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ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA: TEATRO E APRENDIZAGEM HISTÓRICA Aline Ferreira Rodrigues Universidade Federal do Tocantins (UFT) [email protected] Rosária Helena Ruiz Nakashima Universidade Federal do Tocantins (UFT) [email protected] Vera Lúcia Caixeta Universidade Federal do Tocantins (UFT) [email protected] Resumo Este texto é o resultado de uma pesquisa cujo principal objetivo foi refletir sobre as potencialidades do teatro para o aprendizado sobre a História da África e da Cultura Afro- Brasileira, no Ensino Médio. Para isto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, orientada pela observação participante, com o uso de diário de campo, durante nove encontros com alunos da escola pública estadual CEM “Benjamim José de Almeida” de Araguaína -TO. A partir de exercícios teatrais e de reflexões sobre a África e Cultura Afro-Brasileira, defendemos a possibilidade de uma aprendizagem histórica que contribui tanto para o desenvolvimento do protagonismo, da criatividade e da sensibilidade dos estudantes, quanto para uma compreensão crítica e orientação histórica no tempo presente. Palavras-chave: Ensino de História da África. Lei 10.639/2003. Teatro. Práticas de Ensino. Criatividade. TEACHING AFRICAN HISTORY: THEATER AND HISTORICAL LEARNING Abstract This text is the result of research whose main objective was to reflect on the potential of theater for learning about the History of Africa and Afro-Brazilian Culture, in high school. For this, a qualitative research was conducted, guided by participant observation, using a

ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA: TEATRO E …

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ENSINO DE HISTÓRIA DA ÁFRICA: TEATRO E APRENDIZAGEM

HISTÓRICA

Aline Ferreira Rodrigues

Universidade Federal do Tocantins (UFT)

[email protected]

Rosária Helena Ruiz Nakashima

Universidade Federal do Tocantins (UFT)

[email protected]

Vera Lúcia Caixeta

Universidade Federal do Tocantins (UFT)

[email protected]

Resumo

Este texto é o resultado de uma pesquisa cujo principal objetivo foi refletir sobre as

potencialidades do teatro para o aprendizado sobre a História da África e da Cultura Afro-

Brasileira, no Ensino Médio. Para isto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, orientada

pela observação participante, com o uso de diário de campo, durante nove encontros com

alunos da escola pública estadual CEM “Benjamim José de Almeida” de Araguaína-TO.

A partir de exercícios teatrais e de reflexões sobre a África e Cultura Afro-Brasileira,

defendemos a possibilidade de uma aprendizagem histórica que contribui tanto para o

desenvolvimento do protagonismo, da criatividade e da sensibilidade dos estudantes,

quanto para uma compreensão crítica e orientação histórica no tempo presente.

Palavras-chave: Ensino de História da África. Lei 10.639/2003. Teatro. Práticas de

Ensino. Criatividade.

TEACHING AFRICAN HISTORY: THEATER AND HISTORICAL LEARNING

Abstract

This text is the result of research whose main objective was to reflect on the potential of

theater for learning about the History of Africa and Afro-Brazilian Culture, in high school.

For this, a qualitative research was conducted, guided by participant observation, using a

field diary, during nine meetings with students from the state public school CEM

“Benjamim José de Almeida” from Araguaína-TO. Based on theatrical exercises and

reflections on Africa and Afro-Brazilian Culture, we defend the possibility of historical

learning that contributes both to the development of the protagonism, creativity and

sensitivity of students, as well as to a critical understanding and historical guidance in the

present time.

Keywords: Teaching African History. Law 10.639/2003. Theater. Teaching Practices.

Creativity.

Introdução

Nesta pesquisa ousamos pensar na integração arte, saber e cultura nas aulas de

História, no ensino médio, a partir do teatro, enquanto estratégia pedagógica na qual se

pode alcançar o interesse dos estudantes de forma lúdica, criativa, interativa e

humanizadora. O teatro pode ser considerado essa ponte, que revela possibilidades para

a construção dialógica, no qual “uma aula criativa, leva à invenção de outras histórias,

conduz o aluno ao lugar de criador, de protagonista de sua própria História” (SOARES

JÚNIOR, 2019, p. 184).

Durante o estágio supervisionado e as atividades de regência do Programa

Residência Pedagógica (https://capes.gov.br/educacao-basica/programa-residencia-

pedagogica) notamos algumas dificuldades dos alunos para se concentrarem nas aulas de

História. A partir disso, começamos a refletir sobre qual instrumento poderia mobilizar

para ajudar os estudantes em meio às suas dificuldades, o que nos levou aos seguintes

questionamentos: em que medida as técnicas, os métodos e os exercícios teatrais podem

ser utilizados como alternativas pedagógicas para reinventar as aulas de História e

conquistar o interesse dos alunos?

Assim, elaboramos um projeto de intervenção pedagógica sobre o Dia da

Consciência Negra, por ser tratar de uma data comemorativa que já fazia parte do

calendário escolar do Centro de Ensino Médio (CEM) “Benjamim José de Almeida”, no

município de Araguaína - Tocantins. Com o consentimento da direção da escola,

propusemos que uma peça de teatro fosse um elemento que poderia somar a essa atividade

pré-agendada. O objetivo foi para compreender a possibilidade da utilização da

representação teatral como elemento facilitador para tratar do tema “racismo” que,

eventualmente se mostra como mais inquietante ou até mesmo negligenciado no currículo

escolar.

Esse projeto de intervenção fazia parte das atividades planejadas no bojo do

Programa Residência Pedagógica, na qual as práticas didáticas foram centradas em uma

turma do segundo ano do ensino médio. Todos os alunos foram convidados a

participarem, mas, como parte do projeto ocorria no contraturno das aulas, do total de 25

alunos, oito se interessaram, sendo que um deles já participava de um grupo teatral da

cidade; já os demais tiveram sua primeira experiência com o teatro na escola, mas para

todos foi inédita a experiência de explorar o teatro para tratar de uma questão inquietante

para os alunos, o racismo. Os alunos participantes foram cinco meninas e três meninos,

com idades entre 17 e 21 anos.

Nesta pesquisa qualitativa, foram realizados nove encontros com os alunos na

escola, no período de 17 de outubro até 20 de novembro de 2019. Os encontros não tinham

um dia semanal específico para acontecerem e geralmente eram realizados na sala de aula

disponibilizada pela coordenação da escola. Os primeiros cinco encontros foram

momentos em que conseguimos trabalhar técnicas básicas do teatro por meio de jogos

teatrais inspirados nas obras de Viola Spolin (2001), pioneira na área dos exercícios

teatrais, assim como também a proposta de pesquisa e elaboração do roteiro da peça que

versava sobre História da África, que foi apresentada no Dia Nacional da Consciência

Negra, uma perspectiva que alcançamos ao longo da pesquisa.

Durante os encontros, sempre se buscou utilizar o teatro como uma abordagem

criativa para a discussão e a aprendizagem desta temática, focando na urgência de

evidenciar discussões étnicas e raciais na escola, principalmente nas aulas de História,

pois devemos levar em consideração que:

[...] Tem importado saber que, em um dia qualquer, alguém sonhou em libertar-

se, por exemplo, da malha asfixiante da escravidão, da violência de lesa-corpo

e lesa-alma, da dor de não ser cidadão, mas que encontrou em seus desejos

forças para resistir e lutar por uma sociedade mais justa. Tem feito sentido

entender que não existe normal ou anormal, apenas diferenças. Que brancos,

pretos, pobres, indígenas, gays, gordos, deficientes, são cidadãos e precisam

gozar do merecimento conquistado de ir e vir. Que a História só Ensino de

História e Sensibilidade faz sentido quando nós, professores, nos permitimos

criar uma roupa de garrafas cheias de orvalho capaz de conduzir nossos alunos

até o passado, e, de lá, construir nossas próprias percepções, sensações,

“verdades”. (SOARES JÚNIOR, 2019, p. 170).

A peça apresentada, posteriormente aos encontros e ensaios, foi denominada

como “Um Outro Conto Sobre a África” e trouxe em seu enredo uma proposta baseada

em uma modalidade dramática, na qual o conflito da peça busca realizar uma crítica

social, focada na temática da História da África, contada sob uma nova perspectiva.

A peça foi escrita por uma das pesquisadoras, buscando articular os conteúdos

curriculares já estudados pela turma, com elementos artísticos que pudessem mobilizar a

reflexão sobre o tema. Para enriquecer o roteiro, foi solicitado que os alunos fizessem

uma pesquisa e socializassem inspirações advindas de expressões artísticas diversas

produzidas por africanos. A partir desses subsídios, foi elaborado o roteiro composto por

três atos, poema, música e ao todo oito personagens. No processo foi necessário

apresentar novos caminhos criativos para refletir sobre a cultura africana e afro-brasileira,

de forma não estereotipada, folclórica ou preconceituosa, pois:

[...] A cultura, seja na educação ou nas ciências sociais, é mais do que um

conceito acadêmico. Ela diz respeito às vivências concretas dos sujeitos, à

variabilidade de formas de conceber o mundo, às particularidades e

semelhanças construídas pelos seres humanos ao longo do processo histórico

e social. (GOMES, 2003, p. 75).

Em cada encontro foi realizada uma oficina de exercícios teatrais, explorando

apenas a sensibilidade e a corporeidade no espaço, além de rodas de conversa sobre a

História e a cultura afro-brasileira, conduzida também por uma das pesquisadoras.

Através das rodas de conversas buscava-se compreender a perspectiva de cada integrante

acerca do que os mesmos estavam entendendo ou observando ao longo desta experiência

pedagógica e, depois, passava-se para a exploração das temáticas selecionadas.

O teatro enquanto instrumento de aprendizagem dinâmica

No primeiro encontro com os alunos, foi esclarecida a intenção de construir em

conjunto esse novo espaço de diálogo, articulado aos conteúdos do componente curricular

de História, presente em suas rotinas escolares. Foi destacado que seriam planejadas

ações, focando uma aprendizagem criativa, lúdica e coletiva, utilizando o teatro como um

instrumento para se alcançar esses objetivos, pois “o teatro é uma modalidade artística

que privilegia o uso da linguagem e promove o desenvolvimento da imaginação”

(OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 77). Assim, foi realizada uma roda com os alunos na

sala de aula para explicar os princípios básicos do teatro, através de exercícios teatrais

(Quadro 1).

Exercícios Objetivos

Quando eu falo eu me ouço

e me sinto

Ajudar o indivíduo a compreender o seu corpo em uma relação de

expressão facial e corporal.

Promover um controle das emoções e expandir as respostas que o corpo

dá a determinada situação em cena.

Ocupação de espaço Perceber o espaço em que estão.

Respeita o ambiente que a eles é oferecido, expressando-se por níveis

baixo, médio e alto.

O espelho Trazer a atenção de um aluno para o outro, para a construção de uma

relação de confiança em cena.

Quadro 1. Exercícios teatrais.

Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 11 e 24).

Foi perceptível através desse momento inicial o quanto os alunos foram

interagindo uns com os outros e construindo intercâmbios e atitudes de colaboração entre

si. Essa observação fortaleceu a ideia de que o teatro é eficaz na construção de interação

social, agindo como um instrumento didático que contribui no processo de ensino e de

aprendizagem, pois “o desenvolvimento implica o estímulo do conjunto” (OLIVEIRA;

STOLTZ, 2010 p. 78), e um ensino diferenciado ocorre por meio da participação coletiva

e não apenas do fazer isolado. Sob este prisma, as Diretrizes Curriculares Nacionais

(DCN) da Educação Básica apontam:

[...] a importância do lúdico na vida escolar, não se restringindo sua presença

apenas à Arte e à Educação Física. Hoje se sabe que no processo de

aprendizagem a área cognitiva está inseparavelmente ligada à afetiva e à

emocional. Pode-se dizer que tanto o prazer como a fantasia e o desejo estão

imbricados em tudo o que fazemos. Os estudos sobre a vida diária, sobre o

homem comum e suas práticas, desenvolvidos em vários campos do

conhecimento e, mais recentemente, pelos estudos culturais, introduziram no

campo do currículo a preocupação de estabelecer conexões entre a realidade

cotidiana dos alunos e os conteúdos curriculares. Há, sem dúvida, em muitas

escolas, uma preocupação com o prazer que as atividades escolares possam

proporcionar aos alunos. (BRASIL, 2013, p. 116).

Portanto, a criatividade é uma porta que, quando aberta, nos revela opções

enriquecedoras e prazerosas, capazes de provocar mudanças importantes no currículo

escolar. Conforme Oliveira e Stoltz (2010), fator importante é a percepção que Vygotsky

apresenta de que cada indivíduo é único e ocupa seu lugar no mundo, a partir de seu

contexto histórico-cultural. Assim é preciso ter uma preocupação em buscar conhecer o

mundo no qual os alunos estão inseridos, pois é através dele que os mesmos respondem

às propostas que lhe são reveladas diariamente em sala de aula. Em outras palavras,

sabemos que “a literatura sobre currículo avança ao propor que o conhecimento seja

contextualizado, permitindo que os alunos estabeleçam relações com suas experiências”

(BRASIL, 2013, p. 118).

Um dos comentadores de Vygotsky afirma que “instrumentos e signos são

construções sócio-históricas e culturais; através da apropriação (internalização) destas

construções, via interação social, o sujeito se desenvolve cognitivamente” (MOREIRA,

1999, p. 111). Sendo assim, é preciso considerar que o estudante também interaja com o

meio que o cerca, gerando uma relação mútua de um para o outro, como uma troca de

símbolos e significados.

De acordo com Moreira (1999), é a partir desse diálogo entre os estudantes e o

contexto sociocultural que a aprendizagem e o desenvolvimento são fortalecidos,

mediados pela interação social, por meio de signos e instrumentos específicos que

resultarão na construção de níveis de desenvolvimento real. Nesse movimento de

interação social, ao final do primeiro encontro, os alunos já expressavam bastante

entusiasmo e aos poucos demonstravam afetividade pela proposta desenvolvida. Logo

após o final de todos os exercícios teatrais, voltamos para a roda inicial e foi solicitado

para que eles falassem a primeira palavra (Figura 1) que viesse a mente.

Figura 1. Palavras verbalizadas pelos estudantes (1o encontro).

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Essas palavras expressaram o sentimento da maioria dos alunos, que demonstrou

desconforto nesse primeiro momento, por enfrentarem o desconhecido, vivenciando

alguns direcionamentos realizados no exercício de ocupação de espaço, no qual foi

determinado alguns comandos que os levassem a pensar as relações de opressão,

preconceito e violência presentes no contexto social em que estamos inseridos.

Ao considerar essas técnicas iniciais do teatro, isso foi avaliado como bom, porque

eles perceberam que tinham dado o primeiro passo para o novo. Foi emocionante vê-los

ao final do primeiro encontro, criando uma relação por meio do teatro, utilizando signos

e instrumentos que colaboraram para a construção da sua autonomia e a ampliação crítica

da compreensão do mundo.

Protagonismo na aprendizagem: autonomia estudantil

Nesta investigação, ousamos pensar em práticas pedagógicas que valorizem as

identidades dos estudantes, para que se reconheçam como sujeitos históricos. Logo, foi

apresentado no início do segundo encontro, uma proposta temática focada na cultura afro-

brasileira. Tratava-se de uma apresentação teatral que encerraria a etapa da pesquisa,

procurando estreitar as vivências deles com a de um continente extremamente rico em

cultura, tradições, e expressões artísticas diversas. Essa proposta encontrou sustentação

na Lei 10.639, de março de 2003, ao destacar no artigo 26-A “nos estabelecimentos de

ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre

História e Cultura Afro Brasileira”.

O objetivo foi voltar o nosso olhar para a África, buscando ir além de estereótipos.

A partir dessa proposta temática, foram realizados questionamentos sobre o que eles

pensavam ao ouvirem falar de “África” e a maioria das respostas trouxe,

majoritariamente, as seguintes expressões: fome e miséria. Assim, o objetivo se tornou

em ir além desses fatores que acabam por nos distanciar do olhar africano sobre a sua

própria História. Na sequência, foram realizados os exercícios teatrais (Quadro 2), como

uma proposta didática, para tornar o espaço dessa discussão mais sensível e dinâmica para

os alunos.

Exercícios Objetivos

Imitações periódicas Construir uma percepção rápida para o aluno, dos acontecimentos

que o cercam naquele determinado momento.

Quem iniciou o movimento? Exercitar a concentração coletiva e promover a observação e

análise entre eles.

Confiança em cena Construir uma relação de confiança entre os alunos presentes ali.

Quadro 2. Exercícios teatrais.

Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 24).

Ao abordar os o teatro como um instrumento didático, para o ensino de História

nas escolas, é ideal ter em mente que, por meio dele, os alunos podem construir sua

autonomia para a aprendizagem, pois “o ensino e a aprendizagem Histórica ocorrem de

forma mais satisfatória quando o aluno vê significado no que aprende” (LIMA, 2018, p.

15).

Nessa perspectiva, Barca e Cainelli (2018) chamam a atenção para o conceito de

“consciência histórica”. De acordo com elas, “a forma como os indivíduos mobilizam os

conhecimentos históricos e constroem a sua consciência histórica conferem sentido à

história e a eles próprios” (BARCA; CAINELLI, 2018, p. 2). Para as autoras, é

fundamental dar esse espaço de interpretação para os alunos, levando-os a agir por meio

da imaginação, construindo contextos históricos, baseados em hipóteses sobre o passado.

Foi possível perceber que o teatro apresenta possibilidades para a ampliação da

consciência histórica dos alunos. Os exercícios teatrais (Quadro 2) se mostraram

importantes nesse processo de construção de uma aprendizagem criativa, lúdica e

coletiva. O exercício “confiança em cena” permitiu conexões e desenvolvimento de

sensibilidades entre os alunos, além de colaborar para a percepção de sua autonomia.

Durante esse momento, cada aluno recebeu um número que os identificava e,

enquanto eles ocupavam o espaço da sala, andando em círculos, foram verbalizados os

números de forma aleatória e aquele que fosse chamado tinha que se jogar ao chão, e a

responsabilidade de seus colegas era segurá-lo e não permitir que ninguém caísse.

Anteriormente, foram dadas explicações para que os mesmos não se machucassem no

decorrer do exercício, pois eles deviam se jogar ao chão, de forma lenta e com bastante

cuidado.

Machado (2004) experimentou a arte cênica como uma nova proposta didática,

através do projeto Fazendo Gênero. Ela frisou a importância da relação entre os alunos

afirmando que “os adolescentes iam reconhecendo o produto teatral como resultado do

trabalho de um grupo de pessoas” (p. 13), ou seja, observou a importância da atividade

realizada de forma coletiva, pois

[...] Na maioria das vezes, por uma série de razões, o aluno não se empenha

adequadamente ao estudo escolar. Porém, em uma dinâmica de ensaio, tendo

em vista um resultado concreto, é propiciada ao aluno a compreensão de si

como elemento importante da criação e da realização teatral. Este aluno passa

a compreender que sem seu esforço legítimo, dificilmente algo será efetivado,

alterando sua atitude em relação às suas tarefas. É estabelecido um

compromisso grupal em que cada um passa a exigir e ser exigido pelos seus

pares. (MACHADO, 2004, p. 81).

Ao final do segundo encontro, voltamos à roda inicial e novamente os alunos

falaram a primeira palavra (Figura 2) que expressasse as práticas desenvolvidas.

Figura 2. Palavras verbalizadas pelos estudantes (2o encontro).

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Essas palavras expressaram que foi possível fazer surgir, na sala de aula, uma

linguagem lúdica por meio de uma proposta didática inesperada pela turma. Assim como

Machado (2004, p. 16) afirma que:

[...] O artista manifesta uma forma de ver o mundo contextualizada social e

culturalmente, por isto está enraizado na sociedade em que insere. Por meio

de sua arte, traduz a maneira de viver e ver o mundo do seu grupo, expressa

seus valores, narra o vivido pela sua comunidade. Realiza um movimento

constante de construção, desconstrução e reconstrução em outras formas

simbólicas. (MACHADO, 2004, p. 131).

No terceiro encontro com os alunos, foi realizado um aquecimento, em seguida os

exercícios teatrais (Quadro 3). Foi interessante observar que os estudantes sempre

chegavam apenas no horário marcado do encontro ou até mesmo uns minutos depois, No

entanto, nesse dia, os alunos chegaram mais cedo e bastante animados para aquele

encontro. Foi notável essa mudança, mediante a expressão do interesse de cada estudante

em fazer parte daquela proposta criativa, diferente, lúdica e inesperada.

Exercícios Objetivos

Só perguntas Construir uma percepção rápida em cena.

Exercitar as habilidades de atenção e concentração

Eu mando e você é o

subordinado

Agir de forma descontraída para, posteriormente, pensar as relações de

opressão existentes na sociedade, assim como: trabalho escravo, racismo,

preconceito, dentre outras.

Cena de improviso Utilizar o inesperado para o aprendizado.

Promover uma apresentação teatral sem roteiro prévio, apenas no

improviso.

Quadro 3. Exercícios teatrais.

Fonte: Adaptado de Cia. Barbixas de Humor.

O terceiro exercício “cena de improviso” foi de fundamental importância para esta

proposta de explorar o teatro, como um instrumento pedagógico, para favorecer o

aprendizado de História. Foram entregues a eles dois cartões com um lugar escrito e, a

partir dele, teriam que desenvolver uma cena improvisada e encená-la para seus colegas.

Ao assistirem a cena, estes tinham que identificar qual o lugar em que ela acontecia. A

proposta principal foi usar como tema central a temática “racismo”.

De certo, esta temática se articula diretamente ao que tem acontecido e marcado a

história neste ano de 2020. Dois exemplos marcantes foram o de Floyd, um ex-segurança

negro de 46 anos, que morreu no fim de maio de 2020, após ter o pescoço prensado pelo

joelho de um policial branco por quase nove minutos; o segundo foi do menino de 5 anos

que morreu dia 2 de junho de 2020, após cair do 9º andar de um prédio, em Recife. Miguel

era filho de uma empregada doméstica e caiu de uma altura de 35 metros, após ser deixado

sozinho aos cuidados da patroa da mãe.

Silva (2010, p. 99) destaca a importância de refletirmos sobre “o currículo como

narrativa étnica e racial”, portanto, “constitui uma inflexão no pensamento educacional,

fruto das mudanças ocorridas em nossa sociedade devido às ações e demandas dos

movimentos sociais, dos grupos sociais e étnicos” (GOMES, 2003, p. 75). Nesse sentido,

segundo Nilma Gomes ao falar sobre Cultura Negra:

[...] Cabe ao educador e à educadora compreender como os diferentes povos,

ao longo da história, classificaram a si mesmos e aos outros, como certas

classificações foram hierarquizadas no contexto do racismo e como este

fenômeno interfere na construção da auto-estima e impede a construção de uma

escola democrática. É também tarefa do educador e da educadora entender o

conjunto de representações sobre o negro existente na sociedade e na escola, e

enfatizar as representações positivas construídas politicamente pelos

movimentos negros e pela comunidade negra. (GOMES, 2003, p. 77).

No que diz respeito ao exercício de improviso, os alunos estavam conectados a

cada apresentação, ficou evidente que eles perceberam que o objetivo era refletirem sobre

o racismo. Ao final do terceiro encontro, voltamos para a roda inicial e pedi que os alunos

que falassem apenas uma palavra (Figura 3) que resumisse para eles, de forma individual,

o que aquele momento significou.

Figura 3. Palavras verbalizadas pelos estudantes (3o encontro).

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Uma expressão artística, como afirmou Vygotsky, “é uma necessidade intrínseca

do ser humano” (OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 91). Por meio dela, o sujeito externaliza

emoções e sentimentos, assim, ele passa a conhecer-se e a conhecer os outros. Além disso,

cria “condições para a reflexão a respeito das próprias atitudes e possibilidades de

mudança na convivência social” (OLIVEIRA; STOLTZ, 2010, p. 91).

No quarto encontro houve um intercâmbio acerca das pesquisas que os alunos

realizaram sobre as produções artísticas do continente africano. Assim, alguns alunos

trouxeram informações sobre poemas, estilos musicais e expressões artísticas diversas

produzidas por africanos, que por meio de movimentos culturais, buscavam fortalecer

suas vivências, cultura, religião, tradição e memória. Um momento que, segundo Almeida

(2017), é indispensável para uma apresentação teatral relacionada à História, pois,

[...] O exercício de pesquisarem para o teatro, para montarem as peças,

estudarem os textos, também se torna um exercício de memória, pois os coloca

diante da questão: quem é o personagem que vou representar? Que mundo era

aquele no qual essa pessoa vivia? O que eu sei dessa pessoa? (ALMEIDA,

2017, p. 57).

Corroborando com essa visão, um aspecto importante que Oliveira e Stoltz (2010)

apresentaram sobre a perspectiva teórica de Vygotsky envolve considerar o meio que

cerca o aluno, assim como quais estímulos que lhes são atribuídos. Conforme Oliveira e

Stoltz (2010, p. 83) argumentam:

[...] A atividade criadora da imaginação está diretamente relacionada à riqueza

e diversidade das experiências vividas pelo sujeito, porque são estas que

oferecem o material para a fantasia. Experiência não necessariamente direta

com o objeto; ouvir relatos de fatos vividos por outras pessoas, descrições de

objetos vistos por outros olhos ou escutar histórias de culturas distantes são

também material rico para construir ideias. Para Vygotsky, a gênese do

pensamento generalizante está no desenvolvimento da imaginação.

Logo, o espaço escolar precisa ser um ambiente favorável às discussões sociais

que se relacionam diretamente com o nosso próprio contexto, com destaque para as

questões raciais e étnicas, pois como Gomes (2003) afirma:

[...] A construção de uma prática pedagógica que se configure como uma

resposta a essa pergunta [Quanto tempo ainda esperaremos para que a escola e

os educadores/as avaliem de forma séria e não essencializada a riqueza e a

fecundidade da cultura negra construída no Brasil, e o seu peso na formação

cultural das outras etnias?] não se limita à produção de pesquisas sobre o tema,

nem ao documento “pluralidade cultural” dos Parâmetros Curriculares

Nacionais. Na minha opinião, trabalhar com a cultura negra, na educação de

um modo geral e na escola em específico, é considerar a consciência cultural

do povo negro, ou seja, é atentar para o uso auto-reflexivo dessa cultura pelos

sujeitos. Significa compreender como as crianças, adolescentes, jovens,

adultos e velhos negros e negras constroem, vivem e reinventam suas tradições

culturais de matriz africana na vida cotidiana. (GOMES, 2003, p. 79).

Nesse aspecto, observa-se que não se trata de ser apenas uma opção abordar

questões raciais na escola, pois é, certamente, indispensável para a formação dos

estudantes, ou seja,

[...] A escola, enquanto instituição social responsável pela organização,

transmissão e socialização do conhecimento e da cultura, revela-se como um

dos espaços em que as representações negativas sobre o negro são difundidas.

E por isso mesmo ela também é um importante local onde estas podem ser

superadas. (GOMES, 2003, p. 77).

Na sequência, iniciamos a parte prática do encontro, com a repetição do exercício

“cena de improviso” (Quadro 3), realizado no encontro passado, mas com lugares

diferentes. O outro exercício (Quadro 4) foi realizado com o objetivo de criar diálogos

em uma cena improvisada, seguindo um roteiro baseado na ordem alfabética, ou seja, o

primeiro aluno começava a cena com uma frase que iniciava com a letra A e o segundo

com a letra B e assim sucessivamente. Um momento no qual os alunos foram instigados

a agir rapidamente, criando uma cena por meio de sua criatividade e imaginação.

Exercício Objetivos

Na ordem alfabética Trabalhar a concentração.

Impulsionar a criatividade e a imaginação dos estudantes.

Quadro 4. Exercícios teatrais.

Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 50).

Alguns exercícios (cena de improviso e na ordem alfabética) foram realizados

com o objetivo de trazer à tona em sala de aula um comportamento criativo e inventivo

dos alunos. Segundo Oliveira e Stoltz (2010), nos processos de desenvolvimento, “a

criança passa gradativamente a utilizar mais as palavras do que as imagens, mais o

pensamento abstrato do que o pensamento concreto”. Nesse sentido é relevante que se dê

mais atenção para novos instrumentos e signos que podem ser mobilizados pelos alunos

e mediados pelo docente em sala de aula, para que estes atuem de forma criativa no seu

aprendizado, alcançando assim, conhecimentos superiores que vão além dos quais eles

estão rotineiramente acostumados. A partir de Vygotsky, Moreira (1999) ainda explica a

importância da zona de desenvolvimento proximal (ZDP) para os educandos nessa etapa,

na qual:

[...] define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão no processo

de maturação. É uma medida do potencial de aprendizagem; representa a

região na qual o desenvolvimento cognitivo ocorre; é dinâmica, está

constantemente mudando. A interação social que provoca a aprendizagem

deve ocorrer dentro da zona de desenvolvimento proximal, mas ao mesmo

tempo, tem um papel importante na determinação dos limites dessa zona. O

limite interior é, por definição, fixado pelo nível real de desenvolvimento do

aprendiz. O superior é determinado por processos instrucionais que podem

ocorrer no brincar, no ensino informal ou formal, no trabalho. (MOREIRA,

1999, p. 116).

Oliveira e Stoltz (2010) afirmam que o teatro age exatamente na ZDP, com o foco

de colaborar para a interação e cooperação no ambiente escolar, que pode resultar em uma

percepção da criança, no que diz respeito aos seus próprios pensamentos. Um processo

que gera no estudante uma noção acerca da alteridade, dando espaço para uma discussão

sobre empatia, consequentemente empatia histórica também. Portanto, é preciso entender

que no teatro, associado à educação Histórica, representar é se colocar no lugar do outro,

assumindo a sua perspectiva sociocultural.

Ao final deste encontro, os alunos expressaram palavras (Figura 4) que refletiram

o que sentiam naquele momento após os ensaios e discussões realizadas.

Figura 4. Palavras verbalizadas pelos estudantes (4o encontro).

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Os alunos começaram a perceber que em cada desafio há um aprendizado. Logo,

ao utilizar o teatro, como uma abordagem criativa na sala de aula, é necessário

compreender que “a capacidade criadora está no ser, mas é preciso ensiná-lo a liberá-la”

(ALMEIDA, 2017, p.34). Assim,

[...] o desejo, a motivação e a busca constante do conhecimento contrariaram

a estagnação. Realmente, foi uma guerra na qual quem venceu foi o que move

o ser humano para a vida, a constante busca para a transformação pessoal,

política, cultural e social. Teatro é vida. Acreditamos que, através dessa

parceria, seja possível o ser humano sentir-se mais humano. Enfim, é urgente

termos a coragem de experimentar outras metodologias para o ensino-

aprendizagem. (ALMEIDA, 2017, p. 34).

Através de jogos teatrais, Almeida (2017) aborda que é possível integrar o aluno

ao grupo, gerar cooperação e coletividade e colaborar para a sensibilização motora e

sensível dos estudantes. Enfim, “o jogo permite ao ser humano experimentar e vivenciar

novas situações. É possível também desenvolver nos jovens, e não só neles, a imaginação

e a criatividade que existem dentro de cada um de nós” (ALMEIDA, 2017, p. 28).

No quinto encontro, realizamos a leitura da peça com os alunos, apenas para o

reconhecimento do roteiro inicial, trabalhando exercícios (Quadro 5) de entonação e

expressão vocal.

Exercício Objetivos

Aquecimento corporal e vocal Melhorar a entonação da voz.

Corrigir a expressão corporal em cena.

Preparar para a apresentação teatral.

Quadro 5. Exercícios teatrais.

Fonte: Adaptado de Spolin (2001, p. 4 e 31).

Em princípio, fizemos a leitura do roteiro em uma roda, sentados, sem as

marcações da cena, posteriormente trabalhamos a leitura, buscando interpretá-la na

prática, enquanto os alunos faziam uma ocupação de espaço (Figura 5). Os alunos

vivenciaram pela primeira vez o roteiro da peça. A princípio, demonstravam nervosismo,

mas logo depois eles estavam entusiasmados.

Na articulação “História e Teatro podem ser desenvolvidas as emoções, as

vivências, a coletividade, a resiliência e a alteridade, sensibilizando os envolvidos em

uma aprendizagem significativa” (ALMEIDA, 2017, p. 86). De acordo com Machado

(2017, p. 48), “Teatro é movimento. É nesse movimento constante que o processo

alienante da sociedade deve ser desvelado ao público, podendo servir não só para expor

as técnicas de sua permanência, como também as suas intencionalidades”. Para Oliveira

e Stoltz (2010), expressar por meio de atividades criativas é uma necessidade presente em

todo indivíduo, pois “[...] no teatro, desvela-se a informação da voz do autor, do corpo,

do gesto, da ação e da emoção” (p. 87).

Os demais encontros com os alunos se resumiram aos ensaios para apresentação

da peça (Quadro 6) e eles colaboraram com algumas outras ideias para enriquecê-la.

Enredo da Peça “Um outro conto sobre a África”

● A peça foi construída ao longo de três atos. Sendo a primeira parte uma introdução da proposta

temática que representada ao longo da encenação, seguida de uma interpretação teatral de um

poema africano Havemos de Voltar, de Agostinho Neto.

● A segunda parte foi baseada em uma característica que promove um teatro musicalizado, ao

inserirmos algumas partes da música Racismo é Burrice, do compositor e músico Gabriel

Pensador. Na trama da peça revela o seu núcleo, que diz respeito a intenção de ir além dos

estereótipos que são ditos sobre o continente africano e a sua História.

● A última foi um monólogo, em que a personagem tratou do racismo estrutural e de como ele

está presente na sociedade brasileira.

Quadro 6. Enredo da Peça.

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Cada estudante se viu envolvido com alguma parte da apresentação: trilha sonora

africana, ensaios, ideias sobre figurino, cenário e outros aspectos que compuseram toda a

apresentação. Foram momentos importantes nos quais se viram parte de todo o

aprendizado que construímos em conjunto. Eles começaram a assumir uma perspectiva

criativa, associada ao ensino de História. Um momento no qual o lúdico voltava a ganhar

espaço novamente espaço nos seus processos de aprendizagens.

De acordo com Soares Júnior (2019), essa é a principal forma de estreitar o ensino

de História aos interesses dos alunos, pois ao falar de sensibilidade, nesse componente

curricular, é possível encontrar metodologias capazes de revelar o fazer sentido que há

no ensino dos conteúdos de História, e esta é uma forma para que o aluno veja o real

sentido do seu aprendizado. O autor explica que:

[...] Fazer ‘fazer sentido’ para o nosso aluno é encontrar num currículo, muitas

vezes engessado, formas de burla, táticas diferenciadas de debate, exposição

daquilo que se pensa. É perceber que, nós professores, competimos com uma

indústria cada vez mais potente de produção de imaginação. É usar esses

recursos a nosso favor. (SOARES JÚNIOR, 2019, p. 171).

Portanto, o fazer sentido é encontrar métodos que possam ir além do básico e do

tradicional. A criatividade é capaz de expandir perspectivas, muitas vezes limitadas a uma

História processual petrificada que não interage com as experiências de vida dos alunos.

Finalmente, no dia 20 de novembro de 2019 realizamos um último ensaio antes

da peça e logo depois, no período vespertino, já começamos os preparativos para a

exibição ao público, ou seja, para os outros alunos da escola A coordenação pedagógica

da escola, juntamente com os docentes da área de Humanas, foram as responsáveis por

montar o cenário, que teve como fundo um painel (Figura 5). O critério para seleção das

imagens foi fomentar a visibilidade dos grandes personagens históricos negros e figuras

de pessoas africanas.

Figura 5. Painel confeccionado pela equipe pedagógica da escola e que serviu na

composição do cenário da peça.

Fonte: Dados da Pesquisa (2019).

A comunidade escolar foi convidada para ir à quadra para que prestigiassem o

“Dia da Consciência Negra”. O evento foi organizado pela área de Humanas da escola,

juntamente com a coordenação pedagógica, no qual houve declamação de poemas,

apresentação de capoeiras e discursos de professores sobre o racismo e questões raciais e

étnicas na escola.

Na sequência, os alunos apresentaram a peça, que durou cerca de cinco minutos.

Os estudantes se mostraram seguros e falas que foram difíceis para decorar ao longo dos

ensaios foram expressas com fluidez. O posicionamento do corpo, os gestos as expressões

faciais estavam sintonizadas com o texto que saia pela sua voz.

Enfim, a proposta temática, abordada através da apresentação teatral fez despertar

o interesse dos alunos para problematizarem alguns estereótipos sobre a cultura africana,

pois,

[...] se continuarmos a reproduzir essas leituras distorcidas, é muito provável

que o imaginário de nossas futuras gerações sobre a África, não sofra

modificações significativas. Neste caso, o papel das escolas e dos manuais

escolares e de fundamental importância. Apesar de encontrarmos leituras e

interpretações equilibradas e positivas acerca dos africanos, na legislação

escolar, em experiências nas salas de aula e em alguns dos livros didáticos, a

tendência majoritária é a reproduzir as imagens dos africanos escravizados,

brutalizados ou massacrados pela fome e conflitos, marcadas sempre pela

ausência de uma crítica ou reflexão histórica mais pontual. Se não mudarmos

os textos explicativos acerca da História da África, tal quadro dificilmente

poderá ser redesenhado, e, nosso espelho africano, continuará em pedaços.

(OLIVA, 2007, p. 18).

Ramos Júnior (2017) também se preocupou em investigar formas didáticas para

compreender a complexidade da cultura africana, bem como questões como racismo e

preconceito. Ele sugere “a) aulas menos logocêntricas e cartesianas; b) o reordenamento

do espaço da sala; c) aulas a serem realizadas com os discentes e não para os discentes,

etc.” Nesse sentido, observamos como o teatro pode ser um instrumento didático que pode

contribuir para as aulas, a fim de que os alunos possam aprender a lidar com suas

emoções, sentimentos, criatividade, interatividade etc. Assim, ao unir, criatividade,

sonhos, sensibilidade, emoções ao aprendizado histórico dos alunos, a simples leitura de

um texto pode se transformar em uma cena cheia de vida e cores para que o aluno

enriqueça a sua memória, a represente e a compreenda os desafios da sua época.

Percebemos que agir de forma criativa, através dessa articulação Artes Cênicas e

História, não depende de um espaço específico ou de recursos tecnológicos, ela se faz a

partir de ideias, com simplicidade, pois “com tão pouco, a aula de História torna-se uma

oficina de saberes e experiências” (SOARES JÚNIOR, 2019, p. 182). Dessa forma, não

podemos mais ignorar que:

[...] É preciso chamar a atenção dos professores para o fato de que sensibilidade

e experiência andam juntas, como um acordo íntimo. Não se vive o que não se

sente, e vice-versa. Nossos alunos não viveram a História, mas precisam

refletir sobre a História, passar pela experiência do imaginar, do sentir para

construir sua própria História. É preciso fazer com que os alunos vivam a

experiência de se posicionar sobre o mundo, que sirva para construir

subjetividades treinadas para ver, sentir, pensar, imaginar, para formar sujeitos

comprometidos com a sua comunidade, com os problemas de seu bairro, que

aprenda a conviver com a alteridade, com as opiniões divergentes, com

sensibilidade. É preciso fazer a História “fazer sentido”. (SOARES JÚNIOR,

2019, p. 179).

Ao final do evento fizemos novamente uma roda com os alunos, para que

pudessem falar, pela última vez, a palavra (Figura 6) que para eles pudesse resumir todos

os encontros e o que aqueles momentos significaram para eles.

Considerações Finais

Essas palavras (Figura 6), mais uma vez, trouxeram-nos a certeza de que é

possível utilizar o teatro como uma abordagem didática no ensino de História.

Figura 6. Palavras verbalizadas pelos estudantes.

Fonte: Dados da pesquisa (2019).

Elas expressaram a ideia de que, através do aluno, podemos reconhecer a sua

autonomia no desenvolvimento de seu conhecimento e que, acima de tudo, essa prática

pedagógica pode ser capaz de restaurar o interesse dos alunos nas aulas de História, assim

como esclarecer o sentido desses conteúdos curriculares para os mesmos. Em outras

palavras “[...] uma aula de História que não toca, que não acontece, que não faz sentido,

não promove a experiência, não é imaginada, não é sensível” (SOARES JÚNIOR, 2019,

p. 179).

Um aluno justificou que sua palavra seria “Eu”, porque a partir de todos os

encontros realizados, somando o teatro e o ensino de História, aqueles momentos de

reinventar o ensino; trazer à tona o lúdico; colocar em prática a imaginação criativa, foram

os únicos momentos em que ele pôde ser ele mesmo, assim como ele disse: “A minha

palavra é: ‘Eu’, porque esses foram os únicos momentos, aqui na escola, que eu pude ser

eu mesmo e me sentir bem com isso”.

Foi possível identificar que os participantes desta pesquisa ficaram satisfeitos em

possuírem um espaço no qual podiam discutir assuntos que os tocavam diretamente. Falar

sobre o racismo, através do teatro, foi uma oportunidade de expressarem os significados

e as experiências que os mesmos já vivenciaram e ainda compartilharem suas angústias e

esperanças entre si.

De certo, as práticas pedagógicas planejadas e desenvolvidas foram capazes de

instaurar o interesse dos participantes pelo aprendizado; de romper com o medo do novo

para resgatar o lúdico, o trabalho com a coletividade e a empatia. Foi possível observar

que o teatro é um caminho para a construção da responsabilidade em compreender as

relações de sua sociedade atual por meio da ação de procurar compreender o passado.

Nesse sentido, foi possível perceber o quanto a atividade teatral no ensino de

História colaborou para os próprios professores repensarem as suas aulas. Em outras

palavras, por meio desta pesquisa concluímos que ensinar da cultura e da História Áfro-

brasileira pode ser feito também através da participação ativa dos alunos e, através do

teatro, é possível entrar em contato com suas dores e alegrias, sonhos e desejos de

construção de uma sociedade mais justa e sem preconceitos de classe e de raça.

Referências

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metodológicas. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal de Goiás,

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