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Maio_2011 computerarts.com.pt Ícones do Design Dino dos Santos Dino dos Santos 028_ 029 Texto: Fernando Mendes e Filipe Gil Fotografia: João Reis Dino dos Santos Dino dos Santos, um dos mais importantes designers tipográficos portugueses, é um crítico do ensino da “sua” arte em Portugal, é aliás também crítico da forma como a sociedade portuguesa menospreza a tipografi a. “A tipografi a pode mudar a vida das pessoas sem que estas dêem por isso”

Entrevista a Dino dos Santos

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Entrevista para a revista Computer Arts Portugal

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Page 1: Entrevista a Dino dos Santos

Maio_2011computerarts.com.pt

Ícones do DesignDino dos SantosDino dos Santos028_029

Texto: Fernando Mendes e Filipe Gil

Fotografi a: João Reis

Dino dos Santos

Dino dos Santos, um dos mais importantes designers tipográfi cos portugueses, é um crítico do ensino da “sua” arte em Portugal, é aliás também crítico da forma como a sociedade portuguesa menospreza a tipografi a.

“A tipografi a pode mudar a vida das pessoas sem que estas dêem por isso”

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Computer Arts (CA): Ainda tem sentido

desenhar novas fontes tipográfi cas,

tendo em conta a super abundância

nesta área?

Dino dos Santos (DS): A super abundância refl ecte mais a facilidade de desenhar tipos de letra e da sua publicação online, o que não signifi ca que desenhar um bom tipo de letra seja mais fácil hoje do que era há 100 anos. Os princípios são muito semelhantes e a tipografi a não mudou tanto quanto se pode pensar nos últimos 500 anos. O trabalho é hoje mais confortável mas igualmente mais minucioso, com elevado número de pares de kerning, assim como caracteres para as mais diversas linguagens e software. Por isso, faz todo o sentido desenhar novas fontes, se tivermos a certeza do que pretendemos fazer. Se o designer tipográfi co defi nir o que pretende obter com um novo tipo de letra, poderá mais facilmente encontrar um sentido para o mesmo, que em algum momento, seja diferente do existente.

CA: Como seria uma fonte dedicada

a Portugal?

DS: Não faço a mais pequena ideia! Portugal é um país cuja identidade assenta em pressupostos de mestiçagem, de troca cultural, uma identidade que não se revê em aspectos muito concretos, por isso seria muito difícil, se não impossível, fazer uma fonte dedicada a Portugal. Depois, em Portugal, existe uma certa cultura latente que defi ne que o que vem de fora é que é bom, por isso o melhor seria mesmo escolher um tipo de letra estrangeiro, ou desenhado por um estrangeiro.

CA: Considera que a formação específi ca

em tipografi a avançada está

correctamente contemplada nas

Universidades do País?

DS: Nem por sombras! As universidades apresentam-se como sistemas fechados e raquíticos que demonstram uma abertura demasiadamente selectiva ao exterior, pelo que o ensino da tipografi a é praticamente inexistente, salvo raras excepções e tipografi a avançada, tal como é referido na pergunta, é inexistente. O que existe é um ensino da tipografi a, mas aqui é que as coisas se tornam interessantes, pois os ingleses separam completamente Typography e Type Design, enquanto nós por cá achamos por bem misturar as duas noções. Pelo que a tipografi a que se

encontra a ser leccionada nas nossas universidades tem mais relação com a utilização dos tipos de letra e não com o seu desenho enquanto sistema.

CA: É por isso que surgem poucos

nomes nesta área em Portugal?

DS: Sim, os poucos nomes refl ectem a minha resposta à pergunta anterior. Todos os type designers que conheço fi zeram e fazem um exercício hercúleo para se tornarem mais competentes no desenho de tipos de letra, mas fazem-no por dedicação autónoma e não por sistema de ensino.

CA: E no entanto, pode falar-se de um

design tipográfi co português ou não?

DS: Não!

CA: Dentro dos nomes actuais, quais

destaca?

DS: Rui Abreu, Ricardo Santos, Mário Feliciano e o Pedro Leal, o qual trabalha comigo na DSType.

CA: Que fonte mais difi culdades lhe

levantou ou a qual dedicou mais tempo

e trabalho?

DS: Sem dúvida a Velino, um dos meus últimos sistemas tipográfi cos e possivelmente a mais extensa família tipográfi ca que já desenhei.São mais de 120 tipos de letra para as mais diversas utilizações, com versões com e sem serifas.

CA: Que fonte mais odeia? É anti Comic

Sans?

DS: Em particular não odeio fonte alguma, muito embora existam inúmeras fontes bastante mal desenhadas. A Comic Sans é mais um problema de utilização do que de desenho tipográfi co, pois é uma fonte que cumpre perfeitamente a sua função, nomeadamente ser utilizada para legendagem de banda desenhada, mas que por via da sua má utilização se viu vilipendiada.

CA: O que pensa da fonte Helvética?

Gosta ou não?

DS: A Helvética desperta em mim exactamente o que é suposto despertar: indiferença e neutralidade. Se gosto da Helvética? Sim, acho uma fonte muito interessante. Aliás devo dizer que gostaria muito de ter desenhado ambas, a Helvética e a Comic Sans, o que pode parecer

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muito estranho, visto que nenhum dos meus trabalhos entra por esse caminho, mas para o bem e para o mal são fontes que vão fi car na história da tipografi a.

CA: E que letra gostava de ter desenhado?

Porquê?

DS: O meu tipo de letra favorito é a Swift do Gerard Unger. Possui todas as características que julgo interessantes no desenho tipográfi co: uniformidade, paralelismo e bom gosto.

CA: Como é o seu processo criativo?

O que o inspira para criar um fonte?

DS: O meu processo começa sempre por determinar com exactidão o objectivo do tipo de letra que pretendo desenhar, se é para ser utilizada em jornais, livros, comunicação ou identidade corporativa. A inspiração pode ter diversas proveniências mas esta defi nição é fundamental e transversal a todas, pois ajuda a balizar todo o trabalho e partir para o desenho analógico sobre papel. Os desenhos não são muito extensivos e muitas vezes carecem de precisão, mas são fundamentais para compreender os

sentidos que o tipo de letra deve seguir.A digitalização é realizada em FontLab Studio, no qual desenho os pesos mais extremos (o mais Light e o mais Bold), utilizando o formato Multiple Master como auxiliar e que depois passa por um vasto conjunto de softwares adjacentes e outros plug-ins, que ajudam a resolver os problemas mais técnicos.

CA: Acha que a sociedade portuguesa

tem noção das fontes que se usam

no dia-a-dia?

DS: Se a sociedade portuguesa tem pouca ou nenhuma noção das coisas importantes, como é que poderia ter noção das fontes que se utilizam? A resposta é, claramente, não!

CA: Como pode o uso correcto das

fontes - nas comunicações públicas,

nas ruas, nas auto-estradas, melhorar

a vida no dia-a-dia?

DS: O problema da tipografi a é que pode mudar a vida das pessoas sem que estas dêem por isso. Neste sentido a mudança vai sempre ser atribuída a coisas mais visíveis que a própria tipografi a. Mesmo que não mude a vida das pessoas pode mudar a capacidade de comunicação dos objectos gráfi cos. A toponímia das ruas portuguesa é absolutamente lastimável, a comunicação das vias de comunicação (comboios, metro,etc.) segue o mesmo caminho. Note-se que em muitos países, os designers tipográfi cos são chamados a criar tipos de letra para sinalética pública enquanto em Portugal optou-se por simplesmente copiar os tipos de letra utilizados nas estradas inglesas (para utilizar nas nossas estradas)

ou tipos de letra germânicos para sintética dos nossos serviços de metro. Como se a tipografi a fosse uma verdade absoluta e perfeitamente dissociável da paisagem urbana, pelo que um qualquer tipo de letra com sucesso em outro país funcionasse em Portugal sem qualquer problema.

CA: Qual a análise que faz do design

gráfi co em Portugal e da sua evolução

nos últimos anos?

DS: O design gráfi co em Portugal tem conseguido bastante projecção internacional, com excelentes ateliers a estarem representados nas mais diversas publicações e associações. O problema do design nacional jamais residiu na improvável incompetência dos designers, mas sim na falta generalizada de uma cultura do projecto de design.

CA: O que aconselha a jovens que queiram

seguir a sua área?

DS: Para todos aqueles que desejem seguir o desenho tipográfi co só posso dizer que existem três tipos de type designers: os geniais, os talentosos e os trabalhadores.Eu incluo-me na última defi nição, pelo que somente posso aconselhar muito trabalho, empenho, dedicação, pesquisa e perseverança, para poderem resistir a todos que pensam que desenhar letras é algo absolutamente ridículo, pois supostamente as letras são algo que se encontra historicamente desenhado.

Se a sociedade portuguesa tem pouca ou nenhuma noção das coisas

importantes, como é que poderia ter noção das fontes que se utilizam?