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ESTADO DE MINAS S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2 POL ÍTICA EDITOR: Baptista Chagas de Almeida EDITOR-ASSISTENTE: Renato Scapolatempore E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5293 3 LEIA MAIS SOBRE TORTURA NO REGIME MILITAR PÁGINA 4 SAIBA MAIS TRIBUNAL DE NUREMBERG ARQUIVO/EM - 3/4/46 Ao se referir ao julgamento de Nuremberg, a presidente Dilma Rousseff lembrou o tribunal militar criado depois da 2ª Guerra Mundial. Com o fim do conflito, em 1945, representantes dos países vencedores – Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética – se reuniram no mesmo ano para discutir como seriam punidos os responsáveis pelos crimes de guerra cometidos durante o regime nazista. Ficou decidido que seria aberto um tribunal militar com atuação de juízes e promotores públicos dos países vitoriosos e a cidade escolhida para receber o julgamento foi Nuremberg, na Alemanha, mesmo local onde, 10 anos antes, foram criadas as leis arianas que defendiam a raça alemã como superior. Durante o julgamento, o argumento de que os réus teriam cometido tais crimes apenas cumprindo ordens superiores e por isso não deveriam ser responsabilizados foi muito usado pelos advogados de defesa. Mas, na maioria dos casos, a justificativa foi descartada. O tribunal durou 285 dias e 24 réus foram julgados e 12 pegaram a pena máxima, sendo condenados à morte por enforcamento, entre eles o braço direito de Adolf Hitler, H He er rm ma an nn n G Go oe er ri in ng g, que se suicidou na prisão antes de ser executado. Presidente comenta reportagens do EM sobre a tortura a que foi submetida durante a ditadura e afirma que todos têm o compromisso de “não deixar jamais isso acontecer” Dilma pede fim dos “depoimentos difíceis” ENTENDA O CASO O Estado de Minas iniciou domingo uma série de reportagens em que revela com exclusividade documentos, até então inéditos, que comprovam que a presidente Dilma Rousseff foi torturada nos porões da ditadura em Juiz de Fora (MG) e não apenas em São Paulo e no Rio de Janeiro, como se pensava. Os documentos reproduzem o depoimento pessoal de Dilma dado em outubro de 2001, no qual ela relata com detalhes todo o sofrimento vivido em Minas como militante política de codinome Estela. A série de reportagens, que teve repercussão na imprensa internacional, levou a Comissão da Verdade a mobilizar um grupo de historiadores de Minas para analisar o testemunho. DENISE ROTHENBURG E GABRIEL MASCARENHAS Enviados especiais Rio de Janeiro – Ao comen- tar a reportagem do Estado de Minas sobre a tortura que so- freu em Juiz de Fora (MG) no período da ditadura militar, a presidente Dilma Rousseff aproveitou para pregar o fim da tortura policial ainda exis- tente no Brasil: “Venho dando depoimentos ao longo da mi- nha vida. Alguns te asseguro muito difíceis. E este país evo- luiu muito. E tem que evoluir mais, porque os depoimentos difíceis têm que ser eliminados em todas as esferas, inclusive na atividade da polícia, em ge- ral”, disse a presidente. A defesa abriu uma longa declaração de Dilma sobre a tortura e o depoimento ao Conselho de Defesa dos Direi- tos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), publicado no domingo com exclusividade pelo EM. Ao falar desse assun- to, a maneira incisiva com que ela se pronuncia sobre vários temas dá lugar à emoção e a um tom mais pessoal: “Eu acre- dito, vou te dizer assim com sinceridade: eu entendo o inte- resse de vocês, sou presidente e, afinal de contas, vocês quere- rem saber o que aconteceu co- migo. É um interesse legítimo. Agora, em geral, posso lhes di- zer o seguinte: algumas das fi- guras que me torturaram não tinham nomes verdadeiros. Há, vamos dizer, elocubrações”, disse a presidente. Nesse momento, ela passa a falar o que quer ver como foco ao longo do período em que o país conviverá com a Comissão da Verdade. “A questão não é o torturador. É a tortura. O tortu- rador é um agente, mesmo ele tendo a sua responsabilidade reconhecida depois do que aconteceu no julgamento dos que estiveram em Nuremberg”, disse Dilma referindo-se ao tri- bunal que condenou nazistas depois da Segunda Guerra Mundial. Lá foi aprovado que, mesmo cumprindo ordens, o torturador é responsável. Dilma disse, porém, não achar que o torturador seja o problema. “O problema é em que condições a tortura é esta- belecida e operada. E isso todos sabemos em que condições foi. Ninguém aqui desconhece o que aconteceu neste país num determinado período de sua história. E todos nós, eu tenho certeza, que estamos aqui nes- ta sala, temos o compromisso de não deixar jamais isso acon- tecer”, afirmou. Foi o momento mais pes- soal da entrevista, em que o estereótipo da Dilma durona se esvai. “E eu te digo: com o passar dos anos, uma das me- lhores coisas que me aconte- ceram foi não me fixar nas pessoas (nos torturadores), nem ter por elas qualquer sen- timento. Como eu disse no meu discurso, nem ódio, nem vingança, nem tampouco per- dão. Não há sentimento que se justifique contra esse tipo de ato. Há a frieza da razão. E a frieza da razão é não esquecer e, por isso, nós criamos a Co- missão da Verdade”, comen- tou. “Se vingar, ou se magoar, ou odiar é ficar dependente de quem você quer vingar, ma- goar ou odiar. Isso não é um bom sentimento para nin- guém”, reforçou a presidente. Nesse momento, entretanto, ela recupera mais a formalidade e se refere à Comissão da Verda- de como o fórum que tem co- mo missão “virar a página des- te país”. E, assim, inspirada na Grécia, tão em voga por conta da crise econômica, ela con- cluiu: “Na Grécia, vivemos na época da Grécia, se não me en- gano, aletheia, verdade, é o con- trário de lethe, esquecimento. A verdade é esta: não se esquece, mas não se esquece do ponto de vista histórico e não do ponto de vista individual”. Vingar, ou se magoar, ou odiar é ficar dependente de quem você quer vingar, magoar ou odiar. Isso não é um bom sentimento para ninguém Presidente comenta reportagens do EM sobre a tortura a que foi submetida durante a ditadura e afirma que todos têm o compromisso de “não deixar jamais isso acontecer” EVARISTO SÁ/AFP

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E S T A D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2

POLÍTICA E D I T O R : B a p t i s t a C h a g a s d e A l m e i d a

E D I T O R - A S S I S T E N T E : R e n a t o S c a p o l a t e m p o r e

E - M A I L : p o l i t i c a . e m @ u a i . c o m . b r

T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 2 9 3

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❚ ❚LEIA MAIS SOBRE TORTURA

NO REGIME MILITARPÁGINA 4

SAIBA MAIS TRIBUNAL DE NUREMBERG

ARQUIVO/EM - 3/4/46

Ao se referir ao julgamento de Nuremberg, apresidente Dilma Rousseff lembrou otribunal militar criado depois da 2ª GuerraMundial. Com o fim do conflito, em 1945,representantes dos países vencedores –Estados Unidos, Grã-Bretanha, França eUnião Soviética – se reuniram no mesmoano para discutir como seriam punidos osresponsáveis pelos crimes de guerracometidos durante o regime nazista. Ficoudecidido que seria aberto um tribunal militarcom atuação de juízes e promotores públicosdos países vitoriosos e a cidade escolhidapara receber o julgamento foi Nuremberg, naAlemanha, mesmo local onde, 10 anos antes,foram criadas as leis arianas que defendiam araça alemã como superior. Durante ojulgamento, o argumento de que os réusteriam cometido tais crimes apenascumprindo ordens superiores e por isso nãodeveriam ser responsabilizados foi muitousado pelos advogados de defesa. Mas, namaioria dos casos, a justificativa foidescartada. O tribunal durou 285 dias e 24réus foram julgados e 12 pegaram a penamáxima, sendo condenados à morte porenforcamento, entre eles o braço direito deAdolf Hitler, HHeerrmmaannnn GGooeerriinngg, que sesuicidou na prisão antes de ser executado.

Presidente comenta reportagens do EM sobre a tortura a que foi submetida durante aditadura e afirma que todos têm o compromisso de “não deixar jamais isso acontecer”

Dilma pede fim dos“depoimentos difíceis”

ENTENDA O CASO

● O Estado de Minas inicioudomingo uma série de reportagensem que revela com exclusividadedocumentos, até então inéditos,que comprovam que a presidenteDilma Rousseff foi torturada nosporões da ditadura em Juiz de Fora(MG) e não apenas em São Paulo eno Rio de Janeiro, como sepensava. Os documentosreproduzem o depoimento pessoalde Dilma dado em outubro de2001, no qual ela relata comdetalhes todo o sofrimento vividoem Minas como militante políticade codinome Estela. A série dereportagens, que teve repercussãona imprensa internacional, levou aComissão da Verdade a mobilizarum grupo de historiadores deMinas para analisar o testemunho.

DENISE ROTHENBURG

E GABRIEL MASCARENHAS

Enviados especiais

Rio de Janeiro – Ao comen-tar a reportagem do Estado deMinas sobre a tortura que so-freu em Juiz de Fora (MG) noperíodo da ditadura militar, apresidente Dilma Rousseffaproveitou para pregar o fimda tortura policial ainda exis-tente no Brasil: “Venho dandodepoimentos ao longo da mi-nha vida. Alguns te asseguromuito difíceis. E este país evo-luiu muito. E tem que evoluirmais, porque os depoimentosdifíceis têm que ser eliminadosem todas as esferas, inclusivena atividade da polícia, em ge-ral”, disse a presidente.

A defesa abriu uma longadeclaração de Dilma sobre atortura e o depoimento aoConselho de Defesa dos Direi-tos Humanos de Minas Gerais(Conedh-MG), publicado nodomingo com exclusividadepelo EM. Ao falar desse assun-to, a maneira incisiva com queela se pronuncia sobre váriostemas dá lugar à emoção e aum tom mais pessoal: “Eu acre-dito, vou te dizer assim comsinceridade: eu entendo o inte-resse de vocês, sou presidentee, afinal de contas, vocês quere-rem saber o que aconteceu co-migo. É um interesse legítimo.Agora, em geral, posso lhes di-zer o seguinte: algumas das fi-guras que me torturaram nãotinham nomes verdadeiros.Há, vamos dizer, elocubrações”,disse a presidente.

Nesse momento, ela passa afalar o que quer ver como focoao longo do período em que opaís conviverá com a Comissãoda Verdade. “A questão não é otorturador. É a tortura. O tortu-rador é um agente, mesmo eletendo a sua responsabilidadereconhecida depois do queaconteceu no julgamento dosque estiveram em Nuremberg”,disse Dilma referindo-se ao tri-

bunal que condenou nazistasdepois da Segunda GuerraMundial. Lá foi aprovado que,mesmo cumprindo ordens, otorturador é responsável.

Dilma disse, porém, nãoachar que o torturador seja oproblema. “O problema é emque condições a tortura é esta-belecida e operada. E isso todossabemos em que condições foi.Ninguém aqui desconhece oque aconteceu neste país numdeterminado período de suahistória. E todos nós, eu tenhocerteza, que estamos aqui nes-

ta sala, temos o compromissode não deixar jamais isso acon-tecer”, afirmou.

Foi o momento mais pes-soal da entrevista, em que oestereótipo da Dilma duronase esvai. “E eu te digo: com opassar dos anos, uma das me-lhores coisas que me aconte-ceram foi não me fixar naspessoas (nos torturadores),nem ter por elas qualquer sen-timento. Como eu disse nomeu discurso, nem ódio, nemvingança, nem tampouco per-dão. Não há sentimento que se

justifique contra esse tipo deato. Há a frieza da razão. E afrieza da razão é não esquecere, por isso, nós criamos a Co-missão da Verdade”, comen-tou. “Se vingar, ou se magoar,ou odiar é ficar dependente dequem você quer vingar, ma-goar ou odiar. Isso não é umbom sentimento para nin-guém”, reforçou a presidente.

Nesse momento, entretanto,ela recupera mais a formalidadee se refere à Comissão da Verda-de como o fórum que tem co-mo missão “virar a página des-

te país”. E, assim, inspirada naGrécia, tão em voga por contada crise econômica, ela con-cluiu: “Na Grécia, vivemos naépoca da Grécia, se não me en-gano, aletheia, verdade, é o con-trário de lethe, esquecimento. Averdade é esta: não se esquece,mas não se esquece do ponto devista histórico e não do pontode vista individual”.

Vingar, ou semagoar, ou odiar éficar dependentede quem vocêquer vingar,magoar ou odiar.Isso não é umbom sentimentopara ninguém

Presidente comenta reportagens doEM sobre a tortura a que foisubmetida durante a ditadura eafirma que todos têm ocompromisso de “não deixar jamaisisso acontecer”

EVARISTO SÁ/AFP