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85 84 ENSINO Foto Eduardo Zappia/Editora Globo; Circo em família, no pavilhão Teatro Anônimo. Fotos Thinkstock Sem os muros da escola No homeschooling ou no unschooling, pais que optaram por tirar seus filhos de institutições formais de ensino experimentam novos métodos e mostram que a aprendizagem pode acontecer em quaisquer espaço e momento Reportagem Gabriela Portilho O casal de funcionários públicos Nathalie Celestino Gou- hie, 34 anos, e Anderson Christian Rodrigues, 37, do Rio de Janeiro, alcançou tudo o que seus pais sonharam para eles. Com bons cargos, casaram-se, compraram uma casa e, em 2010, viveram a chegada de Sarah, única filha do casal. No entanto, a vida aparentemente perfeita não era sinônimo de dias felizes, pois a estabilidade financeira não compensava a falta de algo inspirador ou desafiador para eles. Sarah ingressou na escola aos 8 meses e até os 4 anos passou por três instituições. Nesse tempo, Nathalie percebeu que sua filha alimentava uma postura competitiva, além da forte dife- renciação de gêneros na hora de brincar. Nas reuniões pedagó- gicas, ela entendeu que o comportamento era reflexo da cultura escolar. “As crianças tinham apenas 2 anos e os pais já discu- tiam sobre temas como alfabetização, informática e o que im- pactaria no vestibular. Tudo precocemente!”, pontua. Isso provocou nela e em seu marido certa inquietação. Após uma boa pesquisa, Nathalie e Anderson conheceram outros meios de aprendizagem, inclusive o homeschooling e o unscho- oling, em que os pais se tornam os principais direcionadores e responsáveis pelo ensino de seus filhos. Embora não haja uma definição fechada para essas práticas, o que as diferencia é que, no homeschooling, há um roteiro mais definido sobre a apresen- tação de conteúdos, como o uso de uma apostila ou de livros baseados no currículo formal escolar. Enquanto isso, no uns- chooling, o conhecimento é pesquisado conforme o interesse da criança. Se ela deseja saber sobre furacões, por exemplo, o ponto de partida pode ser um filme, seguido de uma pesquisa na internet, até que ela se satisfaça sobre o assunto. Aos poucos, o ensino doméstico ganha mais adeptos. Ho- je, ele já é legalizado em, pelo menos, 63 países e conta com seguidores, sobretudo nos Estados Unidos – onde mais de 2 milhões de crianças estudam fora da escola. Embora seja per- mitido na maioria das nações europeias, na Alemanha e na Nathalie e Anderson não gostavam da postura competitiva que a filha, Sarah, 4 anos, desenvolveu na escola. Agora, estudam em casa e o assunto do momento é o circo Suécia, é considerado crime. Já na França, a prática é a acei- ta, desde que os estudantes passem por uma avaliação anual de desempenho. No Brasil, a Associação Nacional de Educa- ção Domiciliar (Aned) estima que mais de 2 mil famílias te- nham optado pelo ensino doméstico – elas estão espalhadas pelas mais diferentes regiões do país. Só para efeito de comparação, em 2010 eram apenas 300 fa- mílias. Um estudo realizado no mesmo ano, pelo doutor em so- ciologia André Vieira, do Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais da UFMG, revela que mais de 90% dos parti- cipantes adeptos da desescolarização desejavam oferecer uma educação melhor que a disponível na escola. A pesquisa teve uma amostra de 62 pais, sendo que a maior parte dos respon- dentes era casada (98,4%), com renda de seis a dez salários mí- nimos (34,48%) – seguido de 12,06% de famílias que ganham de dez a 20 – e pouco mais da metade com dois filhos (56,6%). FAMíLIA QUE ESTUDA JUNTO Nathalie e Anderson pensaram por meses em como viabilizar o projeto. “Tiramos Sarah da escola no fim do ano passado e meu marido pediu demissão para acompanhá-la na jornada da livre aprendizagem. Temos estudado mais do que nunca para dar conta.” Em casa, a menina vivencia as atividades pelas quais se sente atraída. No momento, seu principal interesse é o circo. Ela frequenta espetáculos, faz aulas de acrobacia e malabares e, com a ajuda dos pais, de amigos, vizinhos e colegas da aula de circo, constrói os materiais necessários para pôr em prática as atividades, como pés de lata e bambolês. A partir desse eixo central do conhecimento, Sarah mostra o caminho e os pais a acompanham, auxiliando com o que é ne- cessário. “Se não sabemos ensinar, buscamos quem saiba.” Is- so não significa, necessariamente, a contratação de professores particulares. Profissionais, sejam amigos da família ou desco- nhecidos, dispostos a ajudar e que possam responder aos ques- tionamentos da criança, são bem-vindos. A mudança atingiu toda a família. Nathalie redescobriu seu gosto por leitura e escrita, além da flexibilidade adquirida nas aulas de circo, que faz junto com a filha. O marido, agora, pla- neja trabalhar com orgânicos. A ideia é vender a casa para vi- verem no interior do estado. Segundo a mãe, Sarah nunca este- ve tão sorridente e curiosa. “A entrada de dinheiro em casa No site Leia a reportagem sobre o documentário que discute educação de crianças fora da escola.

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de institutições formais de ensino experimentam novos métodos e mostram que a aprendizagem pode acontecer em

quaisquer espaço e momento

Reportagem Gabriela Portilho

O casal de funcionários públicos Nathalie Celestino Gou-hie, 34 anos, e Anderson Christian Rodrigues, 37, do Rio de Janeiro, alcançou tudo o que seus pais sonharam para eles. Com bons cargos, casaram-se, compraram uma casa e, em 2010, viveram a chegada de Sarah, única filha do casal. No entanto, a vida aparentemente perfeita não era sinônimo de dias felizes, pois a estabilidade financeira não compensava a falta de algo inspirador ou desafiador para eles.

Sarah ingressou na escola aos 8 meses e até os 4 anos passou por três instituições. Nesse tempo, Nathalie percebeu que sua filha alimentava uma postura competitiva, além da forte dife-renciação de gêneros na hora de brincar. Nas reuniões pedagó-gicas, ela entendeu que o comportamento era reflexo da cultura escolar. “As crianças tinham apenas 2 anos e os pais já discu-tiam sobre temas como alfabetização, informática e o que im-pactaria no vestibular. Tudo precocemente!”, pontua.

Isso provocou nela e em seu marido certa inquietação. Após uma boa pesquisa, Nathalie e Anderson conheceram outros meios de aprendizagem, inclusive o homeschooling e o unscho-oling, em que os pais se tornam os principais direcionadores e responsáveis pelo ensino de seus filhos. Embora não haja uma definição fechada para essas práticas, o que as diferencia é que, no homeschooling, há um roteiro mais definido sobre a apresen-tação de conteúdos, como o uso de uma apostila ou de livros baseados no currículo formal escolar. Enquanto isso, no uns-chooling, o conhecimento é pesquisado conforme o interesse da criança. Se ela deseja saber sobre furacões, por exemplo, o ponto de partida pode ser um filme, seguido de uma pesquisa na internet, até que ela se satisfaça sobre o assunto.

Aos poucos, o ensino doméstico ganha mais adeptos. Ho-je, ele já é legalizado em, pelo menos, 63 países e conta com seguidores, sobretudo nos Estados Unidos – onde mais de 2 milhões de crianças estudam fora da escola. Embora seja per-mitido na maioria das nações europeias, na Alemanha e na

Nathalie e Anderson não gostavam da postura competitiva que a filha, Sarah, 4 anos, desenvolveu na escola. Agora, estudam em casa e o assunto do momento é o circo

Suécia, é considerado crime. Já na França, a prática é a acei-ta, desde que os estudantes passem por uma avaliação anual de desempenho. No Brasil, a Associação Nacional de Educa-ção Domiciliar (Aned) estima que mais de 2 mil famílias te-nham optado pelo ensino doméstico – elas estão espalhadas pelas mais diferentes regiões do país.

Só para efeito de comparação, em 2010 eram apenas 300 fa-mílias. Um estudo realizado no mesmo ano, pelo doutor em so-ciologia André Vieira, do Centro de Pesquisas Quantitativas em Ciências Sociais da UFMG, revela que mais de 90% dos parti-cipantes adeptos da desescolarização desejavam oferecer uma educação melhor que a disponível na escola. A pesquisa teve uma amostra de 62 pais, sendo que a maior parte dos respon-dentes era casada (98,4%), com renda de seis a dez salários mí-nimos (34,48%) – seguido de 12,06% de famílias que ganham de dez a 20 – e pouco mais da metade com dois filhos (56,6%).

FAmíliA quE ESTudA juNToNathalie e Anderson pensaram por meses em como viabilizar o projeto. “Tiramos Sarah da escola no fim do ano passado e meu marido pediu demissão para acompanhá-la na jornada da livre aprendizagem. Temos estudado mais do que nunca para dar conta.” Em casa, a menina vivencia as atividades pelas quais se sente atraída. No momento, seu principal interesse é o circo. Ela frequenta espetáculos, faz aulas de acrobacia e malabares e, com a ajuda dos pais, de amigos, vizinhos e colegas da aula de circo, constrói os materiais necessários para pôr em prática as atividades, como pés de lata e bambolês.

A partir desse eixo central do conhecimento, Sarah mostra o caminho e os pais a acompanham, auxiliando com o que é ne-cessário. “Se não sabemos ensinar, buscamos quem saiba.” Is-so não significa, necessariamente, a contratação de professores particulares. Profissionais, sejam amigos da família ou desco-nhecidos, dispostos a ajudar e que possam responder aos ques-tionamentos da criança, são bem-vindos.

A mudança atingiu toda a família. Nathalie redescobriu seu gosto por leitura e escrita, além da flexibilidade adquirida nas aulas de circo, que faz junto com a filha. O marido, agora, pla-neja trabalhar com orgânicos. A ideia é vender a casa para vi-verem no interior do estado. Segundo a mãe, Sarah nunca este-ve tão sorridente e curiosa. “A entrada de dinheiro em casa

No site leia a reportagem sobre o documentário que discute educação de crianças fora da escola.

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ensino

caiu pela metade, mas temos o dobro de alegria. Ao tirar a es-cola e o trabalho em tempo integral de nossas vidas, reencon-tramos o desejo de fazer o que realmente gostamos”, explica.

diSCuSSão lEGAlA legislação brasileira não é clara em relação ao ensino domésti-co. Embora a matrícula nas escolas seja obrigatória entre 4 e 17 anos, a modalidade não é citada nos dois principais documen-tos que tratam de educação no país – Constituição Federal e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) –, o que dá margem a uma grande discussão legal. Alguns pais, inclusive, sofreram acusações de abandono intelectual por praticarem es-se tipo de ensino. O Código Penal define como abandono inte-lectual, no artigo 246, “deixar, sem justa causa, de prover à ins-trução primária de filho em idade escolar”. A norma prevê como pena a detenção de 15 dias a um mês ou o pagamento de multa.

Foi o caso do empresário Cléber Nunes, 51 anos, e sua esposa Bernadeth, 47, de Caratinga (MG). Em 2010, eles foram con-denados por fornecerem aos filhos ensino fora da escola. A Jus-tiça determinou que o casal pagasse uma multa de R$ 9 mil e submeteu os meninos a inúmeros testes de conhecimento. Na época, com 12 e 13 anos, Davi e Jônatas foram aprovados em todos eles. Mesmo assim, a família foi condenada sob a alega-ção de transformarem os meninos em autodidatas. Fora da es-cola desde 2006, os jovens têm, hoje, 20 e 21 anos. Jônatas é webdesigner e Davi, programador. Juntos, ganharam recente-mente passagens e estadia para a Campus Party na Califórnia, após vencerem um concurso na edição brasileira do evento.

No Brasil, dez famílias, pelo menos, foram acusadas de aban-dono intelectual e duas, condenadas. Apenas uma conseguiu autorização formal do governo para educar no lar. Para regula-mentar a situação, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3.179/12, que propõe a inclusão da educação familiar na LDB. O projeto sugere que os alunos submetidos ao ensino do-méstico passem por uma avaliação anual de desempenho, que atenda às diretrizes curriculares nacionais.

Para Carla Ferro, pesquisadora em aprendizagem sem ensino e desescolarização, se aprovado nesses moldes, o projeto limita-ria a autonomia dos pais, já que os obrigaria a seguir um currí-

culo predeterminado pelo Estado. “Não queremos o fim das es-colas. Desejamos apenas que as pessoas que não se enquadram nesse sistema tenham a liberdade de exercer a diferença”, expli-ca. Enquanto especialistas em educação se dividem sobre o te-ma, o Ministério da Educação (MEC) se posiciona contra, em nota à CRESCER: “A proposta de ensino domiciliar não apre-senta amparo legal, ferindo o Estatuto da Criança e do Adoles-cente, a LDB e a própria Constituição Federal”.

olhAr dE pAiMesmo com o impedimento legal, algumas famílias aceitam os riscos e tiram seus filhos do ensino regular, passando por inten-so processo de planejamento e reorganização. O bibliotecário gaúcho Celvio Derbi, 34 anos, de Porto Alegre, levou dois anos

para tirar da escola a filha Julia, de 14. Apesar da relação posi-tiva com os colegas e das boas notas, ela considerava tudo um martírio. Celvio procurou instituições com propostas pedagó-gicas mais livres, mas não encontrou nenhuma com as carac-terísticas que procurava. Incentivou atividades no contraturno escolar, mas elas não estimulavam a criatividade da menina e só minavam suas energias. Pesquisou outros processos peda-gógicos e, junto com sua família, optou pela desescolarização.

Agora, a casa é apenas um local onde se organizam os percur-sos de aprendizagem, que acontecem em toda parte. “Quando a Julia se interessou por culinária, por exemplo, pensamos em uma oficina envolvendo matemática, que passou por temas co-mo alimentação, saúde e história dos temperos”, lembra. Em-bora a internet seja grande fonte de pesquisa, os pais buscam

conhecimento, preferencialmente, com especialistas do as-sunto em pauta (engenheiros, médicos, advogados etc.), em livros e nas saídas de campo. “As atividades são pensadas pa-ra gerar contato com a diversidade cultural da cidade e a par-ticipação na vida da comunidade”, explica o pai. Julia é ma-triculada na Clonlara School, um programa de tutoria que permite a validação do diploma no fim do ensino doméstico, possibilitando que ela preste vestibular e siga, caso queira, com os estudos em nível superior fora do país, pois é aceito por muitas universidades norte-americanas.

Celvio tem percebido uma mudança constante e gradual na autoestima da filha. Com o passar dos dias, foi florescen-do seu interesse pela leitura e ela começou a escrever contos e poesias. Julia também busca ilustrações e fotografias e cria

no brasil...

Ensino feito em casa pelas mães, pelos padres, por preceptores ou por quem tivesse conhecimento e disponibilida-de. A chegada da família real impulsio-

nou a criação de escolas

Obrigatoriedade do ensino de quatro

anos, oferecido em escolas públicas

O ensino obrigatório e

gratuito passou a ser de oito anos

Aumenta para nove anos a obrigatoriedade do ensino no

Brasil. Neste ano, estimava-se que 300 famílias já

haviam optado pelo ensino doméstico, mesmo sem a

regularização

O número de crianças educadas pela família

cresceu para mais de 2 mil. Tramita na Câmara dos

Deputados um projeto de lei que propõe a inclusão da

educação familiar na LDB

1500 A 1808 (ChEGAdA dA FAmíliA rEAl)

19711937 2010 hojE

no mundo...

em casa X na escola

mEAdoS do SéCulo 18

Surge a escolaridade obrigatória na Prússia

Presença de todas as crianças em instituições de ensino na Europa se torna obrigatória

O ensino doméstico é legal em 63 países (há 193, no mundo, segundo a ONU). Nos EUA, mais de 2 milhões de crianças estudam dessa maneira. Na Alemanha e na Suécia, é considerado

crime e, na França, é aceito se avaliado

1763 hojE

Gabriel, aos 8 anos, pediu para Sabrina, sua mãe, tirá-lo da escola. depois de pesquisar sobre ensino doméstico, ela atendeu ao pedido do filho, que hoje, aos 12 anos, se dedica a um projeto de alimentação infantil saudável

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seu próprio percurso de escrita criativa. “Alguns interesses nas-cem e outros morrem. E é nesse fluxo que surgem novos cami-nhos de aprendizado que ampliam a visão de mundo”, avalia.

mudANçAS pArA TodoSPara a pesquisadora Carla Ferro, desescolarizar não é tirar da escola e reproduzir o mesmo ambiente fora. É conviver em es-paços inteligentes o suficiente para que o aluno não precise ir até lá. “As trocas com pessoas diferentes, de variadas idades e classes sociais, são riquíssimas, pois criam abundância de possibilidades e conexões”, explica. Permitir que as crianças aprendam e se relacionem livremente necessita também de mudança no estilo de vida dos adultos.

A empreendedora social Sabrina Bittencourt, 34 anos, de São Paulo, mãe de três filhos, viu seu mundo de cabeça para bai-xo quando, aos 8, Gabriel, o mais velho, pediu para sair da es-cola. Ele já havia passado por oito instituições. “Seu sonho era desenvolver um trabalho sobre alimentação infantil. Enviei-o ao Brasil (na época, eles moravam em Barcelona) para estudar, por seis meses, numa área rural do Rio Grande Sul. Ele preci-sava aprender com os trabalhadores da terra sobre o ciclo dos alimentos (semear, nutrir, colher, preparar).”

Enquanto isso, Sabrina estudava, conhecia e se preparava junto às comunidades de famílias desescolarizadas como o en-sino doméstico funcionava. Gabriel aprendeu, amou a experi-ência e, quando retornou, iniciou o processo de saída do siste-ma escolar. Hoje, aos 12 anos, ele toca o seu projeto.

Sabrina e o ex-marido, Rafael Velasco, 41, engenheiro de sis-temas e empreendedor de tecnologia, passaram a trabalhar em casa, revezando-se nos cuida-dos com os filhos. Também cor-taram despesas com TV a cabo, carro e empregada. “Muita gen-te pensa que viver assim é coi-sa para ricos. Mas tudo o que meu filho tem hoje cabe em uma mala. Assim, ele consegue entender o que é realmente es-sencial na vida”, pontua. Os fi-lhos menores seguem o mesmo caminho: Raquel, 6, e David, 4, estão fora da escola formal.

A atriz Leila Garcia, 51 anos, também desescolarizou seu filho Pedro, de 8, há um ano – ele já havia passado por três escolas. Para terem mais tempo juntos e maior contato com a natureza, começou a alternar temporadas entre a capital e o litoral paulista, em Ubatuba. No entanto, Pedro tem en-contrado dificuldades em interagir com outras crianças, já que a maior parte delas passa muitas horas na escola. Já Sa-brina, mãe de Gabriel, Raquel e David, não mede a qualida-de da socialização de seus filhos pela quantidade de crian-ças da mesma idade que eles conhecem. “Eles se relacionam com pessoas de todas as idades e com quem querem esta-belecer amizade”, pontua. “Outro problema é que a escola não mistura diferentes faixas etárias.”

Para a socióloga e educadora Gisela Wajskop, colunista da CRESCER, o ensino doméstico não supre a necessidade de so-cialização. “Estar com colegas em uma praça e conviver com pares não é suficiente para ensinar o que é estar em socieda-de. A escola torna o aluno parte integrante da comunidade. É lá que se aprende a conter impulsos, respeitar o outro e enten-der limites. É claro que a escola tem problemas. Mas, juntos, os pais deveriam se organizar para mudá-la.”

Segundo Carla Ferro, é nesse ponto que as duas práticas se opõem. “Se muitas famílias optam por oferecer uma edu-cação não escolar aos filhos, é porque sentem que não ne-cessitam de um sistema que garanta isso a eles. É longe das instituições que encontram sua potência.” Para o cientis-ta social Guilherme Schröder, é possível que qualquer um aprenda a planejar o que estudar. “Quando confiamos no que podemos fazer juntos – e não só no que as escolas po-dem fazer por nós –, ampliamos as possibilidades. Apren-der sem consultar o outro. Por que não?”

Assumir ativamente sua responsabilidade na educação do filho, foi isso que Leila aprendeu com a desescolariza-ção. “Não basta entregá-lo para uma instituição e deixar que decidam tudo. Quero me sentir responsável e que o Pedro se sinta assim também. Responsável por ele, pelo planeta e por tudo que existe. Como em qualquer sistema, encontra-mos problemas. A diferença é que, dessa vez, eles passam a ser os problemas que a gente mesmo escolheu”, brinca.

cuidado coletivo de criançasÉ possível também adotar o ensino doméstico com crianças de até 3 anos. Para isso, pais e mães podem se organizar em grupos coletivos de cuidados com elas. A jornalista Carolina Lo-pes, mãe de Maya, de 1 ano e meio, juntou-se a outras mães para fundar um espaço de co--working. A ideia é que elas levem seus filhos, trabalhem de lá e também se revezem nos cuida-dos. Em São Paulo, o revisor Rodrigo Rosa e sua esposa Luana Gomes se uniram a mais quatro famílias para criar a creche parental Mãe de Oca. Todos os pais se alternem nas atividades, que incluem mutirões para a limpeza, produção de composteiras e plantação de orgânicos.

Fontes: Gilvan morandi e Walace Novaes, professores da Faculdade Espírito Santense de Ciências jurídicas (ES); Fábio Schebella, pedagogo e pesquisador autônomo em Ensino domiciliar, de São paulo; Fabiana maia, consultora em desenvolvimento de lideranças no Espaço Terra luminous (Sp); Ana inoue, diretora do Centro de Estudar Acacia Sagarana (Sp); Talita marsoli e renata Correa, mães homeschoolers, ambas de São paulo.

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