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ESCRITA E ENSINO

Ensino e Escrita

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Annie Rose dos SantosLilian Cristina Buzato RitterRenilson José Menegassi(Organizadores)

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Page 1: Ensino e Escrita

Escrita E Ensino

Page 2: Ensino e Escrita

Maringá2010

Editora da UnivErsidadE EstadUal dE Maringá

Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini

consElho Editorial

Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza EditoresCientíficos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Prof. Dr. João Fábio Bertonha Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Raymundo de Lima Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis

EqUipE técnica

ProjetoGráficoeDesign Marcos Kazuyoshi Sassaka Fluxo Editorial Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanamati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Edilson Damasio ArtesGráficas Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing Marcos Cipriano da Silva Comercialização Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima

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Maringá2010 42

Annie Rose dos SantosLilian Cristina Buzato Ritter

Renilson José Menegassi(Organizadores)

Escrita e Ensino

Formação dE ProFEssorEs - Ead

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coleção Formação de professores - Ead

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese

Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331

Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos

Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio

Júnior Bianchi

Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Copyright © 2010 para o autor

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo

mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos

reservados desta edição 2010 para Eduem.

Escrita e ensino / Annie Rose dos Santos, Lílian Cristina Buzato Ritter, Renilson José Menegassi, 2. ed. -- Maringá : Eduem, 2010. 112 p. ; 21 cm. (Formação de Professores - EAD; v. 42).

ISBN 978-85-7628-284-6

1. Escrita – Estudo e ensino. 2. Leitura e escrita – Estudo e ensino. 3. Escrita – Produção de textos. 4. Lingüística. I. Menegassi, Renilson José, org. II. Santos, Annie Rose dos, org. III. Ritter, Lílian Cristina Buzato, org.

CDD 21. ed. 372.4

E74

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá

Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário

87020-900 - Maringá - Paraná

Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392

http://www.eduem.uem.br / [email protected]

Page 5: Ensino e Escrita

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Sobre os autores

Apresentação da coleção

Apresentação do livro

capítulo iConcepções de escrita

Renilson José Menegassi

capítulo 2Os gêneros como instrumentos para

o ensino e aprendizagem da leitura e da escritaCláudia Lopes N. Saito / Elvira Lopes Nascimento

capítulo 3A produção de textos nos anos iniciais

Cláudia Valéria Doná Hila

capítulo 4Análise linguística no ensino fundamental

Lilian Cristina Buzato Ritter

> 5

> 7

> 9

> 11

> 25

> 59

> 87

umárioS

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5

CLÁUDIA LOPES NASCIMENTO SAITO

Graduada em Letras Vernáculas pela Universidade Estadual de Londrina

(UEL). Mestre em Estudos da Linguagem (UEL). Doutora em Linguística e

Filologia de Língua Portuguesa (Unesp).

CLÁUDIA VALÉRIA DONÁ HILA

Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em

Letras (UEM). Mestre em Lingüística Aplicada (UEM). Doutoranda em

Estudos da Linguagem pela UEL.

ELVIRA LOPES NASCIMENTO

Professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Graduada em

Letras Anglo Portuguesas (UEL). Mestre em Filologia e Língua Portuguesa

(USP). Doutora em Filologia e Língua Portuguesa (USP).

LÍLIAN CRISTINA BUZATO RITTER

Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em

Letras (UEM). Mestre em Linguística Aplicada (UEM). Doutoranda em

Estudos da Linguagem pela UEL.

RENILSON JOSE MENEGASSI

Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado em

Letras (UEM). Mestre em Linguistica (UFSC). Doutor em Letras (Unesp).

obre os autoresS

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Page 9: Ensino e Escrita

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A coleção Formação de Professores – EAD teve sua primeira edição em 2004,

comapublicaçãode33 títulosfinanciadospelaSecretariadeEducaçãoaDistância

(SEED)doMinistériodaEducação(MEC)paraqueoslivrospudessemserutilizados

comomaterialdidáticonoscursosdelicenciaturaofertadosnoâmbitodoPrograma

deFormaçãodeProfessores(Pró-Licenciatura1).Atiragemdaprimeiraediçãofoide

2500exemplares.

Apartirde2008demosinícioaoprocessodeorganizaçãoepublicaçãodasegunda

ediçãodacoleção,comoacréscimode12novostítulos.Aconclusãodostrabalhos

deveráocorrersomentenoanode2012, tendoemvistaqueofinanciamentopara

estaediçãoseráliberadogradativamente,deacordocomocronogramaestabelecido

pelaDiretoriadeEducaçãoaDistância(DED)daCoordenaçãodeAperfeiçoamentode

PessoaldoEnsinoSuperior(CAPES)queéresponsávelpelodoprogramadenominado

UniversidadeAbertadoBrasil(UAB).

Aprincipioserãoimpressos695exemplaresdecadatítulo,umavezqueoslivros

nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados no

CursodePedagogia,ModalidadedeEducaçãoaDistância,ofertadopelaUniversidade

EstadualdeMaringá,noâmbitodoSistemaUAB.

Cadalivrodacoleçãotraz,emseubojo,umobjetodereflexãoquefoipensado

paraumadisciplinaespecíficadocurso,masemnenhumdeles seusorganizadores

e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e

práticasconstruídashistoricamentenoqueserefereaosconteúdosapresentados.O

quesebusca,comcadaumdoslivrospublicados,éabrirapossibilidadedaleitura,

dareflexãoedoaprofundamentodasquestõespensadascomofundamentaisparaa

formaçãodoPedagogonaatualidade.

Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço

coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-

dualdeMaringá(UEM)edasinstituiçõesquetemsecolocadocomoparceirasnesse

processo.

Em função disto, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais

instituições queorganizaram livros ou escreveram capítulospara os diversos livros

destacoleção.

Agradecemos, ainda, à administração centraldaUEM,quepormeioda atuação

diretadaReitoriaedediversasPró-Reitorias,nãomediuesforçosparaqueostrabalhos

presentação da ColeçãoA

Page 10: Ensino e Escrita

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Escrita E Ensino pudessemserdesenvolvidosdamelhormaneirapossível.Demodobastanteespecifi-

co,destacamosaquioesforçodaReitoriaparaqueosrecursosparaofinanciamento

destacoleçãopudessemser liberadosdeacordocomos trâmitesburocráticoseos

prazosexíguosestabelecidospeloFundoNacionaldeDesenvolvimentodaEducação

(FNDE).

Internamente destacamos, ainda, o envolvimento direito dos professores do De-

partamentode Fundamentos da Educação (DFE), vinculado aoCentrodeCiências

Humanas, Letras e Artes (DFE), que no decorrer dos últimos anos empreenderam

esforçosparaqueocursodePedagogia,namodalidadedeeducaçãoadistância,pu-

dessesercriadooficialmente,oqueexigiuumrepensarnotrabalhoacadêmicoeuma

modificaçãosignificativadasistemáticadasatividadesdocentes.

NoqueserefereaoMinistériodaEducação,ressaltamosoesforçoempreendido

pelaDiretoriadaEducaçãoaDistância(DED)daCoordenaçãodeAperfeiçoamento

dePessoaldoEnsinoSuperior(CAPES)epelaSecretariadeEducaçãodeEducaçãoa

Distância(SEED/MEC),queemparceriacomasInstituiçõesdeEnsinoSuperior(IES)

conseguiramromperbarreirastemporaiseespaciaisparaqueosconvêniosparalibe-

raçãodos recursos fossemassinadoseencaminhadosaosórgãoscompetentespara

aprovação,tendoemvistaaaçãodiretaeeficientedeumnúmeromuitopequenode

pessoasqueintegramaCoordenaçãoGeraldeSupervisãoeFomentoeaCoordenação

GeraldeArticulação.

EsperamosqueasegundaediçãodaColeção Formação de Professores - EAD

possacontribuirparaaformaçãodosalunosmatriculadosnocursodePedagogia,bem

comodeoutroscursossuperioresadistânciadetodasasinstituiçõespúblicasdeen-

sinosuperiorqueintegramepossamintegraremumfuturopróximooSistemaUAB.

Maria Luisa Furlan Costa

Organizadora da Coleção

Page 11: Ensino e Escrita

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Estelivro,comooprópriotítuloindica,pretendeabordaralgunsconceitosrelati-

vosàsconcepçõesdeescrita,visando,sobretudo,aoensinodaLínguaPortuguesanas

sériesiniciaisdoEnsinoFundamental.

Nestesentido,oorganizamoscomafinalidadedequetaisconcepçõesdeescrita

possam ser apreendidaspor você, caro(a) aluno(a), emuma abordagemobjetiva e

pedagógica,acomeçarpelousodalinguagem,omaisdidáticapossível,comodeve

seremsetratandodeumlivrodidático,comoéocasodestelivro,quesepretendede

longoalcanceeeficáciaaosCursosdePedagogia,sejamestesnamodalidadeadistân-

cia,sejamnapresencial.

Dessa forma, no primeiro capítulo, intitulado ‘Concepções de Escrita’, Renilson

JoséMenegassiapresentaalgumasconcepçõesdeescritadiscutidasnoBrasilapartir

dosaportesteóricosdeBakhtineVygotsky,agrupando-asdeacordocomaperspectiva

teóricaassumidaporessespesquisadores,queseconstituem,naatualidade,afonte

dosestudosdosquesedebruçamsobreoensinodalínguaportuguesaeseusdesdo-

bramentos.Ocapítuloaindatrazexemplosbastanteilustrativosdessasconcepçõesde

escrita,cujasatividadespodemaindasertrabalhadasemsaladeaulaporvocê,objeti-

vandoainteraçãosocialentrealuno,texto,professor.

Nosegundocapítulo,‘Osgêneroscomoinstrumentosparaoensinoeaprendiza-

gemdaleituraedaescrita’,CláudiaLopesNascimentoSaitoeElviraLopesNascimento

discorremsobreosgênerostextuaisnaperspectivadoensinoedaaprendizagemda

leitura e da escrita. Em sua exposição, temos clara a definiçãode gêneros textuais

comoconstruçõessociaisehistóricas,equeapesardeconfiguraremasaçõeshumanas

emqualquercontextooudiscurso,nãosãoinstrumentosestanques,queenrijecema

açãocriativadohomem,massãomaleáveis,dinâmicos,transformam-seeseadaptam

àsnecessidadeseatividadessociaiseculturais.Essadefiniçãoauxiliaemuitootrab-

alhoemsaladeaulacalcadonavisãointeracionistadalínguaportuguesa.

Noterceirocapítulo,‘Aproduçãodetextosnosanosiniciais’,CláudiaValériaDoná

Hila preocupa-se em demonstrar, com exemplos consistentes, a diferença existente,

jánasprimeirassériesdoEnsinoFundamental,entreredaçãoeproduçãotextual.A

finalidadeédemonstrarqueacompreensãodosignificadodasconcepçõesdelingua-

gemparaoensinodaescritaéfundamentalparagarantirousoeficazdalinguagem

nãoapenasnoâmbitodaescrita,masdeoutraspráticasdasaladeaulacomoaalfabet-

presentação do livroA

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Escrita E Ensino ização,otrabalhocomaleituraeaindaotrabalhocomagramática.

Noquartoeúltimocapítulo,‘AnáliselinguísticanoEnsinoFundamental’,Lil-

ianCristinaBuzatoRitterdebruça-sesobreoeixopráticoquecompõeoensinode

LínguaPortuguesa:aanáliselinguística.Oenfoqueabordadonãoéfazercomqueo

alunosaibagramáticacomoumfimemsimesmo,masqueestasejaconcebidacomo

uminstrumentoparamelhorarasuacompetênciadiscursiva.Destaca-senocapítulo

anecessidadedeainstituiçãoescolarpossibilitarqueoalunoaprendaalidarcomos

diferentesmodosdeconcretizaçãoquealinguagemapresenta,tomandooconceito

bakthinianodegênerosdiscursivospararespaldaroensinoeaaprendizagemda

línguaportuguesa.

Esperamosqueaorganizaçãodestescapítulos,astemáticasnelestrabalhadas,as

concepçõesdelinguagemedeescritaaelessubjacentes,osexemplosdesenvolvidos

eexplicitadosconsigamoobjetivomaioraquenospropomoscomoorganizadoresdo

livro,preocupadoscomaquestãodoensinoeaprendizagemdeLínguaPortuguesa:

propiciaraosfuturosprofessoresdassériesiniciaisdoEnsinoFundamentalsubsídios

paraumtrabalhoeficazemsaladeaula,demodoquepossamlevarosseusalunosa

experienciaremoensinoeaaprendizagemdalínguaportuguesaemumaconcepção

interacionista,comumtrabalhovoltadoàrealidadesocialquepermeiatexto,profes-

sorealuno.

AnnieRosedosSantos

Lilian Cristina Buzato Ritter

RenilsonJoséMenegassi

Organizadores

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Renilson José Menegassi

Aoconsiderarmos a abordagemdeensinoe aprendizagemde línguaque se in-

spiranosociointeracionismo,aprender,bemcomoensinar,significaconstruirnovo

conhecimentoapartirdeoutrosjáestabelecidos.Entretanto,oqueobservamosnas

escolaséqueoprofessornãopassadeumtreinadoreoprocessodeaprendizagem,

umaalienação.Percebemostambémqueaquelequeensinaaescrevernãoescreve,

poisconformeMenegassi,“oprofessornãoéumprodutordetextos.Éumavaliador

dostextosproduzidospelosalunos”(2003,p.55);alémdisso,asuaparticipação“no

processodeproduçãodetextosemsituaçãodeensinoérestritaadoismomentoses-

tanques:aentregadocomandoaoalunoeaavaliaçãodaredaçãoproduzida”(p.55).

Porisso,tem-sediscutidomuitosobreaformaçãodosprofessores,eespecificamente

noensinodelíngua,questiona-seasuaformaçãosobreoensinarosalunoseoseu

aprenderalereaescrever.

AlgumasconcepçõesdeescritasãodiscutidasnaliteraturaproduzidanoBrasil,to-

dasapartirdospressupostosteóricosdeBakhtineVolochinov(1992),Bakhtin(2003)

eVygotsky(1998).Nestesentido,expomosaquialgumasdessasconcepções,quesão

agrupadas em função da perspectiva teórica assumida pelos pesquisadores. Assim,

observamos,naliteraturabrasileirasobreLinguísticaAplicada,discussõesrelativasàs

concepçõesdeescritaapartirdedoisagrupamentos,quesãoapresentadosseparada-

mente,contudo,suascaracterizaçõesconvergememmuitosaspectos:

a) escritatreinadaeescritaespontânea;

b) escrita com foco na língua; como dom ou inspiração; como consequência;

comotrabalho.

a Escrita trEinada E a Escrita EspontÂnEa

Soares(2001)mostraadiferençaentreaescritatreinadaeaespontânea.Naprimei-

ra,háareprodução,aimitaçãodeideiasetextos,emqueashipótesesdoaluno,nesse

casooprodutordotexto,sãoimpedidas,jáquenãosepodeerrarnesseprocessode

produção.Deparamo-noscomumaconcepçãotradicional,emqueseescreveparaa

Concepções de escrita1

Ana-Paula
Insert Text
Texto fonte a ser estudado para a aula do dia 09/01.
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Escrita E Ensino escola,nãohavendosingularidade,poissãoproduzidostextoscoletivos,homogêneos,

istoé,redaçõesescolares.

AlgunsexemplosdeatividadesdeproduçãodetextoaplicadasnoEnsinoFunda-

mentaldemonstramcomoessaconcepçãodeescritaétreinada.Vejamos:

Exemplo 1:

A FormigA ViriAtA

Viriataéumaformigafeliz.

Elamoranumburaco,atrásdocanteirodealface.

Elaandasempreafobadaporquefazentregasnafeira.

Hojeelalevou:couve,feijão,farinhaefubá.

Viriataéumaótimavendedora.

Autora: Graça Batituci

Aumenteaestória,ouseja,crieoutrasfrasesquecontinuemotexto.

Nesseexemplo,oalunoéconvidadoaaumentarahistóriadaformigaViriata,apenas

criandofrases.Notamosqueotextoapresentadocomoapoioàproduçãoétambém

formado apenas por frases, e nesse contexto ao aluno cabe apenas a formulação de

frases,oqueatendeadequadamenteàsolicitaçãodocomando.Comisso,aconcepção

de escrita treinada demonstra como a construção frasal foi trabalhada em sala de aula

eseefetivanaproduçãodotextodoaluno,emníveisevidentementefragmentários.

Exemplo 2:

Escolhaumdosseguintestemasefaçaumaproduçãodetexto.

Umdianocirco.

Umpalhaçoengraçado.

Nesse exercício, o aluno deve demonstrar como o treinamento de escrita re-

alizadoem salade aula semanifestanopapel. Para tanto, basta ao alunobuscar

informaçõesemseusconhecimentosprévios sobreumdos temasapresentadose

escreverumtextoque,porsinal,nãohádelimitaçãoalguma,istoé,nãosedeter-

minaoqueescrever,paraquemescrever,quetextoescrever,apenasdetermina-se,

demaneirasubliminar,queaescritatreinadaemsaladeaulasemanifesteapartir

dasolicitaçãoapresentada.

Exemplo 3:

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A ChuVA

-Solzinhovem,vem,queeudou-teumvintém...Porcimadotel-

hadoqueeudou-teumrealrasgado.

QuemcantavaassimeraoZezinho.

-Vocênãoquerchuvahoje,Zezinho?–perguntouopai.

-Nemhoje,nemnunca.Achuvaéumacoisamuitoaborrecida!O

paizinhonãoacha?

-Àsvezes,meufilho.Mas,vocêestáenganado.Achuvaéumacoisa

muitonecessária.

-Sóseforparalavarostelhados!

-Não.Semchuva,todasasplantasmorreriam.Morrendoasplantas,

osanimaisnãoteriamquecomer.Todosmorreriamtambém.

Expressãoescrita:

ComodiziaopaidoZezinhoachuvaéumacoisamuitonecessária.Escreveum

pequenotextoondeexpliquequalaimportânciadachuva,sobqueformacaieoque

aconteceàchuvaquecainaterra,quandochovemuito.

Nessaatividade,aescritatreinadasemostraapartirdasperguntasapresentadasno

comando.Dessaforma,aoalunocaberesponder,nasequência:

a)qualaimportânciadachuva;

b)sobqueformaachuvacai;

c)oqueaconteceàchuvaquecainaterraquandochovedemais.Oalunoresponde

àsperguntaseseutextoestápronto.Comessetreinamento,oalunonãofoge

aotemaproposto,poisasperguntassãodirecionadorasdoprocessodeescrita.

Asegundaconcepçãodeescritaéaespontânea.Apartirdela,criam-sehipóteses,

emqueoerroépermitido;oalunousaaspalavrasqueacharnecessário,havendo,

portanto,aproduçãodetextossingulares,heterogêneos.

ParaCarvajal Pérez e RamosGarcia (2001), na escrita treinada considera-se um

“sujeitopassivodeaprendizagemquereconhece,recorda,reproduzerepete”e,na

espontânea,“umserinteligentecomcapacidadescognitivas,nãosósujeitodeapren-

dizagem,mas,também,portadordeconhecimento”(p.19).Conhecimentoquenão

seformapelaimitaçãosomente,masqueseconstróiapartirdainteraçãocomooutro

ecomomeio,dentroeforadaescola.

Ecomoensinaraescritaespontânea?Seráqueosprofessoressabemcomofazerouapre-

sentamosrequisitosnecessáriosparaensiná-la?SegundoCarvajalPérezeRamosGarcia,

concepções de escrita

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Escrita E Ensino Éprecisofacilitarainteraçãocomalínguaescritatalqualelaéeapresentaraleituraeaescritaemcontextosfuncionais;énecessáriointerpretareproduzirtextosdediversosestilosegêneros,elidarcomtodaagamademateriaisescri-tosutilizadosforadoâmbitoescolar.Temosdeapresentaraleituraeaescritacomoumdesafiocognitivo,enãocomoumaaprendizagemmecânicadeumatécnica(2001,p.23).

Logo,paraqueissoocorra,éprecisoquehajatemposuficienteparaainternaliza-

ção do conhecimento, amadurecimento e sedimentação das palavras alheias, oriundas

desses textos, atéque se tornempalavrasprópriasdo indivíduoqueproduz textos

(BAKHTIN,2003;GERALDI,1993).Énecessáriaapresençadeummediadorquefaça

aintervençãoedesestabilizeooutro,alémdapresençadeummeiosocialamplo,que

determineaestruturadaenunciação(BAKHTIN;VOLOCHINOV,1992).

Comoformadeauxiliarnodesenvolvimentodehabilidadesdeescritaespontânea

juntoaosalunos,Soares(2001)tambémapresentaváriasatividadescomosugestões

deaçãopedagógica,como:

a) “atividadesquecriemoportunidadesparaqueoaluno‘descubra’apossibili-

dadeounecessidadedeusaralínguaescritacomoformadecomunicação,de

interlocução”,apresentandoumadiversidadedegênerostextuaisdasociedade,

paraqueelepercebaaimportânciadacomunicaçãoescritaemsuavidasocial;

b) “situaçõesdeproduçãodetextotantoquantopossívelnaturaisereais,ades-

peitodainevitávelartificialidadedocontextoescolar”,ouseja,propiciarsitua-

çõesnaturaisemqueoalunopossaseexporeapresentarsuasexperiências,sua

vida,tornar-seautordeseustextos;

c) “situaçõesemqueaexpressãoescritaseapresentecomoumarespostaaumde-

sejo ou a uma necessidade de comunicação, de interação”, a partir de situações

naturais,deescritaespontânea,emqueseescrevanaescolaenãoparaaescola,

tendoanoçãodequeaescritanãoésomenteumaatividadeaseraplicadaem

umfuturopróximo,emsituaçõessociaisquesomenteacontecerãoquandoele

setornarumefetivotrabalhadorperanteasociedade;

d) “o aluno tenha, pois, objetivos para escrever e destinatários (leitores) para

quemescrever”,istoé,queoalunonãoescrevaapenasparatirarnotaelograr

aprovação,masparaatenderaumafunçãosocialequeointerlocutornãoseja

apenasoprofessor;

e) “devemseguir-seatividadesdeanáliseeavaliação”dostextosproduzidos,para

queoeducandoaprenda,juntamentecomoprofessor,naposiçãodeco-produ-

tor,enãosomentedecorretor-avaliadordotexto,aanalisarseutextoeconsiga,

aospoucos,realizaraatividadesemauxíliodeoutrem;

f ) “atividadesemquesediscutamseaspeculiaridadesdogênerodotextoforam

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observadas,seotextoestábemestruturadoe[se]hácoerêncianodesenvolvi-

mentodasidéias”,afimdequeoprodutoraprendaarefletirsobreoconteúdo

eaformadeseutexto,comointuitodechegaràautocorreção;

g) “seoníveldeinformatividadecorrespondeàscaracterísticasdoleitorpreten-

dido”,enfatizando,assim,aimportânciadosinterlocutoresnesseprocessode

interaçãosocialviatextosescritos;

h) “serecursosdecoesãosãoutilizadosdeformaapropriada”eaindase“costur-

am”otexto,paraqueoaprendizentendaqueasideiaseosparágrafosprecisam

estararticulados,formandoumaunidadedesentido;

i) “seavariedadelinguísticaeoregistroescolhidossãoadequadosaotema,aoob-

jetivo,àsituaçãointerlocutiva”,ouseja,seotextoestárespondendo,deforma

adequada,assuascondiçõesdeprodução.

De tal modo, para colocar em prática essas atividades, conforme Soares, é ne-

cessárioqueoprofessor:

Conheçabemasrelaçõesentreosistemafonológicoeosistemaortográfico,compreendaaescritacomorepresentaçãoenãocomo transcriçãoda línguaoral,sejacapazdeidentificaravariedadelingüísticafaladapelacriançae,as-sim,nãosópreverosproblemasqueessacriançaenfrentará,[...]mastambémcompreenderessesproblemase[...]saberdiscuti-loscomacriança.[...]com-preendaoprocesso lingüísticoepsicolingüísticodeaprendizagemda línguaescrita[...][saiba] identificaremqueestágiodoprocessodeapropriaçãodosistemaacriançaseencontra,saiba interpretarashipóteses[...]selecionareorganizardados,[...]levá-laaconfrontaressashipóteses[...][tenha]compre-endidoeassumidoumaconcepçãodelínguacomodiscurso,delínguaescritacomoatividadeenunciativa,[...][conheça]osprincípiosqueregemasrelaçõesautor-leitor, autor-texto, leitor-texto, [saiba] dominar as características dos di-ferentes gêneros de texto escrito, as exigências de diferentes portadores daescrita(2001,p.72-73).

Oeducadorquepreencheessesrequisitostem,deformaconsolidada,umacon-

cepçãodelínguaedeescritaapartirdaabordageminteracionista,emqueotextoé

vistocomoo“própriolugardainteração”(KOCH,2002,p.17),emqueseconsid-

eram, na escrita, os aspectos da interação verbal, nos pressupostos bakhtinianos e

vygotskianos:ainternalizaçãodoconhecimento,amediação,odiálogoeosmecanis-

mossociaiseinterativos.Enfim,queaescritasejasinônimodetrabalhocomalíngua.

Oexemploparaaconcepçãodeescritaespontâneaéapresentadojuntoàconcep-

çãodeescritacomotrabalho.

as concEpÇÕEs dE Escrita

concepções de escrita

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Escrita E Ensino O ensino da produção textual escrita em língua materna passou, ao longo da

históriadaeducaçãobrasileira,porváriasconcepçõesdeescrita,queseestabelece-

ramemfunçãodasconcepçõesdelinguagemedeensinovigentesemcadaperíodo

histórico.Assim,sãoconhecidasquatroconcepçõesdeescrita:

-escritacomfoconalíngua;

-escritacomodom/inspiração;

-escritacomoconsequência;

-escritacomotrabalho.

As duas primeiras concepções estão voltadas às pressuposições teórico-met-

odológicas da concepção de linguagem como expressão do pensamento (KOCH;

ELIAS,2009),emqueodomínioderegrasgramaticaiséoprincípioparaaconstrução

deumtextoescrito.Consequentemente,essedomínioédepoucos,somentedaqueles

queapresentam“inspiraçãodivina”,quenascemcom“odomdeescrever”,conforme

determinavamasideiasplatonianasquederamorigemaessametáfora.Poroutrolado,

aconcepçãodeescritacomconsequência(SERCUNDES,2001)éabordadapelacon-

cepçãodelinguagemcomoinstrumentodecomunicação,emquebastaaaquisiçãode

estruturaslinguísticasdeumadeterminadalínguaparaqueumindivíduoestejaaptoa

desenvolverumtextoescrito.Porfim,aconcepçãodeescritacomotrabalho,abordada

pelaconcepçãointeracionistadelinguagem(GERALDI,1993,2001;FIAD;MAYRINK-

SABINSON,1994;KOCH;ELIAS,2009).

a escrita com foco na língua

Émuitofrequenteaumprofessordelínguamaterna,ouatémesmoqualquerpes-

soaqueavalie textosescritos,aosedepararcomoumaproduçãotextual, tercomo

primeirareaçãocorrigir,diretamentenotexto,errosdegrafia,desviosdeconcordân-

ciaesintaxe, istoé,aspectosformaisqueapresentamdesviosànormapadrão-culta

dalínguaescrita.Talposturaevidenciaaconcepçãodeescritacomfoconalínguaque

essapessoateminternalizadacomoprocedimentometodológicodetrabalhocomo

textoescrito.

Paraqueessaconcepçãodeestabeleça,aoalunosãoapresentadasmuitasregras

gramaticais,assimcomováriosexercíciosdegramática,comofimdequeinternalize

todasasfunçõesgramaticaiseperspectivaslinguísticasquealínguaeruditafornece

(KOCH; ELIAS, 2009). Para tanto, o aluno realiza inúmeros exercícios referentes a

sinaisdepontuação,grafiadepalavras,concordância,regência,colocaçãopronominal

emuitosoutros tópicosda gramática tradicional. Assim, comessas regras internal-

izadas,oalunoproduziráseutextodentrodanormapadrãoescrita.Porissomuitos

Page 19: Ensino e Escrita

17

alunosafirmamqueescreveréconhecerasregrasgramaticaisdalíngua,éterumbom

vocabulário,porque,na realidade, sãoessesos critériosquenormalmente sãoem-

pregadosparaseavaliarseustextos.

Exemplo de solicitação de produção escrita nessa concepção ocorre em situações

comoadescrita:

Contexto:Os alunos trabalharam com dois exercícios que discutiam as regras de apresentação de adjetivo anteposto e posposto ao substantivo. Num deles, havia atividades de adjetivos pospostos; no outro, atividades com adjetivos antepostos. Em seguida, é oferecido um comando de produção escrita ao aluno:“Escreva algumas linhas sobre a responsabilidade do profissional em qualquer área de trabalho. Não se esqueça de empregar adjetivos antepostos e pospostos, conforme a necessidade da descrição realizada no texto.”

Nessaprodução escrita, o aluno tem comoobjetivo apenas a escrita depoucas

linhas,porémdeve-seatentaràutilizaçãodoadjetivoeàsposiçõesqueocupanafrase,

evidenciando-seaconcepçãodeescritacomfoconalíngua.

a escrita como dom/inspiração divina

Nessaconcepção,aproduçãotextualescritanascedeumtítulo,deumafraseque

expõeumtemaaoalunoparaqueproduzaumtexto,semqualqueratividadeprévia

desustentaçãodeinformações,ouatémesmodeconsolidaçãodeideiasparaode-

senvolvimentodotexto(SERCUNDES,2001).Nestesentido,oautordotextoproduz

apenasapartirdasinformaçõesinternalizadasacercadoassunto,queépressuposto

comoconhecidoedivulgadopelosmeiosdecomunicação,semqualquerdiscussão

sobreotema.Decertamaneira,essaestratégiadeproduçãoocupaoespaçodetempo

doalunoemantémadisciplinanasaladeaula,evitandoquecirculepelasalaepela

escola, fazendocomqueseucomportamentosejacontroladopelaescritaquedeve

produzir,nãopelainteraçãoquedeveriaseestabelecercomasituaçãodeprodução

textual.

Nessaperspectiva,oautor,nocasooaluno,pensaqueoatodeescreveréarticular

informações, demaneira a exteriorizar logicamente o pensamento, suas intenções,

semlevaremcontaasexperiênciaseosconhecimentosdoleitorouainteraçãoque

envolveesseprocesso.Dessaforma,ocompromissocomoatodeescreversedilui,já

queoalunoéconscientedequeoprofessorapenasirárecolherasredaçõesevistá-las,

apresentando a marca √ diretamentenotexto,quesignifica“vistopeloprofessor”,do

verbo“ver”,enão“lidopeloprofessor”,comoefetivamentedeveriaacontecer.

Umexemplotípicodessaconcepçãodeescritaocorrequando,nasaladeaula,o

concepções de escrita

Page 20: Ensino e Escrita

18

Escrita E Ensino professorcolocanoquadroumafrasecomo:

“Amazônia:opulmãodomundo”

e solicitadosalunosaproduçãodeuma redação sobreesse tema.Oalunode-

verábuscaremseusconhecimentosenas informaçõesqueconhecesubsídiospara

escreverumtexto;paraisso,bastaquetenhao“domdivino”oua“inspiraçãodivina”

paraproduzi-lo,emumarecorrênciaapoderesespirituaisdivinosparaescrever,con-

formesustentavamosantigosescribasdostemplosreligiosos.Oresultadodessaabor-

dagemmetodológicaéumtextosemfinalidademarcada,seminterlocutordefinido,

semgênerotextualpropostoe,consequentemente,semobjetivoparaprodução.Essa

concepçãodeescritaocorreucomoabordagemdetrabalhopormuitosanoseaindaé

empregadaemmuitassalasdeaula.

a escrita como consequência

Nessaconcepção,aescritaéumaconsequênciadeumtrabalhorealizadonasala

ouextraclasse,demaneirahomogeneizada.Nasaladeaula,oalunoéconduzidoàre-

alizaçãodeumapesquisa,aassistirumfilme,aparticipardeumdebate(SERCUNDES,

2001).Nasituaçãoextraclasse,oalunoélevadoaumpasseio,avisitarumdetermi-

nadolugarescolhidopelaprofessora,enfim,aalgumaatividadequeretireoalunodo

perímetroescolar.Emambasassituações,aconsequênciaporrealizarumaatividade

diferenciadadastradicionaiséaproduçãoescrita,normalmentedeumrelatório,que

será visto (√) peloprofessor,nãonecessariamentelidoecorrigido.Assim,ficaaim-

pressãodequeapenalidadeporterrealizadoumaatividademotivadoradeinteração,

dentroouforadasaladeaula,éaproduçãodeumtextoescrito.

Nessaperspectiva,otextoproduzidopeloalunoévistocomo:

• registroescritoqueserveparaaatribuiçãodeumanota;

• registroescritoquepenalizaoalunopelaatividadeextrarealizada;

• registroescritoquecomprovaqueoalunoparticipoudaatividadeproposta,

nãonecessariamentequeacompreendeu;

• produtoparaacorreçãodoprofessor;

• produtoquelevaoprofessoràcomparaçãocomostextosmaisfracos;

• produtodaavaliaçãodaatividaderealizada.

Nessa concepção, não há consideração do tempo de sedimentação necessário

paraainternalizaçãodosconhecimentosedasinformaçõesqueoalunorecebeu(VY-

GOTSKY,1998;SERCUNDES,2001;MENEGASSI;OHUSCHI,2008).Otextodeveser

Page 21: Ensino e Escrita

19

escritologoemseguida,entregueeavaliadocomrapidez,paraqueumanovaativi-

dadepossaserimplementadaemsaladeaula.Nessecontexto,desconsidera-seque

cadaalunotemseuprópriotempodesedimentaçãodeinformações,oqualseestabel-

eceemfunçãodafinalidadepropostaparaotrabalhodeproduçãoescrita.

Umexemplodetrabalhocomessaabordagemacontecequandooprofessorleva

osalunosdeumdeterminadoanoparaaestaçãodetratamentodeáguadacidade

paraque aprendamdeonde vema águaquebebem, comoé tratada edistribuída

diretamenteàs casasdosmoradores.Nesseprocesso,é comumobservarosalunos

munidosdecadernooupranchetaecaneta,anotandooqueforpossíveldasinúmeras

informaçõesqueotécnicodaempresadetratamentodeáguarepassa.Nessecaso,a

preocupaçãoemanotar informaçõesparaaproduçãodorelatórioaserentregueé

maiordoqueadeaprendersobreotratamentodeágua,poisafinalidadedeestar

alitemcomoconsequênciaaproduçãodorelatórioaserentregueaoprofessor,que

normalmenteapenasovista.

a escrita como trabalho

Nessaconcepção,aescritaéconsideradaumprocessocontínuodeensinoeapre-

ndizagem,emqueháreaisnecessidadesparaoalunoescrever.Assim,asatividades

préviassãoessenciaiscomopontosdepartidaparasedesencadearumapropostade

escritaapartirdainteração(SERCUNDES,1998).Nela,otextoéopontodepartida

edechegadaanovasproduções(GERALDI,1993),constituindo-setambémcomoo

lugardeinteraçãoaosparticipantesdesseprocesso(BAKHTIN;VOLOCHINOV,1992;

BAKHTIN,2003;GERALDI,1993),nocaso,oprofessor,oalunoeoprópriotextoem

construção.

Paraqueseproduzaotextoescrito,oautorpassapelasetapasdoprocesso:plane-

jamento–execuçãodotextoescrito–revisão–reescrita.Nelas,oprofessorauxilia

comoco-produtordotexto,orientandosempreafinalidade,ointerlocutoreogênero

aserproduzido(MENEGASSI,2003).Nesseâmbito,aescritaéumtrabalhoconsciente,

deliberado,planejado,repensado,porissoadenominação“trabalho”paraessacon-

cepção.Énotrabalhodeplanejamentoqueasatividadespréviassãoaproveitadase

orientadasparaaexecuçãodaescrita.Nessaetapa,oalunoconsideraafinalidade,oin-

terlocutoreleitoeogênerotextualescolhidoparatrabalharsobreotema,aorganiza-

çãocomposicionaleoestilodelínguanaproduçãotextual(BAKHTIN,2003).Porsua

vez,nosprocessosderevisãonasceareescrita,quelevaamodificaçõesnotextoinicial,

considerando-seoselementosjámencionados.Porissoessaconcepçãodeescritaé

conhecidacomo“trabalho”,porquedátrabalhopreparar,construir,revisar,reescrever

eavaliarumtexto,porissomesmoelaéconsideradacomopertencenteàabordagem

concepções de escrita

Page 22: Ensino e Escrita

20

Escrita E Ensino processual-discursivadeescrita,distinguindo-sedasconcepçõesjádiscutidas.

Como exemplo dessa concepção de escrita, observemos a descrição da atividade

quelevoualunosàestaçãodetratamentodeáguaeàproduçãodorelatórioadvindo

desse trabalho.Evidentemente,essapropostaéumaampliaçãodaquelaexpostana

concepçãodeescritacomoconsequência,queprecisaseradaptadaaoanoescolar,à

finalidade,aointerlocutoreaogênerotextualdefinidospreviamente.Aatividadeestá

adequadaaospropósitosdaconcepçãodeescritacomotrabalho,sendopertinenteàs

propostasteórico-metodológicasatuais.

Tema:o trAtAmEnto DA águA quE bEbEmos

i - Leitura e trabalho com textos envolvendo a temática sobre água em algumas

disciplinas, em uma relação interdisciplinar:

LínguaPortuguesa–poema,letrademúsica;

Ciências–textocientíficosobreacomposiçãoeotratamentodeágua;

História–relatossobreousodaáguaaolongodahistóriahumanaeasformasde

tratamentoempregadas;

Geografia–descriçõeserelatossobreaslocalizaçõeseutilizaçõesdemananciais

deáguaparaconsumohumano;

Matemática–asmedidaseformasdeenvasamentodaágua.

II - Delimitação da finalidade, do interlocutor e do gênero textual que será

produzido:

Finalidade:apresentarcomoocorreoprocessodecaptação,tratamento,armaze-

namentoedistribuiçãodaáguaparaconsumohumano;

Interlocutor:alunosdassériesqueparticiparamdavisitaàestaçãodetratamento

deágua;

Gênerotextual:relatodeexperiência;

Suportetextual:folhadepapelsulfite;

Meiodecirculaçãosocial:quadrodemadeiraexpostonocorredordaescola.

iii - Delimitação de regras entre os participantes:

a) Escribas:escolhadeduaspessoasnasalaquefarãoopapeldeescribas,istoé,

aquelesqueanotarãoas informações importantesqueosparticipantesdeter-

minaremcomorelevantes.Devemosobservarquenão sãoanotaçõesqueos

escribasdeterminarãocomopertinentes,massimaquelasqueosparticipantes,

osdemaisalunosdasala,escolherem;

Page 23: Ensino e Escrita

21

b) Participantes:não levarãomaterialparaanotações,contudodeverãorepassar

aosescribasquaissãoasinformaçõesmaisrelevantesquesãoexpostasdurante

avisita.Umdetalhe,nessecaso,équeasinformaçõesnãopodemserepetir,o

quelevacadaparticipanteaprestaratençãoemquaisdelasjáforamapresenta-

dasaosescribas.

iV - Planejamento do texto:

Em dia posterior, todas as anotações realizadas pelos escribas são expostas no

quadro,paravisualizaçãogeral.Apartirdisso,inicia-seoprocessodeplanejamentodo

gênerotextualescolhido:

a) levantamentodetodasasinformaçõesnoquadro;

b) observaçõesdequaisinformaçõessãorepetidas;

c) eliminaçãodasinformaçõesrepetidase/oudesarticuladascomotema;

d) escolhadedezoumaisinformaçõesprincipais,querepresentemoconjuntode

informaçõeslevantadas;

e) encaminhamentodaproduçãodorelatodeexperiência.

V - Execução do texto:

Oaluno,depossedasdezprincipais informações levantadasnavisita àestação

detratamentodeágua,produzotextosolicitado,demaneiraindividualoucoletiva,

conformeorientaçãodocente.Essaproduçãopodeserrealizadanasaladeaula,ou

atémesmoemcasa.

Vi - revisão do texto:

Ostextossãorevisadosdeduasmaneiras:a)pelopróprioaluno;b)porumdeseus

paresdasaladeaula.Nessarevisão,deve-seobservarqueasdezinformaçõeslevanta-

dascomoasprincipaisdevemseranalisadas,paraqueseverifiqueseestãoconstando

completamentedotextoproduzido.Casofalteumadelas,oalunodevereescreverseu

textoàluzdesselevantamento.Outrasituaçãoéobservarse,notextoproduzido,há

algumainformaçãoquenãoestásuficientementeesclarecida,articulada,relacionada

ecoesacomotextoconstruído.Casoissoaconteça,oprocessodereescritaéativado.

Vii - Avaliação do texto:

Todotextodeveseravaliadocomcritériosquesejamapresentadosanteriormente

aoaluno.Assim,devemosapresentaraosparticipantesocritério inicialdequeseu

texto será avaliado a partir da exposição das dez informações consideradas mais rel-

evantesparatodaaclasse.Comisso,oprofessorfazaavaliaçãodeumtextomuito

concepções de escrita

Page 24: Ensino e Escrita

22

Escrita E Ensino maiscompleto,jápensadoemodificadopeloaluno,emumanítidaconfiguraçãode

queoprocessodeescritaestásendoefetivamenteimplementado.

Viii - Circulação social do texto:

Apóstodoessetrabalho,otextoéexpostonoquadrodemadeiranocorredordaes-

cola,paraqueosalunosquenãoforamàestaçãodetratamentodeáguaconheçamcomo

éoprocessoapartirdosrelatosdeexperiênciasapresentadosàcomunidadedaescola.

Como podemos observar, o trabalho de produção textual escrita, nessa concepção,

émuitodiferentedaquelesdescritosnasseçõesquediscutemasdemaisconcepçõesde

escrita.Comisso,podemosafirmar,categoricamente,queescreveréumtrabalhodelib-

erado,pensado,interativo,dialógicoeprodutivo!Assim,essaéapropostaidealparaa

efetivaçãodaproduçãodetextosemsituaçãodeensino.

BAKHTIN,M.;VOLOCHINOV,M.Marxismo e Filosofia da Linguagem. 6.ed.São

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sÍtios nA intErnEt

www.alb.com.br–AssociaçãodeLeituradoBrasil

www.escrita.uem.br–GrupodePesquisa“InteraçãoeEscrita”,UniversidadeEstadual

deMaringá

Proposta de Atividades

1) Prepareumapropostadeatividadedeproduçãotextualapartirdasdescriçõesapresenta-dasparaaconcepçãodeescritacomotrabalho.Façaadescriçãoconsiderandocadaumadasetapasdescritasnaseção2.4.

Page 26: Ensino e Escrita

24

Escrita E Ensino

Anotações

Page 27: Ensino e Escrita

25

Cláudia Lopes Nascimento Saito / Elvira Lopes Nascimento

a adoÇão das práticas dE lingUagEM coMo ponto cEntral do trabalho pEdagógico

Vocêjáparouparapensarnavariedadedepráticassociais

quevivenciamosemnossodia-a-dia?

Vocêsabequemuitasdelassóexistemcomepela linguagemeécomelaeporela

que nós, seres humanos, interagimos comnossos semelhantes; logo, não podemos

pensarnelacomoalgoestanquedenossavidaoudasnossasrelaçõessociais.

Naspráticas sociais,desempenhamosdiversospapéis (dealunoouprofessor,de

amigoounamorado,demãeoupai,deeleitor,deconsumidoretc.)eacionamosformas

cristalizadasdecomunicação,ouseja,de“tiposrelativamenteestáveisdeenunciados”,

osgênerosdodiscursoougênerostextuais.

Em cada esfera da comunicação humana, do cotidiano, da criação literária, da reli-

gião,dojurídico,docomércio,dosabercientífico,daescolaetc.,acomunicaçãoentre

osparceirosdainteraçãoconstituipráticassociaisdaculturaemqueseinserem.Pode-

mos considerar as práticas sociais como construções sociais e as atividades como ações

dos indivíduosexigidasporessaspráticas.Dessa forma,podemosconcluirque toda

sociedadeseorganizaporpráticassociais.Essaorganizaçãosocialédiferentedelugar

paralugar,deépocahistóricaparaépocahistórica,deculturaparacultura.Associeda-

des,aosetransformarem,gerametransformampráticassociaisouextinguemalgumas

jáexistentes.Estasdefinemnãoapenasasatividadesdelinguagem,masinstituempa-

péiselugaressociaisparaosquenelasseenvolvem.

Os gêneros como instrumentos para o

ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

2

Page 28: Ensino e Escrita

26

Escrita E Ensino Assim,porexemplo,apráticasocial“vender”exigeaatividadede“apresentaçãodo

objeto”porpartedovendedoreade“ouvirapresentação”porpartedocliente.Essa

prática socialexigeaindaaaçãode“compraroobjeto”ou“recusaroproduto”por

partedocliente.Nessasatividadesenessaesferadetrocaverbal(aesferadasrelações

comerciais),ohomemelaboragênerosdodiscursoougênerostextuais:cheque,nota

fiscal, formulário, lista de compras, apresentação, cumprimento, telefonema, e-mail,

bate-papo,garantia,cartacomercial,manualdeinstrução,anúnciopublicitárioetc.

Jánapráticasocial“reuniãodecondomínio”,asatividadesexigidassãooutraseos

gênerosdediscursooudetextoaseremelaboradostambém(convocação,edital,lista

depresença,ataetc.).

Comotambémnapráticasocial“tribunaldejúri”(discursodedefesa,discursoda

promotoria, lei,petição, intimação,mandadodesegurança,alegaçõesfinais, recurso

etc.).

práticasocial“tribunaldejúri”

(discurso de defesa, discurso da promotoria, lei, petição, intimação,

Vocêpercebeuqueaspráticassociaisinstauramdiferentesatividadesde

linguagemque,porsuavez,envolvemdiferentesformasdeexpressão?

Em outras palavras, existem relações entre as práticas sociais, as atividades humanas

eostiposdeenunciadosqueaelasserelacionam.Otrabalhodidáticocomalinguagem

emsituaçãoimplicaumaconcepçãodelinguagemquenãosefechanasuacondiçãode

sistemadeformas,masabre-separaasuacondiçãodeatividadeeacontecimentosocial.

ComoafirmaBakhtineVoloschinov,“todapalavraédeterminadatantopelofatode

queprocededealguém,comopelofatodequesedirigeaalguém.Elaconstituijusta-

menteoprodutodainteraçãodolocutoredoouvinte.Apalavraéterritóriocomumdo

locutoredointerlocutor.”(1995,p.149).Odiscursoemergedaatividadecomunicativa

entreinterlocutoresemumcontextosocialdeterminado,linguagemefetivamenteutili-

zadanaspráticassociaiscomo,porexemplo:

• quandoumestudantelêensaios científicosereportagens, produz resenhas, or-

ganizaosdados resultantes de suas observações em tabelas e gráficos inseridos

em um relatório e o envia ao professor.

• Quando o pai de um aluno, para efetuar a matrícula dofilho,preencheumfor-

mulárioeumcheque eoapresentacomoregistrodenascimento.

Page 29: Ensino e Escrita

27

• Quando a dona de casa prepara um bolo lendo uma receita culinária, faz uma

lista de compras, vaiaomercado,ondelêanúncios e embalagens e participa de

uma discussão paraobterdescontonospreços.

• Quandoosalunosorganizamumroteiro das tarefas acumprirparaaorganiza-

ção de uma festa na escola, escrevem bilhetes para os pais, enviam convites e

colamfaixaseanúncios nas paredes da escola.

• Quandoamãelêabula doremédiodeseufilho,contaumcontodefadasparaele, canta uma canção deninarelêumaparábola daBíblia.

• Quando o professor apresenta um enunciado de problema matemático no teste

queorganizaparaseusalunos.

• Quandoodiretordaempresaenviaume-mailparaogerenteeesteescrevecar-tascomerciaisaosclientes.

Comovocêpodeperceber,essasatividadesorganizame,aomesmotempo,sãoor-

ganizadaspormeiodeenunciadosquesão tãovariados,heterogêneosecomplexos

quantoasprópriasatividadesdohomem.ComoenunciaBakhtin:

ariquezaeavariedadedosgênerosdodiscursosãoinfinitas,poisavariedadevirtualdaatividadehumanaéinesgotávelecadaesferadessaatividadecomportaumrepertóriodegênerosdodiscursoquevaidiferenciando-seeampliando-seàmedidaqueaprópriaesferasedesenvolveeficamaiscomplexa(1992,p.279).

Emcadaesfera(oudomíniodiscursivo)dastrocasverbais,ohomem,nasinúmeras

situaçõessociaisdeexercíciodacidadania,respondeàsexigênciasdacomunicaçãoso-

cial,adequandoseusenunciadosàscaracterísticasprópriasdediferentesgênerosorais

ouescritosqueforamcriadospelasgeraçõesqueoprecederam.

Oconceitodeesferasdecomunicação(emquesedãoaspráticas sociaisquese

utilizamdaleituraedaescrita)constituiumapossibilidadepararefletirmossobreas

práticassociaisconstituídaspelalinguagemenosdãoumaideiadaimensavariedade

degênerosdodiscursoquepodemserreferênciaparadidatizaçãoemnossasaulas.E

comoadvertemMoita-LopeseRojo:

ensinarousodalínguaeentendercomofuncionaalinguagemnomundoatualétarefacrucialdaescolanaconstruçãodacidadania,amenosquequeiramosdeixargrandepartedapopulaçãonomundodoface-a-faceexcluídadasbenes-sesdomundocontemporâneodascomunicaçõesrápidas,datecno-informaçãoe da possibilidade de se expor e fazer escolhas entre discursos contrastantes sobreavidasocial(2004,p.78).

Osgênerossãoconstruçõessociaisehistóricas,comotudooqueécriadopeloho-

memeque,apesardeconfiguraremasaçõeshumanasemqualquercontexto/discurso,

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 30: Ensino e Escrita

28

Escrita E Ensino nãosãoinstrumentosestanques,queenrijecemaaçãocriativadohomem;aocontrário,

osgênerossãomaleáveis,dinâmicos,transformam-see,sobretudo,seadaptamàsne-

cessidadeseatividadessociaiseculturais.

Comoaparecimentodaculturaletradaescrita(ejásefalaemculturaeletrônica),

multiplicaram-seosgênerostextuais.Hojepodemosdizerqueaconstruçãodoletra-

mentoescolaréumprocessodeapropriaçãodegênerossecundários(complexos),ou

seja,de“transmutaçãodosgênerosprimários”,aquelesqueocorrememsituaçãode

cotidiano,osquaisacriançajádominaantesdeingressarnaescola.

Atransformação/adaptaçãodegênerospodegerarnovosgêneroscomo,porexem-

plo,ocorreucomaconversaçãocotidiana(bate-papo)queseadaptouparaaconversa

aotelefoneechegouaoe-mail.Masosusosdosgênerosnovospossuemidentidade

própria, instauram novas relações interpessoais, novas relações entre a oralidade e a

escrita,possibilitandonovosângulosdeobservaçãoedeensino-aprendizagem.

Tudo isso tornaasabordagensadvindasdemétodosdealfabetização tradicionais

(sintéticoouanalítico)inviáveis,ouseja,nãohámaisespaçoparaafragmentaçãodapa-

lavra/fraseemseusconstituintesmenores(sílabas/letras)valorizandoafonéticaeagra-

fia(ooraleoescrito),apresentadasdeformamecânica,descontextualizadaerepetitiva.

Ao contrário, o letramento passa a ser visto como um conjunto de práticas sociais

aliadasàleituraeàescrita,realizadopelosindivíduosmergulhadosemumcontexto

socialdeprodução,oquetornafalsaainferênciadeque“épossívelsepararoinsepa-

rável, istoé,queconcepçõesdealfabetização, letramentoepráticasdealfabetização

e letramentopossamserconsideradascomoautônomase independentes”(SOARES,

2008,p.9).

As práticas de alfabetização e letramento da atualidade, embasadas nos pressupostos

da teoria socioconstrutivista, buscam considerar como o ser humano se relaciona com o

objetodeconhecimento.Nessequadro,defende-sequealfabetizaçãoeletramentosão

processosconcomitantes,istoé,acompreensãoeousodaspráticassociaisdeleitura

eescritadevemocorrersimultaneamenteaoprocessodecodificaçãoedecodificação.

Oquesignificaisso?

Significaacreditarmosqueaçõesdealfabetizaçãoeletramentodevemlevaremcon-

ta a inserção da criança nas práticas sociais, considerando os modos do discurso neces-

sáriosàcriança,paraosquaiselaémotivada,ouseja,quedespertamnelaodesejode

lereescreveremumaatividadesocialemcurso,inseridaemumusosignificativode

leiturae/ouproduçãoescrita,formatadaemumgênerodetextoqueéconstruídoem

umprocessodeinterlocuçãoespontânea.

Nesseprocessodeinterlocução,acriançatemdesentiromotivoparaescrevereter

umaintençãoclaraaseratingidadiantedeumdestinatárioespecífico.Elaestádiante

Page 31: Ensino e Escrita

29

dedoisdesafiosquesãosimultâneoseinterdependentes:apropriar-sedosistemada

escritaedesenvolverhabilidadesdeproduçãodotextoescrito.Evocêdeveconcordar

conosco:comumapalavra,umafrase,uma“redação”ninguémvairealizaroseuintuito

discursivo,poissetratadeuma“expressãoescrita”quenãoexpressanada,porqueestá

desprovidadeumcontextodeprodução.

Aeleiçãodosgênerosdodiscurso/textuaiscomoobjetosdeensino,pelofatodeque

esse objeto contempla aspectos da ordem do contexto e do discurso efetivamente rea-

lizado,buscacontemplarocomplexoprocessodeproduçãoecompreensão/recepção

detextos,vistoqueogênero(oralouescrito)permiteincorporar,emumúnicoobjeto,

elementosde:

• ordemdosocialedohistórico;• situaçãodeproduçãodeumdadodiscurso(quemfala,paraquem,lugaresso-

ciaisdosinterlocutores,posicionamentosideológicos,emquesituação,emque

momentohistórico,emqueveículo,comqueobjetivo,finalidadeouintenção,

emqueregistroetc.);

• conteúdotemático–oquepodeserdizívelemumdadogênero;• construçãocomposicional–suaformadedizereasuaorganizaçãogeral-quenãoéinventadaacadavezquenoscomunicamos;

• estiloverbalorientadopelaposiçãoenunciativadoprodutordotexto.

Entreasrazõesquecitamos(NASCIMENTO,2009)parajustificaraimportânciado

estudodogênero,estáofatodeeleseconstituiremumaopçãomaisatraentedoque

oensinodalinguagemfundamentadonagramáticadescontextualizada,namedidaem

queogênerorespondedemaneiramaisadequadaaquestõesrelacionadasaosdiferen-

tesusosdalinguagemesuainterfacecomoexercíciodacidadania.

Nosciclos iniciais,parapodercontemplar,demaneiraarticuladae simultânea, a

alfabetizaçãoeoletramento,ouparao“alfabetizarletrando”, essa proposta caminha

em direçãoàscapacidades,competênciaseatitudesaseremdesenvolvidasnaEducação

Fundamental, articulando atividades em torno dos cinco eixos mais relevantes para os

diferentesciclos:

1) compreensãoevalorizaçãodaculturadaescrita;

2) apropriaçãodosistemadeescrita;

3) leitura;

4) produçãodetextosescritos;

5) desenvolvimentodaoralidade.

Para o desenvolvimento do trabalho didático, percebemos os gêneros textuais

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 32: Ensino e Escrita

30

Escrita E Ensino apresentados(implícitaouexplicitamente)comoferramentasdeensino-aprendizagem

emtodososeixosdaEducaçãoFundamental.Assiméque,nosciclosemquesedáa

aquisiçãodosistemadeescritaalfabéticoeoletramentocomoprocessossimultâneose

interdependentes,torna-seumdesafiomaiorquandosetratamdoscontextosescolares

dasséries iniciais,poisoprofessorprecisaconciliaressesdoisprocessosdeformaa

asseguraraosaprendizesaapropriaçãodosistemaalfabético-ortográficoeaplenacon-

diçãodeusodalínguanaspráticassociaisdeleituraeescrita.

Caroprofessor,porqueacreditamosserfundamentalqueaescola,aoreconhecero

letramentocomopráticasocialseconstitua,cadavezmais,comoagentedesseletramen-

to,esperamoscontribuirparaimplementaremseufazerpedagógicoainteraçãoverbal

eosusossignificativosdalinguagemnaspráticassociaisemqueseusalunosestãoinse-

ridos,oquepressupõeasatividadesdelinguagemnasdiferentesesferasdavidasocial.

Asuamediação,professor,juntamentecomasferramentas(VYGOTSKY,1993)que

vocêselecionaparacriarambientesqueauxiliemoacessodoalunoaomundoletrado,

pressupõeoensinodeliberadodediferentesgênerostextuaisquecirculamnoambien-

tecultural,cadaummarcadoporconvençõesenormasqueoconfiguram,exigindo

umadeterminadamaneiradeusaralínguaoralouescrita,como,porexemplo,ocorre

comogênerocarta(comercial,aberta,dereclamação,deleitor,depedidodeconselho

auma revista, de amor etc.).Constituem textospeculiares em relação às condições

deproduçãoemqueemergem,a certas convenções comoaestruturae aorganiza-

ção do texto, os recursos de coesão textual, os níveis de informatividade, a disposição

napágina,otipodediscursopredominante(narrativo,expositivoetc.)quepodemos

considerá-loscomodiferentesgênerostextuais.

Essaspeculiaridadesdosgênerosnos incentivamaestudá-los,nãoémesmo?Na

seçãoaseguir,começaremosenfocandoocontextodeprodução.

a basE dE oriEntaÇão para o Uso do gênEro: o contExto dE prodUÇão

Seráqueparautilizarmosumdeterminado

gênerotemosqueteralgumaorientaçãoespecífica?

Específica,não!MasestudiososcomoBronckart(2003)elencaseisfatoresquecor-

respondemàscondiçõesenunciativasqueconstituemtodaproduçãodelinguagem:

i. Esfera de comunicação:o cenárioou formação social (instituição:escola,

empresa,mídia, família etc., comas regras e rotinas interacionais emqueo

textocircula;

Page 33: Ensino e Escrita

31

ii. Identidade social dos interlocutores: olugarsocialdeondefalamosparcei-

rosdainteração(professor?pai?patrão?empregado?aluno?).Aavaliaçãoqueo

locutorfazdesimesmoedosoutrosquantoassuascapacidadesdeaçãocom

epelalinguagemequantoassuasintençõesnainteração.Ostraçosoumarcas

queosinterlocutoresdeixamdasimagensquetêmdesimesmosedosoutros

nessecontextoparticular;

iii. Finalidade: o intuito discursivo da interação, ou seja, a sua intenção nessa

interação;

iV. Concepção de referente:oconteúdotemático,oreferentedequesefalae

comoéjulgado/avaliadonessasituaçãodeinteração;

V. Suporte material:ascircunstânciasfísicasemqueoatodeinteraçãosede-

senrola (outdoor,livrodidático,revista,jornalimpresso/jornalon-line, oral ou

escrito),embalagem,vestuário,parede,muro,placa,cartazetc.

Vi. A relação interdiscursiva:omodocomosedáodiálogoentreasvozesque

circulamnasociedade:qualéa“voz”(dadonadecasa,dopolítico,doreligio-

so)quefalaemcertaspassagensdodiscurso(deumadeterminadaesferaou

formaçãodiscursivacomoadapropaganda,dapolítica),vozesqueemergeme

seconfrontam,polemizandoentresi,negando-seouseconfirmamnodiálogo

queéconstitutivodalinguagem,segundoBakhtin(1992).

A partir desse contexto de produção, o enunciador toma decisões para a seleção do

gêneroeparaaarquiteturainternadotextoqueomaterializa.

Vocêpercebeuquetodaaçãodelinguagemésituadaeporissomantémes-

tritarelaçãodeinterdependênciacomasituaçãodeproduçãoecomosefeitos

visadosnodestinatário?Diantedisso,comodeveriaseraposturadaescola?

Aposturadaescoladeveriaseradeexplorar,transformareenriqueceraspossibi-

lidadesdeusodosgêneros.Tambémdeapresentaraosalunososseus“esquemasde

utilização”que,deacordocomSchneuwly(2004),vãodesdeaescolhadogêneroede

suaadequaçãoàsituação,aotratamentodoconteúdo,aotipodecomposição,àrelação

que instauracomosparticipantesda trocaverbal, atéao tratamento linguísticoque

lhedáoestilo(vistoaquinãocomoefeitodaindividualidadedoprodutor,mascomo

elementoconstitutivodogênero).

Paraoreferidoautor,vaiserapartirdoesquemadeutilizaçãoqueogêneroserá

adequadoaocontextocomunicativo–abasedeorientaçãodaaçãodelinguagemserá

dadaporele.Osesquemasdeutilizaçãodogênerocompreendem,então,acapacidade

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 34: Ensino e Escrita

32

Escrita E Ensino deintegrarasrelaçõesdotextocomocontexto,assimcomoadecolaborarparaacons-

truçãoda“arquiteturainternadotexto”(BRONCKART,2003).

Dessemodo,podemosconcluirqueumaaçãodiscursivaéprefiguradapelosmeios

paraagirsobresimesma,oquesignificaqueoinstrumento/gêneroéummeiodeco-

nhecimentoquepermiteagireficazmentenasituaçãodecomunicação.

Porexemplo,aexistênciadoManualdeInstruçãoéoconhecimentonecessáriopara

ousoeacondiçãonecessáriaparaaaçãodiscursiva“escreverumManualdeInstrução”.

Damesmaformaqueoconhecimentoeocontroleda“enxada”sãocondiçõesnecessá-

riasparaaaçãode“plantarumasemente”.

AindasegundoSchneuwly(2004),abasedeorientaçãodaaçãodelinguagemfun-

cionaemduasdireções:

• Gênerocomo instrumento(umaunidadecompostaporconteúdotemático,composiçãoeestilo)quedeveseradaptadoaumdestinatário,aumafinalidade

emumadeterminadasituação;

• Oconhecimentodogênerocomocondiçãomínimaparaobomdesempenhodediferentessituaçõesdelinguagem.

Nessaperspectiva,quandovocêfalaouescreve,conformeolugarsocialqueocu-

pa(opapelsocialquedesempenhaaoenunciar),você(enunciador,sujeitoprodutor)

sempretemumaimagem,opiniõesevaloresconstruídos,tantodo(s)destinatário(s),

quantodotemaaoqualserefere.

Percebeu?

Estamosfalandodojulgamento,daapreciaçãovalorativa,daavaliação(positivaou

negativa)emrelaçãoaointerlocutor,aotematratado,aosobjetosdodiscurso.Essessão

osparâmetrosqueconstituemasituaçãoimediatadeprodução,devendosersempre

combinadoscomaabordagemdascondiçõessócio-históricasemquesedãoasintera-

çõessociais.

Sãoessasrepresentaçõessobreocontextodeproduçãoque levamoenunciador

deumtextooralouescritoatomardecisõessobreogênerodotextomaisadequadoà

situaçãodeinteração,comotambémàescolhadasoperaçõesdiscursivaselinguísticas

maiseficazesparaasuatextualização.

Assim, a construção do letramento escolar, vista como um processo de apropriação

degêneros,develevarosaprendizesaentenderemque:

• nemtodososparticipantesdeumapráticasocialdesempenhampapéisseme-lhantesouobedecemàsmesmasregrassociais;

• quetodasasescolhasrealizadaspeloenunciadortêmcomobaseocontextooucondiçõesdeprodução.

Page 35: Ensino e Escrita

33

Porexemplo,aodarumapalestra,queconstituiumgênerotextual,oenunciador

(produtor)temumpapeldominante,éelequemasseguraapalavra/turno.Dificilmente

alguémointerromperá,poisfoiestabelecidoemumcontrato“tácito”queosinterlo-

cutores(destinatários)devemseguirasexplicações,rirdasanedotas apresentadas pelo

palestrante,masnãosemanifestarverbalmentenodecorrerdapalestra.Somenteseo

palestranteabrirespaçopara,aofinaldesuaapresentação,responderpossíveisdúvidas

àplateiaéqueapalavraécedidaaosinterlocutores.

Ficasubentendido,então,quenessasituaçãodecomunicaçãoquemditaasregras

interacionaiséopalestrante,cabendoaoauditórioapenasprestaratenção.Aobserva-

çãodessasregrassociaisporpartedosparceirosdainteraçãovaiconstituirumrequisito

básicoparaosucessodeumeventocomunicativo.

Tambémserápautadonascondiçõesdeproduçãoenafinalidadededeterminada

situaçãocomunicativaqueoenunciadorvai traçarassuasestratégiasdiscursivas.No

casodapalestra,serãoinformaçõesdecomoéoespaçodaapresentação,ohorário,

o dia, a duração, os recursos físicos e de pessoal disponíveis, o interesse e a formação

daplateiaeoobjetivopropostoparataleventoquedefinemasestratégiasdiscursivas

realizadaspeloenunciador.

Resumindo:quantomaiorodomínioquetivermosdascaracterísticasdosgêneros

emusonassituaçõespúblicasformais,maioresserãoaspossibilidadesdeagireficaz-

mentecomalinguagem.Podemossintetizaroselementosqueconstituemocontexto

deproduçãonasquestõesaseguir:

Quem é o emissor? Em que papel social se encontra? Quais valores sociais assume e coloca em circulação? Como ele valora seus temas? Positivamente? Negativamente? A quem se dirige? Que grau de adesão ele intenciona? Em que papel social se encontra o receptor? Em que local é produzido? Em que instituição social se produz e circula? Em que momento? Em que suporte? Com qual objetivo é produzido? Em que tipo de linguagem (formal ou informal)? Qual é a atividade social com a qual se relaciona?

Professor,semareflexãoemtornodessasquestõesacompreensãodeumtextofica

emumníveldeadesãoaoconteúdoliteral,oqueéinsuficienteparaumaleituracrítica

ecidadã.Semumaleituracrítica,oleitornãodialogacomotexto,ficasubordinadoa

ele.

A partir desse contexto de produção, o enunciador toma decisões para a seleção do

gêneroeparaaarquiteturainternadotextoqueomaterializa.

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 36: Ensino e Escrita

34

Escrita E Ensino a rElaÇão da Escola coM os gênEros tExtUais

Emumaperspectivaenunciativo-discursivadalinguagem,

alínguaserátratadadamesmaformaquefoinoensinotradicional?

Apostamosqueasuarespostafoinegativa,poisquandoenfocamosalinguagemna

perspectivaenunciativo-discursiva,nãotratamosmaisalínguacomosistemaabstrato,

idealefechadoemsimesmo,semmanterqualquerrelaçãocomosaspectossociaise

culturaisdasinterações.

Naabordagemenunciativabakhtiniana,énainteraçãoverbalenoenunciadoque

encontramosa“verdadeirasubstânciadalíngua”.Porissoéqueaenunciação(atode

enunciarouproduzirenunciados),vistacomoprodutodasinteraçõessociais,constitui

aunidadedeestudodalínguatantonasinteraçõesfaceafaceinformais,comotambém

naquelasqueocorrememcontextossociaismaisamplosecomplexos.

A enunciação se dá em uma determinada situação de produção por meio de enun-

ciados–gênerostextuais–que,exercendoafunçãodesignoideológico,acompanham

osatosdecompreensãoedeinterpretaçãodavidahumana.Paranós,otextoéamate-

rializaçãodogênero,masoobjetodeensinosãoosgênerostextuais.

Pensandoassim,éfundamentalqueaescola,emseusprojetospedagógicos,colabo-

reparaa(re)construçãodasituaçãodeproduçãoerecepçãodotextolido.

Estamosnosreferindoàatençãoquenós,professores,devemosdaràsatividades

didáticascomocontextosocialemquesãoproduzidososenunciados/gêneros,comas

relaçõesdialógicas(desentido)quesetravamentreosenunciados,porqueestessão

plenosdeecosdevozesquesecruzamemumprocessocontínuodecomunicação.

Os gêneros são ferramentas indispensáveis à comunicação e devem constituir o

objetodeaprendizagemparaoaluno.Aoseaproximardesseinstrumento,acriança

desenvolveascapacidadesparaapráticaquesejaadequadaà interaçãosocialqueo

professor poderá recriar, na sala de aula, dentro dos limites impostos pelo contexto

escolareomaispróximopossíveldoreal.

Observemoscomoaprofessoraaseguirdeixadecriarumasituaçãodeusosigni-

ficativodalinguagemeignoraaspráticasdiscursivascomoconteúdoestruturantedo

processodeensino-aprendizagem:

Page 37: Ensino e Escrita

35

A professora entrou com seus alunos na sala de aula. O planejamento era para uma

aula sobre adjetivos. As crianças sentaram-se em seus lugares e tiraram o material.

Muitos conversavam e levantavam-se. A professora, então, falou:

- Peguem o livro de português. Achem a página 107.

Em seguida, começou a explicar:

- Existem palavras que falam da qualidade dos objetos ou pessoas, essas palavras

são os adjetivos. Elas são muito importantes porque com elas você pode descrever

melhor aquilo que está tentando dizer...

A professora colocou algumas frases no quadro e circulou os adjetivos, reforçando

a explicação. Em seguida, pediu para que os alunos lessem silenciosamente o que o

livro dizia sobre o assunto. Depois, pediu que resolvessem em seus cadernos os exer-

cícios propostos no livro.

Comovocêdeveterpercebido,ofocodessaaularecaisobreagramáticadescritiva

eametalinguagem,deixandodefocalizaralínguaviva,dialógica,emconstantemovi-

mentação,reflexivaeprodutiva.

Oobjetivodaaulanãoéodeagirsobreoprocessodedesenvolvimentodashabi-

lidadesdeusodaescritadoaluno,nemsobreautilizaçãodosistemalinguísticopara

umainteraçãosocial,nemsobreaspectosdaorganizaçãodeumtextoemumaatividade

discursiva.

Resumindo: o enfoquedessa aula não é ousoda língua escrita como formade

comunicação,ouseja,umexercíciodeproduzirtexto.Mastambémnãoéumexercí-

ciodeaprenderaproduzirtexto,umavezquenãoenfocaosprocessospelosquaiso

alunopoderiaoperarcomalinguagempararealizarumintuitodiscursivo(atividade

epilinguística).Oseuenfoqueéodefalarsobrealinguagem(metalinguagem),especi-

ficamentesobreaclassedosadjetivos–oquenadatemavercomosprocessosefetivos

deprodução(oralouescrita),deleituraouescutadeumtextooralouescrito.

Dolz,NoverrazeSchneuwly(2004)reconhecemqueatransposiçãodidáticade

gênerostextuaisconstituiumapráticadelinguagemempartefictícia,porqueascon-

diçõesdeproduçãoquesão recriadasnãosão idênticasàquelasqueacontecemna

realidadesocial.Masoprofessorpodecriarsituaçõessignificativascomoemmaisesse

exemplo:

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 38: Ensino e Escrita

36

Escrita E Ensino

A professora interagindo com seus alunos:

- Vamos fazer o passeio que combinamos?

Mas para sair devemos deixar um aviso no quadro, informando a todos que nos

procurarem que fomos ao parque. Mas antes, cada um de vocês vai escrever um bil-

hete para a mamãe, contando que faremos esse passeio. Na volta, vocês irão contar

oralmente o que viram no parque. Depois, vão escrever uma lista das atividades que

desenvolvemos lá. Vamos também produzir cartazes sobre o parque e a visita para que

outras pessoas se interessem e também queiram ir.

Osgêneroscitados(aviso,bilhete,contar, lista,cartazes) foram“escolarizados”,a

professora fez deles instrumentos para levar os alunos a determinadas situações de uso

dalinguageme,apartirdaí, implementarotrabalhodereflexãoeoperaçãosobrea

linguagemquepossibiliteaosalunosaconsciênciadosprocessosenvolvidos.

Em uma situação de ensino como essa, certamente o professor desenvolverá ativida-

descomseusalunosqueirãocontribuirparaqueelesseapropriemdascaracterísticas

contextuais,discursivaselinguísticasdostextospertencentesaosgênerosqueforam

acionados.Tomando-secomoexemploogênerotextualbilhete queosalunosleramou

produziramcoletivamentenalousa,comaprofessora:

Quaissãooselementosquecompõemaestruturacomposicionaldessegênero(as

convençõesdogênero)?

• Qual pronome de tratamento podemos utilizar para nos referirmos ao destinatá-

riodamensagem?

• Qualéopropósitocomunicativo?• Qualéa imagemqueoenunciador fazdesiaoagiredeseudestinatárioaoreceber?

•Avariedadelinguísticaeoregistroescolhidosãoadequadosaotema,aoobjetivo,àsituaçãodeinteração?

• Otemaquefoiabordadoéadequadoparasertratadoemumbilhete?• Comootextoseráorganizadoemsuaarquiteturainterna:osfatossãonarradosouexpostosaoparceirodainteração?

• Otextoapresentapassagemnarrativa?• Oautorrecorreaorganizadoresespaço-temporais(dotipo:na semana seguinte,

na casa da vovó)?

Page 39: Ensino e Escrita

37

• Apresentasequênciadescritivaarticuladaàsequêncianarrativa?• Tendoemvistaabasedeorientaçãoqueocontextodeproduçãolhedá,porqueoprodutorrecorreaessestiposdesequênciatextualnasuaaçãodelinguagem?

• Comosedáofechamentodotexto?

Enfim,apartirdessas(eoutras)indagações,progressivamenteoprofessorvaicapa-

citando o aluno para o uso, cada vez mais consciente, da construção composicional, do

estiloedotemadogênerofocalizado.

Todasessasindagaçõesarespeitodasdecisõesquelevamoprodutoraselecionar

elementosparaousodeumgêneroconstituemostrêsconceitosinterdependentesde

Bakhtinparacaracterizarosgêneros:otema,asuacomposiçãoeseuestilo.

Bakhtin (1992) representa como sendo a primeira característica o tema, que dá

unidadede sentidoao texto,quepor suavezé individual,nãoé reiterável,porque

expressaumasituaçãohistóricaconcreta(aorigemdotexto),édeterminadopelasfor-

maslinguísticas(palavras,formasmorfossintáticas,sons,entonação)epeloselementos

não-verbaisdasituaçãoedocontextosócio-históricomaisamploqueoenvolvem. A

segundacaracterística–aconstruçãocomposicional–éaestruturaeorganizaçãodo

textodeumdeterminadogênero,queéresultantedeváriosfatores:asnecessidades

dasituaçãodeinteraçãoedatradição,poisosgênerosnossãodadospelasgerações

anterioresquedeleseutilizaram.E,porúltimo,aterceira–oestilo,queéaescolha

doagenteprodutorporformasdalíngua–asseleçõeslexicais,asformasgramaticais,a

organizaçãodosenunciados–quedarãooacabamentoaoenunciado/gênero.

critérios para a sElEÇão dE gênEros a sErEM didatizados

Odiscursocomopráticasocialéoconteúdoestruturantepreconizadopelasdiretri-

zeseducacionaisparaaeducaçãobásicanoBrasilpara:

• aspráticasdaoralidade;• apráticadaleitura;• apráticadaescrita;• apráticacomaliteratura;• práticadeanáliselinguísticanaoralidade,leituraeescrita.

Essas“diretrizes”conduzemoprofessoràquestão:Qualpráticadelinguagemenfo-

carparaotrabalhoquemeproponhoarealizarcomosmeusalunos?Quaisgênerosdo

discursoconfigurampráticasdelinguageminteressantesparaaquiloquedesejoenfocar

emminhasaladeaula?

Com o objetivo de desenvolver capacidades para melhorar uma determinada prática

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 40: Ensino e Escrita

38

Escrita E Ensino delinguagem,oprofessorpodecontarcomdoiscritériosparaaseleçãodosgêneros:

1.Ocritériodasesferasdecomunicação(Bakhtin)e2.Ocritériodeagrupamentosde

gênerosdeDolz,NoverrazeSchneuwly(2004).

o agrUpaMEnto dos gênEros

Sabemosquedurantemuitotempooensinodeleituraeproduçãoescritaesteve

atreladoaumaconcepçãode“tiposdetexto”:narração,descrição,dissertação,oque

restringiaaumaabordagemdotextocentradanascaracterísticaslinguísticas,otextoera

utilizadocomopretextoparaensinargramática.

Otextonãoeravinculadoàspráticassociaisdelinguagem,hajavistaqueessasclas-

sificações tipológicas não forneciammuitos critérios para oprofessor decidir o que

deveriaensinar.Quandosefalavaemnarração,eracomosetodosostextosnarrativos

tivessemumaestruturageral:umcenário(queincluiriaadescriçãodaspersonagens,

dolugaretc.),umaoumaiscomplicaçõesouproblemas,umaoumaisresoluçõese,

finalmente,umdesfecho,queatépoderiaconterumaavaliaçãooumoral).Acreditava-

se queaconstruçãodessaestruturaporpartedosalunosforneceriaelementosparaa

apropriaçãodostextosnarrativos.Elesteriamcomeço,meioefim.

Sabemosoquantoissotudotemsemostradoinócuoparaaaprendizagem.Atéé

possívelreconhecermosalgumasdessascategoriasemumafábula,umcontodefadas,

umacrônica,umcontopolicial.

Masissonãofazcomqueesses“textosnarrativos”deixemdetergrandes

diferençasentresi,nãoémesmo?Porquê?

Porquecadaumdessesgênerosvisaaatingirpropósitoscomunicativosdiferentes,

refletindoerefratandoasuasócio-históriadeaparecimento,demodificação,deadapta-

çãoaoscontextossociaisemquevãocirculando.Seriaincoerenteclassificarmosvários

textoscomosendonarrativas!Afinal,elesseconcretizamemformasdiferentes–em

gênerosdistintos–quepossuemcaracterísticascontextuais,discursivaselinguísticas

específicasqueprecisamserobjetodeensinosistemático.

Pensemosagoraemuma“dissertação”,queanteseraapresentadaaosnossosalu-

noscomotendoumaintrodução,umdesenvolvimentoeumaconclusão.Ora,oque

dizerdoeditorialdejornal,doartigodeopinião,dacartadoleitor,daresenhacrítica,

dorelatóriocientífico,doartigocientíficoedetantosoutrosgênerostextuaisquesão

colocadossobesserótulodissertação?

O editorial, o artigo de opinião, a resenha crítica e a carta do leitor são textos

Page 41: Ensino e Escrita

39

pertencentesagênerosdaordemdoargumentar,ouseja,oprodutorprocuradefender

umaopinião,sustentando-acomargumentos,considerandopossíveiscontra-argumen-

tos e levando o leitor a uma conclusão, mas cada um possui sua estrutura composicio-

nal,seuestiloetema.

Nãopodemosdizeromesmodorelatório,doartigocientífico,doverbetedeenci-

clopédia,dotextoexplicativodolivrodidático,daexposiçãooral,dapalestraquesão

textospertencentesagênerosdaordemdoexpor,masneles,apesardeoprodutor

procurar expor, explicar ou construir saberes, percebemosdiferenças.

Porexemplo,seráqueascondiçõesdeproduçãosãoasmesmasparatodos?

Eosuporteemquesãovinculados?Oquevocêacha?

Como já assinalamos, nas diferentes esferas de atividades humanas as práticas so-

ciaispropiciamdiferentesusosefunçõesparaalinguagem–enãosãoosmesmosos

textosempíricos(oraisouescritos)quecirculam.Exemplificandonovamente,imagine

quevocêquerlevarosseusalunosafazeremastarefasdecasa,porqueobservaqueeles

nãoestãolevandoasérioessaatividadeescolar.

Queferramentaouinstrumentovocêusaráparaessapráticaeatividadedelingua-

gem?Quegênerotextualpoderiaser:umsermão?Ouumcontoinfantil?Ouuma

anedota?Umacarta?Ume-mail?Umapeçateatral?Umareportagem?

Umapalestracompedagogo?

Acreditamosquesim,qualquerumdessesgênerospoderiaseradequado,depen-

dendodosobjetivosdainteração.Contudo,nãoseriaadequadoquevocêutilizasseum

requerimento,umofícioouummanualdeinstruções,nãoémesmo?

Sabemosqueaslinguagensetextosquecirculamemdiferentesesferassãoadequa-

dosadeterminadoscontextosousituaçõeseporessarazãonãopodemserosmesmos.

Hátextosquepertencemagênerosquesãoadequadosàsesferasdavidaburocráti-

ca,comorequerimentos,ofícios,passaporte,declaração,depoimentos,requerimentos,

instruções, relatórios, roteiros,mapas, listas, regulamentos. Jáoutrossãoadequados

àsesferasdacriaçãoliterária,comooscontosdefadas,osromances,ospoemasetc.

Outroscirculamnasesferasjornalísticas,publicitáriaseseencontramvinculadosemdi-

ferentes veículos de comunicação de massa como imprensa, televisão, rádio e Internet,

como,porexemplo:manchete,infográfico,editorial,reportagem,entrevista,notícias,

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 42: Ensino e Escrita

40

Escrita E Ensino propaganda,filmepublicitário1(VT),spot, etc.

Ostextosquecirculamnomesmocontextoapresentamaspectoscomunsdeforma-

toedelinguagem,oquesignificaqueelespertencemaumamesmaesferaoudomínio

discursivo.

Comoobjetivodeconstruirprogressõesdidáticas,Bronckart(2003),Dolz,Nover-

razeSchneuwly(2004)propõemoseguinteagrupamentodegêneroscombaseem

domíniossociaisdecomunicação:narrar,relatar,argumentar,exporeprescrever.

Agora,observeabaixoessescincoagrupamentosdegênerosdeacordocomoscri-

tériospropostospelosautores:

1) domíniosocialdecomunicação;

2) aspectostipológicos;

3) capacidadesdelinguagemdominantes.

Domínios Sociais Aspecitos tipológicosCapacidades de

linguagemExemplos

Cultura literária Narrar

imitação da ação

humana através da

criação de intriga no

domínio do faz de conta,

do verossímil.

Contos de Fadas

HQs

Fábula

Romance

Documentação e

memorização das ações

humanas vivenciadas

Relatar

Representação pelo

discurso de experiências

vividas situadas no

tempo

Notícia

Memória,

Autobiografia

Relatório, Diário

Discussão de problemas

sociais controvérsiosArgumentar

Sustentação, refutação,

negociação de tomadas

de posição

Anúncio publicitário

Editorial, Debate,

Carta de Reclamação,

Resenha crítica

Artigo de opinião

Transmissão e

construção de saberesExpor

Apresentação textual

de diferentes formas de

saberes

Texto informativo

Seminário

Exposição oral

Regulação de ações Prescrição e Instruções

Regulação mútua de

comportamentos por

meio da orientação

(normativa, prescritiva

ou dscritiva) para a ação

Receita culinária

Regras de jogos

Bula

Lei

Regulamento

1 O filme publicitário ou VT é aquela publicidade que tem duração de 30 segundos, é filmada fora dos estúdios de uma agência de publicidade ou emissora de televisão e, em sua produção, são utilizadas técnicas de cinema. Já o spot são as chamadas que são veiculadas no rádio para informar sobre algum produto/serviço ou promoção de loja.

Page 43: Ensino e Escrita

41

os gênEros tExtUais E o Ensino EM Espiral

Apropostadosautoresconstituiumaboareferênciaparaaspráticaspedagógicas

nassériesiniciais,comonoensinoFundamentaleMédio.

Comonós,professores, temosdeorganizaroplanejamentodenossasatividades

comleitura,produçãoeanálise linguística(ostrêseixossobreosquais trabalhamos

comnossosalunos),devemosorganizarastransposiçõesdidáticasdosgênerostextuais

tendoemvistaumensinoemespiral,comorecomendaDolz(2009).

Vocêdeveestarseindagando:masoqueéensinoemespiral?

Ensinoemespiraléocontráriodaqueleensinolinear,emquesetrabalhacomum

tipode texto e depois se passa a outro, e outro, subindodegraus emdificuldades,

como,porexemplo:oprofessorda5ªsérie(6ºano)deixavaparatrabalharosgêneros

do argumentar (artigodeopinião,dissertação argumentativa, cartade leitor, debate

regradoetc.)paraa8ªsérie(9ºano)etrabalhavacomosgênerosdorelataredonarrar

nassériesiniciais.

Porquerazãooprofessoragiaassim?

Talvez porque ele considerasse a argumentação oral/escritamuito difícil para as

crianças!Talvezjustificasseargumentandoque“ascriançasnãotêmaindaopiniãofor-

madasobreascoisas”;“osalunosnãosabemargumentarparadefenderumaopinião”;

“nãoconhecemaestruturabásicadaargumentação:tese,argumentos,contra-argumen-

tos,refutaçãoeconclusão”.

Noentanto,vejamoscomoavariedadedegênerosdetextospodesertrabalhadaem

todasasséries,emummovimentoemespiral(nãolinear),deacordocomasugestão

deDolz(2009).

Nãosetratadeconsideraranarração,porexemplo,comopré-requisitoparaoes-

tudodeumtextoseguinte,ouseja,comoumtexto-baseparasechegaraostextosmais

difíceis,comoaexplicaçãoeaargumentação.Aoinvésdeseguirumalinharetaquevai

deumtextoaoutro,aprogressãoseriaemcurva:distanciando-segradualmentedoen-

sinado,paravoltaraabordá-lomaisadiante,segundoumaabordagemmaisadequada

aomomentoeaoprogressodoaluno.

Assim,avariedadedegênerosdetextospodesertrabalhadanosprojetosdidáticos

emtodasasséries,comopreconizaDolz(2009).

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 44: Ensino e Escrita

42

Escrita E Ensino Aaprendizagememespiralrefere-seaoensino/aprendizagem,emtodososníveis

escolares,dadiversidadediscursiva(narração,explicação,argumentação,descriçãoe

diálogo).Oquevariadeumnívelescolarparaoutroéquedeumladoestáogênero

escolar e de outro as dimensões ensináveis dessegêneroquevãoprogredindoemcom-

plexificação(DOLZ;NOVERRAZ;SCHNEUWLY,2004),istoé,vãosendoaprofundadas

conformeoavançodoaluno.

Tudoissosempreconsiderandoaspectosculturais,sociaisehistóricosdocontexto

deprodução,enãosóenfatizandoaestruturaformal.Oqueincluigênerosdonarrar,

dorelatar,dodescrever,doprescrever,doargumentardesdeoiníciodoprocessodo

letramentoescolarematividadesbemadaptadasparacadaciclo.

Oprofessorsempreproporcionandoumadimensãomaisamplaaostextostrabalha-

dos,estabelecendorelaçõesdesentidocomoutrostextos,afimdequealeituranão

sejaapenasumespelhodaideiaqueoautorproduz.

Oexemploaseguirédeumaatividadeadaptadaaosciclosiniciais.Aatividadepara

a leitura e produção textual foi articulada em torno de uma unidade temática e de di-

versosgênerostextuaisepistolaresemquepredominaumdiscursodaordemdoexpor:

carta, bilhete, e-mail, cartão-postal, cartão de apresentação, carta de amor, carta aberta,

cartadoleitor,cartaliterária,cartadeapresentaçãoecartaformal.

Cada um desses textos constitui adaptações de modelos já existentes, mas as condi-

çõesdeproduçãodecadaumapresentamespecificidadesqueprecisamserlevadasem

consideração:finalidade,intenção,tema,imagensrecíprocas,papéissociais,maiorou

menorintimidadeentreosinteragentes,valoraçãoapreciativadecadagêneronogrupo

socialemquecircula.

Diantedisso,essestextosapresentamdiferentesarquiteturas(aindaquealgunsse

assemelhemmuito):otipodediscurso(exporinterativoouexporteórico,relatointe-

rativoounarraçãoficcional).Tambémapresentaformasparticularesdecoesãotextual,

deseleçãolexical,depontuaçãoetc.

Pensesobreisto:quandonosreferimosadiversosgênerosepistolares(cartadere-

clamação,cartaaberta,cartadoleitor,cartacomercial,cartaíntima),percebemosque

há cartas escritas com a intenção de expressar a opinião pessoal sobre um tema social

polêmico,ouaopiniãodeumgrupodepessoasabertamente;háasquesãoproduzidas

comaintençãoderelataracontecimentosvividosetc.Tudovaidepender,comojápon-

tuamos,docontextodeproduçãoquedáaoenunciadorosparâmetrosparaaaçãode

linguagemqueelevaiempreender.

Otrabalhodidáticocomosgênerosepistolarespoderiacomeçar,porexemplo,com

aleituradeváriashistóriasdaliteraturainfantilparaquedepoisascriançascriassemsi-

tuaçõesemqueaspersonagensteriamderecorreradiferentesformasdecomunicação

interpessoal.

Page 45: Ensino e Escrita

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Emseguida,começariamaproveitandosituaçõesreaisacontecidasnaescolasobre

asquaisascriançastrocariamcartõespostais,cartasíntimas,e-mailsoucartasparaopi-

narsobrefatosreaisimportantescomo,porexemplo,cartaaocolegaparamostrara

importânciadavacinação;cartaaoprefeitoparasolicitarumacampanhaparavacinar

cachorro;cartaaodiretorpedindo-lheparadaropiniãosobreasbrigasdealunosno

pátiodocolégio;cartaàmãepedindo-lheparacriarumcachorro;cartaaospaisdando

asuaopiniãosobreospaisquefazemastarefasparaosfilhos;cartaabertadosmorado-

resdesuaruapedindoumacampanhadevacinaçãoparaoscães;atémesmocartaao

PresidentedaRepública,aoGovernador,aoPrefeitoparadefenderaopiniãodequese

devemdarmelhorescondiçõesdevidaaosportadoresdedeficiênciafísica.

Como podemos notar, as atividades levariam os alunos a produzirem textos em dife-

rentesgênerosepistolares,tendocomobaseparaaseleçãoaadequaçãoaocontextode

produçãoeaoconteúdotemático(cartaaberta,cartadereclamação,cartadoleitoretc.).

Otrabalhopoderiatambémseriniciadoporumfilme(emqueascartaspoderiam

serumganchotemáticoparaaconstruçãodaintriga,porexemplo), ou sobre um texto

geradorquedetonariadiscussõesoraissobreotema.

Tambémpoderiaserfeitoolevantamentodosargumentosquedessemsustentação

aopontodevistadefendidoou,então,àenumeraçãodeaspectosnegativosoupositi-

vosrelativosàquestãoenfocada.

Ainda no momento da elaboração do texto coletivo em torno da proposta, poder-

se-iachamaraatençãoparaosseguintesaspectos:aestruturadotexto(comosepode

descreverotextopertencenteaessegênero);aimportânciadeescolherargumentos

quedessemsustentaçãoàopiniãodefendida;anecessidadederecorreraumdiscurso

doexporargumentativo;desaberrelacionarotérminodotextoàideiainicial;osre-

cursoslinguísticosexpressivosquepoderiamserutilizados;aseleçãodaspalavrasmais

adequadas;osaspectosortográficos;deconcordância;asvariaçõeslinguísticas(etudo

oquejásalientamossobregênerosaosquaisjánosreferimos),equecontribuempara

levarosalunosaseapropriaremdoinstrumento/gêneroqueservirácomoferramenta

demediaçãoentreosparceirosdasinteraçõesquevivenciam.

Aofinaldoprocesso,essetextocoletivopoderiaservir tantoparaa leituracomo

paraaproduçãodeoutrotexto,comotambémparaaanálisedosmecanismoslinguísti-

cosacionadospeloprodutordotexto,quesãocomunsaostextosdessegênero(análise

linguística).

Vejamosacartaaseguirqueumaalunada1.ªsérie(2ºano)daprofessoraLuzinete

Souza(2003)elabora,tomandoumaposiçãoemnomedoscolegaseconstruindouma

operaçãodejustificação,servindo-sedenoveargumentoseumcontra-argumento.

Observemosqueaintençãodaalunaéadeapresentarsuaopiniãosobreumtema

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 46: Ensino e Escrita

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Escrita E Ensino controverso,oquealevaarecorreraumtipodediscursodoexporargumentativoque

configuraumasequênciaargumentativaemtodasassuasfases:fasedapremissa(toma-

dadeposição),doscontra-argumentosedaconclusão:

Goiana, 22 de novembro de 1999.

Sr. Presidente Fernando Henrique Cardoso

Nos alunos da 1.ª serie B queremos que Você merole as situasões de mininos e meninas esta com defisiente físico nas Ruas ele entra na igreja e tei escada eles não entra não tei nigei para por eles la dentro e nei uma jite que eles e elas não coiese ela e ele e também não ce coiesem ele e ela porque eles e elas e defisiente e eles não e defisiente eles não pode joga Bola e nei andar de Bicicrete e nei di patis e também não pode pasia nas Ruas dos colega nei estudar Praque ele não da comta de escrever e nei ler oque ele vai fazer na escola so llarcha e brimcar na escola Dese jeito eles não podi pasar di ano

Obrigada porter Aterder o meu pidido

Lu

ExaminandootextodeLu,podemosverificaraseguinteorganizaçãodotexto:

Tomadadeposição:Nós, alunos da 1.ª série B, queremos que você melhore a situa-

ção de meninos e meninas com deficiência física...

Argumentos:

1)(porque)elequerentrarnaigreja

2)etemescadaenãotemninguémparapôrelesládentro

3)enemumagentequeeles(eelas)nãoconhecem

4)porqueeleseelasedeficienteeelesdeficientesnãopodemjogarbola

5)enemandardebicicleta

6)enemdepatins

7)etambémnãopodempassearnasruasdoscolegasnemestudar

8)porqueelenãodácontadeescreverenemler

9)oqueelevaifazernaescolaésólancharebrincar

Contra-argumento:

10) porque eles não podem passar de ano

Aalunadefendeasuaopiniãonacartaqueescreveaopresidente,recorrendoaum

tipo de discurso do expor interativo implicando a si própria como enunciadora (nós, da

primeirasérieB)eaointerlocutor(você)noiníciodotexto.

Page 47: Ensino e Escrita

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Depois o discurso continuado expor,mas em autonomia em relação à situação

deprodução(nãoempregadêiticosdepessoa(eu,tu,você(s),nós);dêiticosdelugar

(aqui, aí);oude tempo(agora,nestemomento)que remetemà situaçãodeprodu-

ção).Recorreamecanismosdetextualização,oschamadosorganizadorestextuais,que

permitema“costura”dotexto:porque(ligandooargumentoàtomadadeposição),e

também,enem(paraacrescentarargumento).

Quantoàcoesãoreferencialanafórica(queremeteaumreferenteexpressoanterior-

mentenotexto),percebemosqueaprodutoradotextorecorreaumaprogressãodo

conteúdotemáticopormeiodarepetiçãodepronome(ele,ela).Maistarde,aodesen-

volvercapacidadeslinguísticas,irárecorreraomecanismodecoesãonominalanafórica

porrepetiçãoouporsinônimo,(porexemplo:Elesquerementrarnaigreja.As crianças

nãopodemjogarbola).

Comovocêpodenotar,otextoopinativodacriançaapresentaumasequênciaargu-

mentativacompleta,comtodasasfasesqueaconstituem:fasedapremissa,dosargu-

mentos,contra-argumentosedeconclusão.

O texto é iniciado com suaopinião (premissa), em seguida, apresentaumargu-

mentoqueadefenda(começacomoorganizadortextualporque),mostrandoassim

indíciosdaoperaçãodejustificação.Elasabequeumcontra-argumentopodesurgirna

mentedodestinatário;então,considerandoaréplicadessedestinatário,elaargumenta

novamentecomumatomadadeposição.Observequeotextoapresentaumarremedo

deconclusão,masseutextoopinativojáapresentalegibilidade.Nãoseesqueça:aaluna

cursavaaprimeirasérie!

Vocêviu,nesseexemplo,aexperiênciarelatadaporumaprofessora(SOUZA,2003)

comaaprendizageminicialdaescritaeogênerodeopinião.Observouqueacriança

produziuumtextoquepertenceaodomíniosocialdapráticadelinguagemdoargu-

mentar (vejanoquadrodeagrupamentosdosgênerosno iníciodesse tópico).Essa

criança,recém-saídadapré-escola,fezissosemqueaprofessoraapressionasseoua

coagisseparaescrevercorretamente;simplesmentefoilevadaausaralínguaescritade

formasignificativa(elatinhaummotivoeumaintençãoaatingiremrelaçãoaodesti-

natário),parainteragircomalguémdandoasuaopiniãosobreumtemacontroverso,

polêmico,poisnemtodostêmamesmaopiniãoarespeito.

MesmoaLu,comseus7anoseoseupequenoconhecimentolinguístico,demons-

troutercapacidadesdiscursivaselinguísticasparaargumentar.

Então,vocêviuqueoargumentarnãodepende

daidadeoudograudeescolaridade?

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 48: Ensino e Escrita

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Escrita E Ensino Continuandoafocalizarasatividadesdenossaprofessora(SOUZA,2003),elaexer-

citavacomosalunosaçõesdelinguagemquelevavamascriançasaproduziremtextos

opinativosoraiseescritossobretemasdocotidianocomo:

-Ocestodolixodeveficarnocantodasala?Dêasuaopiniãosobreisso.

-Vocêconcordaqueéprecisotercarteiradabiblioteca?

-Oquevocêachadacriaçãodeumanimalemcasa?

- Aspessoasdevemcomersemlavarasmãos?Defendaasuaopinião.

- Ospaisdevemdeixaracriançadormirtarde?Oquevocêachadisso?

- Ospaisdevemfazeratarefaparaosfilhos?

Ascriançasexpressavamsuaopiniãoemtextos“escritos”coletivosouindividuais.

Noinício,eramarremedosdetextosescritos,masqueemalgunsmeseseramlegíveis

comotextosdogêneroartigodeopinião.

Vejamos agora outro texto como resposta à seguinte questãopolêmicaproposta

pelaprofessora:

Você acha que o cão é amigo do homem?

Eu axo purque cachoro ajuda o cego atravesar a rua ajuda a pulicia procurar o

ladrão ajuda a pulicia procurar droga mais ele faz coco na rua e a gente preciza linpar

eu acho bom sim ter cachoro em casa

(Marcia, 7 anos)

Diantedesseexemploreal,vocêconcordacomo“ensinotextuallinear”que

deixaaargumentaçãoparaasúltimassériesdoFundamental?

ParaBakhtin(1992),essessãoosparâmetrosqueconstituemasituaçãoimediatade

produção,devendosersemprecombinadoscomaabordagemdascondiçõessócio-his-

tóricasdeprodução.Porissoéqueasestratégiasdeensinodevemimplicarabuscade

intervençõesquefavoreçamaapropriaçãodosgênerosedassituaçõesdecomunicação

quelhescorrespondem,levandoosalunosaprogrediremnaquiloqueelesjásabem

em relação ao gênero e decompondo em formade atividades tudo aquilo que eles

aindanãoestãoaptosarealizarsozinhos.Issolevaráoprofessoraorganizarsequências

didáticas (DOLZ;MOVERRAZ;SCHNEUWLY,2004) queestejamadaptadasàscapacida-

desdelinguagemquesedesejadesenvolvernosalunosemrelaçãoaogêneroqueestá

constituindooobjetodeensino.

Page 49: Ensino e Escrita

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hEtErogEnEidadE tExtUal: a organizaÇão sEqUEncial dos tExtos

Nãopodemosnosesquecerdequetodogênerotextualsematerializaemumtexto

quegeralmenteéheterogêneonostiposdediscursoqueoconstituem,porquepode

serconstituídoporumtipodediscursodoexporoudonarrar.

Vocêjáviuque,segundoBronckart(2003),ostiposdediscursoseresumemem

quatro:exporinterativo,exporteórico,relatointerativoenarração.

Tambémemsuaorganizaçãosequencial(ADAMapudBRONCKART,2003)umtexto

podeserconstituídoporcincotiposdesequências:sequênciasnarrativas,sequências

descritivas,explicativas,argumentativas,injuntivasedialogais.

Umacartapessoal,porexemplo,podeconter:

• sequêncianarrativa(aorelataracontecimentos);

• sequênciasdescritivas(aodescreveraçõesoucontextodasaçõesetc.);

• sequênciaargumentativa(aoapresentaredefenderumatomadadeposição);

• sequênciasexplicativas(observáveisnostextosinformativosedidáticosparaex-

plicarascausasourazõesparaumfato);

• sequênciasinjuntivas(observáveisnasreceitasculinárias,manuaisdeinstrução,

regulamentos),cujafinalidadeélevarodestinatárioaumfazer;

• sequênciasdialogais(nodiscursodireto).

Paraexemplificar,observeaheterogeneidadetextualdodiárioaseguir:

Querido diário:

Hoje o dia foi muito legal. [sequência descritiva]. Fui conhecer a casa da

Vilma. [sequência narrativa] A casa dela fica num novo bairro da cidade, tem

um jardim lindo. [sequência descritiva]. Eu logo soube que aquela era a casa

dela [sequência narrativa], porque ela sempre teve mania de plantar flores por

toda parte.[sequência explicativa] Quando eu cheguei lá peguei todo o mundo

dançando.[sequência narrativa] Você imagine! [sequência injuntiva] Era o

aniversário do Valter e fizeram uma festa-supresa para ele. Fiquei pensando .[se-

quência narrativa] Como é bom conviver com gente de bem com a vida, faz bem

diminui o stress. Além disso, o amor entre todos contagia a gente e isso faz bem ao

coração. [sequência argumentativa] amanhã conto mais novidades para você.

[sequência narrativa]

Observoucomoécomplexooemaranhado,atessiturade“tipostextuais”,ouseja,

desequênciastextuaisemumtexto?

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 50: Ensino e Escrita

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Escrita E Ensino Vejamosagoraotextoproduzidopormaisumaalunada1.ªsérie,apresentadopor

Marcuschi(2003)emumaatividadedeproduçãoenglobadaemprojetosobregêneros

doagrupamentodonarrar,quetambémconstituemgênerossecundáriosequeneces-

sitamdeumaprogressãoemespiralquedêcontadeatividadesdidáticasdedificuldade

crescente.

Apropostadaprofessora sedesenvolveassim:ogênerovai adquirindosignifica-

doemsituaçõesconcretasdeprodução(aatividadeemqueseincluiaproduçãodo

contoabaixoérecortadadaatividade“Horadahistória”,emqueascriançasprimeiro

reproduzemoralmente,desenhamaspartesdequemaisgostamedepoisescrevem)

atéchegaraoobjetivovisado:montarum“livrodehistórias”comostextosconstruídos

pelaturma.Ointuitodiscursivo,comopodemosver,estáclaroparaosprodutores,o

gêneroescolhidotambém.

Apartirdeumgêneroprimário,o“relatooral”,passamautilizaruminstrumento

maiscomplexo(contoparaolivrodehistóriasdaturma).Esteterádesermoldadopara

mediarainteraçãonaesferadacriação(literária).

Essaseráumaproduçãocontrolada,auto-suficiente,autônoma;alémdisso,vaipas-

sar por um processo de adaptação em sua estrutura composicional, tratamento do tema

eestiloprópriosparacircularnessanovaesfera.Portanto,ogêneroprimáriosetrans-

formaráemgênerosecundárioqueprecisaseraprendido/ensinado,ouseja,didatizado

(NASCIMENTO,2009).

Observemoso“conto”queAna(alunadaprimeirasérie)produziu:

O peixe

Era uma vez que tinha uma menina que jamava Magali ela foi peca no rio que tem la peto da casa e ela falou para a mãe dela;- Mãe eu vou para o rio e vai traze um peixe.E ela esta pescando e o anzol trem e ela puxou avara e saiu um peixe grande ela pegou o peixe e foi tira uma foto com ele e façou para o home;- Home voce fais um favor o que voe quer menina eu quero tira uma foto com o meu peixe que eu pesque coto que paga? Paga 50 setavo tão toma o diero. Mais a foto não sai escuro e ela leva o peixe para a mãe dela fritar. Qando foi come ela esqueseu a iscama que intalou na boca e a mãe dela salvou ela ela qasi qui si afogou. Ela não podi come peixe com iscama que é pirigozo.

Page 51: Ensino e Escrita

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Observemosqueotextodameninaproduzumefeitodecoerêncianotexto,con-

seguindoprenderaatençãodoleitoratravésdaintriga,tensãoprovocadapelasações

criadas.Asequênciadefatosobedeceaumaordemtemporal.

Otextoseorganizaemcincofasesdasequêncianarrativa:situaçãoinicial,complica-

ção,ações,resoluçãoesituaçãofinal.Hátambémafasedeavaliaçãoeafasemoral,que

dependemmaisdonarrador.

Quanto aos mecanismos de textualização construídos no texto, percebemos a preo-

cupaçãodoprodutorcomaconexãotextual:háorganizadorestextuaisquecontribuem

paramanterasligaçõeseasrelaçõesentreasestruturasdotexto.Aconexão(e)aparece

muitasvezesnotexto.Como,porexemplo,nalinha8,emqueousodo“mais”estabe-

leceoencadeamentoargumentativodeduasfrases.

Quanto aosmecanismos de coesãonominal (anáfora pronominais ounominais)

queasseguramaretomadaouasubstituiçãodeelementosdotexto,ameninaseutiliza

dopronome“ela”inúmerasvezes,emsubstituiçãoa“umamenina”,construindoassim

umacadeiaanafóricapronominal.

Otrabalhodaprofessora,queculminounotextodaaluna,trabalhadoemsuastrês

dimensões (contextual, discursivas e linguísticas) emumaatividade sócio-discursiva,

possibilitouaumapequenacidadãacompreensãocríticadeumgênerocomquepode

lidarnocotidiano.

gênEros híbridos: gênEros qUE sE EntrEcrUzaM

Adiversidadedefunçõesqueummesmogêneropodeexerceréoutroexemplode

comoéprecisoestaratentoàexploraçãodosgênerosnasaladeaula.

Os gêneros não são imóveis, sobretudo em certas esferas de atividade, emque

oagentedainteraçãorecorreaestratégiascriativas,tornando-osmaisimprevisíveise

flexíveis.

Nessassituaçõesdeprodução,podemsimularumacançãoemformadecarta,um

regulamentoemformadehistóriaemquadrinhos,umcontodemistériorepletode

bilhetes, interrogatório, cartas anônimas etc. São gêneros híbridos que se entrecru-

zamemumdiálogoquepodeconfundiroleitorsobreanaturezaefunçãodessejogo

intergenérico.

Observemos,noanúnciopublicitário,queadecisãodoprodutorfoiadedaraforma

deorganizaçãotextual-discursivadeumbilhete paraconvencerosjovensqueasgarotas

devem usar mini-saia, mas para isso devem usar meias de seda (e, com isso, aumentar as

vendasdoprodutoanunciado).

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 52: Ensino e Escrita

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Escrita E Ensino

Figura 1. revista cláudia, março de 2001.

Observemoscomo,aorecorreraumprocedimentodeenquadramentocontextual

(dialógico),umtextoserelacionaindissoluvelmenteaooutro.Aoencaixarumdiscurso

emoutro,oautorconseguiuumanotáveltransformaçãodoenunciadoalheio(ogênero

bilhetesofremodificaçõesnasituaçãosocialnaqualexerceumanovafunção).

Essehíbridodebilheteeanúnciopublicitáriopassaaterumaidentidadeprópria

vinculadaàscondiçõesdesuaproduçãoeàcomunidade(discursiva)quefazusodele;

houveumaretextualizaçãoqueproduziuumamudançanogêneroinicial–obilhete.

Oestilodeumbilheteébastantecoloquial,simulandoumainteraçãooralatravésdo

vocativo(CaraRochele),dousodeumexporinterativo(observeodêitico:você).Elese

encaixanoanúncioemumaespéciedeparódiadogênerobilhetecomoformadedar

umconselhoaoamigo.Essainterdiscursividade/intertextualidadeseconstituiemação

persuasivasobreodestinatário.

Portanto,temosaíumgêneroquedeixoudecircularemumaesferadecomunicação

privada(escreverumbilheteparaumamigoíntimo)epassouaserumgêneroquecir-

culaemumaesferadecomunicaçãopúblicaenãomaisprivada,dirigidoaumpúblico

consumidordessetipodeproduto.

Oformatoqueserviaparaveicularconteúdodecaráteríntimo,pessoal,passoua

vincularoutrosconteúdos,poisafinalidadedoautordoanúncioé,recorrendoàestra-

tégiadobilhete,mostrar,convencerasgarotas(comoRochele)quedevemusarmini-

saiacommeiasfinas.

Vejamosque,nobilhete, oautorrecorreamarcaslinguísticasdessegênero:ousoda

primeirapessoaquedemonstraaimplicaçãodointerlocutoraoqualobilhetesedirige

etambémafórmuladecomoiniciareterminaromesmo.

Quantoaoanúnciopublicitário, trata-sedegêneroquesecaracterizaporestratégias

Page 53: Ensino e Escrita

51

depersuasão.Porexemplo: frases imperativas, recursoscomofigurasde linguagem,

ambiguidade,jogosdepalavras,provérbios,metáforaporsimilaridadeouporcontigui-

dade,identificação,comparação,níveldelinguagemdeacordocomopúblicoquese

queratingir(NASCIMENTO,2004).Suaestruturacomposicionalébemvariável,masem

geralécompostaportítulo,textoqueampliaoargumentosobreotítulo,assinatura,

logotipooumarcadoanunciante.

palavras Finais

Nestecapítulo,buscamoscontribuirparalançaralgunsfundamentosparaumavi-

radaenunciativanoquedizrespeitoaoenfoquedetextosedeseususosemsalade

aula,propostaquetemecoadonasdiretrizescurricularesoficiais,nasquaisseconvoca

anoçãodegênerosdiscursivos/textuaiscomoinstrumentomediadorquerepresentaas

atividadesdelinguageme,aomesmotempo,significam-nas.

Buscamosrespostasparaalgumasquestões:

• Como podemos articular o trabalho didático nos eixos da alfabetização e do

letramento?

• Quesubsídiosteóricosepráticosnecessitamosparaotrabalhopedagógicocom

gênerosdediferentesesferasdeatividade?

• Comopodemosorganizarasatividadesemsaladeauladeformaafavorecera

interação,otrabalhoemgrupo,acontextualizaçãodaspráticasescolarescom

a leitura, aproduçãooral e escrita, a análise linguística inseridasnaspráticas

sociaisqueconfiguramdiferentesgênerosdodiscurso?

Apresentamosumconjuntodereflexõesteóricasepráticasdaabordagemdosgê-

nerosqueinfluenciamaelaboraçãodeatividadesdidáticasaseremselecionadaspelo

professorparacriarambientesqueauxiliemoacessodoalunoaodomíniodaleiturae

dos mecanismos de produção de textos em diferentes esferas e situações de uso, consi-

derandoquedesdeafaseinicial,quandooprofessoraindaseposicionacomoleitore

escriba,eleéoorganizadordeatividadeseinterferências,buscandosempreexploraras

operaçõesdelinguagemquedãosuporteàspráticassociais.

Noprocessodeconstruçãoereconstruçãodetextosedeleitura,buscamosenfatizar

a importânciadequeasatividadesdidáticasconstituamatividadessignificativaspara

oalunocomo,porexemplo,aproduçãodecartaaocolegadoentequefaltaàaula,a

produçãodecontosparaumlivroaserdoadoàbiblioteca,aproduçãodeartigospara

o jornal mural, os convites para a festa junina, a entrevista ao pioneiro do município, a

produçãodepoemasquecomporãoumCDparaasmãesetc.

Oimportanteéqueoalunosintadespertaremsiavontadeenunciativa,comodiria

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Page 54: Ensino e Escrita

52

Escrita E Ensino Bakhtin,queimplicamotivaçõesparadiscursaremdeterminadassituaçõesdeprodu-

çãotendoemvistaumdestinatárioespecífico.

Asatividadescomesobreosgênerosdetextosabrangem:

a)acompreensãodabasealfabéticadaescrita;

b)acompreensãodasregrasdosistemaderepresentação;

c)aorganizaçãotextual;

d)osrecursosexpressivosprópriosdaescrita;

e)osaspectosconstrutivosdoprocessodeinterpretaçãodostextos–quevãomui-

toalémdaleituradosentidoliteral.Portanto,vãomuitoalémdaalfabetização

centradanagrafiaouortografiaoumesmonarepresentaçãográficadouniverso

sonorodalinguagem.

Esperamosterdeixadoclaroque,paranós,escreverémaisdoqueaprenderagrafar

sons.Aprenderaescreveréseapropriardepráticasdiscursivaseusossignificativosda

escritaconfiguradasemdiferentesmodosdodiscurso(gêneros),emnovasmaneirasde

serelacionarcomtemasesignificadosenovosmotivosparacomunicareinteragircom

ooutro.

Tudoissoimplicaumaalfabetização/letramentocentradosnaconstruçãododiscur-

soconfiguradonaspráticassociais–osgênerostextuais.

BAKHTIN,M.Estética da criação verbal.SãoPaulo:MartinsFontes,1992.

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http://www.psicopedagogia.com.br-ConselhoFederaldePsicopedagogia.

Page 57: Ensino e Escrita

55

Proposta de Atividades

1) Vocêvairefletirsobreocontextodeproduçãodostextosaseguir:

texto i:

Ficomuitoagradecidaavocêpeloadjetivo“entediante”atribuídoaminhacida-de.Seráquevocêconsidera“entediante”acidadeporquenãoétãoesculham-badaquantoasua?

(MariaAparecida–Curitiba,PRCARTAS-RevistaVeja,Nº55,ano36).

texto ii:

Nacaradura

Quandoeutinha12anos,iaparaocolégiodecaronacomamãedeumaamiga.Àsvezes,agenteparavanosupermercado(umsaco,eusei,masnãoreclamarfazpartedomanualdeetiquetadacarona)eessaamigacolocavaumchocolatenobolsoe saía sempagar.Alémdeprecisardecoragem -nãopensequeascâmerasdaslojassãocaixasdepapelãopintadas!-elacorriaoriscodemorrerdedornaconsciência.Eeupensava:afinal,porquealguémfaz isso?Outrasgarotasparavamnãopeladornaconsciência,masporqueforampegas.Ascâ-marasfilmavamtudoeentãovinhaotraumadeumaterrívelexperiência.Tôforadisso!Agora,pegarcoisasdasamigaseseesquecerdedevolver,eufaçoalgumasvezes.

( Juliana–ContesuaExperiência–RevistaCapricho–27/05/2004).

texto iii:

EstAtuto DA CriAnçA E Do ADoLEsCEntE

Lein.8.069,de13-7-1990

TÍTULOI

DASDISPOSIÇÕESPRELIMINARES

Art.1.ºEstaLeidispõesobreaproteçãointegralàcriançaeaoadolescente.

Art.2.ºConsidera-secriança,paraosefeitosdestaLei,apessoaaté12(doze)anosdeidadeincompletos,eadolescenteaquelaentre12(doze)e18(dezoito)anosdeidade.

Parágrafoúnico.Noscasosexpressosemlei,aplica-seexcepcionalmenteesteEstatutoàspessoasentre18(dezoito)e21(vinteeum)anoseidade.

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

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56

Escrita E Ensino texto iV:

A árVorE quE ContAVA

Houveumaárvorequepensava.Epensavamuito.Umdiatranspuseram-naparaapraçanocentrodacidade.Fez-lhebemadeferência.Elaentusiasmou-se,cres-ceu,agigantou-se.

Aívieramoshomensepodaramosseusgalhos.Aárvoreestranhouo fatoecorrigiuseucrescimento,pensandoestarnadireçãodeseusgalhosacausadainsatisfaçãodoshomens.Masquandoelanovamenteseagigantouoshomensvoltaramenovamenteamputaramseusgalhos.

Aárvorequeriasatisfazeraoshomensporjulgá-losseusbenfeitores,eparoudecrescer.Ecomoelanãocrescessemais,oshomensaarrancaramdapraçaecolocaramemoutrolugar.

(FrançaJúnior.Aslaranjasiguais.2.ªed.RiodeJaneiro:NovaFronteira,1996,p.16).

a)Preenchaatabela:

Texto 1 Texto 2 Texto 3 Texto 4

Função social do autor

leitora da revista Veja que geralmente possui bom nível de escolaridade e informação.

Objetivo /intuito discursivo/intenção do autor do texto

demonstrar, pela carta, a sua indignação com a forma pejorativa com que sua cidade foi tratada pelo jornalista.

Imagem que o autor tem de seu destinatário

que ele é jornalista da revista Veja, portanto é um importante profissional da mídia, mas é arrogante e agressivo

Locais ou suportes pelos quais esse gênero de texto circula

revista semanal da Editora Abril, seus assinantes são considerados das classes A e B.

Contexto sócio-histórico possível da produção

nos dias seguintes à publicação da reportagem da revista que a autora da carta cita

Page 59: Ensino e Escrita

57

2) Coloquecadagênerotextualemseurespectivoagrupamento,considerandoostrêscrité-riossugeridosporDolzeSchneuwly(2004).

Artigo de opinião, editorial, receita, verbete, fábula, debate oral, seminário, regras de jogo, crítica de cinema, curriculum vitae, telenovela, conferência, notícia, horóscopo, di-ário de viagem, peça teatral, regulamento escolar, histórico escolar, carta de reclamação, notícia, história em quadrinhos, charge, autobiografia, diário, cordel, texto informativo, monografia, carta do leitor, lista de compras, lenda, lei, bula, regulamento, piada, con-trato de locação.

Narrar Relatar Argumentar Expor Instruir/Prescrever

os gêneros como instrumentos para o ensino e aprendizagem da leitura e da escrita

Anotações

Page 60: Ensino e Escrita

58

Escrita E Ensino

Anotações

Page 61: Ensino e Escrita

59

Cláudia Valéria Doná Hila

rEdaÇão E prodUÇão dE tExtos a partir dE gênEros discUrsivos

Vamosiniciarestecapítuloapartirdaleituratrêsdetextosdesenvolvidosporcrian-

çasdamesmaidadedesériesiniciaisconformeelasescreveram:

Texto 1

A iscola e muitu importanti a iscola ajuda agente a ter futuro eu gosto muito da iscola e da minha professora e poriso a gente tem que dexar a iscola bem limpa.

(M. 8 anos, escola municipal)

Texto 2

Maringá, 23 de maio de 2008.

Senhora diretora,Gostaria muito de pedir pra senhora que Mude a nossa sala do 2o. B para a sala que era

da biblioteca porque náo consiguimos aprender com o barulho que fica todo dia na quadra que dá ao lado da nossa sala.

Grata(P. 8 anos, escola municipal)

Texto 3

Texto 3O melhor amigo do mundo se chama g. d. g. bom esse enino conheço desde os 3 anos

de idade esse sim daria um amigo bom mas eu to falando serio sericimo esse menino é legal gentil palhaço engraçado mas muitissimo amigo é simpatico esperto e muito esportizado gosta de estudar mas éo segundo mas esperto da sala – eu sou o primeiro né...esse amigo tem muito carinhoo é entereçado nos dinos e nunca avandonarei ele porque

1- chorava ele estava do meu lado;2- brincava estava ao meu lado;3- estudava estava ao meu lado;4- brigava mesmo assim estava ao meu ladooooo enfim esse é o melhor amigo k alguem pode terrrrrrrrrr t vejo na aula c cuida (G, 8 anos escola privada)

A produção de textos nos anos iniciais

3

Page 62: Ensino e Escrita

60

Escrita E Ensino Vocêconsegueperceberadiferençaentreessestrêstextos?Notexto1,acriança

dizaquiloquedeveserdito,ouseja,escreveumtextosobreaescola,ressaltandoseus

aspectospositivos(“aiscolaajudaagenteterfuturo”),ovalordaprofessora(“eugosto

muitodaminhaprofessora”),masumvalorquedependedeumaação–adedeixara

escolalimpa.Essediscurso,narealidade,denotaumafalaquenãoéadacriança,mas

daprofessoraedaprópriainstituiçãoescolarque,comsuasnormaseseusdeveres,

instauraaquiloqueacriançadevedizer.Nessecaso,temosumclássicoexemplode

redação escolar,pois:

• acriançaescreveumtextoproduzidoparaaprofessoralerecorrigir;

• acriançaescreveaquiloqueaprofessoraquerouvir;

• acriançanãosecolocacomoalguémquetemalgoadizerdesiprópria.

Geraldi (1993) explica que o termo redação remete àqueles textos produzidos

para aescola,ouseja,nãoexisteumobjetivoconcretoparaseescreveroquesees-

creve,nemtampoucoumarazãoparadizeroquesediz,emuitomenosalguémpara

escrever(uminterlocutor),diferentedopróprioprofessor.Brito(1997,p.19)ratifica

essaideiaaoafirmarqueàcriança,quandoescreveumaredação,resta“falarparanin-

guémou,maisexatamente,nãosaberaquemfalar”.LopesRossi(2002)complementa

adiscussão,ressaltandoqueescreverredaçãolimita-seaumensinovoltadoapenasà

aprendizagemdaschamadas tipologias textuais–narração,descriçãoedissertação.

Paraaautora,essetipodeensinoéinadequadoeestáfadadoaoinsucessoporque:

• artificializaascondiçõesdeproduçãodeumtexto,namedidaemquenãose

escreveumtextoqueéprodutodeumapráticasocialautêntica;

• descaracterizaoalunocomosujeitonousoda linguagem, fazendocomono

exemplo1,quereproduzaoprópriodiscursodaescola;

• nãoestabeleceumrealinterlocutor(excetooprofessor)paraqueotextoseja

produzidoeparaqueesseinterlocutordêsentidoemotivaçãoparaseescrever;

• não há objetivos reais para se escrever, a não ser o de cumprir um exercício

escolar;

• nãoseobedecemàsetapasdaescrita,fundamentaisparaodesenvolvimentoda

criançanessaprática,comooplanejamento,arevisãoeareescrita.

Como efeito, a redação passa a ser um mero exercício escolar, desprovida de sen-

tidoparaacriança,enamaioriadasvezeso“coringa”,o“tapa-buracos”dasalade

aula,istoé,umaatividadeaserexecutadaquandofaltaumprofessorouquandosobra

temponaaulaenãohámaisnadaplanejadoasefazer.Emoutrassituações,écolocada

comotarefadecasa,poisemsalanãoépossíveltrabalhá-la.

Page 63: Ensino e Escrita

61

Nessescasos, faltaaosprofessoresoentendimentosobrearelaçãoentreaspro-

postasdeescritaeasconcepçõesde linguagemquecadauma implica.Entendero

significadodessasconcepçõesparaoensinodaescritaesuasdevidasimplicaçõesé

fundamentalparagarantirqueousoeficazda linguagemnãoapenasnoâmbitoda

escrita, mas de outras práticas da sala de aula, como a alfabetização, o trabalho com a

leitura,otrabalhocomagramática.Paraentendermelhoresseponto,observemosos

exemplos:

O peixeiro puxou o peixe da vara.O peixe mexia, mexia.O peixe caiu debaixo do caixote.Ele abaixou e pegou o peixe.Ele assou o peixe.Ele comeu o peixe assado.

(Cartilha. ALMEIDA, D. P. F. No Reino da Alegria. s/d)

TEXTO DE ALUNO

A casa é bonita.A casa é do menino.A casa é do pai.A casa tem uma sala.A casa é amarela.

(aluno de 8 anos)

aixo(GERALDI, J. W. Escrita, uso da escrita e avaliação. In: ______ (Org.). O texto na sala de aula. Cascavel: Assoeste, 1987. p. 121-125.)

Otextopresentenacartilhaébastantecaracterísticodaconcepçãodelinguagem

“comoexpressãodopensamento”presentenasdécadasde1960emeadosdade1970.

Nessavisão,acredita-sequeaexpressãoéconstruídanointeriordamentedoaluno,

semquaisquerinfluênciasexternas.Dacapacidadedoindivíduoorganizarlogicamen-

teseupensamentodepende,portanto,suacorretaexteriorização.Porisso,seexistem

regrasenormasgramaticaisaseremseguidaseseelasseconstituemcomonormasdo

bemfalaredobemescrever,afunçãodalinguagempassaaseraderepresentarou

refletiropensamentohumano.Porissomesmo,otextodoalunoquevemosàdireita

noquadrorepresentaessatentativadeadequar-seàproduçãodefrasesbemformadas,

aindaquedesprovidasdecoesão.

Emmeadosdadécadade1970,surgeumanovaconcepçãodelinguagemcomo

“instrumentodecomunicação”.Nessavisão,aescritaéconcebidacomomodeloase

imitar,característicodasinfluênciasestruturalistasdaépoca.Vejamos,porexemplo,

essaacepçãoapartirdeumapropostaretiradadeumlivrodidático:

a produção de textos nos anos iniciais

Page 64: Ensino e Escrita

62

Escrita E EnsinoVAMOS IMAGINAR

Imagine uma criança muito feliz (ou, se preferir, muito infeliz) com seu jeito de ser:- Como ela é fisicamente?- Como é o seu jeito de ser, ou seja, como ela se comporta?- Por que ela age assim?- Como essa criança trata essas pessoas?- Como ela gostaria de ser tratada?- O que vai ser essa criança quando crescer?Desenhe sua personagem e complete a história com as idéias que imaginou e depois dê

um título adequado.

(SORDI, R. Língua portuguesa: comunicação oral e escrita: 1ª. série. São Paulo: Moderna, 1995. p. 88.)

Paraauxiliarotrabalho,écolocadooseguintemodeloparaacriança:

A criança da minha história chama-se..........................Fisicamente é .......................................................................................Essa criança é muito...................... porque...........................................Quando conversa com as pessoas é muito............. porque.................A criança da minha história gostaria que a tratassem......porque.......Quando crescer, vai ser.............. porque.............................................

Nessecaso,ésolicitadoprimeiroqueacriançaimagineumapersonagem,como

se escrever não dependesse de um ensino intencionalmente planejado, mas da ima-

ginaçãoedodomdacriança(SERCUNDES,1997).Depois,elapreencheráaslacunas

deumtextopreviamenteorganizado,quejátrazinclusiveaquiloqueacriançadeve

escrever,comoseelanãotivesseoqueescrever.

Ascaracterísticasdeumensinodeescritavoltadoaessasconcepçõessãoasseguintes:

LINGUAGEM COMO EXPRESSÃO DO PENSAMENTO

LINGUAGEM COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO

- Saber se expressar e escrever equivale a saber produzir frases e orações corretas à luz da gramática tradicional;

- O foco de atenção é a frase;- Escrever é dominar a norma-padrão

da língua por meio da escrita de um amontoado de frases desconexas;

- Não há preocupação com a significação.

- Saber escrever é saber imitar uma estrutura de texto com base em outra pré-estabelecida, notadamente aquela escrita por escritores da esfera literária;

- O foco de atenção é a estrutura do texto;

- Escrever é saber imitar um modelo-padrão;

- Não há preocupação com o significado.

Essas duas concepções de linguagemmostraram-se insuficientes para promover

odesenvolvimentoda escritano aluno, exatamenteporquenãonos comunicamos

porfrasesouporimitaçõesdetextosdeescritoresfamosos,ouaindapelastipologias

Page 65: Ensino e Escrita

63

textuais,masnoscomunicamospormeiodeumaconversa,ume-mail,umartigode

opinião,umacartade reclamação,umboletimdeocorrência,umaentrevista,uma

fofoca,ouseja,noscomunicamospormeiodegênerostextuais.

Porissomesmo,apartirdadécadade1980emergeumanovaconcepçãodelingua-

gem,ade“linguagemcomoformadeinteraçãoentreossujeitos”,baseada,sobretudo,

emumacorrentelinguísticadenominadaInteracionismoSocial,tendoMikailBakhtin

comoseurepresentantemaior.Aoassumirmosessaconcepçãodelinguagemnoensi-

no,pensandonoatodaescrita,partimosdaideiadequeacriançatemumpapelativo

nomomentodesuaprodução,utilizandoalinguagemparainteragirconcretamente

comoutrapessoa.Eoquepodemosentendercomoumaatividadeinterativa?Antunes

(2003,p.45)explicaqueumaatividadeéinterativaquando:

[...]érealizada,conjuntamente,porduasoumaispessoascujasaçõesseinter-dependamnabuscadosmesmosfins.Assim,numainter-ação(“açãoentre”),oquecadaumfazdependedaquiloqueooutro faz também:a iniciativadeuméreguladapelascondiçõesdooutro,etodadecisãolevaemcontaessascondições.Nessesentido,aescritaé tão interativa, tãodialógica,dinâmicaenegociávelquantoafala.

Paraqueacriançaentreeminteraçãocomoooutro,énecessárioensiná-laaredigir

textosdecirculaçãorealouoschamadostextosdeuso.Pense:usamosanarração“pura”

comoumamodalidadede textodeuso?Não.Usamosanarração,porexemplo,para

nosauxiliaraescreverumareportagem,umacrônica,umacartaetc.Damesmaforma,

usamosodiscursodissertativoparaescrevermosumartigodeopinião,umacartadere-

clamação,pararealizarumdebateoral.Astipologiasseriam,dessemodo,instrumentos

paraaconstruçãodosdiversosgênerostextuais.PorissomesmoéqueosParâmetros

CurricularesNacionais(BRASIL,1997)elegemotextocomounidadedeensinodasaulas

delínguamaternaeosgênerostextuaiscomoobjetosdeaprendizagem,jáquesãopor

intermédiodelesquenoscomunicamosenosrelacionamosunscomosoutros.

Agorareparemosnoexemplodotexto2quecolocamosnoiníciodestaseção.Você

consegueidentificarquetextoéeste?Diferentementedoprimeirotexto,nosegundo

ficaclaroqueacriançaestáescrevendoumacartadesolicitaçãoparaadiretorapara

queelamudesuasalaparaoutra,devidoaobarulho.Há,portanto,umanecessidade

realdeinteraçãocomooutroeporissomesmoháoquesedizereparaquemsedizer.

Aqui,diferentementedaprimeirasituação,temosumexemplodeprodução textual a

partirdeumgênerotextualespecífico,noqualacriança:

• temoquedizer,frutodesuavivênciapessoalnasala;

• temuminterlocutor,quenãoaprofessoraprasedizer,nessecaso,adiretorada

escola;

a produção de textos nos anos iniciais

Page 66: Ensino e Escrita

64

Escrita E Ensino • defineumgêneroespecíficoparasedizer,acartadereclamação;

• sabe como dizer, pois ao escrever uma carta de solicitação evidencia um proces-

sodeaprendizagemrealizadonaescolamediadopelaprofessora;

• utiliza-sedeumgênerotextualparainteragircomooutro.

Omesmoocorreno texto3.Onde você se lembra ter visto esse tipode texto?

AcertousedissequeénaInternet.Essetextoéogênerodepoimento,presentenas

páginasdoOrkut, uma rede social presente na Internet, criada em 2004, cujo pro-

pósitoédivulgaroperfildeumapessoaedar espaçopara criarnovas amizadese

manterrelacionamentosentreamigosquecompartilhemcomelafotos,bate-papose

depoimentos,porémdiferentementedotexto2,quefoiresultadodeumensinointen-

cionalmenteplanejadopelaprofessora,aquitemosumexemplodoqueFreinet(1977)

eCagliari(1998)denominamescritaespontânea,ouseja,aescritaqueocorresema

mediaçãodeoutrapessoa,semainterferênciadaescola,masquetambémexemplifica

umasituaçãoautênticadeinteração,porqueacriançatemumobjetivoeoquedizer

(fazerumdepoimentoparaseumelhoramigo),temparaquemdizer(paraseuami-

go),constitui-secomolocutorrealquebuscaemsimesmoasinformaçõesparadizer;

insereotextonoveículoadequado(nocasoapáginadoOrkut)erealiza,inclusive,a

adequaçãodalinguagemaesseveículocomapenas8anosdeidade.

Por isso mesmo, os textos 2 e 3 atendem hoje a outro conceito importante para o

trabalhocomaescrita:oconceitodeletramentoescolar.ParaSoares(2002),serletra-

dosignificairalémdameraaquisiçãodocódigoescrito,éprecisofazerusodaleitura

edaescritanocotidiano:“seumacriançasabeler,masnãoécapazdelerumlivro,

umarevista,umjornal,sesabeescreverpalavrasefrases,masnãoécapazdeescrever

umacarta,éalfabetizada,masnãoéletrada”.Exatamenteporisso,aautoradefende

queaescolaalfabetizeletrandoacriança,colocando-aemcontatocomtextosreaisde

circulação,oquesignificaproduzirtambémgênerosdiscursivosespecíficospresentes

nasmaisdiversasformasdeinteraçãosocial.

Kleiman(2003)defineletramentocomooconjuntodepráticassociaisqueutilizam

aescritaemcontextosespecíficosecomfinalidadesespecíficas.Podemosconsiderar

aspráticassociaiscomoformasdeorganizaçãodeumasociedadedasatividadesedas

açõesrealizadaspelosindivíduosemgruposorganizados.Sãopormeiodessaspráti-

casquesedefinemasatividadeshumanas,bemcomoospapéiselugaressociaispara

aquelesquenelaestãoenvolvidos.

Apráticasocial“iràescola”,porexemplo,exigediversasatividadestantoporpartedo

professorcomoporpartedoaluno,como:planejaraaula,ouviroprofessor,elaborar/re-

alizarexercícios,discutirtópicos,prestaratençãonaaula,organizaratividadesetc.Exige

Page 67: Ensino e Escrita

65

tambémqueassumamosnessaesferasocialopapelsocial,querdeprofessor,querde

aluno(enão,porexemplo,denamorados,depatrão,deempregado).Nessaseemou-

trasinúmerasatividadesohomemelaboraoschamadosgênerosdodiscurso,taiscomo

agenda,prova,discussãooral,resumo,debateregrado,seminário,planodeaulaetc.

Dessa forma, as práticas sociaismobilizam diversas atividades de linguagem, as

quaisenvolvemdiferentesmaneirasdeexpressão,pormeiodosgênerosdiscursivos,

queimplicamemdiferentescapacidadesdecompreensãoedeprodução.Issoexpli-

ca,então,arazãopelaqualnãopodemosmaisusaremsaladeaulaapenasanoção

detipologiatextual,entendidacomosequênciastextuaisdefinidasporpropriedades

meramente linguísticas (descrição, narração, dissertação), já que, alémde não nos

comunicarmos por esses tipos de textos, eles não dão conta de desenvolver as ca-

pacidades de leitura e de escrita necessárias para a participação efetiva do indivíduo

emummundomultissemiótico,noqualhánecessidadesdeleitoreseescritoresnão

apenasdo textoverbal,masde textosque trazemmúltiplossistemasde linguagem

(verbal,visual,audiovisual,gestual),denominadosgênerosmultimodais,como,por

exemplo,históriaemquadrinhos,tirasemquadrinho,canção,anúnciopublicitário,

reportagem;propagandatelevisivaetc.

Por isso mesmo, a noção de letramento passa a ser ampliada, ou seja, o bom leitor

e,principalmente,obomescritornãoémaisaquelequeeescreveumaboanarração

oudissertação,maséaquelequeécapazdeescreveredecompreenderdiversosgêne-

rosdiscursivosmobilizadosnasmaisdiversaspráticassociais,atendendoafinalidades

específicasdeinteração.

tipologias E gênEros discUrsivos

Na seçãoanterior, vocêpercebeuquenos comunicamosporgêneros textuais e

nãoportipologiastextuais.Noentanto,comotemosumatradiçãomuitofortenesse

últimotipodeensino,aindapercebemosqueumadasgrandesconfusõespresentes

naescoladizrespeitoàdificuldadedecompreensãodessasnoções.Paracompreender

melhor,vamosobservaralgunsexemplosretiradosdelivrosdidáticos.Observemosa

seguintepropostadeescrita:

Invente uma história cujas personagens sejam crianças e animais. Você pode fazer individu-almente ou em grupo.

(CÓCCO, M. F.; HAILER, M. A. ALP 4: análise, Linguagem e pensamento: um trabalho de lingua-gem numa proposta sócio-construtivista. São Paulo: FTD, 2000.)

Tomemos outro exemplo, agora o paradidático de Jacqueline Peixoto Barbosa

(2003),intitulado“Receita”,noqualtemosaseguinteproposta:produçãodeumlivro

a produção de textos nos anos iniciais

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66

Escrita E Ensino dereceitasdasala,decorrentedeumprojetodesenvolvidoemsaladeaula:

Em grupo vocês vão produzir um pequeno livro, de no mínimo seis receitas. Cada grupo deve escolher o tipo de livro de receitas que vai produzir. Seguem quatro sugestões: 1. Recei-tas baratas; 2. Receitas rápidas e práticas; 3. Receitas fáceis; 4. Receitas malucas ou receitas da bruxa. Em seguida, a autora sugere os passos metodológicos para a realização do livro (1. Definição das receitas que farão parte do livro; 2. Reescrita da receita; 3. Revisão da receita; 4. Edição da receita; 5. Publicação da receita). Para cada passo apresentado, há orientações específicas. Finalmente, a orientação para publicação das receitas é: Agora que os livros estão prontos, resta mostrá-los para outros grupos. Você também deverá levar o livro para casa e mostrar para seus familiares. Afinal, eles poderão se divertir com as receitas mais estranhas que vocês inventaram. Combinem quanto tempo cada membro do grupo ficará com o livro e quem vai levar o livro primeiro.

(BARBOSA, J. P. Receita: trabalhando com os gêneros do discurso. 1. ed. São Paulo: FTD, 2003).

Noprimeirocasorelatado, temosumtrabalhocomaescritavoltadoà tipologia

narrativa,enosegundocaso,umapropostadeescritabaseadananoçãodegêneros

textuais,nocasoareceita.Asdiferençasentreessaspropostaspodemsermaisbem

observadasnoquadroabaixo:

quadro 1. diferenças entre propostas de escrita a partir de tipologias e a

partir de gêneros discursivos.

TIPOLOGIAS TEXTUAISPROPOSTA 1

GÊNEROS DISCURSIVOSPROPOSTA 2

1. A proposta não define um gênero em específico, apenas solicita à criança que “invente uma história”. Inventar parte da premissa da escrita como um dom.

1. A proposta define um gênero específico – a receita – e parte de um projeto trabalhado em sala de aula, oportunizando à criança ter o que dizer.

2. A proposta não se define por uma necessidade real de comunicação da criança.

2. A proposta de escrever uma receita define uma necessidade real de comunicação da criança: escrever um livro de receitas.

3. A proposta não define um interlocutor específico; é escrita para a professora.

3. A proposta define interlocutores específicos do livro de receitas – amigos e familiares.

4. A proposta não pressupõe um ensino intencionalmente mediado para cumprir uma função sociocomunicativa.

4. A proposta cumpre uma função sociocomunicativa – a de escrever um livro para ser compartilhado com amigos e familiares.

Oquevemos,emumensinobaseadoapenasnastipologias,éarepetiçãodecon-

teúdosnoâmbitodaproduçãotextual.Porexemplo,emsériesiniciais,oestudodos

elementosdanarrativaoudesuaestruturacomposicional(situaçãoinicial,conflitoe

desfecho),notoriamentesegundoopadrãodachamadanarrativatradicionalclássica,

naqualtemosaseguinteestruturaaserensinada:

Page 69: Ensino e Escrita

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FASES DA SEQUÊNCIA NARRATIVA TRADICIONAL

• Situação inicial: situa ou orienta o leitor a respeito da narrativa, o “estado das coisas” aparece equilibrado.

• Complicação: transformação desse “estado” equilibrado, introduzindo à narrativa uma perturbação, criando uma tensão.

• Ações: reúne acontecimentos desencadeados por essa perturbação.• Resolução: solução da tensão.• Situação final: novo estado de equilíbrio estabelecido.• Avaliação ou moral: comentário relativo à história, que pode aparecer explícito ou não.

Nãoestamosquerendoafirmarquevocênãodevaensinaressaestrutura,aliás,ela

éumaetapaimportanteparaoprocessodeconstruçãodaescritanassériesiniciais.

Oproblemaérepeti-lainsistentementeaolongodosanosescolares,mesmoquando

acriança já seaproprioudela.Essaestruturaclássicadanarrativa literária, advinda

daAntigaRetórica,podeservisualizadaemalgunsgêneroscomoocontodefadas.

Porém,ograndeproblemaéquemuitasescolasensinamessaestruturacomoseelase

realizassedamesmaformaemoutrosgênerostextuaisdaordemdonarrar.

Observemosotexto:

“Cinderela”

Era rei um filia e rei se caso.O rei morreu e a Cinderela ficou com a madasta. A madasta ficava chemmendo a Cinderela Cinderela cinderela javou javou....... Cinderela que ir comigo no baile meninas mispere e Secolar é meu e se vistido é meu – fada madrinha pegou a vara majica e empeistou o vistidio cinderela meia noite voce ficara sem o vistidio e sem a caroça e votaralnormau........ e ela foi a obaile e dansou com prisipi O jaé meia noite euprisiso eu vou imbora E cinderala num vio mais o pincipe nunc amais eFico pra titia.

Patrícia Juliana – 7 anos

Asituaçãodeproduçãodahistóriaoferecidapelaprofessorada2ºano foiase-

guinte:“Reproduza com suas palavras a história da Cinderela”.Noentanto,Patrícia

(nomefictíciodaaluna)nãoapenasreproduzahistória,masmodificaoseudesfecho,

atualizandooconto.Naversãotradicional,temosodesfecho“finalfeliz”;jánaversão

dePatrícia,Cinderelaficapratitia,portantoasituaçãodeconflitonãoéresolvidada

mesmaforma.Patrícia,narealidade,querdizeralémdaquiloqueleu,secolocando

comoalguémquetambémtemoquedizer,que leuotexto,masacaboutrazendo-

o muito provavelmente para a sua realidade mais próxima, atualizando com isso o

própriocontodefadas,istoé,fazendoumaparáfrasedocontoaomesmotempoque

a produção de textos nos anos iniciais

Page 70: Ensino e Escrita

68

Escrita E Ensino acrescentaumainformaçãoquenãoestavapresentenele.Odesfechoinesperadoaca-

barevelandoanecessidadededizeralgomaisdoqueseencontravanocontodefadas.

Omesmoocorrecomumanarrativadeterror.Comonormalmenteterminamessas

narrativas?Comumdesfechoqueresolveasituaçãodeconflito?Claroquenão.Nar-

rativas de terror, por vezes de suspense e de aventura, podem trazer outros tipos de

desfecho,quedenominamos:(a)finalemaberto,quandopermiteaoleitorimaginar

oqueocorreu,ou(b)finalcomquebradaexpectativa,quandoalgoinusitado,não

esperado,finalizaoenredo(HILA,2004).Porissomesmo,nãopodemosensinaruma

únicaestruturanarrativaquesirvapara todososgênerosdaordemdonarrar,pois

cadagênerotrarásuaestruturacomposicional,queserávariável,porquecadagênero

tem uma condição de produção diferente, e muitas vezes trabalhará com diversos tipos

desequênciasemseuinterior,nãoapenasanarrativa.

Maslembre-se,assequênciaspresentesemgênerosdaordemdonarrar,comoo

conto de fadas ou a narrativa de suspense serão diferentes, mas seus elementos, como

ospersonagens,otempo,asações,oespaçosempreestarãopresentes.Oqueque-

remosressaltarcomessadiscussãoéquevocêpodeedevetrabalharcomsequências

narrativastradicionais,aexemplodaqueocorrecomoscontosdefadas,masàmedida

quea criança seapropriedelas,procureavançarparanovosgêneros textuais, com

novasorganizaçõescomposicionais,possibilitandoquenovosaprendizadosocorram.

Vejamosocasodacartadoleitorabaixo:

Eu achei bem intereçante esse texto mas isso não serve pra todo mundo não porqeue eu não gosto muito de conto de fadas é coisa de minina e o final é sempre igual eu gosto mesmo é di jogar vidiogame é mais legal e divertido e eu não sou um dos piores da sala de aula eu vim de Curitiba, lá eu sempre brinquei de vidiogame na lanrouse até meu pai se mudar e faz três semanas que estou aqui eu gosto é de ler coisas antigas sabe tipo história antiga mesmo de países e também gosto muito de matemática porque esses assuntos naun tão na revista?

Mateus (3º. Ano)

Nessacarta,oalunofazusodasequênciaargumentativa,porquecolocaasrazões

denãotergostadodotemacontodefadasemumaprovávelreportagemdarevista(“é

coisa de minina e o final é sempre igual”),mastambémhápassagenstípicasdase-

quêncianarrativa,como“eu vim de Curitiba, lá eu sempre brinquei de vidiogame na

lanrouse até meu pai se mudar e faz três semanas que estou aqui”.Oquequeremos

destacaréquenocasodessacartadoleitor,edetantosoutrosgêneros,utilizamo-nos

dastipologiastextuaiscomorecursosparaaproduçãodeumgêneroespecífico.

PortudoissoéqueosParâmetrosCurricularesNacionais–PCN–(BRASIL,1997)

propalamqueparaaprenderaescrever“énecessárioteracessoàdiversidadedetextos

Page 71: Ensino e Escrita

69

escritos”(p.66),éprecisoinseriracriançadiantedesituaçõesreaisdeescrita,ouseja,

éfundamentalqueaspráticasdeescritanasaladeaulaestejamvoltadasaoaprendiza-

dodalinguagemapartirdadiversidadedetextos(e,portanto,degênerosdiscursivos)

quecirculemsocialmente,comvistasàformaçãodeumescritorcompetente:

Umescritor competenteé alguémque, aoproduzirumdiscurso, conhecen-dopossibilidadesqueestãopostasculturalmente,sabeselecionarogêneronoqual seu discurso se realizará escolhendo aquele que for apropriado a seusobjetivoseàcircunstânciaenunciativaemquestão.Porexemplo:seoquesedesejaéconvenceroleitor,oescritorcompetenteselecionaráumgêneroquelhepossibiliteaproduçãodeumtextopredominantementeargumentativo;seéfazerumasolicitaçãoadeterminadaautoridade,provavelmenteredigiráumofício;seéenviarnotíciasafamiliares,escreveráumacarta.Umescritorcompe-tenteéalguémqueplanejaodiscursoeconseqüentementeotextoemfunçãodoseuobjetivoedoleitoraquesedestina,semdesconsiderarascaracterísticasespecíficasdogênero.Éalguémquesabeelaborarumresumooutomarnotasduranteumaexposiçãooral;quesabeesquematizarsuasanotaçõesparaestu-darumassunto;quesabeexpressarporescritoseussentimentos,experiênciasouopiniões(BRASIL,1997,p.48).

Escrevercomcompetênciasignificasaberselecionarogêneromaisadequadopara

se expressar em uma dada situação de interação, respeitando aí suas características

temáticas,estruturaisedeestilo;significaterumpropósitoparaseescrevereterum

destinatárioparaisso.Todavia,quaisgênerosmobilizarparaasatividadesdeescrita?

OsPCNsexemplificamalgunsgênerosadequadosparaotrabalhocomalinguagem

escritanosprimeirosciclosdaescola(BRASIL,1997,p.11):

• receitas,instruçõesdeuso,listas;

• textosimpressosemembalagens,rótulos,calendários;

• cartas,bilhetes,postais,cartões(deaniversários,denataletc.),convites,diários

(pessoais,declasse,deviagemetc.);

• quadrinhos,textosdejornais,revistasesuplementosinfantis:títulos,lides,no-

tícias,classificadosetc.;

• anúncios,slogans,cartazes,folhetos;

• parlendas,canções,poemas,quadrinhas,adivinhas,trava-línguas,piadas;

• contos(de fada,deassombraçãoetc.),mitose lendaspopulares, folhetosde

cordel,fábulas;

• textosteatrais;

• relatoshistóricos,textosdeenciclopédia,verbetesdedicionário,textosexposi-

tivosdediferentesfontes(fascículos,revistas,livrosdeconsulta,didáticosetc.).

Damesmaforma,asDiretrizesEstaduaisparaoensinodeLínguaPortuguesapreco-

nizamqueotrabalhodadisciplinadeLínguaPortuguesadeve“considerarosgêneros

a produção de textos nos anos iniciais

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Escrita E Ensino discursivosquecirculamsocialmente”(PARANÁ,2005,p.11),orientandoparaaprá-

ticadaescritaaescolhadegênerosdediversasesferassociais.Aesferasocialéenten-

didacomoumcampoideológicoemqueváriosgênerosestãoagrupados.Vejamosos

exemplosabaixo:

• Esferadaliteratura:poema,contodefadas,narrativadeaventura,narrativade

enigma,poema,etc.;

• Esferajornalística:reportagem,artigodeopinião,cartadoleitor,entrevistade

especialista,etc.;

• Esferapublicitária:propagandaimpressa,propagandatelevisiva,anúnciopubli-

citário,etc.

Háaindaoutrasesferas,comoajurídica,areligiosa,amidiática.AsDiretrizesdei-

xamclaroqueéimportanteescolhergênerosdiscursivosdeesferasdiferentes,oque

oportunizaráqueanoçãode letramentoanteriormentediscutidarealmenteocorra.

Porissoéprecisoiravançandonaescolhadegênerosdiferentespertencentesaesferas

tambémdiferentesaolongodassériesiniciais.Nadaimpede,porexemplo,queomes-

mogêneropossaentraremtodasassériescomocomponenteprogramático.Aesse

procedimentoDolzeSchneuwly(2004)denominam“ensinoemespiral”.Oquedeve

serlevadoemcontanessetipodeensinoéqueummesmogêneropodeserobjetode

ensinoedeaprendizagemvisandoàescritaparatodasasséries;oquedeveocorreré

umagradativacomplexificaçãoemtornodasatividadesrelativasàleituraeàprodução

textualdogênero, fazendocomqueacriançaavanceemseudesenvolvimento.Por

exemplo,podemostrabalharcomcriançasda2ª.sérieacartadoleitor,focandootra-

balho,porexemplo,napráticadaleitura;posteriormentenos4ºe5ºanospodemos

voltaraessegênero,priorizandoagorasuascaracterísticascomunicativas,composicio-

naisedeestilo.

Nestesentido,oensinodaescritaapartirdaperspectivadogêneroampliaaspos-

sibilidades de trabalho com a escrita, utilizando-se de textos de circulação, de uso

real,alémdefavorecerotrabalhocomaleitura.Emúltimainstância,trabalharcom

adiversidadedetextosedegênerospermiteàcriançaseapropriardalinguagemde

formamaisvivaedinâmica.

condiÇÕEs dE prodUÇão dE UM tExto

Apartirdaconcepçãodequealinguageméinteraçãovistanoiníciodestecapítulo,

éprecisoentenderquetodogênerodiscursivoinsere-seemumcontextodeprodu-

ção,conceitoessefundamentalparaasatividadesdeleituraedeescrita.

No quadro teórico do Interacionismo Social, o conceito acerca do contexto de

Page 73: Ensino e Escrita

71

produção partedapremissaqueaproduçãodesentidosédecorrente,deumlado,das

particularidadesconstitutivasdaquiloquecercaotextooudoseucontextoe,deoutro,

dascaracterísticasdoprópriotexto(BAKHTIN,2003).Porissomesmo,aosolicitarque

acriançarealizeumaproduçãotextualnãobastaapenasdefinirumtemaparaqueela

escreva,como,porexemplo:“Escreva uma história bem interessante sobre a aventura

de um dragão”;“Faça uma narrativa contanto um fato curioso da sua vida”:“Escreva

um texto sobre a importância da água.”Nessesexemplos,alémdenãosedefinirqual

éogêneroqueacriançairáproduzir(umanarrativadeaventura?umartigodeopinião?

umanarrativadesuspense?),tambémnãosãoestabelecidasascondiçõesdeprodução

decadaumdostextos,oquetornaessesexemplostípicosemredaçãoescolar.

Geraldi(1993),umestudiosodasideiasdeBakthin,trouxe,jánadécadade1980,

deformasintética,ascondiçõesdeproduçãodeumtexto:

a) setenhaoquedizer;

b) setenhaumarazãoparadizeroquesetemadizer;

c) setenhaparaquemdizeroquesetemadizer;

d) olocutorseconstituicomotal,enquantosujeitoquedizoquedizparaquem

diz(oqueimplicaresponsabilizar-se,noprocesso,porsuasfalas);

e) seescolhamasestratégiaspararealizar(a),(b),(c)e(d).

Hila(1999)explica-nosessascondições:“Ter o que dizer”dizrespeitoàexperiência

daquiloqueacriançaviveu,ouseja,opontodepartidaparatodaareflexãodoaluno

deveserasexperiênciasporeletrazidas,suasansiedadesevivências.Éfundamentalque,

aoproporumapropostadeescritasepartadeconhecimentosjáexistentesnascrianças.

Porexemplo,seemumaatividadedeproduçãosolicita-seàcriançaqueelaboreuma

receita, na sala de aula o professor já deve ter trabalhado atividades de leitura e de escrita

queenvolvamessegênero.Dessaforma,oalunoprecisasentirqueescreversejaalgo

importante,emqueaexperiênciadovividopasseaseroobjetoinicialdereflexãonaes-

cola:“ovividoé,portanto,opontodepartidaparaareflexão”(GERALDI,1993,p.163).

Asegundacondiçãodeproduçãoé“ter uma razão para dizer”,ouseja,épreciso

quetantooprofessorcomooalunoencontremumamotivaçãointernaparaotrabalho

aserexecutado.Oalunodeveperceberqueseutextoéoresultadodeumanecessi-

daderealdeexpressão,enãoumexercícioimaginário,desvinculadocompletamente

desuarealidadesócio-histórica,quenãosetraduzemumaformadeinteraçãocomo

própriomundo.Semisso,corre-seoriscodequeoexercíciodaescrita,maisumavez,

transforme-seemumatarefasemsentido,penosa,oque,gradativamente,afastaráo

alunodaprópriaescrita.

Aterceiracondição,“se tenha para quem dizer o que se tem a dizer”, diz respeito

a produção de textos nos anos iniciais

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Escrita E Ensino àdefiniçãodeuminterlocutorparaotexto,poisseráapartirdaimagemquesefaz

delequeoalunodefiniráosrecursoslinguísticosetextuaisparadesenvolverotexto.

Daí,novamente,aimportânciacomosgênerostextuais/discursivos,porquediferentes

gênerosmobilizarãootrabalhocomdiferentesrecursosdeexpressão.Porexemplo,

escreverumacartaparaumamigomobilizarecursosbemdiferentesdeescreveruma

cartadereclamaçãoparaadiretoradaescola.

Aquarta condição, “o locutor se constitua como tal”, édecorrenteda anterior,

ouseja,àmedidaqueotextotemuminterlocutorreal,oalunoseconstituirácomo

“locutor”,comoalguémquetemoquedizer.

Aquintaeúltimacondição,“se escolham estratégias” para realizar as operações

anteriores,dizrespeitoàsoperaçõesnecessáriasparaarealizaçãodetodasasetapas.

Issopoderáserrealizadolevandoemconsideraçãoqueoprofessor,aoescolheruma

propostadeprodução(queatendaàscondiçõesanteriores),deveobservarqueéne-

cessárioofereceràcriançacondiçõesparaqueseapropriedogêneroemquestão.As-

sim,porexemplo,aopedirqueacriançaproduzaumcontodeassombração,primeiro

oprofessordeveconhecerascaracterísticasdessegênero(estilo,tema,estruturacom-

posicional) para, em seguida, transformar esses conhecimentos em conhecimentos

ensináveisaosalunos(porexemplo,comoéaestruturacomposicionaldessetipode

história,comosãoaspersonagens,quaisostemasdessetipodegêneroetc.).

Narealidade,todasessascondiçõestrabalhadasporGeralditiveremcomobaseas

ideiasdeumfilósofodalinguagem,MikhailBakthin,consideradoomaiorrepresen-

tantedeumacorrentelinguísticadenominadaInteracionismoSocial.Resumidamente,

a partir do quadro teórico do Interacionismo Social, teríamos como elementos do

contextodeprodução:

quadro 2. condições de produção no interacionismo social (hila, 2007).

ELEMENTOS DO CONTEXTO DE PRODUÇÃO NO INTERACIONISMO SOCIAL

1. Parceiros da interação (locutor e destinatário)

2. Objetivo da interação, o intuito ou querer-dizer do locutor

3. A esfera onde ocorrerá a interação, que delimita o contexto da situação, com suas marcas ideológicas, sociais e culturais (contexto social mais amplo)

4. O tema e seu tratamento exaustivo

5. O gênero escolhido (e suas formas realizáveis)

Esseselementosconstituemabaseparaasatividadesdeleituraedeescritaque

visemàautoriadoaluno,ouseja,aapropriaçãodogêneropelacriançaexigequeo

professordesenvolvaumasériedeatividadesanteriores(nointeriordeprojetosou

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73

não)paraqueelaseaproprie:

a) docontextodeproduçãodogênero(reconhecimentodessegênero,ondeelese

encontra,qualoseuobjetivo,paraquemsedestina,quaisseustemastípicos);

b) daestruturacomposicionaldogênero(comoogêneroseorganiza,quaissuas

sequênciasprototípicas);

c) dasmarcasdoestilo(mecanismoslingüístico-enunciativosprópriosdogênero).

Poressemotivo,umaatividadedeautoria, entendida comoaquela atividadede

produçãonaqualacriançadevepensarsobreotema,sobreaestruturacomposicional

e sobreoestilodogênero,normalmenteestá inseridano interiordeprojetosque

possibilitemotrabalhocomoselementosdescritos.

tipos dE atividadEs dE Escrita

A atividade de escrever, semdúvida, é uma operaçãomental de nível superior,

exigindodacriançaumasériedeoperaçõesedeesforçosparaqueelaaconteça;do

professor,oplanejamentoadequadoparaqueacriançaavancenaformaenoconteú-

dodaquiloqueescreve.Assimsendo,muitoemborasepretendaaolongodotrabalho

escolaraescritavisandoàautoria,ouseja,queoalunoseconstituacomoalguémque

temoquedizer,especialmenteenquantoacriançaaindaestáemprocessodealfabe-

tizaçãoeseusesforçosvoltam-separaisso,outrasatividadesdeescritasãoigualmente

importantes.OsPCN(1997)orientamquatrotiposdeatividadesprincipaisdeescrita:

1. Atividadesdetranscrição;

2. Atividadesdereprodução;

3. Atividadesdedecalque;

4. Atividadesdeautoria.

Alémdessasatividades,acrescentamos:

5.Respostaaenunciadosdecunhoexpositivo/argumentativo.

As atividades de transcriçãomobilizamaatençãodoalunoparagarantirafideli-

dadeaoregistroeaodomíniodasconvençõesgráficasdaescrita,especialmenteco-

locadasquandoacriançaaindaestáemfasedealfabetização.Nessecaso,acriançajá

tememmãosoquedizer(otema)eocomodizer(aestrutura),eseuesforçomental

recairásobreoestilo,particularmentenassériesiniciasparaquestõesortográficase

fonológicas.Nesseconjunto,estariamasatividadesquelevemascriançasa:

• compreender as diferenças existentes entre os sinais do sistema de escrita alfa-

bético-ortográficoeoutrasformasgráficasesistemasderepresentação;

• identificarasletrasdoalfabeto,inclusivemaiúsculasdeminúsculas;

a produção de textos nos anos iniciais

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Escrita E Ensino • dominarasconvençõesdaescrita,comodireçãocorretadaescrita,segmentação;

• compreenderasrelaçõesentregrafemasefonemas,como,porexemplo,p/b,f/v.

• transcreverostextosquejásabedememória.

Atítulodeexemplo,vejamosaatividadeabaixo,parareconhecimentoeidentifica-

çãodasletrasdoalfabeto,propostaporBatistaetal.(2005,p.4):

Além dessa atividade, podem ser trabalhadas outras atividades focadas na

transcrição:

• escritadelistadenomesdosalunosdaturma;

• escritadetítulosdecontosdefadasconhecidos;

• escritadedatas;

• escritadeumalistadecompras;

• relacionarlegendasdenotíciascomasimagens;

• escritademanchetedeumanotícia;

• diferenciaçãoentreescritaeoutras formasgráficasapartirdaobservaçãode

anúnciosdeembalagens;

• completartítulosdecontosconhecidosapartirdeumalistadepalavras;

• completarlacunasdeparlendas;

• associaçãodeumlogotipodeumaembalagemàimagem,etc.

As atividades de reprodução(oralouescrita)permitemqueoalunofiqueliberado

datarefadepensarsobreoqueiráescreverecomoiráescrever,poisoconteúdoea

estruturajáestãodefinidospelotextomodelo.Nessecaso,suaatençãoestarácentra-

lizadamaisumaveznoplanodaexpressão–nocomodizer.Sãoexemplosdessetipo

deatividade:

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• reproduzir(oralouescrito)umcontodefadas;

• reproduzir(oralouescrito)umatirasemelementosverbaisedepoiscomele-

mentosverbais;

• elaborarumresumodeumanotícia,deumareportagem(quandoacriançajá

sealfabetizou)etc.

As atividades de decalque funcionamquaseque comomodelos lacunados,nas

quaisocomodizereaestruturacomposicionalsãodadosparaacriança,quedeverá

centrarseuesforçonoquedizer.Exemplosdessasatividadessão:

• escreverumaparódiadeumamúsicaconhecidaoudeumpoema;

• completarofinaldeumacartadereclamação;

• escreverumareceitabaseadaemoutraetc.

As atividades de autoriasãoconseguidasprincipalmentepormeiodeprojetos,e

serãocomentadasnaspróximasseções.

Finalmente, outra atividade constante de escrita desenvolvida na sala de aula, não

apenasnasaulasdelínguaportuguesa,sãoatividadesquelevemascriançasaescreve-

rem respostas de cunho expositivo e/ou argumentativo. Nessescasos,cabeaoprofes-

sorajudaracriançaaentendercomoseescrevecadatipoderesposta.Porexemplo,

seafinalidadeéqueacriançaargumente,elaprecisateraconsciência,eoprofessor

também,queumasequênciaargumentativaécompostadasseguintesfases

FASES DA SEQUÊNCIA ARGUMENTATIVA

FASE DAS PREMISSAS: em que se propõe uma constatação, opinião ou ponto de partida.

FASE DAS APRESENTAÇÕES DOS ARGUMENTOS: em que se apresentam as ideias que provam a opinião, por meio de exemplos, explicações, relatos etc.

FASE DA APRESENTAÇÃO DOS CONTRA-ARGUMENTOS: em que se opera uma restrição em relação à orientação argumentativa. Essa restrição pode ser apoiada por exemplos, constata-ções, explicações etc.

A FASE DA CONCLUSÃO: ou da nova tese que integra os argumentos e contra-argumentos.

Vejamos,comoexemplo,aseguinteatividaderealizadaporumaprofessoradeuma

segundasérie/terceiroano.Apóstertrabalhadoemsaladeaulaumtextoemquese

discutiao trabalhodas criançasemcasa, aprofessorapediuque respondessemno

cadernoàseguintequestão:“Emsuaopinião,ascriançasdevemtrabalharemcasaPor

quê?”.Nessecaso,acriançaprecisadarumarespostadecunhoargumentativo.Marina,

8anos,naprimeiraversãoescreveoseguinte:

a produção de textos nos anos iniciais

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Escrita E EnsinoProqueofinhotemquiajudaamãeeamãeeopaitemquetrabaia

Nessaprimeiraversão,acriançacolocaapenasafasedapremissa.Seoprofessor

desconheceasfasesdasequênciaargumentativa,considerariacorretaaresposta.Mas

apósotrabalhocomareescritaeaintervençãodaprofessora,aversãofinaldeMarina

foiaseguinte.

Proqueofinhotemquiajudaamãeeamãeeopaitemquetrabaiaprapodesus-

tentaafamiaeagentepodeestudaentãoeuaxoqueagentepodiajudaumpouco

mastamemtemquebrincaprapodeficafeliseficabemnaiscolaentãofazeasduas

coisasumpouco.

Obviamenteosaspectosortográficossãodesconsiderados,jáqueacriançaainda

estáemfasedealfabetização.NotamosquepelotrabalhodaprofessoraMarinaagora

apresentaosargumentos(acriançatemqueajudarnotrabalhoemcasa,porqueos

paisprecisamtrazerosustento),mastambémoscontra-argumentos(acriançatam-

bémprecisabrincarparapoderficarfeliz)eaindafazumaconclusãousandoumco-

nector“então”,afirmandoquetantobrincarcomotrabalharsãoatividadesnecessárias,

sintetizandooargumentoeocontra-argumento.

Esse trabalhosó foipossívelporque: (a)aprofessoraconheciaoselementosda

sequênciaargumentativa;(b)aprofessorarealizouotrabalhocomareescrita;e(c)

respeitouasfasesdotrabalhocomaescrita.

Aoproporumaatividadedeescrita(deautoriaounão),oprofessordeveorientar

seus alunos, desde as primeiras produções, a respeito dos momentos ou das fases da

escrita:momento do planejamento(noqualoprofessorensinaasestratégiasneces-

sárias à elaboração do texto);momento da textualização (da elaboração do texto

propriamentedito);momento da revisão(quedeveservistocomoetapanaturaldo

processodeproduçãoenãocomoerrooucastigoimputadoaoaluno);momento da

reescrita(naqualoalunopensaconscientementesobreosaspectosqueprecisamser

modificadosnoseutexto).Se,desdeassériesinicias,oalunoencararessesmomentos

comonaturaisaoprocessodeescrita,gradativamente,comamediaçãodoprofessor,

elealcançaráprocessosdeelaboraçãodetextosmaisricosecomplexos.Exatamente

porissonosdebruçaremosumpoucomaissobreesseassuntonapróximaseção.

Damesmaformaqueexistemfasesparaaescritadoaluno,portudooquejáabor-

damosatéaqui,existem,igualmente,fasesoumomentosespecíficosparaoprofessor:

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77

momento da escolha da proposta de escrita; momento da execução e o momento da

avaliação.Aoescolherumaproposta,oprofessordeveestarconscientedosmotivos

queolevaramaisso.Porqueescolhiessaproposta?Elaéadequadaàscondiçõesde

produção?Elarespeitaaquiloqueacriançajásabeetemaomenosinternalizado?Ela

preencheumanecessidaderealdecomunicação?Qualéoseuobjetivo?Nomomento

daexecução,énecessáriopensar:ofereciasestratégiasnecessáriasparaascriançases-

creveremessegênero?E,nomomentodaavaliaçãolevaremcontaoquefoiensinado

ecomofoiensinado.

rEvisão E rEEscrita

Arevisãoeareescritadevemseradotadascomoprocedimentoscorriqueirosemsala

deaula,semosquaisdificilmenteumacriançaavançaesedesenvolveemtermosde

escrita.OsPCNdeLínguaPortuguesado1ºe2ºciclos(BRASIL,1997)esclarecemque:

oobjetivoéqueosalunostenhamumaatitudecríticaemrelaçãoàsuaprópriaproduçãodetextos,oconteúdoaserensinadodeveráterprocedimentosderevisão[...].Aseleçãodestetipodeconteúdojátraz,emsi,umcomponentedidático,poisensinararevisarécompletamentediferentedeensinarapassaralimpoumtextocorrigidopeloprofessor.Noentanto,mesmoassim,ensinararevisaréalgoquedependedesesaberarticularonecessário(emfunçãodoquesepretende)eopossível(emfunçãodoqueosalunosrealmenteconseguemaprendernumdadomomento).Consideraroconhecimentopréviodoalunoéumprincípiodidáticoparatodoprofessorquepretendeensinarprocedimen-tosderevisãoquandooobjetivoémuitomaisdoqueaqualidadedaprodução–aatitudecríticadiantedoprópriotexto.

Ficaclaro,portanto,querevisaréumaatitudemuitodiferentequedade“higieni-

zar”,quepormuitotempoacompanhouasatividadesdeavaliaçãodoprofessor.

Areescritatransformava-senumaespéciede‘operaçãodelimpeza’,emqueoobjetivoprincipalconsistiaemeliminaras‘impurezas’previstaspelaprofilaxialingüística,ouseja,ostextossãoanalisadosapenasnoníveldatransgressãoaoestabelecidopelasregrasdeortografia,concordânciaepontuação,semsedaradevidaimportânciaàsrelaçõesdesentidoemergentesnainterlocução.Comoresultado,temosumtexto,quandomuito,‘lingüisticamentecorreto’,maspre-judicadonasuapotencialidadederealização( JESUS,1997,p.102).

Percebemos,assim,quehá,normalmente,umapredileçãoparaahigienizaçãode

elementos apenas na superfície do texto, especialmente em relação aos erros de orto-

grafia,pontuaçãoeconcordância,comoseesseselementostivessemsupremaciasobre

os elementos de base semântica, em seus aspectos de coesão e coerência. Revisar,

portanto,éconseguirencontrarnotexto,pormeiodeummediador,quepodeser

oprofessor ououtros, osproblemasque interferemnaproduçãodaquele gênero,

a produção de textos nos anos iniciais

Page 80: Ensino e Escrita

78

Escrita E Ensino problemasnãoapenasdaordemdagramática,mastambémdaorganizaçãodotexto,

dasescolhastemáticas,daadequaçãoàsituaçãodeprodução.

Jáareescritaéomomentoemqueoalunoirápensarsobreessesproblemascom

vistasatransformá-los.Nãorestamdúvidasdequeareescritaéum“espaçoprivilegiado

de articulaçãodas práticas de leitura, produção e reflexão sobre a língua” (BRASIL,

1997,p.80),possibilitandoaoalunoumarelaçãomaisinterativacomseuprópriotexto,

provocandoumdiálogoentreoaluno-autorcomoseuproduto;alémdeauxiliá-loaen-

xergar,pormeiodamediaçãodoprofessor,oqueanteselenãoconseguiaversozinho.

Sercundes (1997) tambémapontaoutra razãoda importânciadas atividadesde

reescrita.Paraaautora,seoalunopartedeseuprópriotextoeemitesobreeleum

olharmaisanalíticoeavaliativo,eleterácondiçõesderealmenteperceberqueescrever

étrabalho,masnãoumtrabalhoassociadoàvisãonegativadotermo,comoalgoenfa-

donho,masusandoaperspectivafreinetiana,observarqueotrabalhoéumaatividade

naturaldohomem,queoajudaráasetornarumusuáriomaisefetivodesuaprópria

língua.Interessante,também,éaposiçãodeJolibert(1994)aoreforçarqueasativida-

desdereescrita,quandomal-entendidasoumal-planejadas,feitasdeformarepetitiva

eentediante,tendemaafastaroalunodesuapróprialíngua.Domesmomodoque

Freinet(1977),oautorenunciaqueotrabalhocomareescritadeveservistocomo

umaetapasignificativa,quepermitaaoalunoavançar,gradualmente,emsuaprópria

aprendizagem.Reforça,ainda,quereescritanãoécópiadotexto.

Neste sentido, o professor, ao término de uma atividade de produção (seja ela

umaatividadedetranscrição,dereprodução,dedecalque,deautoria,derespostasa

enunciados),poderátrabalharareescritadediversasformas,utilizandootextotodo,

partesdotexto,parágrafoseatéunidadesmenores,comoafrase.Oimportanteéque

emcadamomentopriorizem-seaspectosparaalémdosproblemasformais(quede-

vemserobjetosdareescrita,masquenãodevemserapenaseles).Oidealéselecionar,

paraaquelasproduções,quaisaspectoschamarammaisaatençãoetrabalhá-los,alter-

nandoformaeconteúdo.Nocasodaforma,porexemplo,queébastantesignificativa

nessa fase, ou o professor se debruça sobre ela, ou sobre a pontuação, ou sobre os

aspectosdecoesão.Quantoaoconteúdo,aspectoscomoaprogressãodas ideias,a

adequaçãodoconteúdoaogêneropropostotambémpodemedevemserobjetosde

umareflexão.

Paraascriançasmuitopequenas,aatitudedarevisãoporsisóéumatarefaque

consideramdifícil,exatamenteporqueexigeodistanciamentodoprópriotexto;daí,

procedimentos como utilizar textos alheios para serem analisados coletivamente são

interessantes.Nessecaso,épreponderanteopapeldoprofessor,quedeverácolocar

questõesaseremavaliadasparaoproblemaquedesejafocar.Éoprofessor,nessecaso,

Page 81: Ensino e Escrita

79

oprimeiromodeloderevisor.

Há,também,algumasformasouestratégiasdeauxiliaroalunoaelaborararevisão

apartirdesipróprio,pormeiodefichasdeautoavaliação,nasquaisoprofessoresta-

beleceaspectosquepressupõequeascriançasjáinternalizaramepedequeobservem

notextoaspectosdaformaedoconteúdo.Ospróprioscolegastambémpodemcum-

priressepapelcomotextodooutro.

Asfichassãointeressantesquandoinseridas,sobretudo,emprojetos.Aoelaboraruma

ficha,devemosincluircomoitensaquelesqueefetivamenteforamtrabalhadosdurante

oprojeto,envolvendoosaspectostemáticos,composicionaisedeestilo(GONÇALVES,

2009).Atítulodeexemplo,vejamosafichaelaboradaporumaprofessorada4ªsérie/5º

ano,porocasiãododesenvolvimentodeumprojetoenvolvendoacartadoleitor:

PONTOS PARA VOCê OBSERVAR ok PRECISO(A) MUDAR

A linguagem utilizada na minha carta está de acordo com os leitores da Revista Atrevida?

Deixei claro para os leitores o objetivo da minha carta? (tópico trabalhado no capítulo 3)

Usei apenas opiniões ou desenvolvi argumentos? (tópico trabalhado no capítulo 4)

Consegui argumentar em relação à minha opinião sobre a matéria lida, isto é, por meio de fatos, exemplos, comparações?

Usei uma pontuação adequada no parágrafo, respeitando as pausas e evitando muitas vírgulas?

Marquei minha opinião por meio de expressões indicativas do meu ponto de vista? (tópico trabalhado no capítulo 5)

Usei expressões específicas para finalização dos meus argumentos?

Combasenessaficha,oprofessor,paraoprocessodeavaliaçãodoaluno,pode

elaborarumafichadeconstatação(GONÇALVES,2009)sobreoselementosalcançados

ounãoporcadacriança,como,porexemplo:emrelaçãoaocontextodeprodução,

oalunoxaindanãoconseguiuperceberoquediferenciaumacartadoleitordeuma

a produção de textos nos anos iniciais

Page 82: Ensino e Escrita

80

Escrita E Ensino cartaaoleitor;oalunoyconseguiureconhecer,eassimpordiantecomcadaaspecto

quefoiobjetodeensino.

Portudoisso,éprecisoqueoalunotenhaumtrabalhocontinuadocomoprocesso

dareescrita.FiadeMarynk-Sabinson(1991,p.55)ratificamessaafirmação,poisao

encarar a reescritura comouma atividade inerente à própria escritura do texto, os

alunos passam a se preocupar mais com a maneira como os leitores verão os seus tex-

tos.Passarãoaconsiderarotextoescrito“comoresultadodeumtrabalhoconsciente,

deliberado,planejadoerepensado”.

projEtos dE Escrita na Escola

Discutimosemtópicoanterioraimportânciadascondiçõesdeproduçãoparaque

aescritaseaproximedesituaçõesreaisdeinteração.Metodologicamente,otrabalho

com projetos torna mais fácil para o professor e para o aluno encontrarem espaço para

pôrempráticaumaescritamaisvivaeaproximaracriançadeatividadesdeautoria.Os

ParâmetrosCurricularesNacionais(BRASIL,1997,p.70-71)assimpreconizam:

Osprojetossãoexcelentessituaçõesparaqueosalunosproduzamtextosdeforma contextualizada – além do que, dependendo de como se organizam,exigemleituras,produçãodetextosorais,estudo,pesquisaououtrasativida-des.Podemserdecurtaoumédiaduração,envolverounãooutrasáreasdoconhecimentoeresultaremdiferentesprodutos:umacoletâneadetextosdeummesmogênero(poemas,contosdeassombraçãooudefadas,lendasetc.),umlivrosobreumtemapesquisado,umarevistasobreváriostemasestudados,ummural,umacartilha sobrecuidadoscoma saúde,um jornalmensal,umfolhetoinformativo,umpanfleto,cartazesdedivulgaçãodeumafestanaescolaouumúnicocartaz.

Umprojetopodeserentendidocomoumtipodeorganizaçãodidática,quetem

umobjetivodefinidoecompartilhadopor todososenvolvidosequeterá,necessa-

riamente,umdestinatário,umaformadedivulgaçãoecirculaçãosocial,naescolaou

foradela.Háváriasformasdesefazerumprojetodedocência(oudesala)apartirdos

gênerosdiscursivos,sejapormeiodeumaoficinadeleiturae/ouprodução,pormeio

deumasequênciadidática,oumesmoprojetosquevisemaauxiliarproblemasespe-

cíficosdeaprendizagemdosalunos.Vamos,noentanto,enfocarosprojetosnavisão

propostaporestecapítulo,ouseja,navisãodoInteracionismoSocialBakthiniano.

Lopes-Rossi(2002,p.81),combaseemsuaexperiênciacomoprofessoraformado-

racomoestágiosupervisionado,propõeque“nemtodososgênerosseprestambem

àproduçãoescritanaescolaporquesuassituaçõesdeproduçãoedecirculaçãosocial

dificilmenteseriamreproduzidasnasaladeaula[...]”.Issosignificaquealgunsgêne-

ros se prestariam mais a projetos apenas de leitura, não envolvendo a efetiva produção

escritadogênero,taiscomo:“rótulosdeprodutos,bulasderemédio,propagandas

Page 83: Ensino e Escrita

81

de produtos, propagandas políticas, etiquetas de roupas,manuais de instrução de

equipamentos,contratos,notafiscal.”Aleituradegênerosdiscursivosnaescolanão

pressupõe,portanto,sempresuaproduçãoescrita.

Sequisermosdesenvolverumprojetodeensinoenvolvendoumdeterminadogê-

nero,voltadotambémparaaproduçãoescrita,precisamospensarserealmenteaquele

gêneroescolhidoéensinávelparaadimensãoescrita,emais,seésocialmenteválido

paraintegrarumprojetoparaaquelaturmaemespecífico,preenchendoumanecessi-

daderealdasala.Pensandoemumprojetoqueenvolvaaescritadeumgênerodiscur-

sivo,poderíamosterasseguintesfases:

quadro 3. Fases de um projeto a partir de um gênero discursivo (adaptado

de lopEs-rossi, 2002, p. 82).

Início do projeto Explicação aos alunos sobre o objetivo do projeto, sua forma de divulgação ao público (fora da sala e, eventualmente, fora da escola) dos textos a serem produzidos, definindo-se o gênero a ser objeto da escrita. Fase de motivação para o projeto.

MÓDULO 1Leitura para apropriação das características típicas do gênero discursivo

Série de atividades de leitura (e de escrita) comentários e discussões de vários exemplos do gênero para conhecimento dos elementos de seu contexto de produção, de suas características temáticas, composicionais (verbais e não-verbais) e de estilo.

MÓDULO 2Produção escrita do gênero de acordo com suas condições de produção típicas

Série de atividades de produção: planejamento da produção (assunto, contexto de produção, esboço geral, forma de obtenção de informações, recursos necessários); coleta de informações; produção da primeira versão; revisão colaborativa do texto ou por fichas de auto-avaliação; produção da segunda versão; revisão colaborativa do texto; produção da segunda versão; revisão colaborativa do texto; produção da versão final, incluindo o suporte para circulação do texto.

MÓDULO 3 Divulgação ao público, de acordo com a forma típica de circulação do gênero

Série de providências para efetivar a circulação da produção dos alunos fora da sala de aula e mesmo na escola, de acordo com as necessidades de cada evento de divulgação e das características de circulação do gênero.

Quandobemplanejados,osprojetosvisandoàproduçãoescritaapartirdeum

gênerodiscursivoimportanteenecessárioaoletramentodacriança,adequadoauma

determinadasituaçãodecomunicaçãodaescolaedaturma,sejamelesdequaisquer

natureza, oportunizam a aproximação da criança com uma escrita mais viva, eviden-

ciamqueescreveréoresultadodeumensinoplanejadoparaessefim,tornamaescrita

menosartificialelevam,principalmente,nossascriançasaperceberemqueescreveré

umaformadeparticiparmaisplenamentedoprópriomundo.

a produção de textos nos anos iniciais

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Proposta de Atividades

1)Elaboreumcomandoparaaescritadeautoriadeumgêneroespecífico,utilizando-sedoselementosexplanadosnestecapítuloeimaginandoqueessecomandofinalizaráumpro-jetosobreogêneroescolhido.

Page 87: Ensino e Escrita

85

a produção de textos nos anos iniciais

Anotações

2)Tendoemvistaostiposdeatividadedeescritaqueexploramosnocapítulo,elabore:

a) umaatividadedetranscriçãoparao1ºano;

b) umaatividadedereproduçãoparaoano:

c) umaatividadeemqueacriançatenhaqueconstruirumarespostaaumaquestãodecunhoexpositivo/argumentativoparao4ºano.

Page 88: Ensino e Escrita

86

Escrita E Ensino

Anotações

Page 89: Ensino e Escrita

87

Lilian Cristina Buzato Ritter

Otemadestecapítuloésobreumdoseixospráticosquecompõemoensinode

LínguaPortuguesa:aanáliselinguística.Emcapítulosanteriores,jáforamfeitasmuitas

reflexões sobreo ensinode línguamaterna apartir da concepçãode língua como

formadeinteraçãosocial.Reforçamosnestemomentoaideiadequenãosefalaem

aluno-gramático como se fala em aluno-leitor e produtor de textos porque não se

pretendequeoalunosaibagramáticaparasabergramática.Agramáticadeveservista,

portanto,comouminstrumentoparamelhoraracompetênciadiscursivadoaluno,e

nãocomoumfimemsimesmo.

Mendonça(2001),contudo,salientaque,paramuitos,auladeLínguaPortuguesa

aindaésinônimodoensinoderegrasgramaticais.Porisso,émuitofrequenteemcur-

sosdeformaçãodeprofessoresdelínguamaternaaformulaçãodeperguntascalcadas

nessa concepçãonormativadeensinode língua, como,por exemplo, a indagação:

“Análiselinguísticaéumnovonomeparaauladegramática?”

Hámaisdeduasdécadas,pesquisadoresbrasileiros,preocupadoscomoensino-

aprendizagemdelíngua,defendemanecessidadedemudanças,assumindoaconcep-

çãodelinguagemcomolugardeinteração,interlocuçãohumana,nãocabendomais

umavisãomonológicaeimanentedalínguasobaperspectivaformalistaqueseparaa

linguagemdeseucontextosocial.

Dessemodo,porentendermosqueoobjetivodoensinodalínguamaternaseja

ampliaracompetênciadoalunoparaoexercíciodafala,daleituraedaescrita–ou

seja,darcondiçõesparaqueeletenhaodomíniodeatividadesverbaiscomolercriti-

camente,escreverparaalguémler,falarparaauditóriosdiferenciadosdentrodamo-

dalidadeadequadaerefletirsobreapróprialinguagem–salientamosanecessidadede

ainstituiçãoescolarpossibilitarqueoalunoaprendaalidarcomosdiferentesmodos

deconcretizaçãoquealinguagemapresenta.

Senãodevemosmaisnospautaremumaconcepçãodetrabalhocomalinguagem

–compreensãoeproduçãodetextosoraiseescritos–queconsideresomenteaaqui-

siçãodocódigoescrito,entãoemqual(quais)conceito(s)podemosnosancorar?Uma

Análise linguística no ensino fundamental

4

Page 90: Ensino e Escrita

88

Escrita E Ensino daspossibilidadesétomarmosoconceitobakhtinianodegênerosdiscursivos.Essaé

aperspectivateóricatantodosParâmetrosCurricularesNacionais–PCNs–(BRASIL,

1998) quantodasDiretrizesCurriculares doEstadodo Paraná–DCE–de Língua

Portuguesa(PARANÁ,2006).NavisãodeBakhtin(2003),osgênerosdodiscursosão

formas de dizer sócio-historicamente cristalizadas, provenientes de necessidades co-

municativasproduzidasemdiferentesesferasdacomunicaçãohumana.

Assim,entendemosqueostextosmerecemserestudadoslevando-seemcontaas

esferasdeatividadesnosquaissãoproduzidos,juntamentecomasrelaçõesdialógicas

(desentido)quesetravamentreosenunciados(textos),poisestes,conformeBakhtin

(2003),sãoplenosdeecosdevozesquesecruzamemumprocessocontínuodeco-

municação.Alémdisso,osujeitofazescolhasdevariedadeslinguísticas,depalavras,

de“entoaçãoexpressiva”,deacordocomseusobjetivos,seuinterlocutor,osuportedo

texto,ogênerodiscursivo,sempreconsiderando,portanto,ascondiçõesdeprodução

dodiscursoetodoocontextocomunicativo.

Em vista do exposto, acreditamos na importância de a escola colaborar na (re)

construçãoda situaçãodeproduçãoe recepçãodos textos afimdequepossamos

nosaproximarcommaiorêxitodoobjetivodeformarleitores/produtoresdetextos

socialmenteeficazesecríticosemfavordacidadania.Diantedesseobjetivo,oensino

deLínguaPortuguesadeveabrangerfatoresligadosàspráticasdalinguagem,emuma

abordagemdiscursivo-textualenãotercomocentrooensinogramaticaldesarticulado

dosusosdalíngua.

Nestesentido,ointuitodestecapítuloéinvestirnaformaçãodoprofessordelín-

guamaterna,apresentando-lheumapossibilidadedereflexãomaisadequadaaoestu-

dodepráticascontextualizadasdeensinogramatical.Dessaforma,analisamosasmar-

caslinguístico-enunciativasdeumacrônicainfantil,“DIAD”(FRATE,1996),apartir

dolevantamentodesuascondiçõesdeprodução(suporte,interlocutores,finalidade

e localde circulação)ede seuarranjo textual,discutindo seuspossíveis efeitosde

sentido.Apósessaanálise,propomosumaorganizaçãodidáticadeanáliselinguística

dessegênero.

Para tanto, afimdeorganizareste capítulo,primeiramente retomamosalgumas

questõesteórico-práticasacercadaconcepçãointeracionistade linguagemeoensi-

nodeanálise linguística.Emseguida,demodoresumido,elencamoscaracterísticas

enunciativas/discursivasdogênerocrônica infantil,comoexemplodotrabalhocom

essapráticadelinguagememsituaçãodeensinoeaprendizagemdelínguamaterna.

Emseçãoposterior,delimitamosocontextodeproduçãodacrônica“DIAD”,para,

nasequência,dedicarmosatençãoaoseuarranjotextual(elementosdaformacompo-

sicionaleaseleçãoderecursoslinguístico-enunciativos),semperderdevistaarelação

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89

desse“mododedizer”comessasituaçãodeprodução.Aofinaldotexto,sugerimos

umapropostapedagógicadeanáliselinguísticaeleitura,comoexemplomodelarde

trabalhoparaoprofessor.

a concEpÇão intEracionista dE lingUagEM E o Eixo análisE lingUística E lEitUra

Aconcepçãointeracionistadelinguagemestáalicerçadanaconcepçãoenunciativa

delínguadoCírculodeBakhtin,queassimpostula:“Narealidade,olocutorserve-se

dalínguaparasuasnecessidadesenunciativasconcretas[...]aconsciênciasubjetivado

locutornãoseutilizadalínguacomodeumsistemadeformasnormativas”(BAKHTIN;

VOLOCHINOV,1992,p.92).Maisadiante,amplia-seessavisãocomaafirmação:“a

línguaconstituiumprocessodeevoluçãoininterrupto,queserealizaatravésdainte-

raçãoverbalsocialdoslocutores”(BAKHTIN;VOLOCHINOV,p.127).

Deacordocomessesprincípios,disseminou-se,apartirdadécadade1980,em

relaçãoaoprocessodeensinoeaprendizagemdalínguamaternaemnossopaís,essa

concepçãointeracionista.Éimportanteentendermosqueaverdadeirasubstânciada

línguaéainteraçãoverbal,porqueénainteraçãoverbal,estabelecidapelalínguacom

osujeito(denominadotambémlocutor)ecomosenunciados(entendidoscomoos

textos orais e escritos, produzidos em determinadas condições sócio-históricas, deno-

minadostambémgênerosdiscursivosougênerostextuais,noBrasil)anterioresepos-

teriores,queapalavra(discursosocialeideológico)setornarealeganhadiferentes

sentidosconformeocontexto.

Essaconcepçãodelinguagemrequerumareorientaçãoemtermosdepráticaspe-

dagógicaseensinodelíngua.Assim,asatividadesdelinguagemsãoentendidascomo

práticassociais,epensando-seespecificamentesobreoensinodelínguamaterna,o

seuobjetivopassaapropiciaraoalunoousoadequadodaoralidadeedaescritarelati-

vasàssituaçõesdeenunciações,istoé,aoscontextosdeterminadosemqueacontecem.

Comaadoçãodaconcepçãointeracionistadelinguagem,apráticapedagógicade

línguamaterna deve acontecer em três eixos interdependentes: a leitura, a análise

linguísticaeaproduçãodetextooraleescrita.Nocasodestecapítulo,focalizamoso

eixodaanáliselinguísticanomomentodapráticadeleitura.

Muitosautoresutilizamoutrostermosparasereferiremaoeixodaanáliselinguís-

tica,masnestemomentoutilizamosapropostadeGeraldi (1993),quenosaponta

acondiçãonecessáriaparaqueessapráticaseconcretizeemsaladeaula: “Criadas

ascondiçõesparaatividadesinterativasefetivasemsaladeaula,querpelaprodução

detextos,querpelaleituradetextos,énointeriordestaseapartirdestasqueaaná-

lise linguística sedá” (p.189).A condiçãonecessária,portanto,paraquea análise

análise linguística no ensino fundamental

Page 92: Ensino e Escrita

90

Escrita E Ensino linguísticaseefetueéoreconhecimentodotexto-enunciadocomounidadedeanálise.

Porsuavez,essaposturasolicitaumtrabalhopedagógicoapartirdoestudodocon-

textosócio-históricodarealizaçãodesseenunciado,considerando-seospapéissociais

dos interlocutores (quem fala/paraquemse fala), seuspropósitos comunicativos, a

apreciação valorativa desses interlocutores sobre si mesmos e o tema, a escolha da

estruturatextualedoestilodasuaescrita.

Geraldi(1993)conceituaanáliselinguísticacomoumconjuntodeatividadescujo

objetivoérefletirsobrecomosefala/escreve.Paraesteautor,essapráticaécomposta

porduasatividadesdistintas,asepilinguísticaseasmetalinguísticas.Atividadesepilin-

guísticas,segundoele,sãoasquetêmcomoobjetodeanáliseareflexãosobreospró-

priosrecursosexpressivosutilizadosnaproduçãodostextos,àluzdesuascondições

deprodução.Porexemplo,quandooprofessordiscutecomseusalunos,nomomento

daleitura,quaissentidospossíveis(efeitosdesentido)dousodeumadeterminada

expressãovocabulardentrodotextolido,refletindosobreaadequaçãoounãodesse

recursoexpressivoaogêneroproposto,aoobjetivodeinteraçãoentreosinterlocuto-

res,eleestárealizandoumaatividadeepilinguística.Ouseja,essetipodeatividadedá

contadelevaroalunoarefletirsobreaadequaçãoounãodosrecursosexpressivos

utilizadosnaescritaaogênerodetextoproposto,aodestinatário,aoobjetivo,entre

outrosaspectosquesejulgarimportantesepertinentesparaaproduçãodesentidos

dotextolido.

Asatividadesmetalinguísticassãodefinidascomoumareflexãosobreos“recursos

expressivos,quelevamàconstruçãodenoçõescomasquaissetornapossívelcatego-

rizartaisrecursos”(GERALDI,1993,p.190).Assim,esteautorconcebeasatividades

metalinguísticascomoasaçõesdelinguagemquetomamapróprialinguagemcomo

objetodeumaanálisequeconstróiumsistemaparafalarsobrealíngua.Sendoassim,

entendeporatividademetalinguísticaaquelaqueserealizanapartefinaldoprocesso

deproduçãodesentidosdotexto,emqueserefletesobreoescritocomoobjetode

análise,comoobjetivodesistematizarconceitosenormasdalíngua,ouseja,classifi-

car,conceituaraquiloquefoiconsideradocomoaspectoouaspectosmaisimportantes

dagramáticadotextodogênerolidoeestudado.Frenteaesseconceito,asatividades

metalinguísticasdarãocontadesistematizaressasnormasgramaticais,possibilitando

queacriançaentenda,porexemplo,oqueéumverbo,umadjetivo,edequemaneira

essascategoriasgramaticaisfuncionamecaracterizamostextosdosgênerosaserem

estudados.

Alémdessadistinção,oautorexige,comopodemosobservar,umaordempara

arealizaçãodessasatividades:primeiro,asatividadesepilinguísticasesódepoisas

metalinguísticas,paraqueestasúltimastenhamsentidonesseprocessodereflexão.

Page 93: Ensino e Escrita

91

Porconseguinte,apráticadeanáliselinguísticaexigedoprofessoracompreensão

doaspectohistóricoesocialdalíngua,poisoqueimportaéareflexãosobreopro-

cesso de construção e produção de sentidos do texto, para posteriormente, de ma-

neiraexplícitaeorganizada,sistematizarcategoriasexplicativasdofuncionamento

dalíngua.Dessaforma,“[...]aanáliselinguísticasedánosentidodeseobservarem

umtexto–dedeterminado(s)gênero(s)–oarranjotextualeasmarcaslinguístico-

enunciativas,vinculadasàscondiçõesdeprodução(interlocução,suporte,possíveis

finalidades, épocadepublicaçãoe circulação [...],noprocessode construçãode

sentidos”(PERFEITO,2006,p.9).

Apartirdessasconsiderações,podemosafirmarquenãoéoensinodenomencla-

turaseclassificaçõesgramaticais(ouseja,apráticadeatividadesmetalinguísticas)que

garantiráaoalunoacompreensãodo funcionamentoda língua,massimareflexão

sobresuaformadeorganizaçãoeusoemdiferentescontextosdeprodução,emoutras

palavras,apráticadeatividadesepilinguísticas.

VejamosumexemplodeexercíciodeLínguaPortuguesaque,apesardenão ter

porobjetivosomenteaidentificaçãoereconhecimentodenormasgramaticais,ainda

nãodácontadeanalisaralínguaemdeterminadasituaçãodeuso.Essaatividadefoi

retiradadositedaSecretariadeEducaçãodeSãoPauloeérecomendadaparaalunos

dos4ºe5ºanosdoEnsinoFundamental:

NINHO DE CUCO

O cuco é o mais mafioso dos pássaros. Não gosta de trabalhar e adora ocupar o ninho dos outros.

Foi assim que, um dia, um pardal, muito bondoso, emprestou o seu ninho para o cuco e pediu que, em troca, ele ficasse por algumas horas tomando conta da ninhada toda.

Saiu. Quando voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçando seus ovinhos:- Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça?Ao que o cuco respondeu:- Eu estou retribuindo a sua hospitalidade. Nós, cucos, somos assim mesmo: só posso

ser como sou.O pardal, cheio de raiva, deu uma bicada no cuco, que, ofendido, disse:- Mas o que é isso, amigo?E o pardal respondeu:- Essa bicada é tudo o que eu lhe posso dar, no momento. Sinto muito, mas nós, pardais,

somos organizados, e você e seu ovinho vão ter que cair fora do meu ninho.E o cuco, bagunceiro, foi baixar noutro terreiro: mais precisamente no buraco vazio de

um relógio, onde, desde então, dá duro para sobreviver trabalhando em turnos de meia hora.

Cuco-cuco-cuco!

(FRATE, Diléa. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996).

análise linguística no ensino fundamental

Page 94: Ensino e Escrita

92

Escrita E Ensino 1)“Masoqueéisso,amigo?”Nafraseacima,apalavragrifadaserefereao(A)cuco(B)pardal(C)relógio(D)ovinho

2)Nafrase“...encontrouocuconumazorra danada”,aexpressãogrifadasignificaqueo cuco estava(A)fazendopoucobarulho(B)dormindoprofundamente(C)chocandoosovinhos(D)desorganizandooninho

3)OtítulodotextoéNinhodoCucoporque(A)ocucoseaproveitadoninhodosoutrospássaros(B)ocucoconstróiseupróprioninho(C)opardaldáseuninhoparaocuco(D)dentrodeumrelógioháumninhodecuco

4)Opardalbrigoucomocucoporqueocuco(A)nãogostadetrabalhar(B)abandonouoninhodopardalefoiparaorelógio(C)bicouopardal(D)bagunçouoninhodopardal

5)Oqueaconteceuaocucodepoisquefoiexpulsodoninhodopardal?(A)foipararnoterreiro(B)foiparaoseuninho(C)foimorarnorelógio(D)foicantarnoterreiro

6)Nafrase“Eocuco,bagunceiro, foibaixarnoutroterreiro:maisprecisamentenoburacovaziodeumrelógio...”,qualafunçãodosdoispontos?(A)finalizarumafrase(B)introduzirumaexplicação(C)interromperafrase(D)destacarumaexpressão

(http://www.sarespedunet.sp.gov.br/2003/e_f/3a/index.htm)

Page 95: Ensino e Escrita

93

Ascincoprimeirasquestõesreferem-seàcompreensãotextual,solicitandodoalu-

no tanto a leitura literal como a inferenciação, habilidades fundamentais para o desen-

volvimentodeumleitorproficiente.

Entretanto,nãodesmerecendoa importânciadesse tipodeexercíciode leitura,

énecessárioobservarmosqueessasatividadesnãoabordamalínguaemusoporque

desconsideram as condições de produção desse enunciado, no caso a narrativa produ-

zida.Nãohouvepreocupaçãoemlevaroalunoarefletirsobreaorganizaçãodotexto,

tendoemvistaoselementosqueconstituemessasituaçãodeproduçãoedeinterlocu-

ção,bemcomoogêneroselecionado,nocaso,acrônicaliteráriainfantil.

A últimaquestão focaliza um conteúdode análise linguística importantepara a

produçãodesentidosdotexto.Todavia,aindafaltaumareflexãosobreoporquêdea

autora ter selecionado os dois pontos para introduzir um período explicativo em seu

textoque,nocaso,configura-secomoogênerocrônicainfantil.Portanto,nãosetema

preocupaçãodelevaroalunoaperceberquaissãoosefeitosdesentidodousodesse

recursolinguísticoparaessemomentoenunciativoeparaaconstituiçãoeconfigura-

çãodogêneroselecionado.

Seobservarmosmaisatentamente,percebemosqueousodosdoispontospara

introduzirumaexplicaçãoouconclusão,nesseenunciado,éumrecursolinguístico-

enunciativo,ouseja,éumacaracterísticadeestilodeescritadaautora/enunciadorae

tambémdasuacrônicainfantil.Porexemplo,noperíodo“Nós,cucos,somosassim

mesmo:sópossosercomosou”,aautorapoderiaterutilizadonolugardosdoispon-

tos a conjunção portanto.Essaescolhalinguísticaéfeitasemprediantededetermi-

nadascondiçõesdeprodução,porissoqueasatividadesdeanáliselinguísticadevem

desenvolver no aluno a percepção do texto como resultado de escolhas temáticas,

estruturaiseestilísticas(recursoslinguístico-enunciativos,comoaspalavraseapontu-

açãoempregadasnotexto,emfunçãodotemaapresentadonacrônicainfantil)feitas

peloautor/enunciadorapartirdesuasituaçãodeprodução.

Aprioridadedessasatividadescentra-seemcriaroportunidadesparaoalunorefle-

tirsobreaimportânciadafunçãodosrecursoslinguístico-enunciativosparaaprodu-

çãodesentidosdostextos,permitindo-lhepensarnacondiçãodeempregartambém

essesrecursosemsuasproduçõestextuais.

Alémdessesaspectoscomentados,faz-senecessáriodestacarmosque,aoseretirar

acrônicadeseusuporteoriginal,nocasoolivrodeliteratura“Históriasparaacordar”,

deDiléaFrate,desconsiderou-seumrecursolinguístico-enunciativoparamarcarafala

dospersonagens,modificando-seotextooriginal.Neste,todasasfalasdepersonagem

são introduzidas pormeio do discurso direto,marcado graficamente pelo uso das

aspasenãodotravessão,como,porexemplo:

análise linguística no ensino fundamental

Page 96: Ensino e Escrita

94

Escrita E Ensino Quandovoltou,encontrouocuconumazorradanada,bagunçandoseusovi-nhos:‘Querdizerqueeulheemprestooninhoevocêfazessabagunça?’Aoqueocucorespondeu:‘Euestouretribuindoasuahospitalidade.Nós,cucos,somosassimmesmo:sópossosercomosou’(FRATE,1996,p.64).

JánaapresentaçãodaSecretariadeEducaçãodeSãoPaulo,otextoaparececom

esseformato,marcandoodiscursodiretodaspersonagensatravésdotravessão:

Quando voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçando seusovinhos:-Querdizerqueeulheemprestooninhoevocêfazessabagunça?Aoqueocucorespondeu:-Euestouretribuindoasuahospitalidade.Nós,cucos,somosassimmesmo:sópossosercomosou.

Esseusodasaspasimprimeaotextomaisagilidade,poiscomissosóháumamarca-

çãodeparágrafo,configurando-ocomoumtextocurto,comonormalmenteéaorga-

nizaçãocomposicionaldacrônicaliteráriainfantil.Assim,naconfiguraçãoapresentada

ao aluno em situação de ensino, perde-se tanto uma característica estilística, o uso das

aspasparaindicarafaladepersonagens,comotambémumacaracterísticaestrutural,

amarcaçãodesomenteumparágrafo.Essascaracterísticasqueforamignoradasnessa

versão didática criam efeitos de sentido para o texto e são características constitutivas

dogênerocrônica,especialmentenessasituaçãoenunciativa.Portanto,adesconside-

raçãodessesrecursoslinguísticosémaisumfatorquedificultaoestudodalínguaem

determinadasituaçãodeuso.

Como já assinalamos, os ParâmetrosCurricularesNacionais (1998) e asDiretri-

zesCurricularesdeLínguaPortuguesaparaaEducaçãoBásica(2006)propõemquea

noçãodegêneroscomopráticasocialdeveorientaraaçãopedagógicacomalíngua,

tendocomopontodepartidaaexperiênciadoalunocomadiversidadedetextose

gêneros.Dessaforma,aunidadebásicadoensinosópodeserotexto.Oqueissosigni-

fica,emrelaçãoaoensinodelínguamaterna?Significaqueaspráticasescolaresdevem

ultrapassarosníveisdaspalavrasedasfrasessoltas,descontextualizadas.Oprofessor

deveconsiderarqueotexto–verbalounão-verbal–asemanifestaemsituaçõesde

enunciaçõesconcretas,asquaisdenominamoscondiçõesdeprodução.Oselementos

das condições de produção de um texto orientam essa produção e estão apresentados

noesquemaabaixo:

Page 97: Ensino e Escrita

95

• LOCUTOR (EU/QUEM DIZ) e INTERLOCUTOR (O OUTRO/PARA QUEM SE DIZ): são os parceiros da enunciação, assumindo papéis sociais adequados à situação enun-ciativa;

• LOCAL E ÉPOCA DE CIRCULAÇÃO (QUANDO FOI DITO)

• VONTADE ENUNCIATIVA/OBJETIVO (QUERER DIZER);

• GêNERO DO DISCURSO (COMO DIZER): o locutor faz a seleção das estratégias lin-guístico-discursivas mais adequadas para a elaboração de seu enunciado a partir de três elementos indissolúveis no todo do enunciado: o conteúdo temático (trata-mento dado ao tema pelo locutor), o estilo verbal (recursos gramaticais da língua) e a construção composicional (partes estruturais do texto).

Éportudoissoqueotrabalhocomaanáliselinguísticavisaà“construçãodeins-

trumentosparaanálisedofuncionamentodalinguagememsituaçãodeinterlocução,

naescuta,leituraeprodução,privilegiandoalgunsaspectoslinguísticosquepossam

ampliaracompetênciadiscursivadosujeito”(BRASIL,1998,p.36).Umdosmaiores

desafiosparaoprofessoréperceberqueesses“aspectoslinguísticos”sópodemser

selecionadoseensinadoscomo“marcaslinguísticas”quecompõemumtextodeum

determinadogênero.Vemosissocomodesafioporqueessapercepçãorequerdopro-

fessorumolhardepesquisador,deestudiosodostextosquecirculamemsaladeaula.

a aUla dE graMática E a prática dE análisE lingUística

Émuitoimportantedestacarqueaosepensaremgramáticainúmerassãoasacep-

çõespossíveis,desdeadegramáticacomomecanismogeralqueorganizaaslínguas,

até a de gramática comodisciplina de estudo. Alémdisso, autores comoAntunes

(2007)ressaltamqueexistemecoexistemdiversostiposdegramáticaenquantomé-

todode investigação sobreas línguas:normativa,descritiva,gerativa, funcionalista

etc.Adiferençaentreumaeoutraperspectivajáfoitratadaemoutrolivrodidático

destacoleção.Nestemomento,interessa-nosfocaradiferençaentreoqueosenso

comumchamade“auladegramática”eapráticadeanáliselinguística.

Háumaconstatação,pormeiodepesquisas,dequeagramáticanormativaéa

baseprincipaldoensinodegramáticanaescola.Antunes(2007,p.30)enunciaque,

nestesentido,agramáticanãoabarcatodaarealidadedalíngua,poisreconheceape-

nasosusosconsideradosaceitáveisnaperspectivadalínguaprestigiadasocialmente.

Resumidamente,“enquadra-se,portanto,nodomíniodonormativo,noqualdefine

o certo, o como deve ser da língua e, por oposição, aponta o errado, o como não

deve ser dito”.

Paraumamelhorcompreensãodasdiferençasentreauladegramáticaepráticade

análiselinguística,apresentamosumquadroelaboradoporMendonça(2006,p.207):

análise linguística no ensino fundamental

Page 98: Ensino e Escrita

96

Escrita E EnsinoAULA DE GRAMáTICA Prática de análise linguística (al)

Concepção de língua como sistema, estrutura inflexível e invariável.

Concepção de língua como ação interlocutiva situada, sujeita às interferências dos falantes.

Fragmentação entre os eixos de ensino: as aulas de gramática não se relacionam necessariamente com as de leitura e de produção textual.

Integração entre os eixos de ensino: a AL é ferramenta para a leitura e a produção de textos.

Metodologia transmissiva, baseada na exposição dedutiva (do geral para o particular, isto é, das regras para o exemplo) + treinamento.

Metodologia reflexiva, baseada na indução (observação dos casos particulares para a conclusão das regularidades/regras).

Privilégio das habilidades metalinguísticas. Trabalho paralelo com habilidades metalinguísticas e epilinguísticas.

ênfase nos conteúdos gramaticais como objetos de ensino, abordados isoladamente e em sequência mais ou menos fixa.

ênfase nos usos como objetos de ensino (habilidades de leitura e escrita), que remetem a vários outros objetos de ensino (estruturais, textuais, discursivos, normativos), apresentados e retomados sempre que necessário.

Centralidade na norma-padrão. Centralidade nos efeitos de sentido.

Ausência de relação com as especificidades dos gêneros, uma vez que a análise é mais de cunho estrutural e, quando normativa, desconsidera o funcionamento desses gêneros nos contextos de interação verbal.

Fusão com o trabalho com os gêneros na medida em que contempla justamente a intersecção das condições de produção dos textos e as escolhas linguísticas.

Unidades privilegiadas: a palavra, a frase e o período.

Unidade privilegiada: o texto.

Preferência pelos exercícios estruturais, de identificação e classificação de unidades/funções morfossintáticas e correção.

Preferência por questões abertas e atividades de pesquisa, que exigem comparação e reflexão sobre adequação e efeitos de sentido.

Fonte: (MEndonÇa, 2006, p. 199-226).

Reforçandoasideiassumarizadasnoquadro,afirmamosque,emrelaçãoaopro-

cesso demediação para a construção de conhecimentos linguísticos, a abordagem

tradicionaldoensinogramaticalestabelecerelaçõesartificiais,umavezqueoobjetivo

maiorésomente identificar,reconhecercategoriasgramaticais,semnenhumapreo-

cupaçãocomoparaqueservem,paraqueforamusadasouqueefeitosprovocamem

textosoraiseescritos.Comoexemplodessapráticatradicionaldeauladegramática,

apresentamosumexercícioapartirdacrônica“Ninhodecuco”:

1)Leiaasfrasesaseguiresublinheossubstantivos:

a.Ocucoéomaismafiosodospássaros.

b.Opardal,cheioderaiva,deuumabicadanocuco.

2)Agora,escreva,nocaderno,umafrasecomossubstantivosencontrados.

Aspráticasdelinguagemqueocorremnoespaçoescolarsãomarcadaspeloartifi-

cialismo,porissomesmo,noprocessodemediação,devemosminimizar,oquantofor

Page 99: Ensino e Escrita

97

possível,essaartificialidade.Umaformadeseconseguirissoéoprofessorobservar,

pesquisareanalisarquegênerosdiscursivosfazempartedoentornosocialdeseusalu-

noseformularatividadesqueosauxiliemaleremabasesocialdostextospertencentes

aosgênerosselecionados.

Nacontinuidadedestecapítulo,apresentamosumapropostapedagógicadeanáli-

selinguísticaeleiturateoricamenteancoradanaperspectivainteracionista.

Uma proposta pedagógica de análise linguística e leitura

Aelaboraçãodessapropostaéconstituídapormomentosdeestudoeanálisedis-

tintos,mas interdependentes.Paradialogarmoscomasreflexões já tecidas,selecio-

namosoutracrônicainfantildolivro“Históriasparaacordar”paraseconstituircomo

exemplardeanálisedogêneroselecionado,nocasoacrônicainfantil.

Noentanto,julgamosconvenienteapresentar,antesdisso,umquadrodascarac-

terísticas da crônica infantil, a partir de um levantamento analítico prévio, com as

crônicasquecompõemolivrodaDiléaFrate.Essaanálisecontempla,primeiramente,

ascondiçõesdeproduçãodascrônicas(locutor,interlocutor,tema,objetivo),e,em

seguida,ostrêselementosconstitutivosdogênero,asaber:aconstruçãocomposicio-

nal,oconteúdotemáticoeoestilo:

O contexto de produção

Locutor: o produtor de uma crônica infantil assume o papel social de um cronista: ele não se preocupa em fazer uma transcrição da realidade, mas sim apresentar sua visão recriada dessa realidade por parte de sua capacidade ficcional e artística.

Interlocutor: o público-alvo desse gênero encontra-se no mundo infantil ou infanto-juvenil.

Objetivo(s): divertir e/ou refletir criticamente sobre a vida e/ou os comportamentos humanos.

Local e época de circulação: livro de literatura infantil dos anos 1990.

A construção composicional

Narrativa curta, ágil, que apresenta os elementos básicos da narrativa (fatos, personagens, tempo e lugar), organizados na estrutura básica da narrativa: um momento de harmonia, em que os personagens são caracterizados/apresentados em um tempo e espaço; um conflito que surge para desequilibrar a situação inicial; um momento máximo de tensão (clímax) e, por fim, a resolução dos conflitos.

O conteúdo temáticoReconstrução de fatos ou situações do cotidiano infantil, retirando-lhes algo relevante para a reflexão sobre o comportamento do homem ou do mundo.

As marcas linguístico-enunciativas (estilo)

Predomínio de um tom leve, divertido, com a utilização de uma linguagem lúdica, cuidando com o ritmo frasal, a sonoridade, a multiplicidade semântica, as construções diretas e ágeis, por meio do uso do discurso direto, marcado graficamente pelas aspas.

análise linguística no ensino fundamental

Page 100: Ensino e Escrita

98

Escrita E Ensino

A crônica “DIAD” circuloupelaprimeira vez em1996, no livro “Histórias para

acordar”,daautoraDiléaFrate1, com ilustrações de Eva Furnari2.Olivrofoialtamente

recomendadopelaFundaçãoNacionaldoLivro Infantile Juvenil (FNLIJ), recomen-

daçãoestaquequalificatantoolivroemsicomotambémasuaeditora,Companhia

das Letrinhas,eaautoraque,alémdeescritora,jáatuoucomodiretoraeroteiristade

algunsprogramastelevisivoscomoJôSoaresOnzeeMeiaeJornalNacional,daRede

GlobodeTelevisão.

Atualmente, a editora Companhia das Letrinhaséreconhecidaemnossasocieda-

de, particularmente na esfera literária infantil, por valorizar o leitor-criança, publican-

dolivrosqueabordamtemasrelacionadosaomundoimaginárioinfanto-juvenil.No

geral, o livro “Históriaspara acordar” reúne60 crônicasnarrativas curtas, apresen-

tandoumadiversidadequantoaostemasdasnarrativas,poisháaquelasdeaventura,

fantástica,fabulística,etiológicaetc.

Naapresentaçãodo livro, aautoracaracteriza suashistórias como“ligeiras, cur-

tas,comalgumaschaves,cliques...”comoobjetivode“[...]abrirumaconversa,um

1 Diléa Frate: como jornalista, trabalhou em jornais escritos e na televisão. Começou em jornal (Estadão, Abril, em SP) e logo foi para a televisão (TV Globo e SBT). Trabalhou em muitos setores do jornalismo de TV até fazer o projeto-piloto do programa do Jô, em 1988 (para o SBT). É também escritora com vários contos publicados em revistas e dois livros infantis ("His-tórias para Acordar", Cia das Letrinhas e "Procura-se Hugo", Ediouro). Escreve para teatro, já fez roteiros para documentários; é idealizadora do site Companhia da Boa Notícia. (http://www.ciaboanoticia.com.br) que, como o nome indica, é especializado em notícias positivas como di-vulgação de descobertas, de receitas de viver melhor, de boas ações, de curiosidades e de piadas.

2 Eva Furnari: é ilustradora e escritora de livros infantis. Recebeu vários prêmios de institui-ções literárias. Formou-se em Arquitetura pela Universidade de São Paulo, e, a partir de 1976 dedicou-se inicialmente a livros com ilustrações, sem texto. Colaborando com a Folhinha, su-plemento infantil do jornal Folha de S. Paulo, criou sua personagem mais famosa: a Bruxinha. Como autora infanto-juvenil e como ilustradora recebeu o Prêmio Jabuti , nos anos de 1986, 1991, 1993, 1995, 1998 e 2006. Em 2002, foi escolhida para ilustrar a reedição de seis livros da obra infantil de Érico Veríssimo.

Page 101: Ensino e Escrita

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cochicho,umareflexão,umcarinho,ouqualqueroutracoisaquepossaaproximara

criançadoadultoevice-versa”(FRATE,1996,p.3).Portanto,ospaisecrianças-leitoras

sãoconvidadoseinstigadosadialogar,nosentidobakhtiniano,comessashistórias.

Desse modo, pensando no momento histórico e social da produção desse livro, nos

parecequeaobraconseguecumprircomumadesuaspossíveisfinalidadessociais,

promoverogostodecontareouvirhistórias,gosto,que,entreosváriospovosda

Terra,éumtraçocomum(LAJOLO,2005).

Diante disso, a configuração social concreta dessa enunciação (a publicação do

livro)podeserdescritaapartirdosseguintesaspectos: trata-sedeumaenunciação

produzida em uma esfera literária infantil, com o objetivo de criar um momento de

interaçãoentrecriançaseadultos.Daíaenunciaçãosedaremumdosgênerosdiscur-

sivospermitidoseesperadosnessasituação:acrônicainfantil.

No livro“Históriasparaacordar”,cadacrônicaocupaumapágina,sendovisual-

mentecompostaporumsóparágrafo.Otexto“DIAD”seapresentacomaseguinte

formaàpágina45:

DIA D

Eram meninos sapecas: os da rua de cima e os da rua de baixo. Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima gritavam: “Alto lá! Território inimigo!”. O mesmo acontecia com os da outra rua. Por causa disso, uma guerra foi declarada. A primeira batalha foi marcada para logo depois da aula. Nélio, um dos meninos, che-gou a tirar zero em matemática, tão preocupado estava em armazenar os caroços de jabuticaba que ia usar como arma. A hora D chegou e, armados com seus caroços, eles esperaram o sinal, um pum do gordo Oscar. A batalha terminou quando aca-bou a munição de caroços do pessoal da rua de cima. Foi aí que eles perceberam que não tinham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz, tanto faz! Alguém teve a idéia: “Vamos ver quem tem a bunda mais branca, e quem tiver mostra”. Né-lio, coitado, foi o escolhido. E naquele dia, além do zero, ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira. Até agora está doendo.

Otemaabordadonotextoépré-anunciadoapartirdeseutítuloepodeserassim

sintetizado:umaguerraentredoisgruposrivaisdemeninos,os da rua de cima e os

da rua de baixo.Essetemarepresentamuitobemumadasgrandespreocupaçõesdo

mundoinfantilmasculino,adisputapelodomíniodeumdeterminadoterritório.É

porissoqueconsideramosessacrônicacomcaracterísticasdeumanarrativadeaven-

tura,jáquesepropõeanarrarodesenrolardessabatalha.

Podemossubdividirotextoemcincoorganizadorescomposicionaisdominantes,

análise linguística no ensino fundamental

Page 102: Ensino e Escrita

100

Escrita E Ensino eobservandoessasubdivisão,podemosasseverarqueahistóriaécontadanaordem

cronológicadosacontecimentos:

TEXTO ORGANIZAÇÃO ESTRUTURAL

Eram meninos sapecas os da rua de baixo e os da rua de cima. Quando os da rua de baixo ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima gritavam: “Alto lá! Território inimigo!”. O mesmo acontecia com os da outra rua.

Apresentação de personagens genéricos e de suas atitudes usuais.

Por causa disso uma guerra foi declarada.A primeira batalha foi marcada para logo depois da aula.Nélio, um dos meninos, chegou a tirar zero em matemática, tão preocupado estava em armazenar os caroços de jabuticaba que ia usar como arma.A hora D chegou e, armados com seus caroços, eles esperaram o sinal, um pum do gordo Oscar.

Introdução do conflito e seu desdobramento, até o momento do clímax.

A batalha terminou quando acabou a munição de caroços do pessoal da rua de cima.

Resolução da complicação.

Foi aí que eles perceberam que não tinham levado a bandeira branca para pedir trégua ou paz, tanto faz.

Introdução de um novo conflito.

Alguém teve a ideia: “Vamos ver quem tem a bunda mais branca, e quem tiver mostra”. Nélio, coitado, foi o escolhido. E naquele dia, além do zero, ele ganhou uma cusparada certeira bem ardida na traseira. Até agora está doendo.

Resolução desse conflito e comentário final.

DeacordocomBakhtin(2003),oacabamentodoenunciadoconcretoocorrepor-

queo locutor/autordisse/escreveu“tudo”oquequeriaoupodia,emdeterminadas

condições.O grau de acabamento de um enunciado que possibilita uma resposta,

a compreensão responsiva, é determinadopor três elementos interdependentes: o

tratamentoexaustivodotema;oquererdizerdolocutor;asformastípicasdeestrutu-

raçãodogênero.Nestesentido,aapreciaçãovalorativadolocutorarespeitodotema

edo(s)interlocutor(es)deseudiscursoéqueindicaasdiversasnuancesideológicas

refratadasnotratamentodadoaotema,refletidasnaescolhadasformasedoestilodo

enunciado.Apartirdessaperspectivateórica,enquantoprofessoresdelínguamaterna

podemosnosperguntar:oqueessasseleçõesrealizadaspeloenunciador/narradorem

relação ao tema (no sentido bakhtiniano, concebido como conteúdo ideologicamen-

te conformado), à forma composicional e àsmarcas linguístico-enunciativas, nessa

Page 103: Ensino e Escrita

101

situaçãoenunciativa,podemsignificar?Assim,partimosparao levantamentodessas

escolhascomoobjetivodecompreendermosassignificaçõesaíconstituídas,refletin-

dosobreosefeitosdesentidoprovocadosporessasescolhas.

OpersonagemNélioéapresentadoecaracterizadonãopormeiodequalificações

explícitas,masporsuasações.Ahistóriaénarradaemterceirapessoa,osverbosque

constituemasaçõesestãonopretéritoperfeitosimples,porexemplo,foi declarada,

foi marcada, chegou...Eosqueconstroemopanodefundodoenredoestãonopre-

téritoimperfeito,porexemplo, eram, ousavam, gritavam... (verbos essencialmente

domundonarrado).Otempodaaventuraémarcadoporexpressõestemporais,como

logo depois, a hora H, quando, naquele dia,quesituamaação.

Comopersonagensdeumanarrativadeaventurasãoaudaciosas,corajosas,ousa-

das,temerárias,aescolhadequalificadores,caracterizadoreseatédeverbosperten-

centesaessecamposemântico,porexemplo,meninos sapecas, ousavam, gritavam:

“Alto lá! Território inimigo!”,sejustifica.

Tambémaestratégiautilizadaparaapresentarecaracterizarospersonagensreflete

apreocupaçãodoenunciador/narradoremconstruiressaimagemaudaciosaqueas-

sumeriscos,perigos.Porisso,somenteopersonagemNélioéespecificado,destacan-

do suas capacidades humanas de realização e os imprevistos e riscos assumidos por

ele:suadedicaçãoeempenhoemarmazenarmuniçãoparaabatalhaquetevecomo

consequênciaumzero em matemática; suaousadiaecoragemaomostrarsuabunda

branca queacarretouemumacusparada certeira bem ardida na traseira.

Emborao foconarrativodeterceirapessoaqueirareforçaro tomimpessoal,no

momentoemqueoenunciador/narradorserefereaNéliopeloadjetivocoitado re-

vela-seumpontodevista,umaapreciaçãovalorativanegativasobreassituaçõesde

insucessovivenciadaspelopersonagem,confirmadaaseguircomousodooperador

argumentativoalém de.Comousodessesrecursoslinguísticosoenunciador/narrador

constróiaorientaçãovalorativaquepretendedeseuleitor,elegendoaperspectivade

Nélioparanarrarosfatos.

Essaperspectivadonarradorpodeserverificadanoenunciadofinaldanarrativa

por meio do período até agora está doendo.Alocuçãoverbaldegerúndioestá do-

endo mais a locução adverbial até agora intensificaacontinuidadedadordeNélio,

reforçandoopontodevistanegativoassumidoemrelaçãoàsperipéciasvividaspor

eleedemaneirapositivaressaltasuacoragem.Assim,asaventurastransformam-seem

desventuras, ou melhor, em peraltices de criança sapeca.

Essa ideia tambémpodeserconstruídaapartirdaprópria ilustraçãoqueacom-

panhaahistória:ummeninoloiro,plantandobananeiracomocalçãoabaixado.Essa

imagemtrazaotextoomundoimagináriodabrincadeiraenãoomundodaviolência,

análise linguística no ensino fundamental

Page 104: Ensino e Escrita

102

Escrita E Ensino dosentimentodesubjulgamentoqueacompanhamasituaçãodeumaguerra.Éfun-

damentalobservarmosqueailustração,nocasodessascrônicas, juntamentecomo

texto verbal compõem suas características composicionais, permitindo a construção

designificadospeloleitor.

Umdos recursos linguístico-enunciativos, cujoefeitoéaaproximaçãodopúbli-

coinfantil,seconcretizanadefiniçãolexicaldetréguapelosinônimopaz, reiterada

pela expressão de valor interjetivo tanto faz. Essa seleção lexical paz, faz, assim como

bandeira, certeira, traseira reveste a crônica de certo ritmo, outro recursomuito

apreciadopeloleitor-criança.

Acrônica“DIAD”criasituaçõestípicasdeumaaventurainfantil,utilizandoelemen-

tosefatosdocotidianodeumacriança:a“armadeluta”sãocaroços de jabuticaba; o

sinal para o início da batalha, o pum do gordo Oscar; a bandeira branca, a bunda de

Nélio; asdificuldadesvividas,um zero em matemática e uma cusparada na traseira.

Aonomatopéiapum e o brasileirismo bunda introduzemnessacrônicaohumor.

Emrelaçãoa isso,é importante retomarmosa ideiabakhtinianasobrea linguagem

enquantosigno ideológicoporexcelência (BAKHTIN,2003),que refletee refrataa

realidade,fazendonelaemergiremosvalores,ascrençasdasuasociedade.Oqueo

autorquerenfatizaraquiéofatodequecomosignonãoapenasdescrevemosomun-

do(aideiaderefletir),massobretudocomeleconstruímoshistoricamentediversas

interpretações(refrações)dessemundo.

Nestesentido,essesvaloresecrençasrevelam-se,entreoutrosaspectosjálevanta-

dos,pelamobilizaçãodosrecursosmorfológicos,sintáticoselexicaisdalíngua.Dessa

forma, o enunciador/narrador também se valeu de períodos sintaticamente curtos;

deaspasenãodetravessõesparainserirodiscursodireto;dosmecanismoscoesivos

orais foi aí que e a repetição da conjunção aditiva e, parainstaurarohumor,agraça

e o despojamento nesse modelo de narrar, aproximando-se do modelo de narrar do

mundoinfantilpós-anos1990.

sUgEstão dE UMa proposta pEdagógica dE análisE lingUística

Passamosaapresentarnossapropostadeintervençãonoensinogramaticaldescon-

textualizado,propostaquedeveserentendidacomoresultadodoestudoedaanálise

expostosanteriormente.Sugerimoscomooestudosobreoarranjotextualeasmarcas

linguístico-enunciativasdotexto“DIAD”,pertencenteaogênerocrônicainfantilde

aventura, poderia ser transposto didaticamente no processo de construção de sentidos

noeixoanáliselinguística/leitura.Oobjetivoéfornecercondiçõesparaaconstrução

depossíveiscaminhosquetornemoprofessoreoalunosujeitosnoprocessoensino-

aprendizagemdelínguamaterna.

Page 105: Ensino e Escrita

103

Nessaperspectiva,destacamosaideiadeLopes-Rossi(2005,p.81)sobreoobjetivo

dasatividadesdeleituranadimensãodotrabalhocomgênerosdiscursivos:

[...]devemlevarosalunosaperceberemqueacomposiçãodogênero–emtodososseusaspectosverbaisenão-verbais,nas informaçõesqueapresentaouomite,nodestaquequedáaalgumasmaisdoqueaoutras–éplanejadadeacordocomsuafunçãosocialeseuspropósitoscomunicativos.Issocontribuiparaaformaçãodeumcidadãocríticoeparticipativonasociedade.

Nesseâmbito,subsidiadosnosestudosbakhtinianos,emprimeirolugar,sugerimos

aênfaseàscaracterísticasdaesferadecomunicaçãoemquepertenceogêneroedasua

situaçãodeprodução,para,emseguida,focarmososelementosdaformacomposicio-

nale,porfim,oselementoslinguísticosrelevantes.

Paraessaprimeirafasedotrabalho,éessencialqueoalunodiscuta,comenteeco-

nheçaascondiçõesdeproduçãoedecirculaçãodogêneroreferenteaotexto“DIAD”.

Portanto,comoogêneropertenceàesferaliteráriainfantil,ocontatocomoportador

dessetexto,olivro“Históriasparaacordar”,émuitoimportante.

Aindaquereproduzaotextoparatodos,oprofessordeveprocurarlevarooriginal

para a sala de aula, explorando as características sócio-discursivas desse suporte a par-

tirdeprocedimentosquelevemàreflexãosobre:identificaçãodoanodepublicação;

dados da ficha catalográfica; leitura da apresentação do livro; comentários sobre a

autora; inferênciassobreospossíveisobjetivosdo livroe,emparticular,dogênero

crônicainfantil.Nestesentido,nosparecesermuitoprodutivasatividadescomo:

Momento da pré-leitura

1)Observebemacapadolivro“Históriasparaacordar”.Qualéarelaçãoquese

podefazerentreotítuloeasilustraçõesdacapa?

2)Quaisinformaçõessobreolivroestãopresentesnacontracapa?Elasconseguem

criaremvocêodesejodeconhecersuashistórias?Porquê?

3)Quaisinformaçõessãoapresentadasnaabertura?Elassãoasmesmasdacapa?

Porque seráqueelas são importantese foramselecionadaspara comporem

essaabertura?

4)Nessaapresentação,aautorainformaoquesobreashistóriascontadasnolivro?

5)Leiaaúltimapáginadolivro:eagora,quaisinformaçõessãofornecidasaoleitor?

Porqueelassãoimportantes?

6)Vocêsabequeméaautoradesselivro?

7)Esobreailustradora?Vocêsabealgumacoisa?

8)Apósessasdiscussões,penseeresponda:qualpoderiaseroobjetivodaautora

emescreveressashistórias?Justifique.

análise linguística no ensino fundamental

Page 106: Ensino e Escrita

104

Escrita E Ensino 9)Antesdelerotexto(nãomostraraindaotextotodo,sóotítulo),otítulocria

expectativassobreotemadahistória.Quaissãoelas?

Para a próxima fase, o professor pode solicitar a leitura do texto verbal e da ilus-

tração, indagarosalunossobrea temáticadesenvolvida, sua formadeorganização,

permitindoqueoalunofaçainferênciasacercadas“estratégiasdodizer”utilizadasno

textoapartirdereflexõesdotipo:

Momento do encontro com o texto i: explorando a estrutura composicional

1) Descrevaailustraçãodahistória.Elacriaemvocêasmesmasexpectativasqueo

título?Explique.

2) Apóslerotexto,assuasexpectativasforamconfirmadas?Porquê?Então,sobre

oquecontaahistória?

3) Identifiqueospersonagens,oslugaresemqueaconteceahistória,onarrador,

omomento/otempo.

4)Seotextoéumahistóriaquecontaumaaventurademeninos,identifiquequal

éaaventura,comoelaédesenvolvidanotexto,ecomotermina.

5) Nodesenvolvimentodofatoprincipaldahistória,aconteceoutrofatoimpor-

tante.Qualéessefato?Qualpalavraouexpressãointroduzessefatonahistória?

6) Porqueseráqueotextotemumparágrafo?Comopodemosexplicarisso?(dis-

cutircomosalunosqueissoéumaquestãoestilísticadaautoraequeesseuso

nomeioliterárioépermitido;discutirtambémsobreoefeitovisualparaoleitor

ahistóriaserapresentadasomenteemumparágrafo).

7) Reescrevaotexto,marcandocommaisdeumparágrafoasváriaspartesdessa

históriadeaventura;comparecomoutrocolegaevejaseadivisãoficouigual

(Oprofessorpromoveoconfrontodasrespostasesistematiza,coletivamente,

o estudo da estrutura composicional narrativa, explicando a função de cada

parágrafo,pormeiodaconstruçãodeumquadroouum“boneco”dotexto).

Aseguir,promoveroestudodasmarcaslinguístico-enunciativas.Paratalpropósito,

oprofessorpodeexplorar:

Momento do encontro com o texto ii: explorando o estilo

a)aimportânciadostemposverbaiseacargasemânticadealgunsverbosquecon-

tribuemparaacaracterizaçãodessetextocomogênerocrônicainfantil.Exemplosde

exercíciosquecontemplamesseaspecto:

1) Háumadiferençaentreosverbos(destacá-losnotexto)ressaltadosnaparteem

Page 107: Ensino e Escrita

105

queonarradorapresentaospersonagensenapartequeintroduzoconflito.

Pesquiseemumagramáticaostemposdessesverboseexpliqueasuautilização

dentrodotexto.

2) Todasaspalavrasdestacadasnotextosãoverbos.Escolhaentreelasosverbos

queestãoassociadosàideiade“guerra”ejustifiquesuaescolha(muitoimpor-

tanteseestabelecerumacomparaçãocoletivadasrespostas).

b)ofoconarrativo:

1) Comoonarradorcontaessaaventura:eleparticipadasaçõesousomenteconta

ahistória?

2) Comoissoestámarcadonotexto?

c)apresentação/construçãodospersonagens:

1) Façaumlevantamentodaspalavrasouexpressõesdotextoquecaracterizame/

ouapresentamospersonagensdahistória.Essaescolhadonarradorestáade-

quadaparapersonagensdeumahistóriasobreaventurademeninos?Explique

(oprofessordeveexplicarsobreascaracterísticasdessetipodepersonagem).

2) QualafunçãodospersonagensNélioeOscarnahistória?Qualdelespodeser

consideradoo“herói”?Porquê?

3) Ailustraçãopodeestarrepresentandoqualpersonagem?Justifiquesuaresposta.

d)aperspectivadonarradorparacontarahistória:

1) Nofinaldahistória,onarradorrefere-seaopersonagemNélioutilizandouma

palavra.Qualéessapalavra?

2) Porqueelaapareceentrevírgulas?

3) Elaestáadequadaparacaracterizarum“herói”?Explique.

4.)Elaénecessáriaparaoleitorconhecerahistória?Expliqueofatodeonarrador

terusadoessapalavraaosereferiraNélio.

5) Releiaaúltimafrasedotexto.Seahistóriativessesidoescritasemela,seufinal

estariacompleto?

6) Observeosverbosdestacados:“Atéagoraestá doendo”.Podemosafirmarqueessa

locuçãoverbal(osdoisverbosjuntos)enfatizaaideiadequeadorjáacabouou

dequeaindacontinua?(depoisdefeitaessareflexão,oprofessorpodeexplicar

que,paraindicaraçõesemcurso,ouseja,realçarodesenvolvimentodeumaação,

podemosusarogerúndio,queémarcadonanossalínguapelaterminação“ndo”).

7) Apartirdessasobservações,escrevaumaconclusãosobreafunçãodessafrase

paraahistórianarrada.

análise linguística no ensino fundamental

Page 108: Ensino e Escrita

106

Escrita E Ensino e)aseleçãolexical,morfológica,sintáticaeasrelaçõesentreolocutoreointerlocutor:

1) Dequemaneiraonarradorexplicaparaoleitorosignificadodapalavratrégua?

Porqueseráqueonarradorconsiderouessaexplicaçãonecessária?

2) Procurenodicionárioosignificadodapalavratrégua.Éomesmosignificado

quefoidadopelonarrador?

3) Nasduasúltimaspartesdotexto,hápalavrasquerimam.Quaissãoelas?Como

podemosexplicaraescolhadessaspalavrasporpartedonarrador?

4) Elaboreumquadrodemonstrativo,retirandodotextoassituaçõestípicasdessa

aventurademeninos,informandoqualfoiaarmadeluta,osinalparaoinício

dabatalha,abandeirabrancaeasdificuldadesvividaspelo“herói”.

5) Apalavrapuméumaonomatopéiaeovocábulobunda éumbrasileirismo.Re-

escrevaafrase“AhoraDchegoue,armadoscomseuscaroços,elesesperaram

osinal,umpumdogordoOscar”,semutilizarapalavrapum.

6) Compareasduasfrasesereflita:qualdelasémaisadequadaparaoleitorinfan-

til?Porquê?

7) A palavrabunda aparece na fala de um dosmeninos da rua de cima. Seria

adequadoparaacriaçãodessediálogoousodapalavranádegas nolugarde

bunda?Porquê?

8) Podemosconsiderarqueonarradorescreveuessahistóriadeumamaneirabem

próximadafala(oralidade).Procureexemplosdotextoquecomprovemessa

afirmaçãoejustifiqueessaopçãodonarrador.

9) Asfalaspresentesnotextosãomarcadascomousodasaspasenãocomtraves-

sões.Comoessaescolhapodeserjustificada?

Emseguida,tambéménecessárioqueoprofessorplanejeatividadesdidáticascom

oobjetivodesistematizarosconhecimentoslinguísticosqueforamampliados,reela-

boradosou,atémesmo,aprendidosapartirdessacaracterizaçãodofuncionamentodo

gênerocrônicainfantil.Conformejáexplicamosanteriormente,esseníveldeconheci-

mentoéoqueGeraldi(1993),aoconceituarapráticadeanáliselinguística,chamade

“atividademetalinguística”,istoé,asatividadesquetomamapróprialinguagemcomo

objetodeumaanálisequeconstróiumsistemaparafalarsobrealíngua.

Assim,afimdelevarosalunosaumasistematizaçãodosconhecimentosconstru-

ídos,podemoselaborarexercíciosdecarátermaisestruturaisquefixemautilização

doselementoslinguísticosrelevantesparaessesmovimentosnarrativosdacrônicain-

fantil,como,porexemplo,afunçãodosorganizadorestextuaisparaoencadeamento

dasaçõesnarradas.

Nessemomento,oprofessortemapossibilidadedeplanejarumaaulacujoconteú-

dosejaexatamentesobreafunçãodeorganizadorestextuaisparaoencadeamentode

Page 109: Ensino e Escrita

107

açõesnogêneroemquestão.Paraessafinalidade,osexercíciospodemseoriginarde

outrosexemplaresdetextospertencentesaomesmogênero,enocaso,serdamesma

autora,jáqueogêneropertenceàesferaliterária.Sãoexemplosdessesexercícios:

1)Leiaasfrasesabaixo,prestandoatençãonasexpressõesemdestaque,quepo-

demserchamadasdeorganizadorestextuais.

a) “(...)Por causa disso,umaguerrafoideclarada.”

b) “(...)Foi aí queelesperceberamquenãotinhamlevadoabandeirabrancapara

pedirtréguaoupaz,tantofaz!”.

c) “E naquele dia,alémdozero,eleganhouumacusparadacerteirabemardida

natraseira”.

a)Umapodeserusadanolugardaoutra?Explique.

b) Indique para cada uma das alternativas o tipo de relação que as expressões

estabelecem entre as ações narradas no texto: é de tempo/momento; é de

consequência?

c)Então,qualdasalternativasabaixolhepareceamaiscorreta:

1)osorganizadores textuais sãoexpressõesoupalavrasque relacionamuma

partedotextocomaoutra,seminterferirnosentidoglobaldotexto;

2)osorganizadores textuais sãoexpressõesoupalavrasque relacionamuma

partedotextocomaoutraetêmumpapelimportantenadefiniçãodosen-

tidogeraldotexto.

4)Vamosconhecermaisumadascrônicasdolivro“Históriasparaacordar”?Mas,

antes,vocêtemumatarefaacumprir:indiquequaisorganizadorestextuais

abaixosãomaisadequadosparacadalacunadotexto:

umdia/foiassimque/onde/desdeentão/quando/maisprecisamente

NINHO DE CUCO

O cuco é o mais mafioso dos pássaros. Não gosta de trabalhar e adora ocupar o ninho dos outros. ____________________, _____________ um pardal muito bondoso, emprestou o seu ninho para o cuco e pediu que, em troca, ele ficasse por algumas horas tomando conta da ninha-da toda. Saiu. _______________voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçando seus ovinhos: “Quer dizer que eu lhe empresto o ninho e você faz essa bagunça?” Ao que o cuco res-pondeu: “Eu estou retribuindo a sua hospitalidade. Nós, cucos, somos assim mesmo: só posso ser como sou.” O pardal, cheio de raiva, deu uma bicada no cuco, que, ofendido, disse : “Mas o que é isso, amigo?”E o pardal respondeu:“Essa bicada é tudo o que eu lhe posso dar, no momento. Sinto muito, mas nós, pardais, somos organizados, e você e seu ovinho vão ter que cair fora do meu ninho”.E o cuco, bagunceiro, foi baixar noutro terreiro: ______________________no buraco vazio de um relógio, ____________, ________________dá duro para sobreviver trabalhando em turnos de meia hora.

Cuco-cuco-cuco!

(FRATE, Diléa. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996. p. 64).

análise linguística no ensino fundamental

Page 110: Ensino e Escrita

108

Escrita E Ensino Alémdafunçãodosorganizadorestextuais,oprofessorpodetambémpromover

asistematizaçãodeoutrosaspectoslinguísticospertinentesparaaampliaçãoeapro-

priação,porpartedeseusalunos,dascaracterísticaslinguístico-discursivasdogêne-

roestudado.Nocaso,emrazãodousofeitopelaautoradodiscursodiretomarcado

pelasaspas,estepodeseconstituiremoutroconteúdometalinguístico.Exemplos:

1) Jápercebemosquenascrônicaslidasasfalasdospersonagensaparecemen-

treaspas.Issonãoéumusomuitocomumdesserecursográfico.Comaajuda

deseuprofessor,pesquisaemumagramáticasobrequaissãoaspossibilida-

desdeusodasaspas.Registre-asemseucaderno.

2) Em uma narrativa, as falas e os pensamentos dos personagens podem ser

apresentadosdediferentesmaneiras.Nessemomento,vamosconcentrarnos-

saatençãoemumadessasmaneiras,queéodiscursodireto,poisessafoia

maneirautilizadanascrônicasdeDiléaFrate.Então,penseeresponda:

a)Comoestãoregistradasasfalasdaspersonagensdascrônicaslidas:comas

própriaspalavrasdaspersonagensoucomaspalavrasdonarrador?

b)Apartirdessaobservação,podemosconcluirqueodiscursodiretoéaque-

le que reproduz exatamente a fala das personagens. No caso das crônicas

lidas, a pontuaçãoutilizada foramos dois pontos e as aspas.Mas também

podemosutilizardoispontosetravessão.Vamostreinaressaoutraformade

marcar as falas de personagens? Reescreva a crônica “Dia D”, utilizando o

discursodiretocomtravessão.

1) Nodiscursodireto,geralmenteasfalasdospersonagenssãointroduzidaspor

meio de verbos chamados de verbos de elocução. Eles ajudam a indicar o

modocomoospersonagensestãoseexpressando.Observe:“Quandoosda

rua de baixo ousavam ir para a rua de cima, os da rua de cima gritavam:“Alto

lá!”.Reparequeoverbo realçado indica amaneira comoapersonagemse

manifestou.

2) Agora,penseemverbosdeelocuçãopossíveisdeseremutilizadosnasseguin-

tessituações.Reescrevaasfrasesaseguir,fazendoasalteraçõesnecessárias:

a)“Alguémteve a ideia:“Vamosverquemtemabundamaisbranca,equem

tivermostra”.

b)quando voltou, encontrou o cuco numa zorra danada, bagunçan-

do seus ovinhos:“Querdizerqueeulheemprestooninhoevocêfazessa

bagunça?”.

3) Destaqueosverbosdosquadrosabaixoquepodemserutilizadoscomover-

bosdeelocução:

Page 111: Ensino e Escrita

109

Voltar

Esclarecer

ordenar

Murmurar

Responder

Dizer

Falar

Comentar

Ironizar

Bradar

Questionar

Gritar

Urrar

Interrogar

Pedalar

Comparecer

Chamar

Sair

Entendemostambémqueessasatividadesreferentesaoestudodacrônica“DiaD”

podemseroiníciododesenvolvimentodeummódulodeleituradolivro“Histórias

paraacordar”seoquesequerécriaroportunidadesparaqueoalunodesenvolvasua

competência discursiva pela apropriação das características típicas da crônica. Esse

trabalho pode ser organizado didaticamente a partir da seleção de outras crônicas

quecontemplemsuasdiversidadestemáticasemfabulísticas,fantásticas,etiológicas,

observandoquaiscaracterísticasdogênerosãoregularesequaisnãosãoe,nessecaso,

observarporquehámudanças.

Naelaboraçãodessapropostapedagógicadeanáliselinguística,tivemosocuidadode

nãoutilizartermosteóricoscomplexosnemumametalinguagemsofisticada,jáqueoaluno

doEnsinoFundamentalnãoprecisaserum“gramáticodetexto”,massimumleitorcrítico.

considEraÇÕEs Finais

Acreditamosquepormeiodeatividadesdeanáliselinguísticaqueprivilegiamoes-

tudodascaracterísticasdassituaçõesdeenunciaçãorelacionadasàsmarcaslinguístico-

enunciativasdostextos,asaulasdelínguamaternanoEnsinoFundamentalpodemser

muitomaisdoquemomentosdecópiaderegraseexceçõesgramaticaisisoladasou

aindadeexercíciosde“copiaçãotextual”.

Dessa forma, no processo de recepção de textos, em sala de aula, o trabalho de

análise linguística é essencial, visto ser pormeio da seleção do gênero discursivo,

econsequentementedaseleçãodaestruturacomposicional,doléxico,dasescolhas

morfossintáticas,enfim,dosrecursoslinguístico-enunciativosveiculadosquesepro-

duzemouco-produzemefeitosdesentido.Pelasescolhaslinguísticasdolocutor/autor,

podemosvisualizartantoosaspectosdasituaçãoenunciativaquantotambémaspectos

dasubjetividadedesselocutor/autor,queserevelaesemostracomosujeito.Portanto,

aanáliselinguísticatorna-seumimportanteexercícioparaqueoaluno-leitorseinsti-

tuacomoco-produtordotexto(DELL’ISOLA,1996).

análise linguística no ensino fundamental

Page 112: Ensino e Escrita

110

Escrita E Ensino

ANTUNES,I.muito além da gramática:porumensinodelínguassempedrasno

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BAKHTIN,M.Estética da criação verbal.4.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,2003.p.

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BRASIL,SecretariadeEducaçãoFundamental.Parâmetros Curriculares nacionais:

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DELL’ISOLA,R.L.P.Ainteraçãosujeito-linguagememleitura.In:MAGALHÃES,I.

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LOPES-ROSSI,MariaAparecidaGarcia.Gênerosdiscursivosnoensinodeleiturae

produçãodetextos.In:KARWOSKI,AcirMário;GAYDECZKA,Beatriz;BRITO,Karim

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MENDONÇA,MarinaCélia.Línguaeensino:políticasdefechamento.In:MUSSALIM,

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de Educação básica do Estado do Paraná:LínguaPortuguesa.Cutitiba:SEED,

2006.

PERFEITO,A.M.Análiselingüísticaeconstruçãodesentidos.In:LIMOLI,L.;

MENDONÇA,A.P.F.nas fronteiras da linguagem: leituraeproduçãodesentidos.

Londrina:Mídia,2006.p.7-16.

site consultado

http://www.sarespedunet.sp.gov.br/2003/e_f/3a/index.htm

sugestões de sites para leitura extra sobre o tema estudado:

www.escrita.uem.br–GrupodePesquisa“INTERAÇÃOEESCRITA”(UEM/CNPq)

www.cce.ufsc.br/~clafpl–anaison-linedoICongressoLatino-Americanosobre

FormaçãodeProfessoresdeLínguas

www.iel.unicamp.br–publicaçõesdoInstitutodeEstudosdaLinguagem(UNICAMP)

Proposta de Atividades

1)Leiaacrônicaabaixo“CacoMeleca”.Ancorando-senascaracterísticasdessegêneroelenca-dasnocapítulo,elabore,nomínimo,duasatividadesdeanáliselinguísticaeleituraparaestacrônica.

CACOMELECA

2).Cacoeraummeninoquietinho,masgostavadecomermeleca.Eletinhaatéumatáticaparatiraramelecasemninguémperceber:botavaamãonafrentedabocae,devagarinho,punhaopolegardentrodonariz,quesaíajácomamelequinhaenroladinha,eaenfiavana

Page 114: Ensino e Escrita

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Escrita E Ensino boca.Quenojo!(Masquemuitosmeninosfazemisso,fazem).Umdia,duranteumaprova,aprofessoraviuessamanobraeperguntou:“Caco,paraquemvocêestádandocola?Oquevocêestáfazendocomessamãonafrentedorosto?”.“Euestoumeioenjoado.”Aprofesso-raseaproximoudele.Elefoificandonervosocomaquelamelecanamão.Eagora?Eseelavisseaquilo?Foiaíqueelegrudouamelecaembaixodacarteira.Aprofessoraviuedisse:“Oqueéisso?Sevocênãoestivesseenjoadoeufariavocêcomerisso,seuporco!”.Cacorespondeu:“Nãosejaporisso,professora,éprájá”.Nhoct!,erespiroualiviado.

(FRATE, Diléa. Histórias para acordar. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996. p. 56).

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