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POL ÍTICA ESTADO DE MINAS D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2 5 TORTURA PSICOLÓGICA “Tinha muito esquema de tortura psicológica, ameaças. Eles interrogavam assim: ‘Me dá o contato da organização com a polícia?’ Eles queriam o concreto. ‘Você fica aqui pensando, daqui a pouco eu voltou e vamos começar uma sessão de tortura.’ A pior coisa é esperar por tortura.” AMEAÇAS “Depois (vinham) as ameaças: ‘Eu vou esquecer a mão em você. Você vai ficar deformada e ninguém vai te querer. Ninguém vai saber que você está aqui. Você vai virar um ‘presunto’ e ninguém vai saber’. Em São Paulo me ameaçaram de fuzilamento e fizeram a encenação. Em Minas não lembro, pois os lugares se confundem um pouco.” SEQUELAS “Acho que nenhum de nós consegue explicar a sequela: a gente sempre vai ser diferente. No caso específico da época, acho que ajudou o fato de sermos mais novos; agora, ser mais novo tem uma desvantagem: o impacto é muito grande. Mesmo que a gente consiga suportar a vida melhor quando se é jovem, fisicamente, a médio prazo, o efeito na gente é maior por sermos mais jovens. Quando se tem 20 anos o efeito é mais profundo, no entanto, é mais fácil aguentar no imediato.” SOZINHA NA CELA “Dentro da Barão de Mesquita (RJ), ninguém via ninguém. Havia um buraquinho na porta, por onde se acendia cigarro. Na Oban (Operação Bandeirantes), as mulheres ficavam junto às celas de tortura. Em Minas sempre ficava sozinha, exceto quando fui a julgamento, quando fiquei com a Terezinha. Na ida e na vinda todas as mulheres presas no Tiradentes sabiam que eu estava presa: por exemplo, Maria Celeste Martins e Idoina de Souza Rangel, de São Paulo.” VISITA DA MÃE “Em Minas, estava sozinha. Não via gente. (A solidão) era parte integrante da tortura. Mas a minha mãe me visitava às vezes, porém, não nos piores momentos. Minha mãe sabia que estava presa, mas eles não a deixavam me ver. Mas a doutora Rosa Maria Cardoso da Cunha, advogada, me viu em São Paulo, logo após a minha chegada de Minas. Hoje ela mora no Rio e posso contatá-la ” CENA DA BOMBA “Em Minas, fiquei só com a Terezinha. Uma bomba foi jogada na nossa cela. Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora (nunca me levaram para BH). Quando voltei para o julgamento, me colocaram numa cela, na 4ª Cia. de Polícia do Exército, 4ª Região Militar, lá apareceu outra vez o Dops que me interrogava. Mas foi um interrogatório bem mais leve. Fiquei esperando o julgamento lá dentro.” FRIO DE CÃO “Um dia, a gente estava nessa cela, sem vidro. Um frio de cão. Eis que entra uma bomba de gás lacrimogênio, pois estavam treinando lá fora. Eu e Terezinha ficamos queimadas nas mucosas e fomos para o hospital. Tive o ‘prazer’ de conhecer o comandante general Sílvio Frota, que posteriormente me colocaria na lista dos infiltrados no poder público, me levando a perder o emprego.” MOTIVOS “Quando eu tinha hemorragia, na primeira vez foi na Oban (…) foi uma hemorragia de útero. Me deram uma injeção e disseram para não bater naquele dia. Em Minas, quando comecei a ter hemorragia, chamaram alguém que me deu comprimido e depois injeção. Mas me davam choque elétrico e depois paravam. Acho que tem registros disso no final da minha prisão, pois fiz um tratamento no Hospital das Clínicas.” MORTE E SOLIDÃO “Fiquei presa três anos. O estresse é feroz, inimaginável. Descobri, pela primeira vez, que estava sozinha. Encarei a morte e a solidão. Lembro-me do medo quando minha pele tremeu. Tem um lado que marca a gente o resto da vida.” MARCAS DA TORTURA “As marcas da tortura sou eu. Fazem parte de mim.” Reportagem do EM que noticiou o julgamento em Juiz de Fora (Dilma aparece no banco dos réus, no alto à direita) ARTE: JANEY COSTA General Sílvio Frota, que pôs Dilma na lista de infiltrados no poder público Hospital das Clínicas, em Belo Horizonte, onde ela passou por tratamento para conter hemorragia Presídio Tiradentes, em São Paulo, um dos cenários do horror vivido por Dilma MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS - REPRODUÇÃO ARQUIVO EM/D.A PRESS - 15/7/76 BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS - 3/6/11

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POLÍTICA

E S T A D O D E M I N A S ● D O M I N G O , 1 7 D E J U N H O D E 2 0 1 2

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TORTURA PSICOLÓGICA“Tinha muito esquema de torturapsicológica, ameaças. Eles interrogavamassim: ‘Me dá o contato da organizaçãocom a polícia?’ Eles queriam o concreto.‘Você fica aqui pensando, daqui a poucoeu voltou e vamos começar uma sessãode tortura.’ A pior coisa é esperar portortura.”

AMEAÇAS“Depois (vinham) as ameaças: ‘Eu vouesquecer a mão em você. Você vai ficardeformada e ninguém vai te querer.Ninguém vai saber que você está aqui.Você vai virar um ‘presunto’ e ninguémvai saber’. Em São Paulo me ameaçaramde fuzilamento e fizeram a encenação.Em Minas não lembro, pois os lugaresse confundem um pouco.”

SEQUELAS“Acho que nenhum de nós consegueexplicar a sequela: a gente sempre vaiser diferente. No caso específico daépoca, acho que ajudou o fato desermos mais novos; agora, ser maisnovo tem uma desvantagem: oimpacto é muito grande. Mesmo que agente consiga suportar a vida melhorquando se é jovem, fisicamente, amédio prazo, o efeito na gente é maiorpor sermos mais jovens. Quando se tem20 anos o efeito é mais profundo, noentanto, é mais fácil aguentar noimediato.”

SOZINHA NA CELA“Dentro da Barão de Mesquita (RJ),ninguém via ninguém. Havia umburaquinho na porta, por onde seacendia cigarro. Na Oban (OperaçãoBandeirantes), as mulheres ficavamjunto às celas de tortura. Em Minassempre ficava sozinha, exceto quandofui a julgamento, quando fiquei com aTerezinha. Na ida e na vinda todas asmulheres presas no Tiradentes sabiamque eu estava presa: por exemplo,Maria Celeste Martins e Idoina de SouzaRangel, de São Paulo.”

VISITA DA MÃE“Em Minas, estava sozinha. Não viagente. (A solidão) era parte integranteda tortura. Mas a minha mãe mevisitava às vezes, porém, não nos pioresmomentos. Minha mãe sabia queestava presa, mas eles não a deixavamme ver. Mas a doutora Rosa MariaCardoso da Cunha, advogada, me viuem São Paulo, logo após a minhachegada de Minas. Hoje ela mora no Rioe posso contatá-la ”

CENA DA BOMBA“Em Minas, fiquei só com a Terezinha.Uma bomba foi jogada na nossa cela.Voltei em janeiro de 72 para Juiz de Fora(nunca me levaram para BH). Quandovoltei para o julgamento, me colocaramnuma cela, na 4ª Cia. de Polícia doExército, 4ª Região Militar, lá apareceuoutra vez o Dops que me interrogava.Mas foi um interrogatório bem maisleve. Fiquei esperando o julgamento ládentro.”

FRIO DE CÃO“Um dia, a gente estava nessa cela, semvidro. Um frio de cão. Eis que entra umabomba de gás lacrimogênio, poisestavam treinando lá fora. Eu eTerezinha ficamos queimadas nasmucosas e fomos para o hospital. Tive o‘prazer’ de conhecer o comandantegeneral Sílvio Frota, queposteriormente me colocaria na listados infiltrados no poder público, melevando a perder o emprego.”

MOTIVOS“Quando eu tinha hemorragia, naprimeira vez foi na Oban (…) foi umahemorragia de útero. Me deram umainjeção e disseram para não baternaquele dia. Em Minas, quandocomecei a ter hemorragia, chamaramalguém que me deu comprimido edepois injeção. Mas me davam choqueelétrico e depois paravam. Acho quetem registros disso no final da minhaprisão, pois fiz um tratamento noHospital das Clínicas.”

MORTE E SOLIDÃO“Fiquei presa três anos. O estresse éferoz, inimaginável. Descobri, pelaprimeira vez, que estava sozinha.Encarei a morte e a solidão. Lembro-medo medo quando minha pele tremeu.Tem um lado que marca a gente o restoda vida.”

MARCAS DA TORTURA“As marcas da tortura sou eu. Fazemparte de mim.”

Reportagem do EM quenoticiou o julgamento emJuiz de Fora (Dilmaaparece no banco dosréus, no alto à direita)

ARTE

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EYCO

STA

General Sílvio Frota,que pôs Dilma nalista de infiltradosno poder público

Hospital das Clínicas, emBelo Horizonte, onde elapassou por tratamentopara conter hemorragia

Presídio Tiradentes,em São Paulo, umdos cenários dohorror vividopor Dilma

MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS - REPRODUÇÃO

ARQUIVO EM/D.A PRESS - 15/7/76

BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS - 3/6/11