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Entre os nomes listados pelas Nações Unidas em 1974 como vítimas da ditadura constava o de Dilma Rousseff. O então general Otávio Medeiros era citado como um dos torturadores POL ÍTICA ESTADO DE MINAS S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2 4 MARIA CLARA PRATES O advogado Genival Touri- nho, deputado cassado duran- te a ditadura militar, revelou que o então tenente-coronel Octávio Aguiar Medeiros tortu- rou presos quando estava lota- do nas dependências da 4ª Re- gião Militar, na Rua Juiz de Fo- ra, Barro Preto, Região Centro- Sul da capital. Conhecido à época apenas como Medeiros, o oficial do Exército teria sido o responsável pelo espancamen- to de vários presos políticos, durante o período de repres- são. O general, que chefiou o te- mido Serviço Nacional de In- formações (SNI), de 1978 a 1985, e ainda o Comando Mili- tar da Amazônia (CMA), tem seu nome na relação de tortu- radores do livro Brasil: tortura nunca mais. Coincidência ou não, em seu depoimento ao Conselho de Defesa dos Direi- tos Humanos de Minas Gerais (Conedh-MG), em 25 de outu- bro de 2001, a presidente Dilma Rousseff citou como um de seus torturadores em Minas um homem que atendia pela alcunha de dr. Medeiros. O general Medeiros, que dei- xou a cena nacional em 1987 ao entrar para a reserva, cruzou o caminho de Dilma ao presidir o Inquérito Policial Militar (IPM) que resultou na prisão da então militante, em 1970, no Rio de Ja- neiro. À época, o militar chefia- va o Centro de Preparação de Oficiais da Reseva (CPOR), em Belo Horizonte. Atuando em Minas, o general Medeiros ga- nhou notoriedade nacional ao conseguir pôr fim a um dos Medeiros, um nome ligado à tortura Nunca falei com ele. Mas posso atestar que ele participou de vários espancamentos na Rua Juiz de Fora Genival Tourinho, deputado cassado pela ditadura e advogado que defendeu vários presos políticos a partir de 1965, se referindo ao general Medeiros Tentativa frustrada de golpe MEMÓRIA A passagem do general Golbery do Couto e Silva (foto) por Belo Horizonte, foi motivada por uma tentativa frustrada de golpe contra o governo de Juscelino Kubitschek. Em 24 de agosto de 1954, quando Getúlio Vargas se suicidou, Golbery era adjunto do Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra (ESG). Em fevereiro de 1955, JK foi lançado pelo Partido Social Democrático (PSD) como candidato a presidente da República, tendo como vice João Goulart. O grupo militar da ESG, liderado por Golbery, não apoiou Juscelino e, quando ele foi eleito, tentaram impedir sua posse com um golpe. Suas aspirações foram barradas no Movimento de 11 de Novembro, chefiado pelo ministro da Guerra de João Café Filho, general Henrique Lott, que assegurou a posse de JK e Goulart. Em razão disso, Golbery foi preso por oito dias e depois transferido para a 4ª Divisão do Exército na capital mineira. mais aguerridos grupos de re- sistência à ditadura militar, o Comando de Libertação Nacio- nal, o Colina, ao qual a presiden- te era filiada. A perseguição a Dilma Rous- seff teria se iniciado a partir da informação de que ela planeja- va a fuga de um dos cabeças do movimento, Ângelo Pezzuti, que estava detido no Presídio de Linhares, em Juiz de Fora, Zo- na da Mata. O advogado Geni- val Tourinho, que defendeu vá- rios presos políticos a partir de 1965, contou que viu o então tenente-coronel Medeiros vá- rias vezes na sede da 4ª Divisão do Exército em Belo Horizonte. “Nunca falei com ele. Mas pos- so atestar que ele participou de vários espancamentos na Rua Juiz de Fora.” Com intensa vida política, que o levou à Câmara dos Depu- tados em 1969 e depois na legis- latura de 1974, Tourinho revela que, além do general Medeiros, o também temido general Gol- bery do Couto e Silva viveu por dois anos em Belo Horizonte, servindo também na 4ª Divisão do Exército, ainda no posto de major. Segundo o advogado, Golbery – considerado um dos ideólogos do golpe militar de 1964 que depôs o presidente João Goulart e chegou à chefia da Casa Civil no governo do ge- neral Ernesto Geisel em 1974 – não via o general Medeiros com bons olhos. O advogado lembra que Golbery, depois de deixar o governo, classificou o colega de farda como “trapalhão”, duran- te um encontro dos dois na sede do extinto Banco Cidade de São Paulo, em Brasília, às 16h. “Gol- bery queria se inteirar das cir- cunstâncias do atentado que so- fri em 1980, a 300 metros do ae- roporto de Brasília, ocorrido no dia anterior.” Tourinho teve o carro alvejado por tiros logo de- pois de denunciar envolvimen- to de oficiais do Exército em ações de extrema direita. TRAPALHADA Segundo Touri- nho, que relatou o encontro em seu livro Baioneta calada e baioneta falada, depois de ou- vir a descrição do atentado, Golbery apontou o general Me- deiros como suposto autor. “Ah, bom, eu estava meio em dúvida, porque isso não está me parecendo coisa do Pires (Leônidas Pires, ministro do Exército durante o governo Jo- sé Sarney). Está me cheirando a coisa do Medeiros... Eu não te- nho dúvida nenhuma em dizer que efetivamente isso foi tra- palhada do Medeiros”, conta o advogado em um trecho do li- vro. Antes do atentado, Genival Tourinho denunciou os gene- rais Antônio Bandeira, Milton Tavares de Souza e José Luiz Coelho como responsáveis pe- lo que chamou de Operação Cristal, que incluía uma série de atentados terroristas. De janeiro a agosto de 1980 foram registrados no país 46 atentados políticos contra ban- ca de jornais, associações civis, redações, entre outros, além do que causou a morte da funcio- nária da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio Lyda Monteiro da Silva. A denúncia de Tourinho não foi investiga- da, mas lhe rendeu um proces- so com base na Lei de Segurança Nacional, que resultou, em 1981, na sua condenação a seis meses de prisão e na cassação de direitos políticos. LEIA AMANHÃ NOVOS RELATOS SOBRE DILMA E O PERÍODO DA DITADURA ARQUIVO/CB/D.A PRESS JOSIE JERONIMO O Ministério das Relações Ex- teriores recebeu em novembro de 1974 denúncia de violação dos direitos humanos, encami- nhada pela Organização das Na- ções Unidas (ONU), relatando casos de tortura de 335 mulhe- res brasileiras, entre elas Dilma Vana Rousseff. A atual presiden- te é a 56ª mulher descrita no anexo 7 da denúncia da ONU. No documento em inglês ela é apresentada como uma “estu- dante de Minas Gerais, presa em São Paulo em 1970, condenada a 13 meses em agosto de 1971 no estado da Guanabara, bem co- mo a quatro anos pelo Segundo Tribunal Militar em São Paulo, em 18 de setembro de 1971”. Apesar de a primeira denún- cia, que chegou em setembro de 1972, relatar atrocidades come- tidas pelos militares, o governo só analisou formalmente o avi- so em maio de 1975 e decidiu ig- norar o alerta da ONU, alegando que o documento atacava a imagem de importantes qua- dros do regime. “A citação de conceituados oficiais de nossas Forças Armadas, como os gene- rais Confúcio, Bandeira, Octávio Medeiros e Euclides Figueiredo (todos da ativa) e comandante Clemente, atual diretor da Aca- demia de Polícia (reserva), como supostos torturadores leva-nos a crer ser prudente não darmos crédito a tais denúncias”, escre- ve o tenente-coronel Juarez de Deus Gomes da Silva, diretor da Divisão da Segurança de Infor- mações do Ministério da Justiça, à época. Outro argumento, além de a denúncia ferir a honra de mili- tares renomados, foi a falta de um “tradutor exclusivo” para redigir em português o texto da denúncia, trabalho que deman- daria seis meses. O Ministério das Relações Exteriores tam- bém alegava que os aponta- mentos não faziam sentido, pois não havia registro de agres- sões a presas no país. “Já nesta DSI (Divisão de Segurança de In- formações) não há registro nem conhecimento de torturas no Brasil.” O documento também reserva anexo para detalhar a morte de 12 mulheres que so- freram agressões de militares, por pertencer a grupos revolu- cionários. A denúncia questiona ainda o paradeiro de quatro de- saparecidas. Os documentos que se tornaram públicos nesta semana, e estão sob a guarda do Arquivo Nacional, são uma compilação da troca de ofícios entre o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Jus- tiça e têm 258 páginas. As denúncias de violação aos direitos humanos chegaram à ONU por intermédio da Federa- ção Sindical Mundial, então pre- sidida por Enrique Pastorino, que assina o texto. Além das mulheres torturadas, o docu- mento lista mulheres mortas e desaparecidas durante exercí- cio de militância revolucionária. Relato da organização interna- cional informa ao governo bra- sileiro sobre violência sexual contra as mulheres, praticada pelos militares. “Em São Paulo os oficiais, sargentos e agentes da Operação Bandeirantes fre- quentemente estupram presas políticas antes, durante e depois de infligirem torturas cruéis. (…) Na cidade de Belo Horizonte, em unidade policial, jovens en- tre 12 e 15 anos são torturadas na presença de presos políticos, como forma de demonstração. (…) Mulheres fazem visitas e são obrigadas a tirar a rouba e se submeter a exame ginecológi- co”, traz a denúncia da ONU en- caminhada ao Ministério das Relações Exteriores. Além de determinar o arqui- vamento das denúncias, a con- sultoria jurídica do MRE indi- cou que o documento fosse analisado pelo Ministério da Justiça, aos cuidados do Depar- tamento de Polícia Federal. “To- davia, se outro for o entendi- mento de vossa senhoria, creio que esta consultoria poucas condições tem de adentrar pelo mérito da questão sem o pre- cioso concurso do Departamen- to de Polícia Federal”, assina Edelberto Luiz da Silva, que ocu- pava o cargo de consultor jurí- dico do ministério. IMAGEM Os documentos reve- lam que a ordem era ignorar as denúncias internacionais, mas os militares estavam preocupa- dos com o estrago que a reper- cussão das agressões poderia causar na imagem do Brasil no exterior. A ordem interna era tratar os relatos como “técnica subversiva de tornar a imagem negativa do país no exterior”. Para contornar as críticas que re- cebia de instituições internacio- nais que monitoravam as viola- ções aos direitos humanos, os militares criaram um gabinete interministerial para avaliar as denúncias que chegavam. O Ita- maraty seria o responsável por reunir as denúncias, como coor- denador do grupo de trabalho. Mas uma ordem expressa em um ofício do Ministério das Relações Exteriores deixa claro que toda informação terá que ser compartilhada, acabando assim com qualquer possibili- dade de a pasta responsável pe- lo contato com instituições es- trangeiras cuidar sozinha das denúncias. “O Ministério da Jus- tiça funciona como órgão inter- no de coordenação ao qual se- rão transmitidas as informa- ções recebidas pelo Itamaraty dos organismos internacio- nais”, ordenaram os militares, para controlar as informações que chegavam do exterior. Em vez de apurar as denún- cias, os documentos mostram que os militares se apressaram em escalar consultores jurídicos para elaborar “defesa” do Brasil junto à ONU, se o organismo in- ternacional decidisse questio- nar o país de forma mais incisi- va. As informações sobre viola- ções de direitos humanos eram tratadas como “dossiês” contra o governo. “No sentido de que o presente processo deva ser ins- truído para servir de base à res- posta que o Brasil deva apresen- tar como defesa, no âmbito da ONU. Assim, proponho o seu encaminhamento à DSI deste ministério para que informe a respeito das acusações formula- das no dossiê anexo”, orientou o consultor jurídico Hélio Fon- seca, antes de o governo decidir ignorar a resposta à ONU. No documento, o Ministério da Justiça também lista nomes de desaparecidos e mortos polí- ticos que representariam o maior “risco” para a imagem do país, pois o episódio dos crimes não tinha suporte jurídico elabo- rado pelos consultores. Além da denúncia da Federação Sindical Mundial, o governo militar foi acionado a responder por agres- sões a outros 1.081 cidadãos bra- sileiros relacionados pela ONU. Octávio Medeiros, em 1968: apontado até pela ONU como torturador ARQUIVO/EM - 6/12/68 ONU denunciou repressão Trecho do relatório em que a militante Dilma é citada entre 335 nomes

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Entre os nomes listados pelas Nações Unidas em 1974 como vítimas da ditadura constavao de Dilma Rousseff. O então general Otávio Medeiros era citado como um dos torturadores

POLÍTICA

E S T A D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2

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MARIA CLARA PRATES

O advogado Genival Touri-nho, deputado cassado duran-te a ditadura militar, revelouque o então tenente-coronelOctávio Aguiar Medeiros tortu-rou presos quando estava lota-do nas dependências da 4ª Re-gião Militar, na Rua Juiz de Fo-ra, Barro Preto, Região Centro-Sul da capital. Conhecido àépoca apenas como Medeiros,o oficial do Exército teria sido oresponsável pelo espancamen-to de vários presos políticos,durante o período de repres-são. O general, que chefiou o te-mido Serviço Nacional de In-formações (SNI), de 1978 a1985, e ainda o Comando Mili-tar da Amazônia (CMA), temseu nome na relação de tortu-radores do livro Brasil: torturanunca mais. Coincidência ounão, em seu depoimento aoConselho de Defesa dos Direi-tos Humanos de Minas Gerais(Conedh-MG), em 25 de outu-bro de 2001, a presidente DilmaRousseff citou como um deseus torturadores em Minasum homem que atendia pelaalcunha de dr. Medeiros.

O general Medeiros, que dei-xou a cena nacional em 1987 aoentrar para a reserva, cruzou ocaminho de Dilma ao presidir oInquérito Policial Militar (IPM)que resultou na prisão da entãomilitante, em 1970, no Rio de Ja-neiro. À época, o militar chefia-va o Centro de Preparação deOficiais da Reseva (CPOR), emBelo Horizonte. Atuando emMinas, o general Medeiros ga-nhou notoriedade nacional aoconseguir pôr fim a um dos

Medeiros, um nome ligado à tortura

Nunca falei comele. Mas possoatestar que eleparticipoude váriosespancamentos naRua Juiz de Fora

■■ Genival Tourinho, deputado cassadopela ditadura e advogado que defendeuvários presos políticos a partir de 1965,se referindo ao general Medeiros

Tentativa frustradade golpe

MEMÓRIA

A passagem do general Golbery do Couto eSilva (foto) por Belo Horizonte, foimotivada por uma tentativa frustrada degolpe contra o governo de JuscelinoKubitschek. Em 24 de agosto de 1954,quando Getúlio Vargas se suicidou,Golbery era adjunto do Departamento deEstudos da Escola Superior de Guerra(ESG). Em fevereiro de 1955, JK foi lançadopelo Partido Social Democrático (PSD)como candidato a presidente da República,tendo como vice João Goulart. O grupomilitar da ESG, liderado por Golbery, nãoapoiou Juscelino e, quando ele foi eleito,tentaram impedir sua posse com um

golpe. Suas aspirações foram barradas noMovimento de 11 de Novembro, chefiadopelo ministro da Guerra de João Café Filho,general Henrique Lott, que assegurou aposse de JK e Goulart. Em razão disso,Golbery foi preso por oito dias e depoistransferido para a 4ª Divisão do Exército nacapital mineira.

mais aguerridos grupos de re-sistência à ditadura militar, oComando de Libertação Nacio-nal, o Colina, ao qual a presiden-te era filiada.

A perseguição a Dilma Rous-seff teria se iniciado a partir dainformação de que ela planeja-va a fuga de um dos cabeças domovimento, Ângelo Pezzuti,que estava detido no Presídiode Linhares, em Juiz de Fora, Zo-na da Mata. O advogado Geni-val Tourinho, que defendeu vá-rios presos políticos a partir de1965, contou que viu o entãotenente-coronel Medeiros vá-rias vezes na sede da 4ª Divisãodo Exército em Belo Horizonte.“Nunca falei com ele. Mas pos-so atestar que ele participou de

vários espancamentos na RuaJuiz de Fora.”

Com intensa vida política,que o levou à Câmara dos Depu-tados em 1969 e depois na legis-latura de 1974, Tourinho revelaque, além do general Medeiros,o também temido general Gol-bery do Couto e Silva viveu pordois anos em Belo Horizonte,servindo também na 4ª Divisãodo Exército, ainda no posto demajor. Segundo o advogado,Golbery – considerado um dosideólogos do golpe militar de1964 que depôs o presidenteJoão Goulart e chegou à chefiada Casa Civil no governo do ge-neral Ernesto Geisel em 1974 –não via o general Medeiros combons olhos. O advogado lembra

que Golbery, depois de deixar ogoverno, classificou o colega defarda como “trapalhão”, duran-te um encontro dos dois na sededo extinto Banco Cidade de SãoPaulo, em Brasília, às 16h. “Gol-bery queria se inteirar das cir-cunstâncias do atentado que so-fri em 1980, a 300 metros do ae-roporto de Brasília, ocorrido nodia anterior.” Tourinho teve ocarro alvejado por tiros logo de-pois de denunciar envolvimen-to de oficiais do Exército emações de extrema direita.

TRAPALHADA Segundo Touri-nho, que relatou o encontroem seu livro Baioneta calada ebaioneta falada, depois de ou-vir a descrição do atentado,

Golbery apontou o general Me-deiros como suposto autor.“Ah, bom, eu estava meio emdúvida, porque isso não estáme parecendo coisa do Pires(Leônidas Pires, ministro doExército durante o governo Jo-sé Sarney). Está me cheirando acoisa do Medeiros... Eu não te-nho dúvida nenhuma em dizerque efetivamente isso foi tra-palhada do Medeiros”, conta oadvogado em um trecho do li-vro. Antes do atentado, GenivalTourinho denunciou os gene-rais Antônio Bandeira, MiltonTavares de Souza e José LuizCoelho como responsáveis pe-lo que chamou de OperaçãoCristal, que incluía uma sériede atentados terroristas.

De janeiro a agosto de 1980foram registrados no país 46atentados políticos contra ban-ca de jornais, associações civis,redações, entre outros, além doque causou a morte da funcio-nária da Ordem dos Advogadosdo Brasil (OAB) do Rio LydaMonteiro da Silva. A denúnciade Tourinho não foi investiga-da, mas lhe rendeu um proces-so com base na Lei de SegurançaNacional, que resultou, em1981, na sua condenação a seismeses de prisão e na cassaçãode direitos políticos.

LEIA AMANHÃNOVOS RELATOS SOBRE DILMAE O PERÍODO DA DITADURA

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JOSIE JERONIMO

O Ministério das Relações Ex-teriores recebeu em novembrode 1974 denúncia de violaçãodos direitos humanos, encami-nhada pela Organização das Na-ções Unidas (ONU), relatandocasos de tortura de 335 mulhe-res brasileiras, entre elas DilmaVana Rousseff. A atual presiden-te é a 56ª mulher descrita noanexo 7 da denúncia da ONU.No documento em inglês ela éapresentada como uma “estu-dante de Minas Gerais, presa emSão Paulo em 1970, condenada a13 meses em agosto de 1971 noestado da Guanabara, bem co-mo a quatro anos pelo SegundoTribunal Militar em São Paulo,em 18 de setembro de 1971”.

Apesar de a primeira denún-cia, que chegou em setembro de1972, relatar atrocidades come-tidas pelos militares, o governosó analisou formalmente o avi-so em maio de 1975 e decidiu ig-norar o alerta da ONU, alegandoque o documento atacava aimagem de importantes qua-dros do regime. “A citação deconceituados oficiais de nossasForças Armadas, como os gene-rais Confúcio, Bandeira, OctávioMedeiros e Euclides Figueiredo(todos da ativa) e comandanteClemente, atual diretor da Aca-demia de Polícia (reserva), comosupostos torturadores leva-nosa crer ser prudente não darmoscrédito a tais denúncias”, escre-ve o tenente-coronel Juarez deDeus Gomes da Silva, diretor daDivisão da Segurança de Infor-mações do Ministério da Justiça,à época.

Outro argumento, além de adenúncia ferir a honra de mili-tares renomados, foi a falta deum “tradutor exclusivo” para

redigir em português o texto dadenúncia, trabalho que deman-daria seis meses. O Ministériodas Relações Exteriores tam-bém alegava que os aponta-mentos não faziam sentido,pois não havia registro de agres-sões a presas no país. “Já nestaDSI (Divisão de Segurança de In-formações) não há registro nemconhecimento de torturas noBrasil.” O documento tambémreserva anexo para detalhar amorte de 12 mulheres que so-freram agressões de militares,por pertencer a grupos revolu-cionários. A denúncia questionaainda o paradeiro de quatro de-saparecidas. Os documentosque se tornaram públicos nestasemana, e estão sob a guarda doArquivo Nacional, são umacompilação da troca de ofíciosentre o Ministério das RelaçõesExteriores e o Ministério da Jus-tiça e têm 258 páginas.

As denúncias de violação aosdireitos humanos chegaram àONU por intermédio da Federa-ção Sindical Mundial, então pre-sidida por Enrique Pastorino,que assina o texto. Além dasmulheres torturadas, o docu-mento lista mulheres mortas edesaparecidas durante exercí-cio de militância revolucionária.Relato da organização interna-cional informa ao governo bra-sileiro sobre violência sexualcontra as mulheres, praticadapelos militares. “Em São Pauloos oficiais, sargentos e agentesda Operação Bandeirantes fre-quentemente estupram presaspolíticas antes, durante e depoisde infligirem torturas cruéis. (…)Na cidade de Belo Horizonte,em unidade policial, jovens en-tre 12 e 15 anos são torturadasna presença de presos políticos,como forma de demonstração.

(…) Mulheres fazem visitas e sãoobrigadas a tirar a rouba e sesubmeter a exame ginecológi-co”, traz a denúncia da ONU en-caminhada ao Ministério dasRelações Exteriores.

Além de determinar o arqui-vamento das denúncias, a con-sultoria jurídica do MRE indi-cou que o documento fosseanalisado pelo Ministério daJustiça, aos cuidados do Depar-tamento de Polícia Federal. “To-davia, se outro for o entendi-mento de vossa senhoria, creioque esta consultoria poucas

condições tem de adentrar pelomérito da questão sem o pre-cioso concurso do Departamen-to de Polícia Federal”, assinaEdelberto Luiz da Silva, que ocu-pava o cargo de consultor jurí-dico do ministério.

IMAGEM Os documentos reve-lam que a ordem era ignorar asdenúncias internacionais, masos militares estavam preocupa-dos com o estrago que a reper-cussão das agressões poderiacausar na imagem do Brasil noexterior. A ordem interna era

tratar os relatos como “técnicasubversiva de tornar a imagemnegativa do país no exterior”.Para contornar as críticas que re-cebia de instituições internacio-nais que monitoravam as viola-ções aos direitos humanos, osmilitares criaram um gabineteinterministerial para avaliar asdenúncias que chegavam. O Ita-maraty seria o responsável porreunir as denúncias, como coor-denador do grupo de trabalho.

Mas uma ordem expressaem um ofício do Ministério dasRelações Exteriores deixa claroque toda informação terá queser compartilhada, acabandoassim com qualquer possibili-dade de a pasta responsável pe-lo contato com instituições es-trangeiras cuidar sozinha dasdenúncias. “O Ministério da Jus-tiça funciona como órgão inter-no de coordenação ao qual se-rão transmitidas as informa-ções recebidas pelo Itamaratydos organismos internacio-nais”, ordenaram os militares,para controlar as informaçõesque chegavam do exterior.

Em vez de apurar as denún-cias, os documentos mostramque os militares se apressaram

em escalar consultores jurídicospara elaborar “defesa” do Brasiljunto à ONU, se o organismo in-ternacional decidisse questio-nar o país de forma mais incisi-va. As informações sobre viola-ções de direitos humanos eramtratadas como “dossiês” contrao governo. “No sentido de que opresente processo deva ser ins-truído para servir de base à res-posta que o Brasil deva apresen-tar como defesa, no âmbito daONU. Assim, proponho o seuencaminhamento à DSI desteministério para que informe arespeito das acusações formula-das no dossiê anexo”, orientouo consultor jurídico Hélio Fon-seca, antes de o governo decidirignorar a resposta à ONU.

No documento, o Ministérioda Justiça também lista nomesde desaparecidos e mortos polí-ticos que representariam omaior “risco” para a imagem dopaís, pois o episódio dos crimesnão tinha suporte jurídico elabo-rado pelos consultores. Além dadenúncia da Federação SindicalMundial, o governo militar foiacionado a responder por agres-sões a outros 1.081 cidadãos bra-sileiros relacionados pela ONU.

Octávio Medeiros, em 1968: apontado até pela ONU como torturador

ARQUIVO/EM - 6/12/68

ONU denunciou repressão

Trecho do relatório em que a militante Dilma é citada entre 335 nomes