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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO DOUTORADO EM SEMITICA
E LINGUSTICA GERAL
FRANCISCO DE ASSIS CARVALHO
ENTRE A PALAVRA E O CHO:
MEMRIA TOPONMICA DA ESTRADA REAL
SO PAULO
2012
UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUSTICA
PROGRAMA DE PS-GRADUAO DOUTORADO EM SEMITICA
E LINGUSTICA GERAL
ENTRE A PALAVRA E O CHO:
MEMRIA TOPONMICA DA ESTRADA REAL
Francisco de Assis Carvalho
Tese apresentada ao Departamento de
Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So
Paulo para a obteno do Ttulo de Doutor em
Semitica e Lingustica Geral, sob a
orientao da Prof. Dr. Maria Vicentina de
Paula do Amaral Dick.
Orientadora: Prof. Dr. Maria Vicentina de
Paula do Amaral Dick.
SO PAULO
2012
FOLHA DE APROVAO
Francisco de Assis Carvalho
Entre a Palavra e o Cho: Memria Toponmica da Estrada Real.
Tese apresentada ao Departamento de Lingustica da Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas da Universidade de So Paulo para a obteno do Ttulo de Doutor em
Semitica e Lingustica Geral, sob a orientao da Prof. Dr. Maria Vicentina de Paula do
Amaral Dick.
Aprovado em ___/___/_____
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________
Instituio: _________________________________________________________________
Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________
Instituio: _________________________________________________________________
Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________
Instituio: _________________________________________________________________
Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________
Instituio: _________________________________________________________________
Prof. Dr. ___________________________________ Assinatura: ______________________
Instituio: _________________________________________________________________
Aos meus queridos pais, Lourdes e Lucas. Aos meus irmos, Len, Antonio, Cludio e Marly. Aos meus sobrinhos.
AGRADECIMENTOS
Uma pesquisa tem muito a ver com uma viagem. J
disseram que se algum faz uma viagem, tem o que contar. Como um
viajante, o pesquisador palmilha campos a ele desconhecidos, procura
informaes, traa itinerrios, seleciona a bagagem e escolhe s o
necessrio para levar ou trazer. E quando encerra esse percurso
ponto de chegada - anseia divulg-lo. claro que essa viagem no se
faz somente no isolamento e na reflexo que a escrita exige, nas
bibliotecas e arquivos, mas tambm, pelo mundo afora, na busca de
apoio e orientao. Nessa busca, devo os agradecimentos a muitas
pessoas, que de perto ou de longe se fizeram presentes nas minhas idas
e vindas.
Agradeo:
Professora Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick
por me instigar realizao deste trabalho e por ter aceitado orient-
lo; pelo cuidado, rigor e sensibilidade com que o fez;
Fapesp pela bolsa de doutorado, imprescindvel apoio
por mais de trs anos para a execuo deste trabalho, e Capes pela
bolsa-sanduiche que me proporcionou ir alm do Oceano Atlntico;
Professora Elisa Guimares pela amizade e pela
franqueza, bem como pelo encorajamento que sempre me fez chegar a
propsito. Por sua casa sempre aberta e pela mesa posta;
aos professores que participaram dos exames de
qualificao e de defesa e que ofereceram sugestes e crticas para o
meu trabalho;
secretria e amiga Sandra Messora, companheira de
todos os momentos, que dividiu comigo as angstias e as alegrias da
execuo de cada parte deste trabalho;
Professora Odete de Carvalho Lucas Filha que me
auxiliou na tarefa de reviso;
ao amigo Douglas Dalto Messora pelo emprstimo de
obras raras e pelo interesse por minha pesquisa;
aos amigos portugueses que me acolheram com carinho:
Teresa, Mil e Janela;
ao Cobrinha, Ademir e Cida, pelo imprescindvel apoio de
sempre.
inesquecvel Janice que compartilhou minhas
esperanas e tanto me incentivou, mas que partiu para junto de Deus
antes desta defesa.
A vastido desses campos.
A alta muralha das serras.
As lavras inchadas de ouro.
Os diamantes entre as pedras.
Negros, ndios e mulatos.
Almocafres e gamelas.
Os rios todos virados.
Toda revirada, a terra.
Capites, governadores,
Padres, intendentes, poetas.
Carros, liteiras douradas,
Cavalos de crina aberta.
A gua a transbordar das
fontes.
Altares cheios de velas.
Cavalhadas. Luminrias.
Sinos. Procisses. Promessas.
Anjos e santos nascendo
em mos de gangrena e lepra.
Finas msicas broslando
as alfaias das capelas.
Todos os sonhos barrocos
Deslizando pelas pedras.
Ptios de seixos. Escadas.
Boticas. Pontes. Conversas.
Gente que chega e que passa.
E as ideias. (Ceclia Meireles Romanceiro da
Inconfidncia)
Fonte: Viver no Brasil colnia.. Revista Oceanos. n. 42. Abr./Jun./2000. p. 61.
CARVALHO, Francisco de Assis. Entre a Palavra e o Cho: Memria Toponmica da
Estrada Real. So Paulo, 2012. 535 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas. Departamento de Lingustica. Universidade So Paulo.
RESUMO
Esta pesquisa procurou descrever e explicar a permanncia, a variao e a mudana dos
topnimos na regio da Estrada Real Os estudos toponmicos, no alcance pluridisciplinar de
seu objeto de estudo, constituem um caminho possvel para o conhecimento da cosmoviso
das diversas comunidades lingusticas, que ocupam ou ocuparam um determinado espao.
Revelam-se de grande importncia para o conhecimento de aspectos histrico-culturais de um
povo, pois permitem a identificao de fatos lingusticos, de ideologias e crenas presentes no
ato denominativo e, posteriormente, na permanncia ou no de uma comunidade. O homem
tem a necessidade de nomear o ambiente fsico e social que o cerca, sendo esta uma condio
sine qua non para a garantia de sua sobrevivncia. Por meio da Toponmia, ramo da
Onomstica que tem por objeto de estudo o exame da origem e do significado dos nomes dos
lugares, pode-se analisar a estreita relao que se estabelece entre o homem e o topos que
designa o espao que o circunscreve. Este trabalho centra-se no estudo da motivao
toponmica da Estrada Real tendo por base os relatos dos Viajantes Naturalistas dos sculos
XVIII e XIX que passaram por estes caminhos. A pesquisa foi realizada atravs do mapa
elaborado pelo Instituto Estrada Real. O presente trabalho est inserido no ATB Atlas
Toponmico do Brasil Diversidade e Variedades Regionais (Dick, 1996). Da anlise das
fichas toponmicas propostas para cada um desses itens, verifica-se que os topnimos de
natureza antropocultural so a maioria e que, dentre esses, predomina a taxe dos
antropotopnimos.
Palavras-chave: Toponmia; Estrada Real; Memria; Viajantes Naturalistas; Resgate
Histrico-lingustico.
CARVALHO, Francisco de Assis. Entre a Palavra e o Cho: Memria Toponmica da
Estrada Real. So Paulo, 2012. 535 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Cincias Humanas. Departamento de Lingustica. Universidade So Paulo.
ABSTRACT
For the present work, a description and an explanation of the toponimic maintenance,
variation and change within this area was attempted of Royal Road. The toponimic studies, in
the multidisciplinary reach of its object of study, constituye a possible way for a cosmovision
knowledge of the diverse linguistic communities, which occupy or did in the past a certain
area. The toponimic studies are of great relevance to the sociohistorical and cultural aspects of
a community since they enable the identification of various linguistic facts, ideologies and
beliefs which are present in the naming act later in their maintenance within a community.
Human beings occupy space and, as they need to locate themselves geographically in the
environment, they had to name the physical-social environment around. This process of name
giving is a sine qua non condition that assures mans survival. Though Toponymy, a branch
of Onomastics that studies the origin and the meaning of the names of places, it is possible to
analyze the close relationship developed between men and topos.This work focuses on the
study of motivation toponymic Royal Road based on the reports of Travelers Naturalists of
the eighteenth and nineteenth centuries that have gone through these paths. The survey was
conducted across the map prepared by the Instituto Estrada Real. This work is inserted in
ATB Atlas Toponymic Brazil Diversity and Variety Regional (Dick, 1996). From the
analysis of the toponimic cards proposed one verifies that the toponimy of antropocultural
nature are the majority and among them the anthropotoponimy class predominates.
Key-words: Toponymy; Royal Road; Memory; Naturalist Travellers; Historical and
language recovery.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
I - SIGLAS
AEDC Anurio Eclesitico da Diocesse da Campanha
AHU Arquivo Histrico Ultramarino
ANF Arquivo Nacional de France
ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo
APM Arquivo Pblico Mineiro
BGUC Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
BNL Biblioteca Nacional de Lisboa
BPE Biblioteca Nacional de vora
CD Caminho Diamantes
CN Caminho Novo
CS Caminnho de Sabarabuu
CV Caminho Velho
DI Documentos Interessantes
EFCB Estao Ferroviria Central do Brasil
EFP Estrada de Ferro D. Pedro
ER Estrada Real
FLUL Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
IER Instituto Estrada Real
VJN Viajantes Naturalistas
II ABREVIATURAS
Cap. captulo, captulos
Cf Confrontar, conferir
Cx. Caixa
Cod. Cdice
doc., docs. Documento, documentos
hab. Habitante, habitantes
kg. quilograma, quilogramas
km. quilmetro, quilmetros
Ib. Ibidem
Id. Idem
n. nmero (s)
ob. Cit. obra citada
p., pp. pgina, pginas
s.d. sem data
s.l. sem local
sc., scs. sculo, sculos
seg., segs. seguinte, seguintes
s.n. sem editora
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 Tringulo de Odgen E Richards ........................................................................... 65
Figura 02 Tringulo de Baldinger I ...................................................................................... 66
Figura 03 Tringulo de Baldinger II ..................................................................................... 66
Figura 04 Tringulo de Baldinger III ................................................................................... 67
Figura 05 Mapa da Formao do Brasil ............................................................................... 77
Figura 06 Vilas de Minas Gerais em 1800 ......................................................................... 123
Figura 07 Carta Geographica de Minas Geraes .................................................................. 125
Figura 08 Caminhos do Ouro ............................................................................................. 128
Figura 09 Caminho dos Paulistas at as Minas .................................................................. 131
Figura 10 O Registro da Mantiqueira, na Passagem de Minas para So Paulo pela Garganta
do Emba ............................................................................................................. 133
Figura 11 Roteiro do Caminho Velho Rio de Janeiro, So Paulo e Minas, 1707 ............. 135
Figura 12 Caminhos na Regio das Minas ......................................................................... 138
Figura 13 Os Caminhos da Regio Diamantina em Minas ................................................ 139
Figura 14 Caminho Novo .................................................................................................. 142
Figura 15 Caminhos Antigos e Zonas de Minerao ......................................................... 146
Figura 16 Mapa da Estrada Real ........................................................................................ 149
LISTA DE QUADROS
Quadro 01 Motivaes Toponmicas ................................................................................... 72
Quadro 02 Produo e Venda de Diamantes Brasileiros entre 1740 e 1771 ...................... 107
Quadro 03 Remessas de Ouro Provenientes do Brasil para Portugal ................................ 108
Quadro 04 Registros das Regies da Estrada Real ............................................................ 112
Quadro 05 Fundao e Nomes das Primeiras Vilas Mineiras ............................................ 124
Quadro 06 Caractersticas da Sociedade Mineira do Sculo XVIII ................................... 126
Quadro 07 Agassiz ............................................................................................................. 155
Quadro 08 Bunbury ............................................................................................................ 156
Quadro 09 Burmeister ........................................................................................................ 157
Quadro 10 Burton ............................................................................................................... 158
Quadro 11 Casal ................................................................................................................. 159
Quadro 12 Castelnau .......................................................................................................... 160
Quadro 13 Debret ............................................................................................................... 161
Quadro 14 Dorbigny ......................................................................................................... 162
Quadro 15 Eschwege .......................................................................................................... 163
Quadro 16 Freireyss ........................................................................................................... 164
Quadro 17 Gardner ............................................................................................................. 165
Quadro 18 Langsdorff ........................................................................................................ 166
Quadro 19 Luccock ............................................................................................................ 168
Quadro 20 Mawe ................................................................................................................ 169
Quadro 21 Pohl................................................................................................................... 170
Quadro 22 Saint-Hilaire ..................................................................................................... 171
Quadro 23 von Spix E von Martius .................................................................................... 173
Quadro 24 Walsh ................................................................................................................ 175
Quadro 25 Zaluar ............................................................................................................... 176
Quadro 26 Localizao dos Municpios, distritos e logradouros da Estrada Real ............. 418
Quadro 27 Histrico da Hagiotoponmia na Estrada Real ................................................. 431
Quadro 28 Descrio da Motivao dos Topnimos Indgenas ......................................... 436
Quadro 29 Histrico da Quantidade das Mudanas Toponmicas ..................................... 448
Quadro 30 Localidades da Estrada Real Visitadas pelos Viajantes Naturalistas ............... 453
Quadro 31 Comparativo dos Topnimos Registrados pelos VJN nos Caminhos da Estrada
Real ................................................................................................................. 457
LISTA DE GRFICOS
Grfico 01 Localizao ....................................................................................................... 423
Grfico 02 Acidentes .......................................................................................................... 424
Grfico 03 Taxonomia ........................................................................................................ 424
Grfico 04 Taxes Caminho Velho ...................................................................................... 425
Grfico 05 Taxes Caminho Novo ....................................................................................... 426
Grfico 06 Taxes Caminho dos Diamantes ........................................................................ 426
Grfico 07 Taxes Caminho de Sabarabuu ........................................................................ 427
Grfico 08 Taxes Estrada Real ........................................................................................... 428
Grfico 09 Origem .............................................................................................................. 429
Grfico 10 Estrutura Morfolgica ...................................................................................... 452
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 18
PARTE I A PALAVRA
CAPTULO I TOPONMIA: PALAVRA QUE NOMEIA
1.1 Ato de nomear .............................................................................................................. 25
1.2 A Toponmia como Cincia .......................................................................................... 27
1.3 Toponmia e Lxico ...................................................................................................... 30
1.4.1 Interdisciplinariedade e Toponmia .............................................................................. 35
1.4.1 Toponmia e Geografia ..................................................................................... 36
1.4.2 Toponmia e Histria ........................................................................................ 40
1.4.3 Toponmia e Religio ........................................................................................ 44
1.5 A Toponmia no Brasil ................................................................................................. 50
1.5.1 Toponmia de origem portuguesa .................................................................................... 52
1.5.2 Toponmia de origem indgena ........................................................................................ 54
1.5.3 Toponmia de origem africana ......................................................................................... 58
1.6 A Motivao Toponmica ............................................................................................. 60
PARTE II O CHO
CAPTULO II ASPECTOS HISTRICOS DA ESTRADA REAL
2.1 Em busca do Eldorado .................................................................................................. 75
2.2 A Conquista do Serto............................................................................................... 85
2.3 Paulistas e Bandeirantes................................................................................................ 89
2.4 O ouro e o batismo de uma regio ................................................................................ 94
2.4.1 Surto Migratrio ................................................................................................ 98
2.4.2 A Fome .............................................................................................................. 99
2.4.3 Em Torno da explorao do Ouro ................................................................... 101
2.4.4 A Guerra dos Emboabas ................................................................................. 102
2.5 Os Diamantes .............................................................................................................. 104
2.6 A produo mineira .................................................................................................... 107
2.7 A sociedade mineira dos Setecentos ........................................................................... 109
2.8 Tributos e Impostos .................................................................................................... 111
2.9 A Inconfidncia........................................................................................................... 117
CAPTULO III ASPECTOS GEOGRFICOS DA ESTRADA REAL
3.1 As Minas Gerais.......................................................................................................... 119
3.2 A urbis mineira ........................................................................................................... 123
3.3 Os caminhos do ouro .................................................................................................. 127
3.4 Estrada Real ................................................................................................................ 145
CAPTULO IV A PALAVRA DOS VIAJANTES NATURALISTAS NA ESTRADA
REAL
4.1 A Palavra dos Viajantes .............................................................................................. 151
4.2 Quadros Descritivos: Viajantes Naturalistas .............................................................. 155
PARTE III A MEMRIA TOPONMICA
CAPTULO V FICHAS LEXICOGRFICAS .............................................................. 180
CAPTULO VI ANLISE QUANTITATIVA E DISCUSSO DOS RESULTADOS
6.1 Localizao ................................................................................................................. 418
6.2 Acidentes .................................................................................................................... 423
6.3 Taxonomia .................................................................................................................. 424
6.4 Origem ........................................................................................................................ 428
6.5 Motivao ................................................................................................................... 429
6.5.1 Religiosa ......................................................................................................... 430
6.5.2 Indgena ........................................................................................................... 435
6.5.3 Africana ........................................................................................................... 437
6.5.4 Antropo-toponmica ........................................................................................ 438
6.5.5 O Ouro na Litotoponmia da Estrada Real ...................................................... 439
6.5.6 Hidrotoponmia ............................................................................................... 442
6.5.7 Hodotoponmia ............................................................................................... 443
6.6 Mudanas Toponmicas .............................................................................................. 446
6.7 Estrutura Morfolgica ................................................................................................. 452
6.8 Escritos dos Viajantes ................................................................................................. 453
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 467
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 470
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 496
APNDICE : Cronologia dos fatos histricos mais interessantes ligados Estrada
Real ...................................................................................................... 505
ANEXOS
Anexo A Lei N 13.173/99, de 20/01/1999 ............................................................. 508
Anexo B II - Decreto N. 41.205/00, de 08/08/2000 .............................................. 510
Anexo C Convnio N. 205/2000 Embratur/IER .................................................. 513
Anexo D Decreto N. 43.276/03, de 19/04/2003 ..................................................... 520
Anexo E Decreto N. 43.276/03, de 19/04/2003 ..................................................... 525
Anexo F Decreto N. 43.539/03, de 21/08/2003 ...................................................... 526
Anexo G Boletim Geogrfico 1943. ........................................................................ 529
18
INTRODUO
O estudo toponmico constitui-se como uma importante rea de
investigao, que tem como fundamento principal a ideia de que a nomeao de um espao
no se d de maneira aleatria ou despropositada, mas que esse processo denominativo, ao ser
investigado, pode revelar importantes informaes referentes lngua em uso e aos costumes
e valores preponderantes na conduta dos falantes contribuindo assim, de maneira mais
profunda, para um melhor conhecimento dos determinantes culturais da regio investigada.
Em face desta primeira observao sobre a importncia do estudo
toponmico, parece pertinente salientar que a pesquisa toponmica um estudo instigante, que
envolve conhecimentos geogrficos, lingusticos, histricos e sociais e um olhar atento, j que
sempre h muitas informaes que se interpenetram e merecem interpretao, uma vez que a
descrio dos aspectos culturais de uma regio uma rdua tarefa que exige mtodo e estudo
dedicado.
A finalidade deste trabalho descrever a formao toponmica dos
municpios e logradouros que compem o conjunto dos caminhos da Estrada Real. O roteiro
da Estrada Real elucida a importncia da explorao do ouro para a economia brasileira e traz
memria fatos histricos que se ligam ao surgimento das primeiras vilas mineiras e
Inconfidncia, bem como ao tempo do Imprio no Brasil. Esta rota movimentou, por mais de
150 anos, a economia do Pas, tornando a regio das Minas Gerais uma das mais importantes
da Amrica.
Os quatros caminhos que compem a Estrada Real surgiram em tempos
histricos diferenciados e sucessivos: a primeira via ligando a antiga Vila Rica, hoje Ouro
Preto, ao porto de Paraty, ficou conhecida como Caminho Velho. O Caminho Velho foi
aberto pelos bandeirantes em fins do sculo XVII. Tinha 600 km de extenso e seu trajeto
ligava Vila Rica (Ouro Preto), em Minas Gerais, a Parati, cidade porturia do Rio de Janeiro.
Devido aos assaltos e aos roubos que ocorriam neste caminho, foi necessria a abertura de
uma rota mais segura e menos lenta. No sculo XVIII surgiu esta nova rota, que veio ligar o
Rio de Janeiro antiga capital das Minas Gerais, o chamado Caminho Novo. O Caminho
Novo passou a ligar Vila Rica diretamente ao porto do Rio de Janeiro. Ambos os caminhos
tiveram importncia nacional por abranger os Estados de Minas, Rio de Janeiro e So Paulo.
No entanto, com a descoberta de diamantes na regio do Serro Frio, em 1729, foi estabelecido
19
o Caminho dos Diamantes, ligando Ouro Preto atual Diamantina. O Caminho dos
Diamantes foi de importncia regional e comeou a ser usado desde a descoberta das jazidas
diamantferas na regio, no incio do sculo XVIII, no chamado Distrito Diamantino. Neste
percurso, a Coroa exerceu um severo controle com inmeras proibies, ligando Vila Rica ao
Arraial do Tijuco e Vila do Prncipe. Paralelamente ao Caminho dos Diamantes surgiu o
Caminho de Sabarabuu, de curto trajeto. Este foi um prolongamento do Caminho Velho,
tendo sido aberto pelos bandeirantes para facilitar o escoamento do ouro entre as vilas
mineiras, hoje cidades de Sabar e Caet.
H que se considerar tambm a abertura de outros caminhos e at de
descaminhos dentro do Brasil colonial. Contudo, de acordo com o Programa Estrada Real, o
foco de nosso estudo limitou-se somente s cidades e logradouros que se formaram nas
regies que abrangem o Caminho Velho, o Caminho Novo, o Caminho dos Diamantes e o
Caminho de Sabarabuu, conforme o mapa do Instituto Estrada Real que apresentamos neste
trabalho.
O surgimento da Estrada Real no cenrio da colnia causou o deslocamento
do eixo econmico que, desde o descobrimento, localizava-se no litoral, para o interior,
proporcionando a formao de uma civilizao urbana, marcada pela criao de dezenas de
vilas e cidades com matizes sociais e culturais diferentes.
A Toponmia da Estrada Real tornou-se um memorial vivo de tudo o que se
sucedeu no espao e no tempo, ao longo das regies abrangidas pela rota do ouro e das pedras
preciosas, assinalando as marcas deixadas pelas populaes que passaram pelos caminhos ou
l viveram, no entrelaamento cultural das raas indgena, negra e branca. Ela retrata, como
num variado mosaico, o apogeu e a crise econmica da minerao com todas as suas
implicaes e envolvimentos, deixando ecoar a reminiscncia de fatos e acontecimentos
importantes para a histria de Minas e do Brasil.
Agregadas a essas designaes esto, tambm, os escritos e os relatos dos
viajantes que passaram por esses caminhos no sculo XIX. Os textos de viagem apresentam a
especificidade de consubstanciar, na linearizao verbal, referenciaes das vilas e povoados
por onde esses viajantes passaram, deixando os registros dos nomes que encontraram e,
tambm, as impresses do que viram. Buscamos elementos para proceder um estudo
toponmico na tentativa de perceber as mudanas e as evolues ocorridas ao longo do tempo
da constituio e configurao dos topnimos. A prossecuo de um trabalho desse tipo
envolve opes bem definidas. Salientamos que, na anlise da produo textual dos relatos
dos viajantes, buscamos apenas um apoio para a pesquisa toponmica, ignorando questes
20
relativas interpretao do discurso feito por eles e outras afins. Esses viajantes, conhecidos
como naturalistas, tinham um olhar atento e curioso, e slidos conhecimentos acadmicos.
Empreenderam um trabalho de estudar, sistematizar e coletar pela primeira vez espcies da
fauna e da flora brasileiras e, graas a trabalhos desenvolvidos nas reas de arqueologia,
botnica, zoologia, etnografia e mineralogia, entre outros, eles inscreveram seus nomes na
histria das Cincias Naturais.
Os relatos dos viajantes constituem uma fonte documental valiosa, j que
suas impresses, ainda que estejam moldadas por uma cultura europeia, permitem estabelecer
um paralelo histrico entre o hoje e o ontem, na tentativa de descrever historicamente como a
toponmia se formou, e as modificaes que sofreu ao longo do tempo.
O critrio da escolha do corpus est refletido de vrias maneiras nas
motivaes que nortearam a escolha deste tema e o justificam:
1. O percurso da Estrada Real tem atualmente despertado grande interesse para os estudiosos
das cincias humanas em interface com o turismo. No dizer de Pereira e Maia (2010, p. 7):
A Estrada Real que, no passado, constituiu uma rede de caminhos para o acesso s
minas e escoamento do ouro e do diamante, hoje representa o maior projeto turstico
brasileiro, que integra o Sudeste do pas aos destinos e rotas culturais internacionais;
2. Verificamos que so raros os trabalhos de pesquisa sobre as regies que compem a
Estrada Real, no que tange ao estudo toponmico. Procedemos, com este intento, o
levantamento dos topnimos, para tornar possvel um conhecimento correto das
denominaes que os lugares apresentam, uma vez que as palavras, atravs da sua origem,
encerram um conjunto de informaes que nos podem conduzir a uma longa caminhada,
quer no tempo, quer no espao. Atravs do estudo toponmico faz-se um apelo ao que foi
vivido que, apesar de constituir uma abertura para problemas significativos, pe a
questo da identidade ou da procura da identidade;
3. O estudo sistemtico dos relatos dos viajantes naturalistas que passaram por estes
caminhos algo indito, em relao s marcas toponmicas registradas por eles. Neste
encalo, esperamos poder demonstrar as articulaes existentes entre as descries dos
lugares feitas por eles, em paralelo com a atual configurao toponmica;
4. Interessa-nos, sobretudo, como pesquisadores da Lingustica, investigar a toponmia desta
regio, tendo em vista que a linguagem se constitui como um fenmeno de muitas faces e
desdobramentos, que possibilita um melhor entendimento histrico e cultural destes
caminhos atravessados por povos de diferentes etnias e culturas, que deixaram as suas
marcas estampadas na variedade do signo toponmico. Bem sabemos, que todo trabalho
21
toponmico constitui um caminho possvel para o conhecimento do modus vivendi e da
cosmoviso das comunidades lingusticas que ocupam um determinado espao.
Como objetivo principal, nossa pesquisa buscou, primordialmente,
investigar a motivao que influenciou a denominao dos lugares, considerando-se os
aspectos lingusticos e culturais preservados pela toponmia das regies da Estrada Real.
Como objetivos especficos, estabelecemos:
Fazer o levantamento designativo dos topnimos dos municpios, distritos e logradouros
das regies que compem o roteiro da Estrada Real;
Coletar dados histricos e socioculturais que fundamentem a origem e a motivao dos
nomes designativos dos lugares, demonstrando como ocorreu a formao toponmica e a
etimologia desses topnimos, o processo de formao e a estrutura morfossinttico e
semntico-lexical;
Apresentar, quando possvel, as referncias toponmicas na literatura produzida pelos
Viajantes Estrangeiros dos sculos XVIII e XIX, com base na linha do Atlas Toponmico
do Brasil;
Efetuar um estudo das motivaes toponmicas e identificar as mudanas ocorridas do seu
surgimento aos dias de hoje;
Fazer a classificao dos topnimos, segundo as taxonomias propostas pela metodologia de
Dick (1990).
Naturalmente que est subjacente a todo este trabalho o desenho ntido de
uma plataforma terica e dinmica, fundamentada no trabalho desenvolvido pela pesquisadora
Maria Vicentina de Paula do Amaral Dick (1990), no que se refere motivao e
classificao dos topnimos.
A metodologia utilizada nesta pesquisa teve como fio condutor a ideia de
Labov (1974), que parte do presente para o passado e volta ao presente. O corpus
selecionado foi a Carta da Estrada Real elaborada pelo Instituto Estrada Real. Primeiramente
partimos em busca de documentos, cartas geogrficas, bibliografia dos principais
historiadores do perodo e dos municpios que compem o roteiro, e tambm dos relatos dos
viajantes. Depois, os nomes de lugares apresentados pelo corpus passaram, ento, a ser
confrontados com os dados adquiridos com a finalidade de observar a sua motivao e as
mudanas toponmicas ocorridas ao longo do tempo at atual configurao designativa. O
material pesquisado foi organizado dentro dos esquemas classificatrios de Dick (1990), em
seguida, sistematizado e adaptado nas Fichas Lexicogrficas.
22
Em conformidade com a limitao deste trabalho, as informaes
adquiridas, devido amplitude histrica, tiveram que passar por um exame seletivo na sua
apresentao. Foi fundamental para o desenvolvimento desta investigao o acesso ao acervo
das seguintes bibliotecas e locais de pesquisa:
Biblioteca Florestan Fernandes (USP);
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro;
Biblioteca Nacional de Portugal;
Biblioteca da Ajuda (Portugal);
Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Portugal);
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra;
Biblioteca Geral da Universidade de vora;
Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa;
The British Library (Londres);
Biblioteca Nadir Gouva Kfouri (PUC-SP);
Instituto Histrico e Geogrfico de Minas Gerais (Belo Horizonte);
Biblioteca Pblica Municipal Cnego Vtor (Campanha MG);
Centro de Estudos Campanhense Monsenhor Lefort;
Arquivo Pblico Mineiro (Belo Horizonte).
A organizao deste trabalho seguiu uma disposio estrutural clssica e
est dividida em trs partes didticas e complementares: uma componente de reviso e
fundamentao terica nas partes I e II, antecedendo a componente analtica com a discusso
dos resultados na parte III. Optamos, ainda, por uma forma temtica de apresentao desses
contedos, de modo a criar laos de continuidade e pontos de consonncia entre os temas
enfeixados.
A Parte I A Palavra: foi dedicada a uma reviso seletiva de estudos
toponmicos e, por isso, no Captulo I Toponmia: Palavra que nomeia, partimos do
pressuposto de que o ato de nomear intrnseco cultura humana e que a cincia toponmica
se constitui como conhecimento interdisciplinar. Estes estudos procuram abrir caminho, direta
ou indiretamente, para a questo do estudo do lxico e da motivao que subjaz o processo de
formao toponmica. Procuramos mostrar aqui o arcabouo terico que sustenta nossa
pesquisa, indo at as fontes originrias do estudo toponmico e visitando os principais autores.
Em especial, nos detivemos na teoria da motivao toponmica elaborada por Dick. Dessa
maneira, apresentamos no Captulo I os pressupostos tericos que embasam esta pesquisa.
http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20nacional%20de%20portugal&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CHIQFjAA&url=http%3A%2F%2Fwww.bnportugal.pt%2F&ei=VFSxT-KnEdSd6AHipPi8CQ&usg=AFQjCNEUvylg-_V2DlymaBANsY_YlyyDJg&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20da%20ajuda&source=web&cd=1&ved=0CFgQFjAA&url=http%3A%2F%2Fbibliotecadaajuda.blogspot.com%2F&ei=jFSxT6-6Babv6AGQ1MCACg&usg=AFQjCNHvJMHxPIeZNtUUud_pQTgVWE-s1Q&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=torre%20do%20tombo&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CHoQFjAA&url=http%3A%2F%2Fantt.dgarq.gov.pt%2F&ei=pVSxT6y8DcPE6QHrhaCvCQ&usg=AFQjCNG-JYatDXuabAKB_5qrx9cqx1d0hQ&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20de%20%C3%A9vora&source=web&cd=3&ved=0CGYQFjAC&url=http%3A%2F%2Fwww.bib.uevora.pt%2F&ei=5lSxT_S4BcTN6QHGk-XICQ&usg=AFQjCNFsAv_RpFKQylDXKbujmmT0ExbZBg&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=biblioteca%20da%20universidade%20de%20lisboa&source=web&cd=2&sqi=2&ved=0CG0QFjAB&url=http%3A%2F%2Fww3.fl.ul.pt%2Fbiblioteca%2Findex.htm&ei=AlWxT7-CN9CI6AGm85nFCQ&usg=AFQjCNHkwUPu5S6T7qn469h0uTHk_dmoRw&cad=rjahttp://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=british%20library&source=web&cd=1&sqi=2&ved=0CJgBEBYwAA&url=http%3A%2F%2Fwww.bl.uk%2F&ei=JFWxT_eXKOqu6AHnzumoCQ&usg=AFQjCNGRwLnNejTtybifgUJH2pX1__vEIg&cad=rjahttp://www.ihgmg.art.br/
23
Em um segundo momento, na Parte II O Cho, no Captulo II
Aspectos Histricos da Estrada Real, traamos um perfil abrangente do ciclo do ouro e sua
importncia para o surgimento de Minas Gerais e para a consolidao do Brasil. No Capitulo
III Aspectos Geogrficos da Estrada Real, delineamos os diversos roteiros que
originaram essa estrada da rota do ouro. No Captulo IV A Palavra dos Viajantes
Naturalistas na Estrada Real, elaboramos uma sucinta biografia dos principais viajantes,
cujos textos foram coletados para nossa pesquisa.
Para alm da parte terica, a Parte III, no Captulo V A Memria
Toponmica, segue com a apresentao das 242 Fichas Lexicogrficas de Dick (1990). No
Captulo VI Anlise Quantitativa e Discusso dos Resultados, divulgamos os resultados
das anlises por meio de grficos e exemplos, considerando os contedos das fichas.
Por ltimo, nas Consideraes Finais, elaboramos algumas premissas de
concluso ligadas a este estudo lingustico-cultural, visando ainda reafirmar o valor da
investigao toponmica para o entendimento da cultura desta regio. Nos Anexos, inclumos
alguns documentos que julgamos ser essenciais para uma compreenso mais completa do
corpus analisado.
H de se relevar que o trabalho de anlise toponmica arrasta sempre uma
atividade hermenutica, que permite apurar significaes acima de toda a mensagem literal e
imediata. Uma posio metodolgica deste cariz , desde h muito sentida como necessria
para um entendimento mais completo do corpus pesquisado, de alta relevncia pela
originalidade e importncia histrica.
24
PARTE I A PALAVRA
Fonte: O Teatro da Natureza. Revista Oceanos. n. 24, out./dez./1995. P.16.
Correi de leite, e mel, ptrios rios,
E abri dos seios o metal guardado;
Os borbotes de prata, e de oiro os fios
Saiam do Luso a enriquecer o estado;
Intratveis penedos, montes frios,
Deixai ver as entranhas, onde o Fado
Reserva pela mo do Heri mais nobre
Dar ao mundo os tesoiros que inda encobre. (Cladio Manuel da Costa Poesias Manuscritas)
25
CAPTULO I
TOPONMIA: PALAVRA QUE NOMEIA
1.1 Ato de nomear
O processo de nomeao do espao uma atividade privilegiada que
permite ver as profundas relaes que o crebro humano desenha no espao; ou seja; a
espacialidade em que se desenrola a nomeao constitui-se numa dimenso simblica da
forma como o crebro interpreta as configuraes espaciais. Na verdade, um topnimo uma
poro delimitada de espao que est representado numa palavra. Ele traduz a maneira como
algum se apropriou do espao, as suas concepes e a forma como se relacionava com o
mundo. Ao se apropriar do espao, nomeando-o, o ser humano revela-se. Por isso, no
processo de nomeao presentifica-se um carter simblico e figurativo. Despontam, assim,
as ideologias e as crenas. Destarte, o estudo da nomeao dos lugares mostra que a
espacialidade o lao que ata a linguagem experincia que o ser humano constri sobre o
mundo. O topnimo sempre a expresso de um conceito. O estruturalismo lingustico
defende que tudo o que conceitual s o pode ser pela linguagem. A primeira noo de
espao que o homem tem lhe dada por sua lngua. Como a lngua aprendida na infncia,
ns no temos conscincia de como conceituamos o espao. Vamos pela vida afora
pensando, raciocinando e vivendo, usando aquelas noes que a lngua nos fornece.
(PONTES, 1992, p. 11).
A Toponmia o estudo dos nomes atribudos ao espao habitado pelo ser
humano. A palavra derivada dos termos gregos (tpos), lugar, e (nome),
literalmente, o nome de um lugar. H. Dorion, especialista dessas questes, presenteia-nos com
uma reflexo que complementa as consideraes anteriormente apresentadas, quando salienta
que a toponmia, assim como as outras cincias humanas, se inscreve em uma dupla
dimenso: a do espao, chamada tambm de funo toponmica e a do tempo, que pode ser
compreendida como a memria toponmica. Assim, a toponmia tem uma relao especial
com a geografia, j que os nomes de lugar constituem o vocabulrio prprio desta cincia, e
26
com a histria, tendo em vista que os topnimos constituem o testemunho atravs do tempo
da relao entre o homem e o espao. Por outro lado, o nome de lugar um signo lingustico
e, como tal, interessa lingustica. (2003, p. 3).
pela linguagem, pelo processo de nomear as coisas e tudo o que existe que
o ser humano representa o espao. Para Piaget (1948), a construo do espao ocorre desde
o nascimento do indivduo e paralela s demais construes mentais, constituindo-se com a
prpria inteligncia. Essa construo se processa progressivamente, nos planos perceptivo e
representativo. Inicialmente, a construo do espao prende-se a um espao sensrio-motor
ligado percepo e motricidade. Este espao sensrio-motor emerge dos diversos espaos
orgnicos. O espao sensrio-motor no constitudo por simples reflexos, mas por uma
interao entre o organismo e o meio-ambiente, perante a qual o sujeito se organiza e se
adapta continuamente em relao ao objeto. Em seguida, a construo do espao passa a ser
representativa, coincidindo com o aparecimento da imagem e do pensamento simblico, que
so contemporneos ao desenvolvimento da linguagem. Assim, o espao torna-se
representativo. Ele ordenado e sistematizado pelas capacidades simblicas do sujeito
perceptivo. Este, para ordenar e definir o espao nomeia as coisas e os lugares, numa tentativa
de ordenamento e sistematizao.
Lvi-Strauss (1989, p. 190) postula que o espao uma sociedade de
lugares nomeados tal como as pessoas so pontos de referncia dentro de um grupo. Os
lugares e os indivduos so igualmente designados por nomes prprios, que, em circunstncias
frequentes e comuns em muitas sociedades, podem ser substitudos uns pelos outros. O autor
cita o exemplo dos Yurok da Califrnia que tm uma geografia personificada, onde cada
casa denominada e onde os nomes de lugares substituem os nomes pessoais do uso corrente.
A Toponimia sempre a expresso de uma apropriao do espao por um
grupo cultural e por isso se constitui em um poderoso elemento identitrio. Nomear e
renomear rios, montanhas, cidades, bairros e logradouros tem um significado poltico e
cultural, envolvendo etnias ou grupos culturais, hegemnicos ou no. O espao apropriado
pelo ser humano est impregnado de toponmia e constitui-se um rico campo de estudo que
revela as articulaes apontadas.
27
1.2 A Toponmia como Cincia
Na Grcia Antiga havia uma curiosidade e um interesse acerca da origem da
linguagem. Em Plato (428-348 a.C.) e em Aristteles (384-322 a.C.) podemos encontrar
discusses interessantes. Uma reflexo notvel a de Plato no Crtilo, no sentido de que as
palavras refletem, por natureza, a realidade que nomeiam. No Organon, Aristteles revela a
convico de que o significado dos nomes resulta de um acordo entre os homens, de modo
convencional. O estudo conceitual dos topnimos no pode ser apartado da problemtica geral
que se liga ao estudo dos nomes. Assim falando, importante ressaltar que os filsofos
sublinham as dificuldades em definir claramente as categorias de nome comum e nome
prprio. Para Ferrater (1979), nem sempre fcil saber por que um nome usado como
prprio. Moran (1996) lembra que a melhor definio para essa questo ainda a tradicional e
remonta a Dionsio da Trcia que nasceu em Alexandria e viveu entre 170 e 90 a.C.,
aproximadamente. Ficou conhecido por ser o autor da Tchn grammatik. Ele afirmava que
os nomes so substantivos e podem ser divididos em duas categorias: comum, quando
expressa uma ideia geral e prprio, quando designa uma nica ideia. O debate sobre a
natureza do nome foi tratado pelos filsofos antigos Plato e Aristteles; na Idade Mdia por
Thomas de Erfurt; na Modernidade por Hobbes, Locke, Stuart Mill e Taine; na Idade
Contempornea por Husserl, Frege, Wittgenstein, Carnap e Bertrand Russel.
O estudo do significado e da origem dos nomes dos lugares, tambm
chamados de topnimos, constitui-se em um amplo campo de pesquisa que envolve diversos
saberes humanos. A Toponmia tem por objeto de estudo os topnimos. Dentro do domnio
lingustico, ela se estabelece junto da Onomstica estudo dos nomes prprios e da
Antroponmia estudo dos nomes de pessoas (nomes geogrficos resultantes de nomes
prprios das pessoas).
A Toponmia ocupa-se em estudar os nomes dos lugares habitados
(vilarejos, cidades, pases, ruas, caminhos etc). Pela vastido de aspectos que apresenta, uma
cincia cultivada na atualidade em diversos pases, visto que interessa no apenas
lingustica, mas tambm, como veremos de modo especial, geografia e histria, e tambm
arqueologia, botnica e zoologia, entre outras. Os dicionrios costumam definir o termo
topnimo como nome de lugar (neste sentido, HOUAISS, 2003, p. 3541). Trata-se de uma
definio excessivamente aberta, que alguns autores tm procurado melhor delimitar.
28
Consideramos significativa a definio de Moreau-Rey do topnimo como um nome prprio
que serve para distinguir um lugar preciso e nico dentro de um contexto concreto (2003, p.
45).
Podemos afirmar que a Toponmia uma cincia recente, ainda que os
homens de todas as pocas e lugares sempre tenham manifestado a curiosidade de saber o
sentido dos nomes de lugar e as explicaes ligadas s suas origens. Na antiguidade surgiram
lendas, mais ou menos poticas ou mticas e etimologias fantasiosas e trocadilhos que, muitas
vezes, inspiraram os brases das cidades e famlias nobres como forma de compreender os
nomes e o seu sentido. No entanto, a toponmia cientfica somente teve incio no sculo XIX,
juntamente com a filologia e a dialetologia.
Ainda que tivesse havido alguns precursores, o primeiro que estudou e
ensinou a toponmia cientfica na Frana foi Auguste Longnon, que deixou uma obra pstuma
chamada Les noms de lieu de la France (1920-1929) que tem ainda grande valor. O alemo
Hermann Grohler escreveu Uber Ursprung und Bedeutung der franzosischen Ortsnamen
(1913-1933) que tambm tem importncia histrica no que refere-se iniciao dos estudos
toponmicos. Todavia, a obra que mais foi fundamentada, sobretudo com relao ao mrito de
reunir as pesquisas anteriores foi Toponymie de la France, de M. Auguste Vicent (1937). O
autor apresentou nesse livro um estudo documental que ainda hoje utilizado pelos
especialistas. Com Albert Dauzat a toponmia cientfica encontrou ampla divulgao e passou
a ser conhecida no mundo inteiro. La Toponymie Franaise (1939) estuda a formao e a
constituio dos nomes em algumas regies da Frana. Les noms de lieux (1926) agrega quase
todos topnimos franceses e uma fundamentao terica interessante. Dauzat, em 1949,
fundou a Revue internationale donomastique que representou um grande marco para os
pesquisadores toponimistas. Assim, os estudos toponmicos se internacionalizaram e se
espalharam pelo mundo afora.
Moreau-Rey, ao falar sobre os aspectos tericos da Toponmia, prope uma
aproximao conceitual que nos parece bem marcada, quando enfatiza de maneira particular a
questo espacial, apresentando por nomes de lugar, ou nomes geogrficos, no sentido mais
amplo, todos os nomes simples ou expresses compostas que designam os lugares habitados,
tanto antigamente como na atualidade (nomes de pases, de comarcas, de territrios de
qualquer tipo, de aglomeraes urbanas ou rurais cidades, vilas, povoados, aldeias, bairros,
ruas, avenidas, praas); como tambm os lugares desabitados; os nomes relativos ao relevo,
tanto de terras interiores como costeiras: montanhas, plancies, ilhas, cabos, bahias; os nomes
relativos agua, terrestre ou martima: mares, lagos, rios, torrentes, fontes, pntanos; os
29
nomes das vias de comunicao. Em geral, tanto se trata de nomes do presente ou do passado
ou aqueles em desuso cabe design-los para todos os efeitos como nomes de lugar. (1982,
p.10).
De fato, a natureza peculiar desses nomes e sua transcendncia social
encontram-se na base da curiosidade que despertam quando falamos de uma memria
coletiva. Conforme o historiador Le Goff, a memria um elemento essencial do que se
costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca uma das atividades
fundamentais dos indivduos e das sociedades de hoje, na febre e na angstia. A memria
coletiva no somente uma conquista, mas tambm um instrumento e um objeto de poder.
(LE GOFF, 2003, p. 470). O estudo cientfico da memria coletiva encontra na toponmia um
rico material de estudo. Na expresso de Le Goff: Esses materiais da memria podem
apresentar-se sob duas formas principais: os monumentos, herana do passado, e os
documentos, escolha do historiador. (2003, p. 525).
Assim, no mundo das palavras ocupa um lugar especial o nome que,
inicialmente emanado do mundo comum para ser aplicado a um espao concreto, sofre as
modificaes realizadas pelo homem que o transforma e o reconstri para o uso das geraes
seguintes. Conhecer um topnimo no somente saber escrev-lo e pronunci-lo, mas
preciso descobrir a origem e o significado etimolgico. Desse modo, adquirimos
conhecimentos, que no suspeitvamos poderem chegar at ns por tal via: fatos histricos,
acontecimentos importantes, indicaes geogrficas etc. O espanhol Menndez Pidal refere-se
ao estudo dos topnimos mostrando que os nomes de lugar so como viva voz das pessoas,
povos ou grupos desaparecidos, transmitidos de gerao em gerao, de boca em boca. O
nome de lugar propriedade de ningum e, ao mesmo tempo, de todo o mundo. Ele possui de
alguma maneira a memria coletiva de um povo. Ele um meio de comunicao que
testemunha o contexto de sua origem e revela as transformaes de um povo. (1952, p.4)
Na expresso de Dick (1990), os nomes so como recortes de uma
realidade vivenciada, conscientemente ou no, pelo denominador isolado ou pelo prprio
grupo, numa absoro coletiva dos valores especiais que representam a mentalidade do tempo
histrico ou ethos grupal. Ela afirma que a Toponmia corresponsvel pela preservao dos
fatos culturais em uma determinada rea geogrfica. Atua como forma conservadora da
30
memria do ncleo, que se faz presente nos estgios denominativos, de diversas origens e
causas 1. (p.112).
Ela reflete de perto a vivncia do homem, enquanto entidade individual e
enquanto membro do grupo que a acolhe. , pois, uma cincia dinmica e de amplas
perspectivas. Ela no se limita investigao apenas dos aspectos lingusticos e
categorizao dos nomes, mas direciona-se para as motivaes que esto presentes no ato de
nomear.
Atualmente, a toponmia ultrapassou o estgio de mera curiosidade
classificatria para tornar-se uma cincia essencial para a caracterizao do espao, levando
em conta as ligaes entrelaadas entre a paisagem, a sociedade e as questes ambientais e
histricas.
Para Moreu-Rey, o estudo da Toponmia de fundamental importncia para
as cincias humanas na medida em que deixou de ser apenas auxliar da filologia e da
onomstica e passou a ser reconhecido como um importante campo de estudos das cincias do
homem.
La toponmia pertenece a las denominadas ciencias humanas, campo que abraza
tambin las diferentes ramas de la histria, la historia de la economa y de las
instituciones, la sociologa y la antropologia cultural, la geografa humana, la
lingustica y la filologa (). La toponimia utiliza bsicamente los servicios de otras
tres ciencias: la historia, la lingustica y la geografia, pero debe recorrer tambin al
auxilio suplementario de la epigrafia, la arqueologia, la archivstica y la paleografia,
as como la etnografa y el folclore, la psicologa social, la topografia o la botnica. 2
(2003, p.3).
1.3 Toponmia e Lxico
Conforme a etimologia, o termo lxico significa lista de palavras.
Inicialmente, o lxico de uma lngua corresponde ao vocabulrio de uma lngua. uma
entidade abstrata porque ilimitada no tempo, j que integra todas as palavras de todas as
1 Antes de tudo, esta cincia constitui inicialmente um importante captulo de psicologia social, ensinando como
podemos designar os tempos e os lugares, as aldeias e vilas, os campos, os rios e as montanhas fazendo-nos
compreender melhor a alma de um povo, suas tendncias msticas ou realistas, seus meios de expresso. 2 A toponmia pertence a chamadas cincias humanas, campo que abrange tambm os diferentes ramos da
histria, da histria da economia e das instituies, a sociologia e a antropologia cultural, a geografia humana, a
lingustica e a filologia (...). a toponmia utiliza basicamente os domnios de outras trs cincias: a histria, a
lingustica e a geografia, mas tambm recorre a epigrafia, a arqueologia, a arquivstica e paleografia, assim como
a etnografia e o folclore, a psicologia social, a topografia ou a botnica.
31
sincronias, da formao da lngua aos tempos atuais. tambm ilimitado no espao porque
compreende todas as palavras de todos os dialetos e irrestrito na adequao do real, dado que
inclui as palavras de todos os registros de uma lngua (MATEUS & VILLALVA, 2006, p.
61). No lxico integram-se tambm as unidades menores de palavras, sufixos e afixos que
permitem os neologismos. Ele pode ser entendido como a matria-prima que possibilita a
construo e a compreenso dos enunciados lingusticos, relacionando-se com todas as
nuances gramaticais, integrando palavras e frases dentro de uma categoria sinttica,
morfossinttica, representao fonolgica e sinttica. Assim, cada unidade lexical portadora
de muitas informaes que se relacionam aos registros de uma lngua ou a um vocabulrio
especializado. Associa-se tambm s palavras a informao sobre o seu percurso histrico.
Como, por exemplo, a informao sobre a origem das palavras, que chamada etimologia.
Acercar-se do lxico toponomstico de um lugar implica, de certa forma,
aprender uma nova lngua e interrogar-se sobre os significantes que ouvimos cujos
significados ignoramos. Isso, sobretudo, refere-se aos topnimos que designam os lugares. A
toponmia de qualquer lugar sempre constituda pelo resultado das mltiplas lnguas
funcionais que se sucederam no tempo. O lxico toponmico sempre dinmico e, quando
utilizado por uma comunidade de falantes, est sempre exposto s mudanas e evolues,
sofrendo influncias.
Podemos observar que algumas palavras logo se incorporam ao lxico da
lngua, enquanto outros emprstimos aparecem em uma poca determinada e desaparecem
rapidamente. Dessa maneira que constatamos que o lxico de uma lngua no um sistema
fechado, mas sim, um inventrio aberto no qual constantemente aparecem palavras novas e
desaparecem outras.
A criana que aprende a falar no recebe uma lngua completamente feita,
mas a recria totalmente quando a utiliza, conforme o que ouve ao seu redor. Est provado que
as crianas pequenas comeam dando s palavras sentidos bem diferentes do que estas tm no
uso dos adultos, quando as aprendem. Esse contnuo recriar da linguagem traz consigo, no
passar da histria das geraes, posies de deslizamento nas unidades e nas relaes no
plano significativo e faz com que o lxico esteja em contnuo desenvolvimento. Vale lembrar
que uma lngua sempre um cdigo de comunicao de uma comunidade social. Nela se
expressam todas as experincias e, por isso, a histria da lngua est sempre ligada histria
da evoluo histrica de uma comunidade que a usa.
Maximiano Trapero afirma que no estudo toponmico de uma regio
podemos perceber todos os problemas lingusticos de um repertrio dialetal, tais como: a
32
arbitrariedade e motivao dos topnimos; os fenmenos fonticos; os nomes prprios e os
nomes comuns; os nomes primitivos e os nomes derivados com os seus processos derivativos;
os gneros gramaticais e a semntica. O autor recomenda prudncia e modstia para aqueles
que se pem ao estudo da Toponmia de uma regio: prudncia para no dar nada por
muito seguro e confirmado e modstia para estar aberto na aceitao de outra teoria ou
explicao. (1997, p.242).
A Toponmia uma lngua funcional que em cada momento mostra-se como
um todo sincrnico caracterstico de uma regio ou lugar. Conforme Trapero (1997), podemos
entender como lngua funcional uma lngua que se costitui de um s dialeto ou estilo de
lngua que manifesta um modelo ideal prprio de uma comunidade determinada em um tempo
determinado.
No entanto, ela tambm o resultado de uma diacronia perceptvel nos
extratos lexicais que revelam as etapas histricas que se sucederam no passar do tempo.
A Toponmia de qualquer lugar pode ser compreendida como o resultado
das muitas lnguas funcionais sucedidas ao longo do tempo. Assim, podemos dizer que na
Toponmia so preservados como fsseis uma infinidade de elementos lingusticos de
pocas passadas de tipo lexical, fonolgico, gramatical que podem ser encontrados na
formao dos nomes de lugar. Trapero esclarece que a Toponmia uma parte do lxico que
proporciona um excelente estudo dos estratos lingusticos que no esto mortos e
desfuncionalizados (1997, p. 244). A Toponmia um corpus lexical vivo e funcional que se
atualiza continuamente na fala comum, j que, o lxico, ao ser utilizado pelos falantes, em
todas as situaes da fala, torna-se passvel de sofrer mudanas e submetido a evolues.
Ainda que, diante da lngua comum, o lxico toponmico seja mais conservador.
Outro estudioso da rea, Joan Coromines, explicou esta situao de maneira
eloquente, quando em sua afirmao mostra que toda a sociedade, em principio, depositria
do patrimnio lingustico:
El estudio de los nombres de lugar es una de las cosas que ms h desvelado la
curiosidad de los eruditos e incluso la del pueblo en general. Es natural que sea as.
Estos nombres se aplican a la heredad de la que somos proprietrios, o a la montaa
que limita nuestro horizonte, o al ro de donde extraemos el agua para el riego, o al
pueblo o la ciudad que nos h visto nacer y que amamos por encima de cualquier
outra, o a la comarca, el pas o el estado donde est enmarcada nuestra vida
colectiva. El hombre, que desde que tiene uso de razn se pregunta el porqu de
todas las cosas que ve y que siente, no se preguntara sobre el porqu de estos
nombres que todo el mundo tiene continuamente en los lbios?3 (2003, p. 2).
3 O estudo dos topnimos uma das coisas que tem mais despertado a curiosidade dos estudiosos e at mesmo
do povo em geral. natural que seja assim. Estes nomes se aplicam a propriedade que possumos, ou a
33
O lxico que compe a toponmia brasileira formado por uma srie de
elementos diversificados de variadas origens. necessrio assinalar, em primeiro lugar, um
grande nmero de palavras que provm do latim e que esto ligadas aos termos patrimoniais
da Lngua Portuguesa. A esse conjunto de palavras tradicionais devem ser somados os
emprstimos que, no decorrer da histria da lngua, tm sido produzidos. Encontramos
palavras de origem europeia e muitas palavras, sobretudo vindas do francs e do ingls.
notrio encontrar em nosso lxico palavras que vieram dos dialetos indgenas, como vimos,
da lngua tupi. Tambm encontramos em menor nmero, bem verdade, palavras provindas
dos dialetos africanos.
No caso da Estrada Real, corpus desta pesquisa, podemos salientar a
conservao de estratos lexicais que remontam lngua do habitante aborgene ou dos
bandeirantes que desbravaram os sertes e falavam o Tupi, a lngua geral; topnimos que
remontam poca dos tropeiros e mercadores; topnimos que mostram a presena dos
missionrios e religiosos; topnimos que revelam a atividade econmica da minerao e do
ciclo do ouro e das pedras preciosas; topnimos que apontam para fatos histricos
acontecidos; topnimos que revelam fatos e pessoas de um tempo histrico mais recente,
dentre outros.
O tipo de variao interna mais caracterstica do lxico toponmico o
diatpico4. Cada regio toma para o lxico toponmico os termos que melhor se adaptam as
suas especificidades geogrficas e a fatos histricos a que se referem, quase sempre, a
situaes particulares e sui-generis. Desse modo, a Toponmia de uma regio naturalmente
desenvolve uma dupla personalidade: a de seu conjunto lexical e a do alcance semntico de
cada um de seus elementos lexicais.
Em se tratando da Estrada Real, frequentemente ouvimos algum interrogar-
se a respeito de um nome de lugar. Isso sempre acontece quando esse nome ouvido pela
primeira vez. Qual o significado de Catas Altas? Essa pergunta feita por causa do nome
ter sido dado a um lugar e por ser ele um nome prprio. A interrogao oculta a finalidade de
desvendar se o topnimo em questo tem um significado que se origina ou no de um nome
comum. Assim, muitas vezes a resposta no pode ser baseada apenas na Lingustica, mas
montanha que limita nosso horizonte; ou ao rio de onde tiramos gua para a irrigao; ou ao povoado ou cidade
que nos viu nascer e que amamos acima de qualquer coisa; ou a regio, o pas ou estado onde se desenvolve a
nossa vida social: o homem, que desde que tem uso da razo se pergunta sobre o porque de todas as coisas que
v e que sente, no se perguntaria tambm ele sobre o porque desses nomes que todos trazem constantemente em
seus lbios? 4 O nvel diatpico est relacionado com a regio geogrfica em que determinadas palavras ou acepes so
empregadas. (COSERIO, 1996).
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necessrio recorrer Histria, Geografia, Sociolingustica ou a outros ramos do saber. Por
exemplo, no caso de Catas Altas a histria ensina que esse topnimo faz aluso s profundas
escavaes praticadas a cu aberto feitas para a mineirao no perodo do ouro das Minas
Gerais. Cata(s) derivao regressiva do verbo catar, procurar. O nome deve-se lavra
mineira que se verificou no local nos fins do sculo XVIII. Agora, o significado inicial foi
alterado com a sua referncia motivadora primitiva. De tal maneira que o significado
primitivo caducou.
Coseriu (1977, p.185) lembra que convm fazer a distino entre significado
e significante. Um significado um valor que corresponde a uma palavra (lexema), e que
resulta de uma oposio semntica na ocorrncia dessa palavra na lngua. Assim, o
significado de Catas Altas est em relao com as escavaes mineradoras do ouro. O seu
valor uma unidade estvel quando se refere ao perodo do ouro em MG no sculo XVIII,
porm, os topnimos designam, mas no significam. Podemos assim inferir que no processo
da nomeao toponmica ocorre sempre um batismo que foi realizado pelos primeiros
povoadores de um lugar, quando na paisagem encontraram caractersticas que se
acomodavam a um vocabulrio ligado aos acidentes geogrficos que anseiavam por nomear.
Podemos lembrar os seguintes exemplos, dentre outros: a um rio chamaram Paraba, do tupi:
par (rio) + ayba (ruim) por ser imprprio navegao; a uma serra chamaram de Itatiaia (do
tupi: pedra cheia de pontas); a uma mata chamaram de Taquaru (do tupi: taquara
grande).
O estudo do corpus toponmico de uma regio mostra que qualquer palavra
pode prestar-se para formar um topnimo. Lembra Trapero:
Los nombres que aparecen en cualquier corpus toponmico hacen referencia
preferentemente a la geografia (las formas topogrficas, la realidad climtica, la
naturaleza y aspecto del terreno, etc.), pero tambin a la historia (a personajes
histricos o locales, a instituciones polticas, administrativas, sociales, etc.), y a la
antropologia (a personajes legendarios, a creencias y ritos, a oficios y profesiones, a
leyendas y ancdotas locales, etc.) y a religin (nombres de santos, advocaciones y
cultos, edifcios y signos religiosos, etc.), y a la arqueologia (yacimientos,
incripciones, enterramientos, etc.), y a la biologia ( nombres de animales y de
plantas caractersticas de cada lugar) etc.5 (1997, p. 47).
5 Os nomes que aparecem em qualquer corpus toponmico fazem referncia preferentemente geografia
(topografia, clima, natureza, aspecto do terreno etc.), mas tambm histria (personagens histricos, instituies
polticas, administrativas, sociais etc.), antropologia (personagens lendrios, crenas e ritos, profisses e
ofcios, lendas e anedotas), a religio (nomes de santos, devoes e cultos, locais e smbolos religiosos etc),
arqueologia (inscries, tmulos etc.), biologia (nomes de animais e plantas e plantas caractersticas de cada
lugar) etc.
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A variedade do lxico refletida na toponmia revela que esta se compe de
elementos da vida privada ou coletiva do homem. Por isso, um topnimo uma forma lxical
que tem uma funo semntica que anseia identificar um ponto concreto da geografia. Dessa
forma, pela designao lingustica a realidade nomeada sempre simples e o ponto geogrfico
individualizado.
1.4 Interdisciplinariedade e Toponmia
Os estudiosos caracterizam, de maneira geral, a Toponmia como campo de
conhecimento interdisciplinar, ligando-a com reas cientficas que tm uma relao mais
prxima com o estudo dos nomes de lugar. Para Poirier (1965) a Toponmia uma rea de
estudo que se liga histria, geografia e lingustica. Tort (2003) enfatiza que os trs
pilares auxiliares do estudo toponmico so a histria, a geografia e a lingustica (desdobrada
em dialetologia e fontica). Incidindo de modo especial nas vertentes psicolgica e
sociolgica da toponmia, Dauzat assim se expressa:
Cette science constitue dabord un chapitre prcieux de psychologie sociale. En nous
enseignant comment on a dsigne, suivant les poques et les milieux, les villes et
villages, les domaines et les champs, les rivires et les montagnes, elle nous fait
mieux comprendre lme populaire, ses tendances mystiques ou ralistes, ses
moyens dexpression. (1971, p. 4).
Ao relacionar o processo de nomeao com as marcas ideolgicas
envolvidas dentro da memria coletiva de um grupo social, Dick salienta que o estudo
toponmico da nomeao de um lugar precisa levar em conta as coordenadas tempo-
situacionais, nas quais gravitam actantes bsicos: o nomeador, o sujeito que enuncia o nome
em primeiro lugar; o objeto nomeado que se liga ao espao e as suas divises conceituais,
incorporando a funo referencial nomeada; e o receptor, ou enunciatrio, que recebe os
efeitos da nomeao. A singularidade do processo denominativo exatamente a constituio
dessa cadeia gerativa de enunciao, que revela contornos particulares; um denominador
isolado, construtor de uma mensagem (doador de um nico nome ou de vrios nomes, em
situao de abrangncia areal), interferindo em uma coletividade receptora, que passa a ser
usuria do(s) designativo(s), sem que interagisse na dinmica do processo. A adequao da
escolha, que passa pelo crivo da objetividade ou da subjetividade do nomeador, ainda que
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inconscientemente, ser sentida ou pela reao do grupo ou pela anlise posterior do linguista,
em uma fase posterior, distinta do momento inicial de marcao do lugar ou do batismo da
pessoa na compreenso do presente, em sua funo pragmtica. (DICK, 1996).
Para Canadian Poirier (1965), existem trs cincias que podem auxiliar a
Toponmia: a Histria, a Geografia e a Lingustica (Dialetologia e Fontica). Dauzat enfatiza
os aspectos sociolgicos e psicolgicos (1971). Por sua vez, um autor especializado em
metodologia, Querol, defende que esta disciplina deve ter bases epistemolgicas para se
firmar junto cincia (1995, p.65). A natureza pluralista dos nomes de lugar e o seu estudo
servem como uma ponte entre muitas reas de estudo e disciplinas.
Ainda que a Toponmia seja uma rea de estudos que interessa a muitas
outras cincias, na Lingustica que ela encontra o seu ancoradouro, j que nenhuma outra
cincia tem por finalidade e objeto de estudo a parcela do lxico de um lugar, de uma lngua
ou de uma regio. Rafael Lapesa lembra que a Toponmia interessa ao lingusta como a
paleontologia ao bilogo, ou melhor, como a arqueologia ou a documentao das pocas
passadas interessam ao historiador. (1992, p. 170).
Para melhor vislumbrar estas conexes e interfaces com a cincia
toponmica, procederemos agora uma explanao entre trs reas de conhecimento que
interessam particularmente a execuo deste trabalho: a Geografia, a Histria e a Religio.
1.4.1 Toponmia e Geografia
Uma das vertentes da diversidade lingustica a variao geogrfica. De
uma maneira geral, a Geografia Lingustica, que tambm chamada Dialetologia, ocupa-se
do estudo da variao lingustica dentro do espao geogrfico. Considerando a terra como
habitat do homem, assume ao mesmo tempo, como seu objeto de estudo, todas as realizaes
humanas que acontecem na extenso do espao geogrfico, no s pelo emprego do
instrumento cartogrfico, como tambm pela tentativa de compreender o que se passa na vida
social e cultural do homem dentro do ambiente natural. Nas palavras de Coseriu:
En la terminologia tcnica de la lingustica actual, la expresin geografia
lingustica designa exclusivamente un mtodo dialectolgico y comparativo que ha
llegado a tener extraordinario desarrollo en nuestro siglo, sobre todo en el campo
romnico, y que pressupone el registro en mapas especiales de un nmero
relativamente elevado de formas lingusticas (fnicas, lxicas o gramaticales)
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comprobadas mediante encuesta directa y unitaria en una red de puntos de un
territorio determinado, o, por lo menos, tiene en cuenta la distribucin de las formas
en el espacio geogrfico correspondiente a la lengua, a las lenguas, a los dialectos o
a los hablares estudiados.6 (1956, p.5).
A utilizao do termo dialeto no se refere a uma forma diferente ou
desprestigiada do falar de uma lngua, mas sim da forma de falar de uma lngua em uma
regio a que pertence o falante. Existe uma estreita ligao entre a dialetologia e a lingustica
histrica no que tange s marcas e semelhanas entre os dialetos passados e os dialetos
presentes. Por isso, pode-se falar em dialetos conservadores.
O mtodo de trabalho da geografia lingustica ou dialetologia bastante
exigente, quer no que diz respeito s fontes de informaes, ou quanto aos registros dos dados
coletados. Os atlas e os mapas dialetais representam graficamente a distribuio dos dialetos
de uma regio. Coseriu lembra que:
Caben dentro de este concepto de geografia lingustica los mapas lingusticos que se
encuentran en los atlas geogrficos comunes y en los atlas histricos, como tambin
gran parte de las indicaciones y de los mapas que contienen las obras acerca de las
lenguas del mundo, u otras obras que registran la distribucin de las lenguas en
ciertos territorios. La labor correspondiente, aunque realizada comnmente por
linguistas, pertenece con ms derecho a la geografia (y a la historia), y dentro de la
linguistica representa ms bien una labor previa de informacin exterior7. (1956,
p. 11).
Ao falarmos em Geografia e Cincias da Natureza, podemos afirmar que a
paisagem um elemento significativo. O termo paisagem traduz, etimologicamente, a
entidade constituda pelo conjunto de elementos visveis ou sensveis que integram e
caracterizam um pas. Tanto pas como paisagem so termos que tm uma raz comum
derivada do latim8. Acredita-se que o termo paisagem, conforme Bonato (2010, p. 219) deriva
6 Na terminologia tcnica da lingustica atual, a geografia lingustica se refere exclusivamente a um mtodo
dialetolgico e comparativo que passou a ter extraordinrio desenvolvimento em nosso sculo, sobretudo no
campo romnico e que pressupe o registro em mapas especiais de um nmero relativamente elevado de formas
lingusticas (fontico, lexical ou gramatical) comprovadas mediante uma unidade de pesquisa em uma rede de
pontos de um determinado territrio, ou pelo menos tem em considerao a distribuio de formulrios na rea
geogrfica correspondente linguagem, lnguas, dialetos ou falares estudados. 7 Encaixa-se dentro deste conceito de geografia lingustica os mapas lingusticos que so encontrados em atlas
geogrficos comuns e em atlas histricos, como tambm grande parte das indicaes e dos mapas que contm
obras referentes s lnguas do mundo, ou outras obras que registram a distribuio das lnguas em certos
territrios. O trabalho correspondente, ainda que realizado por linguistas, pertence com mais propriedade
geografia e histria. Dentro da lingustica representam um esforo maior para elaborar informaes externas. 8 O termo latino estava ligado demarcao da terra. Pagus era um distrito rural composto de vrias fazendas,
que no possua poder poltico direto, sendo uma jurisprudncia da unidade administrativa maior, a civitas. Os
habitantes de um pagus, em geral, eram diferentes dos habitantes das cidades romanas. Eram componeses e
agricultores que veneravam os deuses locais: o esprito das florestas, das matas, dos campos e dos lares. Segundo
Seemann (2007, p. 52), vem da a ligao do termo com a palavra pago.
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do termo latino pagus, que significa marco ou balisa metida na terra ou compartimento de
territrio ocupado por uma comunidade cuja vida cotidiana decorre, portanto, dentro de um
mesmo horizonte visual.
O termo paisagem designa um conjunto no qual os elementos naturais ou
diretamente derivados do meio natural (relevo, clima, solo, vegetais e animais) combinam-se
dialeticamente com os elementos humanos. Fica evidente que o termo carrega consigo trs
concepes distintas e inseparveis: a paisagem a natureza em si, ou uma parte dela, um
territrio, um espao; tambm a visualizao desse espao atravs de um observador e a
representao desse espao, seja pela pintura ou pela escrita. Da a importncia da relao
entre toponmia e geografia. O campo da Geografia , indiscutvelmente, a paisagem ou o
espao em sentido genrico, como afirma Bonato (2010, p. 221) sobre os Relatos de Viagem:
os relatos de viagem trazem uma construo de uma paisagem ou uma paisagem
representada. A representao feita por naturalistas que percorreram a paisagem enquanto
espao fsico e a visualizaram enquanto observadores.
O simbolismo pea-chave para a interpretao da paisagem. De acordo
com Cosgrove a paisagem como um texto cultural, reconhecendo que os textos tm muitas
dimenses, oferecendo possibilidades de leituras diferentes, simultneas e igualmente
vlidas. (1998, p. 101).
Para Dick, o homem, ao designar o nome prprio de um lugar com o
topnimo, em sua formalizao na nomenclatura onomstica, faz a ligao entre um nome e o
acidente geogrfico que o identifica, constituindo um conjunto ou uma relao binmica que
se pode seccionar para melhor se distinguirem os seus termos formadores. A autora salienta
que dessa simbiose nascem um termo ou elemento genrico ou elemento ou termo especfico,
ou topnimo propriamente dito, que particularizar a noo espacial, identificando-a e
singularizando-a dentre outras semelhantes. (1990, p. 11).
As investigaes da toponmia tm interesse para o gegrafo porque
estabelecem conexes entre grande parte dos topnimos com os termos do vocabulrio
geogrfico dialetal, ou seja, com os vocbulos comuns referentes aos vrios objetos
geogrficos, testemunhando quer a presena e a difuso de determinados fenmenos, quer
particularmente a conscincia (mais do que o conhecimento) que deles tm os habitantes.
As paisagens toponmicas da terra, de maneira quase generalizada, apontam
um nmero considervel de termos emprestados Geografia, tanto do ponto de vista fsico
quanto humano. O interrelacionamento da disciplina com a cincia que constitui, ao lado da
Histria e da Lingustica, um dos seus embasamentos tericos acentua-se, assim, medida
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que os acidentes geogrficos incorporam tambm o sentido do topnimo, dando origem a
novas construes toponomsticas. (DICK, 1990, p. 64).
A transformao de um termo geogrfico dialetal em topnimo bastante
frequente. Ocorre quando o correspondente objeto geogrfico adquire um particular interesse
para o homem, quer ele se limite simplesmente a notar-lhe qualidade ou atributos, quer o
encare como elemento favorvel ou desfavorvel s suas atividades. So vocbulos de lngua
geral que entram no discurso toponmico pelas necessidades bsicas ocorridas no momento da
enunciao. Parte-se do pressuposto de que o topnimo mudou de categoria gramatical, em
dois sentidos: passou de substantivo comum a substantivo prprio e, do ponto de vista mais
especfico, passou de lexia virtual (antes do momento da enunciao) a lexema (como ocorre
com qualquer palavra- ocorrncia) e a termo, quando se configura o sintagma toponmico,
composto por dois termos, a saber: termo ou elemento genrico (o acidente fsico ou humano
a ser descrito ou denominado) e o termo ou elemento especfico (o topnimo propriamente
dito). Ex.: Morro da gua Quente, Rio Acima, Alagoa.
Em qualquer dos casos, o homem j exprimiu um juizo, fez um confronto,
salientou analogias ou diferenas e estabeleceu uma classificao. Em suma, atribuiu-lhe um
valor segundo os seus prprios critrios e as suas finalidades. Nas palavras de Dick: ... ser
de variada natureza conforme seja a motivao envolvida, semnticamente, de acordo com a
maior ou a menor preferncia do denominador, ou segundo a inclinao de seu esprito.
(1990, p. 13). Desse ponto de vista, a toponmia um testemunho da presena do homem,
num certo espao, numa paisagem, ao longo do tempo. Nas palavras de Tort (2003): Os
nomes de lugar so viva voz dos povos desaparecidos, transmitidos de gerao a gerao, de
boca em boca pelos antepassados na necessidade diria de nomear a paisagem. Tornam-se
uma ponte entre os habitantes de hoje e os do passado.
Com efeito, a possibilidade de reconstruir a estratificao cronolgica da
toponmia de dada rea facilita muito a investigao das transformaes histricas, da
ocupao e valorizao humana desse territrio. A frequncia dos diversos topnimos ou de
vrias categorias pode, de modo particular, fornecer ao estudioso da geografia indicaes
preciosas dos modos de desenvolvimento do povoado e das fases em que se desenrolou a ao
humana de explorao e de utilizao do territrio.
O eminente geogrfo americano H.C. Darby ressalta que a afinidade entre
Toponmia e Geografia no uma questo secundria, salientando a importncia de se ter
conhecimento direto de ambas. Lembra que as concluses do fillogo devem ser sempre
colocadas em relao realidade topogrfica, quer atravs de mapas e inquritos especficos,
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quer conhecendo o espao geogrfico para adquirir a chave para o significado dos nomes.
(1957, p. 390).
Tort (2003) salienta que, em relao aos nomes de lugares, a partir da
perspectiva da Geografia, devem ser levadas em conta as questes metodolgicas
fundamentais para que qualquer estudo seja epistemolgico. Segundo o autor, o analista deve
estar atento para trs aspectos em particular: o fato de que muitos nomes so de difcil
compreenso; as questes de mudana (em relao ao tempo e ao espao) e a validade do
chamado princpio da excepcionalidade. Assim, um certo conjunto de nomes pode ser de
fcil compreenso. No entanto, podem existir nomes cujo significado no tenha sentido e no
correspondam a qualquer palavra falada dentro de um estudo geogrfico e lingustico. Moreu-
Rey chama isso de nomes no transparentes ou fsseis. Em suas palavras so velhos
nomes comuns cristalizados ou congelados, e preservados por milnios, em alguns casos
(1982, p.13). Com relao ao segundo aspecto, nunca devemos esquecer, segundo o autor
acima citado, que a noo de mudana lingustica fundamental para a interpretao
toponmica. Um nome determinado pode sofrer uma mudana por causa da evoluo da
lngua falada ou por causa das alteraes geogrficas ocorridas. Na prtica, preciso
apreender as transformaes mais importantes que afetaram um determinado lugar ou regio
para se interpretar corretamente o significado original de um nome associado a este lugar.
Finalmente, o terceiro aspecto liga-se a um padro comum que se refere aos nomes dos
lugares: o fato de que os topnimos tendem a refletir as caractersticas nicas e singulares
do meio. Este princpio foi formulado no incio do sculo XX pelo russo Savarensky
(DORION & POIRIER, 1975, p. 93).
1.4.2 Toponmia e Histria
A Toponmia pode ser uma grande auxiliar para a cincia histrica e
permite, atravs da linguagem, esquadrinhar as sucessivas vivncias humanas, sobretudo nos
lugares onde povos, culturas e lnguas diferentes se sobrepuseram. Nesse caso, os nomes de
rios e linhas de gua de montanhas e acidentes geogrficos, dada a sua maior permanncia e
quase imutabilidade, acabam por ser, atravs da respectiva nomenclatura, testemunhas da
longa durao dos