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ENSINO DE ARTE: um componente curricular obrigatório na educação básica' WiUiam Reis" RESUMO Estudo sobre o ensino escolar de Arte, identificando alguns descompassos entre sua oferta e "cobrança de competências" no currículo básico, nos cursos de formação do professor e no Programa de Seleção Gradual/ UFMA. Reforça a importância do conhecimento sistematizado no ensino de Arte. Destaca as dificuldades encontradas pelos professores para realizar reformas mais profundas e elaborar um escopo com princípios definidos que justifiquem a inclusão da arte no currículo escolar, nas suas dimensões cognitivas e expressivas. Palavras-chave: Ensino de Arte; Currículo escolar; Formação do educador. ABSTRACT Study on how the subject "Arts" is taught at schools, identifyíng some discrepancies between what is being offered and what shoud be offered according to the "cobrança de competências" of the basic curriculum, in Teachers Training Courses, and in UFMA' s Program of Gradual Selection. The importance of the systematized knowledge in arts instruction is emphasized. The paper points out the difficulties encountered by teachers when wanting to carry out more profound reforms and elaborat a scope with defined principies which would justify inclusion ofarts in the school curriculum in its cognitive and expressive dimensions. Keywords: Teaching of Art; School curriculum; The educator's formation. 'Texto decorrente do projeto "Repassando os conteúdos básicos de arte no ensino médio da escola pública: uma atividade de extensão e de aperfeiçoamento pedagógico" (abr. 1999 a fev. 2002; Resolução n." 155/ 200O-CONSEPE). **Professor Adjunto, lotado no Centro de Ciências Humanas (CCH) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). 64 Cad. Pesq., São Luís, v. 14, n. 2, p. 64-83, jul./dez. 2003

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ENSINO DE ARTE: um componente curricular obrigatóriona educação básica'

WiUiam Reis"

RESUMO

Estudo sobre o ensino escolar de Arte, identificando alguns descompassosentre sua oferta e "cobrança de competências" no currículo básico, noscursos de formação do professor e no Programa de Seleção Gradual/UFMA. Reforça a importância do conhecimento sistematizado no ensinode Arte. Destaca as dificuldades encontradas pelos professores para realizarreformas mais profundas e elaborar um escopo com princípios definidosque justifiquem a inclusão da arte no currículo escolar, nas suas dimensõescognitivas e expressivas.

Palavras-chave: Ensino de Arte; Currículo escolar; Formação doeducador.

ABSTRACT

Study on how the subject "Arts" is taught at schools, identifyíng somediscrepancies between what is being offered and what shoud be offeredaccording to the "cobrança de competências" of the basic curriculum, inTeachers Training Courses, and in UFMA' s Program of Gradual Selection.The importance of the systematized knowledge in arts instruction isemphasized. The paper points out the difficulties encountered by teacherswhen wanting to carry out more profound reforms and elaborat a scopewith defined principies which would justify inclusion ofarts in the schoolcurriculum in its cognitive and expressive dimensions.

Keywords: Teaching of Art; School curriculum; The educator's formation.

'Texto decorrente do projeto "Repassando os conteúdos básicos de arte no ensino médio da escola pública:uma atividade de extensão e de aperfeiçoamento pedagógico" (abr. 1999 a fev. 2002; Resolução n." 155/200O-CONSEPE).**Professor Adjunto, lotado no Centro de Ciências Humanas (CCH) da Universidade Federal do Maranhão(UFMA).

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1 INTRODUÇÃO

o ensino de Arte (EA), em to-dos os níveis da educação básica(infantil, fundamental e médio),apresenta problemas de oferta, co-bertura e qualidade na maioria dasescolas públicas do Maranhão, e oCurso de Educação Artística-Licen-ciatura Plena (EDA), da Universi-dade Federal do Maranhão(UFMA), que forma os professorespara esse ensino, encontra-se defa-sado, necessitando de reformas ur-gentes.

Observando-se esse EA, oambiente físico e a dinâmica de fun-cionamento de muitas escolas,emerge a impressão de que muitosagentes educativos (professores,alunos e outros profissionais envol-vidos com o trabalho escolar) ain-da vivem em meados do século pas-sado, principalmente quando con-fessam que não sabem mesmo o quêensinar e para quê aprender arte naescola (FERRElRA, 2002).

O EA até pode aparecer no"desenho curricular" de uma esco-la de educação básica. Ele pode,também, estar ilustrando ligeira-mente algum "projeto pedagógico",raras vezes sistematizado ouexplicitado formalmente. Entretan-

to, qualquer cotidiano escolar ésempre perpassado por um "proje-to", mesmo que o professor não te-nha clara consciência disto. Assim,independentemente de sua vontade,esse "projeto" (oculto ou não) sem-pre informa que é orientado pordeterminado discurso e prática deensino, denunciando o nível decompetência técnica, de compro-misso político, tendências pedagó-gicas, concepções metodológicas,crenças, valores, normas de vida eideologias que entre cruzam a for-mação de qualquer educador.

Com base nessas considera-ções, buscou-se observar sob quaisformas o EA vem sendo (ou pare-cendo estar sendo) oferecido emtodos os níveis da educação básica,principalmente após a homologaçãoda nova Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional (LDB - LeiFederal n.? 9.394/96) e frente as re-comendações dos ParâmetrosCurriculares Nacionais (PCN). Pro-curou-se, também, identificar algu-mas defasagens do Curso de EDAe, conseqüentemente, seus desdo-bramentos na educação básica e noPrograma de Seleção Gradual(PSG) para ingresso nos cursos su-periores da UFMA.

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2 ENSINO ESCOLAR DE ARTE

Inicialmente, precisamos con-siderar algumas diferenças de ofer-ta e cobertura do EA entre escolaspúblicas e privadas.

Nas primeiras, os professoresformados (pelo Curso de EDA-Licen-ciatura Plena) são, geralmente, obri-gados, a preencher a sua carga horá-ria contratual em turnos diferentes oucom outras disciplinas, na mesmaescola ou em escolas separadas; acarga horária do EA (por série) é sem-pre insignificante e diluída naquelas"janelas" do horário semanal, poucopreferidas por professores e alunos;e o ato de ensinar muitas vezes é subs-tituído por "atividades escapatórias"e sujeitas ao acaso.'

Nessas circunstâncias, o EA écompreendido como o ato de ocu-par o aluno com atividades impro-visadas que, em nome da arte e daeducação, somente validam o postode trabalho e justificam o ganho sa-larial daquele professor, incluído eestabilizado no sistema de ensino.

Algumas escolas dispõe so-mente de um ou dois professores

formados para cobrir parte doensinofundamental (de 5.a à 8.a séries) etodo o ensino médio. Para dar con-ta do EA, estes se valem dos seus"dons particulares", ministrandosomente aquilo que dizem gostarmais, de sorte que, ao longo do se-riado escolar, é possível encontrarum aluno de 5.a série, outro da 8.a eoutro da l." série do ensino médioestudando o mesmo "assunto", con-teúdo. Para Fusari e Ferraz (1992,p. 39), as aulas "mostram-sedicotomizadas, superficiais,enfatizando ora um saber 'construir'artístico, ora um saber 'exprimir-se', mas necessitando deaprofundamentos teórico-metodológicos". Essas aulas, qua-se sempre, giram em torno de De-senho (Geométrico, do Natural,Espontâneo), Pintura, Teatro, oudecorrem de um certo "currículopessoal" para o EA, pensado poralguns professores a partir de tra-balhos manuais, ignorando-se oconhecimento sistematizado, comose este não fizesse falta ou nenhu-ma importância tivesse tanto parao professor quanto para o aluno.>

'Essas atividades podem ser explicadas a partir de uma idéia equivocada sobre "oficina", como um espaçode trabalho que dispensa ação planejada, conhecimento científico, metodologia e avaliação, enfim, cornoum "espaço fácil" e diferenciado na escola, porque "escapa" ..2Em alzuns diários de classe ainda aparecem registrados os seguintes conteúdos de EA: "gaiola de palito depicolé"; "sabonete decorado com fitilho colorido"; "capacho de tampinha de garrafa"; "máscara eimprovisação teatral"; "burnba meu boi de papel" etc.

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Esses aspectos mostram que oEA ainda pode ser visto como umatransfiguração ou transformaçãoradical da sua aparência, caráter eforma, quando conteúdos fragmen-tados (de Artes Visuais, Teatro,Dança ou Música), aleatoriamenteescolhidos nos sumários de livrosdidáticos, acabam definindo os pro-gramas da área de conhecimento, noensino fundamental, e da discipli-na, no ensino médio.

Para alguns professores, osproblemas no EA decorrem, prin-cipalmente, da existência e manu-tenção de três habilitações no Cur-so de EDA (Desenho, Artes Plásti-cas e Artes Cênicas).'

De fato, essas habilitaçõesfatiam e parcializam a formação dograduando, direcionando-o para umúnico segmento, saber, unidade, oulinguagem da arte. Essedirecionamento ignora a necessida-de de formação mais ampla do novoeducador para o desenvolvimentode uma prática pedagógica capaz deencaminhar metodologicamente aintegração dos quatro ou mais sa-beres que constituem o atual EA,em todos os níveis da educação bá-sica (os conhecimentos sobre asArtes Visuais, Teatro, Dança, Mú-

sica etc.). Essa integração, comoprática pedagógica e didática, deveevitar a fragmentação, atomização,diluição ou a excessiva"disciplinarização" desses saberese estimular a ação dialógica e aaproximação do EA com os váriosoutros campos de conhecimento,através do estudo e da pesquisa(BRASIL, PCN: ensino médio,1999a, p. 88-89).

Nas "Referências para a for-mação de professores" (BRASIL,1999b, p. 61) uma licenciatura está,de fato, vinculada à educação bási-ca quando a formação do educadorincorpora conhecimentos e práticastecnocientíficas, atributos de qua-lificação para a inserção e interven-ção do homem nesse mundo com-petitivo. A competência do educa-dor, e conseqüentemente a do seualuno, será a

[...] capacidade de mobilizar múl-tiplos recursos, entre os quais osconhecimentos teóricos e experiên-cias da vida profissional e pessoal,para responder às diferentes de-mandas das situações de vida e tra-balho. Apoia-se, portanto, no do-mínio de saberes, mas não apenasde saberes teóricos, e refere-se àatuação em situações complexas.

3Depoimentos dos professores das escolas da rede estadual, registrados no relatório final do projeto jámencionado na primeira página deste texto.

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Para o "Plano Nacional de Gra-duação", elaborado pelo "Fórum dePró-Reitores de Graduação das Uni-versidades Brasileiras" (1999, p.13),a formação parcial de qualquer pro-fissional só limita as suas possibili-dades de atuação nesse mercado.Além do plano cognitivo-instrumen-tal, a formação universitária devecontemplar, ainda, as vertentes prá-tico-moral e estético-expressiva, ne-cessárias para o sujeito transitar commaior desenvoltura nessa sociedadecomplexa. Por isso,

[...] a graduação não deve restrin-gir-se à perspectiva de umaprofissionalização estrita, especi-alizada. Há que propiciar a 'aqui-sição de competências de longoprazo', o domínio de métodos ana-líticos, de múltiplos códigos e lin-guagens, enfim, uma qualificaçãointelectual de natureza suficiente-mente ampla e abstrata para cons-truir, por sua vez, base sólida paraa aquisição continua e eficiente deconhecimentos específicos.

Portanto, as conseqüências naeducação básica de uma formaçãoparcial do educador, em princípio,denunciam os cursos de formaçãodesse educador. Para Fusari e Ferraz(1992, p. 39),

[...] os cursos de Educação Artísti-ca vêm polarizando-se em ativida-des artísticas mais direcionadas

para os aspectos técnicos, constru-tivos, uso de materiais, ou em umfazer espontaneístico, sem maiorescompromissos com o conhecimen-to de arte.

Essas habilitações ainda exis-tentes, que já nasceram defasadas(Artes Plásticas e Desenho, em1981; e Artes Cênicas em 1992),nunca tiveram nenhuma relaçãocom o ensino oficial, nem naquelaépoca em que a "Educação Artísti-ca" foi considerada somente "ativi-dade educativa" pela LDB 5.692/71, e nem agora, a partir de 1996,quando o EA adquiriu o caráter deconhecimento, o que as outras áre-as ou disciplinas sempre tiveram.

Os equívocos a respeito des-sas habilitações aparecem no dis-curso dos egressos do Curso deEDA quando eles se dizem "espe-cialistas" (em um só saber do EA)só porque concluíram essa gradua-ção em uma dessas habilitações.Alguns graduandos, pordesinformação, chegam a compararum habilitado (em Artes Plásticas,ou Artes Cênicas, ou Desenho) comum especialista em medicina, es-quecendo-se, por exemplo, que a"residência médica" é um curso depós-graduação lato senso, portanto,algo além de um bacharelado comestágio curricular obrigatório. Ou-tros procuram justificar suas habi-

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litações com base na estruturacurricular do Curso de Letras, nãoatentando para o fato de que, noensino fundamental, o ensino deLíngua Estrangeira é uma área deconhecimento distinta da área deconhecimento Língua Portuguesa e,no ensino médio, são duas discipli-nas de uma só área (Linguagens,Códigos e suas Tecnologias).

As conseqüências desses equí-vocos estão visíveis nas "práticas"do EA, nos diversos níveis da edu-cação básica, e no olhar de descon-fiança de quase todos os outrosagentes educativos com a sua qua-lidade e com a competência do seuprofessor.'

Sem dúvida, a frágil e parci-al formação acadêmica desse futu-ro professor é geradora do desinte-resse pelo conhecimento mais pro-fundo sobre a arte, o que reduz aprática pedagógica a episódios des-conexos que cobram do aluno, ape-nas, o ato de cortar, colar, pintar,desenhar ou imitar tipos humanos,animais etc. Esses meios, transfor-mados em fins do EA, acabamredefinindo a prática pedagógicacomo um conjunto de meras ativi-dades para ocupar o aluno, gastar o

horário da aula ou "enfeitar" o co-tidiano escolar com breves evoca-ções aos fatos do calendário cívi-co. Nos PCN (BRASIL, 1997b, p.32), a freqüência desses procedi-mentos é, assim, caracterizada:

[...] uma espécie de círculo viciosono qual um sistema extremamenteprecário de formação do professorreforça o espaço pouco definido daárea com relação às outras discipli-nas do currículo escolar. Sem umaconsciência clara de suas funçõese sem uma fundamentação consis-tente de arte como área de conhe-cimento com conteúdos específi-cos, os professores não conseguemformular um quadro de referênciasconceituais e metodológicas paraalicerçar sua ação pedagógica [...].

Em síntese, diferentes visõespreconcebidas (sobre como seaprende ou como se ensina arte)reduzem a prática pedagógica aoativismo cego das atividades extra-escolares (visitas improvisadas amuseus e passeios bucólicos), das"performances", sempre improvisa-das sobre tudo e em qualquer lugar,e do arremedo de peças teatrais, fei-ras e exposições, ou à produção decartazes decorativos, com "frases deefeito" so bre arte, cultura,

"Esses e outros equívocos estão sistematizados nos seguintes trabalhos, informados nas referências:MOREIRA, 1997; LEAL FILHO, 1998; PACHECO, 1998; REIS, 1998; SILVA, 2000; DUARTE, 2000;SILVA, 2001; CARVALHO, 2003; LOPES, 2003.

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negritude, religiosidade, bondade,família, casamento, amor, namoro,sexo, amizade etc., mas que passamao largo do cotidiano de vida. Nes-se momento, o EA é valorizado,entretanto, como atividade gerado-ra de sensações de amenidade,quando "enfeita" as paredes da es-cola, todos os anos, com mesmostemas festivos e hipertrofiados porsua repetição e isolamentocontextual.

A crítica anterior não ignora aspossibilidades pedagógicas que po-dem ser extraídas desses meios uti-lizados no EA. Ela, apenas, denun-cia a perda de sentido de validadede todos eles para o aluno, quandosão transformados em meras ativi-dades isoladas e inconsistentes, por-que carentes de base teórica e deorientação metodológica, portanto,com poucas possibilidades de tro-ca, de transferência, tanto dentroquanto fora da escola. O desinteres-se pelos PCN, por exemplo, decor-re da ausência de vontade dos pro-fessores para ajustar sua ação pe-dagógica em uma outra direção.Afinal, a estruturação de um curso(ou a programação de uma área deconhecimento) é fundamental paraum ensino de qualidade e tem opapel estratégico de dar coerênciaao cotidiano de todos os agenteseducativos envolvidos no processo

de trabalho escolar.Essa "polivalência de ativida-

des" é criticada, atualmente, pelosPCN (BRASIL, 1998b, p. 26-7).Ela foi muito praticada nas décadasde 70 e 80, após a homologação daLDB, n." 5.692/71, quando a Edu-cação Artística foi incluída no cur-rículo escolar como uma "ativida-de educati va" que tratava de manei-ra indefinida ou ignorava o conhe-cimento sobre arte. Os professoresda época se valiam dessaindefinição para fazer valer algunsconteúdos de sua preferência, de-terminados pela natureza de suaformação. Ela continua sendo bas-tante utilizada naqueles cursos delicenciatura em Educação Artísticaque transformam o processo de for-mação do educador em permanen-te "oficina integrada" de repetiçãomecânica de técnicas para represen-tar algo, através do teatro, da pintu-ra, da escultura, do desenho, da dan-ça etc.

Hoje, entende-se e justifica-seaquela "polivalência", das décadasde 70 e 80, porque naquela épocanão existiam "professores forma-dos" para aproximar os saberes daarte, através da Educação Artística.Os professores daquela época eramgraduados (ou não), ou trabalhavamem saberes isolados da arte, nãopossuindo fundamentação científi-

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co-pedagógica para encaminharmetodologicamente o processo en-sino-aprendizagem das "atividadeseducativas" com arte, em sala deaula. Enfim, não existiam ou aindaestavam sendo criadas as licencia-turas que formariam aqueles profis-sionais que iriam atuar, mais tarde,de fato e de direito, no magistériocom a Educação Artística, hoje,ensino de Arte. O Curso de EDA,por exemplo, só foi criado naUFMA em 1981, 10 anos após a Lei5.692/71, assim mesmo com atransformação do antigo Curso deLicenciatura em Desenho e ArtesPlásticas nas habilitações em De-senho e Artes Plásticas, ainda exis-tentes.

Diante do exposto, o EA real-mente padece dessa falta de plane-jamento em todos os níveis da edu-cação básica. Os professores da redepública, ao mesmo tempo em quelamentam pela pouca atenção pe-dagógica recebida dos diretores,denunciam que só são lembradospor estes para executar "atividadescena gráficas" e animação dos visi-tantes nos dias festivos. Os "mate-riais" produzidos nesses eventostêm tão pouco valor agregado (uti-

litário, criativo, inovador, de troca)que, no dia seguinte, reaparecem nolixo escolar, denunciando amesmice de todos os anos.s A pou-ca atenção até mesmo com essa"produção artística" escolar, que aoinvés de ser meio facilitador do pro-cesso ensino-aprendizagem, repre-senta o próprio fim do EA, está re-gistrada em recente monografia as-SIm:

[...] um fato constrangedor que nãopoderíamos deixar de registrar estárelacionado com o estudo das co-res nas placas de sinalização dotrânsito, quando 24 horas após otérmino desse estudo, feito de for-ma dinâmica, criativa e com muitaresponsabilidade, os trabalhos dosalunos estavam literalmente nolixo, causando grande revolta en-tre eles (LEAL FILHO et aI., 1998,p. 165).

Nas escolas privadas o EA nãoé muito diferente, embora apresen-te outros contornos.

Quando a LDB fala em ensinoregular, não está se referindo uni-camente àquelas atividadesextracurriculares, oferecidas poralgumas escolas particulares emturnos extraordinários e, normal-mente, pagas por fora das mensali-

5Esses dirigentes são nomeados ou demitidos diretamente pelos govemantes, segundo o jogo de influênciasde cada grupo político no poder estatal, porque, no Maranhão, a discussão acerca da redemocratização dagestão escolar ainda não avançou em outra direção, nem mesmo com a criação dos conselhos escolares.

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dades escolares. Também não seopõe às "escolinhas", outros servi-ços paralelos prestados à populaçãoestudantil. Contudo, a escola nãopode confundir atividadesextracurriculares (de natação, fute-bol, pintura, dança, teatro, música,coral, computação, culinária, outrasprendas domésticas, trabalhos ma-nuais etc.) com o ensino regular,curricular, obrigatório e oficial, di-reito de todo cidadão e dever doestado oferecer, regular e fiscalizar.

Essa outra transfiguração nanatureza do EAjá vem invadindo aescola pública e sobrecarregando osprofessores do quadro oficial como modismo das oficinas. Essa outra"prática" tem contribuído bastantepara esvaziar de sentido o ensinoregular escolar, muitas vezes tido,pelos alunos, como desinteressanteem relação às "escolinhas" e ofici-nas esporádicas para todos os gos-tos. Em algumas escolas o profes-sor de ensino de Arte é até desloca-do da sala de aula para realizar "ofi-cinas de arte-terapia" com pais ealunos considerados "problemáti-cos".

Para os professores poucocomprometidos com a educaçãobásica, esse ensino deveria ser as-sim mesmo porque "essa forma deensinar arte já é bastante utilizada

pelas escolas particulares". Emverdade, por conta dessasdistorções, as escolas particularesacabaram descobrindo novos cami-nhos para driblar a lei e minimizargastos salariais e encargos sociais,principalmente após o advento doPrograma de Seleção Gradual(PSG), na UFMA.

De fato, algumas escolas par-ticulares direcionam o alunado erestringem o EA a uma única uni-dade do seu programa, quase sem-pre Artes Plásticas, oferecida comodisciplina somente nas 1.3 e 2.3 sé-ries do ensino médio. Mesmo as-sim, essa oferta parcial da discipli-na é decorrente das pressões daque-les pais mais preocupados com apontuação de seus filhos nesse PSG.Além disso, os professores de EAsó são contratados com salário hora!aula, se aceitarem ainda executar astarefas referentes aos eventos festi-vos, oficinas paralelas, feiras e ou-tras atividades decorativas exigidaspelos dirigentes pedagógicos ouproprietários. Existem escolas queainda não incluíram o EA em ne-nhum dos níveis de ensino; outras,só oferecem um conteúdo, ou sa-ber constitutivo do EA, no ensinomédio (como sendo toda a discipli-na); poucas oferecem o EA em to-dos os níveis da educação básica,

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"mas o professor mal consegue ter-minar Artes Plásticas", em decor-rência da carga horária ser muitopequena (uma hora semanal).

O ensino oficial (estatal ou pri-vado) deve socializar o conheci-mento universal acumulado nessaárea de conhecimento. A LDB tor-nou esse ensino obrigatório e o seuartigo 26, § 2.°, diz que "o ensinode arte constituirá componentecurricular obrigatório, nos diversosníveis da educação básica, de for-ma a promover o desenvolvimentocultural dos alunos."

Nesses termos, o EA deve seroferecido ao longo do currículo es-colar, com níveis e graus de com-plexidade que variam da educaçãoinfantil ao ensino médio. Suas uni-dades constitutivas devem ser or-ganizadas pelo corpo de professo-res, variando-se, segundo os PCN(1997b, p. 57), "[ ...] as formas ar-tísticas propostas ao longo da esco-laridade, quando serão trabalhadasArtes Visuais, Dança, Música, ouTeatro [...]". Essa tarefa exige queo professor conheça, pelo menos,os quatro saberes constitutivos doEA, especialmente aquele professorque irá trabalhar com a educação

infantil. Portanto, a escola deve ofe-recer para o aluno todo o EA (su-gerido pelos PCN) que o PSG de-veria cobrar, dele, nas três etapasdesse concurso público quecorrespondem às três séries do en-sino médio.

3 ENSINO DE ARTE E O PSG

A forma como os estudantesdo ensino médio se "inscrevem emarte", no PSG, é profundamente in-correta e discriminadora. Até ago-ra (2004), o PSG vem avaliando oconhecimento em EA somente dosestudantes das duas séries iniciaisdo ensino médio. Mesmo assim,esses estudantes só se inscrevem emsomente uma das unidades do "pro-grama de arte" do PSG, ou seja, emsomente um dos saberes dos pro-gramas de EA, correspondentes asl." e à 2.a séries do ensino médio.é

O PSG parcializa a avaliaçãodo conhecimento do EA, tomandopor base as "habilitações separadas"e defasadas do Curso de EDA,como se estas tivessem sido, algumdia, três "disciplinas separadas" noensino médio (Artes Plásticas, Ar-tes Cênicas e Música). A contradi-

6A arte, no ensino fundamental, é tratada como uma área de conhecimento no conjunto das demais áreas. oensino médio, a arte é tratada como uma disciplina, ensino de Arte, da área de conhecimento denominada"Linguagens, Códigos e suas Tecnologias",

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ção maior é que Dança e Músicanunca foram habilitações nem noCurso de EDA, e Desenho, que ain-da é oferecido como habilitação,nem é modalidade artística na letrada lei, porque ele é conteúdo bási-co' importante e indispensável emqualquer área de conhecimento.

Cabe ressaltar que o PSG nãotem obrigação de vínculo com oCurso de EDA, mas com os conhe-cimentos do EA que devem ser so-cializados nas três séries do ensinomédio. O problema é que o "progra-ma de arte", do PSG, continua sen-do elaborado no Departamento deArtes (do Curso de EDA) por "gru-pos isolados", e cada um destes fazaquela parte do programa que dizcorresponder à sua habilitação, ou àsua "preferência artística". Assim, otipo de avaliação do conhecimentoem arte, praticado pelo PSG, alémde estimular distorções na oferta ecobertura do EA, estimula, também,o descomprornisso das escolas paracom a LDB e os PCN. O mais estra-nho em matéria de gestão da coisapública é que, no período 1998-2000, a Coordenação do Curso deEDA "esqueceu" de constituir legal-mente todo o seu Egrégio Colegiado,

conforme consta na Ata da Assem-bléia Departamental de 05 de junhode 2000. Nesse período, sem o co-nhecimento da maioria dos profes-sores do Departamento de Artes/UFMA, referida Coordenação "im-plantou" o "programa de arte", noPSG, de forma equivocada e "dife-rente" dos demais programas desseconcurso público."

O descompasso entre a ofer-ta do EA (na educação básica) e a"cobrança apartada" do conheci-mento em arte, no PSG, é decorren-te de uma compreensão ainda equi-vocada sobre esse conhecimentohumano e sobre a legislação oficial.Por exemplo, a formação do educa-dor e a prática pedagógica na edu-cação básica não podemdesconsiderar a importância daintegração dos saberesconstitutivos do EA no desenvolvi-mento da formação geral e da "com-petência estética e artística" de cri-anças e jovens, o que é totalmentediferente de querer, a priori,transformá-Ias em artesãos, canto-res, pintores, atores, dançarinos,sonoplastas, cenógrafos, mímicos,carnavalescos, aderecistas, dese-nhistas etc.

1Nesse mesmo período a disciplina Prática de Ensino também começou a sofrer "mutações" sem autorizaçãodo Conselho Universitário (CONSUN) e a Coordenação do Curso de EOA ainda "criou" a Coordenação deMonografia e o primeiro "cargo" de Coordenador de Monografia, na UFMA, algo que nem o Reitor poderiafazer sem autorização do MEC.

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Escamotear o conhecimentomais amplo sobre arte é o mesmo quelimitar a formação estética do estu-dante. Além do mais, diante das no-vas exigências decorrentes dos avan-ços tecnológicos, das mudanças noperfil do trabalhador e dos postos detrabalho, e das dificuldades atuais degestão da coisa pública, é indispen-sável que oprofissional do magistériotenhamúltiplascompetências incorpo-radas na sua força de trabalho, nãosomente para competir ou construirautonomamente seu espaço de sub-sistência, mas para favorecer que seusalunos também desenvolvam e incor-porem (no seu processo deescolarização) capacidades que favo-reçam sua cidadania, o prosseguimen-to dos seus estudos e suacompetitividade no mercado de tra-balho.

Com esses referenciais criti-cam-se todos aqueles que ainda de-fendem "habilitações" em cursos degraduação ou "licenciaturas separa-das" para o EA. Segundo a Resolu-ção CNE/CP n." 1, de 18 de feve-reiro de 2002, a natureza de umalicenciatura deve estar voltada paraa formação de professores que atu-arão em todos os níveis da educa-ção básica (infantil, fundamental e

médio) e o seuArt. 15, diz que "oscursos de formação do educadorpara a educação básica que se en-contram em funcionamento deve-rão se adaptar a esta Resolução noprazo de dois anos", ou seja, até04.03.2004, o que significa refor-ma curricular profunda em todas aslicenciaturas existentes no país.s Porsua vez, diz o Decreto n.°3.276/99,Art. 4.°, § 2.°:

Qualquer que seja a vinculaçãoinstitucional, os cursos de forma-ção de professores para a educaçãobásica deverão assegurar estreitaarticulação com os sistemas de en-sino, essencial para a associaçãoteoria-prática no processo de for-mação.

A expressão "estreita articula-ção" já elimina a pretensão de vári-as "licenciaturas separadas" paraatender só o EA, porque este, noensino fundamental, é somenteuma área de conhecimento como asdemais e, no ensino médio, é ape-nas uma disciplina (da área Lingua-gens, Códigos e suas Tecnologias).

Defender um EA fragmentadona educação básica e uma forma-ção parcial do seu educador é, nomínimo, falta de visão da dinâmicada atualidade; é pretender que edu-

8Ver também: BRASIL, Resolução CNE/CP N.· I, de 30 de setembro de1999; e FÓRUM NACIONAL DEPRÓ-REITORES DE GRADUAÇÃO. ForGRAD, 1999, p. 13-22.

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cadores e estudantes só tenhamacesso à ~ (um quarto) do conheci-mento do EA; é condenar esses agen-tes educativos à exclusão no merca-do de trabalho, diminuindo suacompetitividade e fragilizando seu co-nhecimento nessa área da atividadehumana voltada para o exercício domagistério.

Na nova LDB, o EA (dentrodo contexto ensino-aprendizagem)tem conteúdos próprios e os seusquatro saberes constitutivos podemser organizados em unidadesprogramáticas (PCN, 1998a, p. 58).O PSG não pratica com as outrasdisciplinas o mesmo tipo de avalia-ção que pratica com o EA. Contu-do, esse equívoco não nasceu como instituto do PSG, na UFMA, ca-bendo, antes, ao Curso de EDA cor-rigi-lo. O fato de um curso de for-mação do educador (licenciatura)ainda não ter produzido quadroscompetentes para as novas respon-sabilidades exigidas pela LDB, epostas pelos PCN, não justifica aestimulação e manutenção dedistorções na cobertura e oferta doEA, na educação básica.

4 DEScOMPASSOS NOCURSO DE EDA

O encaminhamento dos pro-blemas a partir de uma ótica con-

servadora de pequenos grupos tal-vez explique os equívocos pratica-dos no EA e a "cobrança apartada"dos seus conteúdos, no PSG. To-dos os processos seletivos para pre-enchimento dos postos de trabalho,no magistério, cobram a competên-cia mais ampla dos candidatos nassuas diferentes áreas de conheci-mento' e não sua "formação parci-al" em determinadas unidades des-tas áreas. Portanto, não podemosconfundir ocupação de postos nomagistério da educação básica, comoutras ocupações autônomas (ou deamadores) fora do âmbito escolar.

No Maranhão, o Curso deEDA é o único espaço de "forma-ção superior" para onde se dirigemtodos os interessados por qualquerforma de expressão em arte. Ao lon-go da vida acadêmica, essa licen-ciatura vai frustrando as expectativas,específicas e particulares, daquelesuniversitários desinteressados peloEA. Mesmo assim, estes continu-am mantendo uma compreensãodestorcida de que essa licenciatura"forma artista" e serve como"gambiarra" para outros cursos demaior concorrência no vestibular.Essa visão enviesada liquida a natu-reza dessa licenciatura, empobre-ce a formação do educador,desqualifica o EA na educação bá-sica, reduz a competência técnica

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no fazer artesanal e transforma ocompromisso político em ativismode ocasião, de evento (OSINSKI,2001, p. 101-103).

Essas ocorrências informamque a estrutura curricular do Cursode EDA não corresponde às novasexigências da educação básica por-que excluiu conteúdos importantesna formação do educador, comoLíngua Portuguesa, MetodologiaCientífica e Métodos e Técnicas emPesquisa Bibliográfica etc., a partirde uma idéia conservadora e equi-vocada de que "quem precisa escre-ver bem e falar muito é aluno defilosofia". Essas exclusões, pratica-das nos últimos 10 anos,desconsideraram o fato do gradu-ando ter que produzir e defender umtrabalho mono gráfico para podercolar grau e receber seu diploma denível superior. Em 1993, a Resolu-ção n.? 10/93-CONSUN extinguiuo 1.° Ciclo Geral de Estudos Bási-cos na UFMA, deixando a critériodos Colegiados de Cursos a deci-são sobre a permanência ou nãodessas disciplinas. O Colegiado doCurso de EDA decidiu pelaextinção dessas disciplinas, con-

fundindo ensino de Arte com "pro-dução artística" e licenciatura combacharelado. Um ano depois, em1994, essa redução na formaçãoprofissional do futuro educadorpara o ensino de Arte (no conheci-mento, na competência e na capa-cidade de trabalho) tomou forma naResolução n." 09/94-CONSUN.

Os graduandos que buscamuma formação de educador já sa-bem que, na educação básica, seráexigido deles, pelo menos, algumdomínio nos quatro saberes ou con-teúdos constitutivos do EA, além deoutras competências requeridas epróprias do trabalho pedagógico.Entretanto, como ainda não existembacharelados para ocupações autô-nomas com arte, os graduandos de-sinteressados pelo magistério sedizem "forçados" a cursar a licen-ciatura em EDA.9 Entre estes, es-tão incluídos aqueles universitári-os para os quais interessa apenas aobtenção de um título de nível su-perior, através dos cursos conside-rados "menos nobres", ou de maisfácil ingresso.

Além disso, também é frágil onível de identificação dos "forma-

9No período de 89 a 97, dos 96 alunos retidos, 18,75% encontravam-se matriculados; 14,58% foram graduadosapós o tempo máximo de integralização curricular; e 66,67% abandonaram o curso. "Este curso apresenta omaior percentual de abandono dos cursos pesquisados, merecendo ações específicas que minimizem estasituação, que corrijam distorções" (UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO, 1999, p. 23).

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dores" com a natureza de um cursode formação de educadores. Essadificuldade, sem dúvida, decorre dofato da licenciatura em EDA ter emseus quadros "formadores" maisvoltados para outras ocupações quesolicitam mais o "trabalho práticocom arte". É esse "fazer artístico"que acaba dando o tom às discipli-nas que eles ministram (REIS,2003, p. 192).

Todos esses fatores vêm geran-do descompassos no processo deformação e frustrações em todos osagentes educativos, especialmentenaqueles que desejam ser ou já sãoeducadores. Os agentes que respei-tam os seus contratos de trabalhocumprem apenas o que for legal-mente exigido, frente ao falso silên-cio do graduando que pouco ounada exige da vida acadêmica.

5 CONCLUSÃO

Atualmente, entende-se que oEA tem conteúdos próprios comotodas as outras disciplinas ou áreasde conhecimento, e que as ativida-des práticas, ao longo do processoensino-aprendizagem, nada maissão do que recursos metodológicose facilitadores da absorção dos co-nhecimentos socializados (BRA-SIL, 1997b, p. 51). Essa nova cir-cunstância começa a criar inquie-

tações, desafiando a competênciado novo educador para o EA e ques-tionando o seu processo de forma-ção nos cursos de licenciatura queainda não se atualizaram.

Por um lado, observamos queos "formadores" dos professores deEA ainda têm uma certa dificulda-de para "sair na frente" e pensarcoletivamente a defasagem dos cur-sos de formação, o que vem poster-gando a discussão acerca dessamatéria. Por outro lado, fica paten-te certa incapacidade para a elabo-ração de uma nova proposta políti-co-pedagógica para a formação deum novo educador para o EA. So-bre essa dificuldade, Barrett (1979,p. 16-20) diz que:

[...] a educação em arte tem sido malservida pelas instituições e pela in-capacidade dos professores parajustificar, clarificar e defender, j un-to aos alunos, outros docentes e àsociedade, a importante função queela desempenha em um currículoequilibrado que enfatiza cada diamais uma educação cognitiva e ex-pressiva.

Essa incapacidade talvez de-corra de uma concepção que nãoenxerga a arte nem como relaçõescondicionadas historicamente por

. inúmeras determinaçõessocioeconômicas, nem como umaforma particular "dos homens en-

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trarem em relação com o universoe consigo mesmos" (BOSI, 1995,p. 7-8). Contudo, são essas relaçõesque interferem em todos os domí-nios da vida, nas operações e ativi-dades com arte e nos receptores deseus produtos.

O EA, como conhecimentoque complementa a formação artís-tica, integra as dimensões do "fa-zer", do "conhecer" e do "expri-mir'" que ocorrem simultaneamen-te no processo educativo. Dentrodessas circunstâncias é que o estu-dante pode "dizer algo de certamaneira" e se colocar como sujeitoativo frente ao mundo, ao outro e asi próprio. Essas dimensões, presen-tes em todas as áreas de conheci-mento ou disciplinas, já deveriamter sido incorporadas pela práticapedagógica no EA, entretanto, essaprática ainda padece da falta de umnovo consenso acerca da necessi-dade de diretrizes mais claras, cons-cientes e científicas que a norteiem.

A busca de um novo sentidopara a prática pedagógica no EAnão depende apenas dos PCN e daLDB, mas de uma mesma freqüên-

cia de compreensão dos agenteseducativos sobre essa prática. Segun-do os PCN (1997a, p. 45),

a prática escolar distingue-se deoutras práticas educativas, como asque acontecem na familia, no traba-lho, na mídia, no lazer e nas demaisformas de convívio social, por cons-tituir-se urna ação intencional, sis-temática, planejada e continua-da para crianças e jovens duranteum período contínuo e extenso detempo.

Na LDB e nos PCN o statusepistemológico do EA já foi recu-perado, cabendo aos educadoresbuscarem, na prática, o respeito quedevem merecer junto aos estudan-tes, dirigentes e aos outros agenteseducativos. Na perspectiva de recu-peração do conhecimento é que osPCN (1998a, p. 45) procuramenfatizar "[ ...] a necessidade de umensino de qualidade capaz de for-mar cidadãos que interfiram criti-camente na realidade paratransformá-Ia e não apenas para seinserirem ao mercado de trabalho".

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