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8/4/2019 Entrevista - Serginho Com Rusen
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Revista de Teoria da Histria Ano 2, Nmero 4, dezembro/ 2010 Universidade Federal de GoisISSN: 2175-5892
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ENTREVISTA COM O PROF. DR. JRN RSEN REALIZADA NOKULTURWISSENSCHAFTLISCHES INSTITUT-NRW, ESSEN, ALEMANHA EM 20.2.2008,CONDUZIDA PELO PROF. DR. LUIZ SRGIO DUARTE DA SILVA/ UFG.
E-mail: [email protected]
Duarte: O senhor poderia, por favor, fazer um balano do trabalho do Centro de
Investigao Interdisciplinar de Bielefeld, no final dos anos 80 e incio dos anos 90?
Rsen: Eu s posso falar sobre o tempo durante o qual eu estava ainda na
Comisso Executiva do Centro de Investigao Interdisciplinar (ZfIF). No pode haver uma
sntese do contedo, porque as questes no tema de recurso ZfIF esto constantemente
mudando e so muitas as diferentes reas da cincia com as quais ele se ocupa. Quando se
fala de um balano, ento podemos realmente dizer: tratava-se de encontrar um foco
temtico para tornar interessantes e inovadoras as constelaes de disciplinas. Devem ser
temas de fcil sobreposio. Essa a natureza do ZfIF que totalmente aberta a todas as
disciplinas. E no momento em que eu estava l na Comisso Executiva, estivemos
envolvidos com diferentes grupos de pesquisa. Eu mesmo por um ano dirigi um grupo de
pesquisa sobre o tema: o sentido histrico da educao, com psiclogos, historiadores,
historiadores da arte, filsofos, etnlogos, estudiosos do islamismo e sinlogos. Este um
exemplo de uma pesquisa sofisticada na ZIF. L voc tambm pode organizar de alguma
forma, pequenas reunies ou grupos de conferncia. Assim, tivemos no momento em que
eu estive l, fizemos uma seqncia de reunies menores, que no seu conjunto produziu
uma "histria do pensamento histrico moderno" que depois foi publicada em cinco
volumes.
Duarte: O que pesquisa interdiciplinar?
Rsen: O trabalho interdisciplinar vem depois que certas questes so tratadas
por vrias disciplinas. O que se quer evitar uma viso unilateral. Tomemos, por exemplo,
"a teoria da narrativa" ou o tema de "a narrao. Se algum quiser estud-los seriamente,
ento voc precisa de linguistas, literatos, historiadores, psiclogos, socilogos,antroplogos e filsofos. Somente quando essas diferentes disciplinas em conjunto
produzirem uma leitura do problema a partir de um dilogo produtivo surgir o trabalho
interdisciplinar.
Duarte: A respeito da pesquisa sobre narrativa, O Sr. trabalhou durante um bom
tempo com Baumgartner e com ele produziu uma teoria da narrativa articulada teoria da
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histria. Ele morreu muito jovem, certo?
Rsen: No, no muito jovem. Michael Baumgartner na verdade um filsofo, um
discpulo de Hermann Krings. Ele escreveu sua Habilitao sobre "Continuidade e
Histria". Nesse texto ele mostra que o pensamento histrico sempre determinado por
representaes sobre um contexto trans-temporal, que pode ser chamado de continuidade.
Ele deixou claro que a idia de continuidade cria uma estrutura narrativa. Sem recorrer
estrutura narrativa, no se pode compreender o que histria. o que eu aprendi com
ele. Isso era novo para mim. Eu fiz um doutorado sobre Droysen e eu era muito tradicional
na teoria da histria, ou seja, trabalhei com os clssicos, com Hegel, com os neo-
kantianos, me ocupei com Max Weber e a teoria da historicidade. O pensamento histrico
tem uma estrutura narrativa, e s pode ser realizado atravs desta estrutura, disso eu no
sabia e isso aprendi com Hans Michael Baumgartner.Duarte: A narrativa um tipo de explicao?
Rsen: Sim.
Duarte: O Sr. poderia ser mais especfico sobre isso?
Rsen: Esta tese defendida por Arthur Danto, em "Filosofia Analtica da Histria".
L ele demonstrou brilhantemente que narrar uma histria, um processo de explicao
e que esse modo de explicao possui uma lgica diferente daquelas que se referem s
intenes ou leis gerais.
Duarte: Danto ampliou o conceito de cincia. Ento, o senhor acha que devemos
integrar o conceito de interpretao na teoria da cincia. O que o senhor pensa sobre
isso?
Rsen: A filosofia da histria de Danto foi um passo crucial para pensar a
particularidade do pensamento histrico. As tentativas de explicar o pensamento histrico
segundo modelos de racionalidade de outras cincias falha. Se voc enxerga narrativa
como explicao, como um ato racional e no reduz explicao e produo da verdade aos
procedimentos nomotticos, ento, o conceito de cincia tem que incorporar as "cincias
do espirito". Em ingls o termo "cincia" tem um significado muito mais estreito.
Infelizmente, porm, essa descoberta da estrutura narrativa por Danto na teoria da
histria levou a um mal-entendido sobre a questo de racionalidade e da cientificidade da
histria. A produo historiogrfica considerada a partir de sua estrutura narrativa
passou a ser entendida exclusivamente como objeto literrio, potico no sentido de
doao de sentido e no como ato de explicao, com sua racionalidade prpria. Esse o
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caminho que liga Arthur Danto e Hayden White. Nesse percurso a racionalidade prpria,
o carter retrico da histria, foi perdida.
Duarte: Ento esse o significado da matriz do pensamento histrico moderno,
precisamos olhar para ele sistematicamente. No s a partir de uma esttica ou de uma
epistemologia, de uma metodologia ou uma tica, mas levando em considerao todos os
seus ngulos.
Rsen: Sim. Voc tem que enxergar a complexidade do tema e abord-lo analtica e
estruturalmente. A teoria da histria nos ltimos cinquenta anos passou de uma situao
cuja nfase estava em tentar comprovar sua racionalidade e objetividade para uma outra
situao que lhe nega qualquer uma dessas caractersticas. A virada para a narrativa fez
com que perguntas sobre mtodo, validade, autenticidade, funcionalidade e objetividade
fossem esquecidas. E isso lamentvel.Duarte: A partir das Cincias da cultura, como encarar a diferena entre
explicao e compreenso?
Rsen:A diferena entre explicao e compreenso se fez no sculo XIX e tem sido
desenvolvida para diferenciar a singularidade do pensamento histrico do pensamento da
cincia. Quem se tornou famoso com essa diferena foi Wilhelm Dilthey, mas o primeiro
que formulou essa questo epistemolgica foi Johann Gustav Droysen. O problema com
esta distino que ela entende explicao e compreenso como opostos, e isso um
erro. A compreenso uma forma de explicao. No h compreenso que no explique.
Assim, o termo mais geral explicao. Explicar a resposta a uma pergunta sobre o por
que. Primeiro vem uma pergunta sobre por que algo foi feito e depois vem a resposta,
uma explicao.
E se a minha pergunta se dirige para sujeitos e suas aes, para pessoas e suas
vidas, s contextualmente posso entender consentimentos e sofrimentos. Eu s posso
explicar compreendendo esses contextos. Se eu no proceder assim perderei o que
decisivo e constituinte da vida humana: explicamos compreendendo. Em outras palavras,
no campo dos estudos culturais, ento, as perguntas so respondidas por recurso
sistemtico aos contextos em que as pessoas vivem, sofrem e agem.
Duarte: O que didtica da histria?
Rsen: Didtica da histria a cincia do ensino da histria.
Duarte: Quando o senhor escreveu sobre ensino de histria, no tinha apenas a
ver com a tcnica de ensino, mas tambm colocou a questo da funo do pensamento
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histrico na modernidade...
Rsen: Nossa didtica da histria o campo do ensino acadmico ou a instituio
acadmica que se dedica aos problemas nascidos das necessidades, experincias e
competncias daqueles que esto dispostos a dar aulas de histria. Portanto, h uma
didtica da histria porque h ensino de histria. O decisivo a formao da conscincia
histrica na sociedade contempornea. A didtica da histria trata de todas as formas da
conscincia histrica e, em especial, daquelas formas que se desenvolvem atravs de
processos formais de ensino-aprendizagem. Mas isso completamente diferente do
comum entendimento de didtica da histria como a disciplina da intermediao ou
transmisso da histria. O erro est em pensar que exista algo chamado histria e outra
coisa que seria a sua transmisso ou comunicao. O aprendizado da histria acontece
em todo lugar, na mdia, nos museus, na cultura popular. A categoria central conscinciahistrica e no transmisso histrica. A conscincia histrica no pode ser transmitida ela
s pode ser formada, cultivada.
Duarte: H ento um problema de comunicao intercultural, porque h muitos
tipos de conscincia histrica...
Rsen: Isso nos leva ao problema da experincia e da aprendizagem. Um exemplo:
na dcada de 70, chegou Alemanha a histria das mulheres. Ela chega cheia de
eurocentrismo. No se sabia nada sobre mulheres chinesas, indianas muulmanas. Mas a
pesquisa tinha um carter intercultural no sentido de que uma cultura masculina,
patriarcal, machista, uma forma do pensamento histrico foi confrontada. Isso
interculturalidade. H outras: catlicos e protestantes, cristos e muulmanos. Na dcada
de 50, quando eu estava na escola me sentia um peixe fora d'gua sendo um aluno
protestante em uma regio catlica. Era uma cultura diferente. A magnitude da
experincia dessas diferenas se amplia no mundo globalizado. Esto em contato cada vez
mais lgicas distintas de aprendizagem histrica. A conscincia histrica o lugar onde os
indivduos e os grupos so formados em torno de coisas como as idias de pertencimento
ou o que chamamos de identidade. E isso significa que, a adeso a uma posio implica
uma maior diferenciao diante das demais. As opes so limitadas. Sem esses limites as
pessoas no podem viver culturalmente. Diferenas o que produzimos. Mas no s o
que produzimos. A aprendizagem intercultural se d quando essas diferenas se
constroem de modo que a alteridade do outro no naturalizada e reconhecida enquanto
tal. Sobre isso mais um exemplo: na Europa, tem sido a forma dominante de aprendizagem
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histrica a noo de pertencimento nacional. Com o processo de integrao europia os
currculos do ensino de histria e os livros de histria esto sendo europeizados. Mais que
isso, devemos superar tambm o eurocentrismo e caminhar em direo a um
universalismo humanista. E isso no se faz sem teoria da histria.
Duarte: Por qu?
Rsen: Bem, por que precisamos de uma clara concepo terica de humanidade
como categoria histrica. E ns no temos. Na origem do pensamento histrico moderno,
no final do sculo XVIII e inicio do XIX havia uma categoria histrica da humanidade
formulada por Herder, Kant, Humboldt, e certamente no Iluminismo Francs e Ingls. Isso
foi perdido ao longo da racionalizao do pensamento histrico, no sculo 19. E agora
temos de trabalhar duro novamente. Ns no podemos simplesmente voltar para a idia
clssica da histria universal assim como exposta por Kant no texto "Idia de umaHistria Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita". Temos de pensar em termos
comunicativos, relacionais e discursivos. Dever ser um ato comunicativo entre
representantes de diferentes tradies. Assim, por exemplo, entre Brasil e Alemanha, entre
os chineses e indianos, entre japoneses e africanos, etc, etc. O trabalho principal ainda
no est feito.
Duarte: Qual seria um bom relacionamento entre a sociedade civil e a religio?
Entre filosofia e religio? O que significa preservar um espao para o impensvel?
Rsen: Essas so trs questes muito diferentes. O impensvel um problema
filosfico de extrema dificuldade. De novo um exemplo para ajudar. Em Cincia como
vocao Max Weber levantou a questo sobre de onde provm o progresso cientfico. A
sua resposta : ele no vem das regulamentaes metodolgicas dos processos de
investigao, mas dependem de intuio, imaginao, iluminaes, idias repentinas. Esses
verdadeiros acidentes ocorrem em um domnio que est alm do pensamento e do
conhecimento. Esse o sentido do impensvel. Se pode elaborar melhor essa idia com a
ajuda da filosofia da histria e da teoria do conhecimento. Mais isso demoraria muito e
muito complicado. Em qualquer que seja a histria o sentido se mostra dependente de
domnios no acessveis a ele, sentido. Essa intensividade, essa realidade ltima to
prxima e to distante, ao mesmo tempo, impensvel e isso um problema fundamental
da filosofia da histria.
Sobre o tema da relao entre sociedade civil e a religio, vou apenas dizer que a
vida de uma sociedade secular moderna civil uma conquista histrica mundial de
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importncia nica. a nica forma de vida social que permite a convivncia pacfica de
diferentes religies. O secularismo a condio para a liberdade religiosa. A questo se
a sociedade civil necessita de elementos religiosos para sua manuteno. A maioria da
intelectualidade expressa a opinio de que o secularismo pode viver por si mesmo. Quanto
a isso sou ctico. O certo que aps sculos de sangrentas guerras religiosas descobrimos
o valor da tolerncia e do espao pblico no religiosamente controlado. Samos de
universalismo excludente mas temos dificuldades com formos inclusivas dele. Construir
identidades e comunidades inclusivas, eis a tarefa. Infelizmente o que assistimos hoje
exatamente o contrrio. Por todos os lados o que temos so as variadas formas do
fundamentalismo.
Duarte: Rsen, o senhor descreveria os ltimos 20 anos de histria alem a partir
da categoria de perda de paradigmas?Rsen:Acho uma boa categoria. Ser que assistimos uma mudana de paradigma?
Fala-se de uma virada cultural e antropolgica. Mas isso um paradigma? Acho que no.
Paradigmas so a histria social ou historicismo clssico do XIX. Mas poderamos pensar
no significado paradigmtico da pluralidade e da diversidade. Mas podemos avanar ainda
mais e pensar sobre onde estariam as questes realmente relevantes para o nosso tempo.
a que aparece a relevncia da histria global de Jrgen Osterhammel.
Duarte: depois de seus estudos sobre a Historikde Droysen e da montagem da sua
prpria teoria da histria o Sr. passou a estudar as diferentes idias de tempo de
desenvolvidas pelas diferentes culturas.
Rsen: Falaremos sobre o projeto do humanismo?
Duarte: sim.
Rsen: O projeto do humanismo no um projeto histrico. Tem uma perspectiva
histrica, mas tambm filosfico, poltico, psicolgico. decididamente interdisciplinar.
A componente histrica , certamente, forte. Eu diria que uma tentativa de seguir este
caminho sugerido de uma nova perspectivizao do pensamento histrico a promover
novos conceitos de histria universal. Queremos submeter a uma reviso a tradio do
humanismo ocidental. A partir de uma perspectiva comunicativa desejamos colocar em
contato as diversas tradies humanistas. Cruzamentos proporcionados, semelhanas
localizadas: esse trabalho uma resposta aos problemas produzidos pela globalizao. De
uma perspectiva ocidental a idia de tempo axial de Jaspers uma referncia de
pluralismo que se apega tambm proposta de uma histria universal, nica, global.
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Devemos resgatar a conscincia da nossa igualdade original que se esconde atrs das
lnguas, das tradies. As diferenas nascem de qualidades que so comuns a todos os
seres humanos. E isso pode ser mobilizado para produzir uma nona conscincia de nossa
comunidade.
Traduo: Daniele Maia TiagoReviso: Luiz Srgio Duarte da Silva