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O Fado como Património Imaterial da Humanidade Entrevista com Rui Vieira Nery Rui Vieira Nery nasceu em Lisboa em 1957 e iniciou os seus estudos musicais na Academia de Música de Santa Cecília, prosseguindo-os no Conservatório Nacional de Lisboa. Licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa (1980), doutorou-se em Musicologia pela Universidade do Texas em Austin (1990), que frequentou como Fulbright Scholar e bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e onde trabalhou, designadamente, com os Professores Robert Snow, Gérard Béhague, Douglass Green, Michael Tusa e Elliot Antokoletz. Professor, entre 1985 e 2000, no Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa e atualmente no Departamento de Músicas da Universidade de Évora, orientou um vasto número de mestrados e doutoramentos em universidades portuguesas, espanholas e francesas. Foi Director-Adjunto do Serviço de Música (1992-2008) e é Director do Programa Gulbenkian Educação para a Cultura (desde 2008), na Fundação Calouste Gulbenkian. É investigador do Instituto de Etnomusicologia-Centro de Estudos de Música e Dança (INET-MD). Como musicólogo, é autor de diversos estudos sobre História da Música Portuguesa, dois dos quais receberam o Prémio de Ensaísmo Musical do Conselho Português da Música (1984 e 1992), bem como de largo número de artigos científicos publicados em revistas e obras coletivas especializadas, e exerce uma atividade intensa como conferencista, no plano nacional como em vários países da Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Os seus temas de investigação incluem a problemática do maneirismo e do barroco na música ibérica e os processos de interpenetração cultural na música portuguesa, do vilancico à modinha e ao fado. Tem tido também uma intervenção ativa regular no campo da reflexão sobre Políticas Culturais, tanto por escrito como pela participação em acções de debate e formação avançada neste domínio. Como crítico e colunista musical, colaborou nos semanários Expresso e O Independente. É colaborador regular da Antena Dois da Radiodifusão Portuguesa, para a qual foi autor, entre outros, dos programas Sons Intemporais e Ressonâncias (com Vanda de Sá), e atualmente do programa Matrizes. Foi consultor musical da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, da Régie Cooperativa Sinfonia e da Fundação de Serralves. De Novembro de 1991 a Junho de 1992 foi responsável pela conceção do projeto artístico do Centro de Espetáculos do Centro Cultural de Belém. Entre 2005 e 2007 desempenhou as funções de Secretário de Estado da Cultura no XIII Governo Provisório. É presentemente vogal da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República e do Conselho Nacional de Cultura.

Entrevista com o Professor Rui Vieira Nery sobre o Fado Património Imaterial da Humanidade

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Fado Património Imaterial da Humanidade

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  • O Fado como Patrimnio Imaterial da Humanidade

    Entrevista com Rui Vieira Nery

    Rui Vieira Nery nasceu em Lisboa em

    1957 e iniciou os seus estudos musicais

    na Academia de Msica de Santa

    Ceclia, prosseguindo-os no

    Conservatrio Nacional de Lisboa.

    Licenciado em Histria pela Faculdade

    de Letras de Lisboa (1980), doutorou-se

    em Musicologia pela Universidade do

    Texas em Austin (1990), que

    frequentou como Fulbright Scholar e

    bolseiro da Fundao Calouste

    Gulbenkian e onde trabalhou,

    designadamente, com os Professores

    Robert Snow, Grard Bhague, Douglass Green, Michael Tusa e Elliot

    Antokoletz. Professor, entre 1985 e 2000, no Departamento de Cincias

    Musicais da Universidade Nova de Lisboa e atualmente no Departamento

    de Msicas da Universidade de vora, orientou um vasto nmero de

    mestrados e doutoramentos em universidades portuguesas, espanholas e

    francesas. Foi Director-Adjunto do Servio de Msica (1992-2008) e

    Director do Programa Gulbenkian Educao para a Cultura (desde 2008),

    na Fundao Calouste Gulbenkian. investigador do Instituto de

    Etnomusicologia-Centro de Estudos de Msica e Dana (INET-MD).

    Como musiclogo, autor de diversos estudos sobre Histria da

    Msica Portuguesa, dois dos quais receberam o Prmio de Ensasmo

    Musical do Conselho Portugus da Msica (1984 e 1992), bem como de

    largo nmero de artigos cientficos publicados em revistas e obras

    coletivas especializadas, e exerce uma atividade intensa como

    conferencista, no plano nacional como em vrios pases da Europa, nos

    Estados Unidos e no Brasil. Os seus temas de investigao incluem a

    problemtica do maneirismo e do barroco na msica ibrica e os

    processos de interpenetrao cultural na msica portuguesa, do vilancico

    modinha e ao fado. Tem tido tambm uma interveno ativa regular no

    campo da reflexo sobre Polticas Culturais, tanto por escrito como pela

    participao em aces de debate e formao avanada neste domnio.

    Como crtico e colunista musical, colaborou nos semanrios

    Expresso e O Independente. colaborador regular da Antena Dois da

    Radiodifuso Portuguesa, para a qual foi autor, entre outros, dos

    programas Sons Intemporais e Ressonncias (com Vanda de S), e

    atualmente do programa Matrizes. Foi consultor musical da Comisso

    Nacional para as Comemoraes dos Descobrimentos Portugueses, da

    Rgie Cooperativa Sinfonia e da Fundao de Serralves. De Novembro de

    1991 a Junho de 1992 foi responsvel pela conceo do projeto artstico

    do Centro de Espetculos do Centro Cultural de Belm. Entre 2005 e 2007

    desempenhou as funes de Secretrio de Estado da Cultura no XIII

    Governo Provisrio. presentemente vogal da Comisso Nacional para as

    Comemoraes do Centenrio da Repblica e do Conselho Nacional de

    Cultura.

  • Foi-lhe concedida em 2004 pelo Presidente da Repblica a

    Comenda da Ordem do Infante D. Henrique por servios prestados ao

    estudo da Cultura portuguesa. Acadmico Correspondente da Academia

    Portuguesa da Histria.

    1- Como surgiu a ideia da candidatura do Fado a Patrimnio Imaterial da

    Humanidade?

    A inteno de promover a candidatura foi anunciada pelo Presidente da

    Cmara de Lisboa, Pedro Santana Lopes, logo no incio de 2004, aps a

    aprovao pela UNESCO da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio

    Cultural Imaterial da Humanidade. Era apenas uma inteno, porque a

    Conveno ainda no estava em vigor e Portugal ainda no a tinha subscrito

    nem transposto as suas disposies para a legislao portuguesa, o que s

    veio a suceder em 2009. Logo em 2005, no entanto, j na presidncia de

    Antnio Pedro Carmona Rodrigues, foi assinado entre a Cmara um

    protocolo com o Instituto de Etnomusicologia para a preparao da

    candidatura e nomeada a Comisso Cientfica que ficou responsvel pelo

    processo (Rui Vieira Nery, Presidente; Salwa Castelo Branco, Directora do

    Instituto de Etnomusicologia; Sara Pereira, Directora do Museu do Fado). A

    candidatura foi entregue em 2010 e aprovada por unanimidade a 27 de

    Novembro de 2011.

    2 Em que medida o filme Fados de Carlos Saura favoreceu a

    candidatura do fado a patrimnio imaterial da humanidade.

    O filme fados de Carlos Saura, no foi parte integrante da candidatura

    mas constituiu um antecedente importante para a sua fundamentao,

    dado que se tratou de um filme com grande divulgao internacional, que

    circula desde a sua estreia em muitos dos principais festivais de Cinema

    mundiais, atraindo por isso uma ateno reforada para o gnero. Alm

    disso o filme ganhou o prmio Goya da Academia Espanhola de Cinema

    para a Melhor Cano Original (Fado da Saudade, com a msica

    tradicional do Fado Menor com Versculo e poema de Fernando Pinto do

    Amaral, cantado por Carlos do Carmo), o que tambm constituiu um factor

    relevante de divulgao.

    3- Como que a candidatura contribuiu e contribui para a divulgao e

    preservao do Fado?

    A candidatura mobilizou, no plano interno, os cidados em geral e a

    comunidade do Fado em particular em torno da causa do Fado, marcando

    o fim da polmica tradicional em torno da legitimidade esttica e poltica

    do gnero. Promoveu, por outro lado, um processo de recolha de

    informao, inventariao de fontes, estudo e edio sobre o Fado e a sua

    Histria sem precedentes, permitindo assim um muito maior

    conhecimento sobre a sua origem e evoluo. E por ltimo garantiu uma

    divulgao alargada do Fado a nvel mundial pela ateno e a credibilidade

    que a UNESCO e a Lista Representativa do Patrimnio Cultural Imaterial da

    Humanidade despertam em todo o Mundo. Portanto indiscutvel que

    contribui para a divulgao e a preservao do gnero.

    4 - Qual a origem do Fado? Que influncias sofreu ao longo dos tempos?

    uma pergunta demasiado complexa para poder ser resumida numa

    resposta breve de questionrio. Sugiro-lhe a consulta dos meus trabalhos

    Para uma Histria do Fado (Lisboa: Pblico/Corda Seca, 2004; 2 edio

  • Lisboa: Imprensa-Nacional/Casa da Moeda, 2012) e Fado, artigo na

    Enciclopdia da Msica em Portugal no Sculo XX (Lisboa: Crculo de

    Leitores, 2010).

    5 Enquanto especialista e estudioso do Fado, podemos afirmar que o

    fado tradicional deu lugar ao fado moderno com outras roupagens?

    Todo o Fado sempre tradicional, porque se insere numa linha contnua

    de evoluo, e moderno, porque em cada momento histrico assume

    contornos caractersticos do contexto em que se insere. O fado moderno

    no seno o captulo actual do fado tradicional, como sempre sucedeu

    em cada poca da histria do gnero, desde os primeiros indcios que

    temos da sua prtica em Portugal, nas dcadas de 1820 e 30.

    6 Os mais puristas do fado consideram que estamos a assistir ao

    desvirtuamento do fado. Concorda?

    Cada vez que o Fado foi sendo marcado pelas etapas sucessivas da sua

    evoluo interna houve quem considerasse que a nova etapa j

    correspondia a um desvirtuamento no gnero. J sucedeu isso com os

    fados de Alfredo Marceneiro e Joaquim Campos nas dcadas d 1920/30,

    com os de Frederico Valrio nos anos 40/50 e com os de Alain Oulman nas

    dcadas de 60/70. Um gnero musical um processo vivo em permanente

    mudana e s se desvirtua se estagnar. Em cada fase h, obviamente, fados

    e fadistas maus e fados e fadistas bons.

    7 Como estudioso do fado a edio As biografias do Fado apoiada

    pelo Museu do Fado so um repositrio significativo da histria do fado?

    As Biografias do Fado so apenas uma das vrias linhas de edio

    promovidas pelo Museu do Fado e pelo Plano de Salvaguarda da

    candidatura UNESCO, que est em curso at ao final de 2013. Todas elas,

    no seu conjunto, constituem um importante contributo para o

    enriquecimento da bibliografia sobre o gnero, quer pelo aparecimento de

    novos trabalhos quer pela reedio de estudos h muito esgotados no

    mercado.

    8 Com a classificao obtida na UNESCO o fado despertar o interesse

    de novos intrpretes e a escrita de novos poetas?

    A vitria na UNESCO tem um efeito geral de prestgio e divulgao para o

    Fado, mas no penso que tenha um impacte directo no nmero de novos

    intrpretes, compositores ou poetas. Esse crescimento acontece pela

    prpria dinmica interna do Fado.

    9 Como poderemos conciliar a diversidade dos pblicos apreciadores de

    fado com a tradio do fado.

    No existe UMA tradio do Fado, existe um processo evolutivo em que

    sempre se integram pblicos diferentes, com formaes culturais e gostos

    distintos, uns mais populares, outros mais eruditos. Todos eles tm lugar,

    como sempre tiveram, no espectro mais amplo da prtica do gnero.

    10 Como cicerone o que destacaria numa visita guiada ao Museu do Fado?

    Gosto em particular dos dois grandes painis de fotografias, nos dois

    andares do mezzanine, e de tentar identificar todos os rostos dos

  • protagonistas do Fado ali retratados, e tambm dos postos interactivos que

    permitem obter informao adicional consoante os interesses diversos dos

    visitantes. E depois h peas individuais que so emblemticas, claro,

    como O Fado do Malhoa, a sua releitura pelo Joo Vieira, ou a maquete da

    Casa da Mariquinhas feita por Alfredo Marceneiro.

    Carlos Cruchinho: Correio electrnico: [email protected]