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1 RELAÇÃO LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL “Ninguém educa ninguém. Ninguém educa a si mesmo. As pessoas se educam entre si, Mediatizadas pelo mundo.” (Paulo Freire) Silvana Lisbôa Meireles 1 RESUMO Ao longo de sua vida, o humano possui grande necessidade de adquirir uma boa bagagem de leitura para, além de obter conhecimento, desenvolver um potencial crítico para questionar, duvidar, saber mais e expor opiniões sem medo e, acima de tudo, poder interpretar o mundo. Acreditamos, que a escola tem grande parcela de responsabilidade para com o incentivo à leitura, pois ao promover este hábito enriquece o conhecimento humano, tornando possível a argumentação para defender-se nas mais diversas situações impostas pela vida e pelo mercado de trabalho. Com base nisso esse artigo tem a pretensão de expor algumas reflexões propostas nas pesquisas de alguns estudiosos na compreensão da relação entre a leitura e a produção escrita já que este tipo de trabalho teria como objetivo, entre outros, possibilitar ao universo acadêmico e social conhecimento mais aprofundado sobre a relação entre a leitura e produção escrita e, também, conscientizar os professores, alunos e ao público em geral da importância que a leitura exerce na vida de todo ser humano. Palavras-chave: Educação. Ensino fundamental. Leitura e escrita. Pesquisa. 1 Pedagoga formada pela UNEB-Universidade do Estado da Bahia E-mail: [email protected]

Relação Leitura e Escrita No Ensino Fundamental

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RESUMOAo longo de sua vida, o humano possui grande necessidade de adquirir uma boa bagagem de leitura para, além de obter conhecimento, desenvolver um potencial crítico para questionar, duvidar, saber mais e expor opiniões sem medo e, acima de tudo, poder interpretar o mundo. Acreditamos, que a escola tem grande parcela de responsabilidade para com o incentivo à leitura, pois ao promover este hábito enriquece o conhecimento humano, tornando possível a argumentação para defender-se nas mais diversas situações impostas pela vida e pelo mercado de trabalho. Com base nisso esse artigo tem a pretensão de expor algumas reflexões propostas nas pesquisas de alguns estudiosos na compreensão da relação entre a leitura e a produção escrita já que este tipo de trabalho teria como objetivo, entre outros, possibilitar ao universo acadêmico e social conhecimento mais aprofundado sobre a relação entre a leitura e produção escrita e, também, conscientizar os professores, alunos e ao público em geral da importância que a leitura exerce na vida de todo ser humano.Palavras-chave: Educação. Ensino fundamental. Leitura e escrita. Pesquisa.

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RELAÇÃO LEITURA E ESCRITA NO ENSINO FUNDAMENTAL

“Ninguém educa ninguém.

Ninguém educa a si mesmo.

As pessoas se educam entre si,

Mediatizadas pelo mundo.”

(Paulo Freire)

Silvana Lisbôa Meireles1

RESUMO

Ao longo de sua vida, o humano possui grande necessidade de adquirir uma boa

bagagem de leitura para, além de obter conhecimento, desenvolver um potencial

crítico para questionar, duvidar, saber mais e expor opiniões sem medo e, acima de

tudo, poder interpretar o mundo. Acreditamos, que a escola tem grande parcela de

responsabilidade para com o incentivo à leitura, pois ao promover este hábito

enriquece o conhecimento humano, tornando possível a argumentação para

defender-se nas mais diversas situações impostas pela vida e pelo mercado de

trabalho. Com base nisso esse artigo tem a pretensão de expor algumas reflexões

propostas nas pesquisas de alguns estudiosos na compreensão da relação entre a

leitura e a produção escrita já que este tipo de trabalho teria como objetivo, entre

outros, possibilitar ao universo acadêmico e social conhecimento mais aprofundado

sobre a relação entre a leitura e produção escrita e, também, conscientizar os

professores, alunos e ao público em geral da importância que a leitura exerce na

vida de todo ser humano.

Palavras-chave: Educação. Ensino fundamental. Leitura e escrita. Pesquisa.

1 Pedagoga formada pela UNEB-Universidade do Estado da Bahia

E-mail: [email protected]

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Tanto na área da Educação como em outros setores de atividade humana, a

comunicação escrita é a forma pela qual o humano utiliza para se relacionar com

seu meio e com o mundo. Considera-se que escrever bem é uma necessidade para

profissionais nas mais diversas áreas, mesmo não sendo necessário escolher

palavras sofisticadas ou estrutura gramatical complexa, mas é claro que a utilização

correta das normas da Língua Portuguesa também é desejável para que o texto

tenha maior aceitação pelo leitor, de forma suficiente, também, para que a

mensagem do teto seja clara e objetiva.

Na construção de um mundo imaginário e individual, a criação de novas

idéias é permitido pela leitura, mas esta precisa ser natural, espontânea, tranqüila

para que possa aos poucos ganhar espaço na vida das pessoas e torna-las um

hábito.

O interesse pela leitura, torná-la como hábito, deveria ser maior na

sociedade que vivemos e que idealizamos, seria um meio de falar e

escrever corretamente, agregando um maior vocabulário. Mas a

leitura não deve ser conhecida como obrigação, necessidade que

os outros impõem, não ver como um dever e sim como

conhecimento que ninguém tira da gente. (ABRAMOVICH. 1997,

p.138),

O hábito pelo interesse de ler deve garantir a compreensão do texto, para que

o leitor possa ir construindo uma idéia sobre seu conteúdo e extrair dele o que lhe

interessa naquele momento; assim, quando mais adiante o leitor se deparar com o

mesmo assunto, ele irá relacionar as informações novas com o conhecimento

anteriormente adquirido.

Segundo Souza atualmente se admite que a leitura é um processo de

interação entre o texto e o leitor, é um processo ativo que não se esgota meramente

no sentido literal. Nesse aspecto, a leitura passa a ser entendida como um ato social

entre leitor e autor que participam de um processo interativo. (1995, p.61), É através

da leitura que torna-se necessário entender o que o autor escreveu, a mensagem

que ele quer repassar, mas para isso é imprescindível conhecer o significado das

palavras, sozinhas ou dentro do contexto, e todo esse processo se torna mais fácil e

prazeroso, quando se tem um prévio conhecimento do assunto lido.

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Ler e escrever, sob a ótica das pequenas crianças que se inserem no

universo escolar, é um desafio que se apresenta, por vezes, divertido; por outras,

preocupante. Entretanto, todas elas trazem consigo, seja por desejo pessoal ou pelo

discurso circulante, a veleidade de ingressar no universo da palavra escrita.

Num contexto histórico, se no início da década de 80 os estudos acerca da

psicogênese da língua escrita trouxeram aos educadores o entendimento de que a

alfabetização, longe de ser a apropriação de um código, envolve um complexo

processo de elaboração de hipóteses sobre a representação linguística, os anos que

se seguiram, no entanto, com a emergência dos estudos sobre o letramentoi, foram

igualmente férteis na compreensão da dimensão sociocultural da língua escrita e de

seu aprendizado. Ambos os movimentos nas suas vertentes teórico-conceituais

romperam, definitivamente, com a dissociação dicotômica entre o sujeito que

aprende e o professor que ensina e, também, com o reducionismo que delimitava a

sala de aula como o único espaço de aprendizagem.

O indivíduo que está inserido em práticas de letramento é parte integrante da

sociedade, compreendendo e vivenciando as práticas de linguagem que estão a sua

volta. A inserção no universo da cultura escrita é feita em movimentos dialógicos que

levam o sujeito de uma esfera a outra, pois, como afirma Bakhtin (2003, p. 261):

“Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da

linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso

sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana [...]”

Interessante é que, questionada formalmente sobre a “novidade conceitual”

da palavra “letramento”, Emilia Ferreiro explicitou assim a sua rejeição ao uso do

termo:

Há algum tempo, descobriram no Brasil que se poderia usar a

expressão letramento. E o que aconteceu com a

alfabetização? Virou sinônimo de decodificação. Letramento

passou a ser o estar em contato com distintos tipos de texto,

o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego

a aceitar um período de decodificação prévio àquele em que

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se passa a perceber a função social do texto. Acreditar nisso

é dar razão à velha consciência fonológica. (2003, p. 30)

Entretanto, o letramento é visto por muitos pesquisadores como um salto

excepcional no desenvolvimento psicossocial do indivíduo, como o passaporte para

a ascensão social do indivíduo ou de um grupo social. O letramento (a escrita e seus

reflexos) para Vygotsky (apud TFOUNI, 1995, p. 21), “favorece os processos

mentais superiores, tais como: raciocínio abstrato, memória ativa, resolução de

problemas etc”. Scribner e Cole (apud TFOUNI, 1995, p. 26) também partilham

desse pensamento, ao defenderem que a “linguagem escrita promove conceitos

abstratos, raciocínio analítico, novos modos de categorização, uma abordagem

lógica à linguagem”. De acordo com esse raciocínio, poder-se-ia dizer que os

indivíduos ou grupos sociais desprovidos do uso ou da influência da escrita

estariam fadados ao atraso não só científico e tecnológico como também a um

lastimável atraso mental e de cuja cultura, certamente primitiva, pouco, ou nada,

poder-se-ia aproveitar no mundo letrado.

Os princípios antes propagados por Vygotsky e Piaget reforçando a ideia de

que a aprendizagem se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a

cultura em que vive, o que vale dizer que, ao lado dos processos cognitivos de

elaboração absolutamente pessoal (ninguém aprende pelo outro), há um contexto

que, não só fornece informações específicas ao aprendiz, como também motiva, dá

sentido e “concretude” ao aprendido, e ainda condiciona suas possibilidades efetivas

de aplicação e uso nas situações vividas. Entre o humano e o saberes próprios de

sua cultura, há que se valorizar os inúmeros agentes mediadores da aprendizagem

(não só o professor, nem só a escola, embora estes sejam agentes privilegiados

pela sistemática pedagogicamente planejada, objetivos e intencionalidade

assumida).

De acordo com Koch e Travaglia (1997, p.61): “O conhecimento de mundo é

visto como uma espécie de dicionário enciclopédico do mundo e da cultura

arquivado na memória”. No entanto, para termos conhecimento de mundo é preciso

leitura, e quanto maior a variedade, a quantidade e principalmente a qualidade, a

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qual se lê, mais ampla será nossa sabedoria. O ato de ler deve ser contido ao longo

de nossa existência, para que nossas informações sobre os assuntos sejam

atualizadas constantemente, mas esse hábito deve ser feito com satisfação, assim

como afirma Tezza (2001, p.17): “Caso pretenda desenvolver a capacidade de

formar opiniões críticas e chegar a avaliações pessoais, o ser humano precisará

continuar a ler por iniciativa própria. Como ler se faz de maneira proficiente ou não e

o que ler não dependerá, inteiramente, da vontade do leitor, mas o porque da leitura

deve ser a satisfação de interesses pessoais.”

Sabe-se da grande importância que a leitura exerce no cotidiano do humano e

consequentemente a escrita. Ao permitir que as pessoas cultivem os hábitos de

leitura e escrita e respondam aos apelos da cultura grafocêntrica, podendo inserir-se

criticamente na sociedade, a aprendizagem da língua escrita deixa de ser uma

questão estritamente pedagógica para alçar-se à esfera política, evidentemente pelo

que representa o investimento na formação humana. Nas palavras de Emilia

Ferreiro, a escrita é importante na escola, porque é importante fora dela e não o

contrário. (2001)

Vale ressaltar aqui que, do mesmo modo como transformaram as concepções

de língua escrita, redimensionaram as diretrizes para a alfabetização e ampliaram a

reflexão sobre o significado dessa aprendizagem, os estudos sobre o letramento

obrigam-nos a reconfigurar o quadro da sociedade leitora no Brasil. Ao lado do

índice nacional de 16.295.000 analfabetos no país (IBGE, 2003), importa considerar

um contingente de indivíduos que, embora formalmente alfabetizados, são

incapazes de ler textos longos, localizar ou relacionar suas informações.

Os dados do Instituto Nacional de Estatística e Pesquisa em Educação (INEP)

indicam que os índices alcançados pela maioria dos alunos de 4ª série do Ensino

Fundamental não ultrapassam os níveis “crítico” e “muito crítico”. Isso quer dizer

que mesmo para as crianças que têm acesso à escola e que nela permanecem por

mais de 3 anos, não há garantia de acesso autônomo às praticas sociais de leitura e

escrita Que escola é essa que não ensina a escrever? (Colello, 2003, Colello e Silva,

2003).

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No entanto, independente do vínculo escolar, essa mesma tendência parece

confirmar-se pelo “Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional” (INAF), uma

pesquisa realizada por amostragem representativa da população brasileira de jovens

e adultos (de 15 a 64 anos de idade)[iii]: entre os 2000 entrevistados, 1475 eram

analfabetos ou tinham pouca autonomia para ler ou escrever, e apenas 525

puderam ser considerados efetivos usuários da língua escrita. Indiscutivelmente,

uma triste realidade!

Retomando a tese defendida por Paulo Freire, os estudos sobre o letramento

reconfiguraram a conotação política de uma conquista – a alfabetização - que não

necessariamente se coloca a serviço da libertação humana. Muito pelo contrário, a

história do ensino no Brasil, a despeito de eventuais boas intenções e das “ilhas de

excelência”, tem deixado rastros de um índice sempre inaceitável de analfabetismo

agravado pelo quadro nacional de baixo letramento. A questão da aprendizagem da

leitura é a discussão dos meios através dos quais o indivíduo pode construir seu

próprio conhecimento, pois, sabendo ler, ele se torna capaz de atuar sobre o acervo

de conhecimento acumulado pela humanidade através da escrita, e desse modo,

produzir, ele também, um conhecimento. (BARBOSA, 1994, p.28)

Segundo Colello (2003), mesmo correndo o risco de inadequação

terminológica, ganhamos a possibilidade de repensar o trânsito do homem na

diversidade dos “mundos letrados”, cada um deles marcado pela especificidade de

um universo. Desta forma, é possível confrontar diferentes realidades, como por

exemplo o “letramento social” com o “letramento escolar”; analisar particularidades

culturais, ou ainda compreender as exigências de aprendizagem em uma área

específica, como é o caso do “letramento científico”, “letramento musical” o

“letramento da informática ou dos internautas”. Em cada um desses universos, é

possível delinear práticas (comportamentos exercidos por um grupo de sujeitos e

concepções assumidas que dão sentido a essas manifestações) e eventos

(situações compartilhadas de usos da escrita) como focos interdependentes de uma

mesma realidade (Soares, 2003). A aproximação com as especificidades permite

não só identificar a realidade de um grupo ou campo em particular (suas

necessidades, características, dificuldades, modos de valoração da escrita), como

também ajustar medidas de intervenção pedagógica, avaliando suas conseqüências.

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No caso de programas de alfabetização, a relevância de tais pesquisas é assim

defendida por Kleiman:

Se por meio das grandes pesquisas quantitativas, podemos

conhecer onde e quando intervir em nível global, os estudos

acadêmicos qualitativos, geralmente de tipo etnográfico, permitem

conhecer as perspectivas específicas dos usuários e os contextos

de uso e apropriação da escrita, permitindo, portanto, avaliar o

impacto das intervenções e até, de forma semelhante à das macro

análises, procurar tendências gerais capazes de subsidiar as

políticas de implementação de programas. (2001, p. 269)

Considerando que o dialogismo é o princípio constitutivo da linguagem e

acreditando-se que a enunciação é o resultado da interação entre locutor e

interlocutor, pode-se, então, perceber o espaço escolar como o de negociação de

sentidos. Dessa forma, pensamos no processo de alfabetização/letramento

apontando para a inserção no mundo do texto e não das unidades menores como

fonemas, grafemas, sílabas e palavras. Compreender o sistema escrito, nessa

perspectiva, não é apenas reconhecer o sinal sonoro ou escrito, preocupando se

com as relações fono-grafêmicas e grafo-fonêmicas. A linguagem está em

movimento e este deve se fazer sentir no processo de inserção na escola e nos

momentos dedicados à aprendizagem da leitura e da escrita.

Em relação à língua, de acordo com Santosii, os lingüistas e estudiosos

acerca do ensino-aprendizagem do português como língua materna - tais como

Geraldi (1996, 1984), Faraco (1984), Possenti (1996), Terzi (1995), Suassuna

(1995), Luft (1985), Lemle (1995), Marcuschi (1997) - vêm apontando, em suas

pesquisas e reflexões, algumas contradições e equívocos desse processo. Apesar

de todos os esforços de pedagogos e técnicos da área de língua, ainda não se

chegou a um consenso e a uma prática eficaz no ensino-aprendizagem da língua

materna. Em sua pesquisa, Santos faz a arrolagem de alguns dos pontos de conflito,

segundo autores, no ensino-aprendizagem do português nas escolas brasileiras, a

fim de tentar situar o panorama do problema em questão, levantamento e

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abordagem que, segundo ela, evidentemente aqui não se esgota e que só

ressaltaremos dois:

1. A dicotomia oralidade X escrita. Ao mesmo tempo em que se

peca por se pretender ser a escrita um registro regular, natural

e inequívoco da fala, peca-se por se priorizar a primeira em

detrimento da segunda. Escrita e oralidade têm suas

peculiaridades que as tornam únicas em suas diferentes

modalidades. Por outro lado, fica difícil isolar a primeira num

trabalho dissociado da prática primeva da língua, isto é, da

fala, da oralidade. Assim, para que se promova um ensino

eficaz da língua materna, faz-se necessário demolir a barreira

que separa essas duas práticas indissociáveis da língua nas

sociedades letradas. Marcuschi (2001) reforça que se parta

sempre da oralidade para a escrita, trabalhando as diferenças e

semelhanças entre as duas modalidades, visto que o fim maior

do ensino de português “é o pleno domínio e uso de ambas as

modalidades nos seus diferentes níveis”.

2. O ensino de leitura X ensino de gramática. Possenti, Geraldi,

Luft e Marcuschi alertam sobre o equívoco que se tem mantido

quanto ao que é mais importante: ensinar gramática ou ensinar

a ler/escrever? Luft (1985), ao analisar a polissemia no uso do

termo gramática, lembra que fazer uso de uma língua, ou de

uma modalidade, ou de um nível de língua exige o

conhecimento essencial de sua respectiva gramática. E sendo

a gramática (viva) o sustentáculo da língua e de suas

possibilidades, é estranho a escola não conseguir até hoje

levar o aluno a um olhar mais amistoso para com esse ensino.

Essas reflexões chamam a atenção para a pouca

contextualização do ensino de gramática. Se a gramática pode

ser definida como o conjunto de regras que sustenta a prática

de uma língua (com suas variedades), como ensinar a ler e a

escrever sem discutir a gramática e como ensinar gramática

sem ser dentro da prática real, funcional, da língua, quer

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falada, quer escrita? Parece ser este um dos pontos de conflito

entre ensino escolar e uso pragmático da escrita.

Se escrita é uma forma de comprovar o conhecimento, o que falamos,

também, fica registrado como o nosso saber. Percebemos então que, na relação

escrita e leitura, a produção de texto é conseqüência de leitura, pois o indivíduo que

possui conhecimento produzirá um texto escrito com maior facilidade e

argumentação do que aqueles que desconhecem o assunto sugerido, então isso

deve ser considerado pelos professores. Muitas vezes o aluno sabe a maneira de

produzir um texto dentro das regras gramaticais, mas não tem o conhecimento

necessário sobre o assunto para desenvolver o texto escrito e a conseqüência será

um texto mais pobre em vocabulário, dificultando as argumentações. Assim, deve

ficar claro, também, que a formação de sujeitos leitores e produtores de texto não é

responsabilidade exclusiva dos professores da língua materna.

No ato de escrever é que tudo se torna mais complicado, pois não falamos da

mesma forma a qual escrevemos, pois é preciso encontrar as palavras certas, uma

forma mais culta, boa argumentação e um vocabulário adequado para que os fatos

não sejam distorcidos e mal compreendidos pelo leitor. O uso de um bom

vocabulário é requisito para a elaboração de textos escritos, mas isso não significa

impressionar o leitor com palavras difíceis, o importante é conhecer e utilizar as

palavras necessárias para uma boa produção textual. Segundo Durigon, (1987,

p.13-4 apud Infante, 1991, p. 46): “Os problemas começam a surgir quando este

aluno tem necessidade de se expressar formalmente e se agravam no momento de

produzir um texto escrito”. Ou seja, a maior dificuldade que os alunos encontram são

quanto à escrita, os recursos específicos, as normas, regras de ortografia,

pontuação, o uso correto dos tempos verbais, porém não são apenas esses itens

que tornam um texto bem escrito.

Mas afinal, o que é um texto? O que ele precisa conter para ser bem avaliado

e compreendido? O que o torna tão difícil? A palavra texto provém do latim textum,

que significa tecido, entrelaçamento (...).O texto resulta de um trabalho de tecer, de

entrelaçar várias partes menores a fim de se obter um todo inter – relacionado.

(QUINTANA, 1998, p. 20, apud Infante, 1991, p. 49). Texto é juntar as idéias, dando

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sentido, entrelaçando uma frase à outra, para dar um significado geral ao texto, para

que ao ser lido possa ser compreendido pelo leitor.

Para Faraco e Tezza (1992, p.35-118), quem escreve bons textos, e não boas

frases! Esse é um ponto que não devemos jamais perder de vista, e talvez o que

oferece mais dificuldades, justamente porque a noção de texto está ausente das

gramáticas tradicionais e, na prática, ocupa um espaço muito pequeno no Ensino

Escolar da língua. O texto em si não é nada! Ele é de fato, uma ponte entre dois (ou

mais) interlocutores. A organização interna do texto só tem sentido com relação à

organização externa do enunciado, por assim dizer; como a língua viva só existe em

função de seus usuários, a qualidade de um texto escrito só pode ser medida com

relação à intenção de quem escreve, ao universo de quem lê e ao assunto de que se

fala .

No entendimento de Beaugrande e Dressler (1981, apud Koch e Travaglia,

1997, p. 32), Texto incoerente é aquele em que o receptor (leitor ou ouvinte) não

consegue descobrir qualquer continuidade de sentido, seja pela discrepância entre

os conhecimentos ativados, seja pela inadequação entre esses conhecimentos e o

seu universo cognitivo. Texto Coerente é o que “faz sentido” para seus leitores, o

que torna necessária a incorporação de elementos cognitivos e pragmáticos ao

estudo da coerência textual. Entende–se, então que a produção de um texto escrito

depende de vários fatores, mas no geral ele se desenvolve melhor a partir dos

conhecimentos prévios já possuídos através da leitura.

A natureza, a variedade e a dificuldade dos significados das

palavras têm, também, sido estudadas como um aspecto

específico da leitura. As pesquisas mostram que cada leitor usa, na

interpretação de um texto, os significados que atribuem

anteriormente às palavras. Segue–se, então, que a amplitude do

significado do vocabulário de um leitor depende da natureza e

qualidade de suas experiências prévias. (SILVA, 1991, p. 18)

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Alguns autores, entre eles Soares (1998; 2003) e Morais (2006), definem a

alfabetização como técnica de aprender a ler e escrever. Nesse sentido, Dionísio

(2007b, p.4) faz a seguinte afirmação: “se considerarmos a alfabetização como o

processo de dotar os indivíduos dos códigos relativos ao escrito, para os momentos

reservados de aprendizado do código escrito, podemos falar que alfabetização – é

aprender o código escrito.” Não há como, numa perspectiva social, dissociar

alfabetização de letramento, estabelecendo tempos para que cada aprendizagem

ocorra. Afinal, trata-se de sujeitos inseridos em uma cultura escrita. Por mais que se

deseje adiar a aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez inserido em contexto

de letramento, o sujeito já estará apreendendo sobre as funções sociais que ler e

escrever têm em uma sociedade grafocêntrica. Kleiman (1995, p. 20, grifos do

autor), avaliando o papel da escola no que concerne ao letramento, afirma que:

O fenômeno do letramento, então, extrapola o mundo da escrita tal

qual ele é concebido pelas instituições que se encarregam de

introduzir formalmente os sujeitos no mundo da escrita. Pode-se

afirmar que a escola [...] preocupa-se, não com o letramento, a

prática social, mas com apenas um tipo de letramento, a

alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético,

numérico), processo geralmente concebido em termos de uma

competência individual necessária para o sucesso e promoção da

escola.

Da mesma forma que a preocupação em alfabetizar para formar o leitor e o

escritor na criança, a amplitude desse argumento perpassa pelo adulto. Alguns

estudos vêm provando que as dificuldades na construção do conhecimento e na

aquisição do letramento em um adulto não alfabetizado são basicamente as

mesmas que numa criança. Entretanto, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é

uma das modalidades de ensino da educação básica que requer um olhar atento,

uma vez que a população atendida traz características bem peculiares, que

geralmente, demonstram um passado de exclusão e inacessibilidade aos ambientes

escolares. Além de promover o acesso ao mundo da escrita, faz-se necessário ir

além dos códigos, possibilitando a formação crítica e cidadã desse aluno que chega

às salas de EJA em busca de melhores condições de vida. Além de terem contato

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com as produções escritas, eles têm a chance de se reconhecerem enquanto

sujeitos capazes de fazerem as suas próprias escolhas e de cuidarem de si

mesmos, sendo capazes de resgatarem a experiência vivida e, ao mesmo tempo,

recriá-la. [iv]

Numa reflexão que não deve ser finita, considera-se o ato de ler como um ato

da sensibilidade e da inteligência, de compreensão e de comunhão com o mundo;

lendo, expandimos o estar no mundo, alcançamos esferas do conhecimento antes

não experimentadas e, no dizer de Aristóteles, nos comovemos e ampliamos a

condição humana. Esta sensação de plenitude, iluminante, ainda que dolorosa e

aguda tem sido a constante que o discurso artístico proporciona. Diante de um

quadro, de uma música, de um texto, o mundo inteiro, que não cabe no relance do

olhar, se condensa e aprofunda em nós um sentimento que abarca a totalidade,

como se, pela parte que tocamos, pudéssemos entrever o não-visto e adivinhar o

que, de fato, não experimentamos. Deste modo, dentro e fora da escola, crianças e

adultos, precisamos reaprender a ler e a reinventar a leitura. E o começo é perceber

que não lemos palavras, lemos seqüências onde as palavras se comunicam, se

negam, se contradizem e nos surpreendem.

Em comunhão com o ato de ler, a atividade de escrever necessita da prática

de leitura como a terra precisa de água e de adubo para frutificar. A escrita é,

portanto, um exercício de ir e vir, assim como na leitura e envolve habilidades e

domínios cognitivos, bem como ação mediadora de estímulos e de conhecimentos.

[...] aprender a escrever é, em grande parte, se não principalmente,

aprender a pensar, aprender a encontrar ideias e a concatená-las,

pois assim como não é possível dar o que não se tem, não se pode

transmitir o que a mente não criou ou não aprovisionou. Quando

os professores nos limitamos a dar aos alunos temas para redação

sem lhes sugerirmos roteiros ou rumos para fontes de ideias, sem,

por assim dizer, lhe “fertilizarmos” a mente, o resultado é quase

sempre desanimador: um aglomerado de frases desconexas, mal

redigidas, mal estruturadas, um acumulo de palavras que se

atropelam sem sentido e sem propósito; frases em que procuram

fundir ideias que não tinham ou que foram mal pensadas ou mal

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digeridas. Não podiam dar o que não tinham, mesmo que

dispusessem de palavras-palavras, quer dizer, palavras de

dicionário, e de noções razoáveis sobre a estrutura da frase. É que

as palavras não criam ideias, se existem, é que, forçosamente,

acabam corporificando-se naquelas. (GARCIA, 1992. p. 291)

Por ser uma prática que exige certos conhecimentos, a escrita não pode e

não deve jamais ser dissociada da prática da leitura, uma vez que é esta que dá os

subsídios necessários para incorporar vocabulários e experiências tão necessários a

escrita. É a leitura também que oferece ao leitor e produtor de textos, a criatividade

necessária para o desenrolar do pensamento e a criticidade para não cair no óbvio.

Para escrever é preciso conhecimento de língua e de situação, o que somente se

adquire através da leitura e, o ato de ler incorpora práticas e gestos, ao mesmo

tempo em que exige boa diversidade de textos, o que concerne em subsídios para

produzir bons escritos. Deste modo, não podemos pensar a escrita como uma ação

totalmente isolada, mas como algo inerente a leitura, que parte dela e para ela.

A responsabilidade da escola é muito grande e a do professor é ainda maior,

por atuar neste espaço como um mediador entre a leitura e o aluno, entre o aluno e

o processo de escrita, sobretudo, no que diz respeito à escrita. No entanto, é

importante compreendermos que apesar de ser uma responsabilidade da escola,

esta não é garantia de formar bons escritores, exatamente por contar com outros

aspectos próprios do ser humano e que não podem ser encontrados em receitas,

porém podem ser suscitados através do ato da leitura propriamente dito.

Enfim, com as pesquisas que corroboram um artigo como este, podemos

constatar não apenas que o fazer pedagógico vai além do ensino de conteúdos e

técnicas na sala de aula, mas também que não tivemos a pretensão de esgotar os

estudos sobre letramento, aprendizagem, leitura e produção textual; concluímos que

é possível não só ensinar a escrever textos, como também a expressar-se oralmente

em situações públicas e extra-escolares, quando se proporciona na escola múltiplas

ocasiões de escrita e de fala, sem que cada produção se transforme,

necessariamente, no objeto de ensino sistemático. Isso se torna uma realidade, ao

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criarmos um contexto de produção que permite aos alunos apropriarem-se das

noções, das técnicas e dos instrumentos, necessários ao desenvolvimento de

expressão oral e escrita, em situações quaisquer diversas de comunicação. Basta

apenas que o docente, ou a escola como um todo, aproprie-se de preocupações

outras que não limite o ensinar-aprender.

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NOTAS

[i] “Literacy” do inglês, traduzido por “letramento” no Brasil e por “literacia” em

Portugal é uma terminologia não dicionarizada que, nos meios acadêmicos, vem

sendo utilizada com diferentes sentidos.

[ii] Ítem 3 (ENSINO-APRENDIZAGEM DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA MATERNA) do

artigo de Janete S. Santos, LETRAMENTO, VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA E ENSINO DE

PORTUGUÊS, no qual discorre sobre: A dicotomia oralidade X escrita; O ensino de

leitura X ensino de gramática; O ensino da língua culta X ensino da variedade

linguística; Os textos didáticos X textos vivos.

[iii] Para mais dados sobre a pesquisa do INAF (objetivos, população envolvida,

critérios de análise e resultados obtidos), ver em Ribeiro (2003).

[iv] Para mais dados, ver em PROGRAMA DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

(PEJA): A IMPORTÂNCIA DA (RE) INSERÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NAS

PRÁTICAS LETRADAS POR MEIO DA ALFABETIZAÇÃO, disponível em:

http://ojs.unesp.br/index.php/revista_proex/article/view/307/301

[iv] Para mais dados, ver em PELO AVESSO: A Leitura e o Leitor, de Eliana Yunes.

Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/letras/article/view/19078/12383

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