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Entre os nomes listados pelas Nações Unidas em 1974 como vítimas da ditadura constavao de Dilma Rousseff. O então general Otávio Medeiros era citado como um dos torturadores
POLÍTICA
E S T A D O D E M I N A S ● S Á B A D O , 2 3 D E J U N H O D E 2 0 1 2
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MARIA CLARA PRATES
O advogado Genival Touri-nho, deputado cassado duran-te a ditadura militar, revelouque o então tenente-coronelOctávio Aguiar Medeiros tortu-rou presos quando estava lota-do nas dependências da 4ª Re-gião Militar, na Rua Juiz de Fo-ra, Barro Preto, Região Centro-Sul da capital. Conhecido àépoca apenas como Medeiros,o oficial do Exército teria sido oresponsável pelo espancamen-to de vários presos políticos,durante o período de repres-são. O general, que chefiou o te-mido Serviço Nacional de In-formações (SNI), de 1978 a1985, e ainda o Comando Mili-tar da Amazônia (CMA), temseu nome na relação de tortu-radores do livro Brasil: torturanunca mais. Coincidência ounão, em seu depoimento aoConselho de Defesa dos Direi-tos Humanos de Minas Gerais(Conedh-MG), em 25 de outu-bro de 2001, a presidente DilmaRousseff citou como um deseus torturadores em Minasum homem que atendia pelaalcunha de dr. Medeiros.
O general Medeiros, que dei-xou a cena nacional em 1987 aoentrar para a reserva, cruzou ocaminho de Dilma ao presidir oInquérito Policial Militar (IPM)que resultou na prisão da entãomilitante, em 1970, no Rio de Ja-neiro. À época, o militar chefia-va o Centro de Preparação deOficiais da Reseva (CPOR), emBelo Horizonte. Atuando emMinas, o general Medeiros ga-nhou notoriedade nacional aoconseguir pôr fim a um dos
Medeiros, um nome ligado à tortura
Nunca falei comele. Mas possoatestar que eleparticipoude váriosespancamentos naRua Juiz de Fora
■■ Genival Tourinho, deputado cassadopela ditadura e advogado que defendeuvários presos políticos a partir de 1965,se referindo ao general Medeiros
Tentativa frustradade golpe
MEMÓRIA
A passagem do general Golbery do Couto eSilva (foto) por Belo Horizonte, foimotivada por uma tentativa frustrada degolpe contra o governo de JuscelinoKubitschek. Em 24 de agosto de 1954,quando Getúlio Vargas se suicidou,Golbery era adjunto do Departamento deEstudos da Escola Superior de Guerra(ESG). Em fevereiro de 1955, JK foi lançadopelo Partido Social Democrático (PSD)como candidato a presidente da República,tendo como vice João Goulart. O grupomilitar da ESG, liderado por Golbery, nãoapoiou Juscelino e, quando ele foi eleito,tentaram impedir sua posse com um
golpe. Suas aspirações foram barradas noMovimento de 11 de Novembro, chefiadopelo ministro da Guerra de João Café Filho,general Henrique Lott, que assegurou aposse de JK e Goulart. Em razão disso,Golbery foi preso por oito dias e depoistransferido para a 4ª Divisão do Exército nacapital mineira.
mais aguerridos grupos de re-sistência à ditadura militar, oComando de Libertação Nacio-nal, o Colina, ao qual a presiden-te era filiada.
A perseguição a Dilma Rous-seff teria se iniciado a partir dainformação de que ela planeja-va a fuga de um dos cabeças domovimento, Ângelo Pezzuti,que estava detido no Presídiode Linhares, em Juiz de Fora, Zo-na da Mata. O advogado Geni-val Tourinho, que defendeu vá-rios presos políticos a partir de1965, contou que viu o entãotenente-coronel Medeiros vá-rias vezes na sede da 4ª Divisãodo Exército em Belo Horizonte.“Nunca falei com ele. Mas pos-so atestar que ele participou de
vários espancamentos na RuaJuiz de Fora.”
Com intensa vida política,que o levou à Câmara dos Depu-tados em 1969 e depois na legis-latura de 1974, Tourinho revelaque, além do general Medeiros,o também temido general Gol-bery do Couto e Silva viveu pordois anos em Belo Horizonte,servindo também na 4ª Divisãodo Exército, ainda no posto demajor. Segundo o advogado,Golbery – considerado um dosideólogos do golpe militar de1964 que depôs o presidenteJoão Goulart e chegou à chefiada Casa Civil no governo do ge-neral Ernesto Geisel em 1974 –não via o general Medeiros combons olhos. O advogado lembra
que Golbery, depois de deixar ogoverno, classificou o colega defarda como “trapalhão”, duran-te um encontro dos dois na sededo extinto Banco Cidade de SãoPaulo, em Brasília, às 16h. “Gol-bery queria se inteirar das cir-cunstâncias do atentado que so-fri em 1980, a 300 metros do ae-roporto de Brasília, ocorrido nodia anterior.” Tourinho teve ocarro alvejado por tiros logo de-pois de denunciar envolvimen-to de oficiais do Exército emações de extrema direita.
TRAPALHADA Segundo Touri-nho, que relatou o encontroem seu livro Baioneta calada ebaioneta falada, depois de ou-vir a descrição do atentado,
Golbery apontou o general Me-deiros como suposto autor.“Ah, bom, eu estava meio emdúvida, porque isso não estáme parecendo coisa do Pires(Leônidas Pires, ministro doExército durante o governo Jo-sé Sarney). Está me cheirando acoisa do Medeiros... Eu não te-nho dúvida nenhuma em dizerque efetivamente isso foi tra-palhada do Medeiros”, conta oadvogado em um trecho do li-vro. Antes do atentado, GenivalTourinho denunciou os gene-rais Antônio Bandeira, MiltonTavares de Souza e José LuizCoelho como responsáveis pe-lo que chamou de OperaçãoCristal, que incluía uma sériede atentados terroristas.
De janeiro a agosto de 1980foram registrados no país 46atentados políticos contra ban-ca de jornais, associações civis,redações, entre outros, além doque causou a morte da funcio-nária da Ordem dos Advogadosdo Brasil (OAB) do Rio LydaMonteiro da Silva. A denúnciade Tourinho não foi investiga-da, mas lhe rendeu um proces-so com base na Lei de SegurançaNacional, que resultou, em1981, na sua condenação a seismeses de prisão e na cassaçãode direitos políticos.
LEIA AMANHÃNOVOS RELATOS SOBRE DILMAE O PERÍODO DA DITADURA
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JOSIE JERONIMO
O Ministério das Relações Ex-teriores recebeu em novembrode 1974 denúncia de violaçãodos direitos humanos, encami-nhada pela Organização das Na-ções Unidas (ONU), relatandocasos de tortura de 335 mulhe-res brasileiras, entre elas DilmaVana Rousseff. A atual presiden-te é a 56ª mulher descrita noanexo 7 da denúncia da ONU.No documento em inglês ela éapresentada como uma “estu-dante de Minas Gerais, presa emSão Paulo em 1970, condenada a13 meses em agosto de 1971 noestado da Guanabara, bem co-mo a quatro anos pelo SegundoTribunal Militar em São Paulo,em 18 de setembro de 1971”.
Apesar de a primeira denún-cia, que chegou em setembro de1972, relatar atrocidades come-tidas pelos militares, o governosó analisou formalmente o avi-so em maio de 1975 e decidiu ig-norar o alerta da ONU, alegandoque o documento atacava aimagem de importantes qua-dros do regime. “A citação deconceituados oficiais de nossasForças Armadas, como os gene-rais Confúcio, Bandeira, OctávioMedeiros e Euclides Figueiredo(todos da ativa) e comandanteClemente, atual diretor da Aca-demia de Polícia (reserva), comosupostos torturadores leva-nosa crer ser prudente não darmoscrédito a tais denúncias”, escre-ve o tenente-coronel Juarez deDeus Gomes da Silva, diretor daDivisão da Segurança de Infor-mações do Ministério da Justiça,à época.
Outro argumento, além de adenúncia ferir a honra de mili-tares renomados, foi a falta deum “tradutor exclusivo” para
redigir em português o texto dadenúncia, trabalho que deman-daria seis meses. O Ministériodas Relações Exteriores tam-bém alegava que os aponta-mentos não faziam sentido,pois não havia registro de agres-sões a presas no país. “Já nestaDSI (Divisão de Segurança de In-formações) não há registro nemconhecimento de torturas noBrasil.” O documento tambémreserva anexo para detalhar amorte de 12 mulheres que so-freram agressões de militares,por pertencer a grupos revolu-cionários. A denúncia questionaainda o paradeiro de quatro de-saparecidas. Os documentosque se tornaram públicos nestasemana, e estão sob a guarda doArquivo Nacional, são umacompilação da troca de ofíciosentre o Ministério das RelaçõesExteriores e o Ministério da Jus-tiça e têm 258 páginas.
As denúncias de violação aosdireitos humanos chegaram àONU por intermédio da Federa-ção Sindical Mundial, então pre-sidida por Enrique Pastorino,que assina o texto. Além dasmulheres torturadas, o docu-mento lista mulheres mortas edesaparecidas durante exercí-cio de militância revolucionária.Relato da organização interna-cional informa ao governo bra-sileiro sobre violência sexualcontra as mulheres, praticadapelos militares. “Em São Pauloos oficiais, sargentos e agentesda Operação Bandeirantes fre-quentemente estupram presaspolíticas antes, durante e depoisde infligirem torturas cruéis. (…)Na cidade de Belo Horizonte,em unidade policial, jovens en-tre 12 e 15 anos são torturadasna presença de presos políticos,como forma de demonstração.
(…) Mulheres fazem visitas e sãoobrigadas a tirar a rouba e sesubmeter a exame ginecológi-co”, traz a denúncia da ONU en-caminhada ao Ministério dasRelações Exteriores.
Além de determinar o arqui-vamento das denúncias, a con-sultoria jurídica do MRE indi-cou que o documento fosseanalisado pelo Ministério daJustiça, aos cuidados do Depar-tamento de Polícia Federal. “To-davia, se outro for o entendi-mento de vossa senhoria, creioque esta consultoria poucas
condições tem de adentrar pelomérito da questão sem o pre-cioso concurso do Departamen-to de Polícia Federal”, assinaEdelberto Luiz da Silva, que ocu-pava o cargo de consultor jurí-dico do ministério.
IMAGEM Os documentos reve-lam que a ordem era ignorar asdenúncias internacionais, masos militares estavam preocupa-dos com o estrago que a reper-cussão das agressões poderiacausar na imagem do Brasil noexterior. A ordem interna era
tratar os relatos como “técnicasubversiva de tornar a imagemnegativa do país no exterior”.Para contornar as críticas que re-cebia de instituições internacio-nais que monitoravam as viola-ções aos direitos humanos, osmilitares criaram um gabineteinterministerial para avaliar asdenúncias que chegavam. O Ita-maraty seria o responsável porreunir as denúncias, como coor-denador do grupo de trabalho.
Mas uma ordem expressaem um ofício do Ministério dasRelações Exteriores deixa claroque toda informação terá queser compartilhada, acabandoassim com qualquer possibili-dade de a pasta responsável pe-lo contato com instituições es-trangeiras cuidar sozinha dasdenúncias. “O Ministério da Jus-tiça funciona como órgão inter-no de coordenação ao qual se-rão transmitidas as informa-ções recebidas pelo Itamaratydos organismos internacio-nais”, ordenaram os militares,para controlar as informaçõesque chegavam do exterior.
Em vez de apurar as denún-cias, os documentos mostramque os militares se apressaram
em escalar consultores jurídicospara elaborar “defesa” do Brasiljunto à ONU, se o organismo in-ternacional decidisse questio-nar o país de forma mais incisi-va. As informações sobre viola-ções de direitos humanos eramtratadas como “dossiês” contrao governo. “No sentido de que opresente processo deva ser ins-truído para servir de base à res-posta que o Brasil deva apresen-tar como defesa, no âmbito daONU. Assim, proponho o seuencaminhamento à DSI desteministério para que informe arespeito das acusações formula-das no dossiê anexo”, orientouo consultor jurídico Hélio Fon-seca, antes de o governo decidirignorar a resposta à ONU.
No documento, o Ministérioda Justiça também lista nomesde desaparecidos e mortos polí-ticos que representariam omaior “risco” para a imagem dopaís, pois o episódio dos crimesnão tinha suporte jurídico elabo-rado pelos consultores. Além dadenúncia da Federação SindicalMundial, o governo militar foiacionado a responder por agres-sões a outros 1.081 cidadãos bra-sileiros relacionados pela ONU.
Octávio Medeiros, em 1968: apontado até pela ONU como torturador
ARQUIVO/EM - 6/12/68
ONU denunciou repressão
Trecho do relatório em que a militante Dilma é citada entre 335 nomes