626/05, em seu Artigo 22, Inciso II, e esse sentido, pode-se dizer que,

em relação à presença de TILS nos anos finais do ensino fundamental, a escola em

que o projeto foi desenvolvido está de acordo com o previsto nestes documentos

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oficiais: a TILS em questão tem acompanhado as alunas surdas desde o 6º ano do

ensino fundamental.

Porém, esta pesquisa evidenciou que a atuação da TILS em sala diferiu

substancialmente da esperada - ela assumiu a responsabilidade de garantir a

aprendizagem das alunas surdas, pois os recursos humanos, materiais e

financeiros que não viabilizaram e não deram sustentação à prática de função de

tradutora e intérprete, necessária à implantação de uma educação inclusiva.

Enquanto houver alunos surdos em sala de aula e os professores responsáveis não

modificarem suas práticas de ensino de forma a atender as particularidades

determinadas pela perda auditiva desses alunos, situações como as que se viram

nessa pesquisa se repetirão: o profissional que tomar para si a responsabilidade da

aprendizagem desses alunos surdos, no caso a TILS, voltará sua prática para estes

alunos surdos, determinando uma diferenciação nos processos educacionais entre

ouvintes e surdos – descaracterizando a educação inclusiva.

Conclui-se, assim, que enquanto esta realidade educacional não mudar e o

despreparo e desconhecimento dos professores e do sistema educacional como um

todo sobre as especificidades dos processos educacionais de alunos surdos

continuarem determinando a transferência e a responsabilidade da aprendizagem

das alunas surdas para a TILS, ainda haverá o questionamento quanto os

benefícios da educação inclusiva para surdos nos moldes como é atualmente

entendida e implantada. Tem-se assim, a extrema importância da capacitação

desses profissionais nas diferenças áreas do conhecimento, de forma a garantir

uma educação de qualidade para os alunos surdos, senão por meio do professor,

por intermédio de TILS.

E mesmo que nunca tenha colocado em palavras que lhe faltam

conhecimentos suficientes para melhorar sua atuação perante as alunas, uma frase

dita pela TILS em outro momento que não a entrevista evidencia que ela tem noção

dessa importância e de como o material a auxiliou nesse sentido: “Que bom seria se

houvesse mais Letícias para as outras disciplinas”.

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ANEXOS

Anexo I – DVD para consulta contendo a compilação de todos os materiais desenvolvidos para os 1o, 2o, 3o e 4o bimestres de 2012, e para os 1º, 2º e 3º bimestres de 2013 – todas as Situações de Aprendizagem desenvolvidas e vídeos de experimentos de Química relativos ao 1º bimestre de 2013 gravados pela pesquisadora e pela aluna do curso de Licenciatura em Química (DQ/FFCLRP-USP), como também materiais desenvolvidos/utilizados pela TILS com as alunas ao longo da pesquisa.

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Anexo II – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pela TILS.

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Anexo III – Exemplos de materiais desenvolvidos pela TILS com as alunas

referente ao 1º bimestre de 2013.

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Anexo IV – Material desenvolvido pela TILS com as alunas referente ao 2º bimestre de 2013.